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1 livro CORPO E ALMA 2 EDIÇÃO vol I 22 de abril 2019

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Um dos Passos

da Paixão

de Cristo,

atualmente

aberto na época

natalina com

exposição de

presépio.

Foto Edgar Rocha

a procissão de Corpus Christi. No ano

seguinte, outra condenação do juiz ao

oficial de ferreiro, por não ter dado o

São Jorge. Era a herança portuguesa

dos piedosos reis e santos monges vivendo

nessas procissões suas seculares

tradições.

Os Passos ainda hoje conservados

em alguns pontos de São Luís

testemunham a realização de autos

semelhantes aos encenados em outras

cidades coloniais.

O elenco e o público da procissão

de Corpus Christi e de outras

procissões festivas gratulatórias,

herdadas de Portugal, eram formados

pela população de gente negra e

mestiça somada à minoria branca de

portugueses e mazombos.

As festas proporcionavam à gente comum daqueles

tempos figurar como personagens ativas, não apenas como

simples espectadores.

Ainda no século XVII, São Luís recebeu negros bantos

de Angola e do Congo. Não obstante a condição de escravos e o

pequeno número em relação às levas chegadas a partir de 1755,

sua participação nas procissões foi efetiva, em posição subalterna,

trabalhando como profissionais carpinteiros, marceneiros,

alfaiates e incumbidos de carregar nos ombros o andor. Em fins

do século, os africanos e seus descendentes crioulos participavam

do corpo da procissão como fiéis ou, talvez, como foliões.

O elemento agregador se fez pelo ajuntamento nas senzalas

do culto aos orixás, voduns e inkices, de suma importância

para guardar a identidade, a lembrança e saudade da

mãe África. O culto aos deuses africanos comportava festas,

tambores, aliando a religião à distração. O nativo, centrado no

pajé, exprimiu sua organização social, hierarquia, imaginário

coletivo, na motivação, nos preparativos e no momento das

festas. Essas expressões culturais se misturaram, somadas ao

elemento religioso europeu, resultando em festas profanas ou

profano-religiosas. Livres e escravos se distraíam nos terreiros,

nas brincadeiras lúdicas, sempre embutindo traços religiosos.

Apoiado em documentos fornecidos por Nassau, Barlaeus localizou

nos povos integrantes do reino do Congo e Angola uma

tradição de representação de fato da realidade através de danças

dramáticas. Os cativos de São Luís, da mesma procedência,

deviam promover suas festas de maneira semelhante, não obstante

a intolerância da Igreja, fortalecida pela Inquisição.

O policiamento inquisitório foi generalizado, atingindo

colonos portugueses, índios, negros, religiosos, padres seculares

e todos que demonstrassem “traços heréticos”, através de

falas, gestos e festas religiosas afro-brasileiras ou lúdicas. O padre

Antônio Vieira viu-se impedido de escrever e de pregar por

algum tempo, vitimado pela intolerância da Inquisição. A violenta

repressão, especialmente sobre exercícios rituais e cerimônias

de origem africana, obrigava a maioria das festas acontecerem

em lugares afastados da cidade para evitar denúncias

de feitiçaria ou quaisquer práticas suspeitas e ameaçadoras

de prisão. O negro era considerado feiticeiro e isto se estendia

às festas de caráter lúdico, muito fiscalizadas e reprimidas.

Luiz Mott, pesquisando a tradição religiosa afro-brasileira em

arquivos portugueses, no período de 1531 a 1821, não encontrou

nenhuma referência a práticas de rituais e cerimônias de

origem africana, no Maranhão, um dos estados brasileiros de

população negra mais expressiva. As denúncias de feitiçaria ou

manifestações suspeitas na fé não chegaram à abertura de processo

ou prisão dos acusados, por se tratarem de superstições e

diabolismos ingênuos e de pouco alcance.

As famílias festejavam acontecimentos ligados à religião.

Os filhos eram batizados em tenra idade. Ao voltarem da

igreja, pais, padrinhos e convidados saboreavam algumas gu-

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