No palco e Na vida, as tramas que eNvolvem a vida das atrizes ...
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No palco e Na vida, as tramas que eNvolvem a vida das atrizes ...
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dez 2012 / jan 2013<br />
G de Gil<br />
O curador da mostra Gil70<br />
revê, no Depoimento, sua<br />
ligação profissional e afetiva<br />
com o compositor baiano.<br />
a força propulsora de Hélio oiticica<br />
O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho conta<br />
como foi mergulhar no universo criativo<br />
e pessoal do tio para criar o premiado<br />
documentário-experiência Hélio Oiticica<br />
tinindo trincando<br />
Considerado o melhor disco da<br />
música br<strong>as</strong>ileira, Acabou Chorare,<br />
dos <strong>No</strong>vos Baianos, completa 40<br />
anos de lançamento<br />
40<br />
encontro<br />
marcado<br />
<strong>No</strong> <strong>palco</strong> e <strong>Na</strong> <strong>vida</strong>, <strong>as</strong> tram<strong>as</strong> <strong>que</strong> <strong>eNvolvem</strong> a <strong>vida</strong> d<strong>as</strong> <strong>atrizes</strong><br />
drica moraes e maria<strong>Na</strong> lima.
Erica Mizutani
COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />
Ana de Fátima Sousa<br />
EDIÇÃO EXECUTIVA<br />
Marco Aurélio Fiochi<br />
PROJETO GRÁFICO<br />
Marina Chevrand<br />
EDIÇÃO DE ARTE<br />
Jader Rosa<br />
Liane Tiemi Iwah<strong>as</strong>hi<br />
EDIÇÃO<br />
Roberta Dezan<br />
EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA<br />
André Seiti<br />
DESIGN<br />
Lu Orvat Design<br />
COORDENAÇÃO DE REVISÃO<br />
Polyana Lima<br />
REVISÃO<br />
Ciça Corrêa<br />
Karina Hambra<br />
Nelson Visconti<br />
PRODUÇÃO EDITORIAL<br />
Cybele Fernandes<br />
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO<br />
André Chiarati<br />
André Valli<strong>as</strong><br />
Caio Palazzo<br />
Daryan Dornelles<br />
Débora Almeida<br />
Duda Porto de Souza<br />
Eduardo Burger<br />
Erica Mizutani<br />
Fernanda de Almeida<br />
Gabriela R<strong>as</strong>sy<br />
Gustavo Angimahtz<br />
Indio San<br />
Leonardo Foletto<br />
Mariana de Andrade<br />
Mariana Lacerda<br />
Mayara Monteiro<br />
Patrícia Colombo<br />
Patrícia Stavis<br />
Paulo Papaleo<br />
Pedro Henri<strong>que</strong> França<br />
Pupill<strong>as</strong><br />
Ricardo Daros<br />
Ricardo Lab<strong>as</strong>tier<br />
ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082<br />
(dezembro de 2007)<br />
Tiragem 10 mil – distribuição gratuita.<br />
Sugestões e crític<strong>as</strong> devem ser<br />
encaminhad<strong>as</strong> ao Núcleo de<br />
Comunicação e Relacionamento<br />
continuum@itaucultural.org.br<br />
Jornalista responsável<br />
Ana de Fátima Sousa MTb 13.554<br />
dez 2012 / jan 2013<br />
G DE GIL<br />
O curador da mostra Gil70<br />
revê, no Depoimento, sua<br />
ligação profissional e afetiva<br />
com o compositor baiano.<br />
A FORÇA PROPULSORA DE HÉLIO OITICICA<br />
O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho conta<br />
como foi mergulhar no universo criativo<br />
e pessoal do tio para criar o premiado<br />
documentário-experiência Hélio Oiticica<br />
TININDO TRINCANDO<br />
Considerado o melhor disco da<br />
música br<strong>as</strong>ileira, Acabou Chorare,<br />
dos <strong>No</strong>vos Baianos, completa 40<br />
anos de lançamento<br />
capa: drica moraes e mariana lima<br />
foto: caio palazzo<br />
40<br />
encontro<br />
marcado<br />
NO PALCO E NA VIDA, AS TRAMAS QUE ENVOLVEM A VIDA DAS ATRIZES<br />
DRICA MORAES E MARIANA LIMA.<br />
CARTA DO EDITOR<br />
Com esta edição, a ConTINUUM encerra sua história: a partir do ano <strong>que</strong> vem a revista deixa de circular. Foram<br />
qu<strong>as</strong>e seis anos de grande dedicação da equipe responsável e também de uma infinidade de colaboradores<br />
externos <strong>que</strong>, com profissionalismo, criati<strong>vida</strong>de e talento, deram corpo a uma publicação <strong>que</strong> ampliou e qualificou<br />
a informação sobre cultura no país.<br />
M<strong>as</strong> vimos <strong>que</strong> era tempo de repensar nosso projeto, e dessa reflexão veio a vontade de abrir espaço para o novo.<br />
As experiênci<strong>as</strong> <strong>que</strong> vivemos, <strong>as</strong> históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> revelamos em forma de texto e imagem, os vários amigos <strong>que</strong><br />
fizemos nesse tempo todo, em especial os leitores <strong>que</strong> sempre se referiram à revista com elogios, nos fizeram ver<br />
<strong>que</strong> tínhamos cumprido uma missão e era hora de fechar o ciclo.<br />
É raro ver uma revista <strong>que</strong> tenha desfrutado de tanta liberdade em sua produção. Esse sentimento esteve presente<br />
em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> decisões tomad<strong>as</strong> e se refletia no produto final. Bancada integralmente pelo Itaú Cultural, a ConTINUUM<br />
herdou o DNA de seu mantenedor, sendo um ambiente privilegiado para a reverberação de idei<strong>as</strong>, a reflexão, a<br />
troca, a formação do olhar e a ampliação do repertório de seus leitores.<br />
M<strong>as</strong> se engana <strong>que</strong>m pensa <strong>que</strong> a <strong>vida</strong> acaba aos 40! Esse espírito inovador permeará <strong>as</strong> ações futur<strong>as</strong> da comunicação<br />
institucional, em especial em seu site, plataforma com inúmer<strong>as</strong> possibilidades de difusão, informação, fruição e<br />
aprofundamento. É lá <strong>que</strong> p<strong>as</strong>saremos a publicar conteúdos similares aos <strong>que</strong> fazíamos na revista.<br />
Agradecemos a tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> fontes do mundo da cultura <strong>que</strong> p<strong>as</strong>saram por noss<strong>as</strong> págin<strong>as</strong> e são sem dú<strong>vida</strong> os<br />
maiores responsáveis pela credibilidade <strong>que</strong> a revista desfrutou desde o começo. Seu carinho em atender noss<strong>as</strong><br />
demand<strong>as</strong> certamente atingiu os leitores, <strong>que</strong> tiveram a oportunidade de conhecer de maneira clara <strong>as</strong> idei<strong>as</strong> e<br />
ações de <strong>que</strong>m faz cultura.<br />
Enfim, fizemos bonito e <strong>as</strong>sinamos embaixo:<br />
Eduardo Saron, Ana de Fátima Sousa, Marco Aurélio Fiochi, Roberta Dezan, Polyana Lima, Marina Chevrand,<br />
André Seiti, Jader Rosa, Liane Iwah<strong>as</strong>hi, Luciana Orvat, Ricardo Daros, Ciça Corrêa, Karina Hambra, Nelson<br />
Visconti, Maria Clara Matos, Fernanda C<strong>as</strong>tello Branco, Claudiney Ferreira, Guilherme Kujawski, Isabella Protta,<br />
Cybele Fernandes, Ja<strong>que</strong>line Santiago, André Queiroz, Sulamita Carvalho, Renato Corch, Dino Siwek, Silvio Santis,<br />
Hugo Henri<strong>que</strong> Alves, Juliana Bezerra, <strong>Na</strong>thalie Bonome, João Paulo Filomeno, Mariane Ribeiro, <strong>Na</strong>tane Abreu,<br />
Thiago Rosenberg, Carlos Costa, Micheliny Verunschk, Mariana Lacerda, Carolina Miranda, Gabriela R<strong>as</strong>sy, Paula<br />
Fazzio e todos <strong>que</strong> estiveram conosco nessa caminhada.<br />
CARTA DO LEITOR<br />
“Gostei muito da revista com Tulipa Ruiz na capa (edição 38, ago-set. 2012). Não só por causa disto: <strong>as</strong> matéri<strong>as</strong> estavam<br />
interessantes e atraentes. Li com prazer!”<br />
Neuza Pommer, por e-mail<br />
Envie seu comentário sobre a ContinUUM para o e-mail continuum@itaucultural.org.br ou utilize os canais do Itaú Cultural no<br />
Twitter e no Facebook.<br />
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ConTINUUM em seu<br />
iPad e veja tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
matéri<strong>as</strong> desta edição<br />
e d<strong>as</strong> anteriores, além<br />
de vídeos exclusivos.<br />
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SUA ConTINUUM
06<br />
08 12<br />
MUSEUS DO MUNDO | um olhar atento para a arte<br />
Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, completa 10 anos em constante<br />
movimento.<br />
políTICaS CULTURAIS | a gente não <strong>que</strong>r só comida<br />
Universidades não formais de cultura despontam no Br<strong>as</strong>il como<br />
alternativa ao ensino acadêmico. O traço principal dos projetos é a<br />
formação de redes colaborativ<strong>as</strong>.<br />
REpORTAGEM | de pai para filho<br />
Programa Leia para uma Criança já distribuiu 22 milhões de livros<br />
para <strong>que</strong> pais incentivem seus filhos desde cedo ao hábito da leitura.<br />
26 24 21 REpORTAGEM<br />
DEPOIMENTO | g de gil<br />
O artista e pesquisador André Valli<strong>as</strong> cria poema inédito para<br />
homenagear Gilberto Gil, com <strong>que</strong>m tem uma longa relação<br />
profissional. Autor do primeiro site do artista em 1995, hoje ele é o<br />
curador da exposição <strong>que</strong> comemora os 70 anos do compositor.<br />
pERFIL | ganhar o mundo para voltar ao mesmo lugar<br />
O pernambucano Irandhir Santos vem dando <strong>vida</strong> a personagens<br />
de peso na atual safra do cinema br<strong>as</strong>ileiro. Sua imagem tem<br />
percorrido o mundo, m<strong>as</strong> isso não o faz se desligar de seu recanto, a<br />
pacata Limoeiro.<br />
REpORTAGEM | a mudança está n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong><br />
A arte pública <strong>as</strong>sume importância significativa na economia d<strong>as</strong><br />
cidades ao ser um atrativo do turismo cultural.<br />
34<br />
36 38<br />
aCESSo RESTRITO | o norte é aqui<br />
O Festival Terruá Pará trouxe para o Auditório Ibirapuera mais<br />
de 50 artist<strong>as</strong> da<strong>que</strong>le estado. Confira os b<strong>as</strong>tidores d<strong>as</strong> apresentações:<br />
não faltou animação.<br />
CAPA | encontro marcado<br />
Atrizes e amig<strong>as</strong>, Mariana Lima e Drica Moraes estrelam uma<br />
d<strong>as</strong> mais bem-sucedid<strong>as</strong> montagens da atualidade, A Primeira<br />
Vista, <strong>que</strong> está de mal<strong>as</strong> pront<strong>as</strong> para uma temporada na Europa.<br />
EnTREvISTA | a força propulsora de hélio oiticica<br />
O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho conta como foi o processo de<br />
criação do documentário experimental b<strong>as</strong>eado na obra de seu<br />
tio, um dos maiores nomes d<strong>as</strong> artes visuais br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>.<br />
| entre rinh<strong>as</strong> e saraus<br />
Uma programação intensa garante a permanência e o<br />
fortalecimento do movimento hip-hop em São Paulo.<br />
REpORTAGEM | você também pode ter uma...<br />
Múltiplos e livros de artista tornam a arte mais acessível por<br />
causa de seu valor, bem menor do <strong>que</strong> o de obr<strong>as</strong> convencionais.<br />
Além disso, são uma linguagem vigorosa d<strong>as</strong> artes visuais.<br />
CERTIDÃO DE NASCIMENTO | tinindo e trincando<br />
Há 40 anos, um grupo de hippies deu à luz um clássico: o álbum<br />
Acabou Chorare. Conheça a história e <strong>as</strong> históri<strong>as</strong> dos <strong>No</strong>vos Baianos.<br />
RESENhA | unidos pelos extremos<br />
O capixaba Silva e o carioca João Cavalcanti lançam seus álbuns<br />
de estreia e marcam espaços distintos na MPB.<br />
DEPOIMENTO | deixando macondo para trás<br />
Escritores latinos falam de tem<strong>as</strong> contemporâneos e criam obr<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam longe do realismo fantástico, sinônimo da literatura<br />
dessa região.<br />
balaIO | féri<strong>as</strong> em boa companhia<br />
Seção de dic<strong>as</strong> traz opções de lazer e reflexão.<br />
16<br />
18<br />
20<br />
30<br />
28<br />
32<br />
08<br />
12<br />
21<br />
30
ACESSO RESTRITO | terruá pará<br />
TEXTO patrícia colombo FOTOS patrícia stavis<br />
o norte<br />
é aqui<br />
Festival traz cena musical efervescente a<br />
São Paulo e colore o Auditório Ibirapuera<br />
em três noites de festa<br />
Com o intuito de difundir a música paraense pelo país, o festival Terruá Pará deu seus primeiros p<strong>as</strong>sos lá em 2006. O evento, <strong>que</strong> neste ano chegou à<br />
sua terceira edição (a segunda foi realizada em 2011), reúne artist<strong>as</strong> tanto da velha guarda local quanto novos nomes <strong>que</strong> já ultrap<strong>as</strong>saram <strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> da<br />
Região <strong>No</strong>rte. Conscientes do clima alegre inerente às su<strong>as</strong> canções, os orgulhosos paraenses há anos, portanto, fazem <strong>que</strong>stão de pegar o avião rumo a<br />
diversos pontos do Br<strong>as</strong>il, carregando consigo uma espécie de recorte sonoro de seu estado. “Não <strong>que</strong>ríamos esperar <strong>que</strong> os jornalist<strong>as</strong> ou grande parte do<br />
público fossem até o Pará conhecer alguns talentos. Decidimos criar o show, embalar muito bem e chamar <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>, visitando algum<strong>as</strong> capitais”, conta<br />
Adelaide Oliveira, <strong>que</strong> divide a direção executiva com Ney Messi<strong>as</strong> Jr.<br />
M<strong>as</strong> organizar <strong>as</strong> apresentações é dureza: imagine a logística de percorrer o país com equipe técnica somada a 50 artist<strong>as</strong> de faixa etária e agend<strong>as</strong> diferentes<br />
– como foi em 2012, quando o evento p<strong>as</strong>sou por São Paulo, no Auditório Ibirapuera, entre 5 e 7 de outubro. Marcando o lançamento dos CDs e DVDs<br />
d<strong>as</strong> edições anteriores, o espetáculo trouxe em seu line-up nomes <strong>que</strong> integraram os outros dois anos, acompanhados de uma banda b<strong>as</strong>e. Artist<strong>as</strong> como<br />
Nilson Chaves, Seb<strong>as</strong>tião Tapajós, Paulo André Barata e Mestre Curica apresentaram su<strong>as</strong> produções musicais consagrad<strong>as</strong> ao lado de Gaby Amarantos,<br />
Gang do Eletro, Felipe Cordeiro e Lia Sophia. Pluralidade de gerações, de ritmos, de vozes, de cultura. Carimbó, siriá, tecnobrega, guitarrada, entre tantos<br />
outros tipos sonoros. Uma festa celebrada de braços abertos por <strong>que</strong>m sente no peito a beleza musical encontrada aos montes pelo Br<strong>as</strong>il.<br />
Festa particular<br />
Dona Onete Engana-se <strong>que</strong>m pensa <strong>que</strong> a festa e o show só<br />
rolam no <strong>palco</strong>. Ao circular pelo backstage do<br />
Terruá Pará, é comum ver miniagitações nos camarins<br />
enquanto os artist<strong>as</strong> se arrumam. E não<br />
se trata de algum a<strong>que</strong>cimento: apen<strong>as</strong> festejos<br />
dos bem genuínos mesmo, entre amigos. De um<br />
lado, Dona Onete, Lia Sophia e Luê Soares, entre<br />
um batom e outro, contam históri<strong>as</strong>, cantarolam<br />
e caem na gargalhada. <strong>No</strong> Clube do Bolinha<br />
paraense, situado na outra ponta do corredor,<br />
o time de mestres Laurentino, Curica, Vieira e<br />
Solano mistura percussão inusitada (sobrou até<br />
para o recipiente de lixo!) e instrumentos de sopro<br />
com os Metaleiros da Amazônia (formado<br />
por Manezinho do Sax, Pantoja do Pará e Pipira<br />
do Trombone). Troca de camisa aqui, batucada<br />
acolá. Tinha até gente parada no corredor – músicos<br />
e alguns integrantes da produção – para<br />
ver, ouvir, fotografar e filmar a empolgação generalizada.<br />
“Por aqui, temos esses encontros <strong>que</strong><br />
são simplesmente incríveis”, conta Lia Sophia. “E<br />
eu divido o <strong>palco</strong> com o Mestre Solano, <strong>que</strong> tem<br />
uma história linda de carreira na guitarrada.”<br />
Felipe Cordeiro
Mestre Laurentino<br />
ao vivo e em cores<br />
Correria como em qual<strong>que</strong>r apresentação, m<strong>as</strong> uma espécie de harmonia<br />
contagiante. Quem esteve presente em um dos três di<strong>as</strong> de Terruá<br />
Pará em São Paulo teve noção de quão colorido e alto <strong>as</strong>tral era o <strong>palco</strong>.<br />
M<strong>as</strong>, além do cenário, outro fator contribui em peso para o efeito<br />
arco-íris: os figurinos – cuja consultoria fica a cargo de Sandra Machado.<br />
Cuidadosamente pensado para cada um dos músicos, nada ali é bl<strong>as</strong>é<br />
ou básico. Os paraenses mostram como é viva sua cultura expressando-se<br />
também por meio de su<strong>as</strong> vestiment<strong>as</strong>. Sai<strong>as</strong> rodad<strong>as</strong> d<strong>as</strong> mulheres<br />
contribuem para o movimento hipnótico e sensual d<strong>as</strong> danç<strong>as</strong>,<br />
e <strong>as</strong> cores se misturam divertidamente. O prateado de Gaby Amarantos<br />
encontra o vermelho de Lia Sophia, <strong>que</strong> cruza com o amarelo e a delicada<br />
flor no cabelo de Dona Onete. A Gang do Eletro chega com sua<br />
característica maquiagem neon e roup<strong>as</strong> cuja elaboração conta até com<br />
sucata – criando um efeito único. Mestre Laurentino ostenta chamativos<br />
e numerosos anéis e até a Or<strong>que</strong>stra de Violoncelist<strong>as</strong> da Amazônia,<br />
mais contida no preto, traz detalhes verdes e amarelos em seus trajes.<br />
olhos atentos, corpo em movimento<br />
O roteiro do show previa <strong>que</strong> a maior parte dos artist<strong>as</strong> subiria ao <strong>palco</strong> para du<strong>as</strong> canções com<br />
a banda b<strong>as</strong>e e retornaria ao final da apresentação para a execução conjunta do “Pot-Pourri de<br />
Carimbó”. Contudo, era interessante reparar <strong>que</strong>, com rar<strong>as</strong> exceções, nenhum deles voltava ao<br />
camarim. <strong>No</strong> máximo, descia para pegar algum lanche. Era comum presenciar uma concentração<br />
dos músicos na coxia, curtindo o <strong>que</strong> estava rolando no <strong>palco</strong> e prestigiando uns aos outros<br />
com aplausos e danç<strong>as</strong>.<br />
CONTINUUM<br />
Luê Soares<br />
Direto para o <strong>palco</strong><br />
Só Gaby Amarantos, atual sensação da música nacional,<br />
ficou de fora da festa dos b<strong>as</strong>tidores. Como era<br />
a última a integrar o show, chegou ao Auditório no<br />
fim da noite, atr<strong>as</strong>ada, arrumou-se às press<strong>as</strong> no camarim,<br />
apen<strong>as</strong> acompanhada de sua equipe pessoal,<br />
e logo se encaminhou ao <strong>palco</strong>, trajando um longo<br />
vestido metalizado. <strong>Na</strong><strong>que</strong>le momento, a maior parte<br />
dos artist<strong>as</strong> já se encontrava na coxia para a reunião<br />
de encerramento – <strong>que</strong> foi realizada após du<strong>as</strong> canções<br />
de Gaby, “Gemendo” e “Merengue Latino”, amb<strong>as</strong><br />
do álbum Treme, lançado neste ano.<br />
Gaby Amarantos<br />
06 07
CAPA | mariana lima e drica moraes<br />
Mariana e Drica em ensaio fotográfico<br />
durante a temporada de A Primeira Vista,<br />
no Itaú Cultural, em novembro
encontro<br />
marcado<br />
TEXTO gabriela r<strong>as</strong>sy<br />
FOTOS caio palazzo<br />
Drica Moraes conhece Kike desde os 14 anos.<br />
Já namoraram, atuaram, fundaram juntos a Cia.<br />
dos Atores, no Rio de Janeiro, e hoje acumulam<br />
30 anos de amizade. Mariana Lima é c<strong>as</strong>ada<br />
com Kike há 15 anos. Paulistana, mora com<br />
o marido e <strong>as</strong> du<strong>as</strong> filh<strong>as</strong>, Elena e Antonia, no<br />
Rio. Conheceu Drica em meados dos anos 2000<br />
durante <strong>as</strong> apresentações do espetáculo O Rei<br />
da Vela, com a Cia. dos Atores, no Teatro Br<strong>as</strong>ileiro<br />
de Comédia (TBC), em São Paulo. A partir<br />
desse ponto, <strong>as</strong> du<strong>as</strong> foram se aproximando até<br />
se tornarem amig<strong>as</strong> e, hoje, parceir<strong>as</strong> de <strong>palco</strong>.<br />
“Mariana é irresistível, é dess<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />
você fica amiga muito rápido.”<br />
Liga inicial entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong>, o ator e diretor Enri<strong>que</strong><br />
Diaz, chamado pelos amigos de Kike, <strong>as</strong> uniu na<br />
<strong>vida</strong> e <strong>as</strong> reuniu no tablado. Em cartaz desde março<br />
de 2012, A Primeira Vista, dirigida por Diaz,<br />
foi o primeiro trabalho no qual <strong>as</strong> <strong>atrizes</strong> se viram<br />
junt<strong>as</strong> em cena. E o texto fala exatamente disto:<br />
reencontros, amizade, amor, lembranç<strong>as</strong>. Quando<br />
o diretor decidiu fazer a montagem, a segunda<br />
em <strong>que</strong> se vale de um texto do canadense Daniel<br />
MacIvor, Mariana se candidatou logo de cara. O<br />
convite deles à Drica veio justo no período em<br />
<strong>que</strong> ela se recuperava de uma leucemia. “A gente<br />
