12.04.2013 Views

UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA ... - Alquimy Art

UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA ... - Alquimy Art

UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA ... - Alquimy Art

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>UNIVERSIDADE</strong> <strong>POTIGUAR</strong> <strong>–</strong> <strong>UnP</strong><br />

<strong>PRÓ</strong>-<strong>REITORIA</strong> DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO<br />

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO ARTE TERAPIA<br />

BEATRIZ MOREIRA GUEDES VENZON<br />

DESPERTANDO A CRIANÇA INTERIOR DO IDOSO<br />

NATAL<br />

2009


BEATRIZ MOREIRA GUEDES VENZON<br />

A CRIANÇA INTERIOR DO IDOSO<br />

Natal/RN<br />

2009<br />

Monografia apresentada à<br />

Universidade Potiguar <strong>–</strong> <strong>UnP</strong>, como<br />

parte dos requisitos para obtenção do<br />

título de Especialista em <strong>Art</strong>eterapia.<br />

Orientadora:<br />

Profª. Margaret Rose B. Pela


Aprovado em: ____/____/_____<br />

BEATRIZ MOREIRA GUEDES VENZON<br />

A CRIANÇA INTERIOR DO IDOSO<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

Profª Dra. Margaret Rose B. Pela<br />

Orientadora<br />

Profª Dra. Cristina Dias Allessandrini<br />

Coordenadora do Curso<br />

Universidade Potiguar <strong>–</strong> <strong>UnP</strong><br />

Monografia apresentada à<br />

Universidade Potiguar <strong>–</strong> <strong>UnP</strong>, como<br />

parte dos requisitos para obtenção do<br />

título de Especialista em <strong>Art</strong>eterapia.<br />

___________________________________________<br />

Profª Esp. Luzia Sampaio de Athayde<br />

Leitora Crítica<br />

Universidade Potiguar <strong>–</strong> <strong>UnP</strong>


Dedico este trabalho a todos que de forma<br />

direita ou indireta me ajudaram em sua<br />

conclusão.<br />

De forma especial a minha família pela<br />

compreensão e apoio.


AGRADECIMENTOS<br />

A minha filha Maria Fernanda por sua compreensão de exaustivos dias de espera<br />

para ter uma mãe mais presente, e a suas lindas poesias feitas especialmente<br />

para essa monografia.<br />

Ao meu marido Fábio que por varias vezes corrigiu meus erros de redação<br />

ortográfica, lendo e relendo esta monografia.<br />

Aos meus colegas que me ajudaram e souberam me dar apoio na hora certa.<br />

A professora e psicóloga Dulcinéia Pires que em primeira mão me apresentou de<br />

maneira ímpar a teoria tão bela de Donald Winnicott.<br />

As professoras deste curso de pós-graduação que me ajudaram a compreender e<br />

usar da melhor forma a arteterapia.


ALEGRIA DE CRIANÇA<br />

Por dentro de vocês senhoras<br />

Existe uma fonte de alegria e esperança<br />

Que se chama criança.<br />

Por essa fonte você se ilumina<br />

E é de lá que vem a magia<br />

A criança que em você existe, nunca é<br />

triste<br />

Pois tem um coração enorme cheio de<br />

alegria.<br />

Maria Fernanda Venzon 1<br />

1 Maria Fernanda Venzon tem oito anos de idade e fez este poema exclusivamente para esta<br />

monografia


RESUMO<br />

Esta monografia tem como objetivo mostrar a aplicação da arteterapia dentro da<br />

teoria cientifica do renomado médico e psicanalista Donald Winnicott, a fim de<br />

resgatar e trabalhar a criança interior do idoso para garantir uma melhor<br />

qualidade de vida. Fundamenta-se nas concepções de self, objeto transicional,<br />

potencial criativo, encontradas na teoria psicanalítica de Winnicott, aplicada<br />

dentro de um estágio supervisionado e relacionando-as com a arteterapia para<br />

idosos. O trabalho desenvolveu-se no formato das Oficinas Criativas de<br />

Allessandrini (1996). Demonstrando vivências em atelier terapêutico,<br />

comprovando quanto a teoria de Winnicott e a <strong>Art</strong>eterapia podem trabalhar em<br />

conjunto promovendo oportunidades de elevar a auto<strong>–</strong>estima dos idosos. Finaliza<br />

demonstrando na prática da aplicação arteterapêutica como a criança interior do<br />

idoso pode ser aflorada dentro das vivências lúdicas com a arte, dentro de um<br />

trabalho sutil de grande valia para ajudar a clientela da terceira idade a se sentir<br />

de bem com a vida, trazendo a tona o que se tem de melhor em seu interior,<br />

ligado a infância.<br />

Palavras-chave: <strong>Art</strong>eterapia. Donald Winnicott. Idoso. Criança interior.


ABSTRACT<br />

The present text shows the application of the scientific theory from renowned<br />

physician and psychoanalyst Donald Winnicott in art therapy, aiming to rescue<br />

and handle the elderly internal child to guarantee a better quality of life. It is based<br />

on concepts of self, transitional object and creative potential found in Winnicott´s<br />

psychoanalysis theory, applied in a supervised traineeship, connecting with the art<br />

therapy to elderly. It finishes demonstrating experiences in therapy´s studio,<br />

confirming how much the Winnicott´s theory and the art therapy can work<br />

together, promoting opportunities to raise the elderly´s self-confidence. Finally<br />

showing in practice the application art therapeutic as the child inside of the elderly<br />

can be touched within the recreational experience with art, in a subtle work of<br />

great value to help customers from the elderly to feel good with their lives,<br />

bringing the surface which is the best in them, connected to childhood.<br />

Key Word: <strong>Art</strong> therapy. Donald Winnicott. Elderly. Internal child


SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 09<br />

2 A TEORIA PSICOLÓGICA DE DONALD WINNICOTT............................ 11<br />

2.1 OBJETO TRANSICIONAL......................................................................... 14<br />

2.2 INDEPENDENCIA (Interdependência)...................................................... 17<br />

2.3 O SELF...................................................................................................... 18<br />

2.4 FALSO SELF............................................................................................. 19<br />

2.5 ESPAÇO POTENCIAL............................................................................... 20<br />

2.6 O CRIATIVO.............................................................................................. 22<br />

3 WINNICOTT DENTRO DA ARTETERAPIA.............................................. 24<br />

3.1 SOBRE A TERCEIRA IDADE.................................................................... 24<br />

3.2 A BUSCA DA CRIANÇA INTERIOR DO IDOSO....................................... 26<br />

4 METODOLOGIA........................................................................................ 30<br />

4.1 EXPERIÊNCIA PRÁTICA.......................................................................... 30<br />

4.2 ATELIÊ TERAPÊUTICO............................................................................ 36<br />

4.3 MATERIAIS EXPRESSIVOS..................................................................... 38<br />

5 CONCLUSÃO............................................................................................ 43<br />

REFERÊNCIAS......................................................................................... 45<br />

ANEXOS.................................................................................................... 48


1 INTRODUÇÃO<br />

Com grande admiração pelas descobertas e estudos de Winnicott no<br />

campo da Psicologia, este trabalho objetiva mostrar como é possível e benéfico<br />

esta abordagem psicanalítica para clientes que se submetem a um trabalho<br />

arteterapêutico.<br />

Pretende-se aqui demonstrar como a experiência com idosos, através de<br />

oficinas criativas artísticas, pode despertar o verdadeiro self, por meio do resgate<br />

da criança interior do idoso dentro de uma abordagem psicanalítica winnicottiana.<br />

É possível colocar os idosos em contato com seu verdadeiro eu através<br />

das artes, de modo que aprendam a dar conta do que é fundamental para<br />

levarem suas vidas da melhor forma, e assim alcançar uma melhor qualidade de<br />

vida<br />

Aborda-se a experiência real vivida com um grupo de idosos e os<br />

benefícios advindos quando se busca o verdadeiro EU no trabalho terapêutico<br />

sob a ótica da <strong>Art</strong>eterapia.<br />

O direcionamento da expressão artística libera emoções e vivências<br />

significativas, conteúdos simbólicos que elaborados, tornam possível chegar ao<br />

íntimo e à criança interior do idoso, a qual o remete a uma experiência única,<br />

muito antiga, quase sempre prazerosa e extremamente significativa de<br />

recordações. Essa experiência é de grande valia para o bem estar mental dessa<br />

clientela que carrega muitos fardos de suas vidas.<br />

Este trabalho aborda de modo minucioso a teoria, a aplicação e as etapas<br />

do trabalho arteterapêutico dentro da visão psicanalítica winnicottiana. Dentro<br />

dessa visão apresenta como encontrar os objetos significativos internos das<br />

pessoas, reconhecê-los e por meio do uso de materiais expressivos, trabalhando<br />

com segurança e muita observação quanto aos materiais oferecidos, possibilitar<br />

sempre o fluir das emoções, sem ansiedade e medos, deixando-as livres e<br />

seguras para se expressarem.<br />

9


Salienta-se que as dinâmicas em arteterapia são voltadas a qualquer<br />

idade, podendo ser utilizada essa busca pelo verdadeiro self e pela criança<br />

interior em qualquer publico, até mesmo em crianças.<br />

A escolha da teoria de Winnicott dá-se pela posição que nos remete à<br />

compreensão dos estágios mais primitivos do desenvolvimento emocional do ser<br />

humano. Em sua prática, como pediatra e psicanalista, Winnicott constatou que<br />

boa parte dos problemas emocionais parecia encontrar sua origem nas etapas<br />

precoces do desenvolvimento. Pode-se dizer que o cerne de seus estudos<br />

concentrou-se na relação mãe-bebê, pois, para ele, as bases da saúde mental de<br />

qualquer indivíduo são moldadas na primeira infância pela mãe, através do meio<br />

ambiente fornecido por esta. (WINNICOTT, 1948).<br />

O ambiente tem uma influência decisiva na determinação do psiquismo<br />

precoce. Winnicott focaliza em seu trabalho, dois caminhos que frequentemente<br />

se entrecruzam. Um deles diz respeito ao crescimento emocional do bebê e o<br />

outro se refere às qualidades da mãe, suas mudanças e o cuidado materno que<br />

satisfaz as necessidades específicas do bebê.<br />

Deste modo, esta monografia traz uma interface entre a Psicologia Winnicotiana<br />

e a intervenção arteterapêutica.<br />

10


2 A TEORIA PSICOLOGICA DE DONALD WINNICOTT<br />

Para apresentar o autor, ao qual nos basearemos nessa monografia,<br />

mostraremos aqui uma pequena biografia do mesmo.<br />

Donald Woods Winnicott nasceu em sete de abril de 1896, em Plymouth<br />

na Inglaterra. Filho de John Frederick Winnicott e Elizabeth Martha Woods<br />

Winnicott. "Donald" é derivado da antiga palavra celta que significa "poderoso,<br />

vigoroso"; "Winn", palavra saxônica que possivelmente signifique "amigo"; e de<br />

