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1992: O Ano em que Hollywood descobriu a América - Área de ...

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Primeiros Escritos<br />

<strong>1992</strong>:<br />

O ANO EM QUE<br />

HOLLYWOOD<br />

DESCOBRIU A AMÉRICA *<br />

Mariza <strong>de</strong> Carvalho Soares<br />

“... sobretudo cumpre <strong>que</strong> es<strong>que</strong>ça o sono<br />

e me <strong>em</strong>penhe <strong>em</strong> navegar, por<strong>que</strong> assim é<br />

preciso, o <strong>que</strong> me dará gran<strong>de</strong> trabalho”.<br />

Cristóvão Colombo .<br />

Esta Comunicação t<strong>em</strong> como objetivo apresentar uma ativida<strong>de</strong> realizada junto aos<br />

alunos do curso <strong>de</strong> História da <strong>América</strong> I (<strong>América</strong> Colonial), disciplina do Ciclo Básico do<br />

Departamento <strong>de</strong> História da UFF, por ocasião da com<strong>em</strong>oração dos “500 <strong>Ano</strong>s da <strong>América</strong>”.<br />

Foi com base nas anotações feitas ao longo do trabalho <strong>que</strong>, posteriormente, redigi esta<br />

Comunicação.<br />

A turma, composta por aproximadamente trinta alunos, foi dividida <strong>em</strong> grupos com<br />

objetivo <strong>de</strong> preparar um <strong>de</strong>bate <strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula. Minha intenção era fazer os alunos<br />

perceber<strong>em</strong> como um fato <strong>de</strong> conhecimento corrente e aparent<strong>em</strong>ente obvio: Colombo<br />

<strong><strong>de</strong>scobriu</strong> a <strong>América</strong> <strong>em</strong> 1492, podia ser objeto <strong>de</strong> análises, interpretações e versões<br />

diferentes, cabendo ao historiador conhecê-las e contextualizá-las.<br />

O trabalho com filmes inspirava-se na idéia <strong>de</strong> “etnotexto” do historiador francês<br />

Philippe Joutard, 1 realizada por mim num trabalho anterior on<strong>de</strong> coloco <strong>que</strong> os filmes, assim<br />

como relatos orais e escritos, pod<strong>em</strong> ser tomados como narrativas portadoras <strong>de</strong> formas<br />

próprias <strong>de</strong> expressão, <strong>que</strong> pod<strong>em</strong> ser utilizadas pelo historiador como fontes para pesquisa 2 .<br />

Meu objetivo era mostrar-lhes <strong>que</strong>, <strong>em</strong> <strong>1992</strong>, nos 500 anos da <strong>América</strong>, como <strong>em</strong> tantas<br />

outras ocasiões, <strong>Hollywood</strong> busca inspiração para seus roteiros nos mitos fundadores da<br />

<strong>América</strong> e <strong>que</strong>, pensar sobre isso, é uma forma <strong>de</strong> fazer história. O <strong>de</strong>bate ocupou ao todo<br />

duas aulas, num total <strong>de</strong> quatro horas, e resultou num relatório escrito, por grupo.<br />

*<br />

Comunicação apresentada no 2° Encontro <strong>de</strong> Professores Pesquisadores na <strong>Área</strong> do Ensino <strong>de</strong> História 2 a 5<br />

<strong>de</strong> maio. Niterói:Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense. 1995.<br />

1<br />

JOUTARD P. “Un Projet régional <strong>de</strong> recherche sur les ethnotextes”. Annales 35° ano, n° 1, jan-fev. 1980. (pp.<br />

176-182).<br />

2<br />

SOARES, M. C. “Filme: um etnotexto da socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea”. Comunicação apresentada no XIX<br />

Congresso da Associação Brasileira <strong>de</strong> Antropologia. Niterói, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense. 1994.


