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SUPLEMENTO LITERÁRIO – ABRIL/2011<br />

Gente, boiadas e ranchos 1<br />

2<br />

Faleceu <strong>em</strong> 2008 e ocupou a Ca<strong>de</strong>ira n.º 28 na AGL<br />

APOIO CULTURAL<br />

AGEPEL<br />

AGÊNCIA GOIANA DE CULTURA<br />

PEDRO LUDOVICO TEIXEIRA<br />

Casa Col<strong>em</strong>ar Natal e Silva – Rua 20 n.º 175 – Centro<br />

CEP 74.020-170 - Goiânia - GO - (62) 3224-8096<br />

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Mo<strong>de</strong>sto Gomes 2<br />

Léo Godoy Otero, nascido <strong>em</strong> Morrinhos e radicado na capital paulista, nos <strong>de</strong>u dois<br />

livros <strong>de</strong> histórias curtas, ambos autenticamente goianos.<br />

“Gente <strong>de</strong> Rancho”, trabalho <strong>de</strong> estréia – Bolsa <strong>de</strong> Publicações “Hugo <strong>de</strong> Carvalho<br />

Ramos”, Goiânia, 1954 – apresenta os tropeços próprios <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> aparece pela primeira vez:<br />

insegurança; digressões; falta <strong>de</strong> senso da medida exata na elaboração artística; tendência<br />

pronunciada para o documentário.<br />

Não se negue ao autor, que se mostra profundamente i<strong>de</strong>ntificado com a terra goiana,<br />

a capacida<strong>de</strong> precisa na reunião <strong>de</strong> dados e informações necessários ao seu labor. Colhe-os<br />

com muita felicida<strong>de</strong> mas peca, <strong>em</strong> alguns aspectos, quando tenta humanizar integralmente<br />

a realida<strong>de</strong>. Os t<strong>em</strong>as que focaliza - ao longo das páginas <strong>de</strong> “Gente <strong>de</strong> Rancho” – falam<br />

diretamente <strong>de</strong> nossas coisas goianas: êxodo do campo para a cida<strong>de</strong>; crianças doentes<br />

exploradas pelos pais; fazen<strong>de</strong>iros crescendo para mulheres <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregados; superstições;<br />

leprosos soltos no sertão; rezadores profissionais; responsadores; “promessas” ou “votos” <strong>de</strong><br />

sertanejos; mutirões; valentões conquistadores, quase tudo falando <strong>de</strong> gente que habita os<br />

ranchos.<br />

Otero é um apaixonado dos usos e costumes <strong>de</strong> sua terra, que conhece <strong>em</strong><br />

profundida<strong>de</strong>, sobretudo o sul <strong>de</strong> Goiás. Por isso, certamente, é que se entrega<br />

pacient<strong>em</strong>ente ao beneditino labor <strong>de</strong> captar <strong>de</strong>talhes para, manipulando-os, esboçar o<br />

retrato – que às vezes é caricatura – do hom<strong>em</strong> do campo. Tal preocupação na pesquisa do<br />

pormenor resulta <strong>em</strong> uma ou outra consequência: enriquecimento do contexto pela presença<br />

<strong>de</strong> aspectos pitorescos e originais ou, então, modismo e expressões populares mal<br />

encaixados no corpo da narrativa.<br />

Percebendo <strong>em</strong>bora o sofrimento <strong>de</strong> nossas populações interioranas, vegetando a<br />

sombra dos latifúndios, mesmo assim Godoy não foge às doses <strong>de</strong> ironia. Após <strong>de</strong>screver<br />

uma <strong>de</strong> suas personagens, arr<strong>em</strong>ata: “No resto, umas pernas, dois seios e, como todo<br />

mundo, lavava a cara <strong>de</strong> manhã cedo” (pág. 52). Sobre o luar: “...uma luta redondinha,<br />

provocante que n<strong>em</strong> pinta beirando boca <strong>de</strong> moça alumiava o sertão inteiro” (pág. 64). A<br />

respeito <strong>de</strong> bezerros: “Às vezes seus berros sa<strong>em</strong> como choro, às vezes como grito <strong>de</strong><br />

criança, e outras vezes como berro mesmo” (pág. 75). Referindo-se às plantações <strong>de</strong> um<br />

roceiro: “Oito litros <strong>de</strong> capoeira rala, que n<strong>em</strong> barba <strong>de</strong> bobo, circundavam o ranchinho” (pág.<br />

79). Sobre a instrução do sertanejo: “Evaristo, como a maioria dos dali, era analfabeto; só<br />

sabia ler as cartas do baralho” (pág. 83).<br />

Po<strong>de</strong>-se concluir, do exame atento <strong>de</strong> “Gente <strong>de</strong> Rancho”, que, não obstante todas as<br />

suas qualida<strong>de</strong>s positivas, o livro ainda peca pela ausência <strong>de</strong> técnica mais apurada na<br />

elaboração da história curta, faltando-lhe igualmente a “curva” <strong>de</strong> dramaticida<strong>de</strong>, que se<br />

<strong>de</strong>fine por capacida<strong>de</strong> <strong>em</strong> humanizar o documento, transplantando-o para plano artístico<br />

condizente.<br />

Já <strong>em</strong> “O Caminho das Boiadas” (Livraria José Olympio Editora, coleção “Ficcionistas<br />

e Cronistas Brasileiros”, Rio, 1958) Leo Godoy Otero d<strong>em</strong>onstrou haver progredido<br />

extraordinariamente. Poucas são as obras similares que falam tão <strong>de</strong> perto <strong>de</strong> nossas coisas<br />

regionais.<br />

1 Extraído do livro: História: Ciência ou Arte Literária?


O livro mostra, <strong>em</strong> sucessivos quadros panorâmicos pedaços <strong>de</strong> nossa paisag<strong>em</strong>,<br />

seja a natureza bruta ostentando toda a sua exuberância, seja a gleba humanizada pela<br />

presença forte do hom<strong>em</strong>. E Godoy Otero, para atingir os resultados a que chegou, teve<br />

ciência <strong>de</strong> que a terra, nestas plagas mediterrâneas, é ímã que pren<strong>de</strong> o indivíduo para, <strong>em</strong><br />

processo concomitante, marcá-lo duramente com o estigma <strong>de</strong> sua força; e que o escritor <strong>em</strong><br />

condições <strong>de</strong> sentir, <strong>em</strong> suas exigências mínimas, a realida<strong>de</strong> palpável do meio ambiente –<br />

realida<strong>de</strong> que transmudada para a ficção, daria os matizes da verda<strong>de</strong>ira obra <strong>de</strong> arte –<br />

conseguiria merecer as atenções do público ledor. Leo não fugiu a essa atração telúrica, n<strong>em</strong><br />

tão pouco se <strong>de</strong>ixou dominar por ela. Fixou mesmo – e o fez vigorosamente – as próprias<br />

cambiantes ecológicas que influenciaram inclusive sua formação humana e intelectual,<br />

inteiramente fiel à corrente terrígena do regionalismo goiano, cujos caminhos mestres foram<br />

abertos por Hugo <strong>de</strong> Carvalho Ramos e Bernardo Élis. Dentro do regionalismo <strong>em</strong> questão,<br />

perfeitamente justificável num país <strong>em</strong> que as populações rurais se constituíam <strong>em</strong> maioria<br />

consi<strong>de</strong>rável, Otero compõe páginas magistrais, se b<strong>em</strong> que <strong>em</strong> alguns instantes – exausto<br />

possivelmente pela energia dispendida no artesanato – não consegue impedir que sua prosa<br />

agreste e viril sofra solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, com a quebra do ritmo normal.<br />

Para o autor <strong>de</strong> “O Caminho das Boiadas”, a condição humana não é constante<br />

inflexível a que se subordinass<strong>em</strong>, por quaisquer circunstâncias, as manifestações<br />

