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02<br />
<strong>Destak</strong><br />
DESTAK ESPECIAL VERÃO<br />
» Veneno<br />
6ª Feira · 17 de Agosto de <strong>2007</strong><br />
GETTY<br />
O poder da<br />
confiança<br />
Háquemgostedecultivarmedos,esósesintabemrodeado<br />
de fantasmas. Inimigos que são sempre criaturas<br />
desconhecidas e distantes e nunca aqueles que vivem perto<br />
de nós. E, no entanto, a Histórias e as histórias de todos<br />
os dias, dos crimes mais hediondos são em 90% dos casos<br />
cometidos por gente próxima. Monstros disfarçados de<br />
anjinhos, de que ninguém desconfia, porque as nossas<br />
mães – e nós continuamos a repetir o mesmo erro – descrevemos<br />
sempre o lobo mau como um sujeito que se vê a<br />
milhas que é um malandro. E os verdadeiros não têm dentes<br />
de vampiro nem orelhas espetadas (nem com brinco).<br />
A VERDADE, VERDADINHA, é que não suportamos acreditar<br />
que o nosso mundo pequeno e protegido, onde toda a<br />
gente se trata por tu, possa ser tão ou mais ameaçador<br />
doqueaquelequeaparecetodososdiasdoprincípioao<br />
fim dos telejornais. Não admira que as pessoas que menos<br />
saem de casa, e se fecham em vidas circulares, são<br />
aquelas que mais temem o exterior, vítimas daquele que<br />
os especialistas apelidam de Síndrome do Mundo Mau.<br />
As crianças e os velhinhos são os mais afectados, porque<br />
não têm possibilidade de confrontar a realidade que lhes<br />
é apresentada como absoluta, com a realidade de “carne<br />
e osso”, que prova e torna a provar que, apesar de tudo,<br />
em cada esquina continua a haver um amigo.<br />
NÃO PODEMOS DESCONFIAR dos que nos são próximos, porque<br />
isso tornaria a nossa existência num suplício insuportável.<br />
Para nos sentirmos seguros, capazes de controlar a<br />
nossa existência e a daqueles que amamos, não temos<br />
outro remédio senão confiar. E ainda bem porque,<br />
apesar dos erros assumirem geralmente a forma de<br />
um trauma irreparável, não há outra maneira de<br />
fazer pela vida. Evidentemente, e bem, que aprendemos<br />
com os erros cometidos, e só se formos estúpidos<br />
(e tantas vezes o somos) é que os voltamos<br />
a repetir. Mas a experiência não passa de<br />
forma linear de geração em geração, e os nossos<br />
filhos vão mesmo ter de aprender à sua própria<br />
custa, por muito que gostássemos de almofadar<br />
as cabeçadas que vão dando.<br />
MAS TAMBÉM NÃO PODEMOS TEMER todosos“estranhos”quesecruzamnonossocaminho,emenos<br />
ainda coarctar a liberdade dos mais novos, com o pretexto<br />
de que tudo é perigoso. As discotecas, os bares,<br />
os amigos que não conhecemos de parte alguma, os<br />
transportes, o senhor da mercearia que lhes estende<br />
um chupa-chupa ou lhes faz uma festa na cabeça, para<br />
não falar na internet, esse mundo que os adultos<br />
conhecem tão mal e que, por isso mesmo, assumiu o<br />
papel do papão do século XXI.<br />
É CLARO QUE OS CASOS COMO OS DE MADDY nos tiram<br />
do sério, e não há pior pesadelo imaginável do que o<br />
desaparecimento de um filho, mas não temos outro remédio<br />
senão morder os lábios e controlar os nossos<br />
medos. Apesar de tudo, diz-vos uma mãe de três adolescentes,<br />
há maneiras de procurar minimizar os sustos,<br />
que são sempre menores se houver uma tradição<br />
forte de confiança. Ou seja, nem os pais inventam tretas<br />
e usam argumentos irracionais, nem os filhos lhes<br />
seringam os ouvidos com aquela conversa do «mas, os<br />
outros pais todos deixaram», nem mentem sobre local<br />
de destino, meio de transporte e hora de regresso.<br />
NEM SEMPRE SE CONSEGUE ESTABELECER estas relações<br />
de transparência (que, por favor, não são a<br />
mesma coisa do doentio «eu conto-te tudo a ti e vice-<br />
-versa»), mas é preciso que entendam que a tal de confiança<br />
é uma entidade mágica, um fio que nos une, e<br />
queumavezquebradonadapoderemendar.Podecolar-se<br />
com cola-tudo, passajar-se, coser-se, mas a<br />
traição que representa mantém-se mais poderosa do<br />
que tudo, manchando uma ligação inquestionada e inquestionável<br />
que existia entre ambos. A partir dai o jogo<br />
torna-se impossível.<br />
SE FOR CAPAZ DE OS CONVENCER DISSO, edequecumpram<br />
a sua parte, o mundo deixa, definitivamente, de<br />
ser aquele lugar perigoso que nos insistem em impingir.<br />
Como diria o herói da Guerra das Estrelas: «Que a<br />
forçaestejaconvosco.»<br />
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII<br />
Isabel Stilwell | directora