provavelmente deveríamos chamar o domínio subjetivo de domínio da esperança ou do esperar.Toda língua possui termos que acabaram <strong>por</strong> atingir um âmbito cósmico de referência, quecristalizam em si mesmos os postula<strong>dos</strong> básicos de uma filosofia tácita, em que jaz o pensamentode um povo, de uma cultura, de uma civilização e até mesmo de uma era. Podemos citar algumaspalavras em inglês que atestam esse fato. São elas: reality, substance, matter, cause, e, como temosvisto ao longo deste ensaio, space, time, past, present, future. 10 O termo hopi que responde aesse âmbito cósmico de referência é a palavra normalmente traduzida como hope[esperar/esperança]: tunatya. Ela significa que algo está na ação de esperar, algo espera, espera-se<strong>por</strong> algo, algo se pensa ou é pensado com esperança etc. A maioria das palavras metafísicas emhopi é formada <strong>por</strong> verbos, e não <strong>por</strong> substantivos, como acontece nas línguas europeias. 11 O verbotunatya contém, em sua ideia de esperar, algo que também está presente em nossas palavraspensamento, desejo e causa, que às vezes devem ser usadas para traduzir tunatya. Essa palavra é,de fato, um termo que cristaliza a filosofia hopi do <strong>universo</strong> no que diz respeito ao enormedualismo existente nele, entre os domínios objetivo e subjetivo; é também o termo que os hopisusam para definir o subjetivo.Tunatya se refere ao estado do aspecto subjetivo, indiciante/não indicada, vital, ocasionador,provocador do cosmos, e também à atividade excitante que caminha em direção à fruição e àmanifestação, com que esse aspecto vem a ebulir — numa ação de esperar, isto é, numa atividademental-ocasionadora, que está sempre se esforçando para adentrar o domínio do indiciado.Qualquer um que conheça minimamente a sociedade hopi sabe que os hopis veem essa atividadeflorescente no crescimento das plantas, na formação das nuvens e em sua condensação em formade chuva, no cuida<strong>dos</strong>o planejamento das atividades coletivas de agricultura e arquitetura, e emtoda esperança, desejo, esforço e pensamento humanos. Mais especificamente, essa atividadeflorescente está concentrada na oração, na constante reza esperançosa da comunidade hopi,realizada em suas cerimônias coletivas exotéricas e com seus rituais secretos e esotérios que ocorremnos salões subterrâneos chama<strong>dos</strong> kivas — tal oração conduz a pressão da vontade e do10N.T.: O autor menciona diversas palavras, que podem ser traduzidas para o <strong>por</strong>tuguês como realidade, substância,matéria, causa — cujos senti<strong>dos</strong>, em inglês, também transladam para acontecimento, ocasião etc. —, espaço, tempo, passado,presente, futuro. São conforme podemos observar no texto, também palavras nocionais em <strong>por</strong>tuguês, que atestam uma certa“visão de mundo”, um certo “ponto de vista” — ainda que saibamos que os senti<strong>dos</strong> dessas palavras não estejam associa<strong>dos</strong> asua substância, mas a sua materialidade. Em outras palavras, às condições de produção, à formação social, à formaçãoideológica em que tais palavras brotam. Assim, a palavra “espaço” pode significar diferentemente no Brasil e em Portugal,ainda que a organização das línguas faladas nos dois países seja parecida (o que muda é a ordem do discurso).11N.T.: Vale a pena explicar que as palavras metafísicas de que Whorf fala não se confundem com aquilo que a gramática,em <strong>por</strong>tuguês e em outras tantas línguas, distinguirá entre substantivos concretos e substantivos abstratos.
pensamento coletivos hopis para fora do domínio subjetivo, encaminhando-os para o domínioobjetivo. A forma linguística primordial do verbo tunatya, que é o tunatyava, não significa começara esperar/ter esperança, mas mais propriamente tornar-se verdade, poder estar no rol deexpectativas. O motivo lógico de a expressão ter esse sentido é esclarecido <strong>por</strong> aquilo que jádissemos anteriormente. A forma primordial denota a primeira aparição do objetivo, mas tunatyasignifica basicamente atividade ou força subjetiva; o primordial, assim, é o término de tal atividade.Bem pode ser dito, também, que a forma tunatya, com o significado de tornar-se verdade, é otermo hopi para o objetivo. Se a contrastarmos com o subjetivo, podemos concluir que os doistermos são simplesmente duas diferentes nuances flexionais da mesma raiz verbal: as duasformas cósmicas são os dois aspectos de uma mesma realidade.EM RELAÇÃO AO ESPAÇO, pode-se dizer que o subjetivo é um domínio mental, um domínio carente dequalquer espaço — no sentido objetivo —, mas que parece estar simbolicamente relacionado àdimensão vertical, polarizando o zênite e o nadir, assim como o coração/âmago das coisas, quecorresponde à palavra interior, em seu sentido metafórico. O subjetivo, assim, corresponde a cadaponto de nosso mundo subjetivo num eixo vertical (e vital) que se associa àquilo que chamamos defonte do futuro. No entanto, não há, para os hopis, um tempo futuro; não há nada, no esta<strong>dos</strong>ubjetivo, que corresponda às sequências e sucessões de acontecimentos emaranhadas comdistâncias e configurações fisicamente alteradas que achamos no estado objetivo. A partir de cadaeixo subjetivo — que pode ser considerado mais ou menos vertical e comparável ao crescimentorelativamente retilíneo de uma planta —, estende-se o domínio objetivo em todas as direçõesfísicas, embora essas direções sejam tipificadas mais especificamente pelo plano horizontal e seusquatro pontos cardeais. O objetivo é representado pela grande forma cósmica da extensão; eleincor<strong>por</strong>a to<strong>dos</strong> os aspectos estritamente extensionais da existência, e inclui to<strong>dos</strong> os intervalos edistâncias, todas as séries e números. Sua distância inclui o que chamamos de tempo, no sentidodas relações tem<strong>por</strong>ais entre acontecimentos que já tomaram lugar. Os hopis concebem o tempo eo movimento como interiores ao domínio objetivo num sentido puramente operacional — são umaquestão da complexidade e da magnitude das operações que conectam os acontecimentos —, edessa forma o elemento tempo não se separa de qualquer elemento de espaço que interfira nessasoperações. Por exemplo: dois acontecimentos no passado aconteceram muito longe no tempo (alíngua hopi não possui nenhuma palavra que corresponda ao nosso tempo), quando muitos