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Espetacularização das cidades<br />

contemporâneas<br />

As intervenções urbanas contemporâneas<br />

seguem tendências mundiais. Inúmeras são<br />

as pesquisas e as abordagens que estudam os<br />

processos urbanos que estamos vivenciando,<br />

entretanto pretendo destacar um processo em<br />

especial chamado de espetacularização 2 das<br />

cidades. Defendido pela arquiteta Paola Jacques,<br />

o processo de espetacularização ou cidadeespetáculo<br />

aborda as correntes do pensamento<br />

urbano atual que tratam da patrimonialização 3 ,<br />

turistificação e gentrificação 4 das cidades<br />

contemporâneas.<br />

No contexto da globalização, a disputa das<br />

cidades por mais investimentos e protagonismo<br />

é construída com base na promoção da<br />

imagem da cidade e no marketing urbano.<br />

Este modelo segue a lógica do planejamento<br />

estratégico, inspirado em conceitos e<br />

técnicas do planejamento empresarial, cujos<br />

objetivos baseiam-se, como nas empresas, na<br />

competitividade e na mercantilização. Assim,<br />

as cidades competem por investimentos de<br />

capital, tecnologia e gestão e por atração de<br />

turistas, novas indústrias e negócios através<br />

da criação e venda da sua marca identitária.<br />

Paradoxalmente, na busca de uma imagem<br />

singular, é muito comum percebermos um<br />

certo padrão de urbanização dessas cidades:<br />

grande rede hoteleira, shoppings centers,<br />

equipamentos culturais de grande porte,<br />

serviços de transporte modernizados. Um<br />

produção de espaços emblemáticos cada vez<br />

mais genéricos que utilizam um mote cultural<br />

de mercado, tornando-se assim cada vez mais<br />

cidades do pensamento único 5 .<br />

Em linhas gerais, é possível elucidar algumas<br />

estratégias do processo de espetacularização.<br />

Como característica comum, percebe-se o<br />

discurso do superlativo. A adjetivação das<br />

intervenções urbanísticas sempre conta com<br />

palavras-chave, tais quais “a maior”, “o melhor”,<br />

“a mais”. É como se para fazer sucesso, estes<br />

espaços precisassem chamar a atenção por si só,<br />

serem grandes, protagonizar. Acompanhado de<br />

outros termos como requalificação, renovação<br />

e revitalização – sem discutir se esses espaços<br />

já têm vida ou são qualificados a quem os<br />

pratica – a propaganda muitas vezes camufla<br />

as tensões e os conflitos sociais decorrentes<br />

do seu processo de construção. O forte apelo<br />

visual gerado pela paisagem construída<br />

conquista rapidamente os usuários, velando<br />

muitas vezes ações como as remoções forçadas<br />

e desapropriações com pagamentos irrisórios,<br />

que igno<strong>ram</strong> as identidades territoriais locais e<br />

expulsam a população mais pobre da região.<br />

Uma outra questão, abordada pela socióloga<br />

Rachel Thomas (2012), indaga sobre a assepsia,<br />

o apaziguamento e a pacificação dessas atuais<br />

ambiências urbanas produzidas, por meio da<br />

criação de estratégias de padronização, regras<br />

de utilização, especialização separatória de<br />

zonas de circulação, limpeza e segurança,<br />

que acabam por dar ao espaço uma etiqueta<br />

suplementar. Em nome de uma aclamada<br />

ordem pública, ge<strong>ram</strong> espaços que muitas<br />

vezes procu<strong>ram</strong> limitar o comportamento dos<br />

seus usuários.<br />

Assim, a lógica do espetáculo segue<br />

inversamente proporcional à livre participação<br />

das pessoas nos espaços. Cria-se uma<br />

tendência de produção de cenários urbanos<br />

homogeneizados moldados em função de um<br />

caráter mercadológico, consumista e turístico<br />

(BRITTO e JACQUES, 2009), a partir de<br />

estruturas segregatórias e privatizadoras no<br />

espaço dito público. Processos não atentos ao<br />

habitante, à escala cotidiana, e que distanciam<br />

o usuário como pertencente e, portanto,<br />

agente ativador do espaço público, capaz de<br />

intervir e modificá-lo de acordo com as suas<br />

necessidades. Como enfatiza Jacques (2012),<br />

2<br />

Espetáculo no sentido proposto por Guy Debord, em Sociedade do Espetáculo (1967).<br />

3<br />

Conceito trabalhado por Henry-Pierre Jeudy, em La Machineria Patrimoniale.<br />

4<br />

Termo desenvolvido por Neil Smith em The new urban frontier, gentrification and the revanchist city, (1996). A<br />

gentrificação trata do processo de elitização dos espaços, com a expulsão da população mais pobre.<br />

5<br />

Desenvolvido por Otília Arantes, Carlos Vainer e Hermínia Maricato (2000), o termo descreve as novas estratégias<br />

urbanas que colocam o papel da Cultura como dimensão conceitual do planejamento estratégico e da gestão.<br />

Revista de Administração Municipal – RAM<br />

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