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PREFÁCIO
Caro leitor, para que você possa desfrutar de todo potencial desse
suspense, cheio de aventuras e batalhas sangrentas com aquela pitada
generosa de drama e romance, que temperam a trama, sugiro que dê asas
a sua imaginação. Sinta a brisa suave nos momentos de calmaria e o
cheiro da relva fundido ao suor e sangue nas batalhas. Viva intensamente
cada diálogo e permita-se ser parte do enredo.
Vale lembrar que a história a seguir é dotada em sua essência de
elementos fictícios, porém que muito se assemelham a uma realidade não
muito distante, já que o homem está muito além dos seus limites.
É nesse limiar entre realidade e ficção que encontramos Kira, uma
garotinha feliz, que tem sua infância transformada depois que uma
epidemia assola o país. Entre percalços por ela ainda nem conhecidos,
seu caminho se cruza com Ílo, uma criatura que será seu companheiro
nessa jornada em busca de sobrevivência, num mundo devastado.
Leia, sinta e viva...
Kira e Ílo
Por:
Ana Amélia Ferlin Hildebrando.
Estamos no ano de 2019, no lar de milhares de seres humanos que
na selva de pedras do dia a dia, aos poucos esquecem a sua
“humanidade”, que se esvai junto com sua sanidade nesse ferrenho mar
de stress, com trabalho e trânsito caótico. Mas essa é a cidade
maravilhosa, cheia de encantos mil, Rio de Janeiro. A poucos dias do
Carnaval, festa que uma vez foi a mais bela demonstração de cultura e
diversão, mas que hoje, em meio a tanta pornografia e inversão de
valores, faria o Redentor, se pudesse, dobrar seus braços e tapar os olhos,
no alto do Corcovado.
Em meio a tudo isso uma família feliz, firmada nas fortes raízes
dos valores tradicionais, planejam passar o feriado bem longe da
agitação, tentando preservar ao máximo a integridade de Kira, de 6 anos.
Marcos (28) e Aline (27), alugam um trailer com destino ao circuito da
Barra de Guaratiba. Praias e trilhas, longe da agitação, o que mais se pode
querer num feriado ensolarado? #PARTIU!
A família com seu pequeno trailer alugado, se estabelece ao lado
da bela montanha. Uma paisagem maravilhosa. Aline aprecia e vista e lê
um livro enquanto Marcos se empolga com os recursos tecnológicos do
trailer, TV por satélite por exemplo e Kira, muito esperta e bagunceira
diverte-se correndo nos campos abertos ao seu redor.
A noite chega e após um delicioso jantar preparado pela mamãe
Aline, os três se deitam para dormir. Marcos liga a TV, apenas porque
Kira não gosta da completa escuridão, porém uma notícia num telejornal
chama a atenção do casal:
"Boa noite senhoras e senhores. Uma misteriosa doença está assustando
as autoridades. O que antes estava sendo tratado como coincidência e
casos isolados, em dois dias tomou conta dos hospitais e unidades de
saúde. São centenas de casos e os números não param de crescer.
Segundo informações, os primeiros casos foram notados na chegada de
um cruzeiro com mais de 2500 passageiros, em sua maioria asiáticos,
aqui no Terminal de Cruzeiros do Rio. Os principais sintomas são vômito
intenso e diarreia, causando assim uma rápida desidratação que se não
for interrompida pode levar até a morte. O que mais preocupa nesse
momento é a velocidade com que a contaminação se espalha e também
por que ainda não se sabe de que forma isso ocorre. Então pesquisadores,
médicos e cientistas já estão analisando os casos, visando entender
melhor o que está acontecendo. Mais notícias em breve!”
A preocupação toma conta do pequeno trailer, fazendo com que
Marcos não consiga dormir um minuto sequer naquela noite, com os
olhos vidrados na TV, esperando novas notícias.
O dia amanhece, Kira ainda dorme. Marcos e Aline sentados, mas
vencidos pelo cansaço, cochilam, mas são despertados por aquela vinheta
medonha do plantão de notícias.
“Bom dia, voltamos a falar sobre a grande epidemia que está ocorrendo,
não só nos estados brasileiros, mas infelizmente se expandindo sem
controle nos países europeus e asiáticos. A OMS – Organização Mundial
da Saúde batizou a doença de “PX—19” e recomendou o total isolamento
dos infectados bem como o distanciamento social dos demais, mesmo
que não apresentem sintomas. Informou também que estão
desenvolvendo uma proteína que logo poderá ser testada, afim de
devolver os nutrientes necessários ao organismo e dessa forma reter a
doença. É o que esperamos! Estaremos atentos a novos fatos para levalos
até você!”
—Meu Deus amor... Isso é horrível... O que vamos fazer? Não podemos
voltar. A Kira é muito pequena e muito vulnerável. Exclama Aline.
—Eu sei meu bem. Ainda temos comida e água. Ficaremos aqui até isto
se acalmar, Ok? Vamos torcer para que não demore muito. Diz Marcos.
—Ok... Diz ela olhando para sua pequena que dorme confortavelmente
enrolada em sua coberta na pequena cama do trailer.
Alguns dias se passaram e o que deveria melhorar, ficava cada
vez pior. Afetando mais e mais pessoas. Enquanto o mundo se desnutria,
uma grande operação foi montada no Rio de Janeiro, onde cientistas
trabalhavam com milhares de testes.
A esperança estava na criação de uma proteína em forma de
vacina que poderia salvar a vida de muitos afetados pelo “PX”. Com o
gradativo aumento de casos e de mortes por conta da doença, a pressão
sobre a descoberta da vacina aumentava obrigando os pesquisadores a
negligenciar algumas etapas começando os testes com ratos. Porém a
proteína parecia ser forte demais e cobaias pequenas não suportavam.
Sem sucesso, decidiram pegar um animal maior.
Um filhote lobo foi escolhido, a esperança era sua genética de
grande força e adaptabilidade. O animal estava extremamente desnutrido,
uma cobaia perfeita. A vacina foi aplicada. Porém o animal não reagiu.
Sem tempo e com centenas de cobaias mortas, uma operação de
“descarte” era preciso.
Alheio a tudo isso, Kira continua a brincar, pulando em poças e
correndo atrás de borboletas, feliz pelo feriando que se prolongou. Ela se
afasta do trailer numa distração dos seus pais, que estão em busca de
notícias e um barulho de uma grande máquina chama a sua atenção.