<strong>em</strong>anadas da órbita irracional. A t<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> sua novela, a que se juntam fatores os mais<br />

complexos, focaliza os lances vivos que formam o panorama retratado. Há supressão total<br />

do supérfluo, b<strong>em</strong> como do prejudicial à beleza da fábula. Assim é que seu personag<strong>em</strong> mais<br />

saliente, o ladrão terrível das cenas on<strong>de</strong> a composição atinge seu maior esplendor, é uma<br />

coletivida<strong>de</strong>: a boiada. E essa boiada, conjunto <strong>de</strong> animais i<strong>de</strong>ntificados <strong>em</strong> sua escala<br />

zoológica, reage, não raro, como o próprio ser humano <strong>em</strong> suas múltiplas manifestações<br />

nervosas.<br />

O peão <strong>de</strong> boia<strong>de</strong>iro, legendário tipo <strong>de</strong> nossa galeria sertaneja, vive <strong>de</strong> corpo inteiro<br />

na novela <strong>de</strong> Godoy Otero, com virtu<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>feitos encarnados na figura b<strong>em</strong> <strong>de</strong>lineada <strong>de</strong><br />

Moreno Ponteiro, cujo romance com a cigana Maria enseja magníficos trechos do livro. A<br />

<strong>de</strong>spedida dos amantes, ocorrida <strong>em</strong> pleno <strong>de</strong>lírio passional, com o relato <strong>de</strong> circunstâncias<br />

e fatos que cercaram e dificultaram o amor, é evocada através da técnica do fluxo <strong>de</strong><br />

consciência ou frase caótica. “Despedida <strong>em</strong> lágrimas. Amores afogando. Desabafos e<br />

<strong>de</strong>sabafos. Estertores e amplexos. Sonhos realida<strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>los pengo-pengos can<strong>de</strong>ias<br />

bacus inocência mundos novos agonias nobreza poesias água sangue egoísmo ondas morte<br />

febre sol <strong>de</strong>sespero fogo doze-filhos riogran<strong>de</strong> lábios-das-boiadas doutor ciúmes promessas<br />

rezas fazendinha lábios-<strong>de</strong>-irac<strong>em</strong>a lama podre floresta e céu...” (pág. 180).<br />

“O Caminho das Boiadas” é novela tecnicamente b<strong>em</strong> realizada. Os <strong>de</strong>feitos que<br />

apresenta, principalmente certas fugas que tend<strong>em</strong> ao esclarecimento <strong>de</strong> situações, não são<br />

<strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a invalidá-la, <strong>em</strong>bora possam <strong>de</strong>svalorizar o livro <strong>em</strong> sua estrutura. De qualquer<br />

maneira, porém, constitui-se <strong>em</strong> legítima contribuição ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> nossa<br />

novelística, continuando a forte tradição <strong>de</strong> “Gente da Gleba” e <strong>de</strong> “André Louco”.<br />

A boiada segue pelos caminhos difíceis, ao passo lerdo <strong>de</strong> bois cansados. “Aos<br />

poucos o ondulado se igualou – pedra caindo na água – e o regougar rouco dos bois erados<br />

subia com a poeira, enquanto seis mil patas pesadas matraqueavam o chapadão”. “A<br />

manada rebuçada pela poeira”, rasgava “o pelo viçoso nas felpas do corredor que<br />

enqueixava <strong>de</strong>safiante senguês arriba”. Enquanto isso, o berrante – orgulho da peonag<strong>em</strong> –<br />

ponteando o galo, arrastava-o estrada afora. “O berrante g<strong>em</strong>eu doendo”. “...berrante<br />

chorando forte na plangência da tar<strong>de</strong>...”. presos à áspera prosa do escritor, varamos<br />

campinas e chapadões, seguindo a manada e parando com ela nos pousos. “A dolência da<br />

música amolecia os corações, agoniando o sertanejo, o sanfoneiro se torturando...”. E a<br />

boiada vai marchando, humil<strong>de</strong>, cabisbaixa. De súbito, porém, por um nada, saco<strong>de</strong>-se toda<br />

no frêmito da <strong>de</strong>bandada. “Estoura a boiada. Os ponteiros recuam. A tropa da direita abre<br />

caminho. A culatra rápida passa à esquerda. A peonag<strong>em</strong> se arreda pra longe a <strong>de</strong>scargas<br />

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<strong>de</strong> revólver. A retaguarda do tropel virada já nos pés arranca para atrás, enquanto a tropa<br />

a<strong>de</strong>strada, firme, dispara paralela à massa sinuosa per<strong>de</strong>ndo terreno à arrancada. Cavalos<br />

esbarrados saltam loucos na ânsia <strong>de</strong> rebater cortando o turbilhão. O estampido contínuo,<br />

s<strong>em</strong>elhante ao da enchente, esgaça num picadão s<strong>em</strong> fim o pau-baixo <strong>de</strong> beira-rio. O<br />

manga-larga espirituoso do capataz cospe-o longe a uma rodada”. No mesmo diapasão<br />

segue Otero e segue a boiada que após atravessar Minas, é <strong>de</strong>spejado <strong>em</strong> Barretos, já no<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Além da novela que lhe dá título, o livro traz ainda histórias, <strong>de</strong>stacando-se <strong>de</strong>ntre elas<br />

o conto “As Filhas do Malaquias” que, ao fixar cenas <strong>de</strong> sabor medieval, próprias do interior<br />

goiano há alguns anos atrás, se constitui <strong>em</strong> pequena obra-prima, trabalhada que foi por<br />

mão <strong>de</strong> mestre.<br />

Leo Godoy Otero vinculou-se, com “Os Caminhos das Boiadas”, aos laços eternos <strong>de</strong><br />

sua terra, que fotografou <strong>em</strong> aspectos diversos <strong>de</strong> seu rico cotidiano.<br />

O po<strong>de</strong>r da rapadura<br />

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Brasigóis Felício 3<br />

Deu na Gazeta Mercantil: a popular rapadura, pilar da homência e viga mestra da<br />

macheza viril <strong>de</strong> nove entre <strong>de</strong>z cabras machos do Nor<strong>de</strong>ste, (retirantes ou ficantes), vai dar<br />

um salto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> na balança das exportações Ma<strong>de</strong> in Brasil. Mesmo não tendo nada a<br />

ver com proteína animal, a rapadura é tida e havida como a carne do pobre; por tal motivo,<br />

torc<strong>em</strong>-lhe os narizes as senhoras elegantes, e as dondocas do jet-set. Por ser passadio e<br />

sustança da patuleia, a rapadura não consta das prateleiras dos supermercados e lojas <strong>de</strong><br />

alimentos frequentados pelo que os colunistas <strong>de</strong> amenida<strong>de</strong>s chamam <strong>de</strong> "bafejados pela<br />

sorte". Nas feiras populares do nor<strong>de</strong>ste, e mesmo nas feiras livres <strong>de</strong> Goiás, on<strong>de</strong> vão, <strong>de</strong><br />

mamando a caducando, gente <strong>de</strong> todo naipe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o poetariado, passando pelo<br />

<strong>de</strong>putariado e chegando, (que chique!), até o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bargadoriado, a rapadura é lor<strong>de</strong>za<br />

acessível até mesmo aos orçamentos mais chinfrins. Qu<strong>em</strong> está acometido <strong>de</strong> fraqueza,<br />

bambeza nas pernas, inapetência para a cochambração, (e outras esculhambações), não<br />

dispensa uma rapadura; seja a baiana, da pura cana caiana, seja moça branca, é garantia <strong>de</strong><br />

sustança, glicose a mil por hora, santo r<strong>em</strong>édio para a ressaca, conforme atestam os<br />

bebuns, com PhD e pós-doutorado <strong>em</strong> alcoolismo, e outros ismos. Contando, ninguém<br />

acredita; a rapadura vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser coisa do populacho, que a gente b<strong>em</strong> come escondida,<br />

para não passar por pobre, ou vítima do plano Collor ou do plano Cavallo. Não é que a<br />

rapadura vai ganhar status, passando a ser comida <strong>de</strong> gringo, doce chiquérrimo, <strong>de</strong> gente<br />

fina?<br />

Pois sim, o popular doce do nor<strong>de</strong>ste, interior paulista e do centro-oeste começa a<br />

ganhar mercado, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tomar um banho <strong>de</strong> marketing. O publicitário Leon Azulay<br />

investiu na produção <strong>de</strong> pequenos pedaços <strong>de</strong> 25 gramas, <strong>em</strong>balados individualmente <strong>em</strong><br />

vistoso papel ver<strong>de</strong> amarelo, e com a inevitável inscrição: Ma<strong>de</strong> in Brazil. Os nacionalistas<br />

mais ferrenhos já estão pensando <strong>em</strong> fazer o mesmo com o jerimun, o maxixe, a abóbora <strong>de</strong><br />

porco e o manjericão, s<strong>em</strong> falar na jaca, que <strong>em</strong> Goiás pouca gente aprecia, mas na Bahia é<br />

iguaria disputada a faca. É uma pena que minha avó não esteja mais no planeta terráqueo,<br />

para saber <strong>de</strong>sta hilariante novida<strong>de</strong>: a rapadura vai ser vendida <strong>em</strong> dólar, libra, lira, marco,<br />

rublo - e, qu<strong>em</strong> diria -, até os <strong>de</strong>sconfiados japoneses irão <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bolsar seus iens, para ter o<br />

direito <strong>de</strong> roer e lamber a brasileiríssima rapadura. O antes esnobado quitute da brasilida<strong>de</strong>,<br />

que engordou e <strong>de</strong>u sustança a muito neguinho metido a besta, que hoje nega as raízes, t<strong>em</strong><br />

um valor calórico tr<strong>em</strong>endo. Tanto assim que o médico Paulo Alves receitava rapadura a<br />

