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No palco e Na vida, as tramas que eNvolvem a vida das atrizes ...

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dez 2012 / jan 2013<br />

G de Gil<br />

O curador da mostra Gil70<br />

revê, no Depoimento, sua<br />

ligação profissional e afetiva<br />

com o compositor baiano.<br />

a força propulsora de Hélio oiticica<br />

O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho conta<br />

como foi mergulhar no universo criativo<br />

e pessoal do tio para criar o premiado<br />

documentário-experiência Hélio Oiticica<br />

tinindo trincando<br />

Considerado o melhor disco da<br />

música br<strong>as</strong>ileira, Acabou Chorare,<br />

dos <strong>No</strong>vos Baianos, completa 40<br />

anos de lançamento<br />

40<br />

encontro<br />

marcado<br />

<strong>No</strong> <strong>palco</strong> e <strong>Na</strong> <strong>vida</strong>, <strong>as</strong> tram<strong>as</strong> <strong>que</strong> <strong>eNvolvem</strong> a <strong>vida</strong> d<strong>as</strong> <strong>atrizes</strong><br />

drica moraes e maria<strong>Na</strong> lima.


Erica Mizutani


COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Ana de Fátima Sousa<br />

EDIÇÃO EXECUTIVA<br />

Marco Aurélio Fiochi<br />

PROJETO GRÁFICO<br />

Marina Chevrand<br />

EDIÇÃO DE ARTE<br />

Jader Rosa<br />

Liane Tiemi Iwah<strong>as</strong>hi<br />

EDIÇÃO<br />

Roberta Dezan<br />

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA<br />

André Seiti<br />

DESIGN<br />

Lu Orvat Design<br />

COORDENAÇÃO DE REVISÃO<br />

Polyana Lima<br />

REVISÃO<br />

Ciça Corrêa<br />

Karina Hambra<br />

Nelson Visconti<br />

PRODUÇÃO EDITORIAL<br />

Cybele Fernandes<br />

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO<br />

André Chiarati<br />

André Valli<strong>as</strong><br />

Caio Palazzo<br />

Daryan Dornelles<br />

Débora Almeida<br />

Duda Porto de Souza<br />

Eduardo Burger<br />

Erica Mizutani<br />

Fernanda de Almeida<br />

Gabriela R<strong>as</strong>sy<br />

Gustavo Angimahtz<br />

Indio San<br />

Leonardo Foletto<br />

Mariana de Andrade<br />

Mariana Lacerda<br />

Mayara Monteiro<br />

Patrícia Colombo<br />

Patrícia Stavis<br />

Paulo Papaleo<br />

Pedro Henri<strong>que</strong> França<br />

Pupill<strong>as</strong><br />

Ricardo Daros<br />

Ricardo Lab<strong>as</strong>tier<br />

ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082<br />

(dezembro de 2007)<br />

Tiragem 10 mil – distribuição gratuita.<br />

Sugestões e crític<strong>as</strong> devem ser<br />

encaminhad<strong>as</strong> ao Núcleo de<br />

Comunicação e Relacionamento<br />

continuum@itaucultural.org.br<br />

Jornalista responsável<br />

Ana de Fátima Sousa MTb 13.554<br />

dez 2012 / jan 2013<br />

G DE GIL<br />

O curador da mostra Gil70<br />

revê, no Depoimento, sua<br />

ligação profissional e afetiva<br />

com o compositor baiano.<br />

A FORÇA PROPULSORA DE HÉLIO OITICICA<br />

O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho conta<br />

como foi mergulhar no universo criativo<br />

e pessoal do tio para criar o premiado<br />

documentário-experiência Hélio Oiticica<br />

TININDO TRINCANDO<br />

Considerado o melhor disco da<br />

música br<strong>as</strong>ileira, Acabou Chorare,<br />

dos <strong>No</strong>vos Baianos, completa 40<br />

anos de lançamento<br />

capa: drica moraes e mariana lima<br />

foto: caio palazzo<br />

40<br />

encontro<br />

marcado<br />

NO PALCO E NA VIDA, AS TRAMAS QUE ENVOLVEM A VIDA DAS ATRIZES<br />

DRICA MORAES E MARIANA LIMA.<br />

CARTA DO EDITOR<br />

Com esta edição, a ConTINUUM encerra sua história: a partir do ano <strong>que</strong> vem a revista deixa de circular. Foram<br />

qu<strong>as</strong>e seis anos de grande dedicação da equipe responsável e também de uma infinidade de colaboradores<br />

externos <strong>que</strong>, com profissionalismo, criati<strong>vida</strong>de e talento, deram corpo a uma publicação <strong>que</strong> ampliou e qualificou<br />

a informação sobre cultura no país.<br />

M<strong>as</strong> vimos <strong>que</strong> era tempo de repensar nosso projeto, e dessa reflexão veio a vontade de abrir espaço para o novo.<br />

As experiênci<strong>as</strong> <strong>que</strong> vivemos, <strong>as</strong> históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> revelamos em forma de texto e imagem, os vários amigos <strong>que</strong><br />

fizemos nesse tempo todo, em especial os leitores <strong>que</strong> sempre se referiram à revista com elogios, nos fizeram ver<br />

<strong>que</strong> tínhamos cumprido uma missão e era hora de fechar o ciclo.<br />

É raro ver uma revista <strong>que</strong> tenha desfrutado de tanta liberdade em sua produção. Esse sentimento esteve presente<br />

em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> decisões tomad<strong>as</strong> e se refletia no produto final. Bancada integralmente pelo Itaú Cultural, a ConTINUUM<br />

herdou o DNA de seu mantenedor, sendo um ambiente privilegiado para a reverberação de idei<strong>as</strong>, a reflexão, a<br />

troca, a formação do olhar e a ampliação do repertório de seus leitores.<br />

M<strong>as</strong> se engana <strong>que</strong>m pensa <strong>que</strong> a <strong>vida</strong> acaba aos 40! Esse espírito inovador permeará <strong>as</strong> ações futur<strong>as</strong> da comunicação<br />

institucional, em especial em seu site, plataforma com inúmer<strong>as</strong> possibilidades de difusão, informação, fruição e<br />

aprofundamento. É lá <strong>que</strong> p<strong>as</strong>saremos a publicar conteúdos similares aos <strong>que</strong> fazíamos na revista.<br />

Agradecemos a tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> fontes do mundo da cultura <strong>que</strong> p<strong>as</strong>saram por noss<strong>as</strong> págin<strong>as</strong> e são sem dú<strong>vida</strong> os<br />

maiores responsáveis pela credibilidade <strong>que</strong> a revista desfrutou desde o começo. Seu carinho em atender noss<strong>as</strong><br />

demand<strong>as</strong> certamente atingiu os leitores, <strong>que</strong> tiveram a oportunidade de conhecer de maneira clara <strong>as</strong> idei<strong>as</strong> e<br />

ações de <strong>que</strong>m faz cultura.<br />

Enfim, fizemos bonito e <strong>as</strong>sinamos embaixo:<br />

Eduardo Saron, Ana de Fátima Sousa, Marco Aurélio Fiochi, Roberta Dezan, Polyana Lima, Marina Chevrand,<br />

André Seiti, Jader Rosa, Liane Iwah<strong>as</strong>hi, Luciana Orvat, Ricardo Daros, Ciça Corrêa, Karina Hambra, Nelson<br />

Visconti, Maria Clara Matos, Fernanda C<strong>as</strong>tello Branco, Claudiney Ferreira, Guilherme Kujawski, Isabella Protta,<br />

Cybele Fernandes, Ja<strong>que</strong>line Santiago, André Queiroz, Sulamita Carvalho, Renato Corch, Dino Siwek, Silvio Santis,<br />

Hugo Henri<strong>que</strong> Alves, Juliana Bezerra, <strong>Na</strong>thalie Bonome, João Paulo Filomeno, Mariane Ribeiro, <strong>Na</strong>tane Abreu,<br />

Thiago Rosenberg, Carlos Costa, Micheliny Verunschk, Mariana Lacerda, Carolina Miranda, Gabriela R<strong>as</strong>sy, Paula<br />

Fazzio e todos <strong>que</strong> estiveram conosco nessa caminhada.<br />

CARTA DO LEITOR<br />

“Gostei muito da revista com Tulipa Ruiz na capa (edição 38, ago-set. 2012). Não só por causa disto: <strong>as</strong> matéri<strong>as</strong> estavam<br />

interessantes e atraentes. Li com prazer!”<br />

Neuza Pommer, por e-mail<br />

Envie seu comentário sobre a ContinUUM para o e-mail continuum@itaucultural.org.br ou utilize os canais do Itaú Cultural no<br />

Twitter e no Facebook.<br />

Baixe o aplicativo da<br />

ConTINUUM em seu<br />

iPad e veja tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

matéri<strong>as</strong> desta edição<br />

e d<strong>as</strong> anteriores, além<br />

de vídeos exclusivos.<br />

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SUA ConTINUUM


06<br />

08 12<br />

MUSEUS DO MUNDO | um olhar atento para a arte<br />

Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, completa 10 anos em constante<br />

movimento.<br />

políTICaS CULTURAIS | a gente não <strong>que</strong>r só comida<br />

Universidades não formais de cultura despontam no Br<strong>as</strong>il como<br />

alternativa ao ensino acadêmico. O traço principal dos projetos é a<br />

formação de redes colaborativ<strong>as</strong>.<br />

REpORTAGEM | de pai para filho<br />

Programa Leia para uma Criança já distribuiu 22 milhões de livros<br />

para <strong>que</strong> pais incentivem seus filhos desde cedo ao hábito da leitura.<br />

26 24 21 REpORTAGEM<br />

DEPOIMENTO | g de gil<br />

O artista e pesquisador André Valli<strong>as</strong> cria poema inédito para<br />

homenagear Gilberto Gil, com <strong>que</strong>m tem uma longa relação<br />

profissional. Autor do primeiro site do artista em 1995, hoje ele é o<br />

curador da exposição <strong>que</strong> comemora os 70 anos do compositor.<br />

pERFIL | ganhar o mundo para voltar ao mesmo lugar<br />

O pernambucano Irandhir Santos vem dando <strong>vida</strong> a personagens<br />

de peso na atual safra do cinema br<strong>as</strong>ileiro. Sua imagem tem<br />

percorrido o mundo, m<strong>as</strong> isso não o faz se desligar de seu recanto, a<br />

pacata Limoeiro.<br />

REpORTAGEM | a mudança está n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong><br />

A arte pública <strong>as</strong>sume importância significativa na economia d<strong>as</strong><br />

cidades ao ser um atrativo do turismo cultural.<br />

34<br />

36 38<br />

aCESSo RESTRITO | o norte é aqui<br />

O Festival Terruá Pará trouxe para o Auditório Ibirapuera mais<br />

de 50 artist<strong>as</strong> da<strong>que</strong>le estado. Confira os b<strong>as</strong>tidores d<strong>as</strong> apresentações:<br />

não faltou animação.<br />

CAPA | encontro marcado<br />

Atrizes e amig<strong>as</strong>, Mariana Lima e Drica Moraes estrelam uma<br />

d<strong>as</strong> mais bem-sucedid<strong>as</strong> montagens da atualidade, A Primeira<br />

Vista, <strong>que</strong> está de mal<strong>as</strong> pront<strong>as</strong> para uma temporada na Europa.<br />

EnTREvISTA | a força propulsora de hélio oiticica<br />

O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho conta como foi o processo de<br />

criação do documentário experimental b<strong>as</strong>eado na obra de seu<br />

tio, um dos maiores nomes d<strong>as</strong> artes visuais br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>.<br />

| entre rinh<strong>as</strong> e saraus<br />

Uma programação intensa garante a permanência e o<br />

fortalecimento do movimento hip-hop em São Paulo.<br />

REpORTAGEM | você também pode ter uma...<br />

Múltiplos e livros de artista tornam a arte mais acessível por<br />

causa de seu valor, bem menor do <strong>que</strong> o de obr<strong>as</strong> convencionais.<br />

Além disso, são uma linguagem vigorosa d<strong>as</strong> artes visuais.<br />

CERTIDÃO DE NASCIMENTO | tinindo e trincando<br />

Há 40 anos, um grupo de hippies deu à luz um clássico: o álbum<br />

Acabou Chorare. Conheça a história e <strong>as</strong> históri<strong>as</strong> dos <strong>No</strong>vos Baianos.<br />

RESENhA | unidos pelos extremos<br />

O capixaba Silva e o carioca João Cavalcanti lançam seus álbuns<br />

de estreia e marcam espaços distintos na MPB.<br />

DEPOIMENTO | deixando macondo para trás<br />

Escritores latinos falam de tem<strong>as</strong> contemporâneos e criam obr<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam longe do realismo fantástico, sinônimo da literatura<br />

dessa região.<br />

balaIO | féri<strong>as</strong> em boa companhia<br />

Seção de dic<strong>as</strong> traz opções de lazer e reflexão.<br />

16<br />

18<br />

20<br />

30<br />

28<br />

32<br />

08<br />

12<br />

21<br />

30


ACESSO RESTRITO | terruá pará<br />

TEXTO patrícia colombo FOTOS patrícia stavis<br />

o norte<br />

é aqui<br />

Festival traz cena musical efervescente a<br />

São Paulo e colore o Auditório Ibirapuera<br />

em três noites de festa<br />

Com o intuito de difundir a música paraense pelo país, o festival Terruá Pará deu seus primeiros p<strong>as</strong>sos lá em 2006. O evento, <strong>que</strong> neste ano chegou à<br />

sua terceira edição (a segunda foi realizada em 2011), reúne artist<strong>as</strong> tanto da velha guarda local quanto novos nomes <strong>que</strong> já ultrap<strong>as</strong>saram <strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> da<br />

Região <strong>No</strong>rte. Conscientes do clima alegre inerente às su<strong>as</strong> canções, os orgulhosos paraenses há anos, portanto, fazem <strong>que</strong>stão de pegar o avião rumo a<br />

diversos pontos do Br<strong>as</strong>il, carregando consigo uma espécie de recorte sonoro de seu estado. “Não <strong>que</strong>ríamos esperar <strong>que</strong> os jornalist<strong>as</strong> ou grande parte do<br />

público fossem até o Pará conhecer alguns talentos. Decidimos criar o show, embalar muito bem e chamar <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>, visitando algum<strong>as</strong> capitais”, conta<br />

Adelaide Oliveira, <strong>que</strong> divide a direção executiva com Ney Messi<strong>as</strong> Jr.<br />

M<strong>as</strong> organizar <strong>as</strong> apresentações é dureza: imagine a logística de percorrer o país com equipe técnica somada a 50 artist<strong>as</strong> de faixa etária e agend<strong>as</strong> diferentes<br />

– como foi em 2012, quando o evento p<strong>as</strong>sou por São Paulo, no Auditório Ibirapuera, entre 5 e 7 de outubro. Marcando o lançamento dos CDs e DVDs<br />

d<strong>as</strong> edições anteriores, o espetáculo trouxe em seu line-up nomes <strong>que</strong> integraram os outros dois anos, acompanhados de uma banda b<strong>as</strong>e. Artist<strong>as</strong> como<br />

Nilson Chaves, Seb<strong>as</strong>tião Tapajós, Paulo André Barata e Mestre Curica apresentaram su<strong>as</strong> produções musicais consagrad<strong>as</strong> ao lado de Gaby Amarantos,<br />

Gang do Eletro, Felipe Cordeiro e Lia Sophia. Pluralidade de gerações, de ritmos, de vozes, de cultura. Carimbó, siriá, tecnobrega, guitarrada, entre tantos<br />

outros tipos sonoros. Uma festa celebrada de braços abertos por <strong>que</strong>m sente no peito a beleza musical encontrada aos montes pelo Br<strong>as</strong>il.<br />

Festa particular<br />

Dona Onete Engana-se <strong>que</strong>m pensa <strong>que</strong> a festa e o show só<br />

rolam no <strong>palco</strong>. Ao circular pelo backstage do<br />

Terruá Pará, é comum ver miniagitações nos camarins<br />

enquanto os artist<strong>as</strong> se arrumam. E não<br />

se trata de algum a<strong>que</strong>cimento: apen<strong>as</strong> festejos<br />

dos bem genuínos mesmo, entre amigos. De um<br />

lado, Dona Onete, Lia Sophia e Luê Soares, entre<br />

um batom e outro, contam históri<strong>as</strong>, cantarolam<br />

e caem na gargalhada. <strong>No</strong> Clube do Bolinha<br />

paraense, situado na outra ponta do corredor,<br />

o time de mestres Laurentino, Curica, Vieira e<br />

Solano mistura percussão inusitada (sobrou até<br />

para o recipiente de lixo!) e instrumentos de sopro<br />

com os Metaleiros da Amazônia (formado<br />

por Manezinho do Sax, Pantoja do Pará e Pipira<br />

do Trombone). Troca de camisa aqui, batucada<br />

acolá. Tinha até gente parada no corredor – músicos<br />

e alguns integrantes da produção – para<br />

ver, ouvir, fotografar e filmar a empolgação generalizada.<br />

“Por aqui, temos esses encontros <strong>que</strong><br />

são simplesmente incríveis”, conta Lia Sophia. “E<br />

eu divido o <strong>palco</strong> com o Mestre Solano, <strong>que</strong> tem<br />

uma história linda de carreira na guitarrada.”<br />

Felipe Cordeiro


Mestre Laurentino<br />

ao vivo e em cores<br />

Correria como em qual<strong>que</strong>r apresentação, m<strong>as</strong> uma espécie de harmonia<br />

contagiante. Quem esteve presente em um dos três di<strong>as</strong> de Terruá<br />

Pará em São Paulo teve noção de quão colorido e alto <strong>as</strong>tral era o <strong>palco</strong>.<br />

M<strong>as</strong>, além do cenário, outro fator contribui em peso para o efeito<br />

arco-íris: os figurinos – cuja consultoria fica a cargo de Sandra Machado.<br />

Cuidadosamente pensado para cada um dos músicos, nada ali é bl<strong>as</strong>é<br />

ou básico. Os paraenses mostram como é viva sua cultura expressando-se<br />

também por meio de su<strong>as</strong> vestiment<strong>as</strong>. Sai<strong>as</strong> rodad<strong>as</strong> d<strong>as</strong> mulheres<br />

contribuem para o movimento hipnótico e sensual d<strong>as</strong> danç<strong>as</strong>,<br />

e <strong>as</strong> cores se misturam divertidamente. O prateado de Gaby Amarantos<br />

encontra o vermelho de Lia Sophia, <strong>que</strong> cruza com o amarelo e a delicada<br />

flor no cabelo de Dona Onete. A Gang do Eletro chega com sua<br />

característica maquiagem neon e roup<strong>as</strong> cuja elaboração conta até com<br />

sucata – criando um efeito único. Mestre Laurentino ostenta chamativos<br />

e numerosos anéis e até a Or<strong>que</strong>stra de Violoncelist<strong>as</strong> da Amazônia,<br />

mais contida no preto, traz detalhes verdes e amarelos em seus trajes.<br />

olhos atentos, corpo em movimento<br />

O roteiro do show previa <strong>que</strong> a maior parte dos artist<strong>as</strong> subiria ao <strong>palco</strong> para du<strong>as</strong> canções com<br />

a banda b<strong>as</strong>e e retornaria ao final da apresentação para a execução conjunta do “Pot-Pourri de<br />

Carimbó”. Contudo, era interessante reparar <strong>que</strong>, com rar<strong>as</strong> exceções, nenhum deles voltava ao<br />

camarim. <strong>No</strong> máximo, descia para pegar algum lanche. Era comum presenciar uma concentração<br />

dos músicos na coxia, curtindo o <strong>que</strong> estava rolando no <strong>palco</strong> e prestigiando uns aos outros<br />

com aplausos e danç<strong>as</strong>.<br />

CONTINUUM<br />

Luê Soares<br />

Direto para o <strong>palco</strong><br />

Só Gaby Amarantos, atual sensação da música nacional,<br />

ficou de fora da festa dos b<strong>as</strong>tidores. Como era<br />

a última a integrar o show, chegou ao Auditório no<br />

fim da noite, atr<strong>as</strong>ada, arrumou-se às press<strong>as</strong> no camarim,<br />

apen<strong>as</strong> acompanhada de sua equipe pessoal,<br />

e logo se encaminhou ao <strong>palco</strong>, trajando um longo<br />

vestido metalizado. <strong>Na</strong><strong>que</strong>le momento, a maior parte<br />

dos artist<strong>as</strong> já se encontrava na coxia para a reunião<br />

de encerramento – <strong>que</strong> foi realizada após du<strong>as</strong> canções<br />

de Gaby, “Gemendo” e “Merengue Latino”, amb<strong>as</strong><br />

do álbum Treme, lançado neste ano.<br />

Gaby Amarantos<br />

06 07


CAPA | mariana lima e drica moraes<br />

Mariana e Drica em ensaio fotográfico<br />

durante a temporada de A Primeira Vista,<br />

no Itaú Cultural, em novembro


encontro<br />

marcado<br />

TEXTO gabriela r<strong>as</strong>sy<br />

FOTOS caio palazzo<br />

Drica Moraes conhece Kike desde os 14 anos.<br />

Já namoraram, atuaram, fundaram juntos a Cia.<br />

dos Atores, no Rio de Janeiro, e hoje acumulam<br />

30 anos de amizade. Mariana Lima é c<strong>as</strong>ada<br />

com Kike há 15 anos. Paulistana, mora com<br />

o marido e <strong>as</strong> du<strong>as</strong> filh<strong>as</strong>, Elena e Antonia, no<br />

Rio. Conheceu Drica em meados dos anos 2000<br />

durante <strong>as</strong> apresentações do espetáculo O Rei<br />

da Vela, com a Cia. dos Atores, no Teatro Br<strong>as</strong>ileiro<br />

de Comédia (TBC), em São Paulo. A partir<br />

desse ponto, <strong>as</strong> du<strong>as</strong> foram se aproximando até<br />

se tornarem amig<strong>as</strong> e, hoje, parceir<strong>as</strong> de <strong>palco</strong>.<br />

“Mariana é irresistível, é dess<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />

você fica amiga muito rápido.”<br />

Liga inicial entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong>, o ator e diretor Enri<strong>que</strong><br />

