O mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste, Crax blumenbachii, é uma espécie endêmica da Mata Atlântica que foi extinta em quase a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua distribuição original, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, principalmente, ao <strong>de</strong>smatamento e à caça. Esta espécie ocorria em florestas <strong>de</strong> baixada e tabuleiros (até 500 m acima <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> mar), em regiões quentes e úmidas no su<strong>de</strong>ste da Bahia, leste <strong>de</strong> Minas Gerais, Espírito Santo e Rio <strong>de</strong> Janeiro, até a baixada Fluminense. Hoje o mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste é encontra<strong>do</strong> naturalmente apenas em algumas reservas localizadas no sul da Bahia e no norte <strong>do</strong> Espírito Santo. Com o intuito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar e discutir a situ<strong>ação</strong> da espécie <strong>para</strong> que estratégias <strong>de</strong> manejo e conserv<strong>ação</strong> fossem <strong>de</strong>lineadas, o Instituto Brasileiro <strong>do</strong> Meio Ambiente e <strong>do</strong>s Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com o auxílio <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> diferentes setores da socieda<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>senvolveu em 2004 o Plano <strong>de</strong> Ação Nacional <strong>para</strong> Conserv<strong>ação</strong> <strong>do</strong> Mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste (PAN Mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste). Com a cri<strong>ação</strong> <strong>do</strong> Instituto Chico Men<strong>de</strong>s, em 2007, este Plano passou a ser coo<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pelo Centro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa e Conserv<strong>ação</strong> <strong>de</strong> Aves Silvestres - CEMAVE/<strong>ICMBio</strong>, com a supervisão da Diretoria <strong>de</strong> Pesquisa, Avali<strong>ação</strong> e Monitoramento da Biodiversida<strong>de</strong> - DIBIO/<strong>ICMBio</strong>. TAXONOMIA E ESTADO DE CONSERVAÇÃO Or<strong>de</strong>m: Galliformes Família: Cracidae Nome científico: Crax blumenbachii Spix, 1825 Nome comum: mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste / mutum-<strong>de</strong>-bico-vermelho Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> conserv<strong>ação</strong>: Brasil (MMA, IN 03/03): Ameaçada; MG (Criticamente ameaçada - CR); RJ (Provavelmente Extinta - PEx); ES (Criticamente ameaçada - CR); Mundial (IUCN, 2007): Em Perigo (EN) Foto da capa: Ciro Albano / Foto da vinheta: Bruno Rennó Soares ASPECTOS BIOLógICOS O mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste é um crací<strong>de</strong>o <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte (84 cm, 3,5 kg), que apresenta dimorfismo sexual evi<strong>de</strong>nte. Os machos possuem íris castanha, base <strong>do</strong> bico vermelha, manto negro, abdômen branco e pernas acinzentadas. As fêmeas possuem o abdômen, as coberteiras infra-caudais e os calções ferrugíneos, pernas vermelhas, asas vermiculadas <strong>de</strong> ferrugíneo, topete barra<strong>do</strong> <strong>de</strong> branco, íris vermelho-alaranjada e bico cinzento com a base negra. Os indivíduos <strong>de</strong>sta espécie passam boa parte <strong>do</strong> tempo forragean<strong>do</strong> no solo à procura <strong>de</strong> frutos caí<strong>do</strong>s, folhas, brotos, insetos, moluscos e outros invertebra<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong> pequenos vertebra<strong>do</strong>s. Possuem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voo limitada, se cansan<strong>do</strong> rapidamente. Quan<strong>do</strong> assusta<strong>do</strong>s vocalizam e levantam voo, alcançan<strong>do</strong> galhos nas copas das árvores. Esta espécie permanece ativa ao longo dia (manhã e tar<strong>de</strong>), apresentan<strong>do</strong> <strong>do</strong>is pico <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>: um próximo ao amanhecer (logo após as 6h) e outro no fim da tar<strong>de</strong> (após as 16h), provavelmente