3 Ocupante da Ca<strong>de</strong>ira n.º 25 na AGL


mães <strong>de</strong> crianças subnutridas, que vinham a seu consultório, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> tratamento. Ao<br />

invés <strong>de</strong> receitar carradas <strong>de</strong> vitaminas inúteis, que sairiam pela urina, s<strong>em</strong> provocar<br />

qualquer reação benéfica, o Dr. Paulo Alves prescrevia: "Rapadura, rapadura, rapadura; dê<br />

rapadura ao menino, três vezes ao dia, e até o dia inteiro, se não faltar rapadura."<br />

Também é voz corrente que a rapadura, ao lado do pequi, é um po<strong>de</strong>roso afrodisíaco,<br />

capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar, para as luxurias e <strong>de</strong>lícias da cochambração, o mais inapetente dos<br />

homens. Até mesmo os mais renitentes, conhecidos popularmente como não chegados ao<br />

pedaço, submetidos a doses cavalares <strong>de</strong> rapadura, ressuscitam antigas vocações para os<br />

prazeres da carne, correndo até o risco <strong>de</strong> se tornar<strong>em</strong> <strong>de</strong>vassos. Nesse particular, -<br />

asseguram as mulheres - com mais autorida<strong>de</strong> para opinar sobre o caso -, a rapadura <strong>de</strong>ixa<br />

no chinelo até mesmo a vergateza, vegetal que, tomado s<strong>em</strong> cuidados, <strong>de</strong>ixa <strong>em</strong> perigo até<br />

as bananeiras, as pernas <strong>de</strong> mesa e os gatos. Com a afrodisíaca rapadura atravessando as<br />

fronteiras do livre mercado, as mulheres do mundo inteiro, que nada têm a per<strong>de</strong>r, e tudo a<br />

ganhar, penhoradas, agra<strong>de</strong>c<strong>em</strong>. Com seus varões, (digo, seus maridos e amantes),<br />

comendo rapadura a seco, com farinha, adicionada ao leite, ou nadando <strong>em</strong> uísque, o<br />

mulherio vai dormir satisfeito. Melhor: não vai encontrar t<strong>em</strong>po para dormir. Pesquisas<br />

abalizadas, feitas entre nove entre <strong>de</strong>z "paraíba-masculina, mulé macho-sim-sinhô", garant<strong>em</strong>:<br />

<strong>em</strong> lugar <strong>de</strong> pequizeiro, ou on<strong>de</strong> se come muita rapadura, não existe hom<strong>em</strong> frouxo.<br />

Outro dia, conversando com o guarda-noite do prédio on<strong>de</strong> irei morar, quando, enfim, o<br />

"inacabável" ficar pronto, garantiu-me ele, com seu jeitão <strong>de</strong> cabra-macho-da-gota-serena:<br />

"Essa rapaziada <strong>de</strong> hoje não dá no couro porque não come rapadura. No meu t<strong>em</strong>po<br />

<strong>de</strong> garrote, na Paraíba, hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> respeito e consi<strong>de</strong>ração comia rapadura com farinha até<br />

estourar o bucho. Com esse passadio, o cabra rasgava gerais, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um sol <strong>de</strong> matar<br />

carcará e mandacaru. Com peso tamanho, atravancando a pança, o cabra da peste não t<strong>em</strong><br />

folgança para saber o que é a fome." Na base da rapadura, o nor<strong>de</strong>stino é assim: <strong>de</strong> dia na<br />

agricultura, <strong>de</strong> noite na criatura. Salve a rapadura, nosso produto exportação. E viva a taxa<br />

<strong>de</strong> natalida<strong>de</strong>!<br />

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2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995


Livro: A taça <strong>de</strong>rramada<br />

Autor: Gabriel Nascente<br />

1. Literatura goiana - poesia<br />

Editora Kelps<br />

Para ler I<br />

Livro: O aprendiz <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes<br />

Autora: Simone Athay<strong>de</strong><br />

1. Literatura brasileira - romance. 2. Inconfidência Mineira - ficção.<br />

Editora Kelps<br />

Livro: Bangalô <strong>de</strong> histórias<br />

Autora: Ironita Mota<br />

1. Literatura brasileira - contos<br />

Editora Kelps<br />

Livro: Outros t<strong>em</strong>pos<br />

Autor: Ivan Corrêa<br />

1. Literatura brasileira - poesia. 2. Poesia - Catalão.<br />

Kaio Gráfica e Editora<br />

4 Ocupante da Ca<strong>de</strong>ira n.º 14 na AGL<br />

Amante universal<br />

Ando pelos dias<br />

com meus versos<br />

e pelas noites,<br />

com meus sonhos.<br />

Mas não vivo<br />

só <strong>de</strong> versos<br />

n<strong>em</strong> só <strong>de</strong> sonhos.<br />

Vivo <strong>de</strong> vida.<br />

Amante universal,<br />

sou poeta.<br />

Tenho a cumplicida<strong>de</strong><br />

do amor.<br />

E me dou s<strong>em</strong> parcimônia.<br />

Ao vento, ao mar, à fantasia.<br />

E esse adultério me fascina.<br />

Me incen<strong>de</strong>ia. E me insacia.<br />

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Lêda Selma 4


ANO CULTURAL DA AGL<br />

No aniversário <strong>de</strong> Eurico<br />

Todo mundo t<strong>em</strong> amigos,<br />

Amigos <strong>de</strong> toda jeito:<br />

Nomes novos ou antigos,<br />

Os bons amigos do peito.<br />

Tenho cinco <strong>de</strong>ssa gente,<br />

Desses amigos leais.<br />

Com eles, vou para frente,<br />

Nunca sigo para trás.<br />

Deles, três são bons goianos.<br />

E dois, vieram do nor<strong>de</strong>ste.<br />

Todos bons por muitos anos,<br />

Nenhum é cabra da peste.<br />

Olinto é uma fortaleza,<br />

Valterli é jóia rara,<br />

Javier "da fé, t<strong>em</strong> beleza,<br />

E o Armando é um gran<strong>de</strong> cara.<br />

Mas hoje, neste momento,<br />

Eu me sinto todo-prosa:<br />

Para saudar o talento<br />

Do gran<strong>de</strong> Eurico Barbosa.<br />

Com muita alegria eu fico,<br />

Nesse momento <strong>de</strong> paz.<br />

Ao abraçar nosso Eurico,<br />

Gran<strong>de</strong> nome <strong>de</strong> Goiás!<br />

PANORAMA CULTURAL I<br />

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Eliézer Penna 5<br />

Por Eurico Barbosa<br />

Por <strong>de</strong>cisão plenária, a Acad<strong>em</strong>ia <strong>Goiana</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> oficializou a com<strong>em</strong>oração anual do seu<br />

ano cultural. Como se sabe, esse tributo a um dos seus m<strong>em</strong>bros teve início no ano próximo<br />

passado, <strong>em</strong> que o homenageado foi o romancista, cronista, ensaísta e poeta Ursulino Leão.<br />

5 Ocupante da Ca<strong>de</strong>ira n.º 5 na AGL


Deveu-se a proposição dos acadêmicos Antonio José <strong>de</strong> Moura e Licínio Barbosa a<br />

instituição <strong>de</strong> tal homenag<strong>em</strong>, com a indicação, no requerimento, do nome do autor <strong>de</strong> Maya<br />

(seu primeiro romance, o qual, como parte das promoções com<strong>em</strong>orativas do Ano Cultural<br />

