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A Terra dos Puros - Manual do Turista Brasileiro

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84<br />

A vaca na estrada


A A T T<strong>Terra</strong><br />

T erra <strong><strong>do</strong>s</strong> <strong><strong>do</strong>s</strong> P PPur<br />

P ur uros ur os<br />

85<br />

PAQUISTÃO<br />

Do la<strong>do</strong> paquistanês da fronteira, as formalidades alfandegárias<br />

foram longas. Revistaram a fun<strong>do</strong> nossa bagagem e o carro.<br />

Buscavam haxixe, o que eu já imaginava, e também, para minha<br />

surpresa, revistas pornográficas. Não tínhamos uma coisa nem<br />

outra, mas vim a saber depois que o que mais queriam era um<br />

pretexto para extorquir os estrangeiros. Se achassem algo, acho<br />

que fumariam o haxixe e usariam as revistas como inspiração<br />

para algum prazer solitário em um país onde homem solteiro<br />

não sabe o que é uma mulher.<br />

O Paquistão corresponde à área mais ocidental <strong>do</strong> Império<br />

Britânico das Índias, <strong>do</strong> qual também fizeram parte a Índia e<br />

Bangladesh. Hindus e muçulmanos habitavam to<strong>do</strong> o império.<br />

Certas regiões, porém, eram majoritariamente hinduístas e outras,<br />

islâmicas. Enquanto os hindus eram maioria no território<br />

correspondente à Índia de hoje, os muçulmanos se concentravam<br />

nos atuais Paquistão e Bangladesh.<br />

A Liga Muçulmana, que reunia os islâmicos das Índias, fundada<br />

em 1906, pregava a fundação de um esta<strong>do</strong> muçulmano<br />

autônomo, no caso de as Índias se tornarem independentes. Seu<br />

líder Mohammed Ali Jinnah, um homem rico, elegante e educa<strong>do</strong><br />

em universidades inglesas, era pouco orto<strong>do</strong>xo a ponto de<br />

beber, comer carne de porco e não levar ao pé da letra outras<br />

restrições <strong>do</strong> Corão.<br />

Jinnah, que até 1937 pertencera ao Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong> Congresso e<br />

procurara a união de muçulmanos e hindus, rompeu com Gandhi<br />

e Nehru, discordan<strong>do</strong> tanto da <strong>do</strong>utrina de desobediência<br />

civil <strong>do</strong> Mahatma, como da representação desproporcional <strong><strong>do</strong>s</strong><br />

muçulmanos dentro <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong>. Temen<strong>do</strong> pela sorte de sua comunidade<br />

numa Índia <strong>do</strong>minada por hindus, ingressou na Liga<br />

Muçulmana e encampou a ideia de criar o Paquistão — a “<strong>Terra</strong><br />

<strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>Puros</strong>” —, um esta<strong>do</strong> islâmico independente, <strong>do</strong> qual se<br />

tornou partidário fanático.


86<br />

A vaca na estrada<br />

Imediatamente após o término da Segunda Guerra Mundial,<br />

com o governo britânico em mãos <strong><strong>do</strong>s</strong> trabalhistas, favoráveis à<br />

independência <strong>do</strong> Império das Índias, a Liga Muçulmana lançou<br />

sua ofensiva. Pretenden<strong>do</strong> pressionar os ingleses e os hindus <strong>do</strong><br />

Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong> Congresso, ameaçou incendiar o país se um esta<strong>do</strong><br />

islâmico não lhes fosse concedi<strong>do</strong>. Para demonstrar essa disposição,<br />

lançou em 1946 a “Jornada de Ação Direta”: grupos<br />

muçulmanos arma<strong><strong>do</strong>s</strong> massacram milhares de hindus. Um erro<br />

estratégico, porque os hindus, muito mais numerosos, revidaram,<br />

atacan<strong>do</strong> os muçulmanos e incendian<strong>do</strong> suas lojas e casas.<br />

Os dirigentes hindus <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong> Congresso, contrários à partilha<br />

das Índias, e os próprios ingleses, temerosos de outras<br />

chacinas, viram-se obriga<strong><strong>do</strong>s</strong> a aceitar a imposição da Liga Muçulmana.<br />

