Lavoura Edição Extraordinária

Não me consta que tenham dividido outra página no futuro. Os três já
tinham seguramente seus livros de estreia bastante adiantados, e chama
atenção que deles só Haroldo tenha aproveitado o seu, talvez porque
o Auto do Possesso já estivesse no prelo, pois seria lançado meses depois.
Tanto o poema de Décio quanto o de Hilda caram de fora, embora
guardassem anidades temáticas e formais com os conjuntos que viriam
a público em seguida, em O Carrossel. Pensemos nos seus poemas
mais signicativos, “O Lobisomem” e “O Jogral e a Prostituta Negra”, ou
Presságio, em cuja abertura Hilda ressaltava a simultaneidade de ser o
amor e a morte, sem lugar, no entanto, para esse enigmático Frederico.
Quatro meses depois, retornava Hilda com outro poema, mais conciso,
mas com a mesma voz lírica que apontava para uma libertação dos limites
estreitos da razão, “ouvimos vozes no innito/ cantando canções de
loucos”, dizia. A nostalgia, a angústia, algum sentimento de perda que
se vê em Hilda talvez possam ser encontrados no poema publicado no
mesmo caderno assinado por Augusto de Campos, aluno do primeiro
ano, em cujo primeiro verso já dava o tom da estrutura sintática e rítmica
que se seguiria, “de alguém, e não meu: Amor”. Algo dessa construção
um tanto desconfortável para ouvidos mais acostumados às melodias
tradicionais constituirá O rei menos o reino, que só viria a público
em 1951, momento em que o Clube de Poesia já tinha cado para trás.
Os quatro foram sem sombra de dúvidas as estreias mais signicativas
daquela virada de décadas, que também era uma virada de valores. O
Brasil se urbanizava num ritmo acelerado. Parte daquele universo rural
que dominava nossas relações sociais começava a ruir com a mentalidade
industrial que aqui e ali se instalava, reorganizando lugares e
funções, especialmente em relação às mulheres, além de uma maciça
participação dos meios de comunicação no cotidiano que dinamizava
a informação e a cultura de um modo até então inconcebível. Tupi,
, , Bossa Nova, Oscar Niemeyer, Volpi. A poesia tinha que estar
a par dessas mudanças, seja para ampliá-las, seja para se renovar criticamente.
E nesses poemas escritos por jovens de 18 e 19 anos estava
bastante claro que eles estavam prontos para o desao. Os esquecidos
jornais de estudantes não era o melhor destino para eles. Ao trazê-los
do passado os editores da Lavoura, que rezeram o labiríntico percurso
pelos arquivos, nos permitem ler os textos iniciais de poetas que quase
sete décadas depois ainda nos soam estranhamente contemporâneos.
Paulo Ferraz
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