relaciona<strong>do</strong> ao retorno <strong>para</strong> o local <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmida. O macho emite uma vocaliz<strong>ação</strong> profunda e <strong>de</strong> baixa frequência, chamada <strong>de</strong> booming, que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>tectada a longas distâncias. Vocalizam principalmente durante a est<strong>ação</strong> reprodutiva (<strong>de</strong> setembro a fevereiro), <strong>de</strong> preferência pela madrugada ou à noite, enquanto empoleira<strong>do</strong>s. O ninho <strong>de</strong>sta espécie é construí<strong>do</strong> pelo macho e po<strong>de</strong> estar localiza<strong>do</strong> a até 20 m <strong>de</strong> altura, sen<strong>do</strong> feito com galhos e outros materiais vegetais obti<strong>do</strong>s na própria árvore (não carrega materiais <strong>para</strong> o ninho), e seu formato lembra um cesto trança<strong>do</strong>. Geralmente <strong>do</strong>is ovos são coloca<strong>do</strong>s (1 a 3) e a incub<strong>ação</strong>, realizada pela fêmea, dura aproximadamente 30 dias. Os pais cuidam <strong>do</strong>s filhotes durante 10 a 12 meses (até o início da temporada reprodutiva seguinte). Os filhotes na primeira semana <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>rmem se<strong>para</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong>s pais e entre si, camufla<strong>do</strong>s em galhos a 1 a 2 m <strong>de</strong> altura <strong>do</strong> solo, o que provavelmente representa uma estratégia <strong>para</strong> <strong>de</strong>spistar preda<strong>do</strong>res. Acredita-se que seja uma espécie monogâmica, no entanto, em cativeiro e em populações que apresentam gran<strong>de</strong>s alterações na razão sexual foram observa<strong>do</strong>s machos se relacionan<strong>do</strong> com diversas fêmeas. Durante o inverno, po<strong>de</strong>m ser observa<strong>do</strong>s em grupos ou unida<strong>de</strong>s familiares <strong>de</strong> até quatro indivíduos, embora grupos maiores tenham si<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>s durante ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forrageamento. O conhecimento da biologia básica <strong>de</strong> Crax blumenbachii já avançou bastante, especialmente na cri<strong>ação</strong> em cativeiro e na reintrodução na natureza, como retratam o PAN 2004 e as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>le <strong>de</strong>correntes, entretanto ainda faltam informações <strong>para</strong> que as ações voltadas à conserv<strong>ação</strong> da espécie possam ser mais efetivas e difundidas, por exemplo no controle genético e na reprodução assistida. Bruno Rennó Soares
ÁREA DE OCORRêNCIA A distribuição histórica <strong>do</strong> mutum-<strong>do</strong>-su<strong>de</strong>ste está associada a florestas em baixas altitu<strong>de</strong>s, abaixo <strong>de</strong> 500 m, em um setor da Mata Atlântica que biogeograficamente apresenta vários táxons filogeneticamente próximos a táxons amazônicos. A <strong>de</strong>termin<strong>ação</strong> precisa da distribuição original da espécie é dificultada em função da caça e <strong>do</strong> <strong>de</strong>smatamento, que contribuíram <strong>para</strong> a extinção da espécie em várias localida<strong>de</strong>s, fato conheci<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX. Adicionalmente, a inclusão <strong>de</strong> topônimos em relatos antigos relaciona<strong>do</strong>s às áreas com ocorrência provável da espécie, sugere que a mesma esteve presente em tempos passa<strong>do</strong>s em várias áreas, sen<strong>do</strong> estas localida<strong>de</strong>s também consi<strong>de</strong>radas no presente trabalho como áreas potenciais. Atualmente as populações nativas conhecidas estão restritas a áreas protegidas <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público ou priva<strong>do</strong> na Bahia (Reserva Biológica <strong>de</strong> Una, Parque Nacional <strong>do</strong> Descobrimento, Parque Estadual <strong>de</strong> Ituberá) e no Espírito Santo (Reserva Biológica <strong>de</strong> Sooretama, Reserva Natural Vale e Fazenda Cupi<strong>do</strong>).