Diaz, chamado pelos amigos de Kike, <strong>as</strong> uniu na<br />

<strong>vida</strong> e <strong>as</strong> reuniu no tablado. Em cartaz desde março<br />

de 2012, A Primeira Vista, dirigida por Diaz,<br />

foi o primeiro trabalho no qual <strong>as</strong> <strong>atrizes</strong> se viram<br />

junt<strong>as</strong> em cena. E o texto fala exatamente disto:<br />

reencontros, amizade, amor, lembranç<strong>as</strong>. Quando<br />

o diretor decidiu fazer a montagem, a segunda<br />

em <strong>que</strong> se vale de um texto do canadense Daniel<br />

MacIvor, Mariana se candidatou logo de cara. O<br />

convite deles à Drica veio justo no período em<br />

<strong>que</strong> ela se recuperava de uma leucemia. “A gente<br />

achou <strong>que</strong> era um momento para estarmos junt<strong>as</strong><br />

e fazer a nossa estreia em cena”, conta Maria-<br />

CONTINUUM<br />

O jogo cênico de Mariana Lima e Drica Moraes traz ao <strong>palco</strong> a renovação da amizade<br />

d<strong>as</strong> <strong>atrizes</strong> em sua f<strong>as</strong>e mais madura<br />

na. “A peça tem muito a ver com ela, com a atriz<br />

<strong>que</strong> ela é.” Para <strong>as</strong> <strong>atrizes</strong>, a combinação entre <strong>as</strong><br />

du<strong>as</strong> foi muito bem-vinda, pois a dramaturgia<br />

abraça personagens opost<strong>as</strong> em temperamento<br />

e personalidade, tal como el<strong>as</strong>.<br />

Drica transitou mais vezes entre comédia e drama,<br />

entre televisão, cinema e teatro. Sabe como<br />

fazer humor de um jeito mais ligeiro, mais rápido,<br />

tem um timing maior. Ainda neste ano,<br />

ganhou o Grande Prêmio do Cinema Br<strong>as</strong>ileiro<br />

por seu papel coadjuvante em Bruna Surfistinha<br />

– o Filme, dirigido por Marcos Baldini. O<br />

registro de Mariana está no drama, na tragédia,<br />

n<strong>as</strong> construções mais bizarr<strong>as</strong>. <strong>Na</strong> comédia, ela<br />

tende para um lado mais negro, louco, absurdo,<br />

como é o c<strong>as</strong>o dos seus trabalhos com o Teatro<br />

da Vertigem e, mais recentemente, com Pterodátilos,<br />

peça do norte-americano Nick Silver e<br />

dirigida por Felipe Hirsch, <strong>que</strong> lhe rendeu o Prêmio<br />

Shell de Melhor Atriz em 2010. “Por mais<br />

<strong>que</strong> a gente componha e faça tipos, tenha códigos<br />

e estilos bem particulares, trabalhamos com<br />

verdade absoluta e isso também nos une”, diz<br />

Drica. Para a atriz, <strong>as</strong> du<strong>as</strong> articulam bem esses<br />

opostos, tirando proveito disso. “É uma situação<br />

em <strong>que</strong> o jogo cênico se estabelece muito bem,<br />

por<strong>que</strong> ela não rouba em cena. Está sempre contribuindo,<br />

jogando dentro da ação.”<br />

Jornada dupla<br />

“Você tem filhos? Só sei <strong>que</strong> muda muito a <strong>vida</strong>,<br />

o tempo fica muito curto. Não tem essa de chopinho”,<br />

diz Drica. Mariana concorda: “O complicado<br />

é a jornada dupla, no trabalho e em c<strong>as</strong>a.<br />

Ficamos com pouco tempo de descanso. A <strong>vida</strong><br />

é outra, não dá para sair toda hora”. Realmente,<br />

com tant<strong>as</strong> ati<strong>vida</strong>des entre <strong>palco</strong>, ensaios e<br />

gravações para a televisão, <strong>as</strong> <strong>atrizes</strong> vivem em<br />

um es<strong>que</strong>ma b<strong>as</strong>tante corrido. Logo após se conhecerem,<br />

Mariana engravidou de Elena e Drica<br />

tentava fazer inseminação artificial. Depois se encheu<br />

e entrou na fila da adoção. “Tivemos sempre<br />

esse viés de falar de crianç<strong>as</strong> e de começo da<br />

<strong>vida</strong> de adulta.”<br />

Quando Drica adotou Matheus, hoje com 3<br />

anos, Mariana já tinha du<strong>as</strong> filh<strong>as</strong>. El<strong>as</strong> p<strong>as</strong>saram<br />

então a fazer mais cois<strong>as</strong> junt<strong>as</strong> e a viver<br />

um mesmo <strong>as</strong>sunto. São tantos encontros,<br />

além d<strong>as</strong> viagens com a peça, <strong>que</strong> Matheus já<br />

chama Antonia de irmã. “A gente acaba pegando<br />

um pouco desse afeto para a gente”,<br />

diz Drica. Nesse embalo da maternidade, <strong>as</strong><br />

du<strong>as</strong> trocam experiênci<strong>as</strong>, falam sobre criação,<br />

sobre como deixar <strong>que</strong> os filhos se virem<br />

e também como é importante um pouco de<br />

frustração diária na <strong>vida</strong> d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> para<br />

<strong>que</strong> cresçam bem.<br />

09<br />

08


CAPA | mariana lima e drica moraes<br />

“ O <strong>palco</strong> sempre tem um pouco de loucura.<br />

Uma loucura boa.” Drica Moraes<br />

<strong>Na</strong>s viagens, quando possível, el<strong>as</strong> tentam conciliar<br />

<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong>. Cada vez é uma história diferente: com<br />

<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, com os pais, com o namorado da Drica.<br />

“Tem ess<strong>as</strong> oportunidades em <strong>que</strong> eles se juntam<br />

enquanto a gente trabalha, então dá um clima <strong>No</strong>vos<br />

Baianos – ou ‘velhos baianos’, no c<strong>as</strong>o”, ri Drica.<br />

du<strong>as</strong> palhaç<strong>as</strong><br />

Em A Primeira Vista, a personagem de Mariana<br />

é mais etérea, desligadona, lenta e até um pouco<br />

bicho-grilo. A de Drica é pragmática, prática, racional,<br />

rápida. Esse contraponto é nítido. São dois<br />

papéis <strong>que</strong> carregam emoção, complexidade, m<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> têm o timing da piada. A definição d<strong>as</strong> figur<strong>as</strong><br />

dramátic<strong>as</strong> veio num bilhete enviado pelo ator<br />

Guel Arraes, após <strong>as</strong>sistir a uma apresentação:<br />

du<strong>as</strong> palhaç<strong>as</strong>. Drica, a palhaça solar, e Mariana,<br />

a lunar. “Tem mesmo uma coisa do circo, de fazer<br />

ali na hora e de apresentar os tru<strong>que</strong>s ao público,<br />

por<strong>que</strong> não tem cenários, figurinos ou grandes<br />

mistérios”, explica Drica.<br />

A Primeira Vista trata de um recorte de tempo<br />

entre o p<strong>as</strong>sado e o presente, em <strong>que</strong> <strong>as</strong> personagens<br />

reveem e revivem o período entre a juventude<br />

e a <strong>vida</strong> madura. Fala do desafio de começar<br />

algo novo, de se arriscar profissionalmente,<br />

e também sexualmente, e de tomar decisões<br />

afetiv<strong>as</strong>. “Levamos para o ensaio muito da nossa<br />

memória pessoal e nos reconhecemos um pouco<br />

na estupidez <strong>que</strong> há no começar alguma coisa.<br />

Como a gente erra, se atropela, faz escolh<strong>as</strong> errad<strong>as</strong><br />

no começo da carreira, da <strong>vida</strong>, ou como<br />

deixa de fazer o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria ter feito”, conta Drica.<br />

A atriz acredita <strong>que</strong> o público, de um modo geral,<br />

se identifica, <strong>as</strong>sim como el<strong>as</strong>, com a beleza desse<br />

momento de fragilidade <strong>que</strong> é sair da adolescência<br />

e ingressar na <strong>vida</strong> adulta.<br />

Nessa f<strong>as</strong>e de busc<strong>as</strong> e mudanç<strong>as</strong>, <strong>as</strong> personagens<br />

decidem formar a banda Ukuleladies, referência<br />

ao ukulele, instrumento <strong>que</strong> tocam em<br />

cena. Uma <strong>que</strong>ria, a outra acabou indo junto, e<br />

el<strong>as</strong> começaram esse projeto musical meio falido,<br />

já <strong>que</strong> não eram exatamente musicist<strong>as</strong> sensacionais.<br />

Para o diretor, isso faz parte desse limite da<br />

amizade e do amor, de fazer o <strong>que</strong> a outra <strong>que</strong>r,<br />

mesmo sem <strong>que</strong>rer muito.<br />

Para Diaz, el<strong>as</strong> acabaram naturalmente levando<br />

muito da peça para a <strong>vida</strong> pessoal. A Mariana<br />

voltou a tocar baixo, <strong>as</strong> filh<strong>as</strong> se interessaram e<br />

começaram a tocar. Até mesmo o ukulele p<strong>as</strong>sou<br />

a fazer parte da <strong>vida</strong> de Mariana, <strong>que</strong> vez ou outra<br />

toca o instrumento em c<strong>as</strong>a. “Acho <strong>que</strong> tem um<br />

limite muito tênue entre a arte e a <strong>vida</strong>. Como<br />

nunca estamos de féri<strong>as</strong>, acabamos vivendo muito<br />

aquilo <strong>que</strong> fazemos”, aponta Mariana. Já Drica<br />

namorou a música desde sempre. Fez alguns musicais,<br />

estudou piano na adolescência e o ukulele<br />

veio fazer parte desse universo musical.


CONTINUUM<br />

A facilidade de incorporar os personagens à <strong>vida</strong><br />

também vem do estilo de dramaturgia de Daniel<br />

MacIvor. Para Drica, ele escreve de um jeito inacabado,<br />

no qual <strong>as</strong> personagens falam pérol<strong>as</strong><br />

de profunda sabedoria, travam um embate de<br />

idei<strong>as</strong> complex<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> de forma fluida, qu<strong>as</strong>e displicente,<br />

coloquial. “A peça é muito leve. Parece<br />

<strong>que</strong> nem foi escrita para o teatro, e sim <strong>que</strong> foi<br />

improvisada”, analisa. Visualmente, é um espetáculo<br />

b<strong>as</strong>tante minimalista: pouquíssimos objetos<br />

em cena, figurino composto de calça jeans<br />

e camiseta, um fundo infinito. <strong>Na</strong>da interfere no<br />

texto e no contato com o público. A direção de<br />

Enri<strong>que</strong> Diaz inclui cen<strong>as</strong> em <strong>que</strong> <strong>as</strong> du<strong>as</strong> olham<br />

nos olhos do público. “Isso gera uma ati<strong>vida</strong>de<br />

profunda com a plateia, <strong>que</strong> é incluída no jogo<br />

cênico. É como se eles tivessem um personagem<br />

e contracen<strong>as</strong>sem com você.”<br />

A peça foi o primeiro trabalho de Drica Moraes<br />

depois do câncer e, segundo Mariana, ela impressionantemente<br />

teve muita energia para trabalhar.<br />

O c<strong>as</strong>al amigo criou <strong>as</strong> melhores condições possíveis<br />

para desenvolver os ensaios: uma boa comida<br />

e um bom ambiente, prazeroso, saudável.<br />

“Às vezes, nós nos enfiávamos num porão, não comíamos<br />

direito. Nesse c<strong>as</strong>o, forçávamos a barra<br />

para ter uma pausa para um lanche, para não ser<br />

puxado demais, m<strong>as</strong> acabava <strong>que</strong> os workaholics<br />

aqui ensaiavam seis hor<strong>as</strong> por dia. E ela também<br />

não arregava”, conta Mariana. “Eu falava: ‘vamos<br />

parar, tem a Drica’. M<strong>as</strong> por ela ia embora.”<br />

Com o trabalho acontecendo, a atriz foi ganhando<br />

tônus, agilidade, memória. Enri<strong>que</strong> Diaz conta<br />

<strong>que</strong> era um momento em <strong>que</strong> eles <strong>que</strong>riam estar<br />

próximos dela. “Foi leve, sensível. A peça teve<br />

também essa ‘função’, de nos unir mais.” Para<br />

Drica, o processo foi fundamental na sua recuperação.<br />

Com todo esse aparato afetivo de trabalhar<br />

entre amigos, ela se encontrou num lugar muito<br />

seguro, pronta para poder enlou<strong>que</strong>cer de novo.<br />

“O <strong>palco</strong> sempre tem um pouco de loucura. Uma<br />

loucura boa”, diz.<br />

“<br />

Acho <strong>que</strong> tem um limite<br />

muito tênue entre a arte e a<br />

<strong>vida</strong>. Como nunca estamos<br />

de féri<strong>as</strong>, acabamos vivendo<br />

muito aquilo <strong>que</strong> fazemos.”<br />

Mariana Lima<br />

11<br />

10


entrevista | césar oiticica filho<br />

”Se a gente<br />

penSar naS coreS<br />

<strong>que</strong> permeiam o<br />

trabalho do hélio,<br />

<strong>que</strong> São o vermelho<br />

e o laranja, logo vê<br />

<strong>que</strong> o temperamento<br />

exploSivo dele<br />

paSSou para a obra.”


A força propulsora de<br />

hélio<br />

oiticica<br />

CONTINUUM<br />

TEXTO mayara monteiro FOTOS daryan dornelles<br />

Um dos pais do tropicalismo e referência do neoconcretismo no Br<strong>as</strong>il,<br />

Hélio Oiticica viveu pouco, m<strong>as</strong> fez muito. Agora, ganha forma de documentário<br />

experimental, dirigido por seu sobrinho, César Oiticica Filho<br />

Hélio Oiticica é o filme <strong>que</strong> ganhou o prêmio de Melhor Longa-Metragem Documentário no Festival<br />

do Rio em 2012. Dirigido por César Oiticica Filho, sobrinho do artista visual, ele refaz a trajetória<br />

de 30 anos de atuação de Hélio e apresenta a intimidade do homem <strong>que</strong> viveu pouco,<br />

m<strong>as</strong> intensamente, o grande mundo da criação artística.<br />

Dividida em blocos, a obra mostra a infância do artista; sua participação no movimento neoconcreto;<br />

a importância do samba em sua obra; os períodos <strong>que</strong> viveu em Londres e em <strong>No</strong>va York;<br />

a volta ao Rio de Janeiro, sua cidade de origem; e o processo de mistificação e desmistificação<br />

d<strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, presente em sua obra.<br />

“O som é a alma do filme”, enfatiza César, satisfeito com o resultado da montagem experimental<br />

<strong>que</strong> reúne imagens, vídeos, textur<strong>as</strong> e a participação de artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> conviveram com Hélio e<br />

o homenagearam. As referênci<strong>as</strong> usad<strong>as</strong> pelo cine<strong>as</strong>ta na concepção do documentário vão de<br />

Serguei Eisenstein, Ricardo Miranda, Humberto Mauro e Ivan Cardoso (autor do documentário<br />

H.O., de 1979) a Jards Macalé, Caetano Veloso, Johann Bach e Jimi Hendrix. A intenção, segundo<br />

César, é apresentar o artista ao Br<strong>as</strong>il. “A essência do filme está em tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> linguagens, criad<strong>as</strong><br />

junt<strong>as</strong>. O <strong>que</strong> é o filme? Não sei, não sei nem se é um filme. É um estado de invenção”, avalia.<br />

13<br />

12


entrevista | césar oiticica filho<br />

O documentário conta a história de <strong>vida</strong> do seu<br />

tio, Hélio Oiticica. O <strong>que</strong> você desejou mostrar<br />

às pesso<strong>as</strong>?<br />

CÉSAR OiTiCiCA FilhO: É um projeto de muito tempo<br />

e foi feito em camad<strong>as</strong>. Gosto de falar isso por<strong>que</strong>, embora<br />

seja um filme <strong>que</strong> acabou sendo cl<strong>as</strong>sificado como<br />

documentário, tem muito de experimental em vários sentidos.<br />

Pode-se perceber isso tanto em relação ao som, com<br />

uma trilha sonora <strong>que</strong> envolve a história de <strong>vida</strong> do Hélio,<br />

quanto em relação às imagens <strong>que</strong>, ao mesmo tempo <strong>que</strong><br />

procuram dialogar com seu discurso, fazem vári<strong>as</strong> homenagens<br />

e referênci<strong>as</strong>. Além disso, a montagem cinematográfica<br />

teve como objetivo apresentar o artista ao Br<strong>as</strong>il.<br />

Como ess<strong>as</strong> linguagens contribuíram para o resultado<br />

do filme?<br />

CÉSAR: O <strong>que</strong> dá o clima do filme é o som. Além d<strong>as</strong> músic<strong>as</strong><br />

históric<strong>as</strong>, ele conta com a participação fundamental<br />

do músico e compositor Jards Macalé. Quando nos encontramos<br />

para gravar, Macalé me disse: “Você não sabe o <strong>que</strong><br />

eu encontrei”. Era uma música totalmente concretista <strong>que</strong><br />

o Hélio escreveu para ele, chamada “Puto Nem Gil”. Quando<br />

gravamos, rolou um c<strong>as</strong>amento incrível. Ele também<br />

criou uma versão para “You Don’t Know Me”, <strong>que</strong> foi gravada<br />

inicialmente pelo Caetano Veloso no álbum Transa,<br />

também com arranjo de Macalé.<br />

Como você definiria Hélio Oiticica?<br />

CÉSAR: O Hélio não se interessava apen<strong>as</strong> pela filosofia<br />

da arte. É claro <strong>que</strong> seu trabalho e discurso de alto nível<br />

contribuíam, m<strong>as</strong> isso não <strong>que</strong>r dizer <strong>que</strong> ele falava só<br />

com a cl<strong>as</strong>se média alta <strong>que</strong> entendia do <strong>as</strong>sunto. Pelo<br />

contrário, sua arte vem d<strong>as</strong> manifestações populares, do<br />

Carnaval. O mais interessante é o fato de ele conseguir<br />

nivelar <strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses sociais e transformar o objeto pictórico,<br />

relativo ao quadro e à escultura, em algo fenomenológico,<br />

inspirado n<strong>as</strong> relações human<strong>as</strong>.<br />

O <strong>que</strong> de sua personalidade refletiu mais intensamente<br />

em sua obra e vice-versa?<br />

CÉSAR: Se a gente pensar n<strong>as</strong> cores <strong>que</strong> permeiam o<br />

trabalho do Hélio, <strong>que</strong> são o vermelho e o laranja, logo vê<br />

<strong>que</strong> o temperamento explosivo dele p<strong>as</strong>sou para a obra.<br />

Isso é bem interessante e me faz pensar no incêndio <strong>que</strong><br />

dizimou algum<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> do artista [ocorrido em outubro<br />

de 2009]. As pesso<strong>as</strong> me perguntam por <strong>que</strong> não falei<br />

dele no filme. M<strong>as</strong> o fogo está presente no filme. A bólide<br />

<strong>que</strong> é mostrada <strong>que</strong>r inflamar a obra com a cor. De tão<br />

forte e pura <strong>que</strong> ela é, toma conta. As atitudes dele eram<br />

<strong>as</strong>sim. O filme pega fogo sozinho, com su<strong>as</strong> imagens.<br />

Não abordei o incêndio por<strong>que</strong> a ideia do projeto é muito<br />

anterior a ele – ficou mais de cinco anos na Ancine – e<br />

retrata, acima de tudo, a <strong>vida</strong> do Hélio.<br />

O <strong>que</strong> vocês conseguiram recuperar do incêndio?<br />

CÉSAR: Ainda estamos recuperando. O restauro é difícil,<br />

m<strong>as</strong> muita coisa já faz parte da exposição em Portugal<br />

[Museu É o Mundo, em cartaz até o início de janeiro de<br />

2013 em Lisboa; apresentada em 2010 no Itaú Cultural,<br />

em São Paulo]. Muitos me perguntam sobre números,<br />

m<strong>as</strong> não tenho como dizer por<strong>que</strong> até hoje estou recuperando<br />

fotos. Eu abro um álbum carbonizado, m<strong>as</strong> quando<br />

se conta há mais de 300 imagens <strong>que</strong> estão bo<strong>as</strong>, <strong>que</strong><br />

podem ser digitalizad<strong>as</strong> e recuperad<strong>as</strong>. Algum<strong>as</strong> estão<br />

perfeit<strong>as</strong>! Não posso ser leviano ao dar números se sou<br />

eu o curador e minha função – claro <strong>que</strong> não sozinho – é<br />

ter distanciamento e olhar crítico antes de dizer se determinado<br />

material está bom mesmo.<br />

Você falou <strong>que</strong> o filme funciona em camad<strong>as</strong>. Isso<br />

significa <strong>que</strong> ele não é linear?<br />

CÉSAR: Ele me parece bem linear, m<strong>as</strong> foi criado em<br />

blocos. Glauber Rocha já falava muito sobre a montagem<br />

nuclear. Eu não cheguei a usar por causa da própria<br />

obra do Hélio – a saída do quadro para o espaço é<br />

um núcleo, uma vez <strong>que</strong> a pintura está fragmentada em<br />

vários pedaços <strong>que</strong> se agrupam e formam uma obra tridimensional.<br />

M<strong>as</strong>, quando montamos o filme, esse pensamento<br />

me impulsionou a fazê-lo em blocos. Procurei<br />

agrupar a obra e criar uma lógica <strong>que</strong> trouxesse sentido.<br />

Ainda <strong>as</strong>sim, ele não é totalmente linear.<br />

E aonde você quis chegar com essa lógica?<br />

CÉSAR: A ideia do filme é – inicialmente – apresentar<br />

o Hélio ao Br<strong>as</strong>il, por<strong>que</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> não o conhecem.<br />

É a mesma coisa <strong>que</strong> na Holanda ninguém conhecer<br />

Van Gogh. Claro <strong>que</strong> é outra cultura, m<strong>as</strong> acho <strong>que</strong> aí<br />

está a importância do documentário: precisamos reconstruir<br />

a imagem do país. Nesse sentido, o filme é<br />

um documentário, m<strong>as</strong> sua forma não é. Eu diria <strong>que</strong><br />

ele é um documentário experimental.<br />

Como você amarrou <strong>as</strong> <strong>que</strong>stões ideológic<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />

seu tio defendia à mensagem <strong>que</strong>, como diretor e<br />

produtor, quis transmitir às pesso<strong>as</strong>?<br />

CÉSAR: Geralmente, a imprensa <strong>que</strong>stiona, de forma<br />

pejorativa, como consegui colocar cen<strong>as</strong> polêmic<strong>as</strong>,<br />

de drog<strong>as</strong> e sexo, sendo parte da família. <strong>Na</strong> verdade,<br />

foi bem fácil, por<strong>que</strong> minha família não é católica<br />

nem protestante; então lidamos com isso numa<br />

boa. A obra mostra a intimidade <strong>que</strong> um texto ou<br />

uma exposição não conseguiriam retratar. Ele, como<br />

narrador, torna o filme qu<strong>as</strong>e performático. Isso surpreendeu<br />

<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>. Eu nunca quis fazer uma coisa<br />

careta, m<strong>as</strong> tudo é um experimento. Fiz testes para<br />

ver o <strong>que</strong> funcionava.<br />

“o hélio não Se intereSSava<br />

apenaS pela filoSofia da arte.<br />

é claro <strong>que</strong> Seu trabalho<br />

e diScurSo de alto nível<br />

contribuíam [...], maS Sua<br />

arte vem daS manifeStaçõeS<br />

populareS, do carnaval.”