Como toda criança curiosa, ela segue o som e visualiza uma
grande cova, onde as cobaias foram depositadas. Kira vê o enorme buraco
e a quantidade de animaizinhos mortos, assustada pensa em correr, porém
repara em um dos bichinhos que está mais na borda. Nota que ele aperta
os olhos, incomodado pela réstia do sol e mexe de leve as patinhas.
—Um Cãozinho?! Vivo?! Pensa Kira. E tomada de coragem a garotinha
desce o barranco e puxa o pequeno animal do buraco. Rapidamente se
esconde entre as árvores e assiste a escavadeira cobrir os demais.
Ele tem uma respiração pesada, mas abre os olhos devagar e
lambe a mão de Kira enquanto ela o leva para perto do acampamento.
Com receio de que seus pais não aceitem seu novo amigo, a
menina usa sua mesinha de desenhar e uma toalha para abrigar
discretamente aquela bolinha de pelos. Ela passa a mão nos pelos sedosos
do filhotinho e diz:
—Eu acho que vou te chamar de Ílo. Pegando uma pedra e raspando a
letra “I” num medalhão que carregava no pescoço, em seguida coloca o
medalhão no pescoço do seu novo amigo.
—Kira?! Kira? Grita sua mãe a procurando.
Assustada, Kira acaricia o rosto de Ìlo para se despedir, cobre a
mesinha e vai até sua mãe.
—Oi mamãe, eu estava procurando conchinhas. Disfarça Kira.
—Não fique longe. Por acaso você viu aquela mesinha que estávamos
usando? Ela e minha toalha sumiram. Pergunta Aline.
—Não, não vi. Alguém pode ter pego, por que eu estava brincando com
eles aqui fora e esqueci de recolher. Justifica a menina.
—Ah, uma pena. Vamos filha, hora de comer. Diz Aline.
Mais dias se passam e pressionados os cientistas já se veem sem
muitas alternativas. Contra todos os princípios da ciência, sem qualquer
comprovação ou resultado positivo, resolvem ir ao extremo. Aplicar a tal
“proteína” diretamente numa cobaia humana infectada.
Um homem portador da doença chamado Jonas, de 25 anos é o
voluntário e a vacina é aplicada. Dentro de algumas horas, o homem
começa a se recompor. Os sintomas cessam e a comemoração é
instantânea. O homem é monitorado por 24 horas e com seu corpo
completamente recuperado e nutrido ele é liberado. A vacina então
começa a ser produzida em larga escala aqui no Brasil.
Praticamente sem sinal por conta da chuva, tudo que Marcos e
Aline sabem é que uma vacina estava sendo aplicada na população. A
Esperança é que tudo volte ao normal.
Já com alimentos racionados a vários dias, Marcos exclama:
—Precisamos voltar a cidade, dependemos de comida Aline.
—Não quero voltar antes de termos certeza de que tudo está mais calmo.
Diz Aline tentando sintonizar a TV.
—Temos comida para mais alguns dias. Vamos esperar as notícias. Diz
Marcos.
Kira, sentada na janela do trailer, enrolada em seu cobertor,
pensava: "Será que ele está bem?" Seu novo amigo se tornara seu maior
companheiro durante o dia. Ela levava as migalhas dos alimentos que
sobravam para ele e os dois passavam o dia juntos. Apesar de
praticamente não comer, Ílo estava cada vez mais forte e ativo.
A chuva passou, e o sinal voltou. Porém a notícia espantou
Marcos e Aline, que se olhavam com olhos arregalados e as mãos sobre
a boca:
"Atenção!!! A vacina usada para combater o vírus da PX-19, acabou
criando uma variante muito mais devastadora do que o próprio vírus. Ela
potencializou as células de tal forma que os então “vacinados”, antes
fracos e subnutridos, sofreram uma mutação genética, os deixando não
apenas fortes, mas transformando-os em verdadeiros mutantes
deformados e irracionais. Monstros primitivos que procuram comida a
todo custo. Canibais. Estamos vivendo algo nunca visto antes. Protejamse.
E que Deus esteja conosco!".
O sinal cai e a tv imite um chiado enorme.
Aline está sem reação, leva as mãos a cabeça e puxando os
próprios cabelos, grita:
—E agora Marcos? O que vamos fazer? Quase sem comida, no meio do
mato, cercado por monstros canibais?
—Calma Aline, não podemos nos desesperar! Diz ele segurando firme
em seus braços. —Pelo menos estamos longe e isolados, sei que
precisamos de comida, mas minha experiência como biólogo tem que
servir para alguma coisa, não é? Precisamos explicar a Kira o que está
acontecendo.
Kira brinca com seu amigo Ílo, que já não cabe mais no
esconderijo de mesinha, quando é surpreendida por Marcos:
—Kira cuidado! Sai de perto desse bicho! Ele pode te morder! Grita
Marcos já com a mão numa adaga que sempre carrega na cintura.
—Calma Pai! Ele é meu amigo! Cuido dele á dias e nunca me fez mal!
Diz Kira com lágrimas nos olhos com medo da reação do pai.
—Como assim Kira? Pergunta ele.
—Eu o encontrei na floresta pai, muito fraco, mas com minhas
comidinhas, ele ficou forte e bonito. Podemos ficar com ele Pai? Por
Favor? Por Favor? Suplica a menina
Marcos então se aproxima do animal, que abaixa a cabeça como
se entendesse de quem se tratava, ele acaricia seus pelos e Ílo lambe sua
mão. Pronto! O cheiro de Marcos já está registrado no cérebro de Ílo
como alguém de quem se deve cuidar. Kira e Marcos voltam para o trailer
na companhia de Ílo e a reação da mãe é a mesma:
—Cuidado! Atrás de Vocês! Grita ela correndo e apanhando Kira nos
braços.
—Calma Mãe! Esse é Ílo. Nosso Pet! Ele é muito dócil. Diz Kira.
Aline olha para Marcos que confirma balançando a cabeça
positivamente. Aline então se aproxima e da mesma forma Ílo se mostra
respeitoso abaixando sua cabeça e permitindo o toque de Aline,
registrando também o seu cheiro como integrante da família.
Kira não se cabia de tanta felicidade pela aceitação dos pais,
abraçava-os e agradecia, enquanto Ílo se esfregava entre eles.
Marcos então conta a Kira tudo que está acontecendo no mundo
e mesmo sendo uma criança de apenas 6 anos ela entende, a seu modo, o
que está vivenciando.
Ílo passa a morar no trailer, protegendo a família e ajudando
Marcos a caçar para alimentá-los. Marcos que tem uma pistola e grande
habilidade com armas, mas prefere treinar Kira no arco e flecha e junto
com seu parceiro inseparável entra na mata atrás de pequenas aves.
