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O Revés da Poesia Expressionista Alemã 7 - UEG.

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O <strong>Revés</strong> <strong>da</strong> <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong><br />

Revista Visão Acadêmica; Universi<strong>da</strong>de Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276; www.coracoralina.ueg.br<br />

______________________________________________________________________________________________________________<br />

O <strong>Revés</strong> <strong>da</strong> <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong><br />

Patrícia Sheyla Bagot de Almei<strong>da</strong> 1<br />

A nossa doença é a de vivermos no declinar dum dia<br />

universal, num entardecer que se tornou tão<br />

sufocante que mal conseguimos já suportar os<br />

vapores <strong>da</strong> sua decomposição... Mas algo existe que<br />

é a nossa saúde: dizer três vezes apesar disso, cuspir<br />

três vezes nas mãos como velho sol<strong>da</strong>do, e continuar,<br />

seguir a nossa estra<strong>da</strong>, como nuvens puxa<strong>da</strong>s a<br />

vento, em direção ao desconhecido... (Georg Heym).<br />

Resumo: A poesia expressionista alemã foi mais do que poderíamos compreender com<br />

teoria críticas. O expressionismo não foi mais um movimento de vanguar<strong>da</strong>, mesmo<br />

porque os primeiros poetas expressionistas nem assim se autodenominavam e nem houve<br />

um movimento sistemático e uniforme. Acreditavam somente fazer poesia dentro de um<br />

campo de dissolução e de uma mu<strong>da</strong> contestação, na qual, a palavra não era um<br />

apanhado material somente, mas principalmente, uma mostração <strong>da</strong> falência dos grandes<br />

projetos sociais políticos.<br />

Palavras chave: <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong>. Reali<strong>da</strong>de. Linguagem. Resistência.<br />

Introdução:<br />

Acusados de desproporção e de não possuírem uma consciência histórica engaja<strong>da</strong><br />

num forte materialismo marxista e de uma dor <strong>da</strong> per<strong>da</strong> pequeno burguesa, os<br />

expressionistas domaram a linguagem com uma mão e, com a outra, deixaram a<br />

materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> concretamente política fugir. Acusados desta inapreensão e<br />

incompreensão, suas poesias parecem deixar a folha em branco e, por vezes, fazer apenas<br />

um balbuciar messiânico, místico, didático, exortatório e sem concretude e beleza<br />

possíveis. Suas fragili<strong>da</strong>des estão em suas carências e suas utopias 2 . Entretanto, se como<br />

1 Aluna do sexto período <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás.<br />

Professora indicadora, Doutora Célia Sebastiana Silva, Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás/CEPAE<br />

2 As críticas esplana<strong>da</strong>s acima fazem parte de uma crítica mais severa elabora<strong>da</strong> por Georg Lukács, de<br />

posição antivanguardistas. No realismo socialista não havia espaço para as artes de vanguar<strong>da</strong>, denuncia<strong>da</strong>s


O <strong>Revés</strong> <strong>da</strong> <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong><br />

Revista Visão Acadêmica; Universi<strong>da</strong>de Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276; www.coracoralina.ueg.br<br />

pensa Heidegger, onde reside o perigo reside também o maior bem, corramos para a boca<br />

do dragão.<br />

Para além <strong>da</strong>s críticas que foram realiza<strong>da</strong>s sobre estes poetas, vale mostrar que<br />

eles criaram exatamente pelo o que lhes faltou e pelo o que não apreenderam, foi<br />

exatamente por onde suas poesias aconteceram, e fez-se poesia como acontecimento<br />

historial. Em outras palavras, os poetas expressionistas deram conta do que se revelou<br />

enquanto acontecimento, a poesia expressionista desvelou no que estruturalmente velou.<br />

Um círculo preciso que põe o entendimento, a vi<strong>da</strong> e a linguagem em movimento.<br />

Secun<strong>da</strong> o pesquisador João Barrento, que a poesia expressionista está assim, “longe de<br />

ser uma poesia atuante”, porém, ela segue uma trajetória que é inevitável, a do fim dos<br />

dualismos, <strong>da</strong>s quimeras morais, econômicas e <strong>da</strong>s certezas cartesianas. Ao pensar, o<br />

pensamento é ação, é somente desta forma que pode <strong>da</strong>r-se. Naquilo que silencia é onde<br />

se realiza o melhor diálogo. A onto-epifania destes poetas não é puramente mística, mas<br />

sim, de tempo historial que parece deflagrar uma forte percepção do poder <strong>da</strong> linguagem<br />

em tempos de barro.<br />

O que se passa depois <strong>da</strong> morte de Nietzsche em 1900? A morte de deus, mas os<br />

alemães já amarguravam sua ausência muito antes de sua morte, o desencanto e a<br />

banali<strong>da</strong>de puseram a linguagem fortemente atenta em sua auto defesa, uma defesa<br />

contra o mar de corrosão que passava assolando os modos de ser dos homens e <strong>da</strong> arte.<br />

