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Um dos Passos
da Paixão
de Cristo,
atualmente
aberto na época
natalina com
exposição de
presépio.
Foto Edgar Rocha
a procissão de Corpus Christi. No ano
seguinte, outra condenação do juiz ao
oficial de ferreiro, por não ter dado o
São Jorge. Era a herança portuguesa
dos piedosos reis e santos monges vivendo
nessas procissões suas seculares
tradições.
Os Passos ainda hoje conservados
em alguns pontos de São Luís
testemunham a realização de autos
semelhantes aos encenados em outras
cidades coloniais.
O elenco e o público da procissão
de Corpus Christi e de outras
procissões festivas gratulatórias,
herdadas de Portugal, eram formados
pela população de gente negra e
mestiça somada à minoria branca de
portugueses e mazombos.
As festas proporcionavam à gente comum daqueles
tempos figurar como personagens ativas, não apenas como
simples espectadores.
Ainda no século XVII, São Luís recebeu negros bantos
de Angola e do Congo. Não obstante a condição de escravos e o
pequeno número em relação às levas chegadas a partir de 1755,
sua participação nas procissões foi efetiva, em posição subalterna,
trabalhando como profissionais carpinteiros, marceneiros,
alfaiates e incumbidos de carregar nos ombros o andor. Em fins
do século, os africanos e seus descendentes crioulos participavam
do corpo da procissão como fiéis ou, talvez, como foliões.
O elemento agregador se fez pelo ajuntamento nas senzalas
do culto aos orixás, voduns e inkices, de suma importância
para guardar a identidade, a lembrança e saudade da
mãe África. O culto aos deuses africanos comportava festas,
tambores, aliando a religião à distração. O nativo, centrado no
pajé, exprimiu sua organização social, hierarquia, imaginário
coletivo, na motivação, nos preparativos e no momento das
festas. Essas expressões culturais se misturaram, somadas ao
elemento religioso europeu, resultando em festas profanas ou
profano-religiosas. Livres e escravos se distraíam nos terreiros,
nas brincadeiras lúdicas, sempre embutindo traços religiosos.
Apoiado em documentos fornecidos por Nassau, Barlaeus localizou
nos povos integrantes do reino do Congo e Angola uma
tradição de representação de fato da realidade através de danças
dramáticas. Os cativos de São Luís, da mesma procedência,
deviam promover suas festas de maneira semelhante, não obstante
a intolerância da Igreja, fortalecida pela Inquisição.
O policiamento inquisitório foi generalizado, atingindo
colonos portugueses, índios, negros, religiosos, padres seculares
e todos que demonstrassem “traços heréticos”, através de
falas, gestos e festas religiosas afro-brasileiras ou lúdicas. O padre
Antônio Vieira viu-se impedido de escrever e de pregar por
algum tempo, vitimado pela intolerância da Inquisição. A violenta
repressão, especialmente sobre exercícios rituais e cerimônias
de origem africana, obrigava a maioria das festas acontecerem
em lugares afastados da cidade para evitar denúncias
de feitiçaria ou quaisquer práticas suspeitas e ameaçadoras
de prisão. O negro era considerado feiticeiro e isto se estendia
às festas de caráter lúdico, muito fiscalizadas e reprimidas.
Luiz Mott, pesquisando a tradição religiosa afro-brasileira em
arquivos portugueses, no período de 1531 a 1821, não encontrou
nenhuma referência a práticas de rituais e cerimônias de
origem africana, no Maranhão, um dos estados brasileiros de
população negra mais expressiva. As denúncias de feitiçaria ou
manifestações suspeitas na fé não chegaram à abertura de processo
ou prisão dos acusados, por se tratarem de superstições e
diabolismos ingênuos e de pouco alcance.
As famílias festejavam acontecimentos ligados à religião.
Os filhos eram batizados em tenra idade. Ao voltarem da
igreja, pais, padrinhos e convidados saboreavam algumas gu-
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