CRIATIVIDADE - A ESTÉTICA DO SAGRADO_web
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Com o agravamento dos problemas cruciais advindos das dificuldades<br />
de coexistência da diversidade humana em outras sociedades, estendemos<br />
nossa reflexão da complexa experiência afro-brasileira para a heterogênea<br />
e plural constituição de outros povos e nações.<br />
A partir da experiência e das táticas dos afro-brasileiros através de suas<br />
instituições, de seus mitos, visão de mundo, subjacências emocionais e<br />
criatividade, objetivamos abrir outras janelas, outras pontes de acesso para<br />
o real, um real recriado – de que são exemplos magníficos as esculturas<br />
de Mestre Didi – que permite o acesso a esplêndidas simbolizações que<br />
emergem das profundezas dos universos culturais.<br />
O tema das diversidades culturais vem, recentemente, tomando cada vez<br />
mais espaço nas agendas e nas reflexões de várias entidades e organismos<br />
de âmbito local, nacional ou internacional. Na SECNEB, esse enfrentamento<br />
visa a consolidação das perspectivas teóricas, epistemológicas e políticas<br />
sobre o tema; acumulamos um acervo significativo de ideias, modos<br />
de expressão e “tesouro crítico”, resultado de encontros, pesquisas e<br />
publicações. Alguns desses trabalhos alcançaram dimensão internacional e<br />
foram expressos em cartas abertas destinadas a divulgar recomendações na<br />
tentativa de contribuir para a compreensão dos conflitos contemporâneos<br />
– resultantes da dificuldade de elaboração de alteridades, da singularidade<br />
das identidades, características desdobradas dos distintos e inúmeros<br />
processos civilizatórios e das múltiplas culturas.<br />
Contudo, embora esse patrimônio de ideias represente um terreno<br />
fecundo, carece de ser melhor e mais amplamente discutido, em âmbito<br />
nacional e internacional, diante da urgência em âmbito planetário de criar<br />
uma conscientização em torno da promoção da coexistência pacífica ou<br />
negociada das diversidades culturais.<br />
A maioria das instituições que tratam da questão ainda o faz em nível de<br />
abordagem, a nosso ver, insuficiente para elucidar os vários fenômenos que<br />
vem ocorrendo no mundo; abordagem na qual os problemas da diversidade<br />
cultural – hoje asfixiada por um sistema unipolar hegemônico – entram<br />
tangencialmente.<br />
A meu ver – e aqui já falo na primeira pessoa –, essas abordagens se<br />
caracterizam por representar uma linguagem e um enfoque marcadamente<br />
“contaminados” pela cultura ocidental ou por não permitir uma<br />
compreensão mais profunda do que significam as diversidades culturais<br />
para a humanidade, em especial de questões iminentes da atualidade<br />
(conflitos interétnicos, guerras, ameaças de destruição, violências até então<br />
inimagináveis). A abordagem unipolar ocidental corre o risco de estimular a<br />
homogeneização e a assimilação de padrões culturais em lugar de reforçar<br />
a pluralidade civilizatória como riqueza da humanidade.<br />
Eventos e seminários sobre a questão da diversidade têm sido produzidos<br />
ao longo da atividade programática da SECNEB, em que as diversidades<br />
culturais são tratadas como uma questão de essência identitária, na<br />
qual o indivíduo se reconheça e se sinta parte de algo maior, de uma<br />
“comunalidade”, capaz de desenvolver-se e recriar-se dinamicamente a<br />
partir de seus princípios inaugurais.*<br />
Em nossa abordagem, o tema das diversidades culturais é tratado como<br />
o “magma” onde a criatividade alimenta as identidades de inúmeros povos<br />
que lutam para afirmar e legitimar um direito: o direito da existência de<br />
todos, em conformidade com suas singularidades na forma de ser, de estar<br />
e de fazer no mundo.<br />
Na tradição nagô, o orixá Oxumaré, representado pelo arco-íris, pode<br />
expressar a afirmação: “No Universo, as Diferenças”. O ciclo da existência se<br />
constitui pela multiplicidade das cores que representam a diversidade como<br />
um aspecto ontológico do Ser.<br />
Nessa perspectiva, consideramos que o tema das diversidades culturais<br />
deve ser abordado, prioritariamente, como fundamento para uma nova ética<br />
de coexistência, baseada num paradigma em que a pluralidade civilizatória<br />
é a riqueza da humanidade.<br />
Posso sintetizar minhas reflexões sobre criatividade e cultura fazendo<br />
uma aproximação com a obra existencial de Mestre Didi. Didi introjeta a<br />
visão de mundo “desde dentro”, redramatizando a sua herança ancestral<br />
através de seus próprios imagos e subjacências; ele produz uma arte<br />
* Ver em Devir<br />
Histórico e Conceitual<br />
da SECNEB, na rubrica<br />
“Seminários sobre<br />
Diversidade Cultural”,<br />
p. 273-274, a relação<br />
desses eventos.<br />
14<br />
<strong>CRIATIVIDADE</strong><br />
ÂMAGO DAS DIVERSIDADES CULTURAIS<br />
INTRODUÇÃO<br />
A <strong>ESTÉTICA</strong> <strong>DO</strong> SAGRA<strong>DO</strong> 15