achou <strong>que</strong> era um momento para estarmos junt<strong>as</strong><br />
e fazer a nossa estreia em cena”, conta Maria-<br />
CONTINUUM<br />
O jogo cênico de Mariana Lima e Drica Moraes traz ao <strong>palco</strong> a renovação da amizade<br />
d<strong>as</strong> <strong>atrizes</strong> em sua f<strong>as</strong>e mais madura<br />
na. “A peça tem muito a ver com ela, com a atriz<br />
<strong>que</strong> ela é.” Para <strong>as</strong> <strong>atrizes</strong>, a combinação entre <strong>as</strong><br />
du<strong>as</strong> foi muito bem-vinda, pois a dramaturgia<br />
abraça personagens opost<strong>as</strong> em temperamento<br />
e personalidade, tal como el<strong>as</strong>.<br />
Drica transitou mais vezes entre comédia e drama,<br />
entre televisão, cinema e teatro. Sabe como<br />
fazer humor de um jeito mais ligeiro, mais rápido,<br />
tem um timing maior. Ainda neste ano,<br />
ganhou o Grande Prêmio do Cinema Br<strong>as</strong>ileiro<br />
por seu papel coadjuvante em Bruna Surfistinha<br />
– o Filme, dirigido por Marcos Baldini. O<br />
registro de Mariana está no drama, na tragédia,<br />
n<strong>as</strong> construções mais bizarr<strong>as</strong>. <strong>Na</strong> comédia, ela<br />
tende para um lado mais negro, louco, absurdo,<br />
como é o c<strong>as</strong>o dos seus trabalhos com o Teatro<br />
da Vertigem e, mais recentemente, com Pterodátilos,<br />
peça do norte-americano Nick Silver e<br />
dirigida por Felipe Hirsch, <strong>que</strong> lhe rendeu o Prêmio<br />
Shell de Melhor Atriz em 2010. “Por mais<br />
<strong>que</strong> a gente componha e faça tipos, tenha códigos<br />
e estilos bem particulares, trabalhamos com<br />
verdade absoluta e isso também nos une”, diz<br />
Drica. Para a atriz, <strong>as</strong> du<strong>as</strong> articulam bem esses<br />
opostos, tirando proveito disso. “É uma situação<br />
em <strong>que</strong> o jogo cênico se estabelece muito bem,<br />
por<strong>que</strong> ela não rouba em cena. Está sempre contribuindo,<br />
jogando dentro da ação.”<br />
Jornada dupla<br />
“Você tem filhos? Só sei <strong>que</strong> muda muito a <strong>vida</strong>,<br />
o tempo fica muito curto. Não tem essa de chopinho”,<br />
diz Drica. Mariana concorda: “O complicado<br />
é a jornada dupla, no trabalho e em c<strong>as</strong>a.<br />
Ficamos com pouco tempo de descanso. A <strong>vida</strong><br />
é outra, não dá para sair toda hora”. Realmente,<br />
com tant<strong>as</strong> ati<strong>vida</strong>des entre <strong>palco</strong>, ensaios e<br />
gravações para a televisão, <strong>as</strong> <strong>atrizes</strong> vivem em<br />
um es<strong>que</strong>ma b<strong>as</strong>tante corrido. Logo após se conhecerem,<br />
Mariana engravidou de Elena e Drica<br />
tentava fazer inseminação artificial. Depois se encheu<br />
e entrou na fila da adoção. “Tivemos sempre<br />
esse viés de falar de crianç<strong>as</strong> e de começo da<br />
<strong>vida</strong> de adulta.”<br />
Quando Drica adotou Matheus, hoje com 3<br />
anos, Mariana já tinha du<strong>as</strong> filh<strong>as</strong>. El<strong>as</strong> p<strong>as</strong>saram<br />
então a fazer mais cois<strong>as</strong> junt<strong>as</strong> e a viver<br />
um mesmo <strong>as</strong>sunto. São tantos encontros,<br />
além d<strong>as</strong> viagens com a peça, <strong>que</strong> Matheus já<br />
chama Antonia de irmã. “A gente acaba pegando<br />
um pouco desse afeto para a gente”,<br />
diz Drica. Nesse embalo da maternidade, <strong>as</strong><br />
du<strong>as</strong> trocam experiênci<strong>as</strong>, falam sobre criação,<br />
sobre como deixar <strong>que</strong> os filhos se virem<br />
e também como é importante um pouco de<br />
frustração diária na <strong>vida</strong> d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> para<br />
<strong>que</strong> cresçam bem.<br />
09<br />
08
CAPA | mariana lima e drica moraes<br />
“ O <strong>palco</strong> sempre tem um pouco de loucura.<br />
Uma loucura boa.” Drica Moraes<br />
<strong>Na</strong>s viagens, quando possível, el<strong>as</strong> tentam conciliar<br />
<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong>. Cada vez é uma história diferente: com<br />
<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, com os pais, com o namorado da Drica.<br />
“Tem ess<strong>as</strong> oportunidades em <strong>que</strong> eles se juntam<br />
enquanto a gente trabalha, então dá um clima <strong>No</strong>vos<br />
Baianos – ou ‘velhos baianos’, no c<strong>as</strong>o”, ri Drica.<br />
du<strong>as</strong> palhaç<strong>as</strong><br />
Em A Primeira Vista, a personagem de Mariana<br />
é mais etérea, desligadona, lenta e até um pouco<br />
bicho-grilo. A de Drica é pragmática, prática, racional,<br />
rápida. Esse contraponto é nítido. São dois<br />
papéis <strong>que</strong> carregam emoção, complexidade, m<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> têm o timing da piada. A definição d<strong>as</strong> figur<strong>as</strong><br />
dramátic<strong>as</strong> veio num bilhete enviado pelo ator<br />
Guel Arraes, após <strong>as</strong>sistir a uma apresentação:<br />
du<strong>as</strong> palhaç<strong>as</strong>. Drica, a palhaça solar, e Mariana,<br />
a lunar. “Tem mesmo uma coisa do circo, de fazer<br />
ali na hora e de apresentar os tru<strong>que</strong>s ao público,<br />
por<strong>que</strong> não tem cenários, figurinos ou grandes<br />
mistérios”, explica Drica.<br />
A Primeira Vista trata de um recorte de tempo<br />
entre o p<strong>as</strong>sado e o presente, em <strong>que</strong> <strong>as</strong> personagens<br />
reveem e revivem o período entre a juventude<br />
e a <strong>vida</strong> madura. Fala do desafio de começar<br />
algo novo, de se arriscar profissionalmente,<br />
e também sexualmente, e de tomar decisões<br />
afetiv<strong>as</strong>. “Levamos para o ensaio muito da nossa<br />
memória pessoal e nos reconhecemos um pouco<br />
na estupidez <strong>que</strong> há no começar alguma coisa.<br />
Como a gente erra, se atropela, faz escolh<strong>as</strong> errad<strong>as</strong><br />
no começo da carreira, da <strong>vida</strong>, ou como<br />
deixa de fazer o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria ter feito”, conta Drica.<br />
A atriz acredita <strong>que</strong> o público, de um modo geral,<br />
se identifica, <strong>as</strong>sim como el<strong>as</strong>, com a beleza desse<br />
momento de fragilidade <strong>que</strong> é sair da adolescência<br />
e ingressar na <strong>vida</strong> adulta.<br />
Nessa f<strong>as</strong>e de busc<strong>as</strong> e mudanç<strong>as</strong>, <strong>as</strong> personagens<br />
decidem formar a banda Ukuleladies, referência<br />
ao ukulele, instrumento <strong>que</strong> tocam em<br />
cena. Uma <strong>que</strong>ria, a outra acabou indo junto, e<br />
el<strong>as</strong> começaram esse projeto musical meio falido,<br />
já <strong>que</strong> não eram exatamente musicist<strong>as</strong> sensacionais.<br />
Para o diretor, isso faz parte desse limite da<br />
amizade e do amor, de fazer o <strong>que</strong> a outra <strong>que</strong>r,<br />
mesmo sem <strong>que</strong>rer muito.<br />
Para Diaz, el<strong>as</strong> acabaram naturalmente levando<br />
muito da peça para a <strong>vida</strong> pessoal. A Mariana<br />
voltou a tocar baixo, <strong>as</strong> filh<strong>as</strong> se interessaram e<br />
começaram a tocar. Até mesmo o ukulele p<strong>as</strong>sou<br />
a fazer parte da <strong>vida</strong> de Mariana, <strong>que</strong> vez ou outra<br />
toca o instrumento em c<strong>as</strong>a. “Acho <strong>que</strong> tem um<br />
limite muito tênue entre a arte e a <strong>vida</strong>. Como<br />
nunca estamos de féri<strong>as</strong>, acabamos vivendo muito<br />
aquilo <strong>que</strong> fazemos”, aponta Mariana. Já Drica<br />
namorou a música desde sempre. Fez alguns musicais,<br />
estudou piano na adolescência e o ukulele<br />
veio fazer parte desse universo musical.
CONTINUUM<br />
A facilidade de incorporar os personagens à <strong>vida</strong><br />
também vem do estilo de dramaturgia de Daniel<br />
MacIvor. Para Drica, ele escreve de um jeito inacabado,<br />
no qual <strong>as</strong> personagens falam pérol<strong>as</strong><br />
de profunda sabedoria, travam um embate de<br />
idei<strong>as</strong> complex<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> de forma fluida, qu<strong>as</strong>e displicente,<br />
coloquial. “A peça é muito leve. Parece<br />
<strong>que</strong> nem foi escrita para o teatro, e sim <strong>que</strong> foi<br />
improvisada”, analisa. Visualmente, é um espetáculo<br />
b<strong>as</strong>tante minimalista: pouquíssimos objetos<br />
em cena, figurino composto de calça jeans<br />
e camiseta, um fundo infinito. <strong>Na</strong>da interfere no<br />
texto e no contato com o público. A direção de<br />
Enri<strong>que</strong> Diaz inclui cen<strong>as</strong> em <strong>que</strong> <strong>as</strong> du<strong>as</strong> olham<br />
nos olhos do público. “Isso gera uma ati<strong>vida</strong>de<br />
profunda com a plateia, <strong>que</strong> é incluída no jogo<br />
cênico. É como se eles tivessem um personagem<br />
e contracen<strong>as</strong>sem com você.”<br />
A peça foi o primeiro trabalho de Drica Moraes<br />
depois do câncer e, segundo Mariana, ela impressionantemente<br />
teve muita energia para trabalhar.<br />
O c<strong>as</strong>al amigo criou <strong>as</strong> melhores condições possíveis<br />
para desenvolver os ensaios: uma boa comida<br />
e um bom ambiente, prazeroso, saudável.<br />
“Às vezes, nós nos enfiávamos num porão, não comíamos<br />
direito. Nesse c<strong>as</strong>o, forçávamos a barra<br />
para ter uma pausa para um lanche, para não ser<br />
puxado demais, m<strong>as</strong> acabava <strong>que</strong> os workaholics<br />
aqui ensaiavam seis hor<strong>as</strong> por dia. E ela também<br />
não arregava”, conta Mariana. “Eu falava: ‘vamos<br />
parar, tem a Drica’. M<strong>as</strong> por ela ia embora.”<br />
Com o trabalho acontecendo, a atriz foi ganhando<br />
tônus, agilidade, memória. Enri<strong>que</strong> Diaz conta<br />
<strong>que</strong> era um momento em <strong>que</strong> eles <strong>que</strong>riam estar<br />
próximos dela. “Foi leve, sensível. A peça teve<br />
também essa ‘função’, de nos unir mais.” Para<br />
Drica, o processo foi fundamental na sua recuperação.<br />
Com todo esse aparato afetivo de trabalhar<br />
entre amigos, ela se encontrou num lugar muito<br />
seguro, pronta para poder enlou<strong>que</strong>cer de novo.<br />
“O <strong>palco</strong> sempre tem um pouco de loucura. Uma<br />
loucura boa”, diz.<br />
“<br />
Acho <strong>que</strong> tem um limite<br />
muito tênue entre a arte e a<br />
<strong>vida</strong>. Como nunca estamos<br />
de féri<strong>as</strong>, acabamos vivendo<br />
muito aquilo <strong>que</strong> fazemos.”<br />
Mariana Lima<br />
11<br />
10
entrevista | césar oiticica filho<br />
”Se a gente<br />
penSar naS coreS<br />
<strong>que</strong> permeiam o<br />
trabalho do hélio,<br />
<strong>que</strong> São o vermelho<br />
e o laranja, logo vê<br />
<strong>que</strong> o temperamento<br />
exploSivo dele<br />
paSSou para a obra.”
A força propulsora de<br />
hélio<br />
oiticica<br />
CONTINUUM<br />
TEXTO mayara monteiro FOTOS daryan dornelles<br />
Um dos pais do tropicalismo e referência do neoconcretismo no Br<strong>as</strong>il,<br />
Hélio Oiticica viveu pouco, m<strong>as</strong> fez muito. Agora, ganha forma de documentário<br />
experimental, dirigido por seu sobrinho, César Oiticica Filho<br />
Hélio Oiticica é o filme <strong>que</strong> ganhou o prêmio de Melhor Longa-Metragem Documentário no Festival<br />
do Rio em 2012. Dirigido por César Oiticica Filho, sobrinho do artista visual, ele refaz a trajetória<br />
de 30 anos de atuação de Hélio e apresenta a intimidade do homem <strong>que</strong> viveu pouco,<br />
m<strong>as</strong> intensamente, o grande mundo da criação artística.<br />
Dividida em blocos, a obra mostra a infância do artista; sua participação no movimento neoconcreto;<br />
a importância do samba em sua obra; os períodos <strong>que</strong> viveu em Londres e em <strong>No</strong>va York;<br />
a volta ao Rio de Janeiro, sua cidade de origem; e o processo de mistificação e desmistificação<br />
d<strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, presente em sua obra.<br />
“O som é a alma do filme”, enfatiza César, satisfeito com o resultado da montagem experimental<br />
<strong>que</strong> reúne imagens, vídeos, textur<strong>as</strong> e a participação de artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> conviveram com Hélio e<br />
o homenagearam. As referênci<strong>as</strong> usad<strong>as</strong> pelo cine<strong>as</strong>ta na concepção do documentário vão de<br />
Serguei Eisenstein, Ricardo Miranda, Humberto Mauro e Ivan Cardoso (autor do documentário<br />
H.O., de 1979) a Jards Macalé, Caetano Veloso, Johann Bach e Jimi Hendrix. A intenção, segundo<br />
César, é apresentar o artista ao Br<strong>as</strong>il. “A essência do filme está em tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> linguagens, criad<strong>as</strong><br />
junt<strong>as</strong>. O <strong>que</strong> é o filme? Não sei, não sei nem se é um filme. É um estado de invenção”, avalia.<br />
13<br />
12
entrevista | césar oiticica filho<br />
O documentário conta a história de <strong>vida</strong> do seu<br />
tio, Hélio Oiticica. O <strong>que</strong> você desejou mostrar<br />
às pesso<strong>as</strong>?<br />
CÉSAR OiTiCiCA FilhO: É um projeto de muito tempo<br />
e foi feito em camad<strong>as</strong>. Gosto de falar isso por<strong>que</strong>, embora<br />
seja um filme <strong>que</strong> acabou sendo cl<strong>as</strong>sificado como<br />
documentário, tem muito de experimental em vários sentidos.<br />
Pode-se perceber isso tanto em relação ao som, com<br />
uma trilha sonora <strong>que</strong> envolve a história de <strong>vida</strong> do Hélio,<br />
quanto em relação às imagens <strong>que</strong>, ao mesmo tempo <strong>que</strong><br />
procuram dialogar com seu discurso, fazem vári<strong>as</strong> homenagens<br />
e referênci<strong>as</strong>. Além disso, a montagem cinematográfica<br />
teve como objetivo apresentar o artista ao Br<strong>as</strong>il.<br />
Como ess<strong>as</strong> linguagens contribuíram para o resultado<br />
do filme?<br />
CÉSAR: O <strong>que</strong> dá o clima do filme é o som. Além d<strong>as</strong> músic<strong>as</strong><br />
históric<strong>as</strong>, ele conta com a participação fundamental<br />
do músico e compositor Jards Macalé. Quando nos encontramos<br />
para gravar, Macalé me disse: “Você não sabe o <strong>que</strong><br />
eu encontrei”. Era uma música totalmente concretista <strong>que</strong><br />
o Hélio escreveu para ele, chamada “Puto Nem Gil”. Quando<br />
gravamos, rolou um c<strong>as</strong>amento incrível. Ele também<br />
criou uma versão para “You Don’t Know Me”, <strong>que</strong> foi gravada<br />
inicialmente pelo Caetano Veloso no álbum Transa,<br />
também com arranjo de Macalé.<br />
Como você definiria Hélio Oiticica?<br />
CÉSAR: O Hélio não se interessava apen<strong>as</strong> pela filosofia<br />
da arte. É claro <strong>que</strong> seu trabalho e discurso de alto nível<br />
contribuíam, m<strong>as</strong> isso não <strong>que</strong>r dizer <strong>que</strong> ele falava só<br />
com a cl<strong>as</strong>se média alta <strong>que</strong> entendia do <strong>as</strong>sunto. Pelo<br />
contrário, sua arte vem d<strong>as</strong> manifestações populares, do<br />
Carnaval. O mais interessante é o fato de ele conseguir<br />
nivelar <strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses sociais e transformar o objeto pictórico,<br />
relativo ao quadro e à escultura, em algo fenomenológico,<br />
inspirado n<strong>as</strong> relações human<strong>as</strong>.<br />
O <strong>que</strong> de sua personalidade refletiu mais intensamente<br />
em sua obra e vice-versa?<br />
CÉSAR: Se a gente pensar n<strong>as</strong> cores <strong>que</strong> permeiam o<br />
trabalho do Hélio, <strong>que</strong> são o vermelho e o laranja, logo vê<br />
<strong>que</strong> o temperamento explosivo dele p<strong>as</strong>sou para a obra.<br />
Isso é bem interessante e me faz pensar no incêndio <strong>que</strong><br />
dizimou algum<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> do artista [ocorrido em outubro<br />
de 2009]. As pesso<strong>as</strong> me perguntam por <strong>que</strong> não falei<br />
dele no filme. M<strong>as</strong> o fogo está presente no filme. A bólide<br />
<strong>que</strong> é mostrada <strong>que</strong>r inflamar a obra com a cor. De tão<br />
forte e pura <strong>que</strong> ela é, toma conta. As atitudes dele eram<br />
<strong>as</strong>sim. O filme pega fogo sozinho, com su<strong>as</strong> imagens.<br />
Não abordei o incêndio por<strong>que</strong> a ideia do projeto é muito<br />
anterior a ele – ficou mais de cinco anos na Ancine – e<br />
retrata, acima de tudo, a <strong>vida</strong> do Hélio.<br />
O <strong>que</strong> vocês conseguiram recuperar do incêndio?<br />
CÉSAR: Ainda estamos recuperando. O restauro é difícil,<br />
m<strong>as</strong> muita coisa já faz parte da exposição em Portugal<br />
[Museu É o Mundo, em cartaz até o início de janeiro de<br />
2013 em Lisboa; apresentada em 2010 no Itaú Cultural,<br />
em São Paulo]. Muitos me perguntam sobre números,<br />
m<strong>as</strong> não tenho como dizer por<strong>que</strong> até hoje estou recuperando<br />
fotos. Eu abro um álbum carbonizado, m<strong>as</strong> quando<br />
se conta há mais de 300 imagens <strong>que</strong> estão bo<strong>as</strong>, <strong>que</strong><br />
podem ser digitalizad<strong>as</strong> e recuperad<strong>as</strong>. Algum<strong>as</strong> estão<br />
perfeit<strong>as</strong>! Não posso ser leviano ao dar números se sou<br />
eu o curador e minha função – claro <strong>que</strong> não sozinho – é<br />
ter distanciamento e olhar crítico antes de dizer se determinado<br />
material está bom mesmo.<br />
Você falou <strong>que</strong> o filme funciona em camad<strong>as</strong>. Isso<br />
significa <strong>que</strong> ele não é linear?<br />
CÉSAR: Ele me parece bem linear, m<strong>as</strong> foi criado em<br />
blocos. Glauber Rocha já falava muito sobre a montagem<br />
nuclear. Eu não cheguei a usar por causa da própria<br />
obra do Hélio – a saída do quadro para o espaço é<br />
um núcleo, uma vez <strong>que</strong> a pintura está fragmentada em<br />
vários pedaços <strong>que</strong> se agrupam e formam uma obra tridimensional.<br />
M<strong>as</strong>, quando montamos o filme, esse pensamento<br />
me impulsionou a fazê-lo em blocos. Procurei<br />
agrupar a obra e criar uma lógica <strong>que</strong> trouxesse sentido.<br />
Ainda <strong>as</strong>sim, ele não é totalmente linear.<br />
E aonde você quis chegar com essa lógica?<br />
CÉSAR: A ideia do filme é – inicialmente – apresentar<br />
o Hélio ao Br<strong>as</strong>il, por<strong>que</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> não o conhecem.<br />
É a mesma coisa <strong>que</strong> na Holanda ninguém conhecer<br />
Van Gogh. Claro <strong>que</strong> é outra cultura, m<strong>as</strong> acho <strong>que</strong> aí<br />
está a importância do documentário: precisamos reconstruir<br />
a imagem do país. Nesse sentido, o filme é<br />
um documentário, m<strong>as</strong> sua forma não é. Eu diria <strong>que</strong><br />
ele é um documentário experimental.<br />
Como você amarrou <strong>as</strong> <strong>que</strong>stões ideológic<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />
seu tio defendia à mensagem <strong>que</strong>, como diretor e<br />
produtor, quis transmitir às pesso<strong>as</strong>?<br />
CÉSAR: Geralmente, a imprensa <strong>que</strong>stiona, de forma<br />
pejorativa, como consegui colocar cen<strong>as</strong> polêmic<strong>as</strong>,<br />
de drog<strong>as</strong> e sexo, sendo parte da família. <strong>Na</strong> verdade,<br />
foi bem fácil, por<strong>que</strong> minha família não é católica<br />
nem protestante; então lidamos com isso numa<br />
boa. A obra mostra a intimidade <strong>que</strong> um texto ou<br />
uma exposição não conseguiriam retratar. Ele, como<br />
narrador, torna o filme qu<strong>as</strong>e performático. Isso surpreendeu<br />
<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>. Eu nunca quis fazer uma coisa<br />
careta, m<strong>as</strong> tudo é um experimento. Fiz testes para<br />
ver o <strong>que</strong> funcionava.<br />
“o hélio não Se intereSSava<br />
apenaS pela filoSofia da arte.<br />
é claro <strong>que</strong> Seu trabalho<br />
e diScurSo de alto nível<br />
contribuíam [...], maS Sua<br />
arte vem daS manifeStaçõeS<br />
populareS, do carnaval.”