2010, será brev<strong>em</strong>ente reeditado).<br />

A acadêmica Lêda Selma, com outros signatários, formulou proposta no sentido da<br />

perpetuação do preito <strong>em</strong> que se constitui o Ano Cultural <strong>de</strong>dicado a escritor pertencente aos<br />

quadros da AGL, indicando para este ano o nome da professora Maria do Rosário Cassimiro.<br />

O acadêmico Ubirajara Galli fez idêntica proposição <strong>em</strong> favor do nome <strong>de</strong> José Mendonça<br />

Teles. Decidiu-se afinal que 2011 será o Ano Cultural José Mendonça Teles e <strong>em</strong> 2012 a exreitora<br />

(que com<strong>em</strong>ora neste ano 60 anos <strong>de</strong>dicados à educação) terá as honras da<br />

homenag<strong>em</strong>.<br />

PRÊMIO COLEMAR<br />

Com valor ampliado para <strong>de</strong>z mil reais, o Prêmio Col<strong>em</strong>ar Natal e Silva, da Acad<strong>em</strong>ia <strong>Goiana</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, é <strong>de</strong>stinado neste ano ao gênero romance. Po<strong>de</strong>rá concorrer qualquer escritor,<br />

s<strong>em</strong> exceção. A comissão julgadora será in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Dela não fará parte m<strong>em</strong>bro da<br />

AGL.<br />

PALESTRAS GOIANAS EM CAMPO GRANDE<br />

Muito prestigiados pela Acad<strong>em</strong>ia Sulmatogrossense <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, alvo que foram <strong>de</strong> honrosas<br />

homenagens, os acadêmicos Hélio Moreira e Eurico Barbosa realizaram palestra no amplo<br />

auditório do SESC <strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong>, local escolhido por aquela entida<strong>de</strong>, autora do convite<br />

aos dois escritores. Hélio falou sobre Couto <strong>de</strong> Magalhães e a participação <strong>de</strong> Mato Grosso<br />

na Guerra do Paraguai; Eurico discorreu sobre a história da literatura goiana.<br />

SÓCIO CORRESPONDENTE<br />

A AGL aprovou proposta do acadêmico Alaor Barbosa, <strong>de</strong> admissão do escritor goiano<br />

(resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> São Paulo) Léo Godoy Otero, como Sócio Correspon<strong>de</strong>nte.<br />

PRESIDÊNCIA DA AFLAG<br />

A acadêmica Heloisa Helena foi reeleita para a presidência da Acad<strong>em</strong>ia F<strong>em</strong>inina <strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />

e Artes, <strong>em</strong> sessão realizada no dia 28 <strong>de</strong> abril.<br />

HOMENAGEM À MULHER<br />

A Associação <strong>Goiana</strong> <strong>de</strong> Imprensa prestou homenag<strong>em</strong> ao Dia Internacional da Mulher,<br />

oferecendo um almoço no Restaurante da Saú<strong>de</strong> às integrantes da Acad<strong>em</strong>ia F<strong>em</strong>inina <strong>de</strong><br />

<strong>Letras</strong> e Artes no último dia 5.<br />

POESIA E CRISE<br />

O professor da Unicamp, Marcos Siscar, acaba <strong>de</strong> publicar Poesia e Crise, <strong>em</strong> que mapeia o<br />

chamado “discurso da crise” <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire ao concretismo brasileiro, examinando a relação<br />

entre os experimentos da poesia mo<strong>de</strong>rna e as transformações sociais dos séculos XIX e<br />

XX.<br />

O livro t<strong>em</strong> 360 páginas e custa R$ 60,00. A editora é a Unicamp.<br />

MEIA-NOITE NA HISTÓRIA<br />

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Abordando as famosas “teses sobre o conceito <strong>de</strong> história”, <strong>de</strong> Walter Benjamin, o filósofo<br />

espanhol Reyes Mate, <strong>em</strong> Meia-Noite na história (Editora Unisinos, 436 páginas, R$ 52,00),<br />

<strong>de</strong>tém-se “ <strong>em</strong> análise das críticas daquele autor al<strong>em</strong>ão às noções <strong>de</strong> progresso e sentido<br />

histórico”<br />

UM CONTISTA CATARINENSE<br />

O contista catarinense Silvera <strong>de</strong> Souza, nome dos mais aplaudos pela crítica, que o<br />

consi<strong>de</strong>ra um dos melhores do gênero (foi ele qu<strong>em</strong> levou o movimento mo<strong>de</strong>rnista para<br />

Santa Catarina) foi editado recent<strong>em</strong>ente pela Editora UFSC com o livro Ecos no Porão, <strong>em</strong><br />

que reúne textos publicados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985. O livro t<strong>em</strong> 139 páginas, ao preço <strong>de</strong> R$ 29,00.<br />

FOGO NA CIDADE<br />

O historiador Lauro Martines publicou pela Record na s<strong>em</strong>ana passada Fogo na Cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong><br />

que retrata um momento crucial na história do Renascimento italiano. A tradução é <strong>de</strong><br />

Rodrigo Peixoto. 364 páginas, R$ 49,90.<br />

MUNDO DOS JORNALISTAS<br />

Isabel Travancas, antropóloga, acaba <strong>de</strong> lançar nova edição do seu livro O Mundo dos<br />

Jornalistas. É da editora Summus.<br />

TRAMA DA LUZ<br />

No último dia 5, a partir das 19h, na Saraiva Megastore Shopping Flamboyant, a escritora<br />

Alcione Guimarães lançou Trama da Luz. O livro é uma pr<strong>em</strong>iação da Bolsa <strong>de</strong> Publicações<br />

Hugo <strong>de</strong> Carvalho Ramos - 2009, coor<strong>de</strong>nada pela UBE-GO e patrocinada pela Prefeitura<br />

Municipal <strong>de</strong> Goiânia.<br />

LIVROS MAIS VENDIDOS<br />

Ficção:<br />

1)Tormenta, <strong>de</strong> Lauren Kata.<br />

2) A Cabana, <strong>de</strong> William P. Young.<br />

3) Querido John – O que você faria com uma carta que mudasse tudo?, <strong>de</strong><br />

Nicholas Sparks.<br />

4) Diário <strong>de</strong> Uma Paixão, id<strong>em</strong>.<br />

5) Chama Negra – Os Imortais 4, <strong>de</strong> Alyson Noel.<br />

6) Água para elefantes, <strong>de</strong> Sara Gruen.<br />

7) O s<strong>em</strong>eador <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong> Augusto Cury.<br />

8) A Batalha Do Apocalipse, <strong>de</strong> Eduardo Spohr.<br />

9) A fúria dos reis – as crônicas <strong>de</strong> gelo e fogo.<br />

10) A Última Música, <strong>de</strong> Nicholas Sparks.<br />

Não ficção:<br />

1) 1822, <strong>de</strong> Laurentino Gomes.<br />

2) Comer, rezar, amar- <strong>de</strong> Elizabeth Gilbert.<br />

3) Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, <strong>de</strong> Leandro Narloch.<br />

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4) 50 Anos a mil, <strong>de</strong> Cláudio Júlio Tognolli e Lobão.<br />

5) 1808, <strong>de</strong> Laurentino Gomes.<br />

6) O discurso do rei, <strong>de</strong> Peter Conrad.<br />

7) Comprometida – <strong>de</strong> Elizabeth Gilbert.<br />

8) A Vida Importal <strong>de</strong> Henrietta Lacks.<br />

9) 3096 Dias, <strong>de</strong> Natascha Kampusch .<br />

l0) Mentes Perigosas, <strong>de</strong> Ana Beatriz B. Silva.<br />

PASSAGENS 6<br />

Ninguém passa<br />

do mesmo jeito<br />

no mesmo<br />

caminho.<br />

Ninguém passa<br />

duas vezes o mesmo<br />

no mesmo caminho.<br />

Ninguém passa<br />

uma única vez<br />

<strong>em</strong> dois<br />

caminhos.<br />

A franga que escapou do ensopado<br />

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Ana Cárita Margarida<br />

José Dilermando Meireles 7<br />

S<strong>em</strong>pre que ia à sua fazenda, nos fins <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana, o chefe se fazia acompanhar do<br />

seu motorista <strong>de</strong> confiança.<br />

A fazenda era distante, isolada, <strong>de</strong> modo que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre era possível ter-se ali<br />

aquelas refeições que se <strong>de</strong>seja após uma longa e cansativa viag<strong>em</strong>.<br />

