Semeando conhecimento - Universidade Positivo
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POLÊMICA<br />
O dólar está perdendo sua<br />
moeda mundial?<br />
Crônica de uma realidade anunciada<br />
Hugo Eduardo Meza Pinto 1 | Marianne Cabral Baggio 2<br />
SIM<br />
A análise econômica é, sem dúvida,<br />
um ato complexo ou fácil, dependendo<br />
do momento da percepção e<br />
observação. Falar sobre a desvalorização<br />
do dólar, em tempos em que o<br />
mundo assiste a uma grande crise<br />
financeira gerada no país que emite<br />
essa moeda e é o responsável por<br />
30% da produção desse planeta, é<br />
desafiador. Primeiro, pelos impactos<br />
que essa crise pode causar no restante<br />
dos países, especialmente nos emergentes,<br />
como o Brasil. Segundo, pela<br />
voracidade dos capitais especulativos<br />
e sua capacidade de desvendar/<br />
estourar uma bolha financeira mundial<br />
ainda não dimensionada. A realidade<br />
é que há uma série de motivos que se<br />
entrelaçam e deixam transparecer que<br />
essa crise não é tão passageira assim e<br />
que de alguma forma abalará a moeda<br />
americana e sua referência econômica<br />
mundial.<br />
Ao longo desses últimos anos, os<br />
Estados Unidos financiaram seus<br />
déficits gêmeos (interno e externo)<br />
emitindo moeda, situação que, como<br />
rezam os manuais de economia, só<br />
nesse país não causa inflação por ser<br />
o dólar a moeda de referência mundial,<br />
pelo menos em curto e médio prazos.<br />
Ao mesmo tempo, o crescimento<br />
significativo de países emergentes,<br />
como China (10%) e Índia (8%), absorveu<br />
essa irrigação de dólares americanos no<br />
mundo, amparando a emissão de moeda<br />
e o aumento dos gastos do governo Bush,<br />
como sua política de guerra. Depois de se<br />
retirarem em 1971 do padrão ouro, estabelecido<br />
no acordo de Bretton Woods, os<br />
americanos criaram o padrão dólar, tendo<br />
como único lastro para suas emissões de<br />
moeda a confiança que o mundo deposita<br />
na sua economia.<br />
Atualmente, a abundância dessa moeda<br />
e a crise financeira desenvolvida no<br />
sistema financeiro americano colocam<br />
em questionamento a possibilidade de<br />
continuar usando o dólar como referência<br />
de valor internacional. Entre agosto de<br />
2006 e 2007, Japão, China, Reino Unido,<br />
grandes petroleiras e Brasil mostraram um<br />
aumento tímido de 235 bilhões na compra<br />
de dólares. As únicas grandes compras<br />
foram do Reino Unido (189,4 bilhões) e<br />
Brasil (63,6 bilhões), enquanto a China<br />
aumentou seu investimento em apenas<br />
13 bilhões e o Japão diminuiu em 37,9<br />
bilhões. Isso mostra a perda de interesse<br />
dos maiores compradores da dívida norteamericana<br />
de continuarem os credores que<br />
costumavam ser.<br />
Outro fato que chama a atenção é a<br />
incapacidade do Banco Central Americano<br />
(FED) de intervir de forma eficiente nessa<br />
crise. Este mês, na tentativa de diminuir a<br />
possibilidade de recessão da economia<br />
americana, o FED diminuiu 0,75% da taxa<br />
de juros. Este foi o sexto corte consecutivo<br />
nos juros americanos, que, no entanto, não<br />
impediu posteriores quedas dos índices<br />
das bolsas de valores pelo mundo. Como<br />
se não bastasse a constatação de recessão<br />
da economia americana, já admitida pelo<br />
próprio presidente do FED, Ben Bernanke,<br />
a possibilidade de contágio da crise do<br />
subprime imobiliário ao restante do sistema<br />
é latente.<br />
Nesse contexto de crise da principal<br />
economia mundial, o mais recomendável<br />
para países como o Brasil, que ensaiam<br />
crescimentos significativos depois de anos<br />
de recessão econômica, é esperar que<br />
a grande economia americana faça um<br />
pouso forçado que não abale as condições<br />
do mercado mundial e, principalmente, que<br />
possa conduzir de forma menos dramática<br />
suas próprias políticas macroeconômicas.<br />
Nesse sentido, o debate das próximas<br />
eleições americanas terá um cunho mais<br />
econômico do que geopolítico.<br />
No que tange ao dólar, este dificilmente<br />
continuará, em longo prazo, sendo usado<br />
como referência mundial. Por enquanto, o que<br />
sustenta sua utilização no comércio mundial<br />
e nas transações financeiras internacionais<br />
é a força hegemônica que os Estados Unidos<br />
ainda têm no mundo, assim como sua<br />
relevância econômica e produtiva.<br />
1 Doutor pela USP e professor da Escola de Negócios da <strong>Universidade</strong> <strong>Positivo</strong>.<br />
2 Jornalista pela <strong>Universidade</strong> <strong>Positivo</strong> e estudante de Mestrado da University of the West of England.<br />
10 Negócios em Revista Maio 2008