Neste contexto, os poetas expressionistas impuseram-se como linguagem vigilante e<br />

como um novo projeto estético em que unem a intensi<strong>da</strong>de do sentimento e a <strong>da</strong><br />

expressão. Eis a torção e a tensão que ela fez de si, uma fratura irreconciliável do tempo,<br />

do ser e <strong>da</strong> história. A linguagem passa a ser a secreta moradia e execução <strong>da</strong> mais<br />

perfeita revolução já pensa<strong>da</strong> por algum movimento ultra materialista ou vanguardista.<br />

como burguesas e antirrevolucionárias. O que objeta Lukács é que o expressionismo alemão não passa de<br />

uma experimentação irracionalista, não crítica e chega, por vezes, a relacionar expressionismo e fascismo.<br />

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O <strong>Revés</strong> <strong>da</strong> <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong><br />

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O expressionismo pode ser desproporção com os movimentos sociais, porém, é a<br />

plena confluência com o pensamento tido na sua mais profun<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, uma arte<br />

sombria, mas resplandecente, que traça em risco cinza os tons azuis de paisagens<br />

esqueci<strong>da</strong>s, e que tem na metáfora a munição necessária para a luta <strong>da</strong> sobrevivência <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de do ser. 3 Isto é fazer poesia no turbilhão <strong>da</strong>s águas.<br />

A consciência do expressionista está no plano individual e não numa ação estética<br />

de conjunto. Eles intuíam, vivenciavam seus acontecimentos e mergulhavam em seus<br />

interiores como tempo necessário para aclaramento de sua arte. Isto animava os poetas,<br />

era este comportamento que era geral e os faziam produzir numa forma semelhante, era<br />

urgente encontrar o homem para poder transfigurá-los em arte universal. E isto foi<br />

realizado por um conjunto de vozes com variados modos de entoar seus cantos.<br />

O expressionismo é resistência à própria reali<strong>da</strong>de, ao mundo obcecado no<br />

progresso, disposto a pagar com a vi<strong>da</strong> as edificações <strong>da</strong> burguesia e dos centros urbanos<br />

faraonicamente erguidos. Neste sentido é que podemos considerar que o expressionismo<br />

é a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> lírica alemã na moderni<strong>da</strong>de, pois o que é o expressionismo alemão senão<br />

a ruptura com o passado, oposição a beleza clássica <strong>da</strong> métrica, do alvo marfim e <strong>da</strong><br />

proporcionali<strong>da</strong>de, oposição a burguesia, compreensão trágica do homem, <strong>da</strong> existência e<br />

o que, aqui neste trabalho, chamamos de apreensão, despretensiosa ou pretensiosa, do<br />

paradoxo <strong>da</strong> linguagem, isto é, uma profun<strong>da</strong> desconfiança <strong>da</strong> linguagem usual,<br />

impessoal, inautêntica, mas sendo esta mesma a ponte para a linguagem autêntica,<br />

aquela que em sua estrutura fun<strong>da</strong>mental nomeia na poesia? É o que nos fala Alfred<br />

Wolfenstein no formidável poema A felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> comunicação: braços suportam a<br />

3 Apenas um olhar ingênuo pode considerar a poesia expressionista como uma profun<strong>da</strong> descrição<br />

nostálgica <strong>da</strong> natureza e de uma profun<strong>da</strong> introspecção humana. Hamburguer exemplifica o típico caso do<br />

poeta Ungaretti e de Trakl, no qual, o primeiro espraia-se num subjetivismo, por vezes confessional e Trakl<br />

cuja principal preocupação não é mais consigo mesmo, mas com o futuro <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de. Cf.<br />

HAMBURGUER, M. A ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> poesia. Trad. de Alípio Correia de Franca Neto. Cosac & Naify, 1968. p.<br />

216-217.<br />

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palavra, que é leva<strong>da</strong>/ Para os nossos irmãos de face ensoleira<strong>da</strong>-/ E um mal se apaga: o<br />

do silêncio. Doravante/ O homem chega ao homem mais distante.//. 4<br />

Provocar é a natureza do grito de negação, portanto, resistência <strong>da</strong> poesia<br />

expressionista alemã. Resistir, três vezes apesar disso, resistir nos diz Heimy, mas resistir<br />

ao que? Ao brilhante positivismo <strong>da</strong> linguagem que alarga os horizontes burgueses de sua<br />

época. O necessário é voltar à nomeação existencial do ser, e isto pode ser feito por um<br />

sussurro, um grito, um silêncio criptográfico, um enigma, mas precisará sempre ser feito à<br />

revelia <strong>da</strong> linguagem mecânica e ideologizante. Negar-se pela linguagem para firmar-se na<br />

linguagem. Desta forma, o expressionismo é a experiência vivi<strong>da</strong> e senti<strong>da</strong> na morte de<br />

muitos poetas na guerra e pela guerra. Ernst Stadler, Georg Heimy e Georg Trakl não são<br />

casos isolados.<br />

Trakl consegue seu suicídio depois de uma tentativa frustra<strong>da</strong> com arma de fogo,<br />

mas antes disso, perturba-se em definitivo pela visita em um pavilhão, no setor em que<br />

servia, de corpos mutilados na guerra. Seu último poema Grodek lamenta: Oh, dor<br />

orgulhosa! Vós, brônzeos altares,/ Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escal<strong>da</strong>nte<br />

do espírito,/ os filhos ain<strong>da</strong> hão de nascer.//. 5 Engano, eles não nasceram. A primeira<br />

guerra era apenas uma gestação de um filho cuja fome seria infin<strong>da</strong>. Secun<strong>da</strong> Hamburguer<br />

que “a segun<strong>da</strong> guerra mundial foi a continuação militar dos conflitos ideológicos que a<br />

precederam. (...) Essa é uma razão porque a segun<strong>da</strong> guerra produziu bem menos poetas<br />

de atroci<strong>da</strong>des.” (HAMBURGUER, 1968, p. 213).<br />

Este é o maior diferencial desta lírica, seus poetas não são somente escritores,<br />

dândis ou profissionais de algum saber, são antes, indivíduos criadores que possuem<br />

como matéria a reali<strong>da</strong>de que os fere, não importa se direta ou indiretamente. A isto a<br />

crítica pouco ou quase na<strong>da</strong> compreendeu, ou no mais, acreditou ser a poesia destes uma<br />

4 Extraído <strong>da</strong> obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.<br />

45.<br />

5 Idem, p. 185.<br />

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consequência natural na criação <strong>da</strong> poética de resistência, afirmando que tudo era visão<br />

de mundo, interpretação e crise de mundo.<br />

Entretanto, não se trata de visar o mundo como o biólogo faz com seus objetos de<br />

estudo e, sim, de ser mundo e isto quer dizer; ser profun<strong>da</strong>mente mundo, com abertura<br />

potencializa<strong>da</strong>, e o inevitável ocorre, a saber; o choque, a que<strong>da</strong>, a dor, o sofrimento.<br />

Como estou atrelado/ À carroça de carvão de minha dor!/ Repelente como uma aranha/<br />

Rasteja sobre mim o tempo./ Cai-me o cabelo,/ Encanece-me a cabeça para o campo,/<br />

Para lá do qual ceifa/ O último segador./ O sono ensombra-me os ossos./ Morri no sonho<br />

já,/ Erva nascia do meu crânio,/ De negra terra a minha cabeça.//. 6 É este o canto<br />

Sofrimento de Albert Ehrenstein.<br />

Encarnado mundo, modos de experienciar que vasa pela existência na qual o poeta<br />

é ser, isto é, abertura inconteste que jamais pode ser apreendi<strong>da</strong> em sua totali<strong>da</strong>de. Como<br />

afirma Heidegger em sua carta Sobre o humanismo de 1946: “O ser enquanto destino que<br />

destina ver<strong>da</strong>de permanece oculto. Mas o destino do mundo se anuncia na poesia, sem<br />

que ain<strong>da</strong> se torne manifesto como história do ser.” (HEIDEGGER, 1973, p. 359). O que<br />

assegura o filósofo é que mesmo que seja constituição própria do mundo e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />

ocultar-se para não ser objetifica<strong>da</strong>, na poesia, ela salta como a leveza mais pesa<strong>da</strong>, com o<br />

brilho mais escuro e implode o que deseja fugir de si próprio. É <strong>da</strong> sua essência re-velar<br />

sem que faça do re-velado um conhecimento objetificável, penetrar na ver<strong>da</strong>de como<br />

evento, aberto, descerrado e, por consequência, fun<strong>da</strong>r o historial. Por mais que os poetas<br />

expressionistas pudessem resistir à reali<strong>da</strong>de que os oprimia, o fariam, mesmo na recusa,<br />

pois encontravam-se no pensamento mais abissal <strong>da</strong> concretude do mundo e com a<br />

profun<strong>da</strong> crença e confiança na existência do acontecer humano.<br />

To<strong>da</strong>via, a existência hipostasia<strong>da</strong> ou postula<strong>da</strong> por ver<strong>da</strong>des sempiternas, pouco<br />

conta no momento <strong>da</strong>s escolhas e <strong>da</strong>s vivências práticas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. A existência que criam<br />

esses poetas era a existência que se erguia de lutas e <strong>da</strong>s dores cotidianas e,<br />

6 Idem, p. 207.<br />

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consequentemente, sofriam por uma outra existência mágica que se arrefeceu, a<br />

natureza. Assim revela a poesia do poeta e tenente médico <strong>da</strong> frente ocidental na<br />

primeira guerra mundial, Wilhelm Klemm, “não queremos poesia de gênero algum,/<br />

Queremos truques mágicos de saco,/ Procuramos tapar na existência um fatal buraco./ E<br />

apesar de esforço insano não tapamos nenhum.//. 7 Tapar o buraco <strong>da</strong> existência, mesmo<br />

sabendo não fazê-lo, é o ápice <strong>da</strong> mais profun<strong>da</strong> abertura, aquele do evento iluminador<br />

do próprio poeta, que mesmo no mais profundo conforto e sorriso, jamais esquece que as<br />

covas correm sempre o risco de serem reabertas.<br />

Eis o revés, o oposto que pela estética firmou as forças que se ergueram em<br />

tempos de profun<strong>da</strong> crise social e espreitaram o homem na sua mais profun<strong>da</strong> abertura,<br />

era preciso resistir. É neste contexto, que a poesia expressionista materializava o grotesco,<br />

a natureza, a linguagem hermética, patológica e dissoluta. Havia no expressionismo<br />

alemão uma provocação não meramente panfletária 8 , que se firmou nas ervas <strong>da</strong>ninhas<br />

<strong>da</strong> linguagem usual, portanto linguagem decaí<strong>da</strong>. Numa suposta negação do mundo por<br />

ausência de luta, estava a criativi<strong>da</strong>de e afirmação dos expressionistas, pois um<br />

estranhamento de mundo, um estar fora de casa, um canto solitário, angustiado,<br />

nostálgico e melancólico é o mais profundo ato de autentici<strong>da</strong>de. Vejamos a poesia O<br />

poeta e a guerra do alemão Albert Ehrenstein, canta o poeta:<br />

Eu cantei os cânticos de vingança em vermelho<br />

[rasga<strong>da</strong>,<br />

E cantei o silêncio do lago de baías arboriza<strong>da</strong>s;<br />

Mas ninguém, solitário<br />

Como a cigarra canta,<br />

7<br />

Extraído <strong>da</strong> obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.<br />

51.<br />

8<br />

Fragoso constata a falta de quaisquer definições programáticas ou de manifestos, ao contrário de outros<br />

movimentos vanguardistas, futurismo, <strong>da</strong><strong>da</strong>ísmo, assim como uma inconsistência completa do<br />

expressionismo nos seus primórdios. Cf. FRAGOSO. A viagem mítica na lírica de Georg Heym. Fun<strong>da</strong>ção<br />

Calouste, 2004, p. 32-33.<br />

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Cantei o meu canto para mim.<br />

Os meus passos vão-se desvanecendo, extenuados<br />

Na areia do meu esforço.<br />

Os olhos caem-me de cansaço,<br />

Estou cansado dos desconsolados vaus,<br />

De atravessar rios, mulheres e ruas.<br />

Á beira do abismo, não penso<br />

No escudo e na lança.<br />

Assoprado pelas bétulas,<br />

Ensombrado pelo vento,<br />

Adormeço ao som <strong>da</strong> harpa<br />

De outros,<br />

Para quem ela escorre alegremente.<br />

Não me mexo,<br />

Porque todos os pensamentos e ações<br />

Turvam a pureza do mundo. 9<br />

A profun<strong>da</strong> evasão e a descrição <strong>da</strong> paisagem parecem subtrair o canto em<br />

confessionalismo e falta de ação, não fosse o canto de um eu-lírico inconformado que<br />

pensa o mundo em sua angústia e, ao interrogá-lo sem perguntas e a cantá-lo sem hinos,<br />

diz; cantei o silêncio, e mostra que to<strong>da</strong> ação macula a pureza do mundo. Como podemos<br />

compreender a ação referi<strong>da</strong>? Não mais na guerra, mas na falta de uma materiali<strong>da</strong>de<br />

perspicaz e sensível do ser mundo. A melancolia do eu-lírico parece dizer-nos que to<strong>da</strong>s as<br />

ações e o próprio pensamento já realizados, fragmentaram demais o ser do mundo.<br />

Passos, esforços, olhos, travessias, pensamentos, lanças. Não me mexo.<br />

Em tempos de entulhos, estes poetas não acreditavam mais na ação redentora, no<br />

conhecimento, nos movimentos sociais meramente engajados e, muito menos, na função<br />

do poeta, porém, acreditavam na recondução do homem ao próprio do homem. Daí a<br />

grotesca afirmação de Werner Mittenzwei, 1968, de que o expressionismo é, em seus<br />

traços essenciais, humanista. Porém, acerta<strong>da</strong> é a colação de Claudia Cavalcante para<br />

9 Op. cit., p.213.<br />

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quem “o expressionismo morria porque queria ser mãe <strong>da</strong> revolução em nome <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de, (...) nosso apelo é l’homme pour l’homme ao invés de l’art pour l’art.”<br />

Acreditavam os expressionistas. (CAVALCANTI, 2002, p. 50).<br />

Eis o denominador comum <strong>da</strong> poesia expressionista e seu maior revés, um todo e a<br />

parte, a maior preocupação; o homem, ou melhor, a decadência do homem. De um<br />

pessimismo trágico eram por isto mesmo, contraditório em suas formas. O pessimismo<br />

trágico é aquele em que a deliberação não é atenuante <strong>da</strong> fatali<strong>da</strong>de, mas pode pesá-la<br />

mais. Agir é mover os olhos dos deuses, é ser visto, logo é correr um alto risco.<br />

Insistentemente, o poeta expressionista escolhe deliberar sobre uma humani<strong>da</strong>de<br />

perdi<strong>da</strong>. É assim com o poema O novo Orfeu de Iwan Goll, único poeta que se auto<br />

denominava expressionista, que terá que ser exposto em sua inteireza.<br />

Orfeu<br />

Músico de outono<br />

Ébrio de mosto estelar<br />

Ouves a rotação <strong>da</strong> terra<br />

Ranger hoje mais fortemente do que é hábito?<br />

O eixo do mundo enferrujou<br />

À tardinha e pela manhã cotovias disparam para o céu<br />

Procuram em vão o infinito<br />

Leões envelhecem<br />

E os miosótis pensam em suicídio<br />

Está cansa<strong>da</strong> a boa natureza<br />

Rarefeito o oxigênio de eternas florestas<br />

Sufoca-se no ozone dos cumes<br />

Nuvem chove e sente a nostalgia <strong>da</strong> lama<br />

Homem acaba sempre por voltar aos homens<br />

Eterno permanece para nós o destino<br />

Eurídice:<br />

A mulher a vi<strong>da</strong> incompreendi<strong>da</strong><br />

Todos são Orfeu<br />

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Orfeu: quem o não conhece:<br />

1 m 78 de altura<br />

68 quilos<br />

Olhos: castanhos<br />

Testa: estreita<br />

Chapéu entretelado<br />

Certidão de nascimento no bolso do casaco<br />

Católico<br />

Sentimental<br />

Pela democracia<br />

E músico de profissão<br />

A Grécia, esqueceu-a<br />

E o canto matutino do alcíone<br />

A sombria tristeza dos cedros<br />

O casamento <strong>da</strong>s flores<br />

E tanta amizade de riachos menineiros<br />

De que lhe servem hoje genciana e camurça<br />

Os homens estão na miséria<br />

Prisioneiros nas profundezas de um submundo<br />

Em ci<strong>da</strong>des de argamassa<br />

De lata e de papel<br />

São estes que ele tem de libertar<br />

Os pobres de lua de vento e de pássaros<br />

Senhor, pára<br />

Tu aí, de fraque impecável<br />

Alto: mostra o coração!<br />

Cultura <strong>da</strong> Europa Central<br />

Com corações imperiais<br />

Socie<strong>da</strong>des construtoras<br />

Combates de boxe<br />

Oh, contemporâneo, excelentíssimo senhor!<br />

Orfeu veio até junto de ti<br />

Das colinas gregas<br />

Para a vere<strong>da</strong> do quotidiano<br />

Desceu o novo poeta<br />

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Encontrá-lo em todo o lado onde lábios procuram<br />

