100 anos de DNOCS: marchas e contramarchas da ... - Sei
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<strong>100</strong> ANOS DE <strong>DNOCS</strong>:<br />
ALGUMAS REFLEXÕES<br />
A seca <strong>de</strong> 1979-1983 mostra que houve uma involução<br />
em relação à interpretação produzi<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os <strong>anos</strong> 1950<br />
sobre os problemas do Nor<strong>de</strong>ste semiárido e, principalmente,<br />
em relação às políticas propostas para atenuar os<br />
efeitos <strong>da</strong> seca. Dessa forma, Furtado (1997, p. 79) nota<br />
que “Não se trata <strong>de</strong> ‘combater’ as secas e sim <strong>de</strong> conviver<br />
com elas, criando uma agropecuária que tenha em<br />
conta a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> ecológica regional”. Observe-se,<br />
contudo, que essa convivência implicava em mu<strong>da</strong>nças<br />
na configuração econômico-social que não interessavam<br />
às li<strong>de</strong>ranças políticas regionais. Uma evidência foi a<br />
resistência enfrenta<strong>da</strong> pelo governo Kubistchek para a<br />
criação <strong>da</strong> Su<strong>de</strong>ne.<br />
O latifúndio e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le <strong>de</strong>rivado constituíam os maiores<br />
obstáculos às transformações necessárias para<br />
alterar o panorama <strong>da</strong> região. À época estavam em curso<br />
pressões dos movimentos sociais por mu<strong>da</strong>nças políticas<br />
na região. Esses movimentos sociais, a propósito,<br />
contavam com a simpatia dos setores mais progressistas<br />
dos meios urb<strong>anos</strong>. O choque entre posições antagônicas,<br />
no entanto, resultou no Golpe Militar <strong>de</strong> 1964, que<br />
representou um triunfo dos setores políticos mais conservadores<br />
e contribuiu para manter inaltera<strong>da</strong> a estrutura<br />
fundiária <strong>da</strong> região. Caso fossem à frente as mu<strong>da</strong>nças<br />
que o sistema <strong>de</strong>mocrático articulava, o <strong>DNOCS</strong>, como<br />
agência <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, certamente <strong>de</strong>sempenharia<br />
um papel-chave sob outra perspectiva. Conforme Villa<br />
(2000, p. 197), “As agências fe<strong>de</strong>rais per<strong>de</strong>ram autonomia<br />
“O latifúndio e o po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>le <strong>de</strong>rivado constituíam<br />
os maiores obstáculos às<br />
transformações necessárias<br />
para alterar o panorama <strong>da</strong><br />
região”<br />
André Silva Pomponet<br />
Conj. & Planej., Salvador, n.162, p.58-65, jan./mar. 2009<br />
ARTIGOS<br />
“O retrocesso do <strong>DNOCS</strong> e <strong>da</strong><br />
política <strong>de</strong> convivência com as<br />
secas, apenas esboça<strong>da</strong> com a<br />
criação <strong>da</strong> Su<strong>de</strong>ne, ficou visível<br />
com a seca <strong>de</strong> 1970 e, mais<br />
ain<strong>da</strong>, com a gran<strong>de</strong> estiagem<br />
do quadriênio 1979-1983”<br />
e ficaram submeti<strong>da</strong>s à lógica militar”, tornando-se meras<br />
repartições <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s rotineiras.<br />
No contexto <strong>da</strong> época, a “lógica militar”, por extensão,<br />
era a lógica dos políticos conservadores nor<strong>de</strong>stinos,<br />
entusiastas <strong>da</strong> quartela<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> abril. E, a exemplo<br />
dos <strong>de</strong>cênios anteriores, a missão do <strong>DNOCS</strong> era perpetuar<br />
o passado perverso em que açu<strong>de</strong>s construídos<br />
com recursos públicos acumulavam milhões <strong>de</strong> metros<br />
cúbicos <strong>de</strong> água em gran<strong>de</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s particulares.<br />
O retrocesso do <strong>DNOCS</strong> e <strong>da</strong> política <strong>de</strong> convivência com<br />
as secas, apenas esboça<strong>da</strong> com a criação <strong>da</strong> Su<strong>de</strong>ne,<br />
ficou visível com a seca <strong>de</strong> 1970 e, mais ain<strong>da</strong>, com a<br />
gran<strong>de</strong> estiagem do quadriênio 1979-1983. Encerrado<br />
o regime militar, a chama<strong>da</strong> “Civilização do Semiárido”<br />
po<strong>de</strong>, enfim, vislumbrar a retoma<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma discussão<br />
interrompi<strong>da</strong> em 1964.<br />
Em 2009 o <strong>DNOCS</strong> completa um século <strong>de</strong> existência,<br />
perpetuando sua missão <strong>de</strong> combater os efeitos <strong>da</strong>s<br />
secas. É evi<strong>de</strong>nte que o semiárido exigia a criação <strong>de</strong> um<br />
órgão que dotasse a região <strong>de</strong> infraestrutura para reter a<br />
água <strong>da</strong>s chuvas irregulares, empregando-a nos períodos<br />
secos, sustentando a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica e evitando a<br />
fome, a migração e a morte <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> sertanejos. Só<br />
que a questão nor<strong>de</strong>stina não se resume às limitações<br />
e<strong>da</strong>foclimáticas, sanáveis com açu<strong>de</strong>s, poços, canais<br />
<strong>de</strong> irrigação e represas. A situação, nos dias atuais, não<br />
seria tão crítica, caso o problema se limitasse a essas<br />
intervenções, mesmo com o largo uso político do órgão<br />
em proveito <strong>da</strong> elite política local.<br />
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