CONTINUUM<br />

<strong>No</strong> filme, Hélio Oiticica declara: “O branco no<br />

branco é o maior estado de invenção”. O <strong>que</strong> isso<br />

<strong>que</strong>r dizer?<br />

CÉSAR: Ele estava dizendo <strong>que</strong> a invenção era a força<br />

propulsora de seu trabalho. Não existe ideia separada do<br />

objeto, o <strong>que</strong> existe é a invenção.<br />

Qual foi o momento mais “branco no branco” pelo<br />

qual você p<strong>as</strong>sou no processo de criação do filme?<br />

CÉSAR: Recuperei mais de 2 mil imagens do incêndio<br />

<strong>que</strong> entraram no filme apen<strong>as</strong> em alguns pedaços.<br />

É <strong>que</strong> o Hélio fotografava tudo em sequência,<br />

sem editar, como se estivesse filmando, só <strong>que</strong> em<br />

outra velocidade. O <strong>que</strong> eu fiz foi tentar dialogar com<br />

o cinema e a parte sensorial, de fato o <strong>que</strong> me interessava.<br />

<strong>No</strong> filme, o Hélio fala: “Eu não <strong>que</strong>ro montar<br />

nada”. <strong>No</strong> nosso c<strong>as</strong>o é o contrário. <strong>No</strong>sso filme<br />

é totalmente montado. Então, peguei esse diamante,<br />

<strong>que</strong> são su<strong>as</strong> fotografi<strong>as</strong>, e transformei em branco no<br />

branco, em cinema. Enquanto estava filmando, fi<strong>que</strong>i<br />

aberto para o <strong>que</strong> acontecesse na hora. Não sabia se<br />

ia ficar bonito, não tinha nada estabelecido. O filme é<br />

como uma aula sobre o <strong>que</strong> é a arte. Quando se ouve<br />

o Hélio falar sobre a arte, ele não está falando apen<strong>as</strong><br />

do trabalho dele, m<strong>as</strong>, sim, numa perspectiva mais<br />

O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho<br />

mostra <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> faces do<br />

criador dos Parangolés<br />

ampla, do grande mundo da invenção. Talvez seja<br />

esse o grande legado da obra e d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> dele. Falar<br />

isso hoje é muito importante. Muita gente acredita<br />

<strong>que</strong> tudo já foi feito, <strong>que</strong> é só copiar. M<strong>as</strong> não é <strong>as</strong>sim.<br />

Você conviveu muito com seu tio?<br />

CÉSAR: Não, eu era muito novo e ele viveu pouco [morreu<br />

aos 43 anos]. M<strong>as</strong>, nesses 30 anos de trajetória, ele<br />

fez muito. Todo mundo com <strong>que</strong>m conviveu conta <strong>que</strong><br />

ele convencia <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> de <strong>que</strong> el<strong>as</strong> eram artist<strong>as</strong> e <strong>as</strong><br />

colocava para trabalhar. Muita gente virou artista por<br />

causa desse impulso. Ele inflamava <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> com essa<br />

coisa de inventar algo.<br />

Você pretende dar continuidade ao projeto?<br />

Quais são os próximos planos?<br />

CÉSAR: Como diretor e produtor do filme, o projeto está<br />

encerrado, m<strong>as</strong> o trabalho do Hélio é um universo qu<strong>as</strong>e<br />

inexplorado. A gente fez muito pouco ainda. Essa é uma<br />

missão futura do Projeto Hélio Oiticica [<strong>as</strong>sociação <strong>que</strong><br />

cuida da obra do artista].<br />

O filme termina com Hélio Oiticica falando de<br />

sua relação com <strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, sintetizada na ideia de<br />

delírio ambulatório. Aonde você quis chegar com<br />

esse desfecho?<br />

CÉSAR: O Hélio dizia <strong>que</strong> “o delírio ambulatório, quando<br />

ele não é patológico, ele é extremamente gratificante”.<br />

Delírio ambulatório qu<strong>as</strong>e virou o subtítulo do<br />

filme, m<strong>as</strong> era algo tão forte <strong>que</strong> acabaria apagando a<br />

força do título, já <strong>que</strong> ele nada mais é <strong>que</strong> a alma desse<br />

trabalho. O caminhar pel<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> está relacionado ao<br />

sentido de caminhar com o Hélio pela história, pel<strong>as</strong><br />

cidades, pela obra, pelo cinema, pela música. A essência<br />

está em tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> linguagens, criad<strong>as</strong> junt<strong>as</strong>. O<br />

<strong>que</strong> é o filme? Não sei, não sei nem se é um filme. É um<br />

estado de invenção.<br />

15<br />

14


MUSEUS DO MUNDO | mon<br />

foto: Nelson Kon<br />

TEXTO andré chiarati<br />

Um museu vivo e em constante movimento. Assim<br />

é o Museu Oscar Niemeyer (MON), dedicado<br />

a exposições de artes visuais, arquitetura e<br />

design. Com mais de 17 mil metros quadrados de<br />

área expositiva, ostenta o título de maior espaço<br />

cultural desse tipo na América Latina, além de ter<br />

sido eleito recentemente um dos 20 mais belos<br />

do mundo pelo site norte-americano Flavorwire,<br />

especializado em cultura e crítica de arte. O<br />

museu é a única instituição latino-americana<br />

a integrar a seleta lista. “É um reconhecimento<br />

valioso para todos, principalmente para a<strong>que</strong>les<br />

<strong>que</strong> idealizaram esse projeto e defenderam sua<br />

importância; e para Oscar Niemeyer, <strong>que</strong> o desenhou<br />

com seu traço singular e poético”, comenta<br />

Estela Sandrini, diretora do MON.<br />

Ao longo de dez anos de história, o museu já<br />

realizou mais de 230 mostr<strong>as</strong> e recebeu eventos<br />

e exposições importantes, como o TEDx Curitiba<br />

(2011), a Bienal Internacional de Curitiba<br />

(2011) e exposições sobre dadaísmo e surrealismo,<br />

Rembrandt e Tomie Ohtake. “A vinda de<br />

mostr<strong>as</strong> internacionais para cá e o dinamismo<br />

da agenda fazem com <strong>que</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> se sintam<br />

sempre estimulad<strong>as</strong> a voltar, por<strong>que</strong> sabem <strong>que</strong><br />

encontrarão, a cada visita, uma proposta diferenciada”,<br />

avalia Estela. As 20 mostr<strong>as</strong> temporári<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam pelo MON recebem por ano<br />

mais de 200 mil visitantes, uma média de 25 mil<br />

pesso<strong>as</strong> por mês.<br />

Vários movimentos da cultura curitibana já pediam,<br />

desde os anos 1990, um grande museu,<br />

um lugar <strong>que</strong> pudesse receber <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de arte<br />

do estado. “Era a reivindicação por um espaço<br />

<strong>que</strong> fosse completo e não fragmentado em<br />

relação à cronologia, às linguagens e aos movimentos<br />

artísticos, como eram os museus de<br />

arte de Curitiba até então”, relembra Ricardo<br />

Freire, historiador do MON. O espaço é administrado<br />

pela Associação dos Amigos do Museu<br />

Oscar Niemeyer (Aamon) em parceria com<br />

a Secretaria de Estado da Cultura e possui um<br />

acervo de mais de 3 mil peç<strong>as</strong>, com obr<strong>as</strong> dos<br />

paranaenses Alfredo Andersen, João Turin,<br />

Theodoro De Bona, Miguel Bakun, Guido Viaro<br />

e Helena Wong, além de Tarsila do Amaral,<br />

Anita Malfatti, Candido Portinari e do próprio<br />

Oscar Niemeyer, entre outros.<br />

O gigante Museu Oscar Niemeyer prepara três grandes mostr<strong>as</strong> para celebrar uma<br />

década de estímulo à arte na capital paranaense<br />

Muito para ser visto<br />

Para celebrar uma década, o MON preparou<br />

uma programação especial com três grandes<br />

mostr<strong>as</strong>: Deg<strong>as</strong>: Poesia Geral da Ação, com 73<br />

escultur<strong>as</strong> do artista impressionista francês, do<br />

acervo do Museu de Arte de São Paulo (M<strong>as</strong>p);<br />

Di Cavalcanti, Br<strong>as</strong>il e Modernismo, retrospectiva<br />

com 80 obr<strong>as</strong> de um dos mais expressivos artist<strong>as</strong><br />

do período modernista da arte br<strong>as</strong>ileira; e<br />

PR-BR – Produção de uma Imagem Simbólica do<br />

Paraná na Cultura Visual Br<strong>as</strong>ileira, com obr<strong>as</strong><br />

do acervo do museu.<br />

Ocupa o “olho” um filho ilustre da terra dos pinheiros,<br />

o poeta Paulo Leminski. Curitibano do<br />

“leite <strong>que</strong>nte”, Leminski saiu pouco de sua cidade<br />

natal, m<strong>as</strong> sua obra ganhou dimensão dentro e<br />

fora do Br<strong>as</strong>il. Em Múltiplo Leminski é possível<br />

conhecer não só o poeta, m<strong>as</strong> o jornalista, o grafiteiro,<br />

o polemista. A exposição é um recorte da<br />

Ocupação Leminski: 20 Anos em Outr<strong>as</strong> Esfer<strong>as</strong>,<br />

organizada pelo Itaú Cultural em 2009.<br />

Como forma de estimular e democratizar o<br />

acesso à cultura, o MON possui ati<strong>vida</strong>des<br />

M OLhAR AtEntO<br />

para a arte<br />

O grande olho criado por Oscar<br />

Niemeyer pode ser visto de<br />

vários pontos de Curitiba


educativ<strong>as</strong>, como oficin<strong>as</strong>, debates e fóruns<br />

para os diferentes públicos <strong>que</strong> fre<strong>que</strong>ntam<br />

o local. Desde setembro de 2012, na primeira<br />

quinta-feira do mês, o horário de funcionamento<br />

é estendido, d<strong>as</strong> 10h às 20h, e entre 18h e 20h<br />

a entrada é franca. Há, ainda, a ação chamada<br />

Domingo Social, também com entrada franca<br />

no primeiro domingo do mês, <strong>que</strong> traz outr<strong>as</strong><br />

atrações para o museu, como apresentações<br />

musicais e de dança e oficin<strong>as</strong> do projeto Artista<br />

do Acervo – uma interação dos diferentes<br />

artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> têm obr<strong>as</strong> na coleção do espaço e<br />

<strong>que</strong> estão em ati<strong>vida</strong>de.<br />

uMa obra espetacular<br />

O prédio de concreto branco e iluminação zenital,<br />

inaugurado em 1967 como Instituto de Educação<br />

do Paraná, infelizmente nunca exerceu tal<br />

função. Niemeyer, desgostoso por seu projeto<br />

não ter sido executado em sua totalidade e ainda<br />

ter sido usado para fins diferentes da<strong>que</strong>les para<br />

os quais fora idealizado, não fazia muita <strong>que</strong>stão<br />

de dizer <strong>que</strong> o filho era seu.<br />

Mágo<strong>as</strong> à parte, em 2002, Jaime Lerner, arquiteto<br />

e urbanista, ao final do seu segundo<br />

mandato como governador (daí a pressa em<br />

terminar a obra), propôs <strong>que</strong> o lugar abrig<strong>as</strong>se<br />

um museu de arte contemporânea. Para tanto,<br />

Niemeyer redesenhou um museu metamorfose,<br />

<strong>que</strong> ocupava todo o edifício – com sal<strong>as</strong> expositiv<strong>as</strong>,<br />

biblioteca, auditório e café. Ao pavilhão<br />

branco, com 65 metros de vão-livre, foi anexado<br />

um grande salão expositivo em formato de<br />

olho (por isso o apelido de Museu do Olho),<br />

para abrigar exposições fix<strong>as</strong> e itinerantes. Suspensa<br />

em uma grande coluna – adornada por<br />

azulejos <strong>as</strong>sinados pelo arquiteto e com ramp<strong>as</strong><br />

imponentes de concreto –, a torre chama a atenção<br />

e pode ser vista de vários lugares da cidade,<br />

fazendo dele um dos pontos turísticos mais<br />

visitados da capital paranaense.<br />

CONTINUUM<br />

Vista do interior do museu<br />

O principal desafio do MON foi readequar o prédio<br />

e construir um anexo apen<strong>as</strong> alguns meses<br />

antes de sua inauguração. “Será tão bem-sucedida<br />

<strong>que</strong> o museu imaginado constituirá, sem<br />

dú<strong>vida</strong>, uma obra espetacular”, sentenciou o próprio<br />

Niemeyer ao descrever o projeto, <strong>que</strong> teve<br />

su<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> iniciad<strong>as</strong> em junho de 2002. Quatorze<br />

milhões de dólares e cinco meses depois, em 22<br />

de novembro, surgia o novo museu, <strong>que</strong>, inicialmente,<br />

abrigava o acervo do Museu de Arte do<br />

Paraná (MAP) e do extinto banco paranaense Banestado.<br />

Só em 2003 é <strong>que</strong> o espaço p<strong>as</strong>sou a se<br />

chamar Museu Oscar Niemeyer.<br />

O edifício integra o Centro Cívico de Curitiba,<br />

primeiro a ser construído no Br<strong>as</strong>il, em 1953, encomendado<br />

pelo governador Bento Munhoz da<br />

Rocha como parte d<strong>as</strong> homenagens ao centenário<br />

de emancipação política do Paraná. O conjunto de<br />

prédios, do arquiteto francês Alfred Agache, é parte<br />

do projeto de urbanização desenvolvido para<br />

Curitiba na década de 1950. Já a praça ao lado do<br />

museu é uma d<strong>as</strong> únic<strong>as</strong> peç<strong>as</strong> executad<strong>as</strong> do plano<br />

paisagístico de Burle Marx, de 1977. Hoje, a capital<br />

paranaense acumula bo<strong>as</strong> referênci<strong>as</strong> quando<br />

o <strong>as</strong>sunto é soluções urban<strong>as</strong> bem planejad<strong>as</strong>,<br />

aliad<strong>as</strong> às su<strong>as</strong> bel<strong>as</strong> paisagens.<br />

Atrás do museu há outro ponto turístico de desta<strong>que</strong>:<br />

o Bos<strong>que</strong> João Paulo II – homenagem ao<br />

papa <strong>que</strong> visitou a cidade em 1980 –, com uma<br />

mata nativa de 300 araucári<strong>as</strong>. Fronteiriço ao bos<strong>que</strong>,<br />

há um grande gramado também conhecido<br />

como Parcão, <strong>que</strong>, aos finais de semana, recebe<br />

os mais diferentes públicos: jogadores de futebol<br />

americano, músicos, praticantes de corda bamba,<br />

tribos d<strong>as</strong> mais variad<strong>as</strong> e uma infinidade de<br />

cachorros correndo de um lado para o outro. “Eu<br />

costumo vir muito a esta parte do museu e nunca<br />

havia entrado nele”, confessa Adriane Rib<strong>as</strong>, advogada,<br />

<strong>que</strong> pela primeira vez, durante o mês de<br />

aniversário do lugar, conheceu o interior do MON.<br />

Jardim de escultur<strong>as</strong><br />

Não é raro ver diferentes manifestações artístic<strong>as</strong><br />

acontecendo dentro, fora e ao redor do<br />

museu. Sejam grupos de adolescentes <strong>que</strong><br />

ensaiam p<strong>as</strong>sos de hip-hop, sejam fotógrafos<br />

clicando ensaios artísticos ou músicos tocando<br />

seus instrumentos. Todos se conjugam no<br />

mesmo espaço. Depois de tant<strong>as</strong> id<strong>as</strong> e vind<strong>as</strong>,<br />

hoje ele cumpre a função projetada por seu<br />

criador: formar e educar, tornando o saber e a<br />

arte mais democráticos.<br />

Saiba mais sobre o museu em<br />

.<br />

fotos: Marcelo Kaw<strong>as</strong>e<br />

17<br />

16


polític<strong>as</strong> culturais | universidades de cultura<br />

A gente não <strong>que</strong>r<br />

só comida<br />

Articulados em rede – e na velocidade da era digital –, multiplicam-se<br />

cursos voltados à cultura <strong>que</strong> ultrap<strong>as</strong>sam o universo acadêmico. E seus<br />

alunos estão famintos<br />

TEXTO pedro henri<strong>que</strong> frança ILUSTRAÇÃO eduardo burger


Existe por aí um papo sobre universidades de<br />

cultura, m<strong>as</strong> não é apen<strong>as</strong> papo nem bandeira<br />

eleitoral, é realidade e – no linguajar 2.0 – é viral.<br />

As aul<strong>as</strong>, gratuit<strong>as</strong>, podem acontecer durante a<br />

produção de um espetáculo, numa vivência na<br />

Bolívia ou em Buenos Aires ou mesmo entre os<br />

muros de uma universidade br<strong>as</strong>ileira conceituada,<br />

cuja concorrência em cursos tradicionais<br />

ultrap<strong>as</strong>sa 20 candidatos por vaga. O compromisso,<br />

neste c<strong>as</strong>o, depende da fidelidade consigo<br />

mesmo e da vontade de escutar e interagir. Faltou?<br />

Perdeu, playboy. E foi conteúdo.<br />

Numa terça-feira, na UFRJ, pouco mais de 60<br />

alunos da Universidade d<strong>as</strong> Quebrad<strong>as</strong> está em<br />

aula. Em sua maioria, são “<strong>que</strong>bradeiros”, artist<strong>as</strong>,<br />

pesso<strong>as</strong> <strong>que</strong> já trabalham com produção<br />

cultural ou “ativist<strong>as</strong>, gente muito articulada”,<br />

como resume a coordenadora Beá Meira – um<br />

público de mestrado e doutorado acima dos 26<br />

anos. Eles vêm da periferia, aprovados por edital,<br />

e se misturam a alguns poucos selecionados<br />

da zona sul carioca. “M<strong>as</strong> isso aqui não é um<br />

p<strong>as</strong>satempo”, alerta Beá.<br />

Em cl<strong>as</strong>se, os estudantes discutem prosa modernista<br />

com o professor Fred Coelho, tema <strong>que</strong> se estenderia<br />

n<strong>as</strong> aul<strong>as</strong> seguintes. Uma vez por semana, um<br />

novo mestre. As troc<strong>as</strong> de idei<strong>as</strong> são alimentad<strong>as</strong> na<br />

internet por artigos publicados por Beá Meira, também<br />

editora do portal [universidaded<strong>as</strong><strong>que</strong>brad<strong>as</strong>.<br />

pacc.ufrj.br], até a nova aula presencial. É <strong>as</strong>sim desde<br />

2010, quando a Universidade d<strong>as</strong> Quebrad<strong>as</strong> foi<br />

criada, fruto de um insight d<strong>as</strong> pesquisador<strong>as</strong> Numa<br />

Ciro e Heloisa Buar<strong>que</strong> de Hollanda.<br />

CONTINUUM<br />

Orientanda de doutorado de Heloisa, Numa estudava<br />

o rap quando constatou <strong>que</strong> <strong>as</strong> entrevist<strong>as</strong><br />

com <strong>as</strong> mães dos rappers davam a ela um conhecimento<br />

tão empírico e profundo quanto o <strong>que</strong><br />

obtinha com especialist<strong>as</strong>. “Aí ela pensou em promover<br />

encontros para a troca de saberes. Heloisa,<br />

<strong>que</strong> já desejava montar um curso para reunir lideranç<strong>as</strong><br />

sociais, abraçou a ideia e a viabilizou como<br />

um curso de extensão da UFRJ”, conta Beá.<br />

A extensão, concebida para tratar da história<br />

da cultura, teve como foco inicial a literatura,<br />

<strong>as</strong> artes visuais e a filosofia, m<strong>as</strong> já no primeiro<br />

semestre do ano seguinte o teatro, o cinema, a<br />

dança e a música foram incluídos. Outr<strong>as</strong> universidades,<br />

como <strong>as</strong> federais da Bahia e de São<br />

Carlos e a privada Fundação Getulio Varg<strong>as</strong> do<br />

Rio, também estão entre <strong>as</strong> instituições com<br />

iniciativ<strong>as</strong> semelhantes. Para Heloisa, o movimento<br />

denota a necessidade de uma reformatação<br />

no ensino e pode funcionar como uma<br />

opção de formação.<br />

“Dentro da universidade são vári<strong>as</strong> <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> começam a ser desenvol<strong>vida</strong>s no âmbito<br />

d<strong>as</strong> sub-reitori<strong>as</strong> de extensão, cuja missão é<br />

articular a sociedade e <strong>as</strong> instituições de ensino<br />

superior. Nesse escopo está o nosso projeto. <strong>Na</strong><br />

direção inversa, temos o trabalho do Observatório<br />

de Favel<strong>as</strong> e a Universidade Fora do Eixo, <strong>que</strong><br />

pretendem a criação de redes colaborativ<strong>as</strong> de conhecimento<br />

fora d<strong>as</strong> universidades. Sem falar em<br />

outr<strong>as</strong> frentes, como <strong>as</strong> Batalh<strong>as</strong> de Conhecimento,<br />

ligad<strong>as</strong> aos grupos de rap”, enumera Heloisa.<br />

De Dentro para fora<br />

O Circuito Fora do Eixo implantou uma universidade<br />

<strong>que</strong> não tem um campus, e sim vários –<br />

cerca de 400, nenhum fixo. Não tem apen<strong>as</strong> um<br />

curso, m<strong>as</strong> dezen<strong>as</strong>. Não há grade curricular, m<strong>as</strong><br />

o aluno acumula créditos, somados e colocados<br />

em sua certificação.<br />

Por meio de editais, o estudante se inscreve nos<br />

cursos relacionados ao seu perfil, <strong>que</strong> vão desde<br />

experiênci<strong>as</strong> de intercâmbio cultural – da Colômbia<br />

ao México – a processos de produção cultural<br />

de eventos e ati<strong>vida</strong>des em sal<strong>as</strong> de aula, oc<strong>as</strong>ionalmente.<br />

