humano e não-humano no espaço da linguagem. - Biolinguagem
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BETO VIANNA<br />
149<br />
E fecha, em um tom triunfal, sua obra O gene egoísta (Dawkins,<br />
1989:222):<br />
Somos construídos como máquinas gênicas e cultivados como máquinas<br />
mêmicas, mas temos o poder de <strong>no</strong>s revoltarmos contra <strong>no</strong>ssos<br />
criadores. Somente nós, na Terra, podemos <strong>no</strong>s rebelar contra a tirania<br />
dos replicadores egoístas.<br />
O que Dawkins explicitamente ig<strong>no</strong>ra em seu discurso é o próprio organismo,<br />
espremido entre os desafios do ambiente e as razões egoístas<br />
de proliferação dos genes. O organismo possui estatuto ontológico - é a<br />
“máquina de sobrevivência” dos genes - mas nenhuma agência: é uma<br />
bola de bilhar aciona<strong>da</strong> pela interação entre duas instâncias causais: o<br />
taco <strong>da</strong> programação genética e a mesa <strong>da</strong>s contingências ambientais.<br />
Ain<strong>da</strong>, a tal máquina de sobrevivência é uma enti<strong>da</strong>de fixa (um eter<strong>no</strong><br />
adulto) desconsiderado todo o percurso ontogênico do organismo e as<br />
contínuas relações com o entor<strong>no</strong> desse organismo em desenvolvimento.<br />
O <strong>huma<strong>no</strong></strong>, por sua vez, apesar de naturalmente competitivo, como os<br />
demais, pode se libertar <strong>da</strong> natureza graças a uma a<strong>da</strong>ptação singular: a<br />
cultura. Se os genes manipulam todos os corpos, entram em cena os “memes”,<br />
programas que ro<strong>da</strong>m apenas na mente humana, culturalmente<br />
her<strong>da</strong>dos. Em linhas gerais, essa <strong>no</strong>ção é bastante dissemina<strong>da</strong>, inclusive<br />
nas ciências sociais, ao convergir as distinções <strong>huma<strong>no</strong></strong>-não-<strong>huma<strong>no</strong></strong> e<br />
natureza-cultura (ver discussão em Oyama, 2000b).<br />
É <strong>no</strong>tável a semelhança <strong>da</strong> evolução como representações diferenciais<br />
do ambiente <strong>no</strong> ge<strong>no</strong>ma, com a cognição como representações diferenciais<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de na mente. Ao discurso cognitivista de me<strong>no</strong>r ou maior<br />
aproximação do organismo a uma reali<strong>da</strong>de objetiva, corresponde um<br />
discurso a<strong>da</strong>ptacionista 7 , que fornece a chave histórica para a distribuição<br />
progressiva de organismos me<strong>no</strong>s e mais “cognitivos” na evolução. É<br />
o que meu colega Rubén Gómez-Soria<strong>no</strong> e eu chamamos, parafraseando<br />
Lovejoy (1998), de “A Grande Cadeia <strong>da</strong> Cognição” (Gómez-Soria<strong>no</strong> e<br />
Vianna, 2008:179; Vianna e Gómez-Soria<strong>no</strong>, 2010) e o grande entrave<br />
epistemológico para uma compreensão adequa<strong>da</strong> do viver do organismo.<br />
Felizmente há alternativas, que vêm obtendo sucesso reprodutivo<br />
e disseminando seus memes pela literatura acadêmica. Ganha terre<strong>no</strong><br />
a consideração do papel <strong>da</strong> ontogenia na evolução, e <strong>da</strong>s ações do organismo<br />
durante a ontogenia, como proposto na Teoria dos Sistemas<br />
7. Para uma excelente discussão e comparação <strong>da</strong>s estratégias cognitivistas e a<strong>da</strong>ptacionistas, ver Varela,<br />
Thompson e Rosch, 1997.