A vida não é mais a mesma, porém em meio toda essa
adversidade, eles descobrem um novo mundo a cada dia, aprendendo
com seus percalços e percebendo o que realmente tem valor: Família,
União e Amor.
Os anos se passam, o mundo se torna um lugar sombrio,
dominado pelos “PX”, codinome dado aos zumbis canibais. Os poucos
humanos vivem nômades, escondidos nas matas, sobrevivendo da caça
como primitivos e ainda com o medo constante de serem apanhados por
esses monstros.
Kira já está com 10 anos, ela se tornou uma excelente caçadora.
Junto de Ílo sempre tinham êxito na busca por comida. Porém a escassez
começa a atingi-los, obrigando Marcos e Aline a explorarem novos
territórios. A cidade do Rio, ainda tem suprimentos nos mercados
depredados pois os infectados são canibais e vivem quase que
exclusivamente de carne.
Aline e Marcos chamam Kira para conversar.
—Filha, precisamos ir até a cidade atrás de mantimentos. Nosso alimento
está acabando e a caça está cada vez mais difícil. Vamos ter que arriscar.
Diz Aline com dor no coração.
—Mas mãe, é muito perigoso, há PX´s em toda parte e vocês podem ser
atacados. Exclama Kira, chorando.
—Nós sabemos meu amor, mas se não fizermos isso morreremos de
fome. Precisamos ir agora. Fique aqui e não saia de forma alguma até
retornamos ok? Conseguimos guardar um pouco de comida para você.
Desculpe, mas não temos muito para Ílo. Relata Marcos.
Chorando muito, Kira se despede dos pais, que ainda cobrem o
trailer com folhas para mantê-lo mais camuflado possível.
“Amamos você.” É a última frase que Kira ouve de seus pais que
atravessam a trilha em direção a cidade.
É fim de tarde, começando escurecer, Aline estava na frente,
quando chegaram na cidade. Ela puxa de sua cintura uma faquinha que
usava frequentemente. E Marcos uma pistola. A selva de pedras perdeu
a cor. Um caos silencioso, tão diferente daqueles dos dias normais. As
casas e os edifícios tão lindos e imponentes, agora eram um monte de
ruínas, abandonadas e depredadas. O céu estava coberto por nuvens
avermelhadas. Havia muitas manchas pelo chão, sangue dos inocentes
que foram atacados antes de conseguirem fugir. Não havia brilho nem
vida naquele lugar.
Eles entram num supermercado. Tudo parece calmo. Abrem as
bolsas e começam a jogar todos os alimentos possíveis dentro delas. De
repente, Aline escuta um barulho e ao olhar para o espelho convexo que
mostra todos os corredores do ambiente ela vê um homem, muito grande
e deformado, com uma pele de coloração acinzentada. Seus cabelos
ressecados e quebradiços e braços enormes com veias que pareciam estar
a ponto de eclodir, causavam tanto medo quanto os grunhidos que ele
emitia enquanto babava. Era realmente um ser horrível. Um PX. Aline
vai até Marcos, e aponta para o espelho.
—Silêncio, ele não pode perceber que estamos aqui. Sussurra Marcos
para Aline.
Os dois contornam o corredor, desviando daquele ser estranho e
quando estão prestes a sair, a mochila de Aline se abre e as várias latas
de alimentos começam a cair fazendo um enorme barulho, ecoando
dentro daquele estabelecimento e atraindo não só a atenção do PX que
estava lá dentro, mas dos vários que estavam camuflados lá fora. E sim,
eram muitos. Aline grita apavorada enquanto aquele monstro corre em
direção a eles. Marcos mira com a pistola e acerta um tiro na testa do
homem, que instantaneamente caí de bruços no chão. Aline continua
chorando em posição fetal encostada em uma vitrine empoeirada,
enquanto os vários seres horrendos arranham paredes para tentar entrar.
Marcos a abraça, ele sabe que não há como escapar.
—Eu te amo, desculpe por não conseguir te proteger. Você sempre vai
ser a mulher da minha vida Aline, senão nessa... na próxima... em breve...
no paraíso! Diz ele chorando apertando-a com força.
—Eu também te amo, você me fez a mulher mais feliz do mundo. Que
Deus proteja nossa guerreira... te vejo em breve meu amor! Diz Aline,
chorando copiosamente enquanto recosta sua cabeça no peito de Marcos.
Um grande estrondo, é ouvido até no trailer onde Kira angustiada
aguarda pelos seus pais, sem saber que dezenas de PX´s invadem o local
e correm até o casal, abraçados, sentados no chão. Eles são cercados e
então atacados.
Kira observa por uma brecha na janela, o único espaço que não
fora coberto de folhas, não é possível ver por entre a trilha, mas Ílo
percebe a aflição que afeta a garota. Ele então coloca a pata sobre os
ombros da menina como se a abraçasse. Quatro dias se passam. As
esperanças se esgotam e Kira entende, mesmo não querendo acreditar:
—Eles não vão voltar... Diz ela chorando compulsivamente.
Ílo lambe secando seu rosto e ela encosta a testa na cabeça de Ílo.
—Eu te amo meu companheiro. Diz Kira, agora ao único amigo.
Depois de alguns dias de muito choro e dor intensa, Kira decide
se recompor. Ela então se levanta da cama, repleta de lenços sujos:
—Vamos dar um passo à frente Ílo. Eles sempre estarão comigo. Diz ela
olhando um retrato da família em cima da bancada.
Ao remover os galhos já secos que cobriam o trailer, Kira nota
uma abertura na parte de fora. Não consegue remover a trava, mas seu
companheiro, imenso traz em seu focinho uma corda. Kira amarra na
fechadura e quase sem esforço Ílo abre. Lá dentro, um livro. "As
espécies". A capa era de couro, marrom, parecia um livro bem antigo.
Com páginas amareladas. O livro era grande e grosso. E separado por
categorias. Aves, mamíferos, anfíbios, aracnídeos, crustáceos, etc. No
livro continha todas as informações de cada animal. O que comiam, como
viviam, onde eram encontrados, seus pontos fracos, instintos defensores,
reprodução, características, entre outros. Além de conter uma imagem do
animal. Porém o que mais chamou a atenção de Kira, foi que no final
dele, na contra capa, havia uma adaga. Uma bainha de couro protegia a
lâmina e nela, uma assinatura: Marcos Almeida, sim era a mesma que seu
pai sempre carregava, como se fosse uma herança deixada por ele. A
menina pega a adaga, e a coloca na cintura.