“Nós não temos ano letivo, pois o<br />

percurso é montado conforme a oferta”, explica a<br />

gestora, Carol Tokuyo.<br />

Tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ati<strong>vida</strong>des são gratuit<strong>as</strong> e têm vag<strong>as</strong><br />

limitad<strong>as</strong>. Trabalho de conclusão de curso? Cortesia<br />

da c<strong>as</strong>a. E os estudos são interrompidos de<br />

acordo com a vontade de cada um. “A ideia de se<br />

formar é péssima, o objetivo é estar sempre em<br />

processo de formação”, acredita Carol. E emenda:<br />

“Se você quiser viver de cultura no país, uma<br />

faculdade não tem tanta serventia; diploma acadêmico<br />

para a cultura é algo desnecessário”.<br />

Segundo a gestora, a demanda – “gigante”, ressalta<br />

– vem de profissionais ligados à cultura.<br />

“M<strong>as</strong> também temos alguns jovens <strong>que</strong> <strong>que</strong>rem<br />

trabalhar na área e nos procuram como uma op-<br />

ção de faculdade.” <strong>No</strong> primeiro dia de inscrição,<br />

em agosto, foram mais de 500 interessados; três<br />

meses depois já p<strong>as</strong>savam de 3 mil inscritos.<br />

reDe social: moraDa Do saber<br />

Tanto os cursos de extensão vinculados às universidades<br />

quanto entidades e outros pontos<br />

de cultura não se isolam, somam-se. Todos eles<br />

(mais de 30) estão reunidos na Universidade da<br />

Cultura Livre (Unicult), espécie de consórcio de<br />

instituições multilaterais integrad<strong>as</strong> a um processo<br />

de formação continuada na área cultural.<br />

A internet é a plataforma b<strong>as</strong>e desse modelo alternativo<br />

de educação, no qual a produção não<br />

se restringe à academia e o conhecimento se espalha<br />

rapidamente. “O paradigma de hierarquização<br />

dos saberes e de formação de especialist<strong>as</strong><br />

está dando sinais de falência. A produção de<br />

conhecimento novo hoje só me parece possível<br />

através de processos colaborativos, compartilhados<br />

e negociados. Portanto, ess<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> são<br />

sintom<strong>as</strong> de <strong>que</strong> a mudança já está em curso”,<br />

pondera Heloisa.<br />

<strong>Na</strong> visão da pesquisadora Ivana Bentes, <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong><br />

proporcionad<strong>as</strong> pelo ensino livre “borram<br />

<strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> entre formador/formando, professor/<br />

estudante, potencializando <strong>as</strong> troc<strong>as</strong>. Assim, saímos<br />

do ‘campus de concentração’ da escola e da<br />

universidade fordista multidisciplinar para surfar<br />

em outr<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> de formação”, acredita.<br />

Para o escritor Celso Athayde, fundador da Central<br />

Única d<strong>as</strong> Favel<strong>as</strong> (Cufa), “o saber fora dos<br />

muros da academia revela cada vez mais a sua<br />

força e coloca-se como objeto democrático”. M<strong>as</strong><br />

contrapõe: “O movimento não deve ter a pretensão<br />

de substituir a educação formal sistematizada,<br />

m<strong>as</strong>, sim, valorizar a cadeia produtiva da cultura<br />

e da inovação, estimulando <strong>as</strong>sim uma nova<br />

identidade <strong>que</strong> transcenda a educação”.<br />

O rumo da transgressão, porém, ainda encontra<br />

desafios. Abranger toda a gama cultural de um<br />

país tão rico como o Br<strong>as</strong>il é um deles. “Mudamos<br />

o programa e os professores fre<strong>que</strong>ntemente<br />

por<strong>que</strong> sempre achamos <strong>que</strong> não conseguimos<br />

atingir o pluriverso”, diz Beá. <strong>No</strong> c<strong>as</strong>o da<br />

Universidade d<strong>as</strong> Quebrad<strong>as</strong>, em <strong>que</strong> o espaço<br />

é aberto para o diálogo com a periferia, a falta de<br />

estrutura e de oportunidade de bols<strong>as</strong> também<br />

surge como preocupação. “Lidamos com pesso<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> acreditam <strong>que</strong> pensar é importante, m<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />

sobreviver é urgente”, diz Beá.<br />

De olho no futuro, Ivana Bentes diz <strong>que</strong> <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong><br />

de formação livre “já estão se multiplicando<br />

em todo o Br<strong>as</strong>il”. E dá o recado: “Muit<strong>as</strong><br />

têm metodologi<strong>as</strong> <strong>que</strong> poderiam servir como<br />

projetos pilotos de polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>. O Br<strong>as</strong>il<br />

pode p<strong>as</strong>sar diretamente da cultura oral para a<br />

cultura digital, criar metodologi<strong>as</strong> e dinâmic<strong>as</strong><br />

de apropriação tecnológica <strong>que</strong> potencializem o<br />

pensamento. Essa pode ser a nossa contribuição<br />

no campo da informação”, conclui.<br />

19<br />

18


Reportagem | leia para uma criança<br />

de pai<br />

para filho<br />

TEXTO débora almeida<br />

“Era uma vez um reino muito, muito distante...” Quem nunca ouviu, quando<br />

criança, essa fr<strong>as</strong>e dita por um adulto? Ela era a porta de entrada para<br />

um mundo de fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong>, <strong>que</strong> a cada noite alimentava nossa imaginação<br />

antes de cairmos no sono. Pensando no incentivo ao hábito da leitura, a<br />

Fundação Itaú Social criou, em 2010, o programa Leia para uma Criança,<br />

<strong>que</strong> distribui livros infantis para <strong>que</strong> os pais leiam para os filhos. A iniciativa<br />

parte do princípio de <strong>que</strong> ouvir históri<strong>as</strong> nos primeiros anos de <strong>vida</strong><br />

tem efeitos surpreendentes na educação e na comunicação.<br />

O programa entrega na c<strong>as</strong>a de pais, voluntários de organizações sociais<br />

e professores um conjunto de títulos recomendados por educadores e especialist<strong>as</strong><br />

em educação infantil, além de dar dic<strong>as</strong> de leitura e de ati<strong>vida</strong>des<br />

para fazer com a criança [ver box]. Mais de 22 milhões de exemplares<br />

já foram distribuídos. Neste ano, foram disponibilizados os títulos Lino, de<br />

André Neves (Callis); Poesia na Varanda, de Sonia Jun<strong>que</strong>ira (Autêntica);<br />

e O Ratinho, o Morango Vermelho Maduro, e o Grande Urso Esfomeado,<br />

de Don e Audrey Wood (Brin<strong>que</strong>-Book). Valéria Riccomini, diretora da<br />

Fundação, afirma <strong>que</strong> a ação é direito básico d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>. “Ler para el<strong>as</strong><br />

faz parte não só de sua preparação para a aprendizagem, m<strong>as</strong> ajuda no<br />

desenvolvimento socioafetivo, quando se vê a relação <strong>que</strong> criam com um<br />

adulto. Além disso, incentiva a inventi<strong>vida</strong>de, trabalha os medos, entre outros<br />

benefícios”. Em recente pesquisa encomendada pela instituição para<br />

o Datafolha, apesar de 96% dos respondentes acharem <strong>que</strong> é importante<br />

ler para uma criança, apen<strong>as</strong> 37% têm o hábito.<br />

A educadora Daniela Mott, <strong>que</strong> trabalha com leitura em sala de aula para<br />

crianç<strong>as</strong> de 4 anos, avalia <strong>que</strong> é possível ver o desenvolvimento dos alunos<br />

com o p<strong>as</strong>sar do tempo. “<strong>No</strong> início eles ficavam um pouco tímidos e<br />

apen<strong>as</strong> ouviam, m<strong>as</strong> ao se familiarizarem adquiriam confiança e admiração<br />

em relação ao adulto.” Ela sempre propõe aos alunos, após a leitura, <strong>que</strong><br />

inventem um final diferente para a história. “Peço <strong>que</strong> acrescentem um personagem<br />

e eles adoram, conversam entre si, dramatizam. Isso cria um vínculo<br />

de amizade e carinho entre o adulto e a criança.” De sua experiência,<br />

conclui <strong>que</strong> <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> não alfabetizad<strong>as</strong> conseguem, de maneira surpre-<br />

Programa distribui livros em todo o país para incentivar<br />

o hábito da leitura em crianç<strong>as</strong><br />

endente, observar, imaginar e criar algo diferente, aprendendo facilmente a<br />

converter palavr<strong>as</strong> em idei<strong>as</strong>.<br />

Segundo a Fundação <strong>Na</strong>cional de Leitura Infantil dos Estados Unidos<br />

(<strong>Na</strong>tional Children’s Reading Foundation), ler durante 20 minutos por<br />

dia para os filhos nos primeiros cinco anos de <strong>vida</strong> é o equivalente a 600<br />

hor<strong>as</strong> de pré-alfabetização. De acordo com estudos dessa entidade, ler<br />

“conecta” <strong>as</strong> célul<strong>as</strong> do cérebro em redes <strong>que</strong> depois facilitarão a leitura<br />

quando a criança estiver sozinha. Ela vai poder distinguir sons (percepção<br />

de fonética), reconhecer letr<strong>as</strong> e elaborar estratégi<strong>as</strong> para descobrir<br />

nov<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> (decodificação), desenvolver habilidade para entender o<br />

<strong>que</strong> os termos significam em referência ao mundo real (criar contextos),<br />

além de desenvolver um bom vocabulário oral (aproximadamente 5 mil<br />

palavr<strong>as</strong>, ainda no jardim de infância).<br />

Saiba mais em .<br />

Como formar o pe<strong>que</strong>no leitor<br />

Veja dic<strong>as</strong> do leia para uma Criança<br />

> Tenha convers<strong>as</strong> fre<strong>que</strong>ntes com seu filho. Ouça-o e faça pergunt<strong>as</strong><br />

cuj<strong>as</strong> respost<strong>as</strong> precisem ser mais <strong>que</strong> uma ou du<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>.<br />

> Leia ao menos 20 minutos por dia. Reserve um horário e tente mantê-lo.<br />

Torne o hábito prazeroso para ele e para você.<br />

> Deixe os livros ao alcance d<strong>as</strong> mãos, em todos os cômodos da c<strong>as</strong>a. Livros<br />

devem ser usados e não guardados.<br />

> Dê o exemplo e leia você também. É com o exemplo <strong>que</strong> aprendemos.<br />

> Fre<strong>que</strong>nte livrari<strong>as</strong> e bibliotec<strong>as</strong>. Presenteie com livros, gibis ou revist<strong>as</strong>.<br />

> Incentive seu filho a contar <strong>as</strong> históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> ouviu a outr<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>.<br />

> Pais <strong>que</strong> não são leitores fluentes ou não gostam de ler podem contar<br />

históri<strong>as</strong> de sua própria <strong>vida</strong>, de sua imaginação, ou criar narrativ<strong>as</strong> com<br />

imagens de livros ilustrados.


ntrE<br />

rinh<strong>as</strong> e saraus<br />

Encontros de poesia e batalh<strong>as</strong> de MC fortalecem a cena paulistana do rap<br />

TEXTO mariana de andrade FOTOS paulo papaleo<br />

Guilherme “13”, fre<strong>que</strong>ntador<br />

da Batalha do Santa Cruz,<br />

em São Paulo<br />

CONTINUUM<br />

Reportagem | ritmo & poesia<br />

20 21


Reportagem | ritmo & poesia<br />

“<strong>No</strong> meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma<br />

pedra no meio do caminho.” Quando Felipe Rima<br />

ouviu esses versos pela primeira vez, identificou-<br />

-se na hora. Para ele, a tal pedra era o crack, droga<br />

<strong>que</strong>, desde pe<strong>que</strong>no, via desestruturar sua família.<br />

Antes de conhecer a poesia de Drummond,<br />

Felipe já escrevia versos – m<strong>as</strong> em forma de ritmo<br />

& poesia, ou rap. O poeta e rapper compartilhou<br />

sua história de aproximação com o gênero literário<br />

no Sarau Suburbano, evento realizado tod<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong> terç<strong>as</strong> no bairro paulistano Bixiga. Como diversos<br />

saraus em São Paulo, o Suburbano vem se<br />

tornando um ponto de encontro importante para<br />

a cena do rap da capital. Os MCs se apossam do<br />

espaço para, além de ouvir e recitar trabalhos, divulgar<br />

eventos e fazer contatos.<br />

Outro fiel fre<strong>que</strong>ntador do Bixiga é Fabio Duarte<br />

Gomes, o Fabio Boca. O rapper, <strong>que</strong> faz parte do<br />

DiQuintal – mesmo grupo do MC Amiri, uma d<strong>as</strong><br />

nov<strong>as</strong> apost<strong>as</strong> da cena –, foi selecionado neste<br />

ano para representar o Br<strong>as</strong>il na 9ª Copa do Mundo<br />

de Slam. A competição, realizada na França,<br />

reúne poet<strong>as</strong> de diversos países <strong>que</strong> declamam<br />

versos de autoria própria a um júri e a uma plateia.<br />

Para Boca, os encontros de poesia foram um<br />

divisor de águ<strong>as</strong>, por<strong>que</strong> despertaram o hábito<br />

da leitura e uma cobrança maior com o próprio<br />

trabalho. M<strong>as</strong> isso não significa <strong>que</strong> o rap tenha<br />

tomado um discurso menos carregado de crítica<br />

social – o rapper cresceu ouvindo Racionais MC’s<br />

por influência do tio, <strong>que</strong> foi <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinado. “O prazer<br />

da leitura abre um portal para nov<strong>as</strong> linguagens,<br />

para um novo dialeto misturado ao <strong>que</strong> a<br />

gente traz da rua. <strong>Na</strong> verdade, a linguagem não<br />

se tornou mais sutil; é <strong>que</strong> hoje a gente está com<br />

mais bala no pente, por<strong>que</strong> existem argumentos<br />

<strong>que</strong> a gente sabe usar e ouvir – então ela ficou<br />

mais rica”, acredita. Boca também não perde o<br />

Sarau Rap, evento realizado no Centro Cultural<br />

São Paulo, no qual rimadores e rimador<strong>as</strong> declamam<br />

su<strong>as</strong> letr<strong>as</strong> sem o apoio musical. Apresentado<br />

por Sérgio Vaz, da Cooperifa, o sarau conta<br />

ainda com pocket shows de grupos da cena do<br />

rap, novos e veteranos.<br />

Se os anos 1990 foram marcados pela <strong>as</strong>censão<br />

do rap no Br<strong>as</strong>il na voz dos Racionais MC’s, com<br />

a tônica direta da crítica social, os anos 2000 revelaram<br />

nomes como Emicida, Projota e R<strong>as</strong>hid<br />

– uma geração conhecida por explorar nov<strong>as</strong><br />

linguagens e temátic<strong>as</strong>. <strong>No</strong> entanto, para <strong>que</strong>m<br />

vive o movimento hip-hop, a pluralidade no rap<br />

nacional sempre existiu. “<strong>Na</strong><strong>que</strong>la época o SNJ<br />

era muito diferente dos Racionais, <strong>que</strong> eram<br />

muito diferentes de RZO, DMN e Consciência<br />

Humana. Cada um tinha uma cara, só <strong>que</strong> por<br />

baixo muita gente fazia igual, inclusive eu”,<br />

brinca Projota. O rapper dá uma pista do <strong>que</strong><br />

pode ter mudado de lá para cá. A internet facilitou<br />

a busca por mais influênci<strong>as</strong> e pelo conhecimento.<br />

Hoje você vê influênci<strong>as</strong> do funk e<br />

o soul, totalmente presentes n<strong>as</strong> nov<strong>as</strong> músic<strong>as</strong><br />

do Mano Brown, na levada e também nos tem<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> ele tem abordado. Ele é uma máquina de<br />

evolução e realmente não fica parado”.<br />

O freestyle<br />

Em meados dos anos 2000, a Galeria Olido, no<br />

centro, era um dos únicos pontos de encontro<br />

dos apreciadores de rap em São Paulo. Os eventos<br />

do gênero na cidade se tornaram esc<strong>as</strong>sos<br />

após o boom da cena nos anos 1990 e muitos jovens<br />

sentiam falta de um local onde pudessem<br />

trocar informações. Para suprir essa demanda<br />

um grupo de amigos resolveu montar, próximo<br />

ao metrô Santa Cruz, uma competição de rap<br />

de improviso. Inspirada na Batalha do 1 Real, organizada<br />

no Rio de Janeiro, a Batalha do Santa<br />

Cruz se tornaria o primeiro encontro regular de<br />

freestyle da cena paulistana.<br />

Com o apoio do beatbox [arte de reproduzir sons<br />

de instrumentos de percussão com a voz], cada<br />

MC tem 30 segundos para rimar e a plateia é<br />

<strong>que</strong>m julga. A disputa pode chegar até o terceiro<br />

round, c<strong>as</strong>o um dos MCs não ganhe du<strong>as</strong> sessões<br />

consecutiv<strong>as</strong>. <strong>Na</strong> primeira edição da Batalha, em<br />

fevereiro de 2006, o vencedor foi Leandro Ro<strong>que</strong><br />

de Oliveira, <strong>que</strong> mais tarde ganharia a alcunha de<br />

homicida de MCs, ou – como preferiu ser chamado<br />

– Emicida. Além dele, os principais nomes da<br />

nova geração p<strong>as</strong>saram pelo local.<br />

Batalha do Santa Cruz,<br />

primeiro encontro regular de<br />

freestyle em São Paulo


“Fazer contato, conhecer gente, era o mais importante.<br />

O <strong>que</strong> mais me enri<strong>que</strong>ceu na época não<br />

foram <strong>as</strong> batalh<strong>as</strong> <strong>que</strong> ganhei, m<strong>as</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />

conheci e os momentos <strong>que</strong> vivi”, diz Projota. E um<br />

dos amigos <strong>que</strong> fez foi Emicida. Ao final d<strong>as</strong> batalh<strong>as</strong>,<br />

voltavam juntos, de metrô, para a zona norte<br />

de São Paulo. O freestyle também ajudava na presença<br />

de <strong>palco</strong>. “<strong>Na</strong><strong>que</strong>la época, a gente não tinha<br />

onde cantar, não tinha show para fazer e nunca subia<br />

num <strong>palco</strong>. Quando eu fazia improviso, tinha lá<br />

um<strong>as</strong> 200 pesso<strong>as</strong>, parad<strong>as</strong>, olhando para mim.”<br />

Parecido com o repente, <strong>as</strong> batalh<strong>as</strong> de freestyle<br />

exigem <strong>que</strong> o MC saiba agradar ao público. A preocupação<br />

é desestabilizar o oponente – criticando<br />

sua roupa ou a falta de habilidade com <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>,<br />

por exemplo. As referênci<strong>as</strong> ao hip-hop no<br />

discurso dos MCs também chamam a atenção da<br />

plateia julgadora, m<strong>as</strong>, sem dú<strong>vida</strong>, apropriar-se<br />

da fala do adversário e soltar uma resposta superior<br />

conta mais pontos, por<strong>que</strong> demonstra <strong>que</strong> o<br />

rapper realmente domina a arte do improviso.<br />

Hoje há divers<strong>as</strong> batalh<strong>as</strong> por São Paulo. Apesar<br />

da importância del<strong>as</strong> para o rap paulistano,<br />

Marcello Gugu, membro do coletivo <strong>que</strong> organiza<br />

a Batalha do Santa Cruz, acredita <strong>que</strong> existam<br />

outros elementos consolidadores da cena, até<br />

por<strong>que</strong> muitos rappers não se propõem a batalhar.<br />

“O freestyle n<strong>as</strong>ce e morre no momento, o<br />

<strong>que</strong> vai perpetuar e fazer seu nome é a música.<br />

Batalha dá uma visibilidade muito boa, m<strong>as</strong> tem<br />

o lance da transição, de mostrar liricamente <strong>que</strong><br />

você escreve melhor do <strong>que</strong> faz freestyle. Quando<br />

você escreve, tem tempo de lapidar cada ideia,<br />

de se aprofundar mais e ser genial”, explica.<br />

Poucos meses depois de iniciada a Batalha do Santa<br />

Cruz, em 2006, o rapper Criolo e o MC e DJ Dan<br />

Dan resolveram criar um evento <strong>que</strong> agreg<strong>as</strong>se,<br />

além da batalha de improviso, shows, grafite e outr<strong>as</strong><br />

manifestações artístic<strong>as</strong>. Estava criada a Rinha<br />

dos MCs. Nela, os rappers usam microfone e de-<br />

CONTINUUM<br />

encontro informal dos repentist<strong>as</strong><br />

contemporâneos<br />

garante a renovação do rap<br />

vem acompanhar a batida dos DJs. Hoje é um dos<br />

eventos mais tradicionais da cena do hip-hop. Para<br />

Dan Dan, “se você prestar atenção, o hip-hop, o rap,<br />

está mudando a cena musical br<strong>as</strong>ileira. E não é só<br />

por causa do Criolo. Tem o Rael da Rima, o próprio<br />

Emicida e uma galera chegando com outra musicalidade,<br />

por<strong>que</strong> o rap sempre teve ess<strong>as</strong> mistur<strong>as</strong>”.<br />