Primeiros Escritos, n° 2- set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1998. LABHOI<br />

PREPARAÇÃO DA ATIVIDADE<br />

Selecionei dois filmes.<br />

Filme 1: “Christopher Columbus - the discovery”<br />

( “Cristóvão Colombo: a aventura do <strong>de</strong>scobrimento”)<br />

Filme 2: “1492 - con<strong>que</strong>st of Paradise”<br />

( “1492 - a conquista do Paraíso”)<br />

O filme “Cristóvão Colombo...” é uma produção americana <strong>de</strong> <strong>1992</strong>. Dirigido por<br />

John Glen, t<strong>em</strong> como principal <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> o ator Marlon Brando, como coadjuvante. O filme,<br />

consi<strong>de</strong>rado pela crítica como <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong>, recebeu duas estrelas com o comentário:<br />

“Aventura pouco <strong>em</strong>polgante...” 3 . O segundo filme, “1492...” é uma co-produção Estados<br />

Unidos-França-Espanha, lançado <strong>em</strong> <strong>1992</strong>, sob a direção <strong>de</strong> Ridley Scott. O filme conta com<br />

Gérard Depardieu no papel <strong>de</strong> Colombo e Sigoumey Weaver como Isabel <strong>de</strong> Castela. No<br />

catálogo da Abril aparece como “A epopéia <strong>de</strong> Cristóvão Colombo até a chegada ao Novo<br />

Mundo...” 4 Os filmes <strong>de</strong>veriam ser vistos e pensados a partir da seguinte pergunta: se vocês<br />

foss<strong>em</strong> professores como discutiriam esses filmes com seus alunos? A pergunta era<br />

propositadamente vaga para <strong>que</strong> eles investigass<strong>em</strong> a <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> forma b<strong>em</strong> livre.<br />

A preparação do trabalho foi feita com a leitura e discussão <strong>de</strong> três textos: 1 ) “A<br />

exploração <strong>em</strong> fase A: Colombo e as ilhas da <strong>América</strong>”: capitulo 4 do livro <strong>de</strong> Pierre<br />

Chaunnu Expansão européia do século XIII ao XV. São Paulo. Pioneira. 1978; 2)<br />

“Descobrir”: primeira parte do livro <strong>de</strong> Tzvetan Todorov A conquista da <strong>América</strong>. São Paulo.<br />

Martins Fontes. 1991; e 3) “História e crítica da idéia do <strong>de</strong>scobrimento da <strong>América</strong>”:<br />

primeira parte do livro <strong>de</strong> Edmundo O'Gorman A invenção da <strong>América</strong>. São Paulo. Ed.<br />

UNESP. <strong>1992</strong>. Não foi possível fazer um trabalho <strong>de</strong>talhado <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação das fontes<br />

primárias, a turma conhecia apenas o diário <strong>de</strong> Colombo 5 .<br />

Com relação à minha participação é importante esclarecer <strong>que</strong> eu tinha visto os<br />

filmes e feito anotações. Sabia por<strong>que</strong> os tinha escolhido e o <strong>que</strong> podia tirar <strong>de</strong>les. Mesmo<br />

assim, também para mim, era uma ativida<strong>de</strong> marcada pelo caráter experimental, construída a<br />

partir da participação do conjunto da turma.<br />

O trabalho parece ter motivado a todos e nos quinze dias <strong>de</strong> preparação vários alunos<br />

comentaram aspectos do filme. Evitei qual<strong>que</strong>r trabalho escrito. Dois grupos escreveram<br />

avaliações preliminares <strong>que</strong> me foram encaminhadas no sentido <strong>de</strong> saber “se estavam indo no<br />

caminho certo”. D<strong>em</strong>onstravam leitura, mas não conseguiam trabalhar o filme a partir <strong>de</strong>las.<br />

Alertei-os sobre isso e reforcei <strong>que</strong> não se preocupass<strong>em</strong> <strong>em</strong> escrever.<br />