Nascia o Paquistão.<br />

Ainda hoje ocorrem aqui e ali, em toda a Índia, massacres<br />

desse tipo. Na época da independência, entre cada quatro súditos<br />

<strong>do</strong> Império das Índias, um era muçulmano. A reivindicação<br />

de um território próprio para eles colocava-se, entretanto, como<br />

uma difícil realidade. Exceto na região de Bengala e no oeste <strong>do</strong><br />

império, as duas comunidades se interpenetravam. Havia “ilhas”<br />

muçulmanas rodeadas por maioria hindu e vice-versa. Um obstáculo<br />

à existência <strong>do</strong> Paquistão como esta<strong>do</strong> era a sua<br />

descontinuidade territorial. As duas áreas com maioria muçulmana<br />

estavam separadas por milhares de quilômetros, fazen<strong>do</strong><br />

com que o Paquistão fosse um país dividi<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> a Índia no<br />

meio. As diferenças entre os povos, as culturas e as próprias<br />

línguas nas duas partes <strong>do</strong> país iriam resultar na secessão <strong>do</strong><br />

Paquistão Oriental, que se tornou, após a guerra in<strong>do</strong>paquistanesa,<br />

em 1971, um novo país: Bangladesh.<br />

Embora muito menos populoso <strong>do</strong> que a Índia, o Paquistão,<br />

com quase 170 milhões de habitantes, é o sexto país <strong>do</strong> planeta<br />

em população, logo depois <strong>do</strong> Brasil. Em breve, os paquistaneses<br />

serão mais numerosos <strong>do</strong> que nós.


87<br />

PAQUISTÃO<br />

Que língua Bernard e eu utilizávamos para nos comunicar<br />

no Paquistão? O inglês, herança da colonização britânica, é de<br />

uso oficial. Nenhuma outra língua ocidental é falada por lá. A<br />

língua nacional é o urdu, também utilizada no Pundjab indiano,<br />

a região fronteiriça. O urdu, muito pareci<strong>do</strong> com o hindi, fala<strong>do</strong><br />

por aproximadamente 40% <strong><strong>do</strong>s</strong> indianos, é escrito em <strong>do</strong>is alfabetos:<br />

o árabe, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> paquistanês, e o devanagari, <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />

indiano. Para cada pessoa que fala português no mun<strong>do</strong>, duas<br />

falam hindi. Não conseguíamos ler nada nem em urdu, nem em<br />

hindi. Ambas as escritas são silábicas e possuem um símbolo<br />

para cada som. Grosso mo<strong>do</strong>, é como se existisse em nosso alfabético<br />

uma “letra” para representar o som “ban” ou “ra” e não<br />

letras como no alfabeto latino, para formar cada som, utilizan<strong>do</strong>-se<br />

uma consoante e uma vogal. Felizmente para nós, muitas<br />

placas eram escritas em inglês.<br />

O Paquistão possui um arsenal nuclear para contrabalançar<br />

aquele da Índia. Instável politicamente, o país enfrenta o crescimento<br />

de movimentos radicais islâmicos, que controlam regiões<br />

tribais <strong>do</strong> norte. Em 2009, sem conseguir conter o Talibã, o governo<br />

paquistanês chegou a aceitar um acor<strong>do</strong> para a implantação<br />

da sharia nas áreas <strong>do</strong>minadas pelos talibãs no Vale <strong>do</strong> Swat,<br />

onde o ensino leigo foi substituí<strong>do</strong> pelo religioso e escolas femininas<br />

foram fechadas. Esse foi um acor<strong>do</strong> perigoso, já que a<br />

intenção <strong><strong>do</strong>s</strong> radicais religiosos islâmicos é a implantação da<br />

sharia em to<strong>do</strong> o Paquistão. Se pudessem, no resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

(Imagine como seria a vida sob um regime desses...).<br />

A situação da mulher no Paquistão é ainda pior <strong>do</strong> que no<br />

Irã. Embora eu tenha visto em Lahore mulheres jovens, de comportamento<br />

“moderno”, oriundas de uma classe média alta, a<br />

violência contra a mulher, apoiada na tradição islâmica local,<br />

era e ainda é comum nas regiões mais atrasadas <strong>do</strong> país.

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