"Cott", "casa" que sugere "estabilidade de vida".<br />

Trabalhando como médico com crianças separadas da família em<br />

conseqüência da Segunda Guerra Mundial, o psicanalista inglês Donald Winnicott<br />

encontrou algo de interessante no seu campo de estudo que lhe permitiu<br />

perceber etapas fundamentais do desenvolvimento das pessoas. Foi assim que<br />

constatou, por exemplo, a importância do brincar e dos primeiros anos de vida na<br />

construção da identidade pessoal. As conclusões a que ele chegou são preciosas<br />

para o trabalho dos educadores.<br />

Donald W. Winnicott foi um renomado psicanalista inglês, responsável pela<br />

apresentação de aspectos “tão evidentes, mas tão raramente abordados” (Khan,<br />

1991) da natureza humana no universo psicanalítico, foi, antes de tudo, um<br />

homem atento à especificidade de sua prática. Como um “psicanalista agarrado à<br />

pediatria”, Winnicott constatou a importância das primeiras sessões em<br />

psicanálise e psiquiatria infantil. Pressionado pelo grande número de crianças<br />

que buscavam seu auxílio, gradualmente configurou o que posteriormente<br />

denominou consultas terapêuticas.<br />

Como herdeiro do método psicanalítico freudiano de investigação científica<br />

do psiquismo humano, suas constantes reformulações teórico-técnicas só<br />

puderam ser devidamente compreendidas na sua prática clínica, a que lhe<br />

impunha novos desafios à psicanálise como, por exemplo, o trabalho de<br />

consultas terapêuticas com seus clientes no consultório pediátrico.<br />

No exercício da pediatria, deparou com um grande número de casos de<br />

crianças que adoeciam precoce e psicossomaticamente, apesar de<br />

11


diagnosticadas pelos médicos pediatras como fisicamente saudáveis (Winnicott,<br />

1958). Tal constatação obrigou Winnicott a considerar a dependência do bebê<br />

dos cuidados circunstantes ambientais como necessariamente constituintes de<br />

seu psiquismo.<br />

Na evacuação durante a Segunda Guerra Mundial, como consultor<br />

psiquiátrico de crianças encaminhadas a albergues, pôde verificar os efeitos<br />

nocivos da privação ambiental que resultavam em tendências anti-sociais e<br />

comportamentos delinquenciais juvenis. Este novo fato veio a colaborar nas suas<br />

hipóteses anteriores sobre a influência dos fatores ambientais na saúde psíquica<br />

dos indivíduos e também sobre o reconhecimento da obrigatoriedade da inclusão<br />

da avaliação ambiental para realização de um diagnóstico completo em saúde<br />

mental.<br />

Conforme descrito em seu artigo de 1954, Winnicott entrou em contato com<br />

pacientes esquizóides e esquizofrênicos em estado de regressão à dependência.<br />

(WINNICOTT, 1954) Foi quando pôde observar de fato sobre os fatores iniciais<br />

da constituição psíquica, inacessíveis pela observação direta das interações<br />

entre pais e bebês.<br />

Referências à prática de consultas terapêuticas surgem ao longo de toda a<br />

sua obra, mesmo quando não explicitadas nos objetivos ou títulos de seus<br />

artigos. A freqüência de menções às consultas terapêuticas sinaliza a mútua<br />

influência entre esta prática e a conceituação da clínica psicanalítica<br />

winnicottiana.<br />

No prefácio de Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil Winnicott<br />

localizou explicitamente o início de suas atividades em consultas terapêuticas nos<br />

anos vinte:<br />

Minha concepção do lugar especial da consulta terapêutica e da<br />

exploração da primeira entrevista (ou primeira entrevista<br />

reduplicada) surgiu gradualmente no decorrer do tempo em<br />

minhas experiências clínica e privada. Há contudo um ponto que<br />

se pode dizer teve significação especial. Em meados dos anos<br />

vinte, quando ainda era pediatra praticante vendo muitos<br />

pacientes no hospital-escola e dando oportunidade a quantas<br />

crianças fosse possível se comunicarem comigo, desenharem<br />

figuras e me contarem sonhos, fiquei surpreso com a freqüência<br />

12


com que as crianças sonhavam comigo na noite anterior à<br />

consulta. Esse sonho com o médico que elas iriam ver<br />

obviamente refletia o preparo mental imaginativo delas mesmas<br />

em relação a médicos, dentistas e outras pessoas que se supõe<br />

sejam auxiliadoras. Também refletiam, em graus variados, a<br />

atitude dos pais e a preparação para a visita. Contudo, lá estava<br />

eu quando, para minha surpresa, descobri ajustando-me a uma<br />

noção preconcebida. (WINNICOTT, 1971, p. 12) 2<br />

Durante sua vida, Winnicott ocupou vários cargos importantes e recebeu<br />

diversas homenagens. Foi presidente da Seção médica British Psychological<br />

Society, presidente da Seção de Pediatria da Royal Society of Medicine e<br />

presidente da Associação para Psicologia e Psiquiatria Infantil. Em 1955, tornou-<br />

se também conferencista do Departamento de Desenvolvimento Infantil do<br />

Instituto de Educação da Universidade de Londres. Finalmente, em 1968, foi<br />

eleito membro honorário da Royal Medico-Psychological Association, e recebeu a<br />

cobiçada Medalha James Spence de Pediatria, prêmio que leva o nome de um<br />

dos heróis pessoais de Winnicott, o Professor Sir James Spence, ilustre médico<br />

de crianças nascido em Newcastle-upon-Tyne, o qual insistia em que as mães e<br />

os bebês recém-nascidos não deviam ser separados no momento do nascimento.<br />

A Sociedade Psicanalítica Finlandesa também homenageou Winnicott,<br />

convidando-o a tornar-se membro honorário. Recebeu, ainda, o título de<br />

Cavaleiro das mãos da rainha Elizabeth II.<br />

Winnicott conduziu palestras na Escócia, em Paris, Roma, Genebra,<br />

Copenhagen, Lisboa, Helsinque e Amsterdã. Além disso, fez pelo menos uma<br />

conferência no Canadá e um grande número de palestras pelo interior da<br />

Inglaterra, para uma grande variedade de organizações. Fez varias viagens aos<br />

Estados Unidos da América realizando palestras.<br />

Winnicott foi um dos primeiros autores a hierarquizar o papel da mãe no<br />

funcionamento mental da criança. Ele considerou que a mãe intervém como ativa<br />

construtora do espaço mental da criança.<br />

2 PUC-Campinas. Rev. Estudos de Psicologia, v. 21, n. 2, p. 43-61, maio/agosto 2004<br />

13


Na teoria psicanalítica de Winnicott o ser humano não é apresentado como<br />

um objeto da natureza, mas sim como uma pessoa que para existir precisa do<br />

cuidado e atenção de um outro ser humano.<br />

Para Winnicott o objeto externo é muito mais do que um modulador das<br />

projeções da criança. A mãe participa de uma verdadeira unidade com o seu<br />

filho, ajuda a formar sua mente, fazendo com que este processo seja bem feito.<br />

