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O EIXO DE OJU_web

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OBATALÁ, EFUN, OSÙ E A GALINHA-D’ANGOLA. Um livro<br />

que começa com uma lenda. Um fotógrafo que olha para si<br />

mesmo quarenta anos depois da primeira imagem. Duas<br />

terras que se unem: Minas Gerais e Bahia. Uma onde ele<br />

nasceu a outra onde vive quase desde sempre. Na de lá, as<br />

Gerais, as montanhas como grandes bichos pré-históricos<br />

adormecidos ao pôr do sol, toda margem, ainda há. Na de<br />

cá, a Bahia de agora desde sempre, o Ojá do tempo sobre<br />

a cabeça. No livro o futuro do passado no presente contínuo.<br />

Aristides Alves vive assim, dentro de cada página, dos<br />

olhos para dentro. Como uma epígrafe, a galinha-d’angola<br />

vive para falar de coisas interiores, de florestas sagradas,<br />

do firmamento entre homens e animais. A lenda se repete<br />

em todas as esquinas, mesmo nas que são invisíveis, mesmo<br />

nos tempos do acaso. A lenda se repete, os homens e a<br />

natureza se repetem: estamos assim, todos à beira de um<br />

só euprecipício. O difícil é entender. O difícil é o retrato de<br />

cada um de nós. O fundo infinito, o livro aberto, o veredicto.<br />

O fotógrafo diante do “outro”: ou a verdade ou o suicídio.<br />

Pode ser um grito ou o extrato de um longo silêncio.<br />

Máscaras, peitos, penas, cona, estrela do mar, o andor na<br />

cabeça. Não se trata de apenas iluminar o outro com a luz<br />

perfeita. O verdadeiro retrato não deixa rastros nos transeuntes<br />

da cidade antes encantada cujas esquinas hoje<br />

gosmam. Nós estamos dentro. A bomba-relógio entre os<br />

dedos. Se barroco a greta sagrada: nem flora nem geme.<br />

Em Jesus Cristo, em Nossa Senhora, na mariposa, no<br />

couro emoldurado. Em cada símbolo o mesmo silêncio. O<br />

olhar se desloca no homem que passa, no manequim suspenso,<br />

na pintura que anoitece mas não amanhece para<br />

conhecer o dia seguinte. E se não existisse a fotografia?<br />

E se não houvesse o barroco, as volutas descascadas, a<br />

retina dos Deuses? Mais adiante o mesmo percurso. O encontro<br />

com o “outro” homem que novamente somos nós.<br />

Ali com o seu tudo que é a riqueza da sua história. Idiotas<br />

são os que não veem. Nós somos assim, desse jeito: por<br />

trás daquela mulher, no chão daquele Rio Paraguaçu está<br />

assentado um fundamento. Isso basta. O rio é sagrado<br />

como a floresta é sagrada. Sim, as esquinas gosmam. A<br />

bomba-relógio vai explodir. Mas e daí? A galinha-d’angola<br />

continua diante de Obatalá.<br />

Diógenes Moura<br />

Escritor | Curador de Fotografia

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