—Tenho saudades pai. Obrigado pelo presente! Sei que estão comigo!
Diz ela voltando para o início do livro e percebendo que uma das folhas
está dobrada, indicando uma marcação. Está na categoria dos mamíferos.
Os olhos dela se arregalam:
—Ílo? Espanta-se Kira.
A página falava sobre os lobos cinzentos, e suas variedades. Ílo
era a descrição perfeita do lobo nomeado "lobo da noite". Com pelos
escuros como a noite, e em sua maioria olhos verdes penetrantes.
Exatamente como Ílo. São fortes e ágeis. Um extinto protetor aguçado,
assim como seu faro e sua audição. A única coisa que não se encaixa é
que Ílo tem pelo menos cinco vezes o tamanho descrito no livro.
—Como você pode ter crescido tanto Ílo? Pergunta ela ao lobo que com
sua enorme cabeça, deita no seu colo.
—Deve ter sido os bolos da mamãe, que comíamos escondido embaixo
da mesinha. Diz Kira com um lindo sorriso ao amigo.
Se passaram mais 5 anos depois. Nada de melhoras, tudo estava
como no começo. Kira já com 15 anos, ainda estava se mantendo a base
de frutos e longas viagens para matar aves. Em uma dessas caças, Kira
encontra um rádio antigo, numa base que parecia ter sido de militares.
—Ílo fique atento, podem haver PX´s por aqui! Disse ela juntando o rádio
do chão.
Quando Kira levanta seu olhar, um ser monstruoso está a
encarando. Ela solta o rádio e com muita habilidade faz um rolamento
para trás. Já empunhando seu arco e flecha ela abate aquele ser arrepiante,
antes que ele pudesse reagir.
—Podem vir, apenas saibam. Eu nunca erro. Diz ela enquanto se levanta
e olha ao redor onde vários outros PX´s espreitavam, tentando cercá-los.
Ílo então se põe em posição de ataque e na medida que as criaturas
avançavam, ele os destroçava e Kira abatia os que vinham pela
retaguarda disparando várias flechas sem nenhum erro. Quando o
massacre acaba, Kira está suja com o sangue PX, mas sem ferimentos o
que impede a contaminação. Ela pega o rádio. Monta em Ílo e após um
banho num córrego de água doce próximo, voltam para o trailer.
O rádio não liga, mas Kira lembra de uma pequena caixa de
ferramentas debaixo do painel do trailer e decide abri-lo. Mesmo sem
conhecimento, percebe que um dos fios está desconectado. Ao conectar
o fio, o rádio liga. A garota passa horas tentando sincronizar os chiados
de modo que se tornem uma voz, um aviso, uma notícia, enfim qualquer
coisa. O tempo passa e o rádio fica ligado numa das estações onde o
chiado diminuiu. Cansada Kira chama Ílo para dormirem. De repente
uma voz sai pelo alto-falante. Kira abre os olhos assustada e corre até o
rádio, tropeçando por cima de Ílo. A voz de um homem soa doce nos
ouvidos de dela. Ele conta sobre um lugar onde uma nova civilização está
sendo formada. Com detalhes informa a localização usando coordenadas.
Kira pega rapidamente o livro e anota na contracapa e mais uma
vez lembra de seu pai, que durante os duros anos da epidemia, lhe
ensinara a ler a bússola e se localizar, através dos pontos cardeais.
—Ílo! Um novo amanhã. Diz ela chorando de felicidade. —Vamos para
casa! Com outros como nós. Humanos! Partiremos amanhã mesmo.
A luz do dia mal ilumina o pequeno trailer e Kira acorda.
Rapidamente se levanta e enquanto Ílo dorme, ela arruma uma grande
mochila de acampamento com alguns suprimentos, sem esquecer do
retrato de seus pais. Uma nova aventura, merece um novo “look” então
Kira, usando as roupas da mãe, cria sua nova identidade, com um
pequeno short preto, uma regata verde musgo, um coturno de couro do
pai que ainda é um pouco grande, mas que confortavelmente se encaixa
nos seus pés e luvas de meios dedos na mesma pegada. Ainda como
adereço, um cinto de couro largo que abriga a adaga deixada de herança.
—Ei amiguinho?! Temos que ir. Chama ela acariciando Ílo.
Ela monta em Ílo, aponta o caminho e como uma verdadeira
heroína, no seu estilo “Lara Croft” segue em busca do novo lar, mas antes
de entrarem na trilha, olham para o trailer e um sentimento de gratidão
lhes toca o coração, pois aquele refúgio guardado pelos anjos fora sua
salvação em todos esses anos.
Após horas cavalgando, a escuridão da noite começa a cobrir a
densa floresta e o risco com ataques aumenta, pois os PX´s não gostam
da claridade.
—Ílo, precisamos encontrar um abrigo para dormir. Diz Kira apeando de
Ílo.
Relembrando a descrição ouvida no rádio, deveria haver uma
caverna por ali e os dois começam a observar o local enquanto andam
lentamente. Kira abre o caminho com a adaga até chegar a uma rocha e
contornando o monte encontram a entrada. A escuridão na caverna é
total, então com alguns galhos secos, acendem uma tocha e ao iluminar
o interior do buraco, uma colônia inteira de morcegos desperta:
—Minha nossa?! Que Susto! Grita Kira. Ílo que com sua visão aguçada
já havia percebido a presença dos moradores, ora despejados, nem se quer
se mexeu.
Ela ajeita os galhos no chão, enquanto Ílo busca um tronco mais
grosso que manterá a chama acesa durante toda a noite. Abrindo um
pequeno saco de dormir que conseguiu carregar, ela diz:
—Boa noite carinha, eu te amo. E se deita ao lado da fogueira, já
fechando os olhos, enquanto Ílo fica na entrada afim de protegê-los.
A luz do dia entra na caverna e ilumina o rosto de Kira,
esfumaçado pelas cinzas da fogueira que o vento empurrou.
—Bom dia Ílo. Diz ela vendo seu enorme companheiro se aproximar.
Com toda delicadeza de um lobo com quase três metros de altura,
Ílo se aproxima dela e solta em seu colo, algumas frutinhas verdes, um
pouco babadas é verdade, mas que deviam servir para um café da manhã
saudável.
—Oh, obrigada Ílo! Diz Kira acariciando seu companheiro e segurando
as frutinhas com a ponta dos dedos. —Vou guardá-las para mais tarde.