“Ao lhe dar amor, fornece-lhe uma espécie de “energia vital”, que o faz progredir<br />

e amadurecer.” (BLEICHMAR, 1992, pág. 246). Winnicott acreditava que a mãe<br />

suficientemente boa é aquela que possibilita ao bebê a ilusão de que o mundo é<br />

criado por ele, concedendo-lhe, assim, a experiência da onipotência primária,<br />

base do fazer-criativo. E a percepção criativa da realidade é uma experiência do<br />

self, núcleo singular de cada indivíduo.<br />

Winnicott acreditava no potencial criativo humano, a noção de um ser<br />

humano que já traz em si as potencialidades do viver.<br />

Ele localiza o início dos problemas psicológicos no vínculo entre recém-<br />

nascido e mãe. A base da estabilidade mental depende das experiências iniciais<br />

com a mãe e, principalmente, de seu estado emocional.<br />

Na abordagem winnicottiana o analista deve oferecer ao paciente o que<br />

não teve, criando processos que nunca existiram, capacidades e funções<br />

psicológicas, dotando seu paciente de estruturas ausentes 3<br />

2.1 OBJETO TRANSICIONAL<br />

Winnicott acreditava que o amor é o sentimento humano mais<br />

fundamental, o qual começa da forma mais genuína e incondicional que possa<br />

existir, o amor da mãe pelo filho.<br />

Winnicott apresenta o conceito de objeto transicional, mas antes de<br />

entendê-lo precisamos abordar o objeto subjetivo que, segundo Winnicott, seria o<br />

seio da mãe. O bebê, ao ter fome, cria o surgimento do seio, que realiza seu<br />

maior desejo momentâneo, isto é, saciar a fome. Esse é o momento de sua<br />

3 Biografia escrita por Joviane Moura<br />

14


dependência absoluta, passando deste momento para aquele no qual reconhece<br />

seus limites físicos e percebe a mãe como sendo um além dele. O bebê se sente<br />

onipotente por imaginar que tudo que lhe dá sustento é objeto de sua própria<br />

criação, pois ainda não entende que exista o outro, e a mãe “suficientemente<br />

boa” realiza todas as necessidades deste bebê fazendo-o assim se sentir<br />

realmente onipotente. Quando essa mãe por algum motivo não possa satisfazer<br />

suas necessidades básicas, esta atrapalhará seu desenvolvimento, não o<br />

deixando se sentir onipotente e assim atrapalhando seu desenvolvimento criativo<br />

no futuro.<br />

Ele chama de holding, essa comunicação silenciosa cheia de afeto e<br />

dedicação que a mãe tem pelo seu bebê, é através deste que a criança sente-se<br />

integrada em si mesma e que se sente tranqüila a começar a experimentar a<br />

sensação de diferenciação com o mundo, acredita ele que essa é a raiz de toda<br />

a comunicação dos seres humanos.<br />

A mãe deve oscilar entre ser o que o bebê tem capacidade de encontrar e<br />

ser ela própria, aguardando ser encontrada. Se a mãe tem razoável sucesso no<br />

exercício destes papéis, então o bebê tem a experiência mágica da onipotência,<br />

o que o prepara para a futura desilusão necessária. Quando a mãe tem uma<br />

relação de sintonia inicial com o bebê, estabelece-se um ambiente de confiança e<br />

o bebê brinca com a realidade. Trata-se de uma brincadeira muito prazerosa<br />

porque neste jogo delicado da subjetividade emergente e dos objetos reais há<br />

uma sensação de controle.<br />

A etapa seguinte é o handling,ou seja: a experiência de entrar em contato<br />

com as diversas partes do corpo através das mãos cuidadosas da mãe,<br />

facilitando a formação de uma parceria psicossomática. É a maneira como o<br />

bebê é tratado, cuidado, manipulado. Isso se faz muito importante na formação<br />

do ser humano, pois Winnicott observou em seu trabalho com crianças<br />

fisicamente doentes, que às vezes podem surgir problemas psicológicos devido a<br />

falta de contato com o corpo. Assim, a criança tem dificuldades em aceitar suas<br />

limitações físicas como reais. Ele tomou esta atitude da mãe como fator<br />

desencadeante deste estado de coisas na medida em que não pôde aceitar e<br />

amar o bebê da maneira como ele começou, disse Winnicott que: as distorções<br />

do ego originam-se de distorções da atitude daqueles que cuidam da criança.<br />

15


Uma mãe com um bebê constantemente apresenta e reapresenta o corpo e a<br />

psique do bebê um ao outro, e observa-se prontamente que esta tarefa fácil<br />

porém importante torna-se difícil se o bebê tem uma anormalidade que faz a mãe<br />

sentir-se culpada, envergonhada, assustada, excitada ou desesperançosa. Em<br />

tais circunstâncias ela pode fazer o melhor que possa, e não mais. (WINNICOTT,<br />

1970).<br />

É na dependência relativa, onde o bebê começa a usar seu corpo: chupar<br />

o dedo ou balbuciar pequenas sílabas que o fazem sentir bem e o confortam. O<br />

seio deixa de ser objeto subjetivo e passa a ser o primeiro objeto transicional.<br />

Nesta fase o objeto ainda não é objetivo nem é mais subjetivo, é apenas<br />

transicional. É onde começa a se desdobrar o momento de ilusão remetendo a<br />

questão do criativo, quando a criança procura um objeto concreto fora da mãe.<br />

O momento de ilusão se desdobra teoricamente nos fenômenos<br />

transicionais, no espaço intermediário e na cultura, onde o objeto não é nem<br />

objetivo nem subjetivo, mas transicional. Essa formulação nos remete à questão<br />

da criatividade em Winnicott. (ARMONY, 1999).<br />

Para conhecer o objeto, a sua apresentação será apreendida pelo sujeito à<br />

sua maneira, através de seu verdadeiro self, podendo ser assimilada e<br />

incorporada ou não. Winnicott acreditava que não deveria impor valores ao<br />

objeto e sim apresentá-los nas ocasiões adequadas e de forma não-autoritária,<br />

deixando o ser humano refletir sobre seus valores.<br />

A imposição de objeto é uma invasão que impede a atividade criativa e<br />

incorporadora do ser humano. A imposição de objeto impede a criação do espaço<br />

de ilusão e, portanto, da criatividade, autenticidade, da assimilação e<br />

incorporação do mundo dos valores, dos padrões. Na imposição o homem fica<br />

pendurado em valores extrínsecos; e ele, durante um bom tempo (antes que se<br />

instale um automatismo de repetição), terá de fazer um esforço consciente para<br />

cumpri-los; pelo contrário, na apresentação/assimilação de objetos, no espaço<br />

intermediário, no espaço de ilusão os valores não vindos de fora, mas sim do<br />

interior transicional da pessoa, haverá uma espontaneidade e flexibilidade no<br />

manejo dos valores. (ARMONY, 1999)<br />

Portanto o objeto transicional deve ser buscado e achado pela criança de<br />

maneira espontânea e singular. Esses objetos transicionais são concretos e<br />

16


surgem como um apoio ao desligamento da mãe pela criança, lhes dando<br />

coragem psíquica de enfrentar o mundo da melhor forma. Podemos observar<br />

crianças agarradas a esses objetos facilmente, muitas vezes são eles: bonecos,<br />

chupetas, lenços ou cobertores, ursos de pelúcia, etc.<br />

Winnicott notou que a imensa maioria das crianças em determinado<br />

período da infância escolhia um objeto (na maioria das vezes, um ursinho de<br />

pelúcia, uma chupeta, uma fralda), carregava esse objeto pra tudo quanto é lugar<br />

(em especial pra cama na hora de dormir) e não permitia que ele fosse lavado.<br />

Quando não era um objeto o bibelô, a criança elegia um determinado<br />

comportamento (como emitir um mesmo som), o qual era constantemente<br />

repetido (principalmente na hora de dormir).<br />

Winnicott descobre que a fase em que a criança começa a fazer isso é<br />

justamente a fase em que ela está começando a se tornar independente e não<br />

necessita o tempo todo da presença da mãe. O psicanalista conclui então que a<br />

função desses objetos e comportamentos é fazer a transição entre a fase em<br />

que a criança dependia da mãe pra tudo e a etapa em que ela está adquirindo<br />

independência. (WINNICOTT, 1978)<br />

2.2 INDEPENDÊNCIA (Interdependência)<br />

O desenvolvimento humano é uma questão de hereditariedade em um<br />

processo de amadurecimento e da acumulação de experiências de vida; esse<br />

desenvolvimento só ocorre em um ambiente facilitador. O ambiente facilitador é<br />

primeiro absolutamente, e depois relativamente importante, e o curso do<br />

desenvolvimento pode ser descrito em termos de dependência absoluta,<br />

dependência relativa e um caminhar para a independência. (WINNICOTT,<br />

1980).<br />

Depois de o bebê passar pelo estagio da dependência absoluta, onde a<br />

mãe suficientemente boa sucumbe todas as necessidades do seu bebê, este<br />

entra na dependência relativa.<br />

17


A dependência relativa é onde o bebê vai tomando consciência dessa<br />

dependência, afastando-se da mãe e fazendo-se notado por ela.<br />

A construção da confiança no ambiente, assim como o aparecimento da<br />

compreensão intelectual propiciam à criança alcançar o estágio de<br />

independência relativa, já que, segundo Winnicott, nunca seremos<br />

completamente independentes do ambiente.<br />

Para uma “interdependência” 4 saudável o individuo tem que passar bem<br />

por todas as etapas do desenvolvimento. Sempre há regressos e progressos<br />

nesse caminho, o qual precisa ter um ambiente facilitador e acúmulos de<br />

experiências de vida.<br />

Por meio da arteterapia, dentro das etapas do desenvolvimento e do<br />

amadurecimento no caminho da interdependência, podem aparecer<br />

simbolicamente na expressão artística do cliente coisas que lhes são<br />

significativas, boas ou ruins, tirando-lhes um enorme peso, sem que esse ao<br />

menos saiba ou faça qualquer ligação consciente com essa época.<br />

2.3 O SELF<br />

A percepção criativa da realidade é uma experiência do self, núcleo<br />

singular de cada indivíduo.<br />

O ambiente deve se adaptar adequadamente à criança, para<br />

formar seu verdadeiro self. Se a mãe se adequa de uma forma<br />

suficientemente boa, não interfere no desenvolvimento da<br />

criança. Não é a mãe que molda completamente a criança <strong>–</strong> esta<br />

tem sua autonomia, com sua capacidades inatas de<br />

desenvolvimento <strong>–</strong> a mãe assegura o ponto de referência para<br />

que o processo continue. Winnicott crê que ao sair do narcisismo<br />

primário, o destino do sujeito depende do fracasso ou do êxito do<br />

ambiente (MOURA, 2009, p. 103)<br />

4 Mencionado por Allessandrini, justificando que, segundo Winnicott, nunca seremos<br />

completamente independentes.<br />

18


O verdadeiro self se dá quando o bebê passa a sentir que é um ser<br />

separado da mãe, um ser único. Agente criou cria e estará sempre criando e<br />

recriando valores em cima dos que já temos e estamos vivendo, essa é a moral<br />

do verdadeiro self. A moral Winnicottiana é a moral do verdadeiro self, a moral<br />

que foi criativamente criada e recriada e que continua a ser criada e recriada no<br />

contato com a realidade. (ARMONY, 99).<br />

O verdadeiro self é espontâneo e criativo, é o eu real. É a parte mais<br />

central do ego, mais do que ego e seus mecanismos de defesa.<br />

2.4 FALSO SELF<br />

Com a diminuição gradual da dependência o bebê pode então separar os<br />

objetos, fazendo a separação entre eu e não-eu, passando a perceber o que é<br />

ambiente e o que é self. Se esse não se dá de boa forma, ou ele não tendo uma<br />