Além disso, o chefe era mão fechada e não se esforçava muito por cuidar <strong>de</strong><br />

provisões <strong>de</strong> alto custo.<br />

Confi<strong>de</strong>nciava o motorista que ele até costumava dormir s<strong>em</strong>pre que passavam por<br />

algum lugarejo provido <strong>de</strong> mantimentos e evitava tomar conhecimento dos restaurantes e<br />

lanchonetes ao longo do caminho.<br />

Numa <strong>de</strong>ssas frequentes viagens, o motorista pensou e <strong>de</strong>cidiu: <strong>de</strong>sta vez não vou<br />

esperar pelo chefe; eu mesmo vou tomar a iniciativa <strong>de</strong> levar um abastecimentozinho.<br />

6 Do livro OFICIAIS, no prelo<br />

7 Faleceu <strong>em</strong> 1998 e ocupou a Ca<strong>de</strong>ira n.º 12 na AGL


Ao parar<strong>em</strong> num posto <strong>de</strong> gasolina, comprou <strong>de</strong> um ven<strong>de</strong>dor, que por ali passava,<br />

uma franguinha no ponto para um <strong>de</strong>licioso ensopado.<br />

Agasalhou-a b<strong>em</strong> e colocou-a no porta-malas, s<strong>em</strong> que o chefe aparent<strong>em</strong>ente o<br />

houvesse percebido.<br />

Ao chegar<strong>em</strong> à fazenda, retirou do carro a franguinha e mostrou-a ao chefe, dizendo:<br />

- Veja, Doutor, o que trouxe para nós saborearmos.<br />

- Mas o que é isso, Mozar, indagou como que tomado <strong>de</strong> surpresa o chefe burocrata.<br />

- Uma guinezinha que comprei pra gente matar a fome no jantar!<br />

- De jeito nenhum, - respon<strong>de</strong>u o chefe, com <strong>de</strong>cisão - aqui não se mata nada.<br />

Somente se cria! - e soltou da mão do motorista a galinácia, que saiu alegr<strong>em</strong>ente a correr e<br />

a cacarejar no meio das outras pelo quintal da fazenda, até <strong>de</strong>saparecer no cipoal da <strong>de</strong>nsa<br />

capoeira.<br />

Caro leitor do Supl<strong>em</strong>ento Literário,<br />

EFICIENTIZAÇÃO, NÃO!<br />

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Carlos André 8<br />

Na s<strong>em</strong>ana que passou, um aluno nos questionou, por e-mail, sobre o seguinte texto escrito<br />

pelo brilhante jornalista Hélio Gaspari (aliás, o nome Hélio <strong>de</strong>ve trazer consigo a<br />

característica <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar gênios da escrita- prova disso, também, é o nosso Moreira,<br />

presi<strong>de</strong>nte da Casa).<br />

O aluno escreveu:<br />

“Professor, ao analisar o texto, gostaria <strong>de</strong> que o senhor me explicasse por que o<br />

<strong>em</strong>prego dos termos “eficientização” e “eficientizados” está sendo criticado? E, ainda,<br />

como seria a reescrita do o último parágrafo <strong>de</strong> acordo com a norma padrão?”<br />

Vejamos, então, caro leitor, o texto que Gaspari escreve, por meio <strong>de</strong> Madame Natasha,<br />

personag<strong>em</strong> criada com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ridicularizar a linguag<strong>em</strong> usada por autorida<strong>de</strong>s da<br />

vida pública brasileira, que, segundo o jornalista, atropelam a comunicação:<br />

Curso Madame Natasha <strong>de</strong> piano e português<br />

Madame Natasha t<strong>em</strong> horror a música. Ela zela pela luminosida<strong>de</strong> do idioma e <strong>de</strong>u<br />

mais uma <strong>de</strong> suas bolsas <strong>de</strong> estudo ao secretário <strong>de</strong> Energia do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Wagner<br />

Granja Victer, pelo convite que fez circular no andar <strong>de</strong> cima, chamando as pessoas para<br />

a “assinatura do convênio <strong>de</strong> eficientização da iluminação pública do município <strong>de</strong><br />

Petrópolis”.<br />

8 É professor e diretor do Instituto Carlos André - Centro <strong>de</strong> Excelência <strong>em</strong> Língua Portuguesa e professor da Escola<br />

Superior da Magistratura- Goiás.


Victer informa que já foram “eficientizados” 19.100 pontos <strong>de</strong> luz na cida<strong>de</strong>.<br />

A senhora está na acreditação <strong>de</strong> que se o secretariante tiver respeitamento pelo<br />

português, <strong>de</strong>ve eficientizar as palavras que usa <strong>em</strong> suas comunicâncias.<br />

Belíssimo, não é, caro leitor?!<br />

B<strong>em</strong>, como você se sairia <strong>de</strong>ssa? Já ouviu falar <strong>em</strong> neologismo?<br />

Vejamos, então o que a doutrina linguística reza sobre o assunto:<br />

NEOLOGISMO<br />

Trata-se da invenção <strong>de</strong> novas palavras. Para que isso aconteça, é preciso levar <strong>em</strong><br />

consi<strong>de</strong>ração dois aspectos:<br />

1. o enunciador <strong>de</strong>ve ter reconhecida competência linguística;<br />

2. é preciso que não haja no léxico palavra com igual sentido.<br />

São famosos os neologismos criados por músicos e poetas; eis alguns <strong>de</strong>les:<br />

<strong>em</strong>briagatinhava<br />

Hitlerocida<strong>de</strong><br />

aquém-túmulo<br />

exclamouzão<br />

gaviãoão<br />

compalavrados (Guimarães Rosa)<br />

brincabrincando<br />

dançarinamente (Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />

..e quanto mais as ondas me levavam as fontes <strong>de</strong> Maria mais chuvavam...<br />

(Drummond)<br />

Note, então, caro leitor, que o neologismo é um método <strong>de</strong> formação, <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> novas<br />

palavras, baseado nos processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação e <strong>de</strong> composição sobre os quais ainda<br />

falar<strong>em</strong>os <strong>em</strong> “ Na ponta da Língua”.<br />

Perceba, também, que, para que tal fenômeno linguístico venha ocorrer, <strong>de</strong>ve o escritor<br />

d<strong>em</strong>onstrar reconhecida competência linguística e é aí que resi<strong>de</strong> a inteligência do texto<br />

acima.<br />

Hélio Gaspari, critica, por meio dos neologismos metalinguísticos (<strong>em</strong>pregados<br />

intencionalmente) “secretariante”, “respeitamento”, “acreditação”, “comunicâncias” e<br />

“eficientizar” a não eficiência da linguag<strong>em</strong> do secretário Victer, haja vista que este se<br />

utilizou dos termos “ eficientização” e “eficientizados” s<strong>em</strong> qualquer domínio perceptível <strong>de</strong><br />

linguag<strong>em</strong>, mesmo porque já há palavras com sentido equivalente no léxico da “Última Flor<br />

do Lácio”.<br />

Po<strong>de</strong>ria Victer ter escrito -entre outras palavras - “mo<strong>de</strong>rnização” e “instalados”, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong><br />

“eficientização” e “ eficientizados”.<br />

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O texto <strong>de</strong> Gaspari, <strong>em</strong> norma-padrão ficaria:<br />

“ A senhora acredita que se o secretário tiver respeito pelo português <strong>de</strong>ve a<strong>de</strong>quar as<br />

palavras que usa <strong>em</strong> suas comunicações”<br />

Óbvio é, no entanto, que os neologismos foram mais a<strong>de</strong>quados à situação, porquanto<br />

provocaram mais crítica ao uso ‘<strong>de</strong>strambelhado’ por parte do secretário.<br />

Vejamos abaixo uma passag<strong>em</strong> que ilustra o assunto <strong>de</strong> hoje: um texto escrito <strong>em</strong><br />

homenag<strong>em</strong> a João Guimarães Rosa por Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>; este, hom<strong>em</strong><br />

extraordinário, personalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que se combinavam qualida<strong>de</strong>s tão diversas, aquele,<br />

diplomata consi<strong>de</strong>rado o maior criador <strong>de</strong> palavras da Língua Portuguesa<br />

