3<strong>Medicina</strong> e ÉticaPode parecer estranho que numa publicação desta natureza, onderegistamos os trabalhos apresentados nas Jorna<strong>da</strong>s de Estudo“<strong>Medicina</strong> na Beira Interior - <strong>da</strong> pré-história ao séc. XX”, que desde1989 se vêm realizando à volta <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> obra de AmatoLusitano e <strong>da</strong>s manifestações relaciona<strong>da</strong>s com a medicina produzi<strong>da</strong>spelas gentes <strong>da</strong> Beira Interior ao longo dos tempos, se insira estanota com uma referência explicita à ética. Porquê lembrar as forçasnormativas que governam as acções humanas de modo a torná-lasboas e acerta<strong>da</strong>s?No decurso deste nosso já longo empreendimento, temosacompanhado apresentações de reali<strong>da</strong>des cuja existência pertenceao passado, mas que contribuíram de algum modo para que a reali<strong>da</strong>deactual seja como é. Ora, do ponto de vista <strong>da</strong> medicina, com todosesses contributos, estamos hoje mais próximos <strong>da</strong> solução de muitosdesequilíbrios que afrontam quer o corpo humano em si, quer na suarelação com os outros e com o mundo. As ciências biomédicasalcançaram um desenvolvimento prodigioso, conferindo um poderenorme àqueles que, detentores dos seus saberes e instrumentos,têm o papel social de os aplicar. E sabemos como a acção humanatambém é frágil. A desumani<strong>da</strong>de é tantas vezes um lugar comum,atingindo níveis inconcebíveis. Actuar sobre a vi<strong>da</strong>, pode ter o sentidode a preservar e engrandecer, mas também de a aniquilar.Não é pois descabido, nesta viagem pelos tempos, quando tambémolhamos para o momento de hoje, em que existe uma tal riquezacria<strong>da</strong> para servir o homem, mas que pode ser utiliza<strong>da</strong> com efeitoscontrários, que marquemos o nosso percurso com uma chama<strong>da</strong> deatenção para os valores universais e eternos que configuram a ética.O 11° número dos cadernos de cultura “<strong>Medicina</strong> na Beira Interior -<strong>da</strong> pré-história ao séc. XX”, que vos apresentamos, regista em especialos trabalhos que os nossos investigadores dedicaram a aspectos<strong>da</strong> alimentação son<strong>da</strong>dos na obra de Amato Lusitano ou na BeiraInterior através dos tempos.A direcção
4A RECEITA DO «MANJAR DE FÍGADOS» DO DOUTORAMATO LUSITANO (1511-1568)por Alfredo Rasteiro*Entala<strong>da</strong> entre a Serra <strong>da</strong> Estrela e a vizinha España,a Beira Interior vai do Douro ao Tejo, limita<strong>da</strong>a ocidente pelos rios Côa e Zêzere e a oriente pelosrios Águe<strong>da</strong> e Erges. Região semea<strong>da</strong> de Santuáriosdesde os alvores <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de, os seus habitantesgravaram os xistos do vale do Côa desde há 20 000anos, estiveram em Fratel há 5 000 anos, ergueram edeixaram cair Egitânia. Faltaram-lhe organizaçõesconventuais que desenvolvessem as artes <strong>da</strong> doçariano século XVI e desde sempre viveram inquietações eapertos. «Estas terras orientais, segrega<strong>da</strong>s do núcleoatlântico <strong>da</strong> Nação, guar<strong>da</strong>m, no seu isolamento, umavi<strong>da</strong> popular mais que to<strong>da</strong>s conservadora: nahabitação, no trajar, nas comi<strong>da</strong>s, nas formas deconvivência, na riqueza do folclore e até nos módulosarcaicos <strong>da</strong> canção, ritma<strong>da</strong> pelo adufe, quedesenrola, por cima do ondulado solene do terreno,melodias rituais de igreja primitiva». Era assim noPORTUGAL, O MEDITERRÂNEO E O ATLÂNTICO,1941, 1991, de Orlando Ribeiro. Era assim até que asestra<strong>da</strong>s construí<strong>da</strong>s nos últimos dez anosreaproximaram Guar<strong>da</strong> de Ci<strong>da</strong>de Rodrigo e Salamancae tornaram Castelo Branco mais próxima deLisboa, enquanto os municípios raianos tratam de viverem boa paz com «nuestros hermanos», como é ocaso de I<strong>da</strong>nha-a-Nova com Sierra de Gata, Coria,Alcântara e Valência de Alcântara sob os olhares <strong>da</strong>Senhora do Almortão que nunca virou costas aCastela, por muito que lhe cantassem. Em temposde Europa e de Regionalização, é importanteidentificar, recensear e demarcar. Diz-se que alinguagem reflecte inteligência e carácter e que a Artede Cozinha é o Bilhete de Identi<strong>da</strong>de de um Povo.Desde as primeiras Jorna<strong>da</strong>s de Castelo Branco em31 de Março de 1989 e posteriormente em todos osmeses de Novembro, muito se fez para que houvesseum melhor conhecimento desta região e dos seuspovos, desde a abor<strong>da</strong>gem dos últimos resquícios dofalar Leonês entre os Quadrazenhos do Alto Riba Côa,até aos rituais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte nas terras <strong>da</strong> Egitânia.Caberá às Sessões de 1996 o levantamento possíveldos comeres regionais. Quando em Novembro de 1995se propôs que a Alimentação fosse o tema centraldestas Jorna<strong>da</strong>s, previa-se que o ano fosse de crise,com a encefalopatia <strong>da</strong>s vacas inglesas a causarestragos na agricultura portuguesa mal regi<strong>da</strong> porlegislação que em 2 de Setembro de 1994 continuavaa permitir a importação de vitelas inglesas, vivas paraengor<strong>da</strong> e carcaças para rações, ignorando asencefalopatias do tipo Creutzfeldt (1920)-Jakob (1923)e desprezando a opinião pública. O silenciamentoimpossível <strong>da</strong> encefalopatia bovina e a sonegação deinformações relativas a bruceloses de ovinos ecaprinos e cisticercoses do porco, coincidiu com aabertura <strong>da</strong>s fronteiras na Grande Europa. Aerradicação destas pragas passa pelo direito a umagovernação preocupa<strong>da</strong> com a saúde e pelo direito àquali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alimentação e <strong>da</strong> habitação dosgovernados, que implica o necessário acompanhamento<strong>da</strong> criação e abate dos animais e respectivafiscalização.A per<strong>da</strong> de visão, doença dos olhos, pode ser uma<strong>da</strong>s mais dramáticas consequências <strong>da</strong> cisticercosehumana. Há trinta anos, por 1966, Antônio Manso <strong>da</strong>Cunha Vaz mostrou-me uma cisticercose ocular emdoente natural de Belmonte. Na literatura portuguesaestavam registados quatro casos, um de HenriqueMoutinho e Fernando Lacer<strong>da</strong> em doente de Coimbra
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