Durante esta fase preparatória procurei recomendar apenas <strong>que</strong> viss<strong>em</strong> os filmes<br />

pensando não apenas no século XV, mas também no ano <strong>de</strong> <strong>1992</strong>, quando ambos fora<br />

lançados. O restante caberia a eles pensar.<br />

3 Ví<strong>de</strong>o. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Abril. 1994. (p. 165).<br />

4 Ví<strong>de</strong>o. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Abril. 1994. (p. 441).<br />

5 Já havia sido feito um exercício <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> fontes com a leitura <strong>de</strong> um trecho do diário <strong>de</strong> Colombo. Em<br />

função disso, sabiam <strong>que</strong> esses originais nunca foram encontrados e <strong>que</strong> o acesso a eles foi possível através <strong>de</strong><br />

sua reprodução no livro História das Índias <strong>de</strong> autoria do frei Bartolomé <strong>de</strong> Las Casas 1474-1566).<br />

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Primeiros Escritos, n° 2- set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1998. LABHOI<br />

REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE<br />

No dia marcado para o <strong>de</strong>bate estavam todos ansiosos. A sala estava cheia. No início<br />

<strong>que</strong>riam falar todos ao mesmo t<strong>em</strong>po. Diante do caos criado, concordaram <strong>que</strong> era preciso<br />

organizar a discussão. Dividi o quadro negro <strong>em</strong> duas partes e colo<strong>que</strong>i os títulos dos filmes<br />

<strong>em</strong> cada meta<strong>de</strong> (original e tradução). As colocações feitas pelos alunos seriam anotadas, <strong>de</strong><br />

acordo com cada filme.<br />

Conforme combinado, uma parte da turma tinha visto um filme e a outra o segundo.<br />

Constatei ainda <strong>que</strong> muitos tinham visto os dois. Por um lado isso ajudou a discussão e por<br />

outro dificultou. A<strong>que</strong>les <strong>que</strong>, cumprindo a minha orientação, tinham visto apenas um filme<br />

(inclusive os dois grupos <strong>que</strong> tinham entregue o trabalho escrito) se sentiram imediatamente<br />

prejudicados. Um dos grupos (todos ótimos alunos) praticamente não falou nada. Ao final <strong>de</strong><br />

duas horas, o <strong>de</strong>bate foi interrompido para ter continuida<strong>de</strong> na aula seguinte. Saí <strong>de</strong> sala<br />

exausta. Estava cansada <strong>de</strong> administrar a animação da turma, rouca <strong>de</strong> tanto pedir para falar<br />

um <strong>de</strong> cada vez e preocupada com os alunos <strong>que</strong> tinham se sentido prejudicados ou <strong>que</strong>, por<br />

t<strong>em</strong>peramento mais tímido, tinham ficado silenciosos.<br />

Abriram o <strong>de</strong>bate falando do encontro <strong>de</strong> Colombo com o turco no mercado<br />

(“Cristóvão Colombo...”). Começaram pela <strong>que</strong>da <strong>de</strong> Constantinopla. Tentei então mostrar<br />

<strong>que</strong> antes <strong>de</strong> falar da história, precisávamos analisar dois aspectos: a ficha técnica (produção,<br />

data, etc) e o título dos filmes analisados.<br />

A ficha técnica:<br />

O <strong>de</strong>bate girou <strong>em</strong> torno da idéia <strong>de</strong> “encontro <strong>de</strong> civilizações” muito repetida na<br />

época. Esta expressão, aparent<strong>em</strong>ente melhor <strong>que</strong> a idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimento, por assumir a<br />

existência <strong>de</strong> uma civilização pré-colombiana tinha, como contrapartida o fato <strong>de</strong> minimizar a<br />

violência da conquista. A discussão cresceu e logo <strong>de</strong>ixou os filmes <strong>de</strong> lado... Interrompi o<br />

<strong>de</strong>bate fazendo-os ver o <strong>que</strong> estava acontecendo. Voltando os olhos da turma para o quadro<br />

fiz com <strong>que</strong> prestass<strong>em</strong> atenção ao <strong>que</strong> estava escrito (os dois títulos). A palavra<br />

CONQUISTA no subtítulo “1492. a conquista do Paraíso”serviu <strong>de</strong> gancho para retomar a<br />

discussão sobre os filmes.<br />

Percebi a dificulda<strong>de</strong> <strong>que</strong> eles estavam tendo <strong>em</strong> pensar o filme a partir da ficha e<br />

