26UM ABRAÇOCAIO MEIRAquando nos encontramos e nos abraçamos por apenasalguns segundos, quando coloquei minha cabeça ao ladoda sua e o seu tronco por poucos instantes se colouao meu tronco, com minha mão pousada nas suascostas, sobre sua pele, sobre sua colunavertebral, nisso que se define normalmente como um abraçode cumprimento, de duas pessoas que não se veem háalgum tempo e por algum tempo se abraçampara celebrar a alegria do encontro, do reconhecimentodo rosto, do corpo, da vida mútua, esse abraçocomemora, numa pequena intimidade, um encontro,ainda que, de modo furtivo, um pequeno lapso de tempo, doisou três segundos, pouca coisa mais ou menos do queisso, esse abraço que envolve meu tronco no seu tronco, deonde brota o seu corpo, de onde nascem os seus membrose por onde circulam fluidos e voltagens elétricas emrajadas ínfimas regulando o tônus que dá integridade aoseu corpo, que faz com que seu corpo esteja de pé,na minha frente, comandando seus braços a se entrelaçaremnos meus nessa configuração que caracteriza o abraço, esse equalquer outro, nesse abraço em que nossos corpos se tocarame que por parcos segundos senti sob a minha mãosuas costas, sua espinha dorsal e suas costelas sob meus dedos,(...)O poema que escolho como um dos que mais me têm causadoimpacto entre os escritos por poetas nascidos depoisde 1960 é “Um abraço”, do livro inédito Romance, da poesiareunida de Caio Meira, que está no prelo. Em seu novo livro,entre outras coisas, o poeta se empenha por dizer – e diz– uma vida entre outras, uma vida qualquer entre outras,alguns modos cotidianos de vida entre outros, alguns acontecimentosvividos em algum momento por qualquer umentre outros. Trata-se de mostrar que os microacontecimentosde quaisquer modos de vida anônimos trazem consigoa força do pequeno, do mínimo, da singularidade de cadacotidiano. Em um encontro fortuito e furtivo ocorrido emqualquer lugar entre duas pessoas quaisquer que não seveem há muito, do qual e das quais nada sabemos, surge obelíssimo “Um abraço”, “para celebrar a alegria do encontro”.Com sua frase longa e única, com sua sintaxe retorcida a realizaro abraço do qual fala, somos abraçados por um gestopoético que, num lapso de tempo, libera em nós e para nós,a partir de uma fenomenologia para um abraço, a intensidadede um afeto que, gratuitamente, teima em insistir.Em “Um abraço”, comparece, de modo muito singular, o queobsessivamente é uma das maiores forças dessa poesia: ade ser uma poética do entrelaçamento.Alberto Pucheu
A NOVA POESIA BRASILEIRA27TERNOANDRÉ LUIZ PINTOCerta como a manhã que nasceé a juventude que morre.São horas frias e sombriasentre alfaces e orquídeasmeandros de luz e um certo largode favela que espraia no morroalto e incólume; este lupanarque desde menino visitonos sonhos, sob altas horaseste remédio que me visita aos domingosmas não me corrige a gota.Os pés inchados, a violência dos morrosminha vida já teve um destino maiore as certezas eram quase unânimesmas agora com a mentira estampada nos jornaiscom o aumento do preço do cala-bocaa culpa é de todos, o vazio atravessa o quartoàs vezes pode ser um crime, mas me serve o terno novo.De alguns poetas como André Luiz Pinto, Tarso de Melo e Paulo Ferraz tenho acompanhadoa trajetória desde o primeiro livro. Todos têm um trabalho consistente e afirmam suas vozesa cada novo livro. De André Luiz Pinto, escolhi o poema “Terno” (Terno novo, 7Letras, página21). Atualmente, André Luiz Pinto faz doutorado na UERJ como uma tese sobre a Filosofiada Biologia.André é autor de, entre outros livros, Flor à margem (Edição do autor, 1999), Primeirode abril (Hedra, 2004) e Ao léu (Bem-te-vi, 2007). A poesia de André se caracteriza por umasintaxe pedregosa, cheia de atritos com as palavras, pelo inesperado das imagens e do léxico,por uma tensão permanente de versos presos na garganta. Poesia com alta voltagemdramática e uma carga de hostilidade que faz o leitor ficar instigado e intranqüilo diantedo que se seguirá. Os poemas de André Luiz Pinto são soturnos, doídos, tirados da própriacarne.As suítes como “Índico” e “Em família” de Terno novo revelam melhor o fôlego do poetanos poemas de maior complexidade e potência Os poemas que iniciam Primeiro de abril,e que abrem com a citação do evangelista Marcos (Mar. 14 51-52), também são um ótimoexemplo e já foram muito bem analisados pelo crítico Eduardo Guerreiro. Entretanto, nãocabem no espaço desta edição.“Terno” é um poema menos enviesado, opta pela clareza, mas nele estão presentes característicasfortes da poesia de André. Os dramas particulares que formam uma intricadateia que compõe o tecido social.Donizete Galvão