CONTINUUM<br />
<strong>No</strong> filme, Hélio Oiticica declara: “O branco no<br />
branco é o maior estado de invenção”. O <strong>que</strong> isso<br />
<strong>que</strong>r dizer?<br />
CÉSAR: Ele estava dizendo <strong>que</strong> a invenção era a força<br />
propulsora de seu trabalho. Não existe ideia separada do<br />
objeto, o <strong>que</strong> existe é a invenção.<br />
Qual foi o momento mais “branco no branco” pelo<br />
qual você p<strong>as</strong>sou no processo de criação do filme?<br />
CÉSAR: Recuperei mais de 2 mil imagens do incêndio<br />
<strong>que</strong> entraram no filme apen<strong>as</strong> em alguns pedaços.<br />
É <strong>que</strong> o Hélio fotografava tudo em sequência,<br />
sem editar, como se estivesse filmando, só <strong>que</strong> em<br />
outra velocidade. O <strong>que</strong> eu fiz foi tentar dialogar com<br />
o cinema e a parte sensorial, de fato o <strong>que</strong> me interessava.<br />
<strong>No</strong> filme, o Hélio fala: “Eu não <strong>que</strong>ro montar<br />
nada”. <strong>No</strong> nosso c<strong>as</strong>o é o contrário. <strong>No</strong>sso filme<br />
é totalmente montado. Então, peguei esse diamante,<br />
<strong>que</strong> são su<strong>as</strong> fotografi<strong>as</strong>, e transformei em branco no<br />
branco, em cinema. Enquanto estava filmando, fi<strong>que</strong>i<br />
aberto para o <strong>que</strong> acontecesse na hora. Não sabia se<br />
ia ficar bonito, não tinha nada estabelecido. O filme é<br />
como uma aula sobre o <strong>que</strong> é a arte. Quando se ouve<br />
o Hélio falar sobre a arte, ele não está falando apen<strong>as</strong><br />
do trabalho dele, m<strong>as</strong>, sim, numa perspectiva mais<br />
O cine<strong>as</strong>ta César Oiticica Filho<br />
mostra <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> faces do<br />
criador dos Parangolés<br />
ampla, do grande mundo da invenção. Talvez seja<br />
esse o grande legado da obra e d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> dele. Falar<br />
isso hoje é muito importante. Muita gente acredita<br />
<strong>que</strong> tudo já foi feito, <strong>que</strong> é só copiar. M<strong>as</strong> não é <strong>as</strong>sim.<br />
Você conviveu muito com seu tio?<br />
CÉSAR: Não, eu era muito novo e ele viveu pouco [morreu<br />
aos 43 anos]. M<strong>as</strong>, nesses 30 anos de trajetória, ele<br />
fez muito. Todo mundo com <strong>que</strong>m conviveu conta <strong>que</strong><br />
ele convencia <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> de <strong>que</strong> el<strong>as</strong> eram artist<strong>as</strong> e <strong>as</strong><br />
colocava para trabalhar. Muita gente virou artista por<br />
causa desse impulso. Ele inflamava <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> com essa<br />
coisa de inventar algo.<br />
Você pretende dar continuidade ao projeto?<br />
Quais são os próximos planos?<br />
CÉSAR: Como diretor e produtor do filme, o projeto está<br />
encerrado, m<strong>as</strong> o trabalho do Hélio é um universo qu<strong>as</strong>e<br />
inexplorado. A gente fez muito pouco ainda. Essa é uma<br />
missão futura do Projeto Hélio Oiticica [<strong>as</strong>sociação <strong>que</strong><br />
cuida da obra do artista].<br />
O filme termina com Hélio Oiticica falando de<br />
sua relação com <strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, sintetizada na ideia de<br />
delírio ambulatório. Aonde você quis chegar com<br />
esse desfecho?<br />
CÉSAR: O Hélio dizia <strong>que</strong> “o delírio ambulatório, quando<br />
ele não é patológico, ele é extremamente gratificante”.<br />
Delírio ambulatório qu<strong>as</strong>e virou o subtítulo do<br />
filme, m<strong>as</strong> era algo tão forte <strong>que</strong> acabaria apagando a<br />
força do título, já <strong>que</strong> ele nada mais é <strong>que</strong> a alma desse<br />
trabalho. O caminhar pel<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> está relacionado ao<br />
sentido de caminhar com o Hélio pela história, pel<strong>as</strong><br />
cidades, pela obra, pelo cinema, pela música. A essência<br />
está em tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> linguagens, criad<strong>as</strong> junt<strong>as</strong>. O<br />
<strong>que</strong> é o filme? Não sei, não sei nem se é um filme. É um<br />
estado de invenção.<br />
15<br />
14
MUSEUS DO MUNDO | mon<br />
foto: Nelson Kon<br />
TEXTO andré chiarati<br />
Um museu vivo e em constante movimento. Assim<br />
é o Museu Oscar Niemeyer (MON), dedicado<br />
a exposições de artes visuais, arquitetura e<br />
design. Com mais de 17 mil metros quadrados de<br />
área expositiva, ostenta o título de maior espaço<br />
cultural desse tipo na América Latina, além de ter<br />
sido eleito recentemente um dos 20 mais belos<br />
do mundo pelo site norte-americano Flavorwire,<br />
especializado em cultura e crítica de arte. O<br />
museu é a única instituição latino-americana<br />
a integrar a seleta lista. “É um reconhecimento<br />
valioso para todos, principalmente para a<strong>que</strong>les<br />
<strong>que</strong> idealizaram esse projeto e defenderam sua<br />
importância; e para Oscar Niemeyer, <strong>que</strong> o desenhou<br />
com seu traço singular e poético”, comenta<br />
Estela Sandrini, diretora do MON.<br />
Ao longo de dez anos de história, o museu já<br />
realizou mais de 230 mostr<strong>as</strong> e recebeu eventos<br />
e exposições importantes, como o TEDx Curitiba<br />
(2011), a Bienal Internacional de Curitiba<br />
(2011) e exposições sobre dadaísmo e surrealismo,<br />
Rembrandt e Tomie Ohtake. “A vinda de<br />
mostr<strong>as</strong> internacionais para cá e o dinamismo<br />
da agenda fazem com <strong>que</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> se sintam<br />
sempre estimulad<strong>as</strong> a voltar, por<strong>que</strong> sabem <strong>que</strong><br />
encontrarão, a cada visita, uma proposta diferenciada”,<br />
avalia Estela. As 20 mostr<strong>as</strong> temporári<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam pelo MON recebem por ano<br />
mais de 200 mil visitantes, uma média de 25 mil<br />
pesso<strong>as</strong> por mês.<br />
Vários movimentos da cultura curitibana já pediam,<br />
desde os anos 1990, um grande museu,<br />
um lugar <strong>que</strong> pudesse receber <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de arte<br />
do estado. “Era a reivindicação por um espaço<br />
<strong>que</strong> fosse completo e não fragmentado em<br />
relação à cronologia, às linguagens e aos movimentos<br />
artísticos, como eram os museus de<br />
arte de Curitiba até então”, relembra Ricardo<br />
Freire, historiador do MON. O espaço é administrado<br />
pela Associação dos Amigos do Museu<br />
Oscar Niemeyer (Aamon) em parceria com<br />
a Secretaria de Estado da Cultura e possui um<br />
acervo de mais de 3 mil peç<strong>as</strong>, com obr<strong>as</strong> dos<br />
paranaenses Alfredo Andersen, João Turin,<br />
Theodoro De Bona, Miguel Bakun, Guido Viaro<br />
e Helena Wong, além de Tarsila do Amaral,<br />
Anita Malfatti, Candido Portinari e do próprio<br />
Oscar Niemeyer, entre outros.<br />
O gigante Museu Oscar Niemeyer prepara três grandes mostr<strong>as</strong> para celebrar uma<br />
década de estímulo à arte na capital paranaense<br />
Muito para ser visto<br />
Para celebrar uma década, o MON preparou<br />
uma programação especial com três grandes<br />
mostr<strong>as</strong>: Deg<strong>as</strong>: Poesia Geral da Ação, com 73<br />
escultur<strong>as</strong> do artista impressionista francês, do<br />
acervo do Museu de Arte de São Paulo (M<strong>as</strong>p);<br />
Di Cavalcanti, Br<strong>as</strong>il e Modernismo, retrospectiva<br />
com 80 obr<strong>as</strong> de um dos mais expressivos artist<strong>as</strong><br />
do período modernista da arte br<strong>as</strong>ileira; e<br />
PR-BR – Produção de uma Imagem Simbólica do<br />
Paraná na Cultura Visual Br<strong>as</strong>ileira, com obr<strong>as</strong><br />
do acervo do museu.<br />
Ocupa o “olho” um filho ilustre da terra dos pinheiros,<br />
o poeta Paulo Leminski. Curitibano do<br />
“leite <strong>que</strong>nte”, Leminski saiu pouco de sua cidade<br />
natal, m<strong>as</strong> sua obra ganhou dimensão dentro e<br />
fora do Br<strong>as</strong>il. Em Múltiplo Leminski é possível<br />
conhecer não só o poeta, m<strong>as</strong> o jornalista, o grafiteiro,<br />
o polemista. A exposição é um recorte da<br />
Ocupação Leminski: 20 Anos em Outr<strong>as</strong> Esfer<strong>as</strong>,<br />
organizada pelo Itaú Cultural em 2009.<br />
Como forma de estimular e democratizar o<br />
acesso à cultura, o MON possui ati<strong>vida</strong>des<br />
M OLhAR AtEntO<br />
para a arte<br />
O grande olho criado por Oscar<br />
Niemeyer pode ser visto de<br />
vários pontos de Curitiba
educativ<strong>as</strong>, como oficin<strong>as</strong>, debates e fóruns<br />
para os diferentes públicos <strong>que</strong> fre<strong>que</strong>ntam<br />
o local. Desde setembro de 2012, na primeira<br />
quinta-feira do mês, o horário de funcionamento<br />
é estendido, d<strong>as</strong> 10h às 20h, e entre 18h e 20h<br />
a entrada é franca. Há, ainda, a ação chamada<br />
Domingo Social, também com entrada franca<br />
no primeiro domingo do mês, <strong>que</strong> traz outr<strong>as</strong><br />
atrações para o museu, como apresentações<br />
musicais e de dança e oficin<strong>as</strong> do projeto Artista<br />
do Acervo – uma interação dos diferentes<br />
artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> têm obr<strong>as</strong> na coleção do espaço e<br />
<strong>que</strong> estão em ati<strong>vida</strong>de.<br />
uMa obra espetacular<br />
O prédio de concreto branco e iluminação zenital,<br />
inaugurado em 1967 como Instituto de Educação<br />
do Paraná, infelizmente nunca exerceu tal<br />
função. Niemeyer, desgostoso por seu projeto<br />
não ter sido executado em sua totalidade e ainda<br />
ter sido usado para fins diferentes da<strong>que</strong>les para<br />
os quais fora idealizado, não fazia muita <strong>que</strong>stão<br />
de dizer <strong>que</strong> o filho era seu.<br />
Mágo<strong>as</strong> à parte, em 2002, Jaime Lerner, arquiteto<br />
e urbanista, ao final do seu segundo<br />
mandato como governador (daí a pressa em<br />
terminar a obra), propôs <strong>que</strong> o lugar abrig<strong>as</strong>se<br />
um museu de arte contemporânea. Para tanto,<br />
Niemeyer redesenhou um museu metamorfose,<br />
<strong>que</strong> ocupava todo o edifício – com sal<strong>as</strong> expositiv<strong>as</strong>,<br />
biblioteca, auditório e café. Ao pavilhão<br />
branco, com 65 metros de vão-livre, foi anexado<br />
um grande salão expositivo em formato de<br />
olho (por isso o apelido de Museu do Olho),<br />
para abrigar exposições fix<strong>as</strong> e itinerantes. Suspensa<br />
em uma grande coluna – adornada por<br />
azulejos <strong>as</strong>sinados pelo arquiteto e com ramp<strong>as</strong><br />
imponentes de concreto –, a torre chama a atenção<br />
e pode ser vista de vários lugares da cidade,<br />
fazendo dele um dos pontos turísticos mais<br />
visitados da capital paranaense.<br />
CONTINUUM<br />
Vista do interior do museu<br />
O principal desafio do MON foi readequar o prédio<br />
e construir um anexo apen<strong>as</strong> alguns meses<br />
antes de sua inauguração. “Será tão bem-sucedida<br />
<strong>que</strong> o museu imaginado constituirá, sem<br />
dú<strong>vida</strong>, uma obra espetacular”, sentenciou o próprio<br />
Niemeyer ao descrever o projeto, <strong>que</strong> teve<br />
su<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> iniciad<strong>as</strong> em junho de 2002. Quatorze<br />
milhões de dólares e cinco meses depois, em 22<br />
de novembro, surgia o novo museu, <strong>que</strong>, inicialmente,<br />
abrigava o acervo do Museu de Arte do<br />
Paraná (MAP) e do extinto banco paranaense Banestado.<br />
Só em 2003 é <strong>que</strong> o espaço p<strong>as</strong>sou a se<br />
chamar Museu Oscar Niemeyer.<br />
O edifício integra o Centro Cívico de Curitiba,<br />
primeiro a ser construído no Br<strong>as</strong>il, em 1953, encomendado<br />
pelo governador Bento Munhoz da<br />
Rocha como parte d<strong>as</strong> homenagens ao centenário<br />
de emancipação política do Paraná. O conjunto de<br />
prédios, do arquiteto francês Alfred Agache, é parte<br />
do projeto de urbanização desenvolvido para<br />
Curitiba na década de 1950. Já a praça ao lado do<br />
museu é uma d<strong>as</strong> únic<strong>as</strong> peç<strong>as</strong> executad<strong>as</strong> do plano<br />
paisagístico de Burle Marx, de 1977. Hoje, a capital<br />
paranaense acumula bo<strong>as</strong> referênci<strong>as</strong> quando<br />
o <strong>as</strong>sunto é soluções urban<strong>as</strong> bem planejad<strong>as</strong>,<br />
aliad<strong>as</strong> às su<strong>as</strong> bel<strong>as</strong> paisagens.<br />
Atrás do museu há outro ponto turístico de desta<strong>que</strong>:<br />
o Bos<strong>que</strong> João Paulo II – homenagem ao<br />
papa <strong>que</strong> visitou a cidade em 1980 –, com uma<br />
mata nativa de 300 araucári<strong>as</strong>. Fronteiriço ao bos<strong>que</strong>,<br />
há um grande gramado também conhecido<br />
como Parcão, <strong>que</strong>, aos finais de semana, recebe<br />
os mais diferentes públicos: jogadores de futebol<br />
americano, músicos, praticantes de corda bamba,<br />
tribos d<strong>as</strong> mais variad<strong>as</strong> e uma infinidade de<br />
cachorros correndo de um lado para o outro. “Eu<br />
costumo vir muito a esta parte do museu e nunca<br />
havia entrado nele”, confessa Adriane Rib<strong>as</strong>, advogada,<br />
<strong>que</strong> pela primeira vez, durante o mês de<br />
aniversário do lugar, conheceu o interior do MON.<br />
Jardim de escultur<strong>as</strong><br />
Não é raro ver diferentes manifestações artístic<strong>as</strong><br />
acontecendo dentro, fora e ao redor do<br />
museu. Sejam grupos de adolescentes <strong>que</strong><br />
ensaiam p<strong>as</strong>sos de hip-hop, sejam fotógrafos<br />
clicando ensaios artísticos ou músicos tocando<br />
seus instrumentos. Todos se conjugam no<br />
mesmo espaço. Depois de tant<strong>as</strong> id<strong>as</strong> e vind<strong>as</strong>,<br />
hoje ele cumpre a função projetada por seu<br />
criador: formar e educar, tornando o saber e a<br />
arte mais democráticos.<br />
Saiba mais sobre o museu em<br />
.<br />
fotos: Marcelo Kaw<strong>as</strong>e<br />
17<br />
16
polític<strong>as</strong> culturais | universidades de cultura<br />
A gente não <strong>que</strong>r<br />
só comida<br />
Articulados em rede – e na velocidade da era digital –, multiplicam-se<br />
cursos voltados à cultura <strong>que</strong> ultrap<strong>as</strong>sam o universo acadêmico. E seus<br />
alunos estão famintos<br />
TEXTO pedro henri<strong>que</strong> frança ILUSTRAÇÃO eduardo burger
Existe por aí um papo sobre universidades de<br />
cultura, m<strong>as</strong> não é apen<strong>as</strong> papo nem bandeira<br />
eleitoral, é realidade e – no linguajar 2.0 – é viral.<br />
As aul<strong>as</strong>, gratuit<strong>as</strong>, podem acontecer durante a<br />
produção de um espetáculo, numa vivência na<br />
Bolívia ou em Buenos Aires ou mesmo entre os<br />
muros de uma universidade br<strong>as</strong>ileira conceituada,<br />
cuja concorrência em cursos tradicionais<br />
ultrap<strong>as</strong>sa 20 candidatos por vaga. O compromisso,<br />
neste c<strong>as</strong>o, depende da fidelidade consigo<br />
mesmo e da vontade de escutar e interagir. Faltou?<br />
Perdeu, playboy. E foi conteúdo.<br />
Numa terça-feira, na UFRJ, pouco mais de 60<br />
alunos da Universidade d<strong>as</strong> Quebrad<strong>as</strong> está em<br />
aula. Em sua maioria, são “<strong>que</strong>bradeiros”, artist<strong>as</strong>,<br />
pesso<strong>as</strong> <strong>que</strong> já trabalham com produção<br />
cultural ou “ativist<strong>as</strong>, gente muito articulada”,<br />
como resume a coordenadora Beá Meira – um<br />
público de mestrado e doutorado acima dos 26<br />
anos. Eles vêm da periferia, aprovados por edital,<br />
e se misturam a alguns poucos selecionados<br />
da zona sul carioca. “M<strong>as</strong> isso aqui não é um<br />
p<strong>as</strong>satempo”, alerta Beá.<br />
Em cl<strong>as</strong>se, os estudantes discutem prosa modernista<br />
com o professor Fred Coelho, tema <strong>que</strong> se estenderia<br />
n<strong>as</strong> aul<strong>as</strong> seguintes. Uma vez por semana, um<br />
novo mestre. As troc<strong>as</strong> de idei<strong>as</strong> são alimentad<strong>as</strong> na<br />
internet por artigos publicados por Beá Meira, também<br />
editora do portal [universidaded<strong>as</strong><strong>que</strong>brad<strong>as</strong>.<br />
pacc.ufrj.br], até a nova aula presencial. É <strong>as</strong>sim desde<br />
2010, quando a Universidade d<strong>as</strong> Quebrad<strong>as</strong> foi<br />
criada, fruto de um insight d<strong>as</strong> pesquisador<strong>as</strong> Numa<br />
Ciro e Heloisa Buar<strong>que</strong> de Hollanda.<br />
CONTINUUM<br />
Orientanda de doutorado de Heloisa, Numa estudava<br />
o rap quando constatou <strong>que</strong> <strong>as</strong> entrevist<strong>as</strong><br />
com <strong>as</strong> mães dos rappers davam a ela um conhecimento<br />
tão empírico e profundo quanto o <strong>que</strong><br />
obtinha com especialist<strong>as</strong>. “Aí ela pensou em promover<br />
encontros para a troca de saberes. Heloisa,<br />
<strong>que</strong> já desejava montar um curso para reunir lideranç<strong>as</strong><br />
sociais, abraçou a ideia e a viabilizou como<br />
um curso de extensão da UFRJ”, conta Beá.<br />
A extensão, concebida para tratar da história<br />
da cultura, teve como foco inicial a literatura,<br />
<strong>as</strong> artes visuais e a filosofia, m<strong>as</strong> já no primeiro<br />
semestre do ano seguinte o teatro, o cinema, a<br />
dança e a música foram incluídos. Outr<strong>as</strong> universidades,<br />
como <strong>as</strong> federais da Bahia e de São<br />
Carlos e a privada Fundação Getulio Varg<strong>as</strong> do<br />
Rio, também estão entre <strong>as</strong> instituições com<br />
iniciativ<strong>as</strong> semelhantes. Para Heloisa, o movimento<br />
denota a necessidade de uma reformatação<br />
no ensino e pode funcionar como uma<br />
opção de formação.<br />
“Dentro da universidade são vári<strong>as</strong> <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> começam a ser desenvol<strong>vida</strong>s no âmbito<br />
d<strong>as</strong> sub-reitori<strong>as</strong> de extensão, cuja missão é<br />
articular a sociedade e <strong>as</strong> instituições de ensino<br />
superior. Nesse escopo está o nosso projeto. <strong>Na</strong><br />
direção inversa, temos o trabalho do Observatório<br />
de Favel<strong>as</strong> e a Universidade Fora do Eixo, <strong>que</strong><br />
pretendem a criação de redes colaborativ<strong>as</strong> de conhecimento<br />
fora d<strong>as</strong> universidades. Sem falar em<br />
outr<strong>as</strong> frentes, como <strong>as</strong> Batalh<strong>as</strong> de Conhecimento,<br />
