entrevista exclusiva João Paulo Oliveira e Costa “Escrevo romances nunca esquecendo que sou um historiador” Por Ana Teresa Ferreira Joana, a Louca, po<strong>de</strong>ria ter sido a mais po<strong>de</strong>rosa mulher do século XVI, mas optou sempre pela força <strong>da</strong>s suas paixões. Criando um enredo <strong>de</strong> espionagem e traição, o autor completa com este romance um ciclo em torno <strong>de</strong> Os Amigos do Rei. © A. Sequeira
Olhava-se o mundo com coragem, como algo a tomar, a conquistar. D. Manuel her<strong>da</strong>ra um Portugal em expansão e jogava, sem medo, com as gran<strong>de</strong>s monarquias europeias. Nos bastidores <strong>de</strong>sse mundo <strong>de</strong> novas e antigas rotas <strong>de</strong> especiarias, João Paulo Oliveira e Costa conta a trágica e apaixonante vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma rainha que queria apenas amar. Círculo <strong>de</strong> Leitores (CL) – Este livro encerra o ciclo Os Amigos do Rei, cujos títulos anteriores foram O Império dos Par<strong>da</strong>is e O Fio do Tempo. Há alguma evolução? João Paulo Oliveira e Costa (JPOC) – A intriga dos dois primeiros romances centra-se na História <strong>de</strong> Portugal e na construção do império marítimo. Em O Cavaleiro <strong>de</strong> Olivença, o enredo passa pelas relações luso-castelhanas, e em especial pela história política <strong>de</strong> Castela entre 1500 e 1521. Em contraparti<strong>da</strong>, não se per<strong>de</strong> a perspetiva do império português nascente e é apresentado, pela primeira vez, um capítulo passado na Índia. A sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> indómita e a incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir as funções <strong>de</strong> Estado fazem <strong>de</strong> Joana uma personagem trágica e XVI), que tem muitas lacunas documentais e em que estamos permanentemente a colocar hipóteses. Passar <strong>da</strong>í para a narrativa romancea<strong>da</strong> é, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, um exercício fácil. O que faço é perguntar “e se?”. E se, por exemplo, Joana tivesse tido outro amor? A ficção acontece nesse momento. CL – Desliga<strong>da</strong> do enredo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que a ro<strong>de</strong>ia, Joana parece assumir uma emotivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e uma paixão mal vistas à época. Como foi revisitar o percurso <strong>de</strong>sta rainha, que ficou para a história como A Louca? JPOC – Como historiador, Joana sempre me fascinou. Cruzei-me com ela quando li as crónicas do reinado dos Reis Católicos e quando começava a preparar a biografia <strong>de</strong> D. Manuel I. Apercebi- -me então <strong>da</strong> sua importância política e do seu <strong>de</strong>stino trágico, às mãos do marido, do pai, do filho, e até do cunhado, D. Manuel I. A sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> indómita e a incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir as funções <strong>de</strong> Estado que herdou fazem <strong>de</strong> Joana uma personagem trágica. 15. Entrevista com o Autor CL – Fale-nos um pouco do protagonista, Vasco <strong>de</strong> Melo. JPOC – Vasco <strong>de</strong> Melo é uma personagem exagera<strong>da</strong>, porque congrega particularismos que, normalmente, encontramos dispersos por muitas pessoas. Os seus tiques dão-lhe uma aura especial e a sua fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> aos amigos tornam-no quase ingénuo. Por outro lado, o cargo <strong>de</strong> chefe dos espiões serve <strong>de</strong> contrapeso e dá-lhe <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> psicológica, os amores fracassados dão-lhe uma dimensão dramática e a itinerância permanente enquadra-o num mundo em mu<strong>da</strong>nça. Pelas suas causas, apesar <strong>de</strong> ser fi<strong>da</strong>lgo, tanto faz <strong>de</strong> forcado como <strong>de</strong> bobo, ou até <strong>de</strong> marido enganado. Esta personali<strong>da</strong><strong>de</strong> singular foi sendo cria<strong>da</strong> ao longo <strong>de</strong>stes anos <strong>de</strong> forma espontânea, sem referência histórica concreta. É simplesmente a minha personagem favorita, o meu herói. CL – Mas representa um espião do rei… JPOC – Pouco ou na<strong>da</strong> se sabe sobre os espiões no tempo <strong>de</strong> D. Manuel I, mas sabemos que existiam. O rei tinha um serviço <strong>de</strong> informadores que circulava permanentemente entre a corte castelhana e a sua, havia leis sobre controlo <strong>de</strong> informação e conhecemos mesmo mensagens cifra<strong>da</strong>s. CL – Sendo historiador, em que momento sente que as personagens escapam ao domínio <strong>da</strong> História e se afirmam com vi<strong>da</strong> própria? Como li<strong>da</strong> com essa “per<strong>da</strong> <strong>de</strong> chão”? JPOC – Escrevo romances nunca esquecendo que sou historiador. Trabalho sobre uma época (os séculos XV CL – Este livro faz-nos também conhecer por <strong>de</strong>ntro as gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s europeias <strong>de</strong> então. Há alguma razão especial para isso? JPOC – Tenho um fascínio particular pelas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s como organismos vivos. As ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s refletem as dinâmicas dos seus ci<strong>da</strong>dãos e recebem os reflexos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana à escala global. De Veneza a Londres, queria que o leitor sentisse o fervilhar <strong>de</strong> gente, a circulação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e especiarias, mas também as encruzilha<strong>da</strong>s e a coexistência entre o antigo e o mo<strong>de</strong>rno. CL – E por falar em ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, porquê localizar o romance em Olivença? JPOC – Olivença é a única locali<strong>da</strong><strong>de</strong> oficialmente portuguesa que não está sob a administração do Estado português. Tendo Portugal uma fronteira estável há mais <strong>de</strong> 700 anos, o caso <strong>de</strong> Olivença é singular e continua por resolver. Em to<strong>da</strong> a narrativa se afirma que Olivença é terra <strong>de</strong> Portugal, e se fala <strong>de</strong>la como <strong>de</strong> um pe<strong>da</strong>ço do Alentejo, o que é indiscutível se falarmos no século XVI. Nesse sentido, este é também um romance provocador. •