“mãe suficientemente boa”, a qual “realiza” todos os seus desejos que<br />

estabelecem no bebê o senso de existir, de ser, o “EU REAL”, ocorrerá no bebê<br />

uma interrupção na continuidade de ser, formando um “NÃO EU”. Se esse “NÃO<br />

EU” atinge estruturas patológicas o falso self predominará sobre o self<br />

verdadeiro, o qual teve suas potencialidades frustradas. E desta forma se<br />

adaptando ao ambiente.<br />

A mãe deve funcionar como ´ego auxiliar´ da criança. Quando a<br />

sustentação exercida pela mãe for bem sucedida, a criança a vive como uma<br />

‘continuidade existencial; no entanto, quando falha, o bebê terá uma experiência<br />

subjetiva de ameaça, que obstaculiza o desenvolvimento normal. A falta de<br />

holding adequado provoca uma alteração no desenvolvimento, cria-se uma<br />

“casca”(o falso self) em extensão da qual o individuo cresce, enquanto o “núcleo”<br />

(o verdadeiro self) permanece oculto e sem poder se desenvolver. “O falso self<br />

surge pela incapacidade materna de interpretar as necessidades da criança”.<br />

( MOURA, 2007)<br />

O falso self atrofia o espontâneo do ser, a pessoa passa a agir para o<br />

mundo artificialmente, são cínicos e manipuladores, que muitas vezes passam<br />

19


desenganados. O ‘adulto falso self’ é portador de uma artificialidade, é adaptado,<br />

ajustado, submisso, sem criatividade, sem espontaneidade, é escorregadio,<br />

sedutor, imprime uma carga enorme de sedução na relação, porém é solitário e<br />

de baixa resistência a frustração. (OLIVEIRA, 2008).<br />

O desenvolvimento do falso self à custa do verdadeiro self se relaciona a<br />

uma amplitude na escala de psicopatologia que irá desde sensações subjetivas<br />

de vazio, futilidade e irrealidade até tendências anti-sociais, psicopatia,<br />

carateropatias e psicoses.<br />

É liberando a criança interior através das expressões artísticas que somos<br />

capazes de encontrar o self verdadeiro.<br />

2.5 ESPAÇO POTENCIAL<br />

O brincar winnicottiano não fica dentro nem fora da subjetividade, fica na<br />

fronteira, entre o não<strong>–</strong>eu e o criar a partir de conteúdos já previamente<br />

conhecidos. Este espaço de brincar, Winnicott chamou de espaço potencial e é<br />

de início pensado como um espaço que se forma entre a mãe e o bebê.<br />

O brincar tem lugar no espaço potencial entre o bebê e a figura<br />

materna. Brincar desenvolve-se no espaço potencial de acordo<br />

com a oportunidade que o bebê tem de experênciar separação<br />

sem separação, e sua iniciação está associada com a experiência<br />

do bebê em desenvolver confiança na figura da mãe. (ABRAN,<br />

2000, p. 226).<br />

Para que o potencial venha a ter uma oportunidade de atualizar-se, no<br />

sentido de que venha a manifestar-se no indivíduo, é necessário que as<br />

condições ambientais sejam adequadas, que haja uma “maternagem”<br />

suficientemente boa” (WINNICOTT, 1999). Assim, nos primeiros meses da vida<br />

do bebê, a “mãe suficientemente boa” tem três funções, assim sintetizadas por<br />

Winnicott: holding (sustentação), handling (manejo) e a apresentação dos objetos<br />

(WINNICOTT, 1975; VALLER, 1990; COUTINHO, 1997).<br />

20


Winnicott fala da criança em um estádio mais avançado apontando a<br />

experiência de ficar sozinho na presença de alguém.<br />

A criança brinca confiante de que a pessoa a quem ama está lá, disponível,<br />

sustentando o brincar. A mãe é esquecida, mas quando lembrada, o é como<br />

alguém que merece confiança e pode ser facilmente acessada. Assim, a criança<br />

vai ficando pronta para a experiência de desfrutar de uma área de superposição<br />

de duas áreas do brincar. Não só o bebê brinca e é observado; a mãe brinca com<br />

o bebê também, no começo age de modo a não romper o dinamismo da<br />

brincadeira infantil. Depois, a mãe pode introduzir plenamente o seu brincar; a<br />

criança, por sua vez, pode experimentar relacionar-se com idéias que não lhe são<br />

próprias. (FRANCO, 2009)<br />

Essa afirmação baseada na teoria winnicottiana nos remete ao propósito<br />

deste trabalho, quando se fala do despertar a criança do idoso, em um trabalho<br />

arteterapeutico. O arteterapeuta introduz um material, jogo, dança ou qualquer<br />

objeto expressivo, que muitas vezes para os idosos não lhes são próprios ou<br />

familiares; fazendo aí o papel da “mãe”, que brinca com o bebê lhe oferecendo<br />

sutilmente algo diferente para experimentarem.<br />

O brincar facilita a comunicação consigo e com os outros, propiciando<br />

experiências inéditas de desintegração e integração do cliente. A sessão de<br />

arteterapia pode ser pensada como uma manifestação de experiência do antigo<br />

brincar. A sessão se funda em um espaço e tempo próprios que têm<br />

semelhanças com o espaço e tempo das relações iniciais mãe-bebê.<br />

2.6 O CRIATIVO<br />

21


A primeira criação do bebê é o seio no ´momento de ilusão´. Este se torna<br />

o fenômeno exemplar da criatividade. Percebe-se que criar não significa apenas<br />

criar o novo, mas também criar o que já existe. Como por exemplo: um músico<br />

(re) cria uma melodia já existente. Ele justamente cria ou recria porque o seu<br />

sentimento utiliza-se da melodia já existente para se manifestar. (ARMONY,<br />

1999)<br />

Criatividade é, pois, tudo o que a pessoa descobre a partir de si mesma,<br />

ainda que aquilo que ela descobriu já exista, e ainda que o objeto descoberto lhe<br />

seja apresentado. Para realizar descobertas, portanto para criar -- e, do ponto de<br />

vista externo muito do criar é recriar -- é preciso que a pessoa esteja em um<br />

estado de espontaneidade fornecido pelo funcionamento predominante do<br />

verdadeiro self.<br />

Nas brincadeiras é possível ser, demonstrar o nosso criativo e somente<br />

assim é possível encontrar o próprio eu. Em “O brincar. A atividade criativa e a<br />

busca do eu”, diz Winnicott:<br />

A busca só pode vir a partir do funcionamento amorfo e<br />

desconexo ou, talvez, do brincar rudimentar, como numa zona<br />

neutra. É apenas aqui, nesse estado não-integrado da<br />

personalidade, que o criativo, tal como o descrevemos, pode<br />

emergir. Refletido de volta, mas apenas nesse caso, torna-se<br />

parte da personalidade individual organizada e, no conjunto,<br />

acaba por fazer o indivíduo ser, ser encontrado, e acaba por<br />

permitir que postule a existência do eu (self) (WINNICOTT 1971a,<br />

p. 92-93).<br />

Como referido Winnicott diz que deve ir além da interpretação de um tema<br />

coerente, que, revelado pela associação livre do paciente, pode manifestar, na<br />

verdade, uma organização defensiva. É preciso, ao contrário, propiciar<br />

oportunidade para a experiência amorfa e para os impulsos criativos, motores e<br />

sensórios, que constituem a matéria-prima do brincar. É com base no brincar<br />

que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem. ( WINNICOTT,<br />

2006)<br />

22


A criatividade, que implica levar em conta o ambiente, é a condição de<br />

possibilidade da experiência de ser: sentimento de estar vivo, de existir de<br />

maneira viva. (Winnicott, 2006).<br />

A mãe suficientemente boa se adapta ao filho e vivem nos primeiros<br />

meses em perfeita simbiose e essa não deixa seu filho passar por momentos de<br />

desprazer, dor e desespero oferecendo sempre seu seio, seu calor, satisfazendo<br />

suas condições básicas de higiene, seu olhar, seu amor incondicional, deixando<br />

seu bebê buscar seu objeto transicional de forma livre, sem intervenções,<br />

proporcionando assim ao seu bebê um “ ambiente facilitador”. Assim sendo essa<br />

mãe estará oferecendo a seu filho de boa forma uma consciência do seu próprio<br />

EU, deixando-o descobrir o mundo e agir de forma personalizada, real e criativa.<br />