"Um chamado João",<br />

"João era fabulista?<br />

fabuloso?<br />

fábula?<br />

Sertão místico disparando<br />

no exílio da linguag<strong>em</strong> comum?<br />

Projetava na gravatinha<br />

a quinta face das coisas,<br />

inenarrável narrada?<br />

Um estranho chamado João<br />

para disfarçar, para farçar<br />

o que não ousamos compreen<strong>de</strong>r?<br />

Tinha pastos, buritis plantados<br />

no apartamento?<br />

no peito?<br />

Vegetal ele era ou passarinho<br />

sob a robusta ossatura com pinta<br />

<strong>de</strong> boi risonho?<br />

Era um teatro<br />

e todos os artistas<br />

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no mesmo papel,<br />

ciranda multívoca?<br />

João era tudo?<br />

tudo escondido, florindo<br />

como flor é flor, mesmo não s<strong>em</strong>eada?<br />

Mapa com aci<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong>slizando para fora, falando?<br />

Guardava rios no bolso,<br />

cada qual com a cor <strong>de</strong> suas águas?<br />

s<strong>em</strong> misturar, s<strong>em</strong> conflitar?<br />

E <strong>de</strong> cada gota redigia nome,<br />

curva, fim,<br />

e no <strong>de</strong>stinado geral<br />

seu fado era saber<br />

para contar s<strong>em</strong> <strong>de</strong>snudar<br />

o que não <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>snudado<br />

e por isso se veste <strong>de</strong> véus novos?<br />

Mágico s<strong>em</strong> apetrechos,<br />

civilmente mágico, apelador<br />

e precipites prodígios acudindo<br />

a chamado geral?<br />

Embaixador do reino<br />

que há por trás dos reinos,<br />

dos po<strong>de</strong>res, das<br />

supostas fórmulas<br />

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<strong>de</strong> abracadabra, sésamo?<br />

Reino cercado<br />

não <strong>de</strong> muros, chaves, códigos,<br />

mas o reino-reino?<br />

Por que João sorria<br />

se lhe perguntavam<br />

que mistério é esse?<br />

E propondo <strong>de</strong>senhos figurava<br />

menos a resposta que<br />

outra questão ao perguntante?<br />

Tinha parte com... (não sei<br />

o nome) ou ele mesmo era<br />

a parte <strong>de</strong> gente<br />

servindo <strong>de</strong> ponte<br />

entre o sub e o sobre<br />

que se arcabuzeiam<br />

<strong>de</strong> antes do princípio,<br />

que se entrelaçam<br />

para melhor guerra,<br />

para maior festa?<br />

Ficamos s<strong>em</strong> saber o que era João e se João existiu <strong>de</strong> se pegar."<br />

Caro leitor, ninguém melhor do que o genial Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> para penetrar o<br />

mundo particular <strong>de</strong> outro escritor genial, João Guimarães Rosa.<br />

Restam, ao final do texto, apenas pontos <strong>de</strong> interrogação, a nos mostrar que esse mundo <strong>de</strong><br />

fantasia e realida<strong>de</strong> do sertão mineiro ainda é um mistério a ser <strong>de</strong>svendado:<br />

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O sertão místico, a recriação da fala do sertanejo, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir a quinta face, o<br />

narrar o inenarrável, o respon<strong>de</strong>r-perguntar levando à reflexão, o pacto com o diabo: esse o<br />

mistério do neólogo mestre Guimarães Rosa!<br />

O mais velho<br />

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Até a próxima s<strong>em</strong>ana,<br />

Fraterno abraço,<br />

Professor Carlos André<br />

Gelmires Reis 9<br />

Dr. Pedro Ludovico Teixeira, único goiano que se imortalizou neste século, com a construção<br />

<strong>de</strong> Goiânia, era também o mias velho da Acad<strong>em</strong>ia <strong>Goiana</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>. Com o seu falecimento, torneime<br />

o patriarca <strong>de</strong>ste sodalício, carregando nas costas 86 anos completos, com esperanças <strong>de</strong><br />

conseguir mais da bonda<strong>de</strong> infinita do Criador, como graça extraordinária. Da mesma maneira,<br />

consi<strong>de</strong>ro-me "o mais velho" do Instituto Histórico e Geográfico <strong>de</strong> Goiás, daAcad<strong>em</strong>ia <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> do<br />

Espírito Santo, da Associação <strong>Goiana</strong> <strong>de</strong> Imprensa, do Instituto Genealógico <strong>de</strong> São Paulo, da<br />

Acad<strong>em</strong>ia <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> e Arte do Planalto e da Conferência <strong>de</strong> São Vicente <strong>de</strong> Pauto <strong>de</strong> Santa Luzia,<br />

hoje Luziânia, tendo certeza absoluta com referência às duas últimas. Na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bro<br />

integrante da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu querido berço natal, não consegui ainda, a primazia etária, ficando<br />

<strong>em</strong> segundo plano para os senhores Saturnino Meireles, Antonio Ribeiro da Silva e Braz <strong>de</strong> Queiroz<br />

Brazuca e dona Julia Meireles e Florentina Alves <strong>de</strong> Mendonça. As fazes mais importantes <strong>de</strong> minha<br />

vida são as seguintes: nascimento nesta cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> 14 julho <strong>de</strong> 1893, filho <strong>de</strong> João Paulo dos Reis e<br />

<strong>de</strong> D. Hozana Ermínia <strong>de</strong> Mendonca: casamento, <strong>em</strong> 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1918, com a senhorita<br />

Escolástica Benedita Carneiro; filja <strong>de</strong> Antonio Carneiro <strong>de</strong> Mendonça e <strong>de</strong> D. Escolástica Benedita<br />

Soares <strong>de</strong> Camargos; publicação <strong>de</strong> meu primeiro livro, com o saudoso Evangelino Meireles, <strong>em</strong> 2 <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1920, intitulado "Alamanach <strong>de</strong> Santa Luzia", com 308 páginas, impresso na "antiga<br />

tripografia do Planalto, <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, que me abriu as portas da Acad<strong>em</strong>ia <strong>Goiana</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>; meu<br />

ingresso na imprensa, <strong>em</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1910; na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaborador do s<strong>em</strong>anário O<br />

Planalto, surgido nesta data, sob a orientação <strong>de</strong> Placido <strong>de</strong>Paiva e Evagelino Meireles; publicações<br />

<strong>de</strong> meus d<strong>em</strong>ais livros, <strong>em</strong> número <strong>de</strong> 25, <strong>em</strong> diversas datas; e recebimento da comenda da Ord<strong>em</strong><br />

do Mérito Anhanguera, concedida pelo governador Irapuan da Costa Júnior, <strong>em</strong> 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1979.<br />

Diante <strong>de</strong> todo o que ficou exposto, só me compete curvar a fronte e agra<strong>de</strong>cer a bonda<strong>de</strong> infinita do<br />

Onipotente, pelos benefícios recebidos, durante a trajetória longa e trabalhosa <strong>de</strong> minha vida, com<br />

alguns fracassos e muitas vitórias.<br />

9 Faleceu <strong>em</strong> 19883, é fundador da Ca<strong>de</strong>ira n.º 12 na AGL.<br />

10 Faleceu <strong>em</strong> 1994 e ocupou a Ca<strong>de</strong>ira n.º 8 na AGL.<br />

Um mau Professor <strong>de</strong> Português...<br />

Goiânia, 1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1980.<br />

José Sisenando Jayme 10


Pirenópolis, após a saída <strong>de</strong> padre Santiago Uchoa da paróquia, <strong>em</strong> 1941, jamais<br />

contou com vigário regular, a não ser nos últimos t<strong>em</strong>pos, com o padre Tennyson <strong>de</strong> Oliveira,<br />

filho da terra. No gran<strong>de</strong> interregno, vinha, <strong>de</strong> Goiânia ou <strong>de</strong> Anápolis, um padre ou fra<strong>de</strong>,<br />

para oficiar nas gran<strong>de</strong>s festas religiosas, como a S<strong>em</strong>ana Santa e a Festa do Divino.<br />

Acabada a festa, lá se ia o padre...<br />

A chegada <strong>de</strong> um sacerdote era, pois, motivo <strong>de</strong> satisfação na cida<strong>de</strong>, e recebida com alegria geral.<br />

Uma ocasião, veio aten<strong>de</strong>r à paróquia certo padre estrangeiro. Devia ser al<strong>em</strong>ão, ou coisa parecida.<br />

