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resposta a tia

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ENTREVISTA<br />

Nasci em Casal de Cinza, na Beira Baixa, em 1947, e ouvi muitas vezes as minhas avós — que<br />

eram muito diferentes - contarem que, quando foi o 5 de Outubro de 1910 e chegou a notícia<br />

de que «já não havia Rei», tocaram a rebate o sino da igreja, porque sem Rei não havia Estado, e<br />

as pessoas perguntavam-se, em sobressalto, «- E a quem se paga, agora?...» Era a sabedoria do<br />

povo: Monarquia significava estabilidade e confiança. De tal modo que depois, por vários anos,<br />

aparecia sempre muita gente a tentar fazer-se passar por representantes régios ou cobradores<br />

de impostos. Havia a crença - que recebi na família - de que essa estabilidade do Estado no<br />

seu topo não podia ser dada senão pelo Rei. Quando tudo, por qualquer infortúnio, perigasse,<br />

tinha ali onde ancorar. A larga maioria da população de Casal de Cinza era monárquica, de tal<br />

modo que nas primeiras eleições após o 25 de Abril [Maio de 1975], quem ganhou na minha<br />

terra foi o Partido Popular Monárquico. Mais tarde, quando vim para Lisboa e me interessei<br />

pela Real Marinha do Tejo, contactando muitos arrais, fragateiros e marinheiros, encontrei<br />

muita gente na margem sul do rio, ligada aos barcos, que é monárquica e alguns deles também<br />

comunistas, membros do PCP, daqueles que sofreram perseguição política antes de 1974. Não<br />

estava à espera que houvesse monárquicos com essa ideologia.<br />

CR: A que atribui esse facto?<br />

Atribuo a duas coisas. A primeira ao facto de o Rei<br />

garantir o terreno sólido sobre o qual se organiza<br />

a sociedade, sobre o qual cada um constrói em<br />

pormenor o que lhe aprouver. E por outro lado, à<br />

importância histórica que teve a Real Marinha do<br />

Tejo, que vem do tempo das invasões francesas...<br />

Note que a 4 de Outubro de 1845 se realizou<br />

a primeira Real Regata de Canoas, uma prova<br />

desportiva anual que foi suspensa pela república e<br />

nós próprios pudemos retomá-la desde 2006, com as<br />

mesmas regras de sempre. Os barcos ficam aproados,<br />

e só levantam ferro e içam a vela quando se dá o tiro<br />

da colubrina. O Senhor Dom Duarte Pio assistiu a<br />

algumas dessas provas, aliás foi ele quem chamou<br />

a minha atenção para a importância histórica da<br />

navegabilidade do Tejo, de Abrantes até Paço de Arcos<br />

e à barra do rio, no transporte de tudo um pouco,<br />

pessoas e bens. Era a chamada Estrada de Lisboa. Só<br />

pelo nome se percebe a importância que teve.<br />

CR: Tem feito um lindo trabalho...<br />

Na Sociedade de Geografia de Lisboa promovemos<br />

uma série de recolhas gravadas e filmadas de<br />

«Memórias de Fragateiros», e pudemos ter a honra<br />

e o prazer de ouvir três arrais de Abrantes, já<br />

muito velhinhos; hoje só resta um. Eles faziam em<br />

permanência uma regata, pelo almoço e jantar da<br />

sua família: quem chegava primeiro é que ficava<br />

com o frete. Era a regata de todos os dias.<br />

CR: Muitas das canoas nessa Real Regata<br />

ostentam com garbo a bandeira azul e branca. E<br />

escolheram muito bem a data... Quer falar desse<br />

tão louvável projecto?<br />

A escolha do dia varia com o calendário, porque<br />

as pessoas trabalham e é preciso ajustar. Uns anos é<br />

a 4, outros a 3, outros a 6. Mas queremos celebrar o<br />

dia da nacionalidade, a fundação de algo permanente,<br />

enquanto as comemorações dirigidas pelo senhor<br />

presidente da república no dia 5 de Outubro celebram<br />

o efémero, o sectarismo...<br />

CR: E a sua já famosa canoa «Ana Paula», a quem<br />

deve o nome?<br />

Ana Paula é o nome da neta do construtor naval<br />

Hugh Parry da H. Parry and Son (o Parison, na<br />

linguagem popular) e a canoa era - digamos assim - o<br />

Mercedes Benz do conselho de administração dessa<br />

importante companhia, que tinha a sua sede na<br />

Avenida 24 de Julho e os estaleiros na outra banda.<br />

CR: A família real portuguesa é o mais valioso<br />

activo dos monárquicos?<br />

Com certeza. É a tal trama e a urdidura sobre a<br />

qual as coisas se constroem. Sobre esse tecido pode<br />

bordar-se uma nação.<br />

CR: Veio muito novo estudar para Lisboa... Onde<br />

nasceu o seu gosto pela Física?<br />

Fiz a escola primária já em Lisboa e estudei no<br />

Liceu Nacional de Gil Vicente. Gostaria muito de ter<br />

Correio Real, nº17, Junho de 2018<br />

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