3 WINNICOTT DENTRO DA ARTETERAPIA<br />

23


3.1 SOBRE A TERCEIRA IDADE<br />

24<br />

“Nos olhos do jovem arde a chama. Nos<br />

do velho brilha a luz.”<br />

Vitor Hugo<br />

Nesta etapa da vida as pessoas da terceira idade procuram ao tratamento<br />

arteterapeutico muitas vezes em busca da confiança em si mesmas, da<br />

produtividade, da saúde mental, da satisfação, de atividade, portanto, de<br />

qualidade de vida. Qualidade esta, essencial para que o idoso possa usufruir<br />

dessa fase de maturidade, traçando uma fase de nascimento de um novo ser,<br />

maduro e saudável. No momento de nossas vidas em que se atinge o fim da<br />

idade adulta, viver com dignidade é essencial ter um mínimo de saúde física e<br />

mental.<br />

Na velhice representa ser independente: poder tomar banho, vestir-se e<br />

sair sozinho, atravessar as ruas com seus perigos, andar nas calçadas cheias de<br />

buracos e imprevistos a cada esquina, conversar com as pessoas, contar as suas<br />

histórias e dividir as suas experiências.<br />

Nessa idade, segundo um artigo da psicóloga Becca Levy, baseada numa<br />

pesquisa com 660 moradores no estado de Ohio, com idade mínima de 50 anos,<br />

os idosos que tem um estado emocional e pensamento positivo sobre<br />

envelhecimento vivem cerca de 7,6 anos mais do que os com pensamentos<br />

negativos. A pesquisadora e sua equipe concluíram que o emocional pode ser<br />

fator até mais importante do que os controles nutricionais, pressão arterial e do<br />

exercício físico.<br />

As Estatísticas <strong>–</strong> É sabido que a população de idosos cresce no mundo<br />

inteiro tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. O Brasil,<br />

segundo dados da (OMS) Organização Mundial da Saúde, por volta de 2025 terá<br />

a sexta população de idosos do mundo com mais de 32 milhões de pessoas com


mais de 60 anos. Isso sem contar com uma melhora substancial na saúde dos<br />

nordestinos, região onde predomina a indústria política da miséria. Esse fato se<br />

deve à diferença das taxas de nascimento e mortalidade assim como à melhoria<br />

das condições de higiene, nutrição, avanços da ciência, da medicina, e dos<br />

exames preventivos. Enquanto a expectativa de vida do brasileiro no início do<br />

século era de 33,7 anos, nos últimos 20 anos passou para 68,5 e estima-se<br />

aumentar em mais 3,5 anos nas próximas duas décadas. (Organização Mundial<br />

da Saúde- OMS, 2008).<br />

É comum hoje idosos internados em asilos, muitas vezes contra sua<br />

própria vontade. Às vezes até asilos com todas as regalias de primeiro mundo,<br />

mas quase sempre nem perguntam se é desejo do idoso estar realmente lá. Isso<br />

significa fugir da responsabilidade social. O idoso pode ter tudo do bom e do<br />

melhor nesses lugares, mas se não tiver sido uma escolha pessoal se sentirá<br />

descartado pela família e a saúde irá declinar a partir do emocional.<br />

O investimento no idoso, não é só uma questão de propiciar um bem<br />

social, mas é pensar que um dia todos vão chegar lá e também vão ser idosos. A<br />

melhor maneira de estar nessa fase da vida dependerá de todas as<br />

responsabilidades que à própria pessoa vivenciou em sua vida, de como investiu<br />

nela. A sociedade cuidará do que sobra, da melhor ou pior maneira. “Na velhice,<br />

algo da dependência absoluta ou relativa retorna.” (DIAS, 2003, p.101-102)<br />

Com base nessa afirmação do autor citado, podemos realmente notar o<br />

quanto muitos idosos “voltam a ser bebês”. Precisam da ajuda de seus familiares<br />

para buscá-los e levá-los a lugares, cuidar de suas alimentações e até trocar<br />

suas fraldas geriátricas. Sim, aí é possível dizer que o idoso tem mesmo algo da<br />

dependência absoluta ou relativa, muitos param até de falar, não conseguindo<br />

mais se comunicar com o mundo só esperando a sua hora de ir. Isso se torna o<br />

dito “fim da vida”, para quem é considerado seres ainda ágeis e viris, em plena<br />

forma física e mental. O que não é lembrado é que dentro desses idosos que se<br />

mostram deprimidos, cansados da vida e até mesmo com sérios problemas de<br />

demência, existe um ser humano que já viveu e ainda vive sua história, que,<br />

mesmo não sendo mais capaz de segurar um lápis, notar cores, falar e interagir,<br />

tem sentimentos e é sensível a toques, gestos e amor. Amor esse que retorna ao<br />

25


holding materno, podendo ser vivenciado numa sessão de arteterapia de uma<br />

forma sutil e eficaz.<br />

Um acompanhamento arteterapêutico pode proporcionar a reconquista da<br />

confiança em si mesmos, da produtividade, da saúde mental, da satisfação, de<br />

atividade, portanto, de qualidade de vida. Qualidade esta, essencial para que o<br />

idoso possa usufruir dessa fase de maturidade, traçando uma fase de nascimento<br />

de um novo ser, maduro e saudável.<br />

3.2 A BUSCA DA CRIANÇA INTERIOR DO IDOSO<br />

26<br />

“O lado grandioso de envelhecer está<br />

em não perder todas as outras idades em<br />

que vivemos.”.<br />

Madeleine L’Engle<br />

Todos possuem uma criança interior, tanto faz se são ainda crianças,<br />

jovens, adultos ou idosos. Algumas pessoas passam a vida a manifestá-la, já em<br />

outras, essa parece nunca ter existido, nem mesmo quando ainda eram crianças.<br />

Baseando-nos em Winnicott podemos perceber que essa criança interior,<br />

mesmo em casos que ela nunca apareceu (a criança que sempre foi adulta,<br />

sempre se preocupou demais, não teve tempo de viver essa fase por infinitos<br />

motivos sociais, emocionais ou falta de um bom relacionamento materno), pode<br />

estar escondidinha ou totalmente coberta lá dentro de nosso inconsciente, no<br />

nosso verdadeiro self. A arteterapia pode ajudar a buscar, através de materiais e<br />

expressões artísticas, a criança interior, que foi onde esse self começou a se<br />

formar.<br />

Na busca pela criança interior do idoso deve ser utilizada muitas<br />

brincadeiras, jogos, danças e, dependendo do caso, materiais aguados e<br />

circulares (como, mandalas e até expressões corporais onde o grupo forme<br />

círculos), remetendo assim a clientela idosa a um centro, que lhes cause


inconscientemente uma impressão de vida intra uterina, regressiva, prazerosa ou<br />

não, por poder aparecer lembranças ruins desta fase do desenvolvimento.<br />

Com muita observação, continuidade e persistência, podemos, no trabalho<br />

arteterapeutico, chegar ao verdadeiro self. Trabalhando com essa criança interior,<br />

muitas vezes adormecida ou simplesmente esquecida, apagada de suas mentes.<br />

Para um bom desenvolvimento, a criança, segundo Winnicott, precisa de<br />

uma “mãe suficientemente boa”. Do mesmo modo a pessoa em trabalho<br />

arteterapeutico precisa de um arteterapeuta que atue de modo semelhante à<br />

“mãe suficientemente boa”.<br />

Assim para que ocorra desenvolvimento é necessário que se forme um<br />

vínculo, entre cliente e arteterapeuta, pois sem vínculo nada sai, nada se cria. O<br />

arteterapeuta deve demonstrar grande dedicação, afeto e amor pelo cliente,<br />

misturando diversas oficinas criativas com escutas, estando aberto ao que o<br />

cliente precisar expor dentro do atelier terapêutico, sendo bom ouvinte e só<br />

ouvinte, de coração aberto, sem julgar, criticar ou opinar, se assim for, estaremos<br />

no caminho certo da formação desse vínculo.<br />

Quando se forma um verdadeiro vínculo com um grupo: cliente\ terapeuta<br />

e cliente\ cliente (os clientes também precisam estar vinculados quando o<br />

trabalho é realizado em grupo, e terem confiança uns nos outros), é a hora de<br />

iniciar o trabalho em busca desta criança. Depois do vínculo formado<br />

conseguimos perceber que o cliente se solta mais, fica menos preocupado com<br />

julgamentos, vergonhas e muitos outros medos.<br />

Quando se sentem realmente confortáveis, os clientes se soltam com<br />

naturalidade e, através de materiais certos, eles se abrem, se mostram, se<br />

deslumbram, se alimentam daquela felicidade que vem lá de seus íntimos, dos<br />

seus inconscientes, de suas crianças interiores.<br />

Com uma boa observação e dedicação torna-se possível quase sempre<br />

achar a criança adormecida feliz e livre que abita nos idosos. Em alguns casos a<br />

criança frustrada que não viveu o que precisava na idade certa, talvez<br />

aparecendo revoltada, insegura, doente, fraca ou triste, logo sendo vivenciada e<br />

consequentemente trabalhada, libertando todo ressentimento em busca da<br />

felicidade.<br />

27


As vivências são a nível inconsciente na maioria das vezes, portanto o<br />

cliente tratado através da arte por muitas vezes não se dará conta do que está<br />

trabalhando, só se sentindo bem, cabe a arteterapeuta notar o que lhe faz bem<br />

ou não para dar continuidade ao trabalho, sem tentar analisar ou opinar sobre o<br />

que vê.<br />

O verdadeiro self, quase sempre escondido por uma “máscara”, cheia de<br />

armaduras, é suscetível a mudanças se essas forem dadas de forma sutil e sem<br />

dor. Ele aparece sempre inseguro e amedrontado, tímido e fraco, quando<br />

encontrado é preciso ser trabalhado com muito exercício de auto-estima, através<br />