A menina se levanta, arruma suas coisas e saindo da caverna, lava
seu rosto com a água que escorre no paredão de pedras.
—Vamos. Diz ela. —Precisamos aproveitar a luz do dia.
As horas vão se passando, o calor e a umidade da mata densa
aumentam a cada minuto.
—Precisamos de água! Não vamos aguentar muito tempo.
Ílo desvia da trilha, mesmo sem entender, Kira confia nos seus
instintos e logo ele encontra um pequeno riacho. Kira desce e corre até a
poça, mas Ílo morde sua mochila e levanta a menina.
—O que foi?! Pergunta ela num tom assustado. Ele à solta mais para trás
e mordendo um cipó uma grande pedra cai na beira do riacho.
—Puxa Vida! Bela armadilha! Essa foi por pouco! Diz Kira sorrindo para
Ílo. —Que seria de mim sem você, meu protetor.
Kira se ajoelha próxima ao riacho e bebe a água. Porém Ílo está
agitado. De repente um som agudo ecoa na mata e ao levantar a cabeça,
Kira vê uma águia que passa raspando em seus cabelos. Ílo se posiciona
e envolve a menina, mantendo o olhar fixo na mata de onde barulho de
galhos quebrando e uma voz são ouvidos.
—Acho que pegamos alguma coisa na armadilha Jack. Diz um garoto
que sem notar Kira e Ílo, sai da mata com a águia no ombro.
—MEUS DEUS!!! Grita o garoto apavorado ao dar de cara com as presas
enormes de Ílo rosnando ferozmente.
—Calma Ílo! Grita Kira. —É um humano. Já sacando seu arco e flecha,
apontando para o garoto.
—Ei, espera aí mulher maravilha! Diz o garoto num tom irônico. —Tá
de boa!
—De boa?! Eu poderia ter atravessado seu peito com uma flecha! Seu
doido! Grita Kira irritada.
—Hahaha... você?! Me acertar?! Vai nessa?! Balbucia o garoto.
Kira dispara uma flecha por entre as pernas do garoto. A flecha
fica cravada numa árvore.
—Eu nunca erro! Diz Kira.
O garoto com os olhos arregalados pergunta:
—Qual é o seu nome?
Ela abaixa a arma, monta em Ílo e cruzando os braços responde:
—Kira. E o seu, palhaço?
—Você é muito simpática "Kira". Meu nome é Jonas Junior, mas pode
me chamar de JR e esse é o Jack. Minha águia. Diz ele acariciando a ave.
—Prazer JR e Jack. Vocês vivem aqui? Na Mata? Pergunta Kira.
—Sim. Desde que tinha 8 anos. Vivíamos ao lado do Centro de Pesquisa
lá embaixo, quando isso começou. Meu pai, Jonas, estava doente e foi se
ofereceu para testar a “VACINA SALVADORA”. Mesmo na incerteza
dos efeitos colaterais, os cientistas estavam sem tempo, uns a favor e
outros contra decidiram aplicar e então tudo deu errado. Minha mãe foi
atacada pelo meu pai logo no início da mutação e eu fugi para a mata.
Depois de muitos dias escondido, voltei ao laboratório e permaneci lá,
pois havia comida e água e por algum motivo os PX´s não retornavam
naquele local. Até ouvir, por um sinal de rádio, sobre a tal comunidade.
Então resolvi partir.
—Coincidência. Murmura Kira com uma expressão pensativa. —Eu
também estou nessa e vou te ajudar. Você pode ser útil. E também porque
sei que você e esse seu periquito não vão aguentar dois dias sozinhos
nessa trilha.
Kira meche na mochila e pega uma das frutinhas babadas de Ílo.
—Aqui, come e sobe aí. Diz Ela
—Ah valeu, mas eu não vou subir nessa coisa. Diz ele mordendo a
frutinha. —Aff, Cambuci?! Frutinha azeda “pá caramba”, mas pelo
menos é rica em “VITAMINA”. Diz ele fazendo aspas com os dedos e
rindo. —Perdão pelo trocadilho!
Kira ri, não pelo trocadilho de mau gosto, mas pela baba de Ílo
que ela vê brilhando na fruta.
—Tudo bem então. Mas não vai conseguir nos acompanhar. Diz ela
adentrando a mata com Ílo.
O dia passa e a luz do sol vai diminuindo. Kira não avista mais
JR e resolve esperar. Encostada numa árvore, folheia o livro deixado pelo
pai:
—A águia-de-cabeça-branca, águia-careca, águia-americana ou pigargoamericano
é uma águia nativa da América do Norte. Sua distribuição
geográfica inclui a maioria do Canadá e Alasca, todos os Estados Unidos
contíguos, e norte do México. Hum, interessante. Diz a garota enquanto
lê a página que descreve Jack. —Se um animalzinho tão pequeno
consegue voar toda essa distância, não tenho dúvidas Ílo que nós
chegaremos logo na colônia.
De repente um barulho alto de galhos quebrando acordam Ílo,
mas ele logo deita novamente. Mas Kira se põe em posição de ataque e
do meio das árvores, cambaleando e coberto de lama, surge JR.
—Meu Deus! Seu maluco! “Tá” querendo morrer? Grita Kira irritada. —
Ílo sente o teu cheiro a quilômetros, mas eu não.
—Me desculpa... Diz ele, com uma respiração ofegante e mal
conseguindo ficar em pé. —Tentei acompanhar vocês, mas estou
exausto. Além do mais, com um animal desse tamanho é fácil passar pela
vegetação. Já a pé é um sacrifício.
Kira o segura e passa seu braço ao redor do pescoço:
—Está tudo bem... Me desculpa por estar sendo tão dura com você. Faz
muito tempo que não convivo com ninguém além do Ílo. Diz ela.
atrás.
Ílo se deita e JR se agarra em seus pelos, enquanto Kira sobe logo
—Vamos Ílo. Por aqui. Não falta muito, mas vamos arrumar um lugar e
passar a noite. Diz Kira.
Jack, a águia segue voando, de galho em galho, os
acompanhando. Uma grande árvore é usada como abrigo, Kira desce de
Ílo e ajuda Jonas a descer com cuidado. Ela o coloca sentado encostado
a árvore. Com um pouco de água lava seu rosto e cuida dos arranhões.
Ela então abre o saco de dormir e diz para JR deitar.
—Mas e você? Onde vai dormir? Ele pergunta.
—“Cara”, eu tenho um lobo com mais de dois metros. Responde Kira.
—Verdade. Cama KING, melhor WOLF. Diz JR novamente fazendo
aspas com os dedos e rindo.