ligad<strong>as</strong> aos grupos de rap”, enumera Heloisa.<br />
De Dentro para fora<br />
O Circuito Fora do Eixo implantou uma universidade<br />
<strong>que</strong> não tem um campus, e sim vários –<br />
cerca de 400, nenhum fixo. Não tem apen<strong>as</strong> um<br />
curso, m<strong>as</strong> dezen<strong>as</strong>. Não há grade curricular, m<strong>as</strong><br />
o aluno acumula créditos, somados e colocados<br />
em sua certificação.<br />
Por meio de editais, o estudante se inscreve nos<br />
cursos relacionados ao seu perfil, <strong>que</strong> vão desde<br />
experiênci<strong>as</strong> de intercâmbio cultural – da Colômbia<br />
ao México – a processos de produção cultural<br />
de eventos e ati<strong>vida</strong>des em sal<strong>as</strong> de aula, oc<strong>as</strong>ionalmente.<br />
“Nós não temos ano letivo, pois o<br />
percurso é montado conforme a oferta”, explica a<br />
gestora, Carol Tokuyo.<br />
Tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ati<strong>vida</strong>des são gratuit<strong>as</strong> e têm vag<strong>as</strong><br />
limitad<strong>as</strong>. Trabalho de conclusão de curso? Cortesia<br />
da c<strong>as</strong>a. E os estudos são interrompidos de<br />
acordo com a vontade de cada um. “A ideia de se<br />
formar é péssima, o objetivo é estar sempre em<br />
processo de formação”, acredita Carol. E emenda:<br />
“Se você quiser viver de cultura no país, uma<br />
faculdade não tem tanta serventia; diploma acadêmico<br />
para a cultura é algo desnecessário”.<br />
Segundo a gestora, a demanda – “gigante”, ressalta<br />
– vem de profissionais ligados à cultura.<br />
“M<strong>as</strong> também temos alguns jovens <strong>que</strong> <strong>que</strong>rem<br />
trabalhar na área e nos procuram como uma op-<br />
ção de faculdade.” <strong>No</strong> primeiro dia de inscrição,<br />
em agosto, foram mais de 500 interessados; três<br />
meses depois já p<strong>as</strong>savam de 3 mil inscritos.<br />
reDe social: moraDa Do saber<br />
Tanto os cursos de extensão vinculados às universidades<br />
quanto entidades e outros pontos<br />
de cultura não se isolam, somam-se. Todos eles<br />
(mais de 30) estão reunidos na Universidade da<br />
Cultura Livre (Unicult), espécie de consórcio de<br />
instituições multilaterais integrad<strong>as</strong> a um processo<br />
de formação continuada na área cultural.<br />
A internet é a plataforma b<strong>as</strong>e desse modelo alternativo<br />
de educação, no qual a produção não<br />
se restringe à academia e o conhecimento se espalha<br />
rapidamente. “O paradigma de hierarquização<br />
dos saberes e de formação de especialist<strong>as</strong><br />
está dando sinais de falência. A produção de<br />
conhecimento novo hoje só me parece possível<br />
através de processos colaborativos, compartilhados<br />
e negociados. Portanto, ess<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> são<br />
sintom<strong>as</strong> de <strong>que</strong> a mudança já está em curso”,<br />
pondera Heloisa.<br />
<strong>Na</strong> visão da pesquisadora Ivana Bentes, <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong><br />
proporcionad<strong>as</strong> pelo ensino livre “borram<br />
<strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> entre formador/formando, professor/<br />
estudante, potencializando <strong>as</strong> troc<strong>as</strong>. Assim, saímos<br />
do ‘campus de concentração’ da escola e da<br />
universidade fordista multidisciplinar para surfar<br />
em outr<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> de formação”, acredita.<br />
Para o escritor Celso Athayde, fundador da Central<br />
Única d<strong>as</strong> Favel<strong>as</strong> (Cufa), “o saber fora dos<br />
muros da academia revela cada vez mais a sua<br />
força e coloca-se como objeto democrático”. M<strong>as</strong><br />
contrapõe: “O movimento não deve ter a pretensão<br />
de substituir a educação formal sistematizada,<br />
m<strong>as</strong>, sim, valorizar a cadeia produtiva da cultura<br />
e da inovação, estimulando <strong>as</strong>sim uma nova<br />
identidade <strong>que</strong> transcenda a educação”.<br />
O rumo da transgressão, porém, ainda encontra<br />
desafios. Abranger toda a gama cultural de um<br />
país tão rico como o Br<strong>as</strong>il é um deles. “Mudamos<br />
o programa e os professores fre<strong>que</strong>ntemente<br />
por<strong>que</strong> sempre achamos <strong>que</strong> não conseguimos<br />
atingir o pluriverso”, diz Beá. <strong>No</strong> c<strong>as</strong>o da<br />
Universidade d<strong>as</strong> Quebrad<strong>as</strong>, em <strong>que</strong> o espaço<br />
é aberto para o diálogo com a periferia, a falta de<br />
estrutura e de oportunidade de bols<strong>as</strong> também<br />
surge como preocupação. “Lidamos com pesso<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> acreditam <strong>que</strong> pensar é importante, m<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />
sobreviver é urgente”, diz Beá.<br />
De olho no futuro, Ivana Bentes diz <strong>que</strong> <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong><br />
de formação livre “já estão se multiplicando<br />
em todo o Br<strong>as</strong>il”. E dá o recado: “Muit<strong>as</strong><br />
têm metodologi<strong>as</strong> <strong>que</strong> poderiam servir como<br />
projetos pilotos de polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>. O Br<strong>as</strong>il<br />
pode p<strong>as</strong>sar diretamente da cultura oral para a<br />
cultura digital, criar metodologi<strong>as</strong> e dinâmic<strong>as</strong><br />
de apropriação tecnológica <strong>que</strong> potencializem o<br />
pensamento. Essa pode ser a nossa contribuição<br />
no campo da informação”, conclui.<br />
19<br />
18
Reportagem | leia para uma criança<br />
de pai<br />
para filho<br />
TEXTO débora almeida<br />
“Era uma vez um reino muito, muito distante...” Quem nunca ouviu, quando<br />
criança, essa fr<strong>as</strong>e dita por um adulto? Ela era a porta de entrada para<br />
um mundo de fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong>, <strong>que</strong> a cada noite alimentava nossa imaginação<br />
antes de cairmos no sono. Pensando no incentivo ao hábito da leitura, a<br />
Fundação Itaú Social criou, em 2010, o programa Leia para uma Criança,<br />
<strong>que</strong> distribui livros infantis para <strong>que</strong> os pais leiam para os filhos. A iniciativa<br />
parte do princípio de <strong>que</strong> ouvir históri<strong>as</strong> nos primeiros anos de <strong>vida</strong><br />
tem efeitos surpreendentes na educação e na comunicação.<br />
O programa entrega na c<strong>as</strong>a de pais, voluntários de organizações sociais<br />
e professores um conjunto de títulos recomendados por educadores e especialist<strong>as</strong><br />
em educação infantil, além de dar dic<strong>as</strong> de leitura e de ati<strong>vida</strong>des<br />
para fazer com a criança [ver box]. Mais de 22 milhões de exemplares<br />
já foram distribuídos. Neste ano, foram disponibilizados os títulos Lino, de<br />
André Neves (Callis); Poesia na Varanda, de Sonia Jun<strong>que</strong>ira (Autêntica);<br />
e O Ratinho, o Morango Vermelho Maduro, e o Grande Urso Esfomeado,<br />
de Don e Audrey Wood (Brin<strong>que</strong>-Book). Valéria Riccomini, diretora da<br />
Fundação, afirma <strong>que</strong> a ação é direito básico d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>. “Ler para el<strong>as</strong><br />
faz parte não só de sua preparação para a aprendizagem, m<strong>as</strong> ajuda no<br />
desenvolvimento socioafetivo, quando se vê a relação <strong>que</strong> criam com um<br />
adulto. Além disso, incentiva a inventi<strong>vida</strong>de, trabalha os medos, entre outros<br />
benefícios”. Em recente pesquisa encomendada pela instituição para<br />
o Datafolha, apesar de 96% dos respondentes acharem <strong>que</strong> é importante<br />
ler para uma criança, apen<strong>as</strong> 37% têm o hábito.<br />
A educadora Daniela Mott, <strong>que</strong> trabalha com leitura em sala de aula para<br />
crianç<strong>as</strong> de 4 anos, avalia <strong>que</strong> é possível ver o desenvolvimento dos alunos<br />
com o p<strong>as</strong>sar do tempo. “<strong>No</strong> início eles ficavam um pouco tímidos e<br />
apen<strong>as</strong> ouviam, m<strong>as</strong> ao se familiarizarem adquiriam confiança e admiração<br />
em relação ao adulto.” Ela sempre propõe aos alunos, após a leitura, <strong>que</strong><br />
inventem um final diferente para a história. “Peço <strong>que</strong> acrescentem um personagem<br />
e eles adoram, conversam entre si, dramatizam. Isso cria um vínculo<br />
de amizade e carinho entre o adulto e a criança.” De sua experiência,<br />
conclui <strong>que</strong> <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> não alfabetizad<strong>as</strong> conseguem, de maneira surpre-<br />
Programa distribui livros em todo o país para incentivar<br />
o hábito da leitura em crianç<strong>as</strong><br />
endente, observar, imaginar e criar algo diferente, aprendendo facilmente a<br />
converter palavr<strong>as</strong> em idei<strong>as</strong>.<br />
Segundo a Fundação <strong>Na</strong>cional de Leitura Infantil dos Estados Unidos<br />
(<strong>Na</strong>tional Children’s Reading Foundation), ler durante 20 minutos por<br />
dia para os filhos nos primeiros cinco anos de <strong>vida</strong> é o equivalente a 600<br />
hor<strong>as</strong> de pré-alfabetização. De acordo com estudos dessa entidade, ler<br />
“conecta” <strong>as</strong> célul<strong>as</strong> do cérebro em redes <strong>que</strong> depois facilitarão a leitura<br />
quando a criança estiver sozinha. Ela vai poder distinguir sons (percepção<br />
de fonética), reconhecer letr<strong>as</strong> e elaborar estratégi<strong>as</strong> para descobrir<br />
nov<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> (decodificação), desenvolver habilidade para entender o<br />
<strong>que</strong> os termos significam em referência ao mundo real (criar contextos),<br />
além de desenvolver um bom vocabulário oral (aproximadamente 5 mil<br />
palavr<strong>as</strong>, ainda no jardim de infância).<br />
Saiba mais em .<br />
Como formar o pe<strong>que</strong>no leitor<br />
Veja dic<strong>as</strong> do leia para uma Criança<br />
> Tenha convers<strong>as</strong> fre<strong>que</strong>ntes com seu filho. Ouça-o e faça pergunt<strong>as</strong><br />
cuj<strong>as</strong> respost<strong>as</strong> precisem ser mais <strong>que</strong> uma ou du<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>.<br />
> Leia ao menos 20 minutos por dia. Reserve um horário e tente mantê-lo.<br />
Torne o hábito prazeroso para ele e para você.<br />
> Deixe os livros ao alcance d<strong>as</strong> mãos, em todos os cômodos da c<strong>as</strong>a. Livros<br />
devem ser usados e não guardados.<br />
> Dê o exemplo e leia você também. É com o exemplo <strong>que</strong> aprendemos.<br />
> Fre<strong>que</strong>nte livrari<strong>as</strong> e bibliotec<strong>as</strong>. Presenteie com livros, gibis ou revist<strong>as</strong>.<br />
> Incentive seu filho a contar <strong>as</strong> históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> ouviu a outr<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>.<br />
> Pais <strong>que</strong> não são leitores fluentes ou não gostam de ler podem contar<br />
históri<strong>as</strong> de sua própria <strong>vida</strong>, de sua imaginação, ou criar narrativ<strong>as</strong> com<br />
imagens de livros ilustrados.
ntrE<br />
rinh<strong>as</strong> e saraus<br />
Encontros de poesia e batalh<strong>as</strong> de MC fortalecem a cena paulistana do rap<br />
TEXTO mariana de andrade FOTOS paulo papaleo<br />
Guilherme “13”, fre<strong>que</strong>ntador<br />
da Batalha do Santa Cruz,<br />
em São Paulo<br />
CONTINUUM<br />
Reportagem | ritmo & poesia<br />
20 21
Reportagem | ritmo & poesia<br />
“<strong>No</strong> meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma<br />
pedra no meio do caminho.” Quando Felipe Rima<br />
ouviu esses versos pela primeira vez, identificou-<br />
-se na hora. Para ele, a tal pedra era o crack, droga<br />
<strong>que</strong>, desde pe<strong>que</strong>no, via desestruturar sua família.<br />
Antes de conhecer a poesia de Drummond,<br />
Felipe já escrevia versos – m<strong>as</strong> em forma de ritmo<br />
& poesia, ou rap. O poeta e rapper compartilhou<br />
sua história de aproximação com o gênero literário<br />
no Sarau Suburbano, evento realizado tod<strong>as</strong><br />
<strong>as</strong> terç<strong>as</strong> no bairro paulistano Bixiga. Como diversos<br />
saraus em São Paulo, o Suburbano vem se<br />
tornando um ponto de encontro importante para<br />
a cena do rap da capital. Os MCs se apossam do<br />
espaço para, além de ouvir e recitar trabalhos, divulgar<br />
eventos e fazer contatos.<br />
Outro fiel fre<strong>que</strong>ntador do Bixiga é Fabio Duarte<br />
Gomes, o Fabio Boca. O rapper, <strong>que</strong> faz parte do<br />
DiQuintal – mesmo grupo do MC Amiri, uma d<strong>as</strong><br />
nov<strong>as</strong> apost<strong>as</strong> da cena –, foi selecionado neste<br />
ano para representar o Br<strong>as</strong>il na 9ª Copa do Mundo<br />
de Slam. A competição, realizada na França,<br />
reúne poet<strong>as</strong> de diversos países <strong>que</strong> declamam<br />
versos de autoria própria a um júri e a uma plateia.<br />
Para Boca, os encontros de poesia foram um<br />
divisor de águ<strong>as</strong>, por<strong>que</strong> despertaram o hábito<br />
da leitura e uma cobrança maior com o próprio<br />
trabalho. M<strong>as</strong> isso não significa <strong>que</strong> o rap tenha<br />
tomado um discurso menos carregado de crítica<br />
social – o rapper cresceu ouvindo Racionais MC’s<br />
por influência do tio, <strong>que</strong> foi <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinado. “O prazer<br />
da leitura abre um portal para nov<strong>as</strong> linguagens,<br />
para um novo dialeto misturado ao <strong>que</strong> a<br />
gente traz da rua. <strong>Na</strong> verdade, a linguagem não<br />
se tornou mais sutil; é <strong>que</strong> hoje a gente está com<br />
mais bala no pente, por<strong>que</strong> existem argumentos<br />
<strong>que</strong> a gente sabe usar e ouvir – então ela ficou<br />
mais rica”, acredita. Boca também não perde o<br />
Sarau Rap, evento realizado no Centro Cultural<br />
São Paulo, no qual rimadores e rimador<strong>as</strong> declamam<br />
su<strong>as</strong> letr<strong>as</strong> sem o apoio musical. Apresentado<br />
por Sérgio Vaz, da Cooperifa, o sarau conta<br />
ainda com pocket shows de grupos da cena do<br />
rap, novos e veteranos.<br />
Se os anos 1990 foram marcados pela <strong>as</strong>censão<br />
do rap no Br<strong>as</strong>il na voz dos Racionais MC’s, com<br />
a tônica direta da crítica social, os anos 2000 revelaram<br />
nomes como Emicida, Projota e R<strong>as</strong>hid<br />
– uma geração conhecida por explorar nov<strong>as</strong><br />
linguagens e temátic<strong>as</strong>. <strong>No</strong> entanto, para <strong>que</strong>m<br />
vive o movimento hip-hop, a pluralidade no rap<br />
nacional sempre existiu. “<strong>Na</strong><strong>que</strong>la época o SNJ<br />
era muito diferente dos Racionais, <strong>que</strong> eram<br />
muito diferentes de RZO, DMN e Consciência<br />
Humana. Cada um tinha uma cara, só <strong>que</strong> por<br />
baixo muita gente fazia igual, inclusive eu”,<br />
brinca Projota. O rapper dá uma pista do <strong>que</strong><br />
pode ter mudado de lá para cá. A internet facilitou<br />
a busca por mais influênci<strong>as</strong> e pelo conhecimento.<br />
Hoje você vê influênci<strong>as</strong> do funk e<br />
o soul, totalmente presentes n<strong>as</strong> nov<strong>as</strong> músic<strong>as</strong><br />
do Mano Brown, na levada e também nos tem<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> ele tem abordado. Ele é uma máquina de<br />
evolução e realmente não fica parado”.<br />
O freestyle<br />
Em meados dos anos 2000, a Galeria Olido, no<br />
centro, era um dos únicos pontos de encontro<br />
dos apreciadores de rap em São Paulo. Os eventos<br />
do gênero na cidade se tornaram esc<strong>as</strong>sos<br />
após o boom da cena nos anos 1990 e muitos jovens<br />
sentiam falta de um local onde pudessem<br />
trocar informações. Para suprir essa demanda<br />
um grupo de amigos resolveu montar, próximo<br />
ao metrô Santa Cruz, uma competição de rap<br />
de improviso. Inspirada na Batalha do 1 Real, organizada<br />
no Rio de Janeiro, a Batalha do Santa<br />
Cruz se tornaria o primeiro encontro regular de<br />
freestyle da cena paulistana.<br />
Com o apoio do beatbox [arte de reproduzir sons<br />
de instrumentos de percussão com a voz], cada<br />
MC tem 30 segundos para rimar e a plateia é<br />
<strong>que</strong>m julga. A disputa pode chegar até o terceiro<br />
round, c<strong>as</strong>o um dos MCs não ganhe du<strong>as</strong> sessões<br />
consecutiv<strong>as</strong>. <strong>Na</strong> primeira edição da Batalha, em<br />
fevereiro de 2006, o vencedor foi Leandro Ro<strong>que</strong><br />
de Oliveira, <strong>que</strong> mais tarde ganharia a alcunha de<br />
homicida de MCs, ou – como preferiu ser chamado<br />
– Emicida. Além dele, os principais nomes da<br />
nova geração p<strong>as</strong>saram pelo local.<br />
Batalha do Santa Cruz,<br />
primeiro encontro regular de<br />
freestyle em São Paulo
“Fazer contato, conhecer gente, era o mais importante.<br />
O <strong>que</strong> mais me enri<strong>que</strong>ceu na época não<br />
foram <strong>as</strong> batalh<strong>as</strong> <strong>que</strong> ganhei, m<strong>as</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> <strong>que</strong><br />
conheci e os momentos <strong>que</strong> vivi”, diz Projota. E um<br />
dos amigos <strong>que</strong> fez foi Emicida. Ao final d<strong>as</strong> batalh<strong>as</strong>,<br />
voltavam juntos, de metrô, para a zona norte<br />
de São Paulo. O freestyle também ajudava na presença<br />
de <strong>palco</strong>. “<strong>Na</strong><strong>que</strong>la época, a gente não tinha<br />
onde cantar, não tinha show para fazer e nunca subia<br />
num <strong>palco</strong>. Quando eu fazia improviso, tinha lá<br />
um<strong>as</strong> 200 pesso<strong>as</strong>, parad<strong>as</strong>, olhando para mim.”<br />
Parecido com o repente, <strong>as</strong> batalh<strong>as</strong> de freestyle<br />
exigem <strong>que</strong> o MC saiba agradar ao público. A preocupação<br />
é desestabilizar o oponente – criticando<br />
sua roupa ou a falta de habilidade com <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>,<br />
por exemplo. As referênci<strong>as</strong> ao hip-hop no<br />
discurso dos MCs também chamam a atenção da<br />
plateia julgadora, m<strong>as</strong>, sem dú<strong>vida</strong>, apropriar-se<br />
da fala do adversário e soltar uma resposta superior<br />
conta mais pontos, por<strong>que</strong> demonstra <strong>que</strong> o<br />
rapper realmente domina a arte do improviso.<br />
Hoje há divers<strong>as</strong> batalh<strong>as</strong> por São Paulo. Apesar<br />