das artes e seus materiais. Os, arteterapeutas, precisam estar atentas a esse<br />

sutil aparecimento, uma boa forma é escrever tudo que fazem e falam e quais os<br />

materiais que mais os agradam, durante as oficinas criativas.<br />

No atelier terapêutico busca-se as possibilidades e condições exatas para<br />

que a organização primária na fase do desenvolvimento dos clientes possam ser<br />

afloradas, oferecendo os materiais expressivos certos para que imirja neles a<br />

criatividade e dentro dessa o seu verdadeiro self, possibilitando assim encontrar<br />

algo de bom e significativo dentro de cada um. O self se torna o favorecedor de<br />

experiências constitutivas ao si mesmo.<br />

Na apresentação dos objetos, a mãe começa a mostrar-se substituível e<br />

propiciar ao seu bebê o encontro e a criação de novos objetos que serão<br />

mais adequados ao seu atual estado de desenvolvimento. Esta fase, também<br />

chamada de realização (por tornar real o impulso criativo da criança), inclui não<br />

só o início das relações interpessoais, mas também a introdução de todo o<br />

mundo da realidade compartilhada para o bebê (WINNICOTT, 2001).<br />

Para conseguir os materiais certos é preciso entrar nessas 3 etapas<br />

capazes de lançar os clientes aos seus íntimos mais infantis achados nas suas<br />

maternagens: Três funções da “mãe suficientemente boa” facilitam o<br />

desdobramento do processo de maturação, que abrange três tarefas principais: a<br />

integração (propiciada pelo holding), a personalização (propiciada pelo<br />

handling) e a relação objetal (propiciada pela apresentação dos objetos)<br />

(WINNICOTT, 1999).<br />

É necessário buscar a integração e personalização nas sensibilizações<br />

oferecendo a nossos clientes esse holding e handling, através do nosso olhar<br />

28


prestativo nossa escuta, nossa dedicação, trabalhando com toques, gestos,<br />

rolamentos no chão, em ground, dançando, sentindo seu corpo através de<br />

materiais como bolinhas de tênis, cangas, lenços, lençóis, etc. Também sentindo<br />

os materiais (argila, areia, gesso, porcelana, massa, comidas e muitos outros<br />

materiais plásticos). A relação objetal pode ser observada em suas criações, nos<br />

materiais escolhidos para criar e até mesmo na forma criada, demonstrada em<br />

suas expressões artísticas. Também notando se cuidam de suas criações com<br />

afeto.<br />

29


4 METODOLOGIA<br />

A metodologia de pesquisa qualitativa foi escolhida por melhor se adequar<br />

à pesquisa relacionada ao trabalho arteterapêutico desenvolvido.<br />

A coleta de dados foi feita em duas instituições que tinham o idoso como<br />

foco de seus atendimentos: uma foi uma Organização Não Governamental para<br />

idosos e a outra uma associação de viúvas.<br />

Para a realização da pesquisa, foram observados idosos com idades entre<br />

57 e 88 anos, na cidade de Natal- RN. O grupo foi composto por 12 pessoas<br />

idosas, do sexo feminino e a duração foi de 30 sessões. Preparou-se, a cada<br />

encontro, relatórios minuciosos do processo vivido no ateliê arteterapêutico.<br />

Elaboraram-se também três relatórios síntese sobre aspectos do desenvolvimento<br />

do processo do grupo. Aspectos específicos relacionados a alguns dos clientes<br />

também foram descritos, pois representavam melhor suas necessidades e<br />

emoções no processo arteterapêutico. Todos os procedimentos éticos para<br />

pesquisa com seres-humanos foram cuidadosamente realizados.<br />

4.1 EXPERIÊNCIA PRÁTICA<br />

Visando a elevação da auto-estima e melhora na qualidade de vida nas<br />

idosas trabalhadas, pudemos também observar a teoria de Winnicott vir a tona<br />

em nossas clientes tratadas com a arteterapia. Segue relatos de quando acharam<br />

suas crianças interiores e seus objetos transicionais.<br />

Em uma experiência feita com uma cliente, aplicando a arteterapia,<br />

observou-se o seguinte: Senhora “M”, 88 anos de idade, viúva, cheia de energia<br />

vital, muito otimista e pronta a ajudar as outras pessoas. Gostava de conversar<br />

bastante e mostrava-nos grandes tristezas carregadas ao longo de sua vida, as<br />

quais ao relembrar chorava. Nesta cliente observou-se o quão viva estava essa<br />

criança interior e não seria difícil aflorá-la e vivenciá-la, era do conhecimento de<br />

todos que isso seria muito prazeroso a essa senhora. Sabendo disso, em várias<br />

30


oficinas podia-se observar que sempre essa senhora trazia sua criança para fora,<br />

em seus desenhos, pinturas e com qualquer material plástico usado, se via a<br />

felicidade renascer e ela cantava e contava fatos de sua infância. Mas foi durante<br />

as oficinas com argila que se pode notar algo bem mais significativo voltado para<br />

o conceito winnicottiano, onde diz respeito ao seu objeto transicional. Durante<br />

três oficinas experimentando a argila, tocando e sentindo-a, até que dela<br />

descobrissem algo de concreto se assim quisessem. No terceiro encontro a<br />

senhora “M” modelou um pequeno boneco seguido de umas xícaras de chá com<br />

bule, os quais ela dizia fazer também com barro quando criança em miniatura em<br />

sua casa. Mas seu objeto transicional foi encontrado quando ela chorava<br />

olhando e relatando a sua feliz lembrança do bonequinho e dizia como dormia<br />

abraçada nesse boneco quando tinha apenas dois ou três anos de idade. Depois<br />

em outra vivência representou o boneco novamente em massa de modelar<br />

colorida e também em desenho com colagem.<br />

Mostrou ter vivido uma experiência significativa voltada para sua fase de<br />

desligamento da mãe, achando seu objeto transicional e reencontrando sua<br />

criança interior, sentiu-se imensamente feliz por ter nascido, estar viva e ter<br />

saúde. Neste momento, observando bem suas falas, gestos e criação, podíamos<br />

notar seu verdadeiro self, proporcionando-a a se sentir inteiramente completa .<br />

Figura 1- Boneco da senhora “M” em argila<br />

31


Na mesma senhora “M” observou-se em uma sensibilização que<br />

enfocamos a dança de roda, que a remeteu a suas Histórias de infância, que<br />

vivenciava o São João, ela se abria a fazer desenhos com colagens de festas<br />

juninas e falar muito dessas recordações felizes e significativas em sua vida na<br />

infância, mostrando assim através da livre criação espontânea quem ela era<br />

realmente, permitindo-a experimentar novamente sua criança, sem máscaras.<br />

Sempre com vivências lúdicas, com utilização de músicas infantis,<br />

brincadeiras, dança circular com temas infantis e dança de roda como<br />

sensibilização. Isso deixa a criança interior mais aflorada e os clientes a irem<br />

para dinâmica principal já dando ênfase ao lado infantil, retomando às suas<br />

crianças com grande desejo de mostrá-las.<br />

Outra experiência significativa apareceu quando na sensibilização foi<br />

aplicado um relaxamento, o qual as clientes ficavam deitadas enquanto a arte<br />

terapeuta contava uma estória que as remetia a um lugar tranqüilo onde um<br />

animal acompanhava-as. Para uma cliente em especial, MA, observou-se que na<br />

dinâmica de expressão ela sempre trazia o mesmo animal, por várias outras<br />

oficinas ela continuava trazendo e mostrando aquele animal que ela havia visto<br />

no relaxamento e continuava a andar com ela por assim dizer. Então na 4ª vez<br />

que ela demonstrou esse animal, depois de já tê-lo desenhado, pintado, feito ele<br />

em massinha de modelar colorido, foi em argila que ela resolveu falar sobre ele.<br />

Falou que esse animal estava com ela desde que ela havia nascido, era um<br />

cachorro, ela lembrava muito bem dele, das manchas em seu pelo, e começou a<br />

chorar. Chorava de amor e felicidade de estar revivendo como era bom se<br />

lembrar dele e como tivera momentos bons com ele, era como um filho para ela.<br />

Esse animal havia sido muito significativo em sua infância e pré-adolescência.<br />

Podemos considerá-lo aqui algo muito significativo em sua infancia. A morte<br />

deste animal levou-a a sentir uma falta muito grande e significativa, pois nunca<br />

pudera chorar a morte desse animal na companhia de alguém visto que ninguém<br />

achava-o tão significativo quanto ela. Ela nunca teve filhos e nem se casou. Dizia<br />

ela que jamais alguém ou algo, ou até outro animal, significou alguma coisa maior<br />

para ela.<br />

32


Figura 2 - Cão da senhora “MA”<br />

Observou-se situação parecida também com a senhora “V”. Essa senhora<br />

de 72 anos era mãe de 3 filhos deficientes, mas demonstrava ter uma criança<br />

interior aflorada, pois sempre nos dizia que se sentia, ali nas sessões<br />

arteterapêuticas, no “jardim da infância”, dizendo que fazia bem a ela estar ali.<br />