<strong>de</strong>ixei esta intenção <strong>de</strong> lado. Ficou no quadro uma referência aos gêneros narrativos indicada<br />

na própria ficha: “Cristóvão Colombo” era uma “aventura” e “1492...” uma “epopéia”.<br />

Ninguém <strong>de</strong>u atenção a isso.<br />

O título:<br />

Começam a comparar os dois títulos. Um centrado na pessoa <strong>de</strong> Colombo (“Cristóvão<br />

Colombo...”) e outro na data <strong>de</strong> sua chegada à <strong>América</strong>/Índias/Paraíso (“1492...”). E seguida<br />

foi notado <strong>que</strong> a palavra “aventura” só constava na tradução brasileira do primeiro titulo. No<br />

titulo original o <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> era para a palavra “Discovery”. Começou a ficar clara a diferença<br />

entre um filme sobre o “<strong>de</strong>scobrimento” ( “Cristopher Columbus: the Discovery”) e outro<br />

sobre a “conquista” (“1492: the con<strong>que</strong>st of Paradise”). O primeiro parecia falar <strong>de</strong> uma<br />

3


Primeiros Escritos, n° 2- set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1998. LABHOI<br />

<strong>América</strong> <strong>que</strong> ainda não sabia-se existir, o segundo <strong>de</strong> um Paraíso <strong>que</strong> ainda pensava-se<br />

existir 6 .<br />

Embora a palavra “aventura” não conste do título original, chegamos à conclusão <strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> o tradutor parece ter captado b<strong>em</strong> o espírito <strong>de</strong>ste filme, on<strong>de</strong> Colombo aparece como<br />

herói <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> capa e espada: sabe tudo, ganha s<strong>em</strong>pre, t<strong>em</strong> a mulher bonita<br />

apaixonada por ele, e o mais importante, t<strong>em</strong> a sorte a seu favor. Ao tentar trabalhar a palavra<br />

“aventura” procurei mostrar como ela indica <strong>que</strong> o filme <strong>de</strong>senvolve-se num ritmo on<strong>de</strong> a<br />

ação é fundamental.<br />

Passando à análise da palavra “Discovery” perguntei à turma <strong>que</strong> outra “Discovery”<br />

eles conheciam. Rindo muito l<strong>em</strong>braram logo da nave espacial americana. Daí foi fácil<br />

estabelecer um paralelo entre a <strong>de</strong>scoberta da <strong>América</strong> e a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novos mundos: os<br />

monstros e os ET, o sumidouro das Bermudas e o buraco negro, a viag<strong>em</strong> ao <strong>de</strong>sconhecido, e<br />

assim por diante. Chegamos então à conclusão <strong>que</strong> “Cristóvão Colombo...”, o título do<br />

primeiro filme pretendia fazer o espectador partir da idéia da busca do <strong>de</strong>sconhecido através<br />

do <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> às façanhas do herói. Passamos ao segundo filme.<br />

"1492... ", ao contrário do primeiro, <strong>de</strong>staca a época e dá, através do sub-título<br />

“conquista do Paraíso” um tom menos aventureiro e mais solene ao filme. A ação aqui per<strong>de</strong><br />

importância para as imagens com forte apelo simbólico 7 . As palavras “Conquista” e “paraíso”<br />

aparec<strong>em</strong> fartamente na literatura referente aos séculos XIV e XV indicando, inclusive,<br />

diferentes visões sobre essa época tanto por seus cont<strong>em</strong>porâneos, quanto pela historiografia<br />

atual. Convém l<strong>em</strong>brar <strong>que</strong> a turma tinha lido três autores b<strong>em</strong> diferentes entre si (Chaunu,<br />

O'Gorman e Todorov).<br />

Logo no inicio <strong>de</strong> “1492...” fica claro <strong>que</strong> Fernando, filho <strong>de</strong> Colombo é o narrador do<br />

filme. Os alunos sabiam <strong>que</strong> uma das fontes para a biografia <strong>de</strong> Colombo são os escritos <strong>de</strong><br />

Fernando sobre seu pai. Fernando escreve seu texto para recuperar a imag<strong>em</strong> do pai e<br />

também seus direitos à herança perdida <strong>de</strong>pois da anulação das Capitulações <strong>de</strong> Santa Fé 8 .<br />

Perceber a presença das fontes referidas na bibliografia foi muito importante para eles por<strong>que</strong><br />

permitiu perceber a <strong>que</strong>stão da sua aparente neutralida<strong>de</strong> e a importância <strong>de</strong> sua crítica.<br />

Com essas observações iniciais - <strong>que</strong> serviram para criar o clima do <strong>de</strong>bate passamos<br />

à análise dos filmes propriamente.<br />

A apresentação do filme:<br />

Propus <strong>que</strong> continuáss<strong>em</strong>os a realizar uma análise paralela dos dois filmes.<br />

Analisamos então a abertura <strong>de</strong> cada um. “Cristóvão Colombo...” começa com um céu azul,<br />

nuvens atravessando a tela (movimento e luz). “1492...” começa com a câmera passeando<br />

sobre uma gravura <strong>de</strong> época on<strong>de</strong> aparec<strong>em</strong> figuras do imaginário renascentista. A cor é<br />

avermelhada.<br />

Os dois filmes iniciam com imagens <strong>que</strong> possu<strong>em</strong> pretensões b<strong>em</strong> diferentes.<br />

Comecei a trabalhar essas duas imagens. Ao l<strong>em</strong>brar<strong>em</strong> <strong>de</strong> “Cristóvão Colombo...” falavam<br />

6<br />

No papel <strong>de</strong> um religioso Marlon Brando diz <strong>em</strong> “Cristóvão Colombo...”: “Acredito no céu e no inferno e<br />

acredito <strong>que</strong> ambos pod<strong>em</strong> ser terrenos.”<br />

7<br />

O diretor <strong>de</strong> “1492...” , Ridley Scott, dirigiu “ Bla<strong>de</strong> Runner” <strong>em</strong> 1982.<br />

8<br />

Contrato firmado entre Colombo e a coroa espanhola on<strong>de</strong> ficavam estabelecidas as condições da viag<strong>em</strong> e a<br />

distribuição das terras e ri<strong>que</strong>zas <strong>que</strong> <strong>de</strong>la resultass<strong>em</strong>.<br />

4


Primeiros Escritos, n° 2- set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1998. LABHOI<br />

do céu, <strong>de</strong>sconhecido, da viag<strong>em</strong>, do sol. Já <strong>em</strong> “1492...” l<strong>em</strong>braram imediatamente o texto<br />

<strong>de</strong> Todorov. Tentei então fazê-los perceber <strong>que</strong> as duas imagens tinham a intenção <strong>de</strong> colocar<br />

o espectador <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma narrativa <strong>que</strong> ia começar “Cristóvão Colombo...” apresenta uma<br />

imag<strong>em</strong> da natureza, o céu como ele é visto por todos <strong>em</strong> qual<strong>que</strong>r época ou lugar. Em<br />

“1492...” uma gravura, produto da arte e do saber humano, mostra a terra conforme ela era<br />

vista e pensada pelos homens do século XV. Aos poucos consegui mostrar <strong>que</strong> o momento<br />

inicial <strong>de</strong> cada filme instaura a forma narrativa <strong>que</strong> se segue. Em “Cristóvão Colombo...” o<br />

céu <strong>em</strong> movimento (visto <strong>de</strong> um barco <strong>que</strong> se move rapidamente) é a viag<strong>em</strong> <strong>que</strong> se anuncia.<br />

Em “1492...” a iconografia é a recuperação <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> mundo prestes a ruir para<br />

s<strong>em</strong>pre.<br />

A cena inicial:<br />

B<strong>em</strong> <strong>de</strong> acordo com seu espírito aventureiro, “Cristóvão Colombo...” começa com<br />

uma cena <strong>de</strong> rua, num mercado à beira do cais on<strong>de</strong> Colombo encontra um hom<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>sconhecido <strong>que</strong> lhe ven<strong>de</strong> um mapa. De posse <strong>de</strong>ste mapa Colombo sai à procura <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><br />

<strong>que</strong>ira financiar sua viag<strong>em</strong> ao Oriente, pelo Oci<strong>de</strong>nte. Na cena seguinte ele briga com um<br />

“turco” e escapa <strong>de</strong> ser roubado por uma prostituta cigana. O ambiente do porto, a presença<br />

<strong>de</strong> personagens socialmente marginalizados foram logo i<strong>de</strong>ntificados pelos alunos. Nenhum<br />

<strong>de</strong>les, entretanto, <strong>de</strong>u importância à cena anterior na qual Colombo compra o mapa. Foi<br />

preciso <strong>que</strong> eu os alertasse para o fato. Só então associaram a compra do mapa ao Mapa do<br />

Tesouro das histórias <strong>de</strong> piratas. Quando isso aconteceu a turma compreen<strong>de</strong>u o <strong>que</strong> eu<br />

estava chamando <strong>de</strong> aventura como gênero narrativo.<br />

Era preciso então enten<strong>de</strong>r o <strong>que</strong> era uma epopéia. Passamos ao “1492...”. O filme<br />

começa com um narrador <strong>em</strong> off. S<strong>em</strong> fazer nenhum comentário li o texto:<br />

“Há 500 anos a Espanha era uma nação dominada pelo medo e pela superstição, governada pela Coroa<br />

e uma Inquisição impiedosa <strong>que</strong> perseguia os homens por ousar<strong>em</strong> sonhar. Um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>safiou este<br />

po<strong>de</strong>r. Levado por seu senso <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino ele cruzou o Mar da escuridão <strong>em</strong> busca do ouro, da honra e da<br />

maior glória <strong>de</strong> Deus.”<br />

Antes <strong>que</strong> eu ou qual<strong>que</strong>r outra pessoa na sala pu<strong>de</strong>sse dizer alguma coisa um aluno<br />

começou a <strong>de</strong>clamar o texto inicial do filme “Guerras nas estrelas”. O espanto <strong>de</strong> todos foi<br />

imediato, inclusive o meu. A s<strong>em</strong>elhança, inclusive na forma <strong>de</strong> recitá-los era incrível. A<br />

<strong>que</strong>stão levantada com relação ao titulo a partir da palavra “Discovery” voltou a colocar-se<br />

imediatamente. Desta vez a palavra, antes associada à idéia <strong>de</strong> aventura, reaparecia como<br />

mais a<strong>de</strong>quada ao segundo filme. As imagens da nave Discovery atravessando o espaço a esta<br />

altura pareciam mais próximas da conquista <strong>de</strong> novos mundos <strong>que</strong> <strong>de</strong> uma simples aventura.<br />

Apesar <strong>de</strong>ste impasse estava claro para todos <strong>que</strong> os fllmes falavam <strong>de</strong> viagens diversas: uma<br />

através do oceano (“1492...” e outra através do espaço (“Guerra nas estrelas”), mas s<strong>em</strong><br />

dúvida falavam <strong>de</strong> um mesmo <strong>de</strong>safio, <strong>de</strong> um mesmo mundo <strong>de</strong>sconhecido e <strong>de</strong> um mesmo<br />

tipo <strong>de</strong> herói <strong>de</strong>sbravador. O oposto parecia acontecer com os dois filmes analisados: <strong>em</strong>bora<br />

tratando <strong>de</strong> um mesmo t<strong>em</strong>a, a viag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Colombo, davam a ele um tratamento<br />

completamente diferente.<br />

De posse da pista dada pelas fichas técnicas, pelos títulos e pelas primeiras imagens<br />

voltei ao quadro negro, retomando nosso ponto <strong>de</strong> partida: os dois filmes tratam da viag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

Colombo, sendo <strong>que</strong> um fala sob o prisma da aventura e o outro da épica. Esta era, até aqui,<br />

apenas uma linha <strong>de</strong> encaminhamento do <strong>de</strong>bate. Para <strong>de</strong>senvolver a análise dos gêneros<br />

narrativos propus <strong>que</strong> pensáss<strong>em</strong>os como a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino era concebida <strong>em</strong> cada filme.<br />