da importância del<strong>as</strong> para o rap paulistano,<br />
Marcello Gugu, membro do coletivo <strong>que</strong> organiza<br />
a Batalha do Santa Cruz, acredita <strong>que</strong> existam<br />
outros elementos consolidadores da cena, até<br />
por<strong>que</strong> muitos rappers não se propõem a batalhar.<br />
“O freestyle n<strong>as</strong>ce e morre no momento, o<br />
<strong>que</strong> vai perpetuar e fazer seu nome é a música.<br />
Batalha dá uma visibilidade muito boa, m<strong>as</strong> tem<br />
o lance da transição, de mostrar liricamente <strong>que</strong><br />
você escreve melhor do <strong>que</strong> faz freestyle. Quando<br />
você escreve, tem tempo de lapidar cada ideia,<br />
de se aprofundar mais e ser genial”, explica.<br />
Poucos meses depois de iniciada a Batalha do Santa<br />
Cruz, em 2006, o rapper Criolo e o MC e DJ Dan<br />
Dan resolveram criar um evento <strong>que</strong> agreg<strong>as</strong>se,<br />
além da batalha de improviso, shows, grafite e outr<strong>as</strong><br />
manifestações artístic<strong>as</strong>. Estava criada a Rinha<br />
dos MCs. Nela, os rappers usam microfone e de-<br />
CONTINUUM<br />
encontro informal dos repentist<strong>as</strong><br />
contemporâneos<br />
garante a renovação do rap<br />
vem acompanhar a batida dos DJs. Hoje é um dos<br />
eventos mais tradicionais da cena do hip-hop. Para<br />
Dan Dan, “se você prestar atenção, o hip-hop, o rap,<br />
está mudando a cena musical br<strong>as</strong>ileira. E não é só<br />
por causa do Criolo. Tem o Rael da Rima, o próprio<br />
Emicida e uma galera chegando com outra musicalidade,<br />
por<strong>que</strong> o rap sempre teve ess<strong>as</strong> mistur<strong>as</strong>”.<br />
<strong>No</strong> entanto, o DJ deixa claro <strong>que</strong> a variedade<br />
de vertentes não altera o caráter ideológico do rap.<br />
“Em qual<strong>que</strong>r grupo sempre vai ter o discurso ideológico,<br />
por mais <strong>que</strong> tenha dez músic<strong>as</strong> falando<br />
de amor e só uma fr<strong>as</strong>e falando de mudança, por<strong>que</strong><br />
isso está enraizado no rap, é natural.”<br />
O mercadO dO rap<br />
De forma geral, shows, batalh<strong>as</strong> e saraus são os<br />
locais onde os MCs desconhecidos de São Paulo<br />
conseguem divulgar e vender su<strong>as</strong> mixtapes – CD<br />
produzido de forma mais artesanal e independente.<br />
Nesses eventos, muitos acabam conhecendo<br />
produtores, beatmakers e rappers e criando parceri<strong>as</strong><br />
para o futuro. Emicida, por exemplo, trabalha<br />
atualmente em seu primeiro disco, após ter lança-<br />
“O <strong>que</strong> mais me enri<strong>que</strong>ceu<br />
na épOca nãO fOram <strong>as</strong><br />
batalh<strong>as</strong> <strong>que</strong> ganhei, m<strong>as</strong><br />
<strong>as</strong> pessO<strong>as</strong> <strong>que</strong> cOnheci e Os<br />
mOmentOs <strong>que</strong> vivi.”<br />
prOjOta<br />
do quatro mixtapes e alguns singles. Evandro Fióti,<br />
irmão e sócio do rapper no selo, produtora e loja<br />
virtual Laboratório Fant<strong>as</strong>ma, acredita <strong>que</strong> esse era<br />
o único caminho disponível para os rappers. “Isso<br />
foi mais necessário no rap por<strong>que</strong> a gente sempre<br />
teve <strong>as</strong> port<strong>as</strong> fechad<strong>as</strong>. Se você não fizesse o próprio<br />
negócio, não divulg<strong>as</strong>se sua música e não visse<br />
uma forma de distribuir, ficava engessado, por<strong>que</strong><br />
<strong>as</strong> gravador<strong>as</strong> não aceitavam. Hoje, com esse<br />
boom, você até recebe propost<strong>as</strong> e rola uma maior<br />
aceitação. M<strong>as</strong> anos atrás era impossível.”<br />
O selo, <strong>que</strong> também tem acordos com os rappers<br />
Ogí e Rael e com a banda Mão de Oito, já vendeu<br />
mais de 50 mil discos. Além do trabalho na rua,<br />
Fióti aponta, como Projota, a tecnologia como<br />
grande aliada do rap atual. “A internet ajudou<br />
muito a entregar a nossa música. O <strong>que</strong> a gente<br />
faz é isto aqui; se <strong>que</strong>r ou não é você <strong>que</strong>m vai determinar.<br />
A abertura da grande mídia – fazendo a<br />
gente chegar a milhões de pesso<strong>as</strong> – é o <strong>que</strong> mais<br />
ajuda, m<strong>as</strong> são tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> pe<strong>que</strong>n<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong><br />
junt<strong>as</strong> <strong>que</strong> fazem o caldeirão pegar fogo”.<br />
22 23
Reportagem | múltiplos e livros de artista<br />
Você também<br />
pode Obr<strong>as</strong> reproduzíveis ganham espaço em museus portáteis e<br />
loj<strong>as</strong> à margem do circuito tradicional d<strong>as</strong> artes visuais<br />
ter uma...<br />
TEXTO leonardo foletto<br />
Em pleno século XXI, quando se fala em artes<br />
visuais, a primeira lembrança ainda é a de<br />
museus e galeri<strong>as</strong>, espaços <strong>que</strong> costumamos ir<br />
para contemplar uma obra de arte. Dentro deles<br />
é <strong>que</strong>, na maioria d<strong>as</strong> vezes, apreciamos, viajamos,<br />
nos surpreendemos com um trabalho, ou<br />
refletimos sobre ele, não importa de qual técnica<br />
ou de <strong>que</strong> meio ele seja. Costumamos imaginar<br />
<strong>que</strong> será uma rara oportunidade ver tal obra<br />
em determinado lugar, e para isso nos preparamos.<br />
A menos <strong>que</strong> sejamos colecionadores ou<br />
galerist<strong>as</strong>, podemos sonhar em levar uma obra<br />
para c<strong>as</strong>a, certo?<br />
Bem, não necessariamente. Desde o início do século<br />
XX, com <strong>as</strong> vanguard<strong>as</strong> históric<strong>as</strong> (futurismo,<br />
dadaísmo e surrealismo) e com a evolução tecnológica<br />
da reprodução, sabemos <strong>que</strong> uma obra de arte<br />
pode ser, sim, manipulada, remexida e, até mesmo,<br />
“levada para c<strong>as</strong>a”. A partir do pós-modernismo<br />
d<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> de 1960 e 1970, tornaram-se populares<br />
obr<strong>as</strong> com tiragem (pe<strong>que</strong>na ou grande) maleáveis<br />
e reproduzíveis, <strong>que</strong> se costumou chamar de múltiplos<br />
– termo utilizado para identificar “um tipo de<br />
produção <strong>que</strong> tem como um dos princípios norteadores<br />
a disseminação da obra de arte, tornando-a,<br />
pelo procedimento da multiplicação, um bem de<br />
consumo acessível a um público mais v<strong>as</strong>to”, como<br />
explica Regina Melim, artista e professora do Departamento<br />
de Artes Visuais da Udesc (SC).<br />
De Lygia Clark a Paulo Bruscky, p<strong>as</strong>sando por<br />
Hélio Oiticica e Antonio Di<strong>as</strong>, boa parte dos artist<strong>as</strong><br />
br<strong>as</strong>ileiros dos anos 1950 para cá realiza,<br />
ou já realizou, trabalhos cuja tiragem é ampla e<br />
reproduzível. A ideia de reprodução e tiragem<br />
desperta outro interesse no público, <strong>que</strong> vai<br />
desde a possibilidade concreta de colecionar –<br />
especialmente quando se fala de publicações<br />
de artist<strong>as</strong>, livros ou pe<strong>que</strong>n<strong>as</strong> brochur<strong>as</strong> com<br />
tiragem limitada – até a de “brincar” com a obra.<br />
Sendo reproduzível, a criação artística perde<br />
a aura do não-me-to<strong>que</strong>s tradicionalmente comum<br />
a quadros e escultur<strong>as</strong> e p<strong>as</strong>sa a poder ser<br />
manipulada livremente.<br />
EXPOSIÇÕES PORTÁTEIS<br />
Para apresentar esses múltiplos, não raro profissionais<br />
da arte têm procurado fugir do formato<br />
tradicional dos museus e optado por exposições<br />
portáteis, <strong>que</strong> podem ser levad<strong>as</strong> a vários<br />
lugares. Regina é uma d<strong>as</strong> artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> recentemente<br />
p<strong>as</strong>saram a investir nesse nicho: criou,<br />
em 2006, a plataforma par(ent)esis, com o objetivo<br />
de produzir e editar projetos artísticos e<br />
curatoriais em formato de publicações. Alguns<br />
dos trabalhos <strong>que</strong> já realizou nesse formato são<br />
PF (2006); amor: leve com você (2007); Coleção<br />
(2008); Convers<strong>as</strong> (2009); e Projeto A2 – Diego<br />
Rayck. “São mostr<strong>as</strong> para ser feit<strong>as</strong> no espaço<br />
de uma publicação e <strong>que</strong> denomino exposições<br />
portáteis”, diz a professora, em texto publicado<br />
no XXX Colóquio do Comitê Br<strong>as</strong>ileiro de História<br />
da Arte.<br />
LOJA foi, talvez, o principal projeto curatorial da<br />
par(ent)esis. Criado em 2009, ele contemplava<br />
um conjunto de publicações de artista e objetos<br />
múltiplos, vindos de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> regiões do país e,<br />
agrupados em uma exposição itinerante (“loja”),<br />
<strong>que</strong> circulou pelo Br<strong>as</strong>il e pela qual p<strong>as</strong>saram artist<strong>as</strong><br />
como Paulo Bruscky, Hélio Fiorenza, Fábio<br />
Morais, Michel Zózimo e Grupo Poro. A mostra<br />
ocupava um espaço físico (<strong>que</strong> podia ser um ateliê,<br />
uma sala na universidade ou uma galeria de<br />
arte) e os objetos reunidos (como livros, revist<strong>as</strong>,<br />
jornais, CDs, DVDs, c<strong>as</strong>setes, vinis, xerox, cartazes,<br />
postais, objetos múltiplos e adesivos) ficavam<br />
à disposição do público.<br />
As exigênci<strong>as</strong> para os artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> tinham seus<br />
trabalhos vinculados ao projeto eram doar um<br />
exemplar para acervo (a <strong>que</strong> o público teria acesso)<br />
e o valor da obra não ultrap<strong>as</strong>sar 300 reais.<br />
Regina explica melhor seu trabalho no livro Estratégi<strong>as</strong><br />
Expansiv<strong>as</strong>: Publicações de Artist<strong>as</strong> e<br />
Seus Espaços Moventes, de Michel Zózimo, produzido<br />
com Bolsa Funarte de Estímulo à Produção<br />
Crítica em Artes Visuais: “O nome LOJA e<br />
a ideia de fazer uma exposição <strong>que</strong> fosse como<br />
uma loja surgiu a partir dessa busca de atender às
Detalhe da instalação do<br />
projeto curatorial LOJA, do<br />
coletivo par(ent)esis<br />
SenDO RePRODuzíveL, A cRIAÇãO ARTíSTIcA PeRDe A AuRA DO nãO-<br />
Me-TO<strong>que</strong>S TRADIcIOnALMenTe cOMuM A quADROS e eScuLTuRAS<br />
e PASSA A PODeR SeR MAnIPuLADA LIvReMenTe.<br />
exigênci<strong>as</strong> <strong>que</strong> eu mesma colocava: possibilitar<br />
um acesso mais direto, mais próximo, do espectador<br />
e de este poder levar para c<strong>as</strong>a cada uma d<strong>as</strong><br />
exposições-publicações. […] Por<strong>que</strong> o <strong>que</strong> sempre<br />
me interessou nos procedimentos artísticos, cujos<br />
formatos são o de publicações, é a possibilidade<br />
de poder multiplicar, de ser uma série <strong>que</strong> se estende<br />
e p<strong>as</strong>sa a lidar com outros valores, menos<br />
extorsivos, muitos deles tão ínfimos <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r<br />
um pode possuir. Nunca me interessei por publicações<br />
<strong>que</strong> se apoiam em tiragens mínim<strong>as</strong> como<br />
uma qualidade <strong>que</strong> <strong>as</strong> singularizam. A força está<br />
na circulação e na expansão do circuito”.<br />
<strong>No</strong> Br<strong>as</strong>il, o “mercado” de múltiplos vendidos<br />
em galeri<strong>as</strong> ainda é incipiente. Algum<strong>as</strong> d<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> trabalham com os objetos são a Tijuana,<br />
inaugurada em 2007 junto da Galeria Vermelho,<br />
em São Paulo, e a Banca, ligada à galeria<br />
Mariana Moura, no Recife. Exemplos de trabalhos<br />
de desta<strong>que</strong> em exposições portáteis<br />
são Espaço de Bolso (2003), múltiplo dobrável<br />
impresso em offset, de Maria Lucia Cattani; Biblioteca<br />
de Bolso (2008), maleta biblioteca de<br />
Luciana Paiva; Projeto Malote (2005), maleta<br />
de Luana Veiga, <strong>que</strong> viaja pel<strong>as</strong> cidades carregando,<br />
coletando e expondo trabalhos portáteis<br />
de diferentes artist<strong>as</strong>; Sofá, publicações coletiv<strong>as</strong><br />
coordenad<strong>as</strong> por Ra<strong>que</strong>l Stolf desde 2004;<br />
e Arquivo de Emergência, projeto pesquisa da<br />
arquivista Cristina Rib<strong>as</strong>.<br />
MÚLTIPLOS DOBRADIÇOS<br />
<strong>No</strong> I Seminário de Copesquisa em Arte, realizado<br />
durante três di<strong>as</strong> de outubro de 2012 no Centro de<br />
Artes e Letr<strong>as</strong> da UFSM (RS), um grande bloco de<br />
metal instalado no hall do prédio <strong>que</strong> abrigava o<br />
evento chamava a atenção: era uma exposição itinerante,<br />
com algum<strong>as</strong> pe<strong>que</strong>n<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de arte <strong>que</strong><br />
CONTINUUM<br />
poderiam ser levad<strong>as</strong> para c<strong>as</strong>a, em troca de uma<br />
ação proposta pelo artista.<br />
As ações “pedid<strong>as</strong>” em troca d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> tinham<br />
a ver com o trabalho exposto. Por exemplo: para<br />
levar o Álbum Volume II Fotografia Velada, uma<br />
pe<strong>que</strong>na caderneta impressa com 16 descrições<br />
de fotos <strong>que</strong> não aparecem, de Michel Zózimo<br />
e Fernanda G<strong>as</strong>sen, o visitante precisava deixar,<br />
por escrito, a descrição de uma foto – fosse ela<br />
real, fosse fruto de sua imaginação imediata. Entre<br />
<strong>as</strong> dezen<strong>as</strong> de descrições deixad<strong>as</strong> ao lado<br />
da obra, algum<strong>as</strong> eram poétic<strong>as</strong> e engraçad<strong>as</strong>,<br />
outr<strong>as</strong> pitoresc<strong>as</strong>, pornográfic<strong>as</strong> ou oníric<strong>as</strong> e<br />
fotos: Paulo Fernando Machado<br />
também muitos escritos típicos de banheiros públicos.<br />
Tudo valia.<br />
A exposição foi realizada no Múltiplo SD, projeto<br />
portátil destinado a exposições alternativ<strong>as</strong> de<br />
obr<strong>as</strong> reprodutíveis criado em Santa Maria pelos<br />
artist<strong>as</strong> do grupo Sala Dobradiça (saladobradica.<br />
art.br), <strong>que</strong> trabalham com espaços recombinantes<br />
e obr<strong>as</strong> múltipl<strong>as</strong> e colaborativ<strong>as</strong> desde 2008.<br />
Como explica Alessandra Giovanella, integrante<br />
do grupo, “<strong>as</strong> exposições do Sala Dobradiça mantêm<br />
<strong>as</strong> noções espaciais, conceituais e constitutiv<strong>as</strong><br />
do grupo e moldam-se também pela ideia de<br />
recombinação e espaço expositivo móvel, suscetível<br />
a interferênci<strong>as</strong>, montável e itinerante”. Nesse<br />
contexto do Dobradiça, <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de Zózimo<br />
caíram como uma luva.<br />
Diferentemente do <strong>que</strong> alguns imaginam, os múltiplos<br />
não estão, necessariamente, ligados à popularização<br />
da arte. Paula Braga, curadora e doutora<br />
em filosofia pela FFLCH/USP, diz <strong>que</strong> a ideia de<br />
popularização é, até mesmo, perigosa: “Para <strong>que</strong><br />
popularizar a arte? Para <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> terem uma<br />
obra de arte do mesmo jeito <strong>que</strong> el<strong>as</strong> têm uma televisão<br />
ou um carro popular? Arte não é produto.<br />
Eu não preciso comprar para ter uma bela obra<br />
de arte”, explica. Para Paula, <strong>as</strong> galeri<strong>as</strong> <strong>que</strong> trabalham<br />
com múltiplos não optaram por eles devido<br />
ao baixo valor: “Se você começa a pensar em múltiplo<br />
para ser barato, acaba instrumentalizando<br />
a arte como produto. É múltiplo por<strong>que</strong> n<strong>as</strong>ceu<br />
múltiplo”. Zózimo tem uma fala parecida sobre o<br />
<strong>as</strong>sunto: “Os múltiplos se inserem numa camada<br />
<strong>que</strong>, como obr<strong>as</strong> tradicionais, não entrariam. M<strong>as</strong><br />
não penso na democratização como uma ideia<br />
política. Faço <strong>as</strong> publicações <strong>que</strong> gostaria de comprar<br />
e não <strong>as</strong> encontro”, observa.<br />
Saiba mais sobre múltiplos consultando o verbete<br />
relativo ao tema na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes<br />
Visuais (itaucultural.org.br/enciclopedi<strong>as</strong>).<br />
Vista da Sala Dobradiça,<br />
projeto portátil<br />
do grupo homônimo<br />
25<br />
24
CERTIDÃO DE NASCIMENTO | acabou chorare<br />
Copos de divers<strong>as</strong> cores e tamanhos, bule, panela,<br />
talheres jogados a esmo em uma superfície<br />
suja. Assim os músicos dos <strong>No</strong>vos Baianos apresentaram,<br />
há quarenta anos, a capa do álbum <strong>que</strong><br />
viria a ser sua obra-prima: Acabou Chorare, produzido<br />
por João de Araújo e Eustáquio Sena e<br />
gravado pela Som Livre.<br />
O LP de 1972 recebeu da revista Rolling Stone,<br />
em 2007, o título de Maior Álbum da Música<br />
Br<strong>as</strong>ileira de Todos os Tempos. É uma ode à<br />
alegria, percebida antes mesmo de escutar seu<br />
conteúdo, na leitura d<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> do título. Entre<br />
<strong>as</strong> curiosidades e históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> o cercam<br />
tinindo<br />
e<br />
trincando<br />
O disco Acabou Chorare, dos <strong>No</strong>vos Baianos, completa quatro décad<strong>as</strong> e continua a ostentar<br />
o título de um dos maiores álbuns br<strong>as</strong>ileiros de todos os tempos<br />
TEXTO gustavo angimahtz ILUSTRAÇÃO indio san<br />
está o fato de <strong>que</strong> seus músicos viviam em uma<br />
comunidade alternativa.<br />
À época do lançamento, dois anos após o do primeiro<br />
álbum (Ferro na Boneca), os baianos arretados<br />
– Baby Consuelo (voz), Moraes Moreira (letr<strong>as</strong><br />
e violão), Pepeu Gomes (craviola, guitarra e voz),<br />
Luiz Galvão (letr<strong>as</strong>) e Paulinho Boca de Cantor (voz)<br />
– coabitavam parte do tempo um sítio em Jacarepaguá<br />
(batizado de Recanto do Vovô) e outra parte um<br />
apartamento em Botafogo, ambos no Rio de Janeiro.<br />
Eram vistos pela sociedade como hippies estranhões.<br />
Pediam esmola n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> para pagar <strong>as</strong><br />
cont<strong>as</strong> e, quando o valor arrecadado ultrap<strong>as</strong>sava<br />
o <strong>que</strong> precisavam, doavam a qual<strong>que</strong>r cego ou bêbado<br />
<strong>que</strong> p<strong>as</strong>s<strong>as</strong>se por eles. O restante da banda,<br />
<strong>que</strong> também vivia no sítio, era formado pelo baixista<br />
Didi, pelo baterista e cavaquinista Jorginho Gomes<br />
e pelos percussionist<strong>as</strong> Baixinho e Bolacha.<br />
Quando lançou o segundo álbum, o grupo já<br />
contava com a presença de nomes como Tom<br />
Zé, <strong>que</strong> ensinou Moraes Moreira a tocar violão<br />
e o apresentou a Galvão; o pai da bossa nova<br />