Ela certa vez demonstrou estar imensamente feliz, coisa quase impossível para<br />

ela, pois ela sempre estava falando de seus problemas e chorava muito, mostrou<br />

a felicidade depois de observar que havia feito com suas próprias mãos uma<br />

boneca de jornal que lembrava sua boneca de infância. Relatou sua infância com<br />

grande gosto demonstrando prazer por estar vivendo-a novamente. Voltou na<br />

próxima semana demonstrando felicidade ainda, ela já sabia que iria encenar<br />

algo com sua boneca. Ela apresentou o teatrinho da boneca, fazendo a boneca<br />

ser outro ser, demonstrando quem realmente era essa boneca: seu objeto<br />

transicional. Fazia a boneca conversar com ela mesma, a boneca falava como<br />

bebê e pedia para estar sempre junto dela, dormir com ela ficar com ela... Tudo<br />

se fechou quando ela relatou que havia tido essa boneca quando criança e que<br />

era a sua companheira, sem a boneca ela não existia, e que essa boneca de<br />

jornal era “igualzinha“ a dela.<br />

33


Figura 3 - Senhora “V” construindo sua boneca de jornal<br />

Figura 4 - Boneca de jornal da senhora “V”<br />

Embora ela tivesse um astral muito bom, ela era uma pessoa sofrida, por<br />

estar já na idade que deveriam estar cuidando dela, ao contrario acontecia, ela<br />

com idade avançada tinha que cuidar ainda de seus três filhos doentes mentais.<br />

34


Detectou-se que para ela libertar e viver um pouco essa criança interior era<br />

de grande valia, era um momento de grande prazer e de grande despreocupação<br />

com seu mundo atual. A arteterapia a deixava feliz e mantinha-a bem apesar de<br />

tantos problemas diários. O prazer que ela demonstrava em poder retornar a<br />

cada semana e reviver seus momentos bons era benéfico para sua saúde<br />

mental. Ela ficava revivenciando os momentos bons de sua vida, a infância,<br />

durante a semana toda e quando voltava parecia se reabastecer destes<br />

momentos lúdicos para continuar por mais uma semana bem.<br />

É importante salientarmos que falar do momento de ilusão aqui é<br />

fundamental para lidarmos com conteúdos que surgiram ao trabalharmos com a<br />

arteterapia na terceira idade, para que possamos observar as pessoas e suas<br />

criatividades, se elas conseguem dar conta ou não de seus criativos, se<br />

vivenciaram de boa forma esses momentos em suas primeiras infâncias,<br />

demonstrando como e quanto é importante ter vivenciado bem esses momentos<br />

para colocar para fora a criatividade.<br />

A busca desta criança interior no idoso quase sempre é benéfica, eles<br />

ficam felizes de poder estar no momento em que suas vidas eram mais<br />

tranqüilas, sentem-se bem de representar artisticamente sem se preocupar com o<br />

belo, rabiscando, colando, recortando, cantando e fazendo o que querem como<br />

crianças, colocando suas crianças para fora de uma maneira pura e sem medos.<br />

Vermos as pessoas idosas felizes e cheias de vida e energia novamente é<br />

muito significativo para o trabalho arteterapeutico. Conseguir notar o potencial<br />

criativo nas pessoas senis nos faz pensar que devemos apostar na busca da<br />

felicidade e melhores condições de vida emocional sempre, e através da<br />

arteterapia isso se torna possível.<br />

35


4.2 ATELIÊ TERAPÊUTICO<br />

SONHO DE CRIANÇA<br />

Bela criança que não é mais criança<br />

mas não perde a esperança<br />

de que ainda é criança.<br />

feliz senhor que não é senhor<br />

ainda é criança,<br />

por dentro e por fora.<br />

Que belos adultos que não são adultos<br />

são crianças também.<br />

Quem sonha nunca perde a esperança<br />

de ser uma criança.<br />

Maria Fernanda Venzon 5<br />

Transformar o local de atendimento arteterapeutico em um “ambiente<br />

facilitador”, é de fundamental importância quando se busca a criança interior de<br />

qualquer pessoa. Podemos começar oferecendo handling com uma dinâmica de<br />

abertura alegre e regressiva (no sentindo de voltar atrás na idade), logo podemos<br />

usar o material expressivo dando continuidade a essa sensibilização, oferecendo<br />

mais de uma opção dentro do mesmo contexto a ser trabalhado, assim ajuda a<br />

libertar a criança (ver no próximo capítulo as dinâmicas). Essas “crianças”<br />

aparecem sempre cheias de simbologias, mostram símbolos objetivos, em suas<br />

expressões artísticas quase sempre aparecem objetos significativos de suas<br />

vidas. Aqui podem aparecer seus objetos transicionais. Para Winnicott, a<br />

utilização do objeto transicional é ao mesmo tempo a utilização do primeiro<br />

símbolo e da primeira brincadeira.<br />

Com muitas brincadeiras lúdicas acreditamos que o brincar é, além de<br />

uma busca de prazer, uma forma de lidar com a angústia. É uma necessidade<br />

para o desenvolvimento de uma personalidade sadia. Mostram assim, nestas<br />

brincadeiras, seus verdadeiros selfs, onde o de alguns, para não dizer de todos,<br />

estava escondido ou apenas mascarado para a realidade.<br />

5 Maria Fernanda Venzon tem 8 anos de idade e fez essa poesia com exclusividade para<br />

esta monografia<br />

36


Significados do brincar, consultando o Novo Dicionário da língua portuguesa<br />

(Ferreira, 1986, p. 286), encontramos diversos significados para o brincar:<br />

1.Divertir-se infantilmente, entreter-se em jogos de crianças.<br />

2. Divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar; "Em qualquer<br />

circunstância está sempre bem humorado, brincando".<br />

3. Agitar-se alegremente, foliar, saltar, pular, dançar.<br />

4. Dizer ou fazer algo por brincadeira, zombar, gracejar.<br />

5. Divertir-se.<br />

6. Tremer, oscilar, agitar-se.<br />

7. Gracejar, zombar, mexer.<br />

8. Entreter-se, distrair-se, ocupar-se.<br />

9. Tomar parte em folguedos carnavalescos<br />

Dentro do ateliê terapêutico, o brincar com o idoso é fundamental para<br />

aflorar a criança interior. O brincar puro, sem pensar em mais nada, apenas na<br />

diversão momentânea seguida de uma expressão artística que sempre será<br />

regressiva, infantilizada dentro desse contexto usado.<br />

Devemos fornecer holding no ambiente arteterapeutico. Isso significa tratar<br />

cada cliente como ele precisa. O acolhimento adequado pode, portanto, ajudar<br />

uma pessoa regida por um self falso. Uma pessoa geralmente boazinha e<br />

obediente, a se tornar mais espontânea. No entanto, é preciso que o<br />

arteterapeuta aceite as temporadas de “comportamento falso”. Trata-se de adotar<br />

sempre uma postura tolerante e criar condições para que a pessoa a ser tratada,<br />

desfrute de liberdade. Nada mais importante, nesse sentido, do que o papel da<br />

brincadeira - fundamental para Winnicott, não apenas na infância, por misturar e<br />

conciliar o manejo do mundo objetivo e a imaginação. Brincar pressupõe<br />

segurança e criatividade. Crianças com problemas emocionais graves não<br />

brincam, pois não conseguem ser criativas. (WINNICOTT, 1978).<br />

Liberdade de expressão através de materiais plásticos, corpo e sentidos<br />

são de fundamental importância no espaço terapêutico. Com o sentimento de<br />

liberdade do cliente e a confiança dele no arteterapeuta podemos deixá-lo livre de<br />

37


muitas angustias e fazer ressurgir momentos de prazer, harmonia e felicidade de<br />

suas vidas. Às vezes demonstrando-nos concretamente esses momentos em<br />

suas expressões artísticas e até se dando conta do que fizeram vendo e falando<br />

sobre seus momentos.<br />

4.3 MATERIAIS EXPRESSIVOS<br />

38<br />

“Há duas épocas na vida, infância e velhice,<br />

em que a felicidade está numa caixa de<br />

bombons.”<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

Quanto aos materiais usados para buscar a criança interior do idoso,<br />

usamos aqueles que o grupo se mostra poder trabalhar, dependendo do grupo.<br />

Idosos quase sempre são nostálgicos, e às vezes melancólicos também, os que<br />

procuram a arteterapia, tendem a ser um tanto depressivos ou tristes, com<br />

vivencias emocionais dolorosas, ou não, podendo ir a busca de algo que lhes<br />

dêem somente prazer. Para o trabalho arteterapeutico com idosos usamos<br />

formas mais divertidas e prazerosas, ligadas à infância, jogos e brincadeiras do<br />

passado, com danças e músicas de suas épocas, músicas animadas e com<br />

mensagens alegres ou só instrumentais (melhor). Podendo ser utilizada também<br />

a auto-massagem, ou massageando o parceiro, relaxamento direcionado para o<br />

belo (com a terapeuta falando, levando-os para lugares bons e bonitos).<br />

Usaremos a auto-massagem num momento de reconhecimento do corpo,<br />

com uma bolinha de tênis, pisando em cima dela ou esfregando ela contra<br />

parede com as costas. Num momento mais intimo, onde as clientes já se<br />

conhecem melhor, podemos trocar massagens, do tipo tapinhas leves por todo<br />

corpo, para ativar a circulação reanimando o corpo e o percebendo. Também<br />

podemos usar lenços e, de forma suave umas deixarem tocar o corpo das outras


com o lenço, ou canga ou até mesmo com outro material que, com sutileza, faça<br />

perceber o corpo. Aqui estaremos propiciando um handling também.<br />

Materiais expressivos tais como recorte e colagem, com as mãos, sem<br />

tesouras, permitindo-lhes rasgar, lambuzar os dedos de cola e montar algo, como<br />

historias de vida com imagens ou palavras, são benéficos e promovem mais<br />

autoconhecimento facilitando o direcionamento do cliente para seus potenciais<br />

criativos. Usando muito o contato das mãos diretamente com os materiais, sem<br />

ajuda de pinceis ou suportes, pode ajudá-los, permitindo<strong>–</strong>lhes que sintam surgir<br />

