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Cesteiro que faz um cesto - Cadernos de Educação de Infância

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FONTES<br />

<strong>Cesteiro</strong> <strong>que</strong> <strong>faz</strong> <strong>um</strong> <strong>cesto</strong><br />

Maria Isabel Mendonça Soares<br />

<strong>Ca<strong>de</strong>rnos</strong> <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> <strong>de</strong> <strong>Infância</strong> 76<br />

Out./Dez. 2005<br />

Fontes<br />

…<strong>faz</strong> <strong>um</strong> cento. Na linguagem severa e por vezes cáustica do povo antigo,<br />

<strong>que</strong>r significar <strong>que</strong> todo a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> prevaricou <strong>um</strong>a vez tornará a <strong>faz</strong>ê-lo<br />

segunda e outras mais vezes.<br />

Coitado do cesteiro <strong>que</strong>, honestamente, vai entrelaçando os vimes, tentando a<br />

sobrevivência da sua arte ameaçada pelo <strong>de</strong>sinteresse dos novos e pela<br />

concorrência da cestaria chinesa!<br />

E se ela, a sua arte, era rica e variada em formatos e utilizações!<br />

Des<strong>de</strong> os <strong>cesto</strong>s prismáticos das vindimas do Douro (infelizmente hoje<br />

substituídos por cal<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> plástico), e os outros por isso também chamados<br />

por “vindimos” nas regiões vinhateiras do Centro – Estremadura e Ribatejo,<br />

mais largos e redondos, em tons <strong>de</strong> castanho por<strong>que</strong> executados com o vime<br />

por <strong>de</strong>scascar; até à cestinha branca e maneirinha com asa para enfiar no<br />

braço, igual à<strong>que</strong>la em <strong>que</strong> o Capuchinho Vermelho levava os bolinhos à avó.<br />

E os cabazes das compras, ruivos e com duas tampas e assentes em quatro<br />

pezinhos, como <strong>de</strong>licados pezinhos <strong>de</strong> cabrita montesa.<br />

Canastras e canastros, gigos e gigas, cada qual com seu uso e seu “visual”.<br />

A canastra ar<strong>que</strong>ada como <strong>um</strong> barco, em <strong>que</strong> as mulheres do litoral vendiam o<br />

pescado; enquanto <strong>que</strong> o canastro podia significar o mesmo <strong>que</strong> espigueiro,<br />

construção da arquitectura rural sobre pilares <strong>de</strong> pedra, <strong>de</strong>stinada a guardar o<br />

cereal (milho ou centeio) antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>bulhado, protegendo-o da h<strong>um</strong>ida<strong>de</strong> e dos<br />

roedores. Mas era também <strong>cesto</strong> baixo e longo, muita vez para transportar o<br />

pão.<br />

“Deu-lhe cabo do canastro” não significava propriamente a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>sse<br />

tipo <strong>de</strong> <strong>cesto</strong>, mas a sova mestra <strong>de</strong> varapau sofrida por alguém e <strong>que</strong> lhe<br />

provocara fractura das costelas. Comparação expressiva do encanastrado do<br />

vime com a estrutura óssea do corpo h<strong>um</strong>ano.<br />

A giga, <strong>de</strong> formato redondo e com pouca profundida<strong>de</strong>, cheia <strong>de</strong> hortaliça<br />

fresca e outros produtos hortícolas, servem <strong>de</strong> inspiração a Cesário Ver<strong>de</strong>, <strong>que</strong>


<strong>Ca<strong>de</strong>rnos</strong> <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> <strong>de</strong> <strong>Infância</strong> 76<br />

Out./Dez. 2005<br />

Fontes<br />

provou assim <strong>que</strong> todos os motivos, mesmo os aparentemente prosaicos,<br />

po<strong>de</strong>m ser transformados em palma.<br />

Daria também origem à expressão popular “arriar a giga”, isto é, pousá-la no<br />

chão para ficar com as mãos livres, aptas a pôr nas ancas e a “<strong>de</strong>sancar”<br />

verbalmente o(a) antagonista!<br />

A alcofa é parente dos <strong>cesto</strong>s, mas <strong>de</strong> ramo árabe da família, geralmente<br />

maleável por<strong>que</strong> executada em empreita, <strong>um</strong>a fibra têxtil mais branda <strong>que</strong> o<br />

vime; é igualmente <strong>de</strong> origem árabe o açafate, cestinho redondo sem asas nem<br />

tampa.<br />

“Senhora mestra mestrinha<br />

Açafatinho <strong>de</strong> amoras<br />

[…]<br />

Que já <strong>de</strong>ram quatro horas.”<br />

O terceiro verso <strong>que</strong> perdi, seria eventualmente, “Acabe a sua lição”? Ou<br />

“Deixe sair os meninos”’ (antes do horário este ano em vigor).<br />

A con<strong>de</strong>ssinha, também redonda mas tapada, era conhecida por “trazer <strong>de</strong><br />

França os meninos”, no tempo em <strong>que</strong> não se falava em educação sexual. O<br />

imaginário infantil dotava-a <strong>de</strong> laçarotes azuis ou cor-<strong>de</strong>-rosa conforme<br />

trouxesse menino ou menina bem aconchegados no bojo da con<strong>de</strong>ssinha <strong>que</strong><br />

representava afinal o traje materno.<br />

Mas a <strong>que</strong> propósito vim falar da arte do cesteiro n<strong>um</strong>a revista <strong>de</strong>stinada a<br />

educadores <strong>de</strong> infância?<br />

Talvez por<strong>que</strong> a <strong>de</strong>streza manual do entretecer possa ser útil às crianças. Não<br />

<strong>de</strong> vime <strong>que</strong>, embora amolecido previamente na água dos ribeiros, ainda assim<br />

é vigoroso e rijo <strong>de</strong> dobrar; mas há pe<strong>que</strong>nas varas <strong>de</strong> mido <strong>de</strong> figueira<br />

passíveis <strong>de</strong> serem manipuladas pelos <strong>de</strong>dos infantis. Ou até o entrelaçar <strong>de</strong><br />

serpentinas <strong>de</strong> Carnaval ou as fitas plastificadas dos embrulhos festivos, em<br />

volta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cercadura <strong>de</strong> palitos ou os paus <strong>de</strong> fósforo implantados n<strong>um</strong>a<br />

base <strong>de</strong> plasticina ou barro.<br />

A referência a <strong>cesto</strong>s não ficaria completa se não nos lembrássemos da Festa<br />

das Rosas, em Vila Franca do Lima, quando no dia 9 <strong>de</strong> Maio, todos os anos,<br />

as mordomas, com seus fatos ricos, transportam à cabeça <strong>cesto</strong>s inteiramente<br />

<strong>de</strong>corados com pétalas <strong>de</strong> rosa formando padrões variados, <strong>que</strong> vão ser<br />

oferecidos no altar <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário.


<strong>Ca<strong>de</strong>rnos</strong> <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> <strong>de</strong> <strong>Infância</strong> 76<br />

Out./Dez. 2005<br />

Fontes<br />

E por<strong>que</strong> Nossa Senhora também se associa à arte da cestaria, aqui se regista<br />

a trova popular recolhida por Jaime Cortesão e <strong>que</strong> ele carinhosamente<br />

seleccionou na sua colectânea “Cantigas do Povo para as Escolas”:<br />

“Nossa Senhora da Veiga<br />

Ela lá vai Douro acima<br />

Com a cestinha no braço<br />

Fazer a sua vindima”.

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