—Você e seus trocadilhos! Belo inglês! Boa noite. Diz Kira rindo e se
acomodando no meio das grandes e peludas patas.
Já de madrugada, Kira escuta uma voz e levanta lentamente.
"Kira!! Kira!! Minha guerreira!". Ao ouvir essa frase ela corre
disparadamente para a mata.
—PAI!?? Grita a menina com lágrimas nos olhos.
Ela então avista o homem que á ensinou a enfrentar esse mundo
caótico. Ela corre se jogando nos seus braços e então chorando exclama:
—Eu senti tanto a sua falta!
Porém algo parece estranho, seu pai não diz mais uma palavra.
Quando a menina volta o olhar, o rosto dele está deformado, como se
tivesse derretendo. Ele está com uma aparência monstruosa que a assusta.
Ela se solta dos braços do pai que tenta segurá-la e corre pela mata, mas
está cercada por PX´s.
Então Kira acorda assustada e suando frio. Agarra Ílo, que lambe
sua testa enquanto ela chora. Ela senta e percebe que está amanhecendo,
resolve acordar JR e eles seguem a jornada. Durante o caminho o menino
percebe a agonia dela e então pergunta:
—Kira, você está legal?
—Sim... não... não sei! Diz a garota passando a mão no cabelo e
segurando o braço.
—O que houve? Pergunta ele se aproximando.
—Eu tive um sonho. Responde ela, contando sobre o sonho a JR.
—Caramba que horror. Também nesse sol até meu rosto parece derretido.
Ri ele.
—Você não cansa de fazer graça? Diz Kira irritada.
—Desculpe, tem razão. Não foi engraçado. Mas foi só um sonho.
Estamos juntos e vamos te proteger! Diz ele.
Logo em seguida, Ílo levanta a orelhas e arrepia o pelo do
pescoço.
—O que ouve amigo? Pergunta Kira descendo do animal, já empunhando
seu arco e flecha.
JR desce junto e Jack voa para o alto gritando quando o som de
galhos quebrando e o movimento da vegetação deitando delata o ataque:
—JR ABAIXA!! Grita Kira, disparando uma flecha que acerta em cheio
a cabeça de um infectado.
Vários e vários PX´s começam a surgir. Ílo ataca ferozmente,
dilacerando os monstros. Até Jack com voos rasantes e com suas garras
afiadas tenta distrai-los enquanto JR saca uma pistola de dentro de uma
pequena bolsa de couro. E com tiros certeiros também derruba alguns.
Restando alguns para as flechas afiadas de Kira.
A respiração ofegante, o suor e o sangue, definem uma batalha
vitoriosa, apesar do medo de ter sido ferido e por consequência,
infectado, estão todos bem. Apesar dos ataques ferozes contra Ílo, nada
parece conseguir romper o couro por baixo da pelagem, evitando
qualquer forma de Ílo ser infectado, já que a transmissão só ocorre pela
corrente sanguínea.
Tudo parece calmo, mas ao se afastar um pouco até um fio de
água que corre na rocha para se limpar, Kira vê algo que estremece seu
corpo. Um PX que a encara firmemente, mas não a ataca. Ílo sente o
cheiro, pula por cima de Kira e tenta morder a criatura, que se defende
agarrando a garganta de Ílo e usando-o como escudo. JR vendo a cena,
não entende por que Kira não reage. Ele saca a pistola, mas não consegue
mirar no PX pois ele está atrás de Ílo. Então um estrondo muito mais forte
que o da pistola é ouvido. Um homem com um fuzil, dispara na pata de
Ílo que está sobre o peito da anomalia.
O tiro enfim atravessa o couro duro do lobo e atinge o peito do
PX, que vai ao chão. Vários outros humanos chegam, então JR olha com
atenção para o topo da montanha e apesar de bem camuflado, identifica
o portão da colônia.
Estranhamente Kira ainda está inerte. JR corre até ela, agarra seus
braços e grita:
—Kira! Kira! Você está bem?! O que houve?! Porque não atirou?! Está
ferida?!
—Sim. Muito. Responde ela chorando.
—Meu Deus! Onde! Pergunta ele assustado.
—No Coração. Ela responde. E ajoelhando-se próximo ao corpo do PX,
sussurra:
—Esse PX não me atacou, por que me reconheceu. Assim como eu o
reconheci. É meu pai. Meu herói. Apesar da aparência horrível, seus
olhos ainda eram os mesmos. Jamais esqueci o olhar de cuidado com que
todas das manhãs ele me acordava. Eu te amo Pai! Perdão por não poder
salvá-lo. E chorando intensamente, corre até Ílo.
Os homens ameaçam atirar no imenso lobo, mas JR se põe a
frente gritando:
—Não! Por Favor! Ele é nosso amigo! Foi ele quem nos protegeu até
aqui. Precisamos ajudá-lo.
—Um bicho desse tamanho não é normal. Lobos não podem crescer tanto
assim. Ele tem pelo menos cinco vezes o tamanho de qualquer outro da
sua espécie. Exclamou um dos humanos.
—Ele irá proteger a comunidade. Ele é especial. Eu sinto. Diz Kira,
implorando para que o ajudem. O homem então abaixa sua arma e recua,
assim como os demais.
Apesar de ferido, Ílo consegue caminhar, e todos seguem para
dentro dos portões, onde estão protegidos.
—Olá, me chamo José. Temos água e comida. Em todos esses anos
precisamos nos tornar autossustentáveis. Vou lhes mostrar onde podem
se alojar e providenciar roupas. Já os bichinhos, bem se podemos chamar
de bichinho uma “coisa” desse tamanho, vão ser examinados no nosso
laboratório. Diz um dos humanos que os acolheu.
Após um delicioso banho e um farto jantar, que não ocorria em
anos, JR e Kira resolvem subir até o mirante de onde os humanos
observam com segurança o que ocorre fora da colônia. De lá ainda é
possível ver o corpo do PX (pai de Kira) abatido próximo do portão.
Ela não demonstra, mas aquilo mexe profundamente com Kira. Já
é tarde e na comunidade, se tem horário para tudo. O toque de recolher
acontecerá logo. Assim que todos adormecem, Kira se levanta, desce até
o portão da comunidade que, obviamente, está bem trancado. Ela vai de
um lado para outro, mas realmente não tem como sair. Então ela ouve:
—Pula do mirante moça! São só trinta metros! Fala um homem já
grisalho com um ar irônico. A senhorita não deveria estar na cama?
—E o senhor? O que está fazendo acordado? Não segue as regras?
Ironiza Kira.
—Eu sou Alan. Cientista. Quem trabalha nesse ramo, não dorme. Mas
me diga, por que quer ir lá fora? Kira, não é? Pergunta o homem.
—Sim. Kira. O PX morto no portão era meu Pai. Não consigo me
conformar com ele esticado ali sem ao menos uma cova. Por favor me
ajude a enterrá-lo.
—Moça... Moça... agora ele é só um PX, morto, não mais seu pai! Diz
Alan.
—Mais respeito com os sentimentos dos outros! Repreende JR que nota
a falta de Kira e desce para procurá-la.
—Só o que faltava. Mais um “Playboyzinho” metido a machão. Retruca
Alan.
—Parem vocês dois! Ao invés de jogar testosterona na cara um do outro,
por que não me ajudam a dar um enterro digno ao meu pai? Grita Kira.
—Ok Moça, sei o que está sentindo. Fui contra aplicar a vacina nos
humanos sem a devida testagem e quando ocorreu a mutação eu ficava
me perguntando o que seria daquelas pessoas. E antes que perguntem...
sim! Eu fazia parte daquela equipe de cientistas. Relata Alan. —Acho
que Deus está me dando uma chance de me redimir. Eu tenho as senhas
de segurança do portão. Mas precisamos ser rápidos. É muito perigoso lá
fora.
Alan desce e digitando as senhas, incluindo reconhecimento
facial, leitura de íris e todas aquelas coisas de cientista, que vemos nos
filmes, ele abre o portão menor.
Ao se aproximarem do PX, uma grande surpresa.
—Meu DEUS!!! Grita Kira jogando-se sobre o corpo.
O Homem está vivo, suas veias retraíram e seu corpo desinchou
e os seus traços humanos já são bem aparentes. Porém o ferimento
causado pelo tiro é muito grave.
Sem saber exatamente o que fazer, os três recolhem o homem,
trancam o portão e correm para o laboratório. Alan coloca o homem sobre
a mesa, prende suas mãos com algemas e correntes. Todo cuidado é
pouco. Então começam a tratar seus ferimentos. O Homem ainda está
inconsciente. Alan quer descobrir como e por que aquele PX voltou ao
seu estado Humano.
Alan pergunta:
—Quem atirou nele?
—Foi o General com um Fuzil. Responde JR
—Fuzil?! Mas como?! Apesar de grave, um Fuzil causaria um ferimento
muito maior. Diz Alan
—Talvez tenha amortecido ao atravessar o couro duro de Ílo. Diz Kira.
—Ílo?! Pergunta Alan assustado.
—Sim. O mesmo tiro que acertou o PX atravessou a pata de Ílo primeiro.
Diz JR.
Alan corre até a sala onde Ílo está repousando. Ele rosna. Mas ao
ver Kira, se acalma. Alan segura a cabeça enorme do lobo, olha fundo
nos seus olhos verdes e Ílo lambe a sua face como se o reconhecesse.
—Minha Nossa! Eu não acredito! CB989! É você?! Grita eufórico Alan.
Sem entender nada, Kira e JR só observam. Então Alan explica:
—CB é a sigla de cobaia, utilizada na testagem das vacinas. Ílo foi a
cobaia número 989. A última a ser testada antes da aplicação nos
humanos. Eu levei pessoalmente a CB989 até a sala. Vi aplicarem e
relutei crer que não havia resistido. Mas enfim, me conformei e ele seguiu
para o descarte com as outras 988.
Alan pega uma enorme seringa com agulha. Ílo rosna e ameaça
atacar.
—Calma CB989! Melhor Ílo! Sei que já te fizemos sofrer no passado,
mas agora você pode ser a nossa salvação. Por favor, preciso analisar seu
sangue! Pede Alan.
Kira se aproxima, abraça Ílo e o encoraja. Então ele estende sua
enorme pata e Alan recolhe o sangue. Após alguns minutos analisando,
Alan diz:
—A proteína da vacina, aliada ao GEN do sangue de Ílo, geraram a
mutação contra o vírus, alimentando e enriquecendo as células. Por isso
Ílo cresceu tanto. Quando o tiro atravessou a pata de Ílo, o sangue dele
penetrou também no PX, curando a doença. E pensar que a Salvação do
Mundo poderia ter sido enterrada! Obrigado Kira!
José, o chefe da comunidade é chamado e informado sobre a
ótima notícia. Alheio a isso, Marcos (pai de Kira) recobra a consciência.
Seu aspecto já é o mesmo de anos atrás, sequer havia envelhecido. Kira
se aproxima do Pai, segura-lhe a mão ainda algemada e ele sussurra:
—Minha Guerreira! Olhando fixamente para Kira e esboçando um leve
sorriso.
Kira o abraça e chora muito. Sabe que seu estado é muito grave,
não mais pelo vírus PX, mas pelo ferimento causado pelo tiro, pois seu
sistema imunológico também voltou a resistência normal.
—Por favor me soltem. Pede Marcos balbuciando.
Alan solta as algemas. Marcos abraça Kira e pertinho do seu
ouvido ele fala com voz fraca:
—Kira, eu sabia que veria você de novo, aqui ou em outra vida. Saiba
que estou partindo novamente, mas dessa vez com meu coração
tranquilo, pois sei que você vai salvar nossa raça. Nos encontraremos um
dia novamente, onde não há dor, nem sofrimentos, nem guerras, nem
rancor, nem doenças, nem mal algum. Te Amo! Pra Sempre!
Kira sente o abraço enfraquecer e aos poucos os olhos se
fecharem. Marcos falece.
No dia seguinte, a noticia é repassada a todos da comunidade.
Marcos é enterrado, com um funeral digno, como almejava Kira.
Imediatamente nova equipe de pesquisas, Alan, Kira, JR e Ílo,
juntamente com os demais voluntários começam a trabalhar para
descobrir como usar o sangue de Ílo na recuperação dos infectados. No
entanto Kira precisava estar sempre presente para que Ílo deixasse retirar
seu sangue. Após muitos, muitos testes, ele já se sentia fraco, todos os
dias novas doses precisavam ser coletadas para descobrir uma forma de
ampliar o efeito sem depender do sangue puro de Ílo. A resposta veio
quando Alan lembrou dos testes lá no início da epidemia.
—Precisamos voltar ao laboratório. Diz Alan.
—Mas já estamos nele a dias. Exclama JR.
—Não... o laboratório onde tudo começou. Lá temos um equipamento
capaz de multiplicar as células. Talvez dessa forma consigamos fazer o
antídoto com poucas gotas de sangue de Ílo. Responde Ele.
