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100 anos de DNOCS: marchas e contramarchas da ... - Sei

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ARTIGOS<br />

Uma evidência é que, nos últimos meses, as estiagens<br />

voltaram a assolar os sertões nor<strong>de</strong>stinos, dizimando<br />

lavouras, <strong>de</strong>finhando e matando animais e expondo<br />

centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas resi<strong>de</strong>ntes nas zonas<br />

rurais à escassez <strong>de</strong> água até mesmo para beber (SECA...,<br />

2008, p. 1). Não é à toa que, em meados <strong>de</strong> 2008, centenas<br />

<strong>de</strong> municípios <strong>de</strong>clararam situação <strong>de</strong> emergência<br />

– inclusive na Bahia – em função <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong><br />

chuvas. Para amenizar o problema, mais do que um<br />

sistema <strong>de</strong> armazenamento e canalização <strong>da</strong>s águas<br />

capta<strong>da</strong>s nos períodos chuvosos, o obstáculo consiste<br />

nas profun<strong>da</strong>s <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais e econômicas, que<br />

mantêm milhões <strong>de</strong> sertanejos à mercê <strong>da</strong>s políticas<br />

assistenciais dos governos.<br />

Pensar o convívio com a seca hoje envolve um esforço<br />

<strong>de</strong> articulação <strong>de</strong> políticas que se integrem verticalmente<br />

e possuam ampla transversali<strong>da</strong><strong>de</strong>, alcançando<br />

o conjunto <strong>de</strong> dimensões que configuram o hinterland<br />

setentrional brasileiro. A <strong>de</strong>mocratização do acesso<br />

à terra, agen<strong>da</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> ultrapassa<strong>da</strong> nos países<br />

<strong>de</strong>senvolvidos, ain<strong>da</strong> está por se construir na região<br />

e é <strong>da</strong>s questões mais centrais. Inversões em saú<strong>de</strong>,<br />

educação, qualificação profissional, crédito para a agricultura<br />

familiar, assistência técnica e – mais recentemente<br />

– capacitação para o manejo <strong>da</strong> flora e <strong>da</strong> fauna,<br />

<strong>de</strong>gra<strong>da</strong><strong>da</strong>s em gran<strong>de</strong>s extensões, constituem pilares<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento integrado e sustentável e a base<br />

para o êxito transversal <strong>da</strong>s ações.<br />

Retomando-se o diagnóstico <strong>de</strong> 50 <strong>anos</strong>, percebe-se<br />

que o flagelo <strong>da</strong>s secas é um fenômeno mais social que<br />

propriamente climático, mais <strong>de</strong> políticas públicas que<br />

<strong>de</strong> engenharia civil. Os pactos políticos, a interpretação<br />

equivoca<strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a manutenção do status quo<br />

e o <strong>de</strong>scaso com que, frequentemente, o semiárido é<br />

tratado explicam a <strong>de</strong>rroca<strong>da</strong> <strong>da</strong>s políticas aplica<strong>da</strong>s ao<br />

longo do século XX. Nos primeiros <strong>anos</strong> do século XXI,<br />

porém, essa visão mais abrangente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong><br />

não encontra ressonância significativa.<br />

É o que <strong>de</strong>monstra a proposta <strong>de</strong> transposição do Rio<br />

São Francisco, através <strong>de</strong> canais que vão drenar parte <strong>da</strong>s<br />

águas do rio para os estados <strong>de</strong> Pernambuco, Paraíba,<br />

Ceará e Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. Essa proposta, a rigor, não<br />

constitui sequer novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, já que era aponta<strong>da</strong> como<br />

64<br />

<strong>100</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> <strong>DNOCS</strong>: <strong>marchas</strong> e contra<strong>marchas</strong> <strong>da</strong> convivência com as secas<br />

Conj. & Planej., Salvador, n.162, p.58-65, jan./mar. 2009<br />

“Os pactos políticos, a<br />

interpretação equivoca<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a manutenção do<br />

status quo e o <strong>de</strong>scaso com que,<br />

frequentemente, o semiárido é<br />

tratado explicam a <strong>de</strong>rroca<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>s políticas aplica<strong>da</strong>s ao longo<br />

do século XX”<br />

solução <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> seca <strong>de</strong> 1877-1879, conforme<br />

aponta Villa (2000, p. 62). O discurso em <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> transposição,<br />

inclusive, recai na armadilha <strong>de</strong> situar a obra<br />

como uma panaceia para os efeitos <strong>da</strong> seca, já que, em<br />

tese, beneficiará 12 milhões <strong>de</strong> nor<strong>de</strong>stinos (CORRÊA;<br />

LIMA, 2009, p. 01). Ironicamente, nesse início <strong>de</strong> século,<br />

saem <strong>de</strong> cena os antigos coronéis locais e surgem os<br />

barões do agronegócio como principais beneficiários <strong>da</strong><br />

iniciativa, conforme acusações divulga<strong>da</strong>s pela imprensa<br />

(MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, 2008, p. 1).<br />

Desgastado por déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> apropriação política, ao<br />

<strong>DNOCS</strong> parece estar reservado um papel secundário no<br />

processo <strong>de</strong> transposição. É que o órgão ain<strong>da</strong> não foi<br />

escolhido como gestor do sistema e a obra encontra-se<br />

fora <strong>de</strong> sua alça<strong>da</strong>, embora se alegue que a gestão não<br />

cabe à Companhia Hidrelétrica do São Francisco (por<br />

ser usuária), nem à Companhia <strong>de</strong> Desenvolvimento dos<br />

Vales do São Francisco e do Parnaíba (cuja atuação se<br />

restringe ao curso do rio). A <strong>de</strong>claração do presi<strong>de</strong>nte<br />

do órgão não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar o <strong>de</strong>sgaste político do<br />

<strong>DNOCS</strong>, justamente às vésperas <strong>de</strong> completar um século<br />

<strong>de</strong> existência, em outubro <strong>de</strong> 2009 (DEPARTAMENTO<br />

NACIONAL DE OBRAS CONTRA A SECA, 2008, p. 1).<br />

Nos últimos <strong>anos</strong>, os programas <strong>de</strong> aposentadoria rural,<br />

as políticas <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> ren<strong>da</strong> e o maior envolvimento<br />

dos governos estaduais na oferta <strong>de</strong> infraestrutura<br />

hídrica – como é o caso do Programa Água para<br />

Todos (PAT) em curso na Bahia –, somados à redução

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