S<strong>em</strong>pre foi <strong>de</strong> praxe, <strong>em</strong> Pirenópolis, as pessoas gradas se reunir<strong>em</strong>, <strong>em</strong> comissão, para ir<strong>em</strong> apresentar<br />

as boas-vindas ao padre.<br />

Sabedor dos costumes <strong>de</strong> sua terra, Silvino <strong>de</strong> Siqueira se apressou <strong>em</strong> visitar o padre, antes da<br />

comissão.<br />

Chegando à casa paroquial, na Rua Nova, foi introduzido na sala por Ana <strong>de</strong> Rita, que administrava a<br />

casa paroquial, lavava e cozinhava para os padres.<br />

Veio o vigário.<br />

Silvino o cumprimentou, respeitosamente. E viu que o bom sacerdote quase nada sabia <strong>de</strong> português. E,<br />

o pouco que falava, falava mal. Silvino perguntou-lhe pela saú<strong>de</strong>. O padre fez cara <strong>de</strong> sofrimento e disse:<br />

— Eu não estar b<strong>em</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Eu passar mal aqui (e apontou a barriga). Como se chamar?<br />

Silvino ensinou.<br />

E o padre prosseguiu:<br />

— Eu ir muito à privada. Eu estar... como dizer? E o Silvino ensinou.<br />

No mesmo dia, ali pelas duas horas da tar<strong>de</strong>, o padre recebeu a visita protocolar dos pró-homens da<br />

terra. Todos <strong>de</strong> ternos, gravatas etc.<br />

Formou-se, na sala <strong>de</strong> visita, uma roda <strong>de</strong> seis ou oito pessoas: coronel Luiz Augusto Curado, seu filho<br />

José Augusto, seu Neco Mendonça, Luiz da Trinda<strong>de</strong>, Odilom <strong>de</strong> Pina, major Cristóvão José <strong>de</strong> Oliveira e outros.<br />

Quebrado o formalismo inicial dos cumprimentos, a conversa generalizou-se. Falou-se da festa próxima,<br />

da satisfação da cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> po<strong>de</strong>r contar com um padre, <strong>em</strong>bora <strong>em</strong> caráter t<strong>em</strong>porário etc.<br />

Uma das visitas, gentilmente, perguntou ao reverendo como ia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Este lamentou-se ante um<br />

auditório respeitoso e atento:<br />

— Eu não passar b<strong>em</strong> agorra.<br />

E, l<strong>em</strong>brando-se da aula, dada pelo Silvino:<br />

— Eu não estar b<strong>em</strong> da barriga. Eu estar borrando muito!<br />

A palavra poética <strong>de</strong> Neruda<br />

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José Luiz Bittencourt 11<br />

Quando do centenário <strong>de</strong> nascimento do poeta chileno Pablo Neruda, ocorrido <strong>em</strong> 4<br />

<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2004, Vargas Llosa escreveu que ele “era como um oceano <strong>de</strong> mares diversos e<br />

infinitas espécies animais e vegetais, <strong>de</strong> insondável profundida<strong>de</strong> e ingentes riquezas.” No<br />

verão <strong>de</strong> 1988, Jaime Quezada fez o prefácio da primeira edição <strong>de</strong> uma “Antologia<br />

Fundamental”, reunindo os seus melhores po<strong>em</strong>as <strong>em</strong> livro editado pela Pehuén, no qual é<br />

reproduzido o auto-retrato <strong>de</strong> Ricardo Eliezer Neftalo Reyes Basoaldo, nascido no inverno <strong>de</strong><br />

12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1904 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Parral.<br />

11 Faleceu <strong>em</strong> 2008 e ocupou a Ca<strong>de</strong>ira n.º 35 na AGL.


Define-se Pablo Neruda como um “tigre para dormir, sosegado en la alegria, inspectos<br />

<strong>de</strong>l cielo nocturno trabaador invisible <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado persistente valiente por necessidad<br />

cobard sin pecado sonoliento <strong>de</strong> vocación, <strong>de</strong> mujeres activo por a<strong>de</strong>cimento, porte por<br />

maldición, tonto <strong>de</strong> capirote.” Ele mesmo se diz generoso <strong>de</strong> amores, inoxidável <strong>de</strong> coração,<br />

aficcionado das estrelas, melancólico nas cordilheiras, incansável nos bosques, navegante<br />

<strong>de</strong> boca, caminhante <strong>de</strong> areias, confuso <strong>de</strong> palavras, perpétuo chileno amigo <strong>de</strong> seus amigos<br />

e horrendo administrador.<br />

Esse poeta <strong>de</strong> versos tristes, <strong>de</strong> vocação revolucionária, <strong>de</strong> palavra fluente e <strong>de</strong><br />

torrencial imaginação morreu aos 69 anos <strong>em</strong> Santiago do Chile, durante a noite <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong><br />

set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1973. Político, diplomata e poeta, foi <strong>em</strong>baixador <strong>de</strong> seu país na França,<br />

recebeu a mais nobre distinção literária do mundo, o Prêmio Nobel 1971, “por su poesia que<br />

con la potencia <strong>de</strong> una fuerza natural hace revivir el <strong>de</strong>stino y los sueños <strong>de</strong> un continente.” E<br />

percorreu os universos <strong>de</strong> Apollinaire, Quevedo, Góngora, Rubén Darío, Rimbaud,<br />

Bau<strong>de</strong>laire e Lamartine.<br />

Consi<strong>de</strong>rava Pablo Neruda o seu melhor livro, o mais extenso e o mais querido no<br />

amor à terra natal, este que “chamamos Chile, pois não <strong>de</strong>ixou jamais <strong>de</strong> ler a pátria, <strong>de</strong>la<br />

nunca se separou e sobre ela esten<strong>de</strong>u os olhos até os mais distante horizontes do seu<br />

território. Viajando pelo mundo s<strong>em</strong>pre falava do Chile, <strong>de</strong> sua geografia física, do seu perfil<br />

intelectual e por isso mostrava no “Canto Geral” os vulcões e os sinais característicos do seu<br />

povo. Mais <strong>de</strong> sete mil páginas <strong>de</strong> po<strong>em</strong>as foram contabilizadas <strong>em</strong> sua rica e intensa<br />

história <strong>de</strong> vida.<br />

O “Canto Geral” está fundado na realida<strong>de</strong> poética <strong>de</strong> um Continente, <strong>em</strong> sua história,<br />

<strong>em</strong> seu test<strong>em</strong>unho, <strong>em</strong> seu documento, isto é, reúne a crônica dos gran<strong>de</strong>s cronistas <strong>de</strong><br />

outros t<strong>em</strong>pos, uma relação que o poeta <strong>de</strong>fine nestes versos: “Que aqui busquen la<br />

herencia /que en estas lineas <strong>de</strong>jo /como una brasa ver<strong>de</strong>.”<br />

Um livro assim, segundo assinala Jaime Quezada, po<strong>de</strong> ser celebrado como um<br />

coração ou um bom fragmento do t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ele expressou o seu mais fervente amor<br />

pelo Chile e também pela América integrada <strong>em</strong> sua unida<strong>de</strong> ao mundo civilizado. Ele<br />

próprio dizia que “es por orgullo y no por mo<strong>de</strong>stia que proclamo a todos los poetas mis<br />

maestros, pues que seria <strong>de</strong> mi sin mis largas lecturas <strong>de</strong> cuanto se escribió <strong>em</strong> mi patria y<br />

en todos los universos <strong>de</strong> la poesia?”<br />

Na sua Isla Negra, cercada pelo mar, Pablo Neruda cultivou a paixão pela liberda<strong>de</strong>, a<br />

prontidão política, a amiza<strong>de</strong> pelos amigos <strong>de</strong> todos os instantes e fez <strong>de</strong>la uma espécie <strong>de</strong><br />

pátria efetiva, que talvez tenha tentado fazer o mesmo <strong>em</strong> Capri, on<strong>de</strong> viveu <strong>em</strong> 1952 e on<strong>de</strong><br />

escreveu “Os Verso do Capitão”, “A Noite na Ilha” e “Amantes <strong>de</strong> Capri”, po<strong>em</strong>as <strong>de</strong> nítido<br />

sentido político reveladores <strong>de</strong> sua simpatia pelo comunismo, pelas mulheres e a belíssima<br />

paisag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ssa região italiana.<br />