suas crianças e vivenciá-la.<br />

Oferecendo-lhes argila em seu estado bruto, depois indo para a massinha<br />

de modelar e chegando a massa de biscuit ou papel machê, pode promover um<br />

encontro com seus objetos transicionais aflorar seu o criativo e seu verdadeiro<br />

self no decorrer dessas vivencias artísticas.<br />

As diversas formas de oferecer os materiais criativos variam conforme o<br />

que o grupo vai demonstrando precisar expressar, o importante é estarmos<br />

atentos às necessidades deste grupo, necessidades plásticas de materiais.<br />

Sempre manter o grupo harmônico, uns com confiança nos outros e com a<br />

arteterapeuta em especial, ter o vinculo estabelecido, sem esse vínculo nada<br />

sairá deste cliente.<br />

É importante propor dinâmicas iniciais que possuam uma sensibilização<br />

que tenha a ver com o processo principal da oficina como, por exemplo: usar<br />

dança de roda com músicas infantis, remetendo os clientes à infância, oferecer<br />

após esta sensibilização uma cartolina cortada já em forma circular que possam<br />

remeter as pessoas a desenharem essa dança ou algo muito mais profundo<br />

ligado ainda na vida intra-uterina ou ao holding materno.<br />

Com isso durante o trabalho observaremos as palavras, os símbolos<br />

usados durante suas expressões artísticas e a preferência de qual material usam<br />

para colorir esse circulo, como o giz de cera, lápis de cor, caneta hidrocor, papel<br />

colorido, miçangas, gliter, tinta ou até massinha de modelar colorida,<br />

proporcionando aqui o ambiente facilitador. Com base em suas preferências,<br />

poderemos observar o que os faz bem e o que é importante na vida de cada<br />

pessoa, aquilo que há de mais especial dentro de cada um, podendo assim<br />

sempre retornar a esse ponto usando os materiais mais apropriados conforme o<br />

39


que nos demonstram precisar. Deixando assim fluir de dentro de cada um o que<br />

é fundamental para eles e deixando com que eles próprios se dêem conta do<br />

que é importante relembrar, mudar, vivenciar ou revivenciar, deixando-os falarem<br />

ou só observarem o que fizeram, sentindo.<br />

Com os materiais oferecidos (por vezes desconhecidos no sentindo<br />

plástico para muitas pessoas tratadas em arteterapia), devagar, podemos voltar à<br />

maneira pela qual a mãe e o ambiente apresentam o mundo ao bebê,<br />

determinando o estabelecimento da relação de objeto.<br />

A mãe tem por função apresentar o mundo ao bebê em pequenas doses,<br />

proporcionando uma experiência de onipotência ao permitir que o bebê tenha a<br />

ilusão de que aquilo que foi encontrado é algo criado por ele. (WINNICOTT,<br />

1948).<br />

Nos materiais expressivos podemos citar o jogo do rabisco, o qual<br />

inventado por Winnicott, possibilita o cliente de brincar com o desenho, constitui-<br />

se em, no mesmo papel, o terapeuta faz um risco aleatório e entrega para o<br />

cliente continuar, ele faz outro risco as vezes já estabelecendo alguma forma e<br />

devolve para o terapeuta continuar e assim segue, nesta brincadeira o cliente<br />

acaba mostrando o que lhe esta incomodando, tornando objetivo no desenho o<br />

que ele quer mostrar, cabe ao terapeuta só fazer riscos dando continuidade ao<br />

que o cliente esta desenhando.<br />

O jogo do rabisco é uma situação não acabada, sem forma. Ao fazer um<br />

rabisco a pessoa oferece ao outro uma forma inacabada, que pode referir-se ao<br />

não acontecido na sua história. Winnicott considera o ser humano como um ser<br />

de porvir e não acabado (em devir), que traz fraturas em sua história e anseia<br />

pela possibilidade de que tais fraturas encontrem trânsito na presença de alguém.<br />

(SAFRA, 2006).<br />

(...)se é dada a oportunidade de maneira adequada e profissional<br />

para uma criança ou para um adulto, no tempo limitado do<br />

contato profissional o cliente trará e exporá (embora de início<br />

apenas como uma tentativa) o problema predominante ou conflito<br />

40


emocional ou a espécie de tensão que aparece nesse momento<br />

da vida do cliente (WINNICOTT,1984, p.15) 6<br />

O rabisco pode mostrar a maneira como o self se apresenta no mundo,<br />

não acabado, e esta é a grande questão do objeto subjetivo. Winnicott define o<br />

objeto subjetivo como aquele que se forma no psiquismo humano e que pode<br />

tornar presentes a aspiração e a esperança da realização de si.<br />

Safra (2006) lembra que os rabiscos de Winnicott nunca eram um círculo,<br />

um quadrado ou uma forma acabada, o que ele desenhava era a garatuja<br />

mesmo. A pessoa olhava para o desenho de Winnicot e se sentia provocada pela<br />

instabilidade e pelo desejo de dar uma forma a ele. O rabisco deve ser feito a<br />

lápis, pois permite textura e pode ser apagado. Pede-se que a pessoa construa<br />

algo, que dê uma forma a algo, o que tem a ver com toda a situação inacabada<br />

do próprio porvir do self. Nesse momento da criação, no momento em que a<br />

pessoa constitui algo por meio do rabisco, tem-se uma forma que fala do estado<br />

de self.<br />

Proposta do jogo do rabisco em setting terapêutico, por Winnicott<br />

Vamos jogar alguma coisa. Sei o que gostaria de jogar e vou lhe<br />

mostrar.” Há uma mesa entre a criança e eu, com papel e dois<br />

lápis. Primeiro apanho um pouco de papel e rasgo as folhas ao<br />

meio, dando a impressão de que o que estamos fazendo não é<br />

freneticamente importante, e então começo a explicar. Digo: “Este<br />

jogo que gosto de jogar não tem regras. Pego apenas o meu lápis<br />

e faço assim...” e provavelmente aperto os olhos e faço um<br />

rabisco às cegas. Prossigo com a explicação e digo: Mostre-me<br />

se parece com alguma coisa a você ou se pode transformá-lo em<br />

algo; depois faça o mesmo comigo e verei se posso fazer algo<br />

com o seu rabisco (WINNICOTT, 1994, p. 232).<br />

6 Winnicott (1984) ao relatar suas experiências com o Jogo do Rabisco faz uma ligação<br />

artificial entre este e a consulta terapêutica.<br />

41


Uma variação dessa instrução aparece em Winnicott (1984), no caso de<br />

Liro, um menino finlandês, em que ele diz: “Fecharei meus olhos e farei um risco<br />

a esmo no papel; você o transformará em alguma coisa e depois será sua vez e<br />

você fará o mesmo e eu transformarei seu traço em alguma coisa” (WINNICOTT,<br />

1984, p. 20).<br />

Pode-se notar que o Jogo do Rabisco é aparentemente simples, porém<br />

sua complexidade não está na instrução ou no resultado e sim na experiência, na<br />

possibilidade de oferecer à criança um espaço de confiança, um ambiente<br />

facilitador, para que possa acontecer como ser humano, colocando em trânsito<br />

questões fundamentais que ficaram detidas em seu processo maturacional.<br />

Nosso objetivo é achar, vivenciar e trabalhar com a criança interior dos<br />

idosos, fazendo com que se sintam bem para viverem o final de suas vidas da<br />

melhor maneira possível. Descobrindo ou apenas sentindo por si só o que para<br />

eles ficou de significativo em suas vidas a partir de suas infâncias, suas relações<br />

pessoais e intimas, e o que isso traz de bom e produtivo para cada um. Os<br />

colocando em momentos de recordações prazerosas e únicas, ou apenas<br />

trabalhando conteúdos ruins através de expressões, deixando fluir apenas para<br />

confortar-se após a expressão trazida de dentro deles.<br />

Através dos materiais expressivos podemos achar objetos transicionais,<br />

fortificando o espaço potencial de cada um trazendo a tona o criativo, o self<br />

libertando-o de máscaras, por fim oferecendo muito holding e handling aos<br />

clientes dentro do ateliê terapêutico.<br />

42


5 CONDERAÇÕES FINAIS<br />

Concluímos com essa monografia que é possível, prazeroso, fundamental<br />

e muito bom trabalhar a criança interior do idoso.<br />

Baseando-nos em Winnicott conseguimos alcançar algo alem só da<br />

criança interior, o seu verdadeiro EU sem máscaras, seu self. Chegar ao self do<br />

idoso é se deparar com sua energia interior é ver seus olhos voltarem a brilhar, é<br />

ressuscitar algo que dormia dentro dele fazia tempo.<br />

Com carinho e dedicação a arteterapia rompe barreiras sutilmente e nos<br />

mostra caminhos a trilhar, abrindo portas para nossos inconscientes, nos dando<br />

indícios de onde devemos trabalhar, trazendo à tona só o que é preciso e<br />

fundamental para levarmos nossas vidas da melhor forma e felizes. É por assim<br />

dizer, muito gratificante, emocionante e feliz para ambas as partes: terapeuta e<br />

idoso.<br />

Despertar a criança interior é algo fundamental na arteterapia a qualquer<br />

idade, pois vemos que sempre é regressivo utilizar os materiais expressivos sem<br />

intenções artísticas de visar o belo, quando vemos estamos rabiscando e<br />

deixando fluir partes internas nossas sem pensar, que direcionadas ao universo<br />

infantil, emerge esse.<br />

É gratificante ver essa criança aflorar, pois quase sempre ela<br />

desempenha o papel mais feliz das nossas vidas, estando em um momento da<br />

vida onde não havia tