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V - Silêncio, sexo e verdade *<br />
- A apreciação do silêncio é <strong>uma</strong> das numerosas coisas que um leitor, sem que se<br />
espere, pode aprender de sua obra. Você tem escrito sobre a liberdade que o silêncio<br />
permite, sobre suas múltiplas causas e significações. Em seu último livro, por exemplo,<br />
você diz que não existe apenas um, mas numerosos silêncios. Seria fundado pensar que há<br />
ai um potente elemento autobiográfico?<br />
- Penso que qualquer criança que tenha sido educada em um meio católico<br />
justamente antes ou durante a Segunda Guerra Mundial pôde experimentar que existem<br />
numerosas maneiras diferentes de falar e também numerosas formas de silêncio. Certos<br />
silêncios podem implicar em <strong>uma</strong> hostilidade virulenta; outros, por outro lado, são<br />
indicativos de <strong>uma</strong> amizade profunda, de <strong>uma</strong> admiração emocionada, de um amor. Eu<br />
lembro muito bem que quando eu encontrei o cineasta Daniel Schmid, vindo me visitar,<br />
não sei mais com que propósito, ele e eu descobrimos, ao fim de alguns minutos, que nós<br />
não tínhamos verdadeiramente nada a nos dizer. Desta forma, ficamos juntos desde as três<br />
horas da tarde até meia noite. Bebemos, f<strong>uma</strong>mos haxixe, jantamos. Eu não creio que<br />
tenhamos falado mais do que vinte minutos durante essas dez horas. Este foi o ponto de<br />
partida de <strong>uma</strong> amizade bastante longa. Era, para mim, a primeira vez que <strong>uma</strong> amizade<br />
nascia de <strong>uma</strong> relação estritamente silenciosa. É possível que um outro elemento desta<br />
apreciação do silêncio tenha a ver com a obrigação de falar. Eu passei minha infância em<br />
um meio pequeno-burguês da França provincial, e a obrigação de falar, de conversar com<br />
os visitantes era, para mim, ao mesmo tempo algo muito estranho e muito entediante. Eu<br />
me lembro de perguntar por que as pessoas sentiam a obrigação de falar. O silêncio pode<br />
ser <strong>uma</strong> forma de relação muito mais interessante.<br />
- Há, na cultura dos índios da América do Norte, <strong>uma</strong> apreciação do silêncio bem<br />
maior do que nas sociedades anglofônicas ou, suponho, francofônica.<br />
- Sim. Eu penso que o silêncio é <strong>uma</strong> das coisas às quais, infelizmente, nossa<br />
sociedade renunciou. Não temos <strong>uma</strong> cultura do silêncio, assim como não temos <strong>uma</strong><br />
cultura do suicídio. Os japoneses têm. Ensinava-se aos jovens romanos e aos jovens<br />
* "Michel Foucault. An Interview with Stephen Riggins", ("Une interview de Michel Foucault par Stephen<br />
Riggins) realizada em inglês em Toronto, 22 de jun de 1982. Traduzido a partir de <strong>FOUCAULT</strong>, Michel.<br />
Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, Vol. IV, pp. 525-538 por Wanderson Flor do Nascimento.<br />
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