5


Primeiros Escritos, n° 2- set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1998. LABHOI<br />

A noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino:<br />

Como já foi indicado acima, os dois filmes colocam a figura <strong>de</strong> Colombo como um<br />

hom<strong>em</strong> marcado para chegar à <strong>América</strong>. Partindo das duas formas narrativas i<strong>de</strong>ntificadas foi<br />

possível analisar várias cenas <strong>de</strong> cada filme.<br />

O simbolismo dos sinais aparece <strong>em</strong> várias cenas dos dois filmes: <strong>em</strong> ambos há um<br />

raio caindo. Em “Cristóvão Colombo...” o raio cai sobre o mastro do navio e no “1492...” na<br />

cruz da igreja. No primeiro filme o vento durante a travessia do Atlântico sopra, literalmente,<br />

a favor <strong>de</strong> Colombo. Já <strong>em</strong> “1492...” o vento aparece sob a forma <strong>de</strong> um furacão <strong>que</strong> quase<br />

arrasa o primeiro núcleo <strong>de</strong> ocupação, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> já instalada a exploração do trabalho<br />

indígena. Através <strong>de</strong>sta análise recuperamos o texto <strong>de</strong> Todorov e a importância dos sinais no<br />

imaginário da época.<br />

Em “Cristóvão Colombo...” o <strong>de</strong>stino cumpre-se através <strong>de</strong> um mapa comprado ao<br />

acaso. Em “1492...” resulta do esforço individual, do aprendizado, do rompimento dos limites<br />

sociais e culturais da época. Neste filme, um dos religiosos da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salamanca,<br />

visitada por Colombo, comenta: “mentes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes são um perigo”. A diferença entre os<br />

gêneros narrativos (aventura/epopéia) foi b<strong>em</strong> percebida na comparação do momento <strong>em</strong> <strong>que</strong>,<br />

nos dois filmes, Colombo <strong>de</strong>sce do navio e pisa pela primeira vez <strong>em</strong> terra. Em “Cristóvão<br />

Colombo...” ele caminha rápido. O plano da cena é aberto. Em “1492...” Colombo caminha<br />

sobre as águas e o plano da cena se fecha <strong>em</strong> suas botas <strong>que</strong> bat<strong>em</strong> na água <strong>em</strong> câmera lenta<br />

até chegar à praia (uma imag<strong>em</strong> ines<strong>que</strong>cível para qu<strong>em</strong> viu o filme).<br />

Em “Cristóvão Colombo...” Colombo é o herói da aventura <strong>em</strong> “1492...” é o herói da<br />

odisséia. No primeiro o <strong>de</strong>stino é sorte, fortuna; no segundo pre<strong>de</strong>stinação e providência<br />

divina.<br />

ENCERRAMENTO DA ATIVIDADE<br />

Com isso tínhamos cumprido o objetivo do exercício. Os alunos compreen<strong>de</strong>ram <strong>que</strong>,<br />

por ocasião da com<strong>em</strong>oração dos 500 <strong>Ano</strong>s, <strong>Hollywood</strong> apresentou duas versões, entre tantas<br />

outras, do <strong>que</strong> foi a viag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Colombo. Os dois diretores recorreram às fontes históricas<br />

disponíveis, mas as utilizaram <strong>de</strong> forma diversa construindo, cada um, uma narrativa b<strong>em</strong><br />

diferente <strong>que</strong> chega a fazer pensar <strong>em</strong> viagens distintas.<br />

E assim chegamos ao fim do trabalho. O objetivo fora atingido. A turma havia,<br />

efetivamente, compreendido como um mesmo fato po<strong>de</strong> ser narrado e pensado<br />

diferent<strong>em</strong>ente. Restava então fazê-los compreen<strong>de</strong>r a relação entre o trabalho realizado e o<br />

ofício do historiador. O curso estava apenas começando e esta seria uma tarefa a ser cumprida<br />

ao longo <strong>de</strong> todo o s<strong>em</strong>estre.<br />

6

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