<strong>No</strong> entanto, o DJ deixa claro <strong>que</strong> a variedade<br />

de vertentes não altera o caráter ideológico do rap.<br />

“Em qual<strong>que</strong>r grupo sempre vai ter o discurso ideológico,<br />

por mais <strong>que</strong> tenha dez músic<strong>as</strong> falando<br />

de amor e só uma fr<strong>as</strong>e falando de mudança, por<strong>que</strong><br />

isso está enraizado no rap, é natural.”<br />

O mercadO dO rap<br />

De forma geral, shows, batalh<strong>as</strong> e saraus são os<br />

locais onde os MCs desconhecidos de São Paulo<br />

conseguem divulgar e vender su<strong>as</strong> mixtapes – CD<br />

produzido de forma mais artesanal e independente.<br />

Nesses eventos, muitos acabam conhecendo<br />

produtores, beatmakers e rappers e criando parceri<strong>as</strong><br />

para o futuro. Emicida, por exemplo, trabalha<br />

atualmente em seu primeiro disco, após ter lança-<br />

“O <strong>que</strong> mais me enri<strong>que</strong>ceu<br />

na épOca nãO fOram <strong>as</strong><br />

batalh<strong>as</strong> <strong>que</strong> ganhei, m<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong> pessO<strong>as</strong> <strong>que</strong> cOnheci e Os<br />

mOmentOs <strong>que</strong> vivi.”<br />

prOjOta<br />

do quatro mixtapes e alguns singles. Evandro Fióti,<br />

irmão e sócio do rapper no selo, produtora e loja<br />

virtual Laboratório Fant<strong>as</strong>ma, acredita <strong>que</strong> esse era<br />

o único caminho disponível para os rappers. “Isso<br />

foi mais necessário no rap por<strong>que</strong> a gente sempre<br />

teve <strong>as</strong> port<strong>as</strong> fechad<strong>as</strong>. Se você não fizesse o próprio<br />

negócio, não divulg<strong>as</strong>se sua música e não visse<br />

uma forma de distribuir, ficava engessado, por<strong>que</strong><br />

<strong>as</strong> gravador<strong>as</strong> não aceitavam. Hoje, com esse<br />

boom, você até recebe propost<strong>as</strong> e rola uma maior<br />

aceitação. M<strong>as</strong> anos atrás era impossível.”<br />

O selo, <strong>que</strong> também tem acordos com os rappers<br />

Ogí e Rael e com a banda Mão de Oito, já vendeu<br />

mais de 50 mil discos. Além do trabalho na rua,<br />

Fióti aponta, como Projota, a tecnologia como<br />

grande aliada do rap atual. “A internet ajudou<br />

muito a entregar a nossa música. O <strong>que</strong> a gente<br />

faz é isto aqui; se <strong>que</strong>r ou não é você <strong>que</strong>m vai determinar.<br />

A abertura da grande mídia – fazendo a<br />

gente chegar a milhões de pesso<strong>as</strong> – é o <strong>que</strong> mais<br />

ajuda, m<strong>as</strong> são tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> pe<strong>que</strong>n<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong><br />

junt<strong>as</strong> <strong>que</strong> fazem o caldeirão pegar fogo”.<br />

22 23


Reportagem | múltiplos e livros de artista<br />

Você também<br />

pode Obr<strong>as</strong> reproduzíveis ganham espaço em museus portáteis e<br />

loj<strong>as</strong> à margem do circuito tradicional d<strong>as</strong> artes visuais<br />

ter uma...<br />

TEXTO leonardo foletto<br />

Em pleno século XXI, quando se fala em artes<br />

visuais, a primeira lembrança ainda é a de<br />

museus e galeri<strong>as</strong>, espaços <strong>que</strong> costumamos ir<br />

para contemplar uma obra de arte. Dentro deles<br />

é <strong>que</strong>, na maioria d<strong>as</strong> vezes, apreciamos, viajamos,<br />

nos surpreendemos com um trabalho, ou<br />

refletimos sobre ele, não importa de qual técnica<br />

ou de <strong>que</strong> meio ele seja. Costumamos imaginar<br />

<strong>que</strong> será uma rara oportunidade ver tal obra<br />

em determinado lugar, e para isso nos preparamos.<br />

A menos <strong>que</strong> sejamos colecionadores ou<br />

galerist<strong>as</strong>, podemos sonhar em levar uma obra<br />

para c<strong>as</strong>a, certo?<br />

Bem, não necessariamente. Desde o início do século<br />

XX, com <strong>as</strong> vanguard<strong>as</strong> históric<strong>as</strong> (futurismo,<br />

dadaísmo e surrealismo) e com a evolução tecnológica<br />

da reprodução, sabemos <strong>que</strong> uma obra de arte<br />

pode ser, sim, manipulada, remexida e, até mesmo,<br />

“levada para c<strong>as</strong>a”. A partir do pós-modernismo<br />

d<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> de 1960 e 1970, tornaram-se populares<br />

obr<strong>as</strong> com tiragem (pe<strong>que</strong>na ou grande) maleáveis<br />

e reproduzíveis, <strong>que</strong> se costumou chamar de múltiplos<br />

– termo utilizado para identificar “um tipo de<br />

produção <strong>que</strong> tem como um dos princípios norteadores<br />

a disseminação da obra de arte, tornando-a,<br />

pelo procedimento da multiplicação, um bem de<br />

consumo acessível a um público mais v<strong>as</strong>to”, como<br />

explica Regina Melim, artista e professora do Departamento<br />

de Artes Visuais da Udesc (SC).<br />

De Lygia Clark a Paulo Bruscky, p<strong>as</strong>sando por<br />

Hélio Oiticica e Antonio Di<strong>as</strong>, boa parte dos artist<strong>as</strong><br />

br<strong>as</strong>ileiros dos anos 1950 para cá realiza,<br />

ou já realizou, trabalhos cuja tiragem é ampla e<br />

reproduzível. A ideia de reprodução e tiragem<br />

desperta outro interesse no público, <strong>que</strong> vai<br />

desde a possibilidade concreta de colecionar –<br />

especialmente quando se fala de publicações<br />

de artist<strong>as</strong>, livros ou pe<strong>que</strong>n<strong>as</strong> brochur<strong>as</strong> com<br />

tiragem limitada – até a de “brincar” com a obra.<br />

Sendo reproduzível, a criação artística perde<br />

a aura do não-me-to<strong>que</strong>s tradicionalmente comum<br />

a quadros e escultur<strong>as</strong> e p<strong>as</strong>sa a poder ser<br />

manipulada livremente.<br />

EXPOSIÇÕES PORTÁTEIS<br />

Para apresentar esses múltiplos, não raro profissionais<br />

da arte têm procurado fugir do formato<br />

tradicional dos museus e optado por exposições<br />

portáteis, <strong>que</strong> podem ser levad<strong>as</strong> a vários<br />

lugares. Regina é uma d<strong>as</strong> artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> recentemente<br />

p<strong>as</strong>saram a investir nesse nicho: criou,<br />

em 2006, a plataforma par(ent)esis, com o objetivo<br />

de produzir e editar projetos artísticos e<br />

curatoriais em formato de publicações. Alguns<br />

dos trabalhos <strong>que</strong> já realizou nesse formato são<br />

PF (2006); amor: leve com você (2007); Coleção<br />

(2008); Convers<strong>as</strong> (2009); e Projeto A2 – Diego<br />

Rayck. “São mostr<strong>as</strong> para ser feit<strong>as</strong> no espaço<br />

de uma publicação e <strong>que</strong> denomino exposições<br />

portáteis”, diz a professora, em texto publicado<br />

no XXX Colóquio do Comitê Br<strong>as</strong>ileiro de História<br />

da Arte.<br />

LOJA foi, talvez, o principal projeto curatorial da<br />

par(ent)esis. Criado em 2009, ele contemplava<br />

um conjunto de publicações de artista e objetos<br />

múltiplos, vindos de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> regiões do país e,<br />

agrupados em uma exposição itinerante (“loja”),<br />

<strong>que</strong> circulou pelo Br<strong>as</strong>il e pela qual p<strong>as</strong>saram artist<strong>as</strong><br />

como Paulo Bruscky, Hélio Fiorenza, Fábio<br />

Morais, Michel Zózimo e Grupo Poro. A mostra<br />

ocupava um espaço físico (<strong>que</strong> podia ser um ateliê,<br />

uma sala na universidade ou uma galeria de<br />

arte) e os objetos reunidos (como livros, revist<strong>as</strong>,<br />

jornais, CDs, DVDs, c<strong>as</strong>setes, vinis, xerox, cartazes,<br />

postais, objetos múltiplos e adesivos) ficavam<br />

à disposição do público.<br />

As exigênci<strong>as</strong> para os artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> tinham seus<br />

trabalhos vinculados ao projeto eram doar um<br />

exemplar para acervo (a <strong>que</strong> o público teria acesso)<br />

e o valor da obra não ultrap<strong>as</strong>sar 300 reais.<br />

Regina explica melhor seu trabalho no livro Estratégi<strong>as</strong><br />

Expansiv<strong>as</strong>: Publicações de Artist<strong>as</strong> e<br />

Seus Espaços Moventes, de Michel Zózimo, produzido<br />

com Bolsa Funarte de Estímulo à Produção<br />

Crítica em Artes Visuais: “O nome LOJA e<br />

a ideia de fazer uma exposição <strong>que</strong> fosse como<br />

uma loja surgiu a partir dessa busca de atender às


Detalhe da instalação do<br />

projeto curatorial LOJA, do<br />

coletivo par(ent)esis<br />

SenDO RePRODuzíveL, A cRIAÇãO ARTíSTIcA PeRDe A AuRA DO nãO-<br />

Me-TO<strong>que</strong>S TRADIcIOnALMenTe cOMuM A quADROS e eScuLTuRAS<br />

e PASSA A PODeR SeR MAnIPuLADA LIvReMenTe.<br />

exigênci<strong>as</strong> <strong>que</strong> eu mesma colocava: possibilitar<br />

um acesso mais direto, mais próximo, do espectador<br />

e de este poder levar para c<strong>as</strong>a cada uma d<strong>as</strong><br />

exposições-publicações. […] Por<strong>que</strong> o <strong>que</strong> sempre<br />

me interessou nos procedimentos artísticos, cujos<br />

formatos são o de publicações, é a possibilidade<br />

de poder multiplicar, de ser uma série <strong>que</strong> se estende<br />

e p<strong>as</strong>sa a lidar com outros valores, menos<br />

extorsivos, muitos deles tão ínfimos <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r<br />

um pode possuir. Nunca me interessei por publicações<br />

<strong>que</strong> se apoiam em tiragens mínim<strong>as</strong> como<br />

uma qualidade <strong>que</strong> <strong>as</strong> singularizam. A força está<br />

na circulação e na expansão do circuito”.<br />

<strong>No</strong> Br<strong>as</strong>il, o “mercado” de múltiplos vendidos<br />

em galeri<strong>as</strong> ainda é incipiente. Algum<strong>as</strong> d<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> trabalham com os objetos são a Tijuana,<br />

inaugurada em 2007 junto da Galeria Vermelho,<br />

em São Paulo, e a Banca, ligada à galeria<br />

Mariana Moura, no Recife. Exemplos de trabalhos<br />

de desta<strong>que</strong> em exposições portáteis<br />

são Espaço de Bolso (2003), múltiplo dobrável<br />

impresso em offset, de Maria Lucia Cattani; Biblioteca<br />

de Bolso (2008), maleta biblioteca de<br />

Luciana Paiva; Projeto Malote (2005), maleta<br />

de Luana Veiga, <strong>que</strong> viaja pel<strong>as</strong> cidades carregando,<br />

coletando e expondo trabalhos portáteis<br />

de diferentes artist<strong>as</strong>; Sofá, publicações coletiv<strong>as</strong><br />

coordenad<strong>as</strong> por Ra<strong>que</strong>l Stolf desde 2004;<br />

e Arquivo de Emergência, projeto pesquisa da<br />

arquivista Cristina Rib<strong>as</strong>.<br />

MÚLTIPLOS DOBRADIÇOS<br />

<strong>No</strong> I Seminário de Copesquisa em Arte, realizado<br />

durante três di<strong>as</strong> de outubro de 2012 no Centro de<br />

Artes e Letr<strong>as</strong> da UFSM (RS), um grande bloco de<br />

metal instalado no hall do prédio <strong>que</strong> abrigava o<br />

evento chamava a atenção: era uma exposição itinerante,<br />

com algum<strong>as</strong> pe<strong>que</strong>n<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de arte <strong>que</strong><br />

CONTINUUM<br />

poderiam ser levad<strong>as</strong> para c<strong>as</strong>a, em troca de uma<br />

ação proposta pelo artista.<br />

As ações “pedid<strong>as</strong>” em troca d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> tinham<br />

a ver com o trabalho exposto. Por exemplo: para<br />

levar o Álbum Volume II Fotografia Velada, uma<br />

pe<strong>que</strong>na caderneta impressa com 16 descrições<br />

de fotos <strong>que</strong> não aparecem, de Michel Zózimo<br />

e Fernanda G<strong>as</strong>sen, o visitante precisava deixar,<br />

por escrito, a descrição de uma foto – fosse ela<br />

real, fosse fruto de sua imaginação imediata. Entre<br />

<strong>as</strong> dezen<strong>as</strong> de descrições deixad<strong>as</strong> ao lado<br />

da obra, algum<strong>as</strong> eram poétic<strong>as</strong> e engraçad<strong>as</strong>,<br />

outr<strong>as</strong> pitoresc<strong>as</strong>, pornográfic<strong>as</strong> ou oníric<strong>as</strong> e<br />

fotos: Paulo Fernando Machado<br />

também muitos escritos típicos de banheiros públicos.<br />

Tudo valia.<br />

A exposição foi realizada no Múltiplo SD, projeto<br />

portátil destinado a exposições alternativ<strong>as</strong> de<br />

obr<strong>as</strong> reprodutíveis criado em Santa Maria pelos<br />

artist<strong>as</strong> do grupo Sala Dobradiça (saladobradica.<br />

art.br), <strong>que</strong> trabalham com espaços recombinantes<br />

e obr<strong>as</strong> múltipl<strong>as</strong> e colaborativ<strong>as</strong> desde 2008.<br />

Como explica Alessandra Giovanella, integrante<br />

do grupo, “<strong>as</strong> exposições do Sala Dobradiça mantêm<br />

<strong>as</strong> noções espaciais, conceituais e constitutiv<strong>as</strong><br />

do grupo e moldam-se também pela ideia de<br />

recombinação e espaço expositivo móvel, suscetível<br />

a interferênci<strong>as</strong>, montável e itinerante”. Nesse<br />

contexto do Dobradiça, <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de Zózimo<br />

caíram como uma luva.<br />

Diferentemente do <strong>que</strong> alguns imaginam, os múltiplos<br />

não estão, necessariamente, ligados à popularização<br />

da arte. Paula Braga, curadora e doutora<br />

em filosofia pela FFLCH/USP, diz <strong>que</strong> a ideia de<br />

popularização é, até mesmo, perigosa: “Para <strong>que</strong><br />

popularizar a arte? Para <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> terem uma<br />

obra de arte do mesmo jeito <strong>que</strong> el<strong>as</strong> têm uma televisão<br />

ou um carro popular? Arte não é produto.<br />

Eu não preciso comprar para ter uma bela obra<br />

de arte”, explica. Para Paula, <strong>as</strong> galeri<strong>as</strong> <strong>que</strong> trabalham<br />

com múltiplos não optaram por eles devido<br />

ao baixo valor: “Se você começa a pensar em múltiplo<br />

para ser barato, acaba instrumentalizando<br />

a arte como produto. É múltiplo por<strong>que</strong> n<strong>as</strong>ceu<br />

múltiplo”. Zózimo tem uma fala parecida sobre o<br />

<strong>as</strong>sunto: “Os múltiplos se inserem numa camada<br />

<strong>que</strong>, como obr<strong>as</strong> tradicionais, não entrariam. M<strong>as</strong><br />

não penso na democratização como uma ideia<br />

política. Faço <strong>as</strong> publicações <strong>que</strong> gostaria de comprar<br />

e não <strong>as</strong> encontro”, observa.<br />

Saiba mais sobre múltiplos consultando o verbete<br />

relativo ao tema na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes<br />

Visuais (itaucultural.org.br/enciclopedi<strong>as</strong>).<br />

Vista da Sala Dobradiça,<br />

projeto portátil<br />

do grupo homônimo<br />

25<br />

24


CERTIDÃO DE NASCIMENTO | acabou chorare<br />

Copos de divers<strong>as</strong> cores e tamanhos, bule, panela,<br />

talheres jogados a esmo em uma superfície<br />

suja. Assim os músicos dos <strong>No</strong>vos Baianos apresentaram,<br />

há quarenta anos, a capa do álbum <strong>que</strong><br />

viria a ser sua obra-prima: Acabou Chorare, produzido<br />

por João de Araújo e Eustáquio Sena e<br />

gravado pela Som Livre.<br />

O LP de 1972 recebeu da revista Rolling Stone,<br />

em 2007, o título de Maior Álbum da Música<br />

Br<strong>as</strong>ileira de Todos os Tempos. É uma ode à<br />

alegria, percebida antes mesmo de escutar seu<br />

conteúdo, na leitura d<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> do título. Entre<br />

<strong>as</strong> curiosidades e históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> o cercam<br />

tinindo<br />

e<br />

trincando<br />

O disco Acabou Chorare, dos <strong>No</strong>vos Baianos, completa quatro décad<strong>as</strong> e continua a ostentar<br />

o título de um dos maiores álbuns br<strong>as</strong>ileiros de todos os tempos<br />

TEXTO gustavo angimahtz ILUSTRAÇÃO indio san<br />

está o fato de <strong>que</strong> seus músicos viviam em uma<br />

comunidade alternativa.<br />

À época do lançamento, dois anos após o do primeiro<br />

álbum (Ferro na Boneca), os baianos arretados<br />

– Baby Consuelo (voz), Moraes Moreira (letr<strong>as</strong><br />

e violão), Pepeu Gomes (craviola, guitarra e voz),<br />

Luiz Galvão (letr<strong>as</strong>) e Paulinho Boca de Cantor (voz)<br />

– coabitavam parte do tempo um sítio em Jacarepaguá<br />

(batizado de Recanto do Vovô) e outra parte um<br />

apartamento em Botafogo, ambos no Rio de Janeiro.<br />

Eram vistos pela sociedade como hippies estranhões.<br />

Pediam esmola n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> para pagar <strong>as</strong><br />

cont<strong>as</strong> e, quando o valor arrecadado ultrap<strong>as</strong>sava<br />

o <strong>que</strong> precisavam, doavam a qual<strong>que</strong>r cego ou bêbado<br />

<strong>que</strong> p<strong>as</strong>s<strong>as</strong>se por eles. O restante da banda,<br />

<strong>que</strong> também vivia no sítio, era formado pelo baixista<br />

Didi, pelo baterista e cavaquinista Jorginho Gomes<br />

e pelos percussionist<strong>as</strong> Baixinho e Bolacha.<br />

Quando lançou o segundo álbum, o grupo já<br />

contava com a presença de nomes como Tom<br />

Zé, <strong>que</strong> ensinou Moraes Moreira a tocar violão<br />

e o apresentou a Galvão; o pai da bossa nova<br />

João Gilberto, <strong>que</strong> os guiou na confecção da<br />

obra; e Caetano Veloso, <strong>que</strong> os recomendou à<br />

Som Livre. Posteriormente, os <strong>No</strong>vos Baianos


Só Somente Só<br />

[...]<br />

Entre o primeiro LP e este<br />

Entra João Gilberto<br />

(pausa)<br />

O dom eles já tinham<br />

Agora o som mais perto,<br />

Mais experto mais<br />

Certo<br />

[...]<br />

(Augusto dos Anjos, em poema <strong>que</strong> consta no<br />

encarte do álbum Acabou Chorare, anuncia o<br />

novo som <strong>que</strong> traria mudanç<strong>as</strong> na concepção<br />

da música popular br<strong>as</strong>ileira para sempre.)<br />

viriam a arrancar elogios de celebridades musicais,<br />

como Astor Piazzolla, Gilberto Gil, Cazuza<br />

e Jorge Mautner. Mal sabiam eles <strong>que</strong> a mistura<br />

de samba, bossa, psicodelia e rock iria enlou<strong>que</strong>cer<br />

gerações, não apen<strong>as</strong> na<strong>que</strong>le tempo,<br />

m<strong>as</strong> durante décad<strong>as</strong>.<br />

O disco traz sucessos como “Br<strong>as</strong>il Pandeiro”, de<br />

Assis Valente, sugestão de João Gilberto; “Preta<br />

Pretinha”, de lírica repetitiva e instrumentação<br />

forte e crescente; “A Menina Dança”, <strong>que</strong> m<strong>as</strong>cara<br />

crític<strong>as</strong> à ditadura na doce e ao mesmo tempo ácida<br />

voz de Baby Consuelo; “Besta É Tu”, hit atemporal<br />

usado na trilha sonora do premiado longa<br />

br<strong>as</strong>ileiro Durval Discos; e a faixa homônima<br />

“Acabou Chorare”, mais íntima à bossa nova de<br />

João Gilberto, pelo seu arranjo minimalista e introvertido.<br />

Esta última ficou por mais de 30 seman<strong>as</strong><br />

n<strong>as</strong> parad<strong>as</strong> de sucesso d<strong>as</strong> rádios de todo o<br />

país. As outr<strong>as</strong> faix<strong>as</strong> comportam-se de forma tão<br />

ou mais envenenada, em razão da mistura de timbres<br />

e da complexidade dos arranjos, como em<br />

“Tinindo, Trincando”, “Mistério do Planeta”, “Um<br />

Bilhete pra Didi” e “Swing de Campo Grande”.<br />

Um ingrediente especial da sonoridade do disco<br />

– além d<strong>as</strong> leves pitad<strong>as</strong> de bossa cuidadosamente<br />

espalhad<strong>as</strong> por todo o trabalho – é o uso da craviola.<br />

Trata-se de um instrumento de 12 cord<strong>as</strong><br />

projetado por Paulinho <strong>No</strong>gueira, de som forte e<br />

limpo. Há também a inserção de solos virtuosos<br />

de guitarra em divers<strong>as</strong> músic<strong>as</strong>, <strong>que</strong> agregaram<br />

mais peso ao som do pandeiro, do violão e<br />

da percussão, aproximando o timbre instrumental<br />

da voz aguda e alegre de Baby Consuelo. A<br />

combinação conferiu ao disco uma originalidade<br />

sonora <strong>que</strong> resiste até hoje. Em “Mistério do Planeta”,<br />

por exemplo, ritmos diversos e sincopados<br />

deságuam num solo inconfundível de guitarra.<br />

Uma d<strong>as</strong> históri<strong>as</strong> mais esotéric<strong>as</strong> entre <strong>as</strong> milhares<br />