Os brasileiros Jorge Amado e Carybé, baianos <strong>de</strong> incontestável legitimida<strong>de</strong> privaram<br />

da estima pessoal <strong>de</strong> Pablo Neruda. Também Bernardo Élis e Godoy Garcia, companheiros<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, mereceram do genial poeta chileno o seu melhor apreço pessoal, que se<br />

consolidou <strong>em</strong> uma <strong>de</strong> suas visitas ao nosso País. Setenta nações homenagearam a sua<br />

m<strong>em</strong>ória à ocasião do seu centenário <strong>de</strong> nascimento e por ter sido um gran<strong>de</strong> gourmet os<br />

restaurantes chilenos o ofereceram pratos inspirados nas “O<strong>de</strong>s El<strong>em</strong>entares”, on<strong>de</strong> ele<br />

exalta ingredientes como o pão, o vinho e a cebola.<br />

Um dia <strong>de</strong> b<strong>em</strong>-te-vis<br />

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Ai<strong>de</strong>nor Aires 12<br />

Todas as manhãs um gritinho aflautado sobrevoa as copas das árvores do Bosque<br />

dos Buritis. Após rápidas manobras, explorando seu território aéreo confinado entre as<br />

árvores e os edifícios, um belo b<strong>em</strong>-te-vi exibe seu peito dourado e vai pousar no alto do<br />

poste <strong>de</strong> iluminação. Grita outras vezes, <strong>de</strong>safiante, como dono daquele território. Muitas<br />

vezes vi aquele guerreiro <strong>em</strong>plumado expulsando outras aves, com incrível ousadia. Como<br />

uma flecha <strong>de</strong> penas, ataca os tucanos passageiros, as garças e biguás que procuram o lago<br />

do bosque, e com heróico atrevimento põe a voar para longe até mesmo solertes gaviões. É<br />

um resistente. Apren<strong>de</strong>u a conviver com a cida<strong>de</strong>. Habita ainda o pedaço r<strong>em</strong>anescente <strong>de</strong><br />

floresta. É um sobrevivente que soube se adaptar ao incômodo da presença humana. Exibe<br />

sua antiga liberda<strong>de</strong>, indiferente aos carros, aos pe<strong>de</strong>stres e aos foguetórios frequentes<br />

pelas inexplicáveis com<strong>em</strong>orações dos ocupantes do prédio da Ass<strong>em</strong>bleia Legislativa,<br />

último front invasor do Bosque dos Buritis. Nos últimos dias t<strong>em</strong> andado bastante atarefado.<br />

Com sua companheira revezam-se na busca <strong>de</strong> ciscos, gravetos, fibras, restos do<br />

<strong>de</strong>sperdício humano e, com essas sobras começou a tecer um ninho no alto do poste, por<br />

<strong>de</strong>trás <strong>de</strong> um imenso transformador <strong>de</strong> energia elétrica. Com aqueles materiais estranhos -<br />

restos <strong>de</strong> plástico, cordões, <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong>scartáveis - foi construindo sua habitação,<br />

seguindo a engenharia herdada <strong>de</strong> sua espécie, sabiamente adaptada à tecnologia intrusa<br />

<strong>de</strong> seu mundo. Em poucos dias estava erguido o ninho encostado ao zumbido do<br />

transformador, ao chiado dos fios tangidos pelo vento acossado entre os edifícios. Logo<br />

aquele volume <strong>de</strong> matérias recicladas pelo casal aéreo começou a <strong>em</strong>itir pequenos chiados,<br />

enquanto as viagens da parelha se amiudavam, noticiando aos passantes que ali se<br />

realizava mais um milagre <strong>de</strong> sobrevivência. Eram os filhotes que chegavam famintos e<br />

insistentes, obrigando aquele casal <strong>de</strong> b<strong>em</strong>-te-vis a jornadas incessantes <strong>de</strong> captura <strong>de</strong><br />

grilos, lagartas, borboletas e até companheiros humanos in<strong>de</strong>sejáveis, escorpiões e baratas.<br />

Tudo parecia b<strong>em</strong> naquele lar álacre e colorido, a toda hora, pelas vistosas penas peitorais<br />

dos orgulhosos pais que, à porta do ninho, ou sobre os cumes do imenso poste <strong>de</strong> cimento,<br />

espalhavam seu canto. Alegres, como todos os pais, com sua ninhada, eram também um<br />

grito estuante da natureza que se nega a morrer, que se nega a calar sua música. B<strong>em</strong>-te-vi!<br />

B<strong>em</strong>-te-vi! Ora, era um que solava estrepitoso; ora, era um dueto que se entrecortava, e<br />

acabava <strong>em</strong> célere alegro, e muito vivaz. Era uma saudação à primeira chuva, ao mormaço<br />

<strong>de</strong> agosto, ao prenuncio da primavera. Os passantes curiosos se <strong>de</strong>tinham cont<strong>em</strong>plando,<br />

por momentos, aquele intermezzo bucólico, esquecendo-se no pequeno escape sua tarefa<br />

cotidiana <strong>de</strong> perseguir a morte. Da minha janela, no quarto andar do edifício, acompanhava<br />

aquelas cenas com uma nostalgia <strong>de</strong> menino que <strong>de</strong>ixara para s<strong>em</strong>pre seus estilingues.<br />

Tudo parecia seguir seu ciclo normal, até que um dia, ao amanhecer, gritos aflitos<br />

começaram a se espalhar pela rua, entrar pelas janelas. Não eram os gritos comuns <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sfio e celebração. Eram gritos aflitos <strong>de</strong> sofrimento e medo. Logo os curiosos pu<strong>de</strong>ram ver<br />

que um dos filhotes, ao tentar sair do ninho, talvez para seus primeiros exercícios <strong>de</strong> vôo,<br />

acabara <strong>de</strong>pendurado, preso por uma das pernas, enredada <strong>em</strong> uma trama <strong>de</strong> cordões e fios<br />

<strong>de</strong> material plástico. Na pressa da colheita <strong>de</strong> matérias para sua construção os cuidadosos<br />

pais levaram para o ninho aqueles estorvos que acabaram por vitimar o jov<strong>em</strong> passarinho.<br />

Ficou ali gritando com seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> voo amarrado s<strong>em</strong> r<strong>em</strong>édio ao próprio ninho. Seus<br />

gritos angustiosos, a celeuma que os pais começaram a fazer <strong>em</strong> torno do pequeno, logo<br />

<strong>de</strong>spertou a solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros animais s<strong>em</strong> plumas, s<strong>em</strong> asas e saudosos <strong>de</strong> voar.<br />

Alguém ligou para o Corpo <strong>de</strong> Bombeiros e <strong>em</strong> poucos minutos chegou ali uma viatura, com<br />

sua guarnição. Os homens do fogo encostaram o veículo na calçada, armaram escadas, e<br />

12 Ocupante da Ca<strong>de</strong>ira n.º 2 na AGL.


<strong>de</strong>ram início à tarefa do inusitado salvamento. Foram poucos minutos, muito carinho, muita<br />

técnica. Logo o jov<strong>em</strong> bombeiro recolheu com doçura o filhote e o <strong>de</strong>positou no alto <strong>de</strong> uma<br />

marquise, on<strong>de</strong> os pais logo se puseram a cantar e lhe <strong>de</strong>dicar sonora e estri<strong>de</strong>nte atenção.<br />

Tudo b<strong>em</strong>. Logo a avezinha po<strong>de</strong>ria ensaiar seu voo e, qu<strong>em</strong> sabe, na próxima primavera,<br />

com todos os prognósticos contra a vida, seja ele a renovar o esforço <strong>de</strong> continuar cantando<br />

e <strong>de</strong>spertando com seu canto o resto <strong>de</strong> floresta e o r<strong>em</strong>anescente lirismo <strong>de</strong> seres humanos<br />

distraídos. Os meninos do Colégio Ateneu D. Bosco, saindo das aulas, a tudo observaram.<br />

Descansaram suas enormes mochilas. Em seus olhinhos pu<strong>de</strong> ver a infância gritando,<br />

espalhando na manhã <strong>de</strong> carros, fumaça e ruídos, uma promessa <strong>de</strong> chuva, cigarras e b<strong>em</strong>te-vis.<br />

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Publicada <strong>em</strong> 9/5/2006, Jornal Diário da Manhã<br />

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