João Gilberto, <strong>que</strong> os guiou na confecção da<br />
obra; e Caetano Veloso, <strong>que</strong> os recomendou à<br />
Som Livre. Posteriormente, os <strong>No</strong>vos Baianos
Só Somente Só<br />
[...]<br />
Entre o primeiro LP e este<br />
Entra João Gilberto<br />
(pausa)<br />
O dom eles já tinham<br />
Agora o som mais perto,<br />
Mais experto mais<br />
Certo<br />
[...]<br />
(Augusto dos Anjos, em poema <strong>que</strong> consta no<br />
encarte do álbum Acabou Chorare, anuncia o<br />
novo som <strong>que</strong> traria mudanç<strong>as</strong> na concepção<br />
da música popular br<strong>as</strong>ileira para sempre.)<br />
viriam a arrancar elogios de celebridades musicais,<br />
como Astor Piazzolla, Gilberto Gil, Cazuza<br />
e Jorge Mautner. Mal sabiam eles <strong>que</strong> a mistura<br />
de samba, bossa, psicodelia e rock iria enlou<strong>que</strong>cer<br />
gerações, não apen<strong>as</strong> na<strong>que</strong>le tempo,<br />
m<strong>as</strong> durante décad<strong>as</strong>.<br />
O disco traz sucessos como “Br<strong>as</strong>il Pandeiro”, de<br />
Assis Valente, sugestão de João Gilberto; “Preta<br />
Pretinha”, de lírica repetitiva e instrumentação<br />
forte e crescente; “A Menina Dança”, <strong>que</strong> m<strong>as</strong>cara<br />
crític<strong>as</strong> à ditadura na doce e ao mesmo tempo ácida<br />
voz de Baby Consuelo; “Besta É Tu”, hit atemporal<br />
usado na trilha sonora do premiado longa<br />
br<strong>as</strong>ileiro Durval Discos; e a faixa homônima<br />
“Acabou Chorare”, mais íntima à bossa nova de<br />
João Gilberto, pelo seu arranjo minimalista e introvertido.<br />
Esta última ficou por mais de 30 seman<strong>as</strong><br />
n<strong>as</strong> parad<strong>as</strong> de sucesso d<strong>as</strong> rádios de todo o<br />
país. As outr<strong>as</strong> faix<strong>as</strong> comportam-se de forma tão<br />
ou mais envenenada, em razão da mistura de timbres<br />
e da complexidade dos arranjos, como em<br />
“Tinindo, Trincando”, “Mistério do Planeta”, “Um<br />
Bilhete pra Didi” e “Swing de Campo Grande”.<br />
Um ingrediente especial da sonoridade do disco<br />
– além d<strong>as</strong> leves pitad<strong>as</strong> de bossa cuidadosamente<br />
espalhad<strong>as</strong> por todo o trabalho – é o uso da craviola.<br />
Trata-se de um instrumento de 12 cord<strong>as</strong><br />
projetado por Paulinho <strong>No</strong>gueira, de som forte e<br />
limpo. Há também a inserção de solos virtuosos<br />
de guitarra em divers<strong>as</strong> músic<strong>as</strong>, <strong>que</strong> agregaram<br />
mais peso ao som do pandeiro, do violão e<br />
da percussão, aproximando o timbre instrumental<br />
da voz aguda e alegre de Baby Consuelo. A<br />
combinação conferiu ao disco uma originalidade<br />
sonora <strong>que</strong> resiste até hoje. Em “Mistério do Planeta”,<br />
por exemplo, ritmos diversos e sincopados<br />
deságuam num solo inconfundível de guitarra.<br />
Uma d<strong>as</strong> históri<strong>as</strong> mais esotéric<strong>as</strong> entre <strong>as</strong> milhares<br />
<strong>que</strong> Acabou Chorare esconde é a da música<br />
CONTINUUM<br />
“Swing de Campo Grande”, <strong>que</strong> fala sobre invisibilidade,<br />
segundo Paulinho Boca de Cantor. A pauta<br />
da canção surgiu do encontro entre o músico e um<br />
rezador, <strong>que</strong> os orientou a “olharem para si próprios,<br />
virarem moita e virarem touca”. Acatando ao<br />
pé da letra a profilaxia do rezador, a banda p<strong>as</strong>sou<br />
cinco anos sem pagar IPVA e nunca foi pega pela<br />
ditadura, além de usar sem economia <strong>as</strong> expressões<br />
“virar moita” e “virar touca” na letra da canção.<br />
O título Acabou Chorare é um invento inocente e<br />
literalmente acidental de Izabel Gilberto de Oliveira,<br />
ou Bebel Gilberto, cantora e filha do compositor<br />
João Gilberto. Quando criança, ela caiu no chão e<br />
seu pai foi acudi-la. Para não preocupá-lo, já <strong>que</strong><br />
João estava em meio a um ensaio com os <strong>No</strong>vos<br />
Baianos, Bebel proferiu: “Não machucou, papai,<br />
acabou chorare”, misturando português, espanhol<br />
e inglês, miscelânea de idiom<strong>as</strong> possibilitada por<br />
su<strong>as</strong> viagens com o pai. Para Baby, o nome representava<br />
o fim da tristeza no cinzento regime militar.<br />
O contato com João veio por meio de Galvão, já<br />
<strong>que</strong> os dois eram conterrâneos de Juazeiro (BA) e<br />
amigos de infância. João Gilberto se tornou o padrinho<br />
do álbum – ou “produtor espiritual”, como<br />
os baianos gostavam de chamá-lo – e botou seus<br />
dedos n<strong>as</strong> composições, criou arranjos e acompanhou<br />
desde o início o projeto, a canção homônima<br />
do disco e a turnê <strong>que</strong> viria a seguir. Quando em<br />
determinado momento a polícia ameaçou prender<br />
os baianos por vadiagem, João funcionou novamente<br />
como guru e tratou de acalmar a trupe: “Não<br />
es<strong>que</strong>ntem, não. Vamos continuar o som. Vamos<br />
continuar o sonho”, disse o compositor.<br />
E no <strong>que</strong> dá misturar a calma e o silêncio de João<br />
com o frenesi de Baby Consuelo? A resposta é<br />
Acabou Chorare. Luiz Galvão conta no livro <strong>No</strong>vos<br />
e Baianos (Editora 34, 1997), de sua autoria, episódios<br />
vividos com João Gilberto, como o dia em <strong>que</strong><br />
o reviu pela primeira vez após 1961. O encontro se<br />
deu depois de qu<strong>as</strong>e uma década sem contato, ao<br />
receber uma carta endereçada ao “Luizinho” pelo<br />
próprio compositor, como conta a p<strong>as</strong>sagem do<br />
livro: “João disse-me: ‘Luizinho, nunca o es<strong>que</strong>ci.<br />
A<strong>que</strong>la carta <strong>que</strong> me escreveu [...] eu guardo até<br />
hoje. Venha às du<strong>as</strong> da madrugada <strong>que</strong> tenho um<br />
presente pra você. Preste atenção, Luizinho, ligue<br />
pra mim às cinco da tarde. Não es<strong>que</strong>ça’. Às 4 hor<strong>as</strong><br />
e 30 minutos, eu já estava na fila do orelhão, deixando<br />
<strong>que</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> fossem p<strong>as</strong>sando [...]. Aturei<br />
muito papo de empregada doméstica e operário<br />
de obra namorando [...]. Disse-me: ‘Vá descansar,<br />
temos <strong>que</strong> estar preparados. Um encontro é coisa<br />
séria. É o melhor <strong>que</strong> se pode dar a alguém”.<br />
Depois de lançado, o disco rendeu aparições em<br />
program<strong>as</strong> de televisão – <strong>que</strong> variaram de C<strong>as</strong>sino<br />
do Chacrinha e Fantástico a Ensaio –, um convite<br />
para o longa <strong>No</strong>vos Baianos F. C., encomendado<br />
por uma rede de televisão alemã, e o Prêmio de<br />
Melhor Capa do Ano, para fechar com chave de<br />
ouro a consolidação do título no hall da fama da<br />
música popular br<strong>as</strong>ileira e mundial. O livro A<br />
História dos <strong>No</strong>vos Baianos e Outros Versos (Língua<br />
Geral, 2007), de autoria de Moraes Moreira e<br />
escrito em poesia, revela detalhes curiosos:<br />
“D<strong>as</strong> terr<strong>as</strong> do Tio Sam<br />
Chegou de volta ao Br<strong>as</strong>il<br />
O grande João Gilberto,<br />
Era uma linda manhã<br />
E a notícia saiu<br />
Galvão ficou logo esperto”<br />
Moraes anuncia no trecho transcrito <strong>que</strong> o retorno<br />
do pai da bossa nova aguçou Galvão, <strong>que</strong> logo<br />
correu ao seu encontro. Em outro verso, narra o<br />
primeiro encontro:<br />
“Aconteceu o contato<br />
Num longo telefonema<br />
O papo foi animado<br />
João estava de fato<br />
Já morando em Ipanema<br />
Pois o endereço foi dado”<br />
Um terceiro trecho da obra expressa claramente<br />
a mistura de sons presente no álbum, sugestão<br />
de João Gilberto acatada por todos em diversos e<br />
animados encontros no apartamento de Botafogo:<br />
“Uma atitude ro<strong>que</strong>ira<br />
Completamente a serviço<br />
Assim como <strong>que</strong>m descamba<br />
Agora já estava inteira<br />
Centrada num compromisso<br />
Caindo de vez no samba”<br />
Os <strong>No</strong>vos Baianos são reverenciados por jovens e<br />
adultos de todo o globo terrestre, e ao apertar o play<br />
é fácil perceber o motivo de tamanha adoração. A<br />
energia <strong>que</strong> o som emana parece se transformar positivamente<br />
com o tempo e é fácil prever mais quarenta<br />
anos de <strong>vida</strong> aos já não tão novos baianos.<br />
Veja no iPad uma galeria de imagens de show em homenagem<br />
aos novos Baianos, no Festival Continuum,<br />
em dezembro.<br />
27<br />
26
Depoimento DepOimento | | gilberto gil por andré valli<strong>as</strong><br />
GEm<br />
TEXTO andré valli<strong>as</strong><br />
um dos muitos depoimentos <strong>que</strong> concedeu às vésper<strong>as</strong> de seu septuagésimo<br />
aniversário – comemorado no dia 26 de junho de 2012 –, Gilberto Gil declarou<br />
<strong>que</strong> era metade gente e metade ente. Subtraindo-se o segundo termo do<br />
primeiro, sobra a letra g: <strong>que</strong> eu tomei a liberdade de ler como representação<br />
gráfica de um “radar” (ou de um loop cibernético) para criar a identidade visual<br />
da exposição GIL70. Um símbolo perfeito para essa <strong>que</strong> eu julgo ser uma d<strong>as</strong><br />
mais dinâmic<strong>as</strong> e abrangentes personalidades criativ<strong>as</strong> n<strong>as</strong>cid<strong>as</strong> no Br<strong>as</strong>il, durante<br />
o Estado <strong>No</strong>vo de Getúlio Varg<strong>as</strong>. “Gilberto misterioso”, como foi homenageado<br />
na<strong>que</strong>le mantra readymade de Caetano Veloso, <strong>que</strong> repete à exaustão<br />
o verso do poeta romântico Sousândrade: “Gil engendra em Gil rouxinol”.<br />
Tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente em 1995, em São Paulo, para<br />
aprovar a primeira “floração” de seu website, encomendado por sua mulher<br />
de Gil<br />
O percurso criativo-afetivo<br />
trilhado por dois artist<strong>as</strong> da<br />
contemporaneidade<br />
e empresária, Flora. Ficou encantado com o abacateiro tridimensional e colorido<br />
no qual havia estruturado a navegação d<strong>as</strong> págin<strong>as</strong>, valendo-me de<br />
metáfor<strong>as</strong> <strong>que</strong> colhi de sua obra.<br />
Eram tempos austeros na world wide web e os designers eram impiedosamente<br />
patrulhados pelos engenheiros da informática, a ordenar <strong>que</strong> links fossem azuis<br />
e sublinhados e mais tant<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> da chamada “usabilidade”. Eu retornava<br />
de uma estada de oito anos na Alemanha, onde havia começado a criar poem<strong>as</strong><br />
visuais com os recursos do computador, para dar, em seguida, e já no Br<strong>as</strong>il,<br />
meus primeiros p<strong>as</strong>sos na feitura de aplicativos multimídia para CD-ROM.<br />
O site foi inaugurado em abril da<strong>que</strong>le ano com grande repercussão na mídia.<br />
Afinal, Gil era o primeiro artista de peso a fincar o pé na “infoesfera” e o<br />
foto: gerardo lazzari
esultado foi saudado como “primeiro marco criativo” da n<strong>as</strong>cente web br<strong>as</strong>ileira.<br />
<strong>Na</strong> página de abertura, uma única explicação: “Web vem de weave<br />
= tecer; Site, do latim situs = situação, posição; daí o nosso sítio, <strong>que</strong> é local,<br />
terreno e povoação; campo, roça e fazendola. Web Site (diria então Gilberto<br />
Gil) é renda(re)fazenda...”<br />
Em breve, eu estaria me mudando para o Rio de Janeiro, a fim de tocar<br />
a recém-fundada produtora de web Refazenda, <strong>que</strong> seria responsável pela<br />
entrada na internet de um grande rol de artist<strong>as</strong> da MPB: Caetano Veloso,<br />
Cazuza, Gal Costa, Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Jorge Mautner,<br />
Vinicius de Moraes, Paulo Moura, Ary Barroso, Arnaldo Antunes, Jorge Ben<br />
Jor, Titãs e Dona Ivone Lara, entre outros.<br />
O segundo desafio <strong>que</strong> Gil me lançou veio logo após a inauguração do<br />
site: a criação da capa de Quanta, disco no qual ele já trabalhava na época<br />
do nosso primeiro encontro. Ele me mostrou um desenho <strong>que</strong> havia feito a<br />
lápis num pe<strong>que</strong>no pedaço de papel-manteiga e me explicou o conceito do<br />
disco, todo centrado na relação arte e ciência. Daí surgiu a imagem final,<br />
construída num programa de desenho 3D e pacientemente modelada até<br />
ficar com a ondulação de seu gosto. Essa é, de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> cap<strong>as</strong> <strong>que</strong> vim a<br />
fazer para Gil, a única <strong>que</strong> considero um autêntico poema digital.<br />
Foram muit<strong>as</strong> <strong>as</strong> convers<strong>as</strong> <strong>que</strong> tive com ele nesses anos de convívio intermitente<br />
– porém não tant<strong>as</strong> como a extensão do tempo possa dar a entender: a<br />
agenda de Gil é inclemente. A<strong>que</strong>la <strong>que</strong> eu talvez mais tenha conservado viva<br />
em minha memória relapsa ocorreu alguns di<strong>as</strong> depois de um grave acidente<br />
aéreo em São Paulo. Falamos sobre a efemeridade da <strong>vida</strong>, e ele me disse, para<br />
grande surpresa minha, ser um devoto de <strong>No</strong>ssa Senhora da Boa Morte... Desde<br />
então, p<strong>as</strong>sei a prestar atenção especial em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> vezes <strong>que</strong> Gil aborda,<br />
em depoimentos ou canções – “Não Tenho Medo da Morte” é sem dú<strong>vida</strong><br />
o ápice até o momento –, esse tema tão pouco usual para os nossos tempos<br />
obcecados pela busca da eterna juventude.<br />
Su<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> de então me inspiraram um poema <strong>que</strong> só agora dou a público<br />
[ao lado].<br />
André Valli<strong>as</strong>, curador da exposição GIL70, é designer gráfico, poeta e produtor de<br />
mídia interativa.<br />
Visite a exposição GIL70, com obr<strong>as</strong> de Carlos Adriano, Ricardo Aleixo, Arnaldo Antunes,<br />
Lenora de Barros, Vivian Caccuri, Adriana Calcanhotto, Augusto de Campos, ivan Cardoso,<br />
Antonio Di<strong>as</strong>, eduardo Denne, Bené Fonteles, Lula Buar<strong>que</strong> de Hollanda, Jarb<strong>as</strong> Jácome,<br />
Gabriel Kerhart, Raul mourão, Carlos <strong>Na</strong>der, Antonio Peticov, Gualter Pupo, Omar Salomão,<br />
Daniel Scandurra, Ariane Stolfi, André Valli<strong>as</strong>, Caetano Veloso, Andrucha Waddington e<br />
Luiz Zerbini, no itaú Cultural. Saiba mais em .<br />
esboço criado por Gilberto Gil <strong>que</strong> inspirou<br />
André Valli<strong>as</strong> na concepção do álbum Quanta,<br />
considerado por este um poema visual<br />
CONTINUUM<br />
oráculo<br />
para gilberto gil<br />
circunspecto sere-<br />
lepe grilo-falante<br />
mestre/mole<strong>que</strong><br />
seus olhos<br />
calam(ex)clamam<br />
a alegria salobra<br />
dos q sabem<br />
q a arte<br />
está para a <strong>vida</strong><br />
como <strong>as</strong> ond<strong>as</strong><br />
para o oceano<br />
q os gritos<br />
do santo-<br />
guerreiro soam<br />
sim nos ouvidos<br />
do destino<br />
m<strong>as</strong> não acalmam<br />
o seu tear<br />
o cantochão<br />
da<strong>que</strong>les<br />
q oram<br />
[memento<br />
mori (a)moroso]<br />
pela boa<br />
hora<br />
quiçá<br />
28 29
perfil | irandhir santos<br />
Ganhar<br />
o mundo<br />
para voltar ao<br />
mesmo lugar<br />
Conheça, em dez cen<strong>as</strong>, os caminhos <strong>que</strong> levaram o ator Irandhir<br />
Santos a participar de alguns dos filmes mais importantes da<br />
atual safra do cinema br<strong>as</strong>ileiro<br />
TEXTO mariana lacerda FOTOS ricardo lab<strong>as</strong>tier<br />
1ª cena – clodoaldo<br />
Clodoaldo é segurança de rua em um bairro de<br />
cl<strong>as</strong>se média do Recife. Seu trabalho é comum em<br />
metrópoles br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>. Esses profissionais cobram<br />
da vizinhança algum valor, qual<strong>que</strong>r valor, para<br />
ficar atentos à movimentação n<strong>as</strong> redondez<strong>as</strong> de<br />
c<strong>as</strong><strong>as</strong> e edifícios. Sabem o horário de chegada e de<br />
saída de cada morador, observam os conflitos e <strong>as</strong><br />
form<strong>as</strong> de viver de todos nós. Clodoaldo é o protagonista<br />
do filme O Som ao Redor, interpretado<br />
pelo ator pernambucano Irandhir Santos. Atualmente,<br />
seu rosto e gestos estão n<strong>as</strong> tel<strong>as</strong> do mundo.<br />
Escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho em<br />
2010, o longa ganhou prêmios de Melhor Filme<br />
em festivais importantes no Br<strong>as</strong>il, como os do<br />
Rio de Janeiro e de Gramado, além da Mostra Internacional<br />
de Cinema de São Paulo, em novembro.<br />
Foi ainda premiado em festivais da Holanda,<br />
da Sérvia e da Polônia.<br />
“Foi um personagem difícil de fazer por ser<br />
muito contido. Ele tinha de esconder algo, uma<br />
força. E naturalmente eu gosto do trabalho<br />
expansivo. Havia momentos silenciosos, de<br />
ações simples como caminhar. Para isso, tinha<br />
textos mentais <strong>que</strong> só eu e meu caderninho de<br />
anotações conhecemos. São os pensamentos<br />
<strong>que</strong> o personagem tem enquanto executa gestos<br />
triviais”, conta Irandhir.<br />
2ª cena – lugares<br />
O ator está construindo o personagem <strong>que</strong><br />
fará no filme Obra, de Gregório Graziosi. Será<br />
o seu 17 o longa-metragem desde 2005, quando<br />
estreou em Cinema, Aspirin<strong>as</strong> e Urubus, de<br />
Marcelo Gomes. As filmagens estão previst<strong>as</strong><br />
para janeiro de 2013. “É sobre um arquiteto e<br />
sua relação com diferentes camad<strong>as</strong> da memória<br />
da cidade de São Paulo, <strong>que</strong> subitamente<br />
emergem e afetam o presente”, diz o<br />
diretor. O personagem de Irandhir é O Arquiteto.<br />
Para ir ao seu encontro, ele está lendo<br />
Não-Lugares (Papirus, 1994), do antropólogo<br />
francês Marc Augé.<br />
3ª cena – cadernos<br />
Pensamentos, desenhos, p<strong>as</strong>sagens de textos<br />
literários e filosóficos (como os de Marc Augé),<br />
fotografi<strong>as</strong>, convers<strong>as</strong>. Sempre <strong>que</strong> está construindo<br />
um personagem, Irandhir leva consigo<br />
um pe<strong>que</strong>no caderno, estreito e com espiral –<br />
em um formato elaborado por ele, encadernado<br />
em papelaria. Ali, anota pensamentos ora seus,<br />
ora do personagem. Sequênci<strong>as</strong> recortad<strong>as</strong> do<br />
roteiro são colad<strong>as</strong>, post<strong>as</strong> lado a lado. “Trata-se<br />
de um elo entre mim, o personagem e o roteiro”,<br />
diz. Depois d<strong>as</strong> filmagens, “os caderninhos”,<br />
como ele diz, vão parar na estante. As memóri<strong>as</strong><br />
ali contid<strong>as</strong> podem ser v<strong>as</strong>culhad<strong>as</strong> a qual<strong>que</strong>r<br />
momento.
4ª cena – clécio<br />
Corta para Tatuagem. A narrativa ocorre em<br />
1978, m<strong>as</strong> não se trata de um filme de época. O<br />
argumento remete ao teatro/evento chamado<br />
Vivencial Diversiones, plantado em uma área de<br />
mangue entre o Recife e Olinda. Ali, experiênci<strong>as</strong><br />
teatrais e musicais abriam uma fenda lúdica no<br />
regime militar. O Diversiones foi a referência do<br />
roteirista Hilton Lacerda para construir, em Tatuagem<br />
– seu primeiro trabalho como diretor –, o<br />
Chão de Estrel<strong>as</strong> – liderado por Clécio. “Não escrevi<br />
o personagem para Irandhir. M<strong>as</strong> pensava,<br />
enquanto escrevia, em seu arco físico e dramático”,<br />
diz. As discussões sobre gênero, autoridade,<br />
resistência, sexualidade e <strong>as</strong> divers<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de<br />
amar estão na obra. “O trabalho mostrou sua coragem<br />
como ator m<strong>as</strong>, antes, como ser político.<br />
Quando ele abraça Clécio, entende politicamente<br />
o <strong>que</strong> o personagem representa”, conclui.<br />
5ª cena – descoberta<br />
Por muito tempo Irandhir pensou <strong>que</strong> cinema seria<br />
para ele algo intangível. Seu primeiro contato<br />
com essa arte foi no Cinema da Fundação, sala<br />
<strong>que</strong> fre<strong>que</strong>nta <strong>as</strong>siduamente na capital pernambucana,<br />
<strong>que</strong> <strong>as</strong>sistiu ao curta-metragem Soneto<br />
de um Desmantelo Blue (1993), de Cláudio Assis.<br />
<strong>Na</strong> tela, viu uma projeção <strong>que</strong> falava uma língua<br />
com seu mesmo sota<strong>que</strong> e se situava na cidade<br />
onde ele vivia. Tudo mudou para o ator. O encontro<br />
com Cláudio Assis se deu nos testes de<br />
elenco para Baixio d<strong>as</strong> Best<strong>as</strong> (2006). Irandhir foi<br />
escalado para fazer Maninho. Com o papel, ganhou<br />
o Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no<br />
Festival de Br<strong>as</strong>ília.<br />
6ª cena – generosidade<br />
O cine<strong>as</strong>ta Leonardo Lacca, <strong>que</strong> em junho de<br />
2012 dirigiu o ator no filme Permanência (em<br />
montagem), diz <strong>que</strong> a generosidade de Irandhir<br />
transcende os limites da atuação. “Em cinema,<br />
cada um trabalha em seu quadrado. Quem faz<br />
foto está vendo a luz, por exemplo. Irandhir transpõe<br />
seus limites e consegue, com pe<strong>que</strong>nos gestos,<br />
no meio da cena, ajudar na captação de som<br />
e da fotografia e no trabalho de todos.”<br />
7ª cena – Poeta<br />
“Aprendi fazendo”, diz Irandhir sobre como o<br />
cinema entrou na sua <strong>vida</strong> profissional. “Esse<br />
sentimento encontrou sua expressão máxima<br />
nos trabalhos <strong>que</strong> desenvolvi ao lado de Hilton<br />
Lacerda.” Em Febre do Rato (2012), de Cláudio<br />
Assis, seu personagem recita poem<strong>as</strong>, todos escritos<br />
pelo roteirista.<br />
Irandhir conta <strong>que</strong> não estava conseguindo fazer<br />
com <strong>que</strong> cada poesia fosse sua, a ponto de<br />
recitá-l<strong>as</strong> com a carga emotiva <strong>que</strong> <strong>as</strong> cen<strong>as</strong> e os<br />
personagem tinham. Em uma tarde no “quintal”,<br />
cenário principal da narrativa, Hilton explicou ao<br />
ator o contexto de criação de cada um de seus<br />
poem<strong>as</strong>. “Entendi para <strong>que</strong>m eram a<strong>que</strong>l<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>,<br />
em <strong>que</strong> momentos foram escrit<strong>as</strong> e o real significado<br />
de cada uma del<strong>as</strong>.” <strong>Na</strong>sceu <strong>as</strong>sim o Poeta<br />
– ou Zizo. Com ele, Irandhir ganhou o Prêmio de<br />
Melhor Ator no Festival de Paulínia, em 2011.<br />
CONTINUUM<br />
8ª cena – escola<br />
Quando adolescente, Irandhir estudava em uma<br />
escola pública em Limoeiro, distante 80 quilômetros<br />
do Recife, no agreste de Pernambuco. <strong>Na</strong>s<br />
aul<strong>as</strong> de português e literatura, precisava recitar<br />
e encenar textos. Foi quando percebeu <strong>que</strong> gostava<br />
em especial dess<strong>as</strong> ati<strong>vida</strong>des. As apresentações<br />
tornaram-se cada vez mais elaborad<strong>as</strong>.<br />
<strong>Na</strong>scia o teatro em sua <strong>vida</strong>.<br />
Seu pai, hoje aposentado, era funcionário do Banco<br />
do Br<strong>as</strong>il, por isso, a cada dois anos, a família<br />
tinha de se deslocar de cidade. A preferência era<br />
sempre estar próximo de Limoeiro, onde Irandhir<br />
n<strong>as</strong>ceu, numa c<strong>as</strong>a com irmã e irmão, além de um<br />
tio de idade similar.<br />
Em busca de uma formação melhor para os filhos,<br />
o pai os matriculou em uma escola particular de<br />
Limoeiro. As aul<strong>as</strong> de literatura <strong>que</strong> despertaram<br />
o talento do menino foram deixad<strong>as</strong> para trás. <strong>No</strong><br />
novo colégio, ele articulou grupos <strong>que</strong> ensaiavam<br />
e se apresentavam em dat<strong>as</strong> comemorativ<strong>as</strong>.<br />
9ª cena – estreia<br />
A metrópole era o destino natural para <strong>que</strong>m<br />
<strong>que</strong>ria ingressar na universidade. Em uma escola<br />
grande do Recife, Irandhir começou a se preparar<br />
para o vestibular. <strong>Na</strong> época, sua professora de<br />
literatura, Goretti, o apresentou ao estudante de<br />
arquitetura <strong>que</strong> trabalhava no Grupo Serafin de<br />
Teatro. Ele juntou-se à trupe e estreou nos <strong>palco</strong>s<br />
em 1996, na peça Liberdade, Liberdade, de André<br />
Cavendish. Formou-se em artes cênic<strong>as</strong> na UFPE.<br />
10ª cena – início<br />
O trabalho se encerra quando projetado na tela de<br />
cinema? “O filme continua nos comentários <strong>que</strong><br />
recebo de amigos, coleg<strong>as</strong> e desconhecidos. Para<br />
cada pessoa, o resultado ressoa de forma diferente<br />
e isso me interessa muito.” O elo enfim se fecha,<br />
conta Irandhir, quando ele volta à c<strong>as</strong>a de seus<br />
pais, em Limoeiro. E, então, sentado em uma cadeira<br />
na calçada em frente da c<strong>as</strong>a, com os irmãos,<br />
o pai e a mãe, e vendo o movimento da rua e d<strong>as</strong><br />
su<strong>as</strong> dez sobrinh<strong>as</strong> (sim, tod<strong>as</strong> menin<strong>as</strong>!), o mundo<br />
volta ao ponto exato onde tudo começou.<br />
Por muito tempo, Irandhir pensou <strong>que</strong><br />
o cinema seria intangível para ele. Hoje,<br />
seu rosto está n<strong>as</strong> tel<strong>as</strong> do mundo<br />
31<br />
30
Reportagem | arte pública<br />
está<br />
a mudança<br />
TEXTO duda porto de souza FOTOS divulgação<br />
<strong>No</strong>s últimos 15 anos, a arte pública firmou-se<br />
como uma d<strong>as</strong> mais vigoros<strong>as</strong> linguagens artístic<strong>as</strong><br />
por meio de trabalhos em grande escala de<br />
nomes como o do americano Jeff Koons e do indiano<br />
Anish Kapoor. M<strong>as</strong> só mais recentemente<br />
é <strong>que</strong> o mercado da arte p<strong>as</strong>sou a se dar conta<br />
da relação entre <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> instalad<strong>as</strong> em espaços<br />
urbanos e a economia d<strong>as</strong> cidades.<br />
O projeto da escultura Train, de Koons, estimado<br />
em 25 milhões de dólares (cerca de 50 milhões<br />
de reais), é um exemplo disso. Trata-se<br />
de uma réplica em tamanho real de uma locomotiva<br />
a vapor suspensa verticalmente por um<br />
guind<strong>as</strong>te. Concebida em 2003, a obra não tem<br />
data prevista para a instalação, de acordo com a<br />
equipe do artista, em razão da falta de financiamento.<br />
A expectativa para <strong>que</strong> ela saia do papel,<br />
no entanto, permanece alta. Atualmente, o<br />
Los Angeles County Museum of Art (Lacma) e<br />
a organização Friends of the High Line (par<strong>que</strong><br />
Como a arte pública pode potencializar a eco-<br />
nomia d<strong>as</strong> cidades<br />
n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong><br />
suspenso nova-iorquino) disputam para seus espaços<br />
a instalação do projeto, e também conversam<br />
sobre a possibilidade de ambos abrigarem<br />
a mesma versão da obra.<br />
O fato é <strong>que</strong> apen<strong>as</strong> a perspectiva de exibir a instalação<br />
de Koons a céu aberto e aumentar ainda<br />
mais o potencial de atração turística dos locais<br />
já mexe na economia dess<strong>as</strong> cidades e dos Estados<br />
Unidos como um todo. “Amigos de diferentes<br />
cantos do mundo me dizem <strong>que</strong>, <strong>as</strong>sim <strong>que</strong> o<br />
projeto for instalado, vão comprar p<strong>as</strong>sagem para<br />
vir para cá só para vê-lo de perto, e não por fotos”,<br />
diz Alexandre Tutundjian, publicitário br<strong>as</strong>ileiro<br />
radicado em <strong>No</strong>va York.<br />
Para Marcello Dant<strong>as</strong>, “a arte pública é um investimento<br />
na economia local e na capacitação técnica e<br />
de criati<strong>vida</strong>de inovadora da sociedade”. O curador<br />
é responsável por alguns dos projetos mais bem-sucedidos<br />
desse segmento, como a exposição d<strong>as</strong><br />
escultur<strong>as</strong> do britânico Antony Gormley em São<br />
Paulo, Rio de Janeiro e Br<strong>as</strong>ília, em 2012, e o evento<br />
OiR – Outr<strong>as</strong> Idei<strong>as</strong> para o Rio, <strong>que</strong> vai promover intervenções<br />
artístic<strong>as</strong> inédit<strong>as</strong> em cartões-postais da<br />
capital fluminense até a Olimpíada de 2016. Entre<br />
os artist<strong>as</strong> <strong>que</strong> já participaram dessa ação estão os<br />
ingleses Andy Goldsworthy e Brian Eno, o espanhol<br />
Jaume Plensa, o norte-americano Robert Morris, o<br />
japonês Ryoji Ikeda e o br<strong>as</strong>ileiro Henri<strong>que</strong> Oliveira.<br />
“Tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> dos projetos <strong>que</strong> temos feito são<br />
construíd<strong>as</strong>, desenvol<strong>vida</strong>s e implementad<strong>as</strong> no<br />
Br<strong>as</strong>il com soluções locais ou com soluções integrad<strong>as</strong><br />
entre experts estrangeiros e técnicos br<strong>as</strong>ileiros”,<br />
explica Dant<strong>as</strong>. O curador afirma <strong>que</strong> qu<strong>as</strong>e<br />
a totalidade dos recursos é empregada de volta<br />
no setor de serviços e provoca um aprimoramento<br />
técnico de fornecedores, artesãos e equipes. “OiR<br />
trouxe um retorno de mídia para o Rio 30 vezes<br />
superior ao investimento do projeto. As imagens<br />
d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> de Gormley, por sua vez, colaboraram
Detalhe da obra Carruagem,<br />
de Eduardo Srur, na Marginal<br />
Pinheiros, São Paulo<br />
para a percepção de <strong>que</strong> o Br<strong>as</strong>il é um forte mercado<br />
para <strong>as</strong> artes, o <strong>que</strong> pode ser comprovado com<br />
<strong>as</strong> futur<strong>as</strong> instalações de galeri<strong>as</strong> como a White<br />
Cube e a Gagosian no país”, complementa.<br />
eSPeCULaÇÃO e geNTRIFICaÇÃO<br />
O exemplo carioca tem ressonância também<br />
em São Paulo. Um dos artist<strong>as</strong> mais atuantes no<br />
cenário br<strong>as</strong>ileiro da arte pública, o paulistano<br />
Eduardo Srur expôs, entre setembro e outubro<br />
p<strong>as</strong>sados, a obra Carruagem, <strong>que</strong> <strong>que</strong>stionava<br />
os problem<strong>as</strong> de mobilidade urbana na capital<br />
paulista. Segundo informações obtid<strong>as</strong> no site<br />
do artista, a intervenção consistia em uma réplica<br />
de carruagem e quatro cavalos esculpidos em<br />
escala real, instalada no m<strong>as</strong>tro da ponte estaiada<br />
da Marginal Pinheiros, a 30 metros de altura.<br />
A obra comparava a velocidade média de deslocamento<br />
de um carro no trânsito paulistano no<br />
horário de pico e a velocidade de uma carruagem<br />
CONTINUUM<br />
nos tempos do Império. Ambos movimentam-se<br />
lentos a 20 quilômetros por hora. “A carruagem<br />
é um símbolo mais adequado para representar a<br />
mobilidade n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> da cidade”, declarou o artista<br />
em sua página. Ao se apropriar da arquitetura<br />
de um cartão-postal contemporâneo da metrópole<br />
Srur deu ainda mais voz à sua obra.<br />
O curador Felipe Brait, responsável por outro projeto<br />
de sucesso nesse segmento, o URBE – Mostra<br />
de Arte Pública, ao lado dos coleg<strong>as</strong> Alessandra<br />
Marder e Júlia Clemente, avalia <strong>que</strong> é importante<br />
entender <strong>que</strong> a relação da arte com o espaço público<br />
muit<strong>as</strong> vezes serve como porta-voz ou deflagradora<br />
de determinado contexto dentro de uma<br />
cidade, como a especulação imobiliária ou processos<br />
de gentrificação, quando populações de baixa<br />
renda acabam deixando cert<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam<br />
a ser muito valorizad<strong>as</strong>.<br />
Para Alessandra, “a implantação de projetos de<br />
arte pública n<strong>as</strong> grandes cidades p<strong>as</strong>sa a ter extrema<br />
relevância nos di<strong>as</strong> de hoje, pois, a partir<br />
do momento em <strong>que</strong> uma obra intervém na paisagem<br />
e no cotidiano, ela suscita um novo olhar<br />
e, conse<strong>que</strong>ntemente, um novo pensamento sobre<br />
o espaço <strong>que</strong> ocupa”. Ela acredita <strong>que</strong> “a partir<br />
disso muita coisa pode ser mudada, inclusive<br />
o contexto econômico da região, <strong>que</strong> tanto pode<br />
p<strong>as</strong>sar por uma revitalização impulsionada pela<br />
presença permanente da obra como pode atrair<br />
público temporariamente para o entorno, fomentando<br />
o comércio local”, completa.<br />
Já a artista paulistana Laura Vinci avalia <strong>que</strong> a<br />
cidade falha justamente por não ter uma política<br />
mais arrojada <strong>que</strong> envolva projetos urbanísticos e<br />
artísticos agregadores e permanentes. “O incentivo<br />
à arte pública é uma maneira de incrementar<br />
essa política. M<strong>as</strong> seria muito bom se ele fosse<br />
articulado com uma ação maior”, acredita Laura,<br />
<strong>que</strong> realizou a instalação Clara Clara (2006-2007)<br />
no centro da capital, como parte do edital Arte<br />
na Cidade, apropriando-se da iluminação pública<br />
para dar <strong>vida</strong> à obra. “Houve uma integração<br />
muito grande com os pe<strong>que</strong>nos comerciantes”,<br />
conta. “Os fre<strong>que</strong>ntadores da região se sentiram<br />
valorizados por a<strong>que</strong>la ação”, resume.<br />
“aRTe PúbLICa é Um INveSTImeNTO <strong>Na</strong><br />
eCONOmIa LOCaL e <strong>Na</strong> CaPaCITaÇÃO<br />
TéCNICa e de CRIaTIvIdade<br />
INOvadORa da SOCIedade.”<br />
marcello dant<strong>as</strong><br />
Detalhe da instalação<br />
Clara Clara, da artista<br />
Laura Vinci<br />
33<br />
32
RESENHA | lançamentos musicais<br />
Unidos pelos e x<br />
Um foi “obrigado” a aprender e a viver de música desde cedo; o outro, filho de pai artista, foi<br />
incentivado a buscar uma <strong>vida</strong> melhor. Não teve jeito e, com o tempo, ambos afloraram e<br />
afirmaram seus talentos musicais. Conheça um pouco sobre dois lançamentos do segundo<br />
semestre, um capixaba e outro carioca, <strong>que</strong> merecem a sua atenção<br />
TEXTO pedro henri<strong>que</strong> frança FOTOS divulgação<br />
A Claridão de SilvA<br />
Lúcio Silva deve à dona Letir, sua mãe e professora de música,<br />
o fato de hoje, aos 24 anos, ir atrás do seu ganha-pão<br />
por meio da arte. <strong>Na</strong>scido em Vitória, foi conduzido por ela,<br />
desde garoto, às aul<strong>as</strong> de musicalização. Também teve o<br />
empurrão do tio – com o qual dividia o mesmo teto –, um<br />
pianista <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sava o dia estudando Chopin. “Não foi<br />
uma escolha [ser músico], foi meio <strong>que</strong> uma obrigação”,<br />
brinca ele, <strong>que</strong> a princípio se dedicou ao violino.<br />
Os ensinamentos musicais, <strong>que</strong> transitavam entre o<br />
erudito, a MPB e a bossa nova, ganharam ainda doses do<br />
universo pop rock dos anos 1990, de outros ícones de<br />
sua adolescência e do rock’n’roll <strong>que</strong> ecoava no quarto<br />
do irmão, Luc<strong>as</strong>, seis anos mais velho. Cois<strong>as</strong>, Silva diz,<br />
dos tempos rebeldes e de afirmação. “Eu não falava <strong>que</strong><br />
tocava violino, por<strong>que</strong> ninguém entenderia.”<br />
Encerrado o colegial, pôde se afirmar. O violino seguiu<br />
com ele rumo ao ensino superior e, entreatos, o músico<br />
p<strong>as</strong>sou a produzir trabalhos de amigos. Eis <strong>que</strong> veio a<br />
vontade de ir para o exterior. E Silva foi parar na Irlanda.<br />
Andou com “uma turma bem doida, uns ripong<strong>as</strong>, músicos<br />
de rua”, <strong>que</strong>, <strong>as</strong>sim como ele, viviam d<strong>as</strong> moed<strong>as</strong><br />
<strong>que</strong> ganhavam.<br />
As composições, <strong>que</strong> haviam começado antes do intercâmbio<br />
cultural, ganharam, em su<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, maturidade,<br />
malícia e a “veia literária” do irmão, <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sou a ajudá-lo<br />
com <strong>as</strong> letr<strong>as</strong>. “As canções ficaram menos pieg<strong>as</strong>, pois<br />
acho <strong>que</strong> comecei a enxergar a música de maneira menos<br />
romântica”, afirma. Seis anos depois, o período de pouco<br />
mais de um ano em terreno irlandês ainda está impregnado<br />
em Silva, como revela seu álbum de estreia, Claridão.<br />
A singela canção <strong>que</strong> fecha o disco, “A Visita”, por exemplo,<br />
p<strong>as</strong>saria facilmente por ouvidos mais desatentos<br />
como um recente single de uma dess<strong>as</strong> band<strong>as</strong> nov<strong>as</strong><br />
ingles<strong>as</strong> com ares de Leste Europeu. E também tem<br />
muito de su<strong>as</strong> influênci<strong>as</strong> de música eletrônica, outro<br />
gênero b<strong>as</strong>tante forte por lá. “Estava ouvindo muito house<br />
na época”, diz. M<strong>as</strong> há <strong>que</strong>m veja, no entanto, um quê<br />
de Guilherme Arantes – o <strong>que</strong> não é um equívoco. “Curioso<br />
é <strong>que</strong> eu nem tive contato com a música dele. M<strong>as</strong><br />
baixei alguns CDs para conhecer e vi <strong>que</strong> realmente tem<br />
alguma coisa parecida.”<br />
Nesse balaio de indefinições, Claridão originou um trabalho<br />
refinadíssimo e ganha lugar entre os desta<strong>que</strong>s de<br />
2012. Outr<strong>as</strong> músic<strong>as</strong> do CD endossam a afinada parce-<br />
O capixaba Silva aposta na<br />
simplicidade até em sua<br />
<strong>as</strong>sinatura artística<br />
ria musical entre irmãos, <strong>que</strong> se repete, aliás, no <strong>palco</strong>,<br />
em duo. Merecem atenção “Cansei” (“Cansei de ser eu<br />
mesmo, me deixa ser você”) e “2012” (“O fim do mundo<br />
eu vi dessa sacada, m<strong>as</strong> em hora alguma eu quis pular”).<br />
O repertório apurado instiga o <strong>que</strong>stionamento da escolha<br />
de “Silva”, um dos sobrenomes mais populares do<br />
país, para representá-lo. Ele ri. Lamenta como é “difícil de<br />
achar no Google, né?”. E é mesmo. Ele, então, explica: “Eu<br />
não <strong>que</strong>ria usar o nome todo. Pensei em títulos de projeto,<br />
m<strong>as</strong> ou ficava muito pretensioso ou muito diferente<br />
da minha personalidade. Vi <strong>que</strong> não tinha nenhum “Silva”<br />
usado como nome artístico e deixei. Foi uma surpresa a<br />
gravadora [Slap] ter gostado”.<br />
Em f<strong>as</strong>e de aprovação nos <strong>palco</strong>s – já lançou o trabalho<br />
em sua cidade natal, no Rio de Janeiro e em São Paulo<br />
–, Silva traz expectativ<strong>as</strong> modest<strong>as</strong>, apesar d<strong>as</strong> crític<strong>as</strong><br />
positiv<strong>as</strong>. “Essa <strong>que</strong>stão ainda é nublada, não faço<br />
ideia do <strong>que</strong> esse projeto vai virar. Eu já estou bem feliz,<br />
por<strong>que</strong> não esperava nada. Agora estou me formando<br />
como violinista e, se não for com esse projeto, de qual<strong>que</strong>r<br />
forma a música será o meu sustento.” Disso dona<br />
Letir já tinha certeza.
t r e m o s<br />
O PlaCebo de JOãO<br />
Ser filho de Lenine, um dos mais respeitados músicos<br />
do país, nem sempre foi sinônimo de <strong>vida</strong> estável. João<br />
Cavalcanti, 32 anos, primogênito da prole de três (sendo<br />
ele do primeiro c<strong>as</strong>amento), viveu tempos de vac<strong>as</strong><br />
magr<strong>as</strong>. E, ao contrário dos irmãos Bruno e Bernardo,<br />
despertou tarde para a música, já na época em <strong>que</strong> fazia<br />
faculdade de jornalismo. “Vi muito de perto o meu pai<br />
dando murro em ponta de faca, fazendo show para pouca<br />
gente. Então, naturalmente, ele não foi um entusi<strong>as</strong>ta<br />
de primeira hora para a minha carreira de músico.”<br />
Não foi apen<strong>as</strong> a projeção da estabilidade financeira <strong>que</strong><br />
af<strong>as</strong>tou João da música por um tempo. Afinal, conforme<br />
ele crescia, o jogo virava. Em 1992, Lenine lançou Olho<br />
de Peixe e, desde então, estabeleceu de vez um lugar de<br />
desta<strong>que</strong> no mercado fonográfico.<br />
Se a maré não estava a favor, quando deu peixe também<br />
não ajudou. “O tamanho <strong>que</strong> ele tem diante do sol é gran-<br />
CONTINUUM<br />
de e a sombra é sempre um pouco <strong>as</strong>sustadora. Ao mesmo<br />
tempo <strong>que</strong> é um facilitador – na <strong>que</strong>stão do acesso<br />
aos músicos, por exemplo – , ser filho do Lenine também<br />
é um complicador íntimo”, conta.<br />
Os tempos p<strong>as</strong>saram e João até se dedicou ao jornalismo,<br />
m<strong>as</strong> não teve jeito: a veia musical falou mais alto.<br />
De rod<strong>as</strong> e batu<strong>que</strong>s ali e acolá, juntou amigos, montou<br />
o grupo C<strong>as</strong>uarina, pôde se “debruçar sobre o samba”<br />
e reocupou a Lapa com outros artist<strong>as</strong> – como Teresa<br />
Cristina –, <strong>que</strong> protagonizaram o ren<strong>as</strong>cimento do bairro<br />
boêmio carioca, por anos es<strong>que</strong>cido.<br />
Sua formação musical, entretanto, navega por outros<br />
mares, como ele faz <strong>que</strong>stão de lembrar: Be<strong>as</strong>tie Boys,<br />
The Police, Tom Zé, Jackson do Pandeiro, Radiohead e<br />
Björk. Por isso, não é de total estranhamento o fato de ele<br />
– após dez anos de C<strong>as</strong>uarina – p<strong>as</strong>sar a surfar em outr<strong>as</strong><br />
ond<strong>as</strong>. Placebo, seu primeiro álbum solo, é a da vez.<br />
Do C<strong>as</strong>uarina para a carreira solo,<br />
João Cavalcanti ganha espaço descolando-se<br />
da paternidade famosa<br />
Produzido pelo experiente Plínio Profeta, João coloca<br />
tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> influênci<strong>as</strong> – somad<strong>as</strong> ao tango, ao fado<br />
e à música eletrônica – no liquidificador. A faixa <strong>que</strong> dá<br />
nome ao trabalho é justamente o único samba de, como<br />
ele diz, “um disco de não samb<strong>as</strong>”. Há ainda uma “marchinha”<br />
<strong>que</strong> encerra o álbum: a deliciosa “Frevo do Contra<br />
Êxodo”. “Não foi uma necessidade [fazer um trabalho<br />
solo], foi uma urgência. Eu sempre fui muito de escrever,<br />
sou jornalista formado, e o C<strong>as</strong>uarina tem um escopo<br />
restrito, uma vocação para o samba, e eu <strong>que</strong>ria tentar<br />
outros jeitos, outros parceiros.”<br />
Chamado por Pedro Luís de “o cinema de João”, o disco<br />
apresenta um recorte de imagens de seu pluriverso auxiliado<br />
por Plínio Profeta, <strong>que</strong> <strong>as</strong>sina, aliás, a trilha de filmes<br />
como O Palhaço. Roteiro? Só se fosse um dos mais<br />
doidos de Michel Gondry, no qual caberiam bem canções<br />
como “Binário”. Se há algo <strong>que</strong> não existe nesse placebo<br />
é narrativa. “O disco é voluntariamente heterogêneo; não<br />
teve nenhuma preocupação com coesão. Quando eu e<br />
o Plínio percebíamos <strong>que</strong> ele estava caminhando mais<br />
para um lado, radicalizávamos na ordem para excluir<br />
qual<strong>que</strong>r encadeamento lógico”, explica.<br />
Veterano dos <strong>palco</strong>s, João se lançou solo em show recente<br />
no Studio RJ. Em sua primeira apresentação, mesmo<br />
cercado de amigos e da família, sentiu-se nu. “Estava<br />
desarmado, sem nenhum instrumento, muito ansioso e<br />
com medo. A gente tem pudor de usar essa palavra, m<strong>as</strong><br />
eu estava com medo”, <strong>as</strong>sume. Anseios de marinheiro<br />
de “primeira viagem”. Ao apagar d<strong>as</strong> luzes, saiu <strong>que</strong>rendo<br />
mais e <strong>as</strong>sim será. Em dezembro de 2012, ainda se<br />
apresenta em São Paulo e em Belo Horizonte, se tudo<br />
der certo. Em 2013, reveza-se entre a estrada solitária e<br />
a coletiva, com os amigos do C<strong>as</strong>uarina, <strong>que</strong> lançam CD<br />
e DVD comemorativo de uma década de trajetória. “As<br />
pesso<strong>as</strong> têm um pouco de dificuldade em entender, m<strong>as</strong><br />
uma coisa não se opõe à outra. Meu trabalho com o C<strong>as</strong>uarina<br />
é complementar.”<br />
34 35
Reportagem ReportagEM | literatura latino-americana<br />
TEXTO fernanda de almeida ILUSTRAÇÃO pupill<strong>as</strong><br />
Quando Mario Varg<strong>as</strong> Llosa ganhou o <strong>No</strong>bel<br />
de Literatura, em 2010, ficou evidente <strong>que</strong> a literatura<br />
latino-americana estava voltando a ter<br />
espaço no mercado mundial. Antes disso, o momento<br />
mais importante foi o boom, na década<br />
de 1960, quando se apostou no estilo <strong>que</strong> ficou<br />
consagrado como realismo mágico ou realismo<br />
fantástico. De lá para cá, a principal semelhança<br />
é a retomada do crescimento d<strong>as</strong> traduções<br />
e vend<strong>as</strong> no exterior. Já a grande diferença,<br />
entre outr<strong>as</strong> muit<strong>as</strong>, é <strong>que</strong> no contexto atual a<br />
literatura <strong>que</strong> tem ganhado espaço consegue<br />
mostrar os países latino-americanos sem mistificação<br />
ou exotismo. Há uma gama de estilos<br />
e autores como o já citado Varg<strong>as</strong> Llosa, além<br />
do chileno Roberto Bolaño, do mexicano Mario<br />
Bellatin, do argentino César Aira e do cubano<br />
Carlos Alberto Aguilera, entre outros.<br />
Se durante o boom o olhar do mundo se voltou<br />
para a América Latina em busca de uma<br />
produção diferenciada – e por isso o interesse<br />
enorme no exótico e no <strong>que</strong> se distinguia da<br />
<strong>vida</strong> europeia –, o <strong>que</strong> se vê hoje na literatura<br />
da região exportada é um universo mais próximo<br />
do leitor comum, <strong>que</strong> <strong>que</strong>stiona a <strong>vida</strong> urbana,<br />
os problem<strong>as</strong> gerados pela convivência<br />
em sociedade e <strong>as</strong> disparidades polític<strong>as</strong> e econômic<strong>as</strong>.<br />
O espaço <strong>que</strong> se abre para essa literatura<br />
contempla uma diversidade maior <strong>que</strong><br />
deixa<br />
MACONDO<br />
inclui autoficção, metalinguagem, romance<br />
histórico, novela filosófica, microconto. “Acredito<br />
<strong>que</strong> o momento atual e o boom são extremamente<br />
diferentes. Talvez o paralelo possível<br />
seja o aumento d<strong>as</strong> vend<strong>as</strong> e do interesse do<br />
mercado editorial, m<strong>as</strong> não quanto ao estilo<br />
e à qualidade d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> produzid<strong>as</strong>”, defende<br />
Samuel Leon, criador e editor da Iluminur<strong>as</strong>.<br />
O intercâmbio entre produções da América<br />
Latina e, principalmente, dos Estados Unidos e<br />
da Europa está diretamente relacionado com o<br />
crescimento do mercado editorial latino-americano.<br />
“Tenho a impressão de <strong>que</strong> a aproximação<br />
cultural segue um movimento mais amplo,<br />
para além d<strong>as</strong> editor<strong>as</strong>. Há mais convênios<br />
universitários entre países latinos, festivais,<br />
congressos, eventos <strong>que</strong> promovem uma circulação<br />
inédita pelo continente. A adoção do<br />
ensino do espanhol se tornou mais fre<strong>que</strong>nte<br />
no ensino médio, o <strong>que</strong> criou uma demanda<br />
imediata por profissionais familiarizados com<br />
a literatura de língua hispânica”, diz Florencia<br />
Ferrari, diretora editorial da Cosac <strong>Na</strong>ify. Para<br />
ela, de modo geral, a literatura – como o cinema,<br />
o teatro, a música e o ambiente acadêmico<br />
– se beneficia dess<strong>as</strong> troc<strong>as</strong> cada vez mais<br />
intens<strong>as</strong> entre países com históri<strong>as</strong> e processos<br />
culturais e políticos muito semelhantes, além<br />
da evidente proximidade linguística.<br />
Autores latinos surgem mais diversificados<br />
e sem o estigma de exotismo do movimento<br />
iniciado na década de 1960<br />
SEM REDUCIONISMOS<br />
Apesar d<strong>as</strong> alusões otimist<strong>as</strong> com relação ao<br />
novo crescimento, é preciso cautela. “Falar em<br />
literatura latino-americana contemporânea é<br />
complicado por<strong>que</strong> parece representar um reducionismo<br />
b<strong>as</strong>tante radical. Compará-la com um<br />
movimento restrito, como foi o do conjunto de<br />
escritores da década de 1960 e 1970, acaba sendo<br />
comparar o incomparável”, afirma Graciela<br />
Ravetti, coordenadora do Núcleo de Estudos de<br />
Literatura de América Latina e professora de espanhol<br />
na Faculdade de Letr<strong>as</strong> da UFMG.<br />
Mesmo concordando com Graciela, Florencia<br />
rebate: “Creio <strong>que</strong> podemos falar de certa ironia<br />
como marca, um ceticismo bem-humorado<br />
ou não em relação às conquist<strong>as</strong> e experiênci<strong>as</strong><br />
da geração dos pais <strong>que</strong> eram jovens nos anos<br />
1960. Por outro lado, aparece nos novos autores<br />
um posicionamento explícito quanto aos horrores<br />
d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> ditadur<strong>as</strong>, mais como material<br />
ficcional do <strong>que</strong> como discurso propriamente<br />
ideológico. Outra característica é a bre<strong>vida</strong>de, a<br />
concisão, a elipse, o repúdio aos processos tradicionais<br />
da narrativa e aos clichês”, define.<br />
Diferentes editor<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> afirmam o interesse<br />
em aumentar <strong>as</strong> traduções de autores latino-americanos.<br />
A Cosac <strong>Na</strong>ify já publica autores<br />
de grande relevância, como Borges, Macedonio<br />
Fernández, Neruda e Adolfo Bioy C<strong>as</strong>ares. “Vamos<br />
reforçar com a publicação dos chilenos José<br />
Donoso e Maria Luisa Bombal e de contemporâneos<br />
já estabelecidos, como Alan Pauls e Mario<br />
Bellatin, e estamos investindo em bo<strong>as</strong> promess<strong>as</strong>,<br />
como o chileno Alejandro Zambra (do recém-<br />
-lançado Bonsai) e a uruguaia Inés Bortagaray.<br />
Outros virão”, enumera a diretora editorial.
ndo<br />
PaRa<br />
TRÁS<br />
CONTINUUM<br />
EfEItO BOlañO<br />
autor chileno mostrou <strong>que</strong> o clássico e o moderno sempre se dão <strong>as</strong> mãos na construção do novo<br />
Um dos nomes mais aclamados atualmente é o do chileno<br />
Roberto Bolaño (1953-2003). Com o selo hispano-americano<br />
Vintage español, divisão da editora norte-americana<br />
Random House, todos os títulos do escritor foram publicados<br />
na língua original – e também em inglês. Apesar da<br />
Vintage español ter sido criada em 1994, foi em 2010 <strong>que</strong><br />
ganhou força e, além de Bolaño, publicou nomes como<br />
Isabel Allende, Manuel puig e Sandra Cisneros.<br />
“Bolaño é um grande escritor; a meu ver, o maior surgido<br />
depois de Borges”, afirma Graciela. para a professora da<br />
UFMG, sua escrita se af<strong>as</strong>ta de qual<strong>que</strong>r traço alegórico,<br />
de religiosidades de qual<strong>que</strong>r signo, para privilegiar uma<br />
prática <strong>que</strong> se pauta por p<strong>as</strong>sar para a escrita a experiência<br />
de <strong>vida</strong> própria e d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> na contemporaneidade:<br />
dor, marginalidade, exclusão, fome, crimes, desigualdade,<br />
ignorância – tem<strong>as</strong> universais. “ele escreve textos <strong>que</strong> não<br />
se ajustam ao previsível, <strong>que</strong> propõem mundos nos quais o<br />
leitor chega a <strong>que</strong>stionar o status no sistema no qual vive:<br />
ou é colaborador ou é resistente a uma organização econômica<br />
e social cujo melhor predicativo é o de cruel”, afirma.<br />
para Laura Janina Hosi<strong>as</strong>son, professora de literatura<br />
hispano-americana no Departamento de Letr<strong>as</strong><br />
Modern<strong>as</strong> da USp, “além de uma veia de grande contador<br />
de históri<strong>as</strong>, Bolaño possui a curiosa habilidade<br />
de combinar no<strong>vida</strong>de e tradição. De maneira única e<br />
pessoal, retoma os grandes tem<strong>as</strong>, <strong>as</strong> form<strong>as</strong> mais tradicionais<br />
da literatura universal e recupera todo esse<br />
material em uma chave contemporânea”.<br />
em 2001, ao ser <strong>que</strong>stionado por um jornal sobre a<br />
possibilidade de haver um novo boom da literatura latino-americana,<br />
Roberto Bolaño respondeu: “existem<br />
muito poucos romancist<strong>as</strong> atuais <strong>que</strong> possuam a ambição<br />
de Fernando del p<strong>as</strong>o, por exemplo, ou o humor e<br />
a exatidão de Julio Cortázar. <strong>No</strong> fim, veremos. por outro<br />
lado, em uma geração cabem escritores de 25 anos e<br />
também de 50. Suponho <strong>que</strong> mais adiante no século<br />
21, quando a maioria de nós já estiver morta, poderá se<br />
fazer um balanço e veremos se a nossa literatura valeu<br />
ou não valeu a pena”. Não restam dú<strong>vida</strong>s de <strong>que</strong> valeu<br />
e tem valido cada vez mais.<br />
37<br />
36
BAlAIO<br />
féri<strong>as</strong><br />
em boa companhia<br />
FoToGRAFIA<br />
LITERATURA<br />
SElEçãO ESPECIAl PARA quEM VAI INICIAR O ANO COM uM MERECIDO DESCANSO<br />
DEsTAqUE<br />
ExposIção<br />
Mário de Andrade – Cart<strong>as</strong> do Modernismo<br />
Encerrando <strong>as</strong> comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 22, a mostra Mário de Andrade – Cart<strong>as</strong> do<br />
Modernismo traz correspondênci<strong>as</strong> <strong>as</strong>sinad<strong>as</strong> pelo poeta para destinatários como Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Di<br />
Cavalcanti, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Por meio d<strong>as</strong> cart<strong>as</strong> trocad<strong>as</strong>, o visitante poderá conhecer<br />
um pouco mais a <strong>vida</strong> do escritor no Rio de Janeiro e sua amizade com esses e outros nomes ilustres da época. A exposição,<br />
com curadoria de Denise Mattar, traz ainda uma sessão dedicada às artes visuais, com obr<strong>as</strong> <strong>que</strong> pertenciam a Mário<br />
de Andrade, como As Margarid<strong>as</strong> de Mário, de Anita Malfatti, e Mulher, de Di Cavalacanti. Centro Cultural Correios – Rua<br />
Visconde de Itaboraí, 20 – Centro – Rio de Janeiro – até 6 de janeiro de 2013 – de terça a domingo, d<strong>as</strong> 12h às 19h.<br />
sonho Verde Azulado<br />
Com curadoria de Eduardo Brandão, a instalação Sonho Verde Azulado, da artista Claudia<br />
Andujar, conta com quatro imagens inédit<strong>as</strong> e gigantesc<strong>as</strong> <strong>que</strong> somam cerca de 1.200 metros<br />
quadrados, expost<strong>as</strong> no mezanino do Prédio Histórico dos Correios, na região central de<br />
São Paulo. Além desse conjunto, outra imagem com aproximadamente 270 metros quadrados<br />
está disposta na empena de um prédio vizinho, <strong>que</strong> dá para o Vale do Anhangabaú. <strong>Na</strong><br />
instalação fotográfica, a artista dá sequência a seu trabalho com o povo ianomâmi – a grande<br />
marca de sua trajetória – e apresenta imagens resultantes de uma espécie de refotografia,<br />
técnica à qual se dedica há pelo menos du<strong>as</strong> décad<strong>as</strong>. Prédio Histórico dos Correios – Avenida<br />
São João, s/nº – até 1 de novembro de 2013 – grátis. Funcionamento: 4 de novembro a 27 de<br />
janeiro: de segunda a sexta, d<strong>as</strong> 9h às 17h, sábados, d<strong>as</strong> 9h às 18h, e domingos, d<strong>as</strong> 10h às<br />
18h. A partir de 28 de janeiro: de segunda a sexta, d<strong>as</strong> 9h às 17h e aos sábados, d<strong>as</strong> 9h às 13h.<br />
Laranja Mecânica – Edição Especial 50 Anos (Editora Aleph, R$ 79)<br />
Há 50 anos chegava às prateleir<strong>as</strong> o livro Laranja Mecânica, do britânico Anthony Burgess – um dos maiores clássicos<br />
do século XX. Para celebrar a data, a Editora Aleph lança uma edição luxuosa da obra-prima, com nove ilustrações especialmente<br />
encomendad<strong>as</strong> aos br<strong>as</strong>ileiros Angeli e Oscar Grillo e ao britânico Dave McKean. Em capa dura e impresso em<br />
du<strong>as</strong> cores (laranja e preto), o livro inclui textos inéditos sobre a obra – do próprio Burgess e de outros autores.<br />
Desnorteio (Paula Fábrio, Editora Patuá, R$ 35)<br />
Primeira obra da publicitária paulistana Paula Fábrio, o livro refaz o labirinto no qual se perderam<br />
Rodolfo, Miguel e Benévolo, três irmãos <strong>que</strong> p<strong>as</strong>sam a viver como mendigos, numa história <strong>que</strong><br />
percorre o fim dos anos 1800 e chega à atualidade. O prefácio, <strong>as</strong>sinado pela poeta Mariana<br />
Ianelli, pontua <strong>que</strong> o livro “nos enreda em uma visão mais profunda do humano, <strong>que</strong> vem enri<strong>que</strong>cer<br />
nossa literatura na melhor tradição dos escritores do des<strong>as</strong>sossego e da miséria redentora”.<br />
fotos: divulgação
180cartazespr<strong>as</strong>airdafossa.tumblr.com<br />
Há <strong>que</strong>m acredite <strong>que</strong> são necessários seis meses para curar uma dor de<br />
amor e fazer de vez a fila andar. Crendice, filosofia de boteco, enganação barata<br />
ou não, essa história foi a motivação para a criação do tumblr 180 Cartazes<br />
pra Sair da Fossa. Até o fechamento desta edição, metade dos di<strong>as</strong> já<br />
havia p<strong>as</strong>sado (será <strong>que</strong> a autora já tirou ao menos um dos pés da fossa?).<br />
Portanto você encontra mais de 90 cartazes com design apurado e versos<br />
divertidos, inspiradores e muito adequados para determinad<strong>as</strong> situações,<br />
como “quando não <strong>que</strong>res nada, nada falta”, da canção “O <strong>que</strong>reres”, de Caetano<br />
Veloso, ou “e precisamos todos rejuvenescer”, de “Velha Roupa Colorida”,<br />
de Belchior, imortalizada na voz de Elis Regina.<br />
www.recife.pe.gov.br/mlg/gui/Index.php<br />
Esse é o endereço do site do Memorial luiz Gonzaga, centro de documentação<br />
e pesquisa mantido pela Prefeitura do Recife cuja missão é preservar e divulgar<br />
a obra musical do Rei do Baião. <strong>Na</strong> página é possível ouvir gravações originais,<br />
acompanhad<strong>as</strong> de informações sobre os fonogram<strong>as</strong>, acessar partitur<strong>as</strong><br />
e <strong>as</strong>sistir a reportagens e entrevist<strong>as</strong>, além de pesquisar imagens da carreira<br />
e do arquivo pessoal do compositor e materiais diversos inspirados na história<br />
de Gonzaga. Outro desta<strong>que</strong> do site é a aba universo Gonzagueano, com textos<br />
sobre o sertão, os va<strong>que</strong>iros, <strong>as</strong> sanfon<strong>as</strong> e os sanfoneiros.<br />
CONTINUUM<br />
projetorizoma.com.br<br />
O site, <strong>que</strong> traz informações sobre a produção artística da cidade de<br />
São Paulo, tem como diferencial o cruzamento de dados, criando redes<br />
de conexão, ou rizom<strong>as</strong>, a partir de três chaves: artist<strong>as</strong>, eventos<br />
e locais. Dessa forma, a pesquisa do usuário se torna expansível e os<br />
resultados múltiplos. Além do mapeamento, há ferrament<strong>as</strong> para divulgação<br />
e compartilhamento de informações. O objetivo é ampliar a<br />
experiência do público e incentivá-lo a descobrir o potencial artístico<br />
da cidade. O usuário também pode contribuir com o projeto enviando<br />
informações relacionad<strong>as</strong> aos tem<strong>as</strong> de pesquisa.<br />
conexoesitaucultural.org.br<br />
B<strong>as</strong>e de dados do programa criado em 2007 pelo Itaú Cultural,<br />
o Conexões contempla um mapeamento inédito da<br />
presença da literatura br<strong>as</strong>ileira no mundo, seja na mídia,<br />
seja na pesquisa universitária ou no mercado editorial. As<br />
informações estão disponíveis no site, <strong>que</strong> traz informações<br />
relacionad<strong>as</strong> a encontros de pesquisadores <strong>que</strong> trabalham<br />
com literatura br<strong>as</strong>ileira no Br<strong>as</strong>il e em outros países e textos<br />
sobre <strong>as</strong> condições da literatura nacional no exterior.<br />
uma d<strong>as</strong> met<strong>as</strong> do programa é analisar a visão <strong>que</strong> o pesquisador<br />
estrangeiro tem da nossa literatura, d<strong>as</strong> tendênci<strong>as</strong><br />
de pesquisa e dos novos nomes br<strong>as</strong>ileiros <strong>que</strong> começam<br />
a se firmar internacionalmente.<br />
BAlAIO.cOm<br />
38 39
NADA MAIS JUSTO DO QUE PRESTAR<br />
UMA HOMENAGEM ÀQUELE QUE SEMPRE<br />
NOS INSPIRA.<br />
Venha conhecer o <strong>que</strong> Caetano Veloso, Augusto de Campos e outros amigos e<br />
artist<strong>as</strong> prepararam para os 70 anos de Gilberto Gil.<br />
Exposição concebida por André Valli<strong>as</strong> com colaboração de Frederico Coelho.<br />
quarta 12 dezembro 2012 a<br />
domingo 17 fevereiro 2013<br />
terça a sexta 9h às 20h<br />
sábado domingo feriado 11h às 20h<br />
ENTRADA FRANCA<br />
SAIBA MAIS EM ITAUCULTURAL.ORG.BR.<br />
indicado para tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> idades<br />
estacionamento conveniado, com entrada pela rua leôncio de carvalho<br />
itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 fax 11 2168 1775 atendimento@itaucultural.org.br<br />
avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]