<strong>que</strong> Acabou Chorare esconde é a da música<br />

CONTINUUM<br />

“Swing de Campo Grande”, <strong>que</strong> fala sobre invisibilidade,<br />

segundo Paulinho Boca de Cantor. A pauta<br />

da canção surgiu do encontro entre o músico e um<br />

rezador, <strong>que</strong> os orientou a “olharem para si próprios,<br />

virarem moita e virarem touca”. Acatando ao<br />

pé da letra a profilaxia do rezador, a banda p<strong>as</strong>sou<br />

cinco anos sem pagar IPVA e nunca foi pega pela<br />

ditadura, além de usar sem economia <strong>as</strong> expressões<br />

“virar moita” e “virar touca” na letra da canção.<br />

O título Acabou Chorare é um invento inocente e<br />

literalmente acidental de Izabel Gilberto de Oliveira,<br />

ou Bebel Gilberto, cantora e filha do compositor<br />

João Gilberto. Quando criança, ela caiu no chão e<br />

seu pai foi acudi-la. Para não preocupá-lo, já <strong>que</strong><br />

João estava em meio a um ensaio com os <strong>No</strong>vos<br />

Baianos, Bebel proferiu: “Não machucou, papai,<br />

acabou chorare”, misturando português, espanhol<br />

e inglês, miscelânea de idiom<strong>as</strong> possibilitada por<br />

su<strong>as</strong> viagens com o pai. Para Baby, o nome representava<br />

o fim da tristeza no cinzento regime militar.<br />

O contato com João veio por meio de Galvão, já<br />

<strong>que</strong> os dois eram conterrâneos de Juazeiro (BA) e<br />

amigos de infância. João Gilberto se tornou o padrinho<br />

do álbum – ou “produtor espiritual”, como<br />

os baianos gostavam de chamá-lo – e botou seus<br />

dedos n<strong>as</strong> composições, criou arranjos e acompanhou<br />

desde o início o projeto, a canção homônima<br />

do disco e a turnê <strong>que</strong> viria a seguir. Quando em<br />

determinado momento a polícia ameaçou prender<br />

os baianos por vadiagem, João funcionou novamente<br />

como guru e tratou de acalmar a trupe: “Não<br />

es<strong>que</strong>ntem, não. Vamos continuar o som. Vamos<br />

continuar o sonho”, disse o compositor.<br />

E no <strong>que</strong> dá misturar a calma e o silêncio de João<br />

com o frenesi de Baby Consuelo? A resposta é<br />

Acabou Chorare. Luiz Galvão conta no livro <strong>No</strong>vos<br />

e Baianos (Editora 34, 1997), de sua autoria, episódios<br />

vividos com João Gilberto, como o dia em <strong>que</strong><br />

o reviu pela primeira vez após 1961. O encontro se<br />

deu depois de qu<strong>as</strong>e uma década sem contato, ao<br />

receber uma carta endereçada ao “Luizinho” pelo<br />

próprio compositor, como conta a p<strong>as</strong>sagem do<br />

livro: “João disse-me: ‘Luizinho, nunca o es<strong>que</strong>ci.<br />

A<strong>que</strong>la carta <strong>que</strong> me escreveu [...] eu guardo até<br />

hoje. Venha às du<strong>as</strong> da madrugada <strong>que</strong> tenho um<br />

presente pra você. Preste atenção, Luizinho, ligue<br />

pra mim às cinco da tarde. Não es<strong>que</strong>ça’. Às 4 hor<strong>as</strong><br />

e 30 minutos, eu já estava na fila do orelhão, deixando<br />

<strong>que</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> fossem p<strong>as</strong>sando [...]. Aturei<br />

muito papo de empregada doméstica e operário<br />

de obra namorando [...]. Disse-me: ‘Vá descansar,<br />

temos <strong>que</strong> estar preparados. Um encontro é coisa<br />

séria. É o melhor <strong>que</strong> se pode dar a alguém”.<br />

Depois de lançado, o disco rendeu aparições em<br />

program<strong>as</strong> de televisão – <strong>que</strong> variaram de C<strong>as</strong>sino<br />

do Chacrinha e Fantástico a Ensaio –, um convite<br />

para o longa <strong>No</strong>vos Baianos F. C., encomendado<br />

por uma rede de televisão alemã, e o Prêmio de<br />

Melhor Capa do Ano, para fechar com chave de<br />

ouro a consolidação do título no hall da fama da<br />

música popular br<strong>as</strong>ileira e mundial. O livro A<br />

História dos <strong>No</strong>vos Baianos e Outros Versos (Língua<br />

Geral, 2007), de autoria de Moraes Moreira e<br />

escrito em poesia, revela detalhes curiosos:<br />

“D<strong>as</strong> terr<strong>as</strong> do Tio Sam<br />

Chegou de volta ao Br<strong>as</strong>il<br />

O grande João Gilberto,<br />

Era uma linda manhã<br />

E a notícia saiu<br />

Galvão ficou logo esperto”<br />

Moraes anuncia no trecho transcrito <strong>que</strong> o retorno<br />

do pai da bossa nova aguçou Galvão, <strong>que</strong> logo<br />

correu ao seu encontro. Em outro verso, narra o<br />

primeiro encontro:<br />

“Aconteceu o contato<br />

Num longo telefonema<br />

O papo foi animado<br />

João estava de fato<br />

Já morando em Ipanema<br />

Pois o endereço foi dado”<br />

Um terceiro trecho da obra expressa claramente<br />

a mistura de sons presente no álbum, sugestão<br />

de João Gilberto acatada por todos em diversos e<br />

animados encontros no apartamento de Botafogo:<br />

“Uma atitude ro<strong>que</strong>ira<br />

Completamente a serviço<br />

Assim como <strong>que</strong>m descamba<br />

Agora já estava inteira<br />

Centrada num compromisso<br />

Caindo de vez no samba”<br />

Os <strong>No</strong>vos Baianos são reverenciados por jovens e<br />

adultos de todo o globo terrestre, e ao apertar o play<br />

é fácil perceber o motivo de tamanha adoração. A<br />

energia <strong>que</strong> o som emana parece se transformar positivamente<br />

com o tempo e é fácil prever mais quarenta<br />

anos de <strong>vida</strong> aos já não tão novos baianos.<br />

Veja no iPad uma galeria de imagens de show em homenagem<br />

aos novos Baianos, no Festival Continuum,<br />

em dezembro.<br />

27<br />

26


Depoimento DepOimento | | gilberto gil por andré valli<strong>as</strong><br />

GEm<br />

TEXTO andré valli<strong>as</strong><br />

um dos muitos depoimentos <strong>que</strong> concedeu às vésper<strong>as</strong> de seu septuagésimo<br />

aniversário – comemorado no dia 26 de junho de 2012 –, Gilberto Gil declarou<br />

<strong>que</strong> era metade gente e metade ente. Subtraindo-se o segundo termo do<br />

primeiro, sobra a letra g: <strong>que</strong> eu tomei a liberdade de ler como representação<br />

gráfica de um “radar” (ou de um loop cibernético) para criar a identidade visual<br />

da exposição GIL70. Um símbolo perfeito para essa <strong>que</strong> eu julgo ser uma d<strong>as</strong><br />

mais dinâmic<strong>as</strong> e abrangentes personalidades criativ<strong>as</strong> n<strong>as</strong>cid<strong>as</strong> no Br<strong>as</strong>il, durante<br />

o Estado <strong>No</strong>vo de Getúlio Varg<strong>as</strong>. “Gilberto misterioso”, como foi homenageado<br />

na<strong>que</strong>le mantra readymade de Caetano Veloso, <strong>que</strong> repete à exaustão<br />

o verso do poeta romântico Sousândrade: “Gil engendra em Gil rouxinol”.<br />

Tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente em 1995, em São Paulo, para<br />

aprovar a primeira “floração” de seu website, encomendado por sua mulher<br />

de Gil<br />

O percurso criativo-afetivo<br />

trilhado por dois artist<strong>as</strong> da<br />

contemporaneidade<br />

e empresária, Flora. Ficou encantado com o abacateiro tridimensional e colorido<br />

no qual havia estruturado a navegação d<strong>as</strong> págin<strong>as</strong>, valendo-me de<br />

metáfor<strong>as</strong> <strong>que</strong> colhi de sua obra.<br />

Eram tempos austeros na world wide web e os designers eram impiedosamente<br />

patrulhados pelos engenheiros da informática, a ordenar <strong>que</strong> links fossem azuis<br />

e sublinhados e mais tant<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> da chamada “usabilidade”. Eu retornava<br />

de uma estada de oito anos na Alemanha, onde havia começado a criar poem<strong>as</strong><br />

visuais com os recursos do computador, para dar, em seguida, e já no Br<strong>as</strong>il,<br />

meus primeiros p<strong>as</strong>sos na feitura de aplicativos multimídia para CD-ROM.<br />

O site foi inaugurado em abril da<strong>que</strong>le ano com grande repercussão na mídia.<br />

Afinal, Gil era o primeiro artista de peso a fincar o pé na “infoesfera” e o<br />

foto: gerardo lazzari


esultado foi saudado como “primeiro marco criativo” da n<strong>as</strong>cente web br<strong>as</strong>ileira.<br />

<strong>Na</strong> página de abertura, uma única explicação: “Web vem de weave<br />

= tecer; Site, do latim situs = situação, posição; daí o nosso sítio, <strong>que</strong> é local,<br />

terreno e povoação; campo, roça e fazendola. Web Site (diria então Gilberto<br />

Gil) é renda(re)fazenda...”<br />

Em breve, eu estaria me mudando para o Rio de Janeiro, a fim de tocar<br />

a recém-fundada produtora de web Refazenda, <strong>que</strong> seria responsável pela<br />

entrada na internet de um grande rol de artist<strong>as</strong> da MPB: Caetano Veloso,<br />

Cazuza, Gal Costa, Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Jorge Mautner,<br />

Vinicius de Moraes, Paulo Moura, Ary Barroso, Arnaldo Antunes, Jorge Ben<br />

Jor, Titãs e Dona Ivone Lara, entre outros.<br />

O segundo desafio <strong>que</strong> Gil me lançou veio logo após a inauguração do<br />

site: a criação da capa de Quanta, disco no qual ele já trabalhava na época<br />

do nosso primeiro encontro. Ele me mostrou um desenho <strong>que</strong> havia feito a<br />

lápis num pe<strong>que</strong>no pedaço de papel-manteiga e me explicou o conceito do<br />

disco, todo centrado na relação arte e ciência. Daí surgiu a imagem final,<br />

construída num programa de desenho 3D e pacientemente modelada até<br />

ficar com a ondulação de seu gosto. Essa é, de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> cap<strong>as</strong> <strong>que</strong> vim a<br />

fazer para Gil, a única <strong>que</strong> considero um autêntico poema digital.<br />

Foram muit<strong>as</strong> <strong>as</strong> convers<strong>as</strong> <strong>que</strong> tive com ele nesses anos de convívio intermitente<br />

– porém não tant<strong>as</strong> como a extensão do tempo possa dar a entender: a<br />

agenda de Gil é inclemente. A<strong>que</strong>la <strong>que</strong> eu talvez mais tenha conservado viva<br />

em minha memória relapsa ocorreu alguns di<strong>as</strong> depois de um grave acidente<br />

aéreo em São Paulo. Falamos sobre a efemeridade da <strong>vida</strong>, e ele me disse, para<br />

grande surpresa minha, ser um devoto de <strong>No</strong>ssa Senhora da Boa Morte... Desde<br />

então, p<strong>as</strong>sei a prestar atenção especial em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> vezes <strong>que</strong> Gil aborda,<br />

em depoimentos ou canções – “Não Tenho Medo da Morte” é sem dú<strong>vida</strong><br />

o ápice até o momento –, esse tema tão pouco usual para os nossos tempos<br />

obcecados pela busca da eterna juventude.<br />

Su<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> de então me inspiraram um poema <strong>que</strong> só agora dou a público<br />

[ao lado].<br />

André Valli<strong>as</strong>, curador da exposição GIL70, é designer gráfico, poeta e produtor de<br />

mídia interativa.<br />

Visite a exposição GIL70, com obr<strong>as</strong> de Carlos Adriano, Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes,<br />

Lenora de Barros, Vivian Caccuri, Adriana Calcanhotto, Augusto de Campos, ivan Cardoso,<br />

Antonio Di<strong>as</strong>, eduardo Denne, Bené Fonteles, Lula Buar<strong>que</strong> de Hollanda, Jarb<strong>as</strong> Jácome,<br />

Gabriel Kerhart, Raul mourão, Carlos <strong>Na</strong>der, Antonio Peticov, Gualter Pupo, Omar Salomão,<br />

Daniel Scandurra, Ariane Stolfi, André Valli<strong>as</strong>, Caetano Veloso, Andrucha Waddington e<br />

Luiz Zerbini, no itaú Cultural. Saiba mais em .<br />

esboço criado por Gilberto Gil <strong>que</strong> inspirou<br />

André Valli<strong>as</strong> na concepção do álbum Quanta,<br />

considerado por este um poema visual<br />

CONTINUUM<br />

oráculo<br />

para gilberto gil<br />

circunspecto sere-<br />

lepe grilo-falante<br />

mestre/mole<strong>que</strong><br />

seus olhos<br />

calam(ex)clamam<br />

a alegria salobra<br />

dos q sabem<br />

q a arte<br />

está para a <strong>vida</strong><br />

como <strong>as</strong> ond<strong>as</strong><br />

para o oceano<br />

q os gritos<br />

do santo-<br />

guerreiro soam<br />

sim nos ouvidos<br />

do destino<br />

m<strong>as</strong> não acalmam<br />

o seu tear<br />

o cantochão<br />

da<strong>que</strong>les<br />

q oram<br />

[memento<br />

mori (a)moroso]<br />

pela boa<br />

hora<br />

quiçá<br />

28 29


perfil | irandhir santos<br />

Ganhar<br />

o mundo<br />

para voltar ao<br />

mesmo lugar<br />

Conheça, em dez cen<strong>as</strong>, os caminhos <strong>que</strong> levaram o ator Irandhir<br />

Santos a participar de alguns dos filmes mais importantes da<br />

atual safra do cinema br<strong>as</strong>ileiro<br />

TEXTO mariana lacerda FOTOS ricardo lab<strong>as</strong>tier<br />

1ª cena – clodoaldo<br />

Clodoaldo é segurança de rua em um bairro de<br />

cl<strong>as</strong>se média do Recife. Seu trabalho é comum em<br />

metrópoles br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>. Esses profissionais cobram<br />

da vizinhança algum valor, qual<strong>que</strong>r valor, para<br />

ficar atentos à movimentação n<strong>as</strong> redondez<strong>as</strong> de<br />

c<strong>as</strong><strong>as</strong> e edifícios. Sabem o horário de chegada e de<br />

saída de cada morador, observam os conflitos e <strong>as</strong><br />

form<strong>as</strong> de viver de todos nós. Clodoaldo é o protagonista<br />

do filme O Som ao Redor, interpretado<br />

pelo ator pernambucano Irandhir Santos. Atualmente,<br />

seu rosto e gestos estão n<strong>as</strong> tel<strong>as</strong> do mundo.<br />

Escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho em<br />

2010, o longa ganhou prêmios de Melhor Filme<br />

em festivais importantes no Br<strong>as</strong>il, como os do<br />

Rio de Janeiro e de Gramado, além da Mostra Internacional<br />

de Cinema de São Paulo, em novembro.<br />

Foi ainda premiado em festivais da Holanda,<br />

da Sérvia e da Polônia.<br />

“Foi um personagem difícil de fazer por ser<br />

muito contido. Ele tinha de esconder algo, uma<br />

força. E naturalmente eu gosto do trabalho<br />

expansivo. Havia momentos silenciosos, de<br />

ações simples como caminhar. Para isso, tinha<br />

textos mentais <strong>que</strong> só eu e meu caderninho de<br />

anotações conhecemos. São os pensamentos<br />

<strong>que</strong> o personagem tem enquanto executa gestos<br />

triviais”, conta Irandhir.<br />

2ª cena – lugares<br />

O ator está construindo o personagem <strong>que</strong><br />

fará no filme Obra, de Gregório Graziosi. Será<br />

o seu 17 o longa-metragem desde 2005, quando<br />

estreou em Cinema, Aspirin<strong>as</strong> e Urubus, de<br />

Marcelo Gomes. As filmagens estão previst<strong>as</strong><br />

para janeiro de 2013. “É sobre um arquiteto e<br />

sua relação com diferentes camad<strong>as</strong> da memória<br />

da cidade de São Paulo, <strong>que</strong> subitamente<br />

emergem e afetam o presente”, diz o<br />

diretor. O personagem de Irandhir é O Arquiteto.<br />

Para ir ao seu encontro, ele está lendo<br />

Não-Lugares (Papirus, 1994), do antropólogo<br />

francês Marc Augé.<br />

3ª cena – cadernos<br />

Pensamentos, desenhos, p<strong>as</strong>sagens de textos<br />

literários e filosóficos (como os de Marc Augé),<br />

fotografi<strong>as</strong>, convers<strong>as</strong>. Sempre <strong>que</strong> está construindo<br />

um personagem, Irandhir leva consigo<br />

um pe<strong>que</strong>no caderno, estreito e com espiral –<br />

em um formato elaborado por ele, encadernado<br />

em papelaria. Ali, anota pensamentos ora seus,<br />

ora do personagem. Sequênci<strong>as</strong> recortad<strong>as</strong> do<br />

roteiro são colad<strong>as</strong>, post<strong>as</strong> lado a lado. “Trata-se<br />

de um elo entre mim, o personagem e o roteiro”,<br />

diz. Depois d<strong>as</strong> filmagens, “os caderninhos”,<br />

como ele diz, vão parar na estante. As memóri<strong>as</strong><br />

ali contid<strong>as</strong> podem ser v<strong>as</strong>culhad<strong>as</strong> a qual<strong>que</strong>r<br />

momento.