[sofregamente<br />

Onde corações passam fome<br />

Ele cobre com música, como abafo quente,<br />

Todo o teu desengano do mundo<br />

Orfeu canta a primavera para os homens<br />

Quarta-feira entre o meio-dia-e-meia e a uma-e-meia<br />

No papel de tímido professor de piano<br />

Liberta uma jovem <strong>da</strong> avareza <strong>da</strong> mãe<br />

À noite nas varie<strong>da</strong>des mun<strong>da</strong>nas<br />

Entre a moça Yankee e o encantador de serpentes<br />

O seu couplet sobre o amor humano é o terceiro<br />

[número<br />

À meia-noite um palhaço<br />

No circo de ouro luminoso<br />

Acor<strong>da</strong> com um grande tambor os que já dormem<br />

Aos domingos em frente às ligas de combatentes<br />

No salão de <strong>da</strong>nça com painéis de carvalho<br />

O maestro dos cantos de liber<strong>da</strong>de<br />

Definhado organista<br />

Em silenciosas sacristias<br />

Toca docemente órgão para menino Jesus<br />

Em todos os concertos de assinatura<br />

Com Gustav Mahler<br />

Trespassa horrivelmente os corações<br />

No animatógrafo de bairro, sentado ao martírio do<br />

[piano<br />

Deixa que o coro dos peregrinos<br />

Lamente a morte virgem –<br />

Gramofones<br />

Pianolas<br />

Órgãos<br />

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Espalham a música de Orfeu<br />

Na Torre Eiffel<br />

A 11 de setembro<br />

Dá um concerto para telefonia<br />

Orfeu torna-se um gênio;<br />

De pais para país<br />

Sempre em carruagem-cama<br />

A sua assinatura<br />

Em facsimile para álbuns de poesia<br />

Custa vinte marcos<br />

E de Atenas viaja para Berlim<br />

Através <strong>da</strong> aurora alemã<br />

Lá está à espera na estação <strong>da</strong> Silésia<br />

Eurídice! Eurídice!<br />

Lá está a ama<strong>da</strong> <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de<br />

Com o seu velho chapéu de chuva<br />

E luvas amarrota<strong>da</strong>s<br />

Tule sobre o chapéu de inverno<br />

E bâton a mais nos lábios<br />

Como outrora<br />

Sem música<br />

Pobre de alma<br />

Eurídice: a humani<strong>da</strong>de não liberta<strong>da</strong>!<br />

E Orfeu volta-se para trás – e já quer abraçá-la<br />

Libertá-la definitivamente do seu arco<br />

Estende a mão<br />

Levanta a voz<br />

Em vão! A multidão já não o ouve<br />

Regressa ao submundo ao quotidiano e à dor!<br />

Orfeu só na sala de espera<br />

Estoura o coração com uma bala. 10<br />

10 Extraído <strong>da</strong> obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.<br />

221- 229.<br />

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É no outono que o novo Orfeu desce. Outono, estação do ano que fica entre o<br />

verão e o inverno, uma ponte entre o fim do dia quente e o início <strong>da</strong> noite géli<strong>da</strong>, tempo<br />

de decadência. A terra range mais fortemente porque perdeu o seu eixo, leões perderam<br />

a sua natureza bravia, envelhecimento, fim <strong>da</strong> natureza mágica, a sua per<strong>da</strong> total. Em<br />

tempos de derroca<strong>da</strong>s todos buscam algo que ficou para trás, esquecido ou abandonado.<br />

Somente desta forma, a perspectiva de futuro pôde possuir a força que tem, querer,<br />

desejar, ir em frente, sem o conhecimento de que somos impulsionados ao que foi<br />

perdido de nós em sua inteireza. Por esta razão, o futuro é apenas uma quimera de pés<br />

virados para trás, um tempo de ser perdido. Por isto são todos Orfeus, diz o poeta. Nossa<br />

Eurídice pode ser a natureza, o encontro, a dimensão perdi<strong>da</strong>.<br />

Orfeu, o an<strong>da</strong>rilho comum que sobrevive no cotidiano, longe e esquecido <strong>da</strong><br />

primeira intimi<strong>da</strong>de com a natureza. A metáfora mais forte, esqueceu o canto matutino do<br />

alcíone, ou seja, acostumou-se distante dos turbilhões e seus ninhos não podem mais<br />

serem feitos sobre as águas mansas, mas sim, sobre concretos e, assim, vagueia pacato e<br />

conformado pelo mundo oposto de si.<br />

A quem Orfeu tem de libertar? Aos prisioneiros do submundo. Os pobres de lua de<br />

vento e de pássaros. Portanto, aqueles que se perderam de si, homem e natureza sem<br />

distinções do mundo e do ser. Mas percebamos que o próprio Orfeu é o desencantado,<br />

profissional banal, e homem comum. 1 m 78 de altura/ 68 quilos/ Olhos: castanhos/ Testa:<br />

estreita/ Chapéu entretelado/ Certidão de nascimento no bolso do casaco/ Católico/<br />

Sentimental/ Pela democracia/ E musico de profissão//. Teria que ser de outra forma?<br />

Não. Como man<strong>da</strong>r luz para cegos? Orfeu é ninguém, o impessoal que não é visto e na<strong>da</strong><br />

pode significar para seres que, somente pelas obras, se sentem gloriosos, com corações<br />

imperiais.<br />

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O <strong>Revés</strong> <strong>da</strong> <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong><br />

Revista Visão Acadêmica; Universi<strong>da</strong>de Estadual de Goiás; Maio de 2011; ISSN 21777276; www.coracoralina.ueg.br<br />

Interpela o eu-lírico, como louco a balbuciar palavras, Oh, contemporâneo,<br />

excelentíssimo senhor!/ Orfeu veio até junto de ti/ Das colinas gregas/Para a vere<strong>da</strong> do<br />

cotidiano/ desceu o novo poeta//. Palavras vãs. É de um passado portentoso que o poeta<br />

faz de Orfeu o cantor que atravessa o tempo como arauto e guardião e põe-lhe<br />

totalmente decaído na nova moderni<strong>da</strong>de. Fim <strong>da</strong> aurora, fim do tempo. O músico de<br />

profissão comum, homem de vi<strong>da</strong> ordinária. Somente mutilado pode chegar a vi<strong>da</strong> do<br />

homem bestial. Onde está este novo poeta? Nos lábios que procuram, onde corações<br />

passam fome, cobrindo com música todo desengano do mundo. Mesmo com horário<br />

marcado, quarta-feira entre o meio dia e meia e uma e meia ele ain<strong>da</strong>, ele ain<strong>da</strong> liberta.<br />

Orfeu está no submundo, sua autorização de entra<strong>da</strong> foi tornar-se banal, estreito,<br />

tacanho, ele que também faz espetáculo para os anômalos <strong>da</strong> existência e junta sua<br />

encenação sobre o olvi<strong>da</strong>do amor humano aos números de atração vulgar. Ain<strong>da</strong> na hora,<br />

À meia noite, ele é o palhaço a acor<strong>da</strong>r a tamborila<strong>da</strong>s os que dormem, é maestro, toca<br />

em concertos, desafinado organista, toca numa igreja qualquer, possivelmente sem deus.<br />

Tantas funções precisa ter este novo Orfeu. Entretanto, mais um golpe lhe assaltará a<br />

existência. Em tempos de novas tecnologias será diminuído, seu trabalho será amenizado<br />

e o contato humano subsumido. Quem tocará e cantará aos homens esquecidos? Eles os<br />

gramofones/ pianolas/ órgãos/ espalham a música de Orfeu//. Sua lira perde a aura.<br />

Orfeu poderá estar agora em muitos lugares, sem que a sua presença seja necessária e, ao<br />

mesmo tempo, experimenta <strong>da</strong> fama que alguns egos insistem em possuir para idolatria<br />

de suas próprias ruínas. Músico pago, profissional e glorioso em fama. “Orfeu torna-se um<br />

gênio:/ Viaja de país para país/ Sempre em carruagem – cama// A sua assinatura/ Em<br />

facsimile para álbuns de poesia/ Custa vinte marcos//. E assim sendo, ele quase esqueceu<br />

de si, quase esqueceu sua Eurídice, como finalização deste vagar inoportuno. Orfeu<br />

desembarca em Berlim, é lá que lembrará sua busca e verá sua Eurídice. Mais do que<br />

otimismo alemão, é neste país que o hades está erguido. Podemos observar que o olhar<br />

do poeta sobre a Alemanha e a Europa é de um pessimismo contundente, o mundo dos<br />

mortos é este que se ergueu imperiosamente decaído. Lá está Eurídice, transfigura<strong>da</strong><br />

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“com seu velho chapéu de chuva/ E luvas amarrota<strong>da</strong>s/ Tule sobre o chapéu de inverno/ E<br />

bâton a mais nos lábios/ Como outrora/ Sem música/ Pobre de alma//. Mas esta Eurídice é<br />

a própria humani<strong>da</strong>de e, é nela que o poeta fracassa.<br />

Eurídice é a humani<strong>da</strong>de irresoluta, inflexível em suas profun<strong>da</strong>s aparências, ela<br />

não responde mais a evocação do poeta, a lira de Orfeu perde as cor<strong>da</strong>s, o piano desafina<br />

por mais que o canto seja belo. Orfeu, o poeta que ama a humani<strong>da</strong>de quer possuí-la<br />

novamente, “volta-se para trás – e já quer abraçá-la/ Libertá-la definitivamente do seu<br />

Orco:/ Estende a mão/ levanta a voz/ Em vão! Eurídice, feia, mu<strong>da</strong> e cega não vê seu<br />

amado Orfeu, mas o ouve e, mesmo assim, não se move, a resposta vem em bafos de<br />

embriaga<strong>da</strong> indiferença. Esta Eurídice quer permanecer no submundo, regressa ao<br />

submundo ao cotidiano e a dor! A humani<strong>da</strong>de desfeita de si, impessoali<strong>da</strong>de definitiva<br />

quer permanecer no mundo dos mortos. A Orfeu, o peso mais pesado, a escolha no<br />

desespero, a fatídica falha do poeta que, ain<strong>da</strong> em espera, estoura o coração com uma<br />

bala. Fim do canto, hora <strong>da</strong>s marcas, agora, no verso de Becher, o poeta evita acordes<br />

radiosos. Este é o canto que compreende o poeta expressionista no mundo, preocupação<br />

com o destino do homem, a decadência <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de e a impossibili<strong>da</strong>de de retorno.<br />

E o que nos diz Trakl? Bebi <strong>da</strong> fonte do bosque/ o silêncio de Deus/ Sobre a minha<br />

fronte cai o frio metal. / Aranhas procuram o meu coração. / Há uma luz que se apaga na<br />

minha boca. // Diz ain<strong>da</strong>: esgotou-se a fonte de ouro dos dias, / os tons <strong>da</strong> tarde, azuis e<br />

outonais: / Morreram doces flautas pastorais/ Os tons <strong>da</strong> tarde, azuis e outonais/ Esgotou-<br />

se a fonte de ouro dos dias.//. 11 Atordoado outono <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

Se é na frágil carência e transmutação dos valores que a poesia se ergue deve ser<br />

cautelosa para que este crescimento não pareça uma breve gravidez, mas que esteja lá<br />

sem ser vista e possa, profun<strong>da</strong>mente, ser senti<strong>da</strong> e possa provocar e deflagrar, em dias<br />

de alegres e abun<strong>da</strong>ntes ofertas, os fossos e as feri<strong>da</strong>s que existem para além dos olhos.<br />

11 Extraído <strong>da</strong> obra Expressionismo alemão - Antologia poética, trad. João barrento. Lisboa: Ática Sarl, s.d., p.<br />

155.<br />

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Nisto o expressionismo é constante e não pode resumir-se em mera vanguar<strong>da</strong>, mas uma<br />

pergunta persiste: em tempos ‘sem trevas’, mu<strong>da</strong>mos o modo de <strong>da</strong>r passos ou trocamos<br />

de rua? A obvie<strong>da</strong>de - <strong>da</strong> resposta - é a marca do nosso pensamento. Falta-nos a margem<br />

<strong>da</strong> turbulenta fecundi<strong>da</strong>de. Afinal, quem fala de vitória? Suportar é tudo.<br />

Bibliografia:<br />

BARRENTO, J. Expressionismo <strong>Alemã</strong>o, antologia poética. Lisboa: Ática Sarl, n/d.<br />

CAVALCANTI, C. O Cabaré do Novo Homem. Cult. São Paulo, n. 39, p. 47-50. 2000.<br />

____________, <strong>Poesia</strong> <strong>Expressionista</strong> <strong>Alemã</strong>. São Paulo: Estação Liber<strong>da</strong>de, 2000.<br />

FRAGOSO, M. A Viagem Mítica na lírica de Georg Heym. Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, 2004.<br />

HAMBURGUER, M. A Ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Poesia</strong>. Trad. Alípio Correia de Franca Neto. Cosac & Naify, 1968.<br />

HEIDEGGER, M. Sobre o Humanismo. São Paulo. Abril cultural, 1973.<br />

MACHADO, C. Debate Sobre o Expressionismo: um capítulo <strong>da</strong> história <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de estética,<br />

Lukács, Bloch, Brecht, Benjamim e Adorno. São Paulo, Unesp, 1998.<br />

SCHEIDL. L. O pré-expressionismo na Literatura <strong>Alemã</strong>. Coimbra: Biblioteca Geral <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Coimbra, 1985.<br />

___________, A Renovação <strong>da</strong> Literatura de Expressão <strong>Alemã</strong> na Primeira Déca<strong>da</strong> do Pós-guerra.<br />

Colibri, 1998.<br />

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