—Então Vamos! Diz Kira já se dirigindo á porta.
Uma operação é montada. Porém somente os que são
indispensáveis para a missão são incluídos; Kira, já com seu traje, Ílo,
JR, Alan e Jack que acompanha pelo alto. Se algo der errado a
comunidade pode continuar sobrevivendo como fez até hoje.
Fortemente armados, eles saem e seguem a trilha de volta. Os
primeiros dois dias são tranquilos. Bem alimentados e sem qualquer sinal
dos PX´s, eles relaxam e baixam a guarda.
Na noite que antecede a chegada ao laboratório, durante a
madrugada escura, o silêncio amedrontador é quebrado por grunhidos
ferozes. Vários PX´s estavam à espreita e atacaram quando eles
adormeceram.
Já um pouco destreinados e sem muito tempo para reagir são
surpreendidos. Kira ainda conserva a habilidade no arco e flecha, JR com
as armas de fogo também. Porém Alan é apenas um cientista e sem
habilidades, seu melhor recurso é se esconder. Ílo por sua vez, luta,
mordendo e usando suas garras, porém não tem a mesma força. Os testes
o enfraqueceram. A batalha é sangrenta, conforme os PX´s atacam eles
tentam avançar em direção ao laboratório que está bem próximo. Kira
atira suas últimas flechas dando cobertura a Alan que consegue entrar por
uma rachadura próximo a porta que está trancada. Ílo também consegue
chegar à porta, mas JR fica para trás. Kira quase sem munição,
percebendo que Ílo não tem mais a mesma força, grita:
—Ílo fica aqui e se protege! Eu vou atrás de Marcos!
Kira corre em direção aos PX´s, mas Ílo, mesmo fraco, agindo
com instinto de proteção e com a fidelidade inesgotável de um animal
que recebeu amor, corre até Kira, colocando sua cabeça entre as pernas
da garota.
Montada nele, Kira consegue acertar o PX que está com os dentes
cravados em JR. Ele o solta e Ílo com os dentes resgata JR. Porém vários
PX´s mordem Ílo, e a resistência de sua couraça não é mais a mesma.
Muito ferido, Ílo consegue chegar até a abertura, solta JR e Kira
o arrasta para dentro. A abertura é pequena demais, tanto para os PX´s
quanto para Ílo. Ele coloca seu enorme focinho para dentro, espera um
último afago daquela que amou e pelo vidro blindado e sujo ainda é
possível ver as lágrimas nos olhos de ambos. Ílo se volta para fora
atirando-se sobre os monstros estraçalhando alguns, mas sendo
fortemente atacado. Não há o que fazer. Mais uma vez Kira assiste por
uma vidraça a dor da perda.
O dia amanhece, lá dentro Alan ainda se recupera do estado de
choque. Kira olha pelo vidro blindado e vê Ílo, deitado no chão,
aparentemente sem vida. Ao seu redor, 8 ou 9 humanos, antes PX´s, mas
que na batalha foram curados pelo sangue de Ílo. Os demais PX´s se
escondem ao sol forte que começa a brilhar no campo.
JR que foi atacado, está começando a mutar. É possível ver a
infecção correndo em suas veias. Kira olha para Alan, chorando muito e
diz:
—Não posso crer! A dois dias tínhamos a cura em nossas mãos. Agora
Ílo está morto, JR é um monstro e não temos mais uma gota de sangue
para produzir o antidoto.
Alan com sua mão trêmula, retira de dentro do coturno, um tubo
de ensaio de titânio, bem lacrado.
—Não acredito! Diz Kira, enxugando as lágrimas. —É o que estou
pensando?!
Balançando a cabeça positivamente, Alan responde:
—Antes de sairmos, pedi ao Ílo que me deixasse retirar mais uma amostra
de sangue. Ele rosnou, mostrou suas presas enormes, se levantou e
quando achei que iria me devorar, estendeu sua pata para frente, cobrindo
os olhos com a outra. Então pude guardar essa dose.
Eles tinham uma decisão pela frente, aplicar o sangue puro em JR
salvá-lo ou então usar a amostra para tentar ampliar o antidoto.
JR ainda consciente, chama por Kira. Ela se ajoelha ao seu lado e
ele diz:
—Não quero que apliquem em mim. Não é esse o objetivo da Missão. Só
peço que atire uma flecha em meu peito, antes que eu perca a consciência,
não quero me tornar um desses monstros.
—Jamais! Eu não vou fazer isso Jonas Junior! Não consigo! Diz Kira
desesperada.
A contaminação começa a ficar mais intensa e JR está começando
a se deformar. Agarrando firme na mão de Kira, ele apanha a adaga da
cintura dela e se desfere um golpe no peito:
—Está feito, mulher maravilha! Eu te amo! Diz ele tossindo com o
sangue em a sua boca.
—Por que fez isso JR! Eu não posso te perder! Eu te amo! Chora Kira
sobre ele.
Nisso Alan vem correndo e com um tipo de pistola, atira na
mesma abertura do ferimento feito pela adaga. Olhando para Kira ele diz:
—Vamos Orar! É tudo ou nada!
—O que você fez? Pergunta ela.
—Eu precisava tomar uma decisão. Como a muito tempo não pude
decidir, dessa vez não hesitei. Usei a dose para tentar gerar o antidoto,
mesmo sabendo que isso também pode custar a vida da raça humana
incluindo a minha. Diz Alan com voz firme e confiante.
Em alguns minutos, JR começa a recobrar a cor, o ferimento em
seu peito não atingiu órgãos vitais e antidoto do “Doutor” Alan, começa
a funcionar. As veias desincham e ele volta a sua aparência.
—Deu Certo! Comemoram Kira e Alan.
Alan e Kira ajudam JR a levantar, vão até o vidro, nem os
humanos nem Ílo estão mais no campo, apenas um grande rastro até a
mata, não se sabe se os PX´s o carregaram ou se ele sobreviveu. Aquilo
aquece novamente o coração de Kira, que se enche de esperança.
A raça humana poderá ser salva, eles agora têm em suas mãos a
cura para o corpo, mas olhando para o céu azul que brilha lá fora
entendem que de nada adianta salvar o corpo, se a alma não souber
verdadeira diferença entre o Criador e a Criatura.
TUDO é DELE!
Aguardo Você na próxima aventura de Kira... e quem sabe Ílo...
Kira & Ílo
Por:
Ana Amélia Ferlin Hildebrando
Autora.