4ª cena – clécio<br />

Corta para Tatuagem. A narrativa ocorre em<br />

1978, m<strong>as</strong> não se trata de um filme de época. O<br />

argumento remete ao teatro/evento chamado<br />

Vivencial Diversiones, plantado em uma área de<br />

mangue entre o Recife e Olinda. Ali, experiênci<strong>as</strong><br />

teatrais e musicais abriam uma fenda lúdica no<br />

regime militar. O Diversiones foi a referência do<br />

roteirista Hilton Lacerda para construir, em Tatuagem<br />

– seu primeiro trabalho como diretor –, o<br />

Chão de Estrel<strong>as</strong> – liderado por Clécio. “Não escrevi<br />

o personagem para Irandhir. M<strong>as</strong> pensava,<br />

enquanto escrevia, em seu arco físico e dramático”,<br />

diz. As discussões sobre gênero, autoridade,<br />

resistência, sexualidade e <strong>as</strong> divers<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de<br />

amar estão na obra. “O trabalho mostrou sua coragem<br />

como ator m<strong>as</strong>, antes, como ser político.<br />

Quando ele abraça Clécio, entende politicamente<br />

o <strong>que</strong> o personagem representa”, conclui.<br />

5ª cena – descoberta<br />

Por muito tempo Irandhir pensou <strong>que</strong> cinema seria<br />

para ele algo intangível. Seu primeiro contato<br />

com essa arte foi no Cinema da Fundação, sala<br />

<strong>que</strong> fre<strong>que</strong>nta <strong>as</strong>siduamente na capital pernambucana,<br />

<strong>que</strong> <strong>as</strong>sistiu ao curta-metragem Soneto<br />

de um Desmantelo Blue (1993), de Cláudio Assis.<br />

<strong>Na</strong> tela, viu uma projeção <strong>que</strong> falava uma língua<br />

com seu mesmo sota<strong>que</strong> e se situava na cidade<br />

onde ele vivia. Tudo mudou para o ator. O encontro<br />

com Cláudio Assis se deu nos testes de<br />

elenco para Baixio d<strong>as</strong> Best<strong>as</strong> (2006). Irandhir foi<br />

escalado para fazer Maninho. Com o papel, ganhou<br />

o Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no<br />

Festival de Br<strong>as</strong>ília.<br />

6ª cena – generosidade<br />

O cine<strong>as</strong>ta Leonardo Lacca, <strong>que</strong> em junho de<br />

2012 dirigiu o ator no filme Permanência (em<br />

montagem), diz <strong>que</strong> a generosidade de Irandhir<br />

transcende os limites da atuação. “Em cinema,<br />

cada um trabalha em seu quadrado. Quem faz<br />

foto está vendo a luz, por exemplo. Irandhir transpõe<br />

seus limites e consegue, com pe<strong>que</strong>nos gestos,<br />

no meio da cena, ajudar na captação de som<br />

e da fotografia e no trabalho de todos.”<br />

7ª cena – Poeta<br />

“Aprendi fazendo”, diz Irandhir sobre como o<br />

cinema entrou na sua <strong>vida</strong> profissional. “Esse<br />

sentimento encontrou sua expressão máxima<br />

nos trabalhos <strong>que</strong> desenvolvi ao lado de Hilton<br />

Lacerda.” Em Febre do Rato (2012), de Cláudio<br />

Assis, seu personagem recita poem<strong>as</strong>, todos escritos<br />

pelo roteirista.<br />

Irandhir conta <strong>que</strong> não estava conseguindo fazer<br />

com <strong>que</strong> cada poesia fosse sua, a ponto de<br />

recitá-l<strong>as</strong> com a carga emotiva <strong>que</strong> <strong>as</strong> cen<strong>as</strong> e os<br />

personagem tinham. Em uma tarde no “quintal”,<br />

cenário principal da narrativa, Hilton explicou ao<br />

ator o contexto de criação de cada um de seus<br />

poem<strong>as</strong>. “Entendi para <strong>que</strong>m eram a<strong>que</strong>l<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>,<br />

em <strong>que</strong> momentos foram escrit<strong>as</strong> e o real significado<br />

de cada uma del<strong>as</strong>.” <strong>Na</strong>sceu <strong>as</strong>sim o Poeta<br />

– ou Zizo. Com ele, Irandhir ganhou o Prêmio de<br />

Melhor Ator no Festival de Paulínia, em 2011.<br />

CONTINUUM<br />

8ª cena – escola<br />

Quando adolescente, Irandhir estudava em uma<br />

escola pública em Limoeiro, distante 80 quilômetros<br />

do Recife, no agreste de Pernambuco. <strong>Na</strong>s<br />

aul<strong>as</strong> de português e literatura, precisava recitar<br />

e encenar textos. Foi quando percebeu <strong>que</strong> gostava<br />

em especial dess<strong>as</strong> ati<strong>vida</strong>des. As apresentações<br />

tornaram-se cada vez mais elaborad<strong>as</strong>.<br />

<strong>Na</strong>scia o teatro em sua <strong>vida</strong>.<br />

Seu pai, hoje aposentado, era funcionário do Banco<br />

do Br<strong>as</strong>il, por isso, a cada dois anos, a família<br />

tinha de se deslocar de cidade. A preferência era<br />

sempre estar próximo de Limoeiro, onde Irandhir<br />

n<strong>as</strong>ceu, numa c<strong>as</strong>a com irmã e irmão, além de um<br />

tio de idade similar.<br />

Em busca de uma formação melhor para os filhos,<br />

o pai os matriculou em uma escola particular de<br />

Limoeiro. As aul<strong>as</strong> de literatura <strong>que</strong> despertaram<br />

o talento do menino foram deixad<strong>as</strong> para trás. <strong>No</strong><br />

novo colégio, ele articulou grupos <strong>que</strong> ensaiavam<br />

e se apresentavam em dat<strong>as</strong> comemorativ<strong>as</strong>.<br />

9ª cena – estreia<br />

A metrópole era o destino natural para <strong>que</strong>m<br />

<strong>que</strong>ria ingressar na universidade. Em uma escola<br />

grande do Recife, Irandhir começou a se preparar<br />

para o vestibular. <strong>Na</strong> época, sua professora de<br />

literatura, Goretti, o apresentou ao estudante de<br />

arquitetura <strong>que</strong> trabalhava no Grupo Serafin de<br />

Teatro. Ele juntou-se à trupe e estreou nos <strong>palco</strong>s<br />

em 1996, na peça Liberdade, Liberdade, de André<br />

Cavendish. Formou-se em artes cênic<strong>as</strong> na UFPE.<br />

10ª cena – início<br />

O trabalho se encerra quando projetado na tela de<br />

cinema? “O filme continua nos comentários <strong>que</strong><br />

recebo de amigos, coleg<strong>as</strong> e desconhecidos. Para<br />

cada pessoa, o resultado ressoa de forma diferente<br />

e isso me interessa muito.” O elo enfim se fecha,<br />

conta Irandhir, quando ele volta à c<strong>as</strong>a de seus<br />

pais, em Limoeiro. E, então, sentado em uma cadeira<br />

na calçada em frente da c<strong>as</strong>a, com os irmãos,<br />

o pai e a mãe, e vendo o movimento da rua e d<strong>as</strong><br />

su<strong>as</strong> dez sobrinh<strong>as</strong> (sim, tod<strong>as</strong> menin<strong>as</strong>!), o mundo<br />

volta ao ponto exato onde tudo começou.<br />

Por muito tempo, Irandhir pensou <strong>que</strong><br />

o cinema seria intangível para ele. Hoje,<br />

seu rosto está n<strong>as</strong> tel<strong>as</strong> do mundo<br />

31<br />

30


Reportagem | arte pública<br />

está<br />

a mudança<br />

TEXTO duda porto de souza FOTOS divulgação<br />

<strong>No</strong>s últimos 15 anos, a arte pública firmou-se<br />

como uma d<strong>as</strong> mais vigoros<strong>as</strong> linguagens artístic<strong>as</strong><br />

por meio de trabalhos em grande escala de<br />

nomes como o do americano Jeff Koons e do indiano<br />

Anish Kapoor. M<strong>as</strong> só mais recentemente<br />

é <strong>que</strong> o mercado da arte p<strong>as</strong>sou a se dar conta<br />

da relação entre <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> instalad<strong>as</strong> em espaços<br />

urbanos e a economia d<strong>as</strong> cidades.<br />

O projeto da escultura Train, de Koons, estimado<br />

em 25 milhões de dólares (cerca de 50 milhões<br />

de reais), é um exemplo disso. Trata-se<br />

de uma réplica em tamanho real de uma locomotiva<br />

a vapor suspensa verticalmente por um<br />

guind<strong>as</strong>te. Concebida em 2003, a obra não tem<br />

data prevista para a instalação, de acordo com a<br />

equipe do artista, em razão da falta de financiamento.<br />

A expectativa para <strong>que</strong> ela saia do papel,<br />

no entanto, permanece alta. Atualmente, o<br />

Los Angeles County Museum of Art (Lacma) e<br />

a organização Friends of the High Line (par<strong>que</strong><br />

Como a arte pública pode potencializar a eco-<br />

nomia d<strong>as</strong> cidades<br />

n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong><br />

suspenso nova-iorquino) disputam para seus espaços<br />

a instalação do projeto, e também conversam<br />

sobre a possibilidade de ambos abrigarem<br />

a mesma versão da obra.<br />

O fato é <strong>que</strong> apen<strong>as</strong> a perspectiva de exibir a instalação<br />

de Koons a céu aberto e aumentar ainda<br />

mais o potencial de atração turística dos locais<br />

já mexe na economia dess<strong>as</strong> cidades e dos Estados<br />

Unidos como um todo. “Amigos de diferentes<br />

cantos do mundo me dizem <strong>que</strong>, <strong>as</strong>sim <strong>que</strong> o<br />

projeto for instalado, vão comprar p<strong>as</strong>sagem para<br />

vir para cá só para vê-lo de perto, e não por fotos”,<br />

diz Alexandre Tutundjian, publicitário br<strong>as</strong>ileiro<br />

radicado em <strong>No</strong>va York.<br />

Para Marcello Dant<strong>as</strong>, “a arte pública é um investimento<br />

na economia local e na capacitação técnica e<br />

de criati<strong>vida</strong>de inovadora da sociedade”. O curador<br />

é responsável por alguns dos projetos mais bem-sucedidos<br />

desse segmento, como a exposição d<strong>as</strong><br />

escultur<strong>as</strong> do britânico Antony Gormley em São<br />

Paulo, Rio de Janeiro e Br<strong>as</strong>ília, em 2012, e o evento<br />

OiR – Outr<strong>as</strong> Idei<strong>as</strong> para o Rio, <strong>que</strong> vai promover intervenções<br />

artístic<strong>as</strong> inédit<strong>as</strong> em cartões-postais da<br />

capital fluminense até a Olimpíada de 2016. Entre<br />

os artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> já participaram dessa ação estão os<br />

ingleses Andy Goldsworthy e Brian Eno, o espanhol<br />

Jaume Plensa, o norte-americano Robert Morris, o<br />

japonês Ryoji Ikeda e o br<strong>as</strong>ileiro Henri<strong>que</strong> Oliveira.<br />

“Tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> dos projetos <strong>que</strong> temos feito são<br />

construíd<strong>as</strong>, desenvol<strong>vida</strong>s e implementad<strong>as</strong> no<br />

Br<strong>as</strong>il com soluções locais ou com soluções integrad<strong>as</strong><br />

entre experts estrangeiros e técnicos br<strong>as</strong>ileiros”,<br />

explica Dant<strong>as</strong>. O curador afirma <strong>que</strong> qu<strong>as</strong>e<br />

a totalidade dos recursos é empregada de volta<br />

no setor de serviços e provoca um aprimoramento<br />

técnico de fornecedores, artesãos e equipes. “OiR<br />

trouxe um retorno de mídia para o Rio 30 vezes<br />

superior ao investimento do projeto. As imagens<br />

d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de Gormley, por sua vez, colaboraram


Detalhe da obra Carruagem,<br />

de Eduardo Srur, na Marginal<br />

Pinheiros, São Paulo<br />

para a percepção de <strong>que</strong> o Br<strong>as</strong>il é um forte mercado<br />

para <strong>as</strong> artes, o <strong>que</strong> pode ser comprovado com<br />

<strong>as</strong> futur<strong>as</strong> instalações de galeri<strong>as</strong> como a White<br />

Cube e a Gagosian no país”, complementa.<br />

eSPeCULaÇÃO e geNTRIFICaÇÃO<br />

O exemplo carioca tem ressonância também<br />

em São Paulo. Um dos artist<strong>as</strong> mais atuantes no<br />

cenário br<strong>as</strong>ileiro da arte pública, o paulistano<br />

Eduardo Srur expôs, entre setembro e outubro<br />

p<strong>as</strong>sados, a obra Carruagem, <strong>que</strong> <strong>que</strong>stionava<br />

os problem<strong>as</strong> de mobilidade urbana na capital<br />

paulista. Segundo informações obtid<strong>as</strong> no site<br />

do artista, a intervenção consistia em uma réplica<br />

de carruagem e quatro cavalos esculpidos em<br />

escala real, instalada no m<strong>as</strong>tro da ponte estaiada<br />

da Marginal Pinheiros, a 30 metros de altura.<br />

A obra comparava a velocidade média de deslocamento<br />

de um carro no trânsito paulistano no<br />

horário de pico e a velocidade de uma carruagem<br />

CONTINUUM<br />

nos tempos do Império. Ambos movimentam-se<br />

lentos a 20 quilômetros por hora. “A carruagem<br />

é um símbolo mais adequado para representar a<br />

mobilidade n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> da cidade”, declarou o artista<br />

em sua página. Ao se apropriar da arquitetura<br />

de um cartão-postal contemporâneo da metrópole<br />

Srur deu ainda mais voz à sua obra.<br />

O curador Felipe Brait, responsável por outro projeto<br />

de sucesso nesse segmento, o URBE – Mostra<br />

de Arte Pública, ao lado dos coleg<strong>as</strong> Alessandra<br />

Marder e Júlia Clemente, avalia <strong>que</strong> é importante<br />

entender <strong>que</strong> a relação da arte com o espaço público<br />

muit<strong>as</strong> vezes serve como porta-voz ou deflagradora<br />

de determinado contexto dentro de uma<br />

cidade, como a especulação imobiliária ou processos<br />

de gentrificação, quando populações de baixa<br />

renda acabam deixando cert<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam<br />

a ser muito valorizad<strong>as</strong>.<br />

Para Alessandra, “a implantação de projetos de<br />

arte pública n<strong>as</strong> grandes cidades p<strong>as</strong>sa a ter extrema<br />

relevância nos di<strong>as</strong> de hoje, pois, a partir<br />

do momento em <strong>que</strong> uma obra intervém na paisagem<br />

e no cotidiano, ela suscita um novo olhar<br />

e, conse<strong>que</strong>ntemente, um novo pensamento sobre<br />

o espaço <strong>que</strong> ocupa”. Ela acredita <strong>que</strong> “a partir<br />

disso muita coisa pode ser mudada, inclusive<br />

o contexto econômico da região, <strong>que</strong> tanto pode<br />

p<strong>as</strong>sar por uma revitalização impulsionada pela<br />

presença permanente da obra como pode atrair<br />

público temporariamente para o entorno, fomentando<br />

o comércio local”, completa.<br />

Já a artista paulistana Laura Vinci avalia <strong>que</strong> a<br />

cidade falha justamente por não ter uma política<br />

mais arrojada <strong>que</strong> envolva projetos urbanísticos e<br />

artísticos agregadores e permanentes. “O incentivo<br />

à arte pública é uma maneira de incrementar<br />

essa política. M<strong>as</strong> seria muito bom se ele fosse<br />

articulado com uma ação maior”, acredita Laura,<br />

<strong>que</strong> realizou a instalação Clara Clara (2006-2007)<br />

no centro da capital, como parte do edital Arte<br />

na Cidade, apropriando-se da iluminação pública<br />

para dar <strong>vida</strong> à obra. “Houve uma integração<br />

muito grande com os pe<strong>que</strong>nos comerciantes”,<br />

conta. “Os fre<strong>que</strong>ntadores da região se sentiram<br />

valorizados por a<strong>que</strong>la ação”, resume.<br />

“aRTe PúbLICa é Um INveSTImeNTO <strong>Na</strong><br />

eCONOmIa LOCaL e <strong>Na</strong> CaPaCITaÇÃO<br />

TéCNICa e de CRIaTIvIdade<br />

INOvadORa da SOCIedade.”<br />

marcello dant<strong>as</strong><br />

Detalhe da instalação<br />

Clara Clara, da artista<br />

Laura Vinci<br />

33<br />

32


RESENHA | lançamentos musicais<br />

Unidos pelos e x<br />

Um foi “obrigado” a aprender e a viver de música desde cedo; o outro, filho de pai artista, foi<br />

incentivado a buscar uma <strong>vida</strong> melhor. Não teve jeito e, com o tempo, ambos afloraram e<br />

afirmaram seus talentos musicais. Conheça um pouco sobre dois lançamentos do segundo<br />

semestre, um capixaba e outro carioca, <strong>que</strong> merecem a sua atenção<br />

TEXTO pedro henri<strong>que</strong> frança FOTOS divulgação<br />

A Claridão de SilvA<br />

Lúcio Silva deve à dona Letir, sua mãe e professora de música,<br />

o fato de hoje, aos 24 anos, ir atrás do seu ganha-pão<br />

por meio da arte. <strong>Na</strong>scido em Vitória, foi conduzido por ela,<br />

desde garoto, às aul<strong>as</strong> de musicalização. Também teve o<br />

empurrão do tio – com o qual dividia o mesmo teto –, um<br />

pianista <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sava o dia estudando Chopin. “Não foi<br />

uma escolha [ser músico], foi meio <strong>que</strong> uma obrigação”,<br />

brinca ele, <strong>que</strong> a princípio se dedicou ao violino.<br />

Os ensinamentos musicais, <strong>que</strong> transitavam entre o<br />

erudito, a MPB e a bossa nova, ganharam ainda doses do<br />

universo pop rock dos anos 1990, de outros ícones de<br />

sua adolescência e do rock’n’roll <strong>que</strong> ecoava no quarto<br />

do irmão, Luc<strong>as</strong>, seis anos mais velho. Cois<strong>as</strong>, Silva diz,<br />

dos tempos rebeldes e de afirmação. “Eu não falava <strong>que</strong><br />

tocava violino, por<strong>que</strong> ninguém entenderia.”<br />

Encerrado o colegial, pôde se afirmar. O violino seguiu<br />

com ele rumo ao ensino superior e, entreatos, o músico<br />

p<strong>as</strong>sou a produzir trabalhos de amigos. Eis <strong>que</strong> veio a<br />

vontade de ir para o exterior. E Silva foi parar na Irlanda.<br />

Andou com “uma turma bem doida, uns ripong<strong>as</strong>, músicos<br />

de rua”, <strong>que</strong>, <strong>as</strong>sim como ele, viviam d<strong>as</strong> moed<strong>as</strong><br />

<strong>que</strong> ganhavam.<br />

As composições, <strong>que</strong> haviam começado antes do intercâmbio<br />

cultural, ganharam, em su<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, maturidade,<br />

malícia e a “veia literária” do irmão, <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sou a ajudá-lo<br />

com <strong>as</strong> letr<strong>as</strong>. “As canções ficaram menos pieg<strong>as</strong>, pois<br />

acho <strong>que</strong> comecei a enxergar a música de maneira menos<br />

romântica”, afirma. Seis anos depois, o período de pouco<br />

mais de um ano em terreno irlandês ainda está impregnado<br />

em Silva, como revela seu álbum de estreia, Claridão.<br />

A singela canção <strong>que</strong> fecha o disco, “A Visita”, por exemplo,<br />

p<strong>as</strong>saria facilmente por ouvidos mais desatentos<br />

como um recente single de uma dess<strong>as</strong> band<strong>as</strong> nov<strong>as</strong><br />

ingles<strong>as</strong> com ares de Leste Europeu. E também tem<br />

muito de su<strong>as</strong> influênci<strong>as</strong> de música eletrônica, outro<br />

gênero b<strong>as</strong>tante forte por lá. “Estava ouvindo muito house<br />

na época”, diz. M<strong>as</strong> há <strong>que</strong>m veja, no entanto, um quê<br />

de Guilherme Arantes – o <strong>que</strong> não é um equívoco. “Curioso<br />

é <strong>que</strong> eu nem tive contato com a música dele. M<strong>as</strong><br />

baixei alguns CDs para conhecer e vi <strong>que</strong> realmente tem<br />

alguma coisa parecida.”<br />

Nesse balaio de indefinições, Claridão originou um trabalho<br />

refinadíssimo e ganha lugar entre os desta<strong>que</strong>s de<br />

2012. Outr<strong>as</strong> músic<strong>as</strong> do CD endossam a afinada parce-<br />

O capixaba Silva aposta na<br />

simplicidade até em sua<br />

<strong>as</strong>sinatura artística<br />

ria musical entre irmãos, <strong>que</strong> se repete, aliás, no <strong>palco</strong>,<br />

em duo. Merecem atenção “Cansei” (“Cansei de ser eu<br />

mesmo, me deixa ser você”) e “2012” (“O fim do mundo<br />

eu vi dessa sacada, m<strong>as</strong> em hora alguma eu quis pular”).<br />

O repertório apurado instiga o <strong>que</strong>stionamento da escolha<br />

de “Silva”, um dos sobrenomes mais populares do<br />

país, para representá-lo. Ele ri. Lamenta como é “difícil de<br />

achar no Google, né?”. E é mesmo. Ele, então, explica: “Eu<br />

não <strong>que</strong>ria usar o nome todo. Pensei em títulos de projeto,<br />

m<strong>as</strong> ou ficava muito pretensioso ou muito diferente<br />

da minha personalidade. Vi <strong>que</strong> não tinha nenhum “Silva”<br />

usado como nome artístico e deixei. Foi uma surpresa a<br />

gravadora [Slap] ter gostado”.<br />

Em f<strong>as</strong>e de aprovação nos <strong>palco</strong>s – já lançou o trabalho<br />

em sua cidade natal, no Rio de Janeiro e em São Paulo<br />

–, Silva traz expectativ<strong>as</strong> modest<strong>as</strong>, apesar d<strong>as</strong> crític<strong>as</strong><br />

positiv<strong>as</strong>. “Essa <strong>que</strong>stão ainda é nublada, não faço<br />

ideia do <strong>que</strong> esse projeto vai virar. Eu já estou bem feliz,<br />

por<strong>que</strong> não esperava nada. Agora estou me formando<br />

como violinista e, se não for com esse projeto, de qual<strong>que</strong>r<br />

forma a música será o meu sustento.” Disso dona<br />

Letir já tinha certeza.


t r e m o s<br />

O PlaCebo de JOãO<br />

Ser filho de Lenine, um dos mais respeitados músicos<br />

do país, nem sempre foi sinônimo de <strong>vida</strong> estável. João<br />

Cavalcanti, 32 anos, primogênito da prole de três (sendo<br />

ele do primeiro c<strong>as</strong>amento), viveu tempos de vac<strong>as</strong><br />

magr<strong>as</strong>. E, ao contrário dos irmãos Bruno e Bernardo,<br />

despertou tarde para a música, já na época em <strong>que</strong> fazia<br />

faculdade de jornalismo. “Vi muito de perto o meu pai<br />

dando murro em ponta de faca, fazendo show para pouca<br />

gente. Então, naturalmente, ele não foi um entusi<strong>as</strong>ta<br />

de primeira hora para a minha carreira de músico.”<br />

Não foi apen<strong>as</strong> a projeção da estabilidade financeira <strong>que</strong><br />

af<strong>as</strong>tou João da música por um tempo. Afinal, conforme<br />

ele crescia, o jogo virava. Em 1992, Lenine lançou Olho<br />

de Peixe e, desde então, estabeleceu de vez um lugar de<br />

desta<strong>que</strong> no mercado fonográfico.<br />

Se a maré não estava a favor, quando deu peixe também<br />

não ajudou. “O tamanho <strong>que</strong> ele tem diante do sol é gran-<br />

CONTINUUM<br />

de e a sombra é sempre um pouco <strong>as</strong>sustadora. Ao mesmo<br />

tempo <strong>que</strong> é um facilitador – na <strong>que</strong>stão do acesso<br />

aos músicos, por exemplo – , ser filho do Lenine também<br />

é um complicador íntimo”, conta.<br />

Os tempos p<strong>as</strong>saram e João até se dedicou ao jornalismo,<br />

m<strong>as</strong> não teve jeito: a veia musical falou mais alto.<br />

De rod<strong>as</strong> e batu<strong>que</strong>s ali e acolá, juntou amigos, montou<br />

o grupo C<strong>as</strong>uarina, pôde se “debruçar sobre o samba”<br />

e reocupou a Lapa com outros artist<strong>as</strong> – como Teresa<br />

Cristina –, <strong>que</strong> protagonizaram o ren<strong>as</strong>cimento do bairro<br />

boêmio carioca, por anos es<strong>que</strong>cido.<br />

Sua formação musical, entretanto, navega por outros<br />

mares, como ele faz <strong>que</strong>stão de lembrar: Be<strong>as</strong>tie Boys,<br />

The Police, Tom Zé, Jackson do Pandeiro, Radiohead e<br />

Björk. Por isso, não é de total estranhamento o fato de ele<br />

– após dez anos de C<strong>as</strong>uarina – p<strong>as</strong>sar a surfar em outr<strong>as</strong><br />

ond<strong>as</strong>. Placebo, seu primeiro álbum solo, é a da vez.<br />

Do C<strong>as</strong>uarina para a carreira solo,<br />

João Cavalcanti ganha espaço descolando-se<br />

da paternidade famosa<br />

Produzido pelo experiente Plínio Profeta, João coloca<br />

tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> influênci<strong>as</strong> – somad<strong>as</strong> ao tango, ao fado<br />

e à música eletrônica – no liquidificador. A faixa <strong>que</strong> dá<br />

nome ao trabalho é justamente o único samba de, como<br />

ele diz, “um disco de não samb<strong>as</strong>”. Há ainda uma “marchinha”<br />

<strong>que</strong> encerra o álbum: a deliciosa “Frevo do Contra<br />

Êxodo”. “Não foi uma necessidade [fazer um trabalho<br />

solo], foi uma urgência. Eu sempre fui muito de escrever,<br />

sou jornalista formado, e o C<strong>as</strong>uarina tem um escopo<br />

restrito, uma vocação para o samba, e eu <strong>que</strong>ria tentar<br />

outros jeitos, outros parceiros.”<br />

Chamado por Pedro Luís de “o cinema de João”, o disco<br />

apresenta um recorte de imagens de seu pluriverso auxiliado<br />

por Plínio Profeta, <strong>que</strong> <strong>as</strong>sina, aliás, a trilha de filmes<br />

como O Palhaço. Roteiro? Só se fosse um dos mais<br />

doidos de Michel Gondry, no qual caberiam bem canções<br />

como “Binário”. Se há algo <strong>que</strong> não existe nesse placebo<br />

é narrativa. “O disco é voluntariamente heterogêneo; não<br />

teve nenhuma preocupação com coesão. Quando eu e<br />

o Plínio percebíamos <strong>que</strong> ele estava caminhando mais<br />

para um lado, radicalizávamos na ordem para excluir<br />

qual<strong>que</strong>r encadeamento lógico”, explica.<br />

Veterano dos <strong>palco</strong>s, João se lançou solo em show recente<br />

no Studio RJ. Em sua primeira apresentação, mesmo<br />

cercado de amigos e da família, sentiu-se nu. “Estava<br />

desarmado, sem nenhum instrumento, muito ansioso e<br />

com medo. A gente tem pudor de usar essa palavra, m<strong>as</strong><br />

eu estava com medo”, <strong>as</strong>sume. Anseios de marinheiro<br />

de “primeira viagem”. Ao apagar d<strong>as</strong> luzes, saiu <strong>que</strong>rendo<br />

mais e <strong>as</strong>sim será. Em dezembro de 2012, ainda se<br />

apresenta em São Paulo e em Belo Horizonte, se tudo<br />

der certo. Em 2013, reveza-se entre a estrada solitária e<br />

a coletiva, com os amigos do C<strong>as</strong>uarina, <strong>que</strong> lançam CD<br />

e DVD comemorativo de uma década de trajetória. “As<br />

pesso<strong>as</strong> têm um pouco de dificuldade em entender, m<strong>as</strong><br />

uma coisa não se opõe à outra. Meu trabalho com o C<strong>as</strong>uarina<br />

é complementar.”<br />

34 35


Reportagem ReportagEM | literatura latino-americana<br />

TEXTO fernanda de almeida ILUSTRAÇÃO pupill<strong>as</strong><br />

Quando Mario Varg<strong>as</strong> Llosa ganhou o <strong>No</strong>bel<br />

de Literatura, em 2010, ficou evidente <strong>que</strong> a literatura<br />

latino-americana estava voltando a ter<br />

espaço no mercado mundial. Antes disso, o momento<br />

mais importante foi o boom, na década<br />

de 1960, quando se apostou no estilo <strong>que</strong> ficou<br />

consagrado como realismo mágico ou realismo<br />

fantástico. De lá para cá, a principal semelhança<br />

é a retomada do crescimento d<strong>as</strong> traduções<br />

e vend<strong>as</strong> no exterior. Já a grande diferença,<br />

entre outr<strong>as</strong> muit<strong>as</strong>, é <strong>que</strong> no contexto atual a<br />

literatura <strong>que</strong> tem ganhado espaço consegue<br />

mostrar os países latino-americanos sem mistificação<br />

ou exotismo. Há uma gama de estilos<br />

e autores como o já citado Varg<strong>as</strong> Llosa, além<br />

do chileno Roberto Bolaño, do mexicano Mario<br />

Bellatin, do argentino César Aira e do cubano<br />

Carlos Alberto Aguilera, entre outros.<br />

Se durante o boom o olhar do mundo se voltou<br />

para a América Latina em busca de uma<br />

produção diferenciada – e por isso o interesse<br />

enorme no exótico e no <strong>que</strong> se distinguia da<br />

<strong>vida</strong> europeia –, o <strong>que</strong> se vê hoje na literatura<br />

da região exportada é um universo mais próximo<br />

do leitor comum, <strong>que</strong> <strong>que</strong>stiona a <strong>vida</strong> urbana,<br />

os problem<strong>as</strong> gerados pela convivência<br />

em sociedade e <strong>as</strong> disparidades polític<strong>as</strong> e econômic<strong>as</strong>.<br />

O espaço <strong>que</strong> se abre para essa literatura<br />

contempla uma diversidade maior <strong>que</strong><br />

deixa<br />

MACONDO<br />

inclui autoficção, metalinguagem, romance<br />

histórico, novela filosófica, microconto. “Acredito<br />

<strong>que</strong> o momento atual e o boom são extremamente<br />

diferentes. Talvez o paralelo possível<br />

seja o aumento d<strong>as</strong> vend<strong>as</strong> e do interesse do<br />

mercado editorial, m<strong>as</strong> não quanto ao estilo<br />

e à qualidade d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> produzid<strong>as</strong>”, defende<br />

Samuel Leon, criador e editor da Iluminur<strong>as</strong>.<br />

O intercâmbio entre produções da América<br />

Latina e, principalmente, dos Estados Unidos e<br />

da Europa está diretamente relacionado com o<br />

crescimento do mercado editorial latino-americano.<br />

“Tenho a impressão de <strong>que</strong> a aproximação<br />

cultural segue um movimento mais amplo,<br />

para além d<strong>as</strong> editor<strong>as</strong>. Há mais convênios<br />

universitários entre países latinos, festivais,<br />

congressos, eventos <strong>que</strong> promovem uma circulação<br />

inédita pelo continente. A adoção do<br />

ensino do espanhol se tornou mais fre<strong>que</strong>nte<br />

no ensino médio, o <strong>que</strong> criou uma demanda<br />

imediata por profissionais familiarizados com<br />

a literatura de língua hispânica”, diz Florencia<br />

Ferrari, diretora editorial da Cosac <strong>Na</strong>ify. Para<br />

ela, de modo geral, a literatura – como o cinema,<br />

o teatro, a música e o ambiente acadêmico<br />

– se beneficia dess<strong>as</strong> troc<strong>as</strong> cada vez mais<br />

intens<strong>as</strong> entre países com históri<strong>as</strong> e processos<br />

culturais e políticos muito semelhantes, além<br />

da evidente proximidade linguística.<br />

Autores latinos surgem mais diversificados<br />

e sem o estigma de exotismo do movimento<br />

iniciado na década de 1960<br />

SEM REDUCIONISMOS<br />

Apesar d<strong>as</strong> alusões otimist<strong>as</strong> com relação ao<br />

novo crescimento, é preciso cautela. “Falar em<br />

literatura latino-americana contemporânea é<br />

complicado por<strong>que</strong> parece representar um reducionismo<br />

b<strong>as</strong>tante radical. Compará-la com um<br />

movimento restrito, como foi o do conjunto de<br />

escritores da década de 1960 e 1970, acaba sendo<br />

comparar o incomparável”, afirma Graciela<br />

Ravetti, coordenadora do Núcleo de Estudos de<br />

Literatura de América Latina e professora de espanhol<br />

na Faculdade de Letr<strong>as</strong> da UFMG.<br />

Mesmo concordando com Graciela, Florencia<br />

rebate: “Creio <strong>que</strong> podemos falar de certa ironia<br />

como marca, um ceticismo bem-humorado<br />

ou não em relação às conquist<strong>as</strong> e experiênci<strong>as</strong><br />

da geração dos pais <strong>que</strong> eram jovens nos anos<br />

1960. Por outro lado, aparece nos novos autores<br />

um posicionamento explícito quanto aos horrores<br />

d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> ditadur<strong>as</strong>, mais como material<br />

ficcional do <strong>que</strong> como discurso propriamente<br />

ideológico. Outra característica é a bre<strong>vida</strong>de, a<br />

concisão, a elipse, o repúdio aos processos tradicionais<br />

da narrativa e aos clichês”, define.<br />

Diferentes editor<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> afirmam o interesse<br />

em aumentar <strong>as</strong> traduções de autores latino-americanos.<br />

A Cosac <strong>Na</strong>ify já publica autores<br />

de grande relevância, como Borges, Macedonio<br />

Fernández, Neruda e Adolfo Bioy C<strong>as</strong>ares. “Vamos<br />

reforçar com a publicação dos chilenos José<br />

Donoso e Maria Luisa Bombal e de contemporâneos<br />

já estabelecidos, como Alan Pauls e Mario<br />

Bellatin, e estamos investindo em bo<strong>as</strong> promess<strong>as</strong>,<br />

como o chileno Alejandro Zambra (do recém-<br />

-lançado Bonsai) e a uruguaia Inés Bortagaray.<br />

Outros virão”, enumera a diretora editorial.


ndo<br />

PaRa<br />

TRÁS<br />

CONTINUUM<br />

EfEItO BOlañO<br />

autor chileno mostrou <strong>que</strong> o clássico e o moderno sempre se dão <strong>as</strong> mãos na construção do novo<br />

Um dos nomes mais aclamados atualmente é o do chileno<br />

Roberto Bolaño (1953-2003). Com o selo hispano-americano<br />

Vintage español, divisão da editora norte-americana<br />

Random House, todos os títulos do escritor foram publicados<br />

na língua original – e também em inglês. Apesar da<br />

Vintage español ter sido criada em 1994, foi em 2010 <strong>que</strong><br />

ganhou força e, além de Bolaño, publicou nomes como<br />

Isabel Allende, Manuel puig e Sandra Cisneros.<br />

“Bolaño é um grande escritor; a meu ver, o maior surgido<br />

depois de Borges”, afirma Graciela. para a professora da<br />

UFMG, sua escrita se af<strong>as</strong>ta de qual<strong>que</strong>r traço alegórico,<br />

de religiosidades de qual<strong>que</strong>r signo, para privilegiar uma<br />

prática <strong>que</strong> se pauta por p<strong>as</strong>sar para a escrita a experiência<br />

de <strong>vida</strong> própria e d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> na contemporaneidade:<br />

dor, marginalidade, exclusão, fome, crimes, desigualdade,<br />

ignorância – tem<strong>as</strong> universais. “ele escreve textos <strong>que</strong> não<br />

se ajustam ao previsível, <strong>que</strong> propõem mundos nos quais o<br />

leitor chega a <strong>que</strong>stionar o status no sistema no qual vive:<br />

ou é colaborador ou é resistente a uma organização econômica<br />

e social cujo melhor predicativo é o de cruel”, afirma.<br />

para Laura Janina Hosi<strong>as</strong>son, professora de literatura<br />

hispano-americana no Departamento de Letr<strong>as</strong><br />

Modern<strong>as</strong> da USp, “além de uma veia de grande contador<br />

de históri<strong>as</strong>, Bolaño possui a curiosa habilidade<br />

de combinar no<strong>vida</strong>de e tradição. De maneira única e<br />

pessoal, retoma os grandes tem<strong>as</strong>, <strong>as</strong> form<strong>as</strong> mais tradicionais<br />

da literatura universal e recupera todo esse<br />

material em uma chave contemporânea”.<br />

em 2001, ao ser <strong>que</strong>stionado por um jornal sobre a<br />

possibilidade de haver um novo boom da literatura latino-americana,<br />

Roberto Bolaño respondeu: “existem<br />

muito poucos romancist<strong>as</strong> atuais <strong>que</strong> possuam a ambição<br />

de Fernando del p<strong>as</strong>o, por exemplo, ou o humor e<br />

a exatidão de Julio Cortázar. <strong>No</strong> fim, veremos. por outro<br />

lado, em uma geração cabem escritores de 25 anos e<br />

também de 50. Suponho <strong>que</strong> mais adiante no século<br />

21, quando a maioria de nós já estiver morta, poderá se<br />

fazer um balanço e veremos se a nossa literatura valeu<br />

ou não valeu a pena”. Não restam dú<strong>vida</strong>s de <strong>que</strong> valeu<br />

e tem valido cada vez mais.<br />

37<br />

36


BAlAIO<br />

féri<strong>as</strong><br />

em boa companhia<br />

FoToGRAFIA<br />

LITERATURA<br />

SElEçãO ESPECIAl PARA quEM VAI INICIAR O ANO COM uM MERECIDO DESCANSO<br />

DEsTAqUE<br />

ExposIção<br />

Mário de Andrade – Cart<strong>as</strong> do Modernismo<br />

Encerrando <strong>as</strong> comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 22, a mostra Mário de Andrade – Cart<strong>as</strong> do<br />

Modernismo traz correspondênci<strong>as</strong> <strong>as</strong>sinad<strong>as</strong> pelo poeta para destinatários como Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Di<br />

Cavalcanti, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Por meio d<strong>as</strong> cart<strong>as</strong> trocad<strong>as</strong>, o visitante poderá conhecer<br />

um pouco mais a <strong>vida</strong> do escritor no Rio de Janeiro e sua amizade com esses e outros nomes ilustres da época. A exposição,<br />

com curadoria de Denise Mattar, traz ainda uma sessão dedicada às artes visuais, com obr<strong>as</strong> <strong>que</strong> pertenciam a Mário<br />

de Andrade, como As Margarid<strong>as</strong> de Mário, de Anita Malfatti, e Mulher, de Di Cavalacanti. Centro Cultural Correios – Rua<br />

Visconde de Itaboraí, 20 – Centro – Rio de Janeiro – até 6 de janeiro de 2013 – de terça a domingo, d<strong>as</strong> 12h às 19h.<br />

sonho Verde Azulado<br />

Com curadoria de Eduardo Brandão, a instalação Sonho Verde Azulado, da artista Claudia<br />

Andujar, conta com quatro imagens inédit<strong>as</strong> e gigantesc<strong>as</strong> <strong>que</strong> somam cerca de 1.200 metros<br />

quadrados, expost<strong>as</strong> no mezanino do Prédio Histórico dos Correios, na região central de<br />

São Paulo. Além desse conjunto, outra imagem com aproximadamente 270 metros quadrados<br />

está disposta na empena de um prédio vizinho, <strong>que</strong> dá para o Vale do Anhangabaú. <strong>Na</strong><br />

instalação fotográfica, a artista dá sequência a seu trabalho com o povo ianomâmi – a grande<br />

marca de sua trajetória – e apresenta imagens resultantes de uma espécie de refotografia,<br />

técnica à qual se dedica há pelo menos du<strong>as</strong> décad<strong>as</strong>. Prédio Histórico dos Correios – Avenida<br />

São João, s/nº – até 1 de novembro de 2013 – grátis. Funcionamento: 4 de novembro a 27 de<br />

janeiro: de segunda a sexta, d<strong>as</strong> 9h às 17h, sábados, d<strong>as</strong> 9h às 18h, e domingos, d<strong>as</strong> 10h às<br />

18h. A partir de 28 de janeiro: de segunda a sexta, d<strong>as</strong> 9h às 17h e aos sábados, d<strong>as</strong> 9h às 13h.<br />

Laranja Mecânica – Edição Especial 50 Anos (Editora Aleph, R$ 79)<br />

Há 50 anos chegava às prateleir<strong>as</strong> o livro Laranja Mecânica, do britânico Anthony Burgess – um dos maiores clássicos<br />

do século XX. Para celebrar a data, a Editora Aleph lança uma edição luxuosa da obra-prima, com nove ilustrações especialmente<br />

encomendad<strong>as</strong> aos br<strong>as</strong>ileiros Angeli e Oscar Grillo e ao britânico Dave McKean. Em capa dura e impresso em<br />

du<strong>as</strong> cores (laranja e preto), o livro inclui textos inéditos sobre a obra – do próprio Burgess e de outros autores.<br />

Desnorteio (Paula Fábrio, Editora Patuá, R$ 35)<br />

Primeira obra da publicitária paulistana Paula Fábrio, o livro refaz o labirinto no qual se perderam<br />

Rodolfo, Miguel e Benévolo, três irmãos <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam a viver como mendigos, numa história <strong>que</strong><br />

percorre o fim dos anos 1800 e chega à atualidade. O prefácio, <strong>as</strong>sinado pela poeta Mariana<br />

Ianelli, pontua <strong>que</strong> o livro “nos enreda em uma visão mais profunda do humano, <strong>que</strong> vem enri<strong>que</strong>cer<br />

nossa literatura na melhor tradição dos escritores do des<strong>as</strong>sossego e da miséria redentora”.<br />

fotos: divulgação


180cartazespr<strong>as</strong>airdafossa.tumblr.com<br />

Há <strong>que</strong>m acredite <strong>que</strong> são necessários seis meses para curar uma dor de<br />

amor e fazer de vez a fila andar. Crendice, filosofia de boteco, enganação barata<br />

ou não, essa história foi a motivação para a criação do tumblr 180 Cartazes<br />

pra Sair da Fossa. Até o fechamento desta edição, metade dos di<strong>as</strong> já<br />

havia p<strong>as</strong>sado (será <strong>que</strong> a autora já tirou ao menos um dos pés da fossa?).<br />

Portanto você encontra mais de 90 cartazes com design apurado e versos<br />

divertidos, inspiradores e muito adequados para determinad<strong>as</strong> situações,<br />

como “quando não <strong>que</strong>res nada, nada falta”, da canção “O <strong>que</strong>reres”, de Caetano<br />

Veloso, ou “e precisamos todos rejuvenescer”, de “Velha Roupa Colorida”,<br />

de Belchior, imortalizada na voz de Elis Regina.<br />

www.recife.pe.gov.br/mlg/gui/Index.php<br />

Esse é o endereço do site do Memorial luiz Gonzaga, centro de documentação<br />

e pesquisa mantido pela Prefeitura do Recife cuja missão é preservar e divulgar<br />

a obra musical do Rei do Baião. <strong>Na</strong> página é possível ouvir gravações originais,<br />

acompanhad<strong>as</strong> de informações sobre os fonogram<strong>as</strong>, acessar partitur<strong>as</strong><br />

e <strong>as</strong>sistir a reportagens e entrevist<strong>as</strong>, além de pesquisar imagens da carreira<br />

e do arquivo pessoal do compositor e materiais diversos inspirados na história<br />

de Gonzaga. Outro desta<strong>que</strong> do site é a aba universo Gonzagueano, com textos<br />

sobre o sertão, os va<strong>que</strong>iros, <strong>as</strong> sanfon<strong>as</strong> e os sanfoneiros.<br />

CONTINUUM<br />

projetorizoma.com.br<br />

O site, <strong>que</strong> traz informações sobre a produção artística da cidade de<br />

São Paulo, tem como diferencial o cruzamento de dados, criando redes<br />

de conexão, ou rizom<strong>as</strong>, a partir de três chaves: artist<strong>as</strong>, eventos<br />

e locais. Dessa forma, a pesquisa do usuário se torna expansível e os<br />

resultados múltiplos. Além do mapeamento, há ferrament<strong>as</strong> para divulgação<br />

e compartilhamento de informações. O objetivo é ampliar a<br />

experiência do público e incentivá-lo a descobrir o potencial artístico<br />

da cidade. O usuário também pode contribuir com o projeto enviando<br />

informações relacionad<strong>as</strong> aos tem<strong>as</strong> de pesquisa.<br />

conexoesitaucultural.org.br<br />

B<strong>as</strong>e de dados do programa criado em 2007 pelo Itaú Cultural,<br />

o Conexões contempla um mapeamento inédito da<br />

presença da literatura br<strong>as</strong>ileira no mundo, seja na mídia,<br />

seja na pesquisa universitária ou no mercado editorial. As<br />

informações estão disponíveis no site, <strong>que</strong> traz informações<br />

relacionad<strong>as</strong> a encontros de pesquisadores <strong>que</strong> trabalham<br />

com literatura br<strong>as</strong>ileira no Br<strong>as</strong>il e em outros países e textos<br />

sobre <strong>as</strong> condições da literatura nacional no exterior.<br />

uma d<strong>as</strong> met<strong>as</strong> do programa é analisar a visão <strong>que</strong> o pesquisador<br />

estrangeiro tem da nossa literatura, d<strong>as</strong> tendênci<strong>as</strong><br />

de pesquisa e dos novos nomes br<strong>as</strong>ileiros <strong>que</strong> começam<br />

a se firmar internacionalmente.<br />

BAlAIO.cOm<br />

38 39


NADA MAIS JUSTO DO QUE PRESTAR<br />

UMA HOMENAGEM ÀQUELE QUE SEMPRE<br />

NOS INSPIRA.<br />

Venha conhecer o <strong>que</strong> Caetano Veloso, Augusto de Campos e outros amigos e<br />

artist<strong>as</strong> prepararam para os 70 anos de Gilberto Gil.<br />

Exposição concebida por André Valli<strong>as</strong> com colaboração de Frederico Coelho.<br />

quarta 12 dezembro 2012 a<br />

domingo 17 fevereiro 2013<br />

terça a sexta 9h às 20h<br />

sábado domingo feriado 11h às 20h<br />

ENTRADA FRANCA<br />

SAIBA MAIS EM ITAUCULTURAL.ORG.BR.<br />

indicado para tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> idades<br />

estacionamento conveniado, com entrada pela rua leôncio de carvalho<br />

itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 fax 11 2168 1775 atendimento@itaucultural.org.br<br />

avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]

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