Você insiste em criar vínculos - Georgia Quintas
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l<strong>em</strong>brar quando se refere que “a m<strong>em</strong>ória permite a relação do corpo<br />
presente com o passado e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, interfere no processo atual das<br />
representações. (...) A m<strong>em</strong>ória aparece como força subjetiva ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora”.<br />
Assim, os vários retratos do sociólogo Gilberto Freyre configuram a<br />
personalidade de um dos mais importantes escritores e intelectuais do século<br />
20, da mesma maneira que transitam <strong>em</strong> nosso imaginário. A clássica<br />
fotografia de Freyre <strong>em</strong> sua residência, lendo numa poltrona de forma<br />
despojada é supr<strong>em</strong>a evocação: do hom<strong>em</strong>, de seu entorno (a leitura) e de<br />
sua maneira de ser. Em analogia, aos retratos mais “elegantes” de Freyre,<br />
perceb<strong>em</strong>os nesta que há um índice, o qual dá sentido à imag<strong>em</strong>. A perna<br />
de Freyre pousada no “braço” da berger de couro é quase uma provocação,<br />
só não é pela clareza de espontaneidade. De certo, é a chance improvável<br />
do grande mestre se mostrar para o mundo. Ao colocar seu corpo daquele<br />
modo e permitir que assim fosse fotografado, percebe-se o símbolo de<br />
intimidade. Agrega-se, neste retrato, a categoria do autor-hom<strong>em</strong>, muito<br />
além do autor-personag<strong>em</strong>. Este último, não raro, propenso que o sujeito<br />
desdobre-se <strong>em</strong> objetificação.<br />
Consider<strong>em</strong>os outros escritores, cuja preferência é o da invisibilidade.<br />
Os que não gostam de ser<strong>em</strong> fotografados, que são avessos a entrevistas ou<br />
a qualquer forma de exposição. Ou seja, de aparecer <strong>em</strong> contraponto às<br />
suas produções literárias. Embl<strong>em</strong>aticamente, o curitibano Dalton Trevisan<br />
foge (literalmente) de associações imagéticas. Não se deixa fotografar e<br />
refuta dar entrevistas. Daí, vislumbramos outro tipo de escritor, o do esquivo,<br />
do contorcionista <strong>em</strong> não nos impregnar de referências identidárias. Muito<br />
<strong>em</strong>bora, nos faça falta conhecer o indivíduo por trás da escrita, a ausência<br />
pode ampliar a própria criação de construirmos no imaginário o nosso<br />
escritor. Não ele mesmo com sua sedução corporal. De modo que partimos<br />
das palavras para envolvermo-nos sedutoramente com o autor.<br />
Infelizmente, um repórter-fotográfico flagrou Dalton Trevisan andando<br />
pela rua. O instantâneo foi furtivo, não consentido, roubado... Preferiria não<br />
tê-lo visto assim, o mistério foi partido. Não o vi plenamente. Serviu para<br />
contaminar a minha imaginação. Agora, quando toco <strong>em</strong> um livro de<br />
Trevisan, a sensação é a de que ele está fugindo de mim. O filósofo Jean-<br />
Paul Sartre consegue nos confortar quando coloca: “O único meio de<br />
constituir uma teoria verdadeira da existência <strong>em</strong> imag<strong>em</strong> seria limitar-se<br />
rigorosamente a nada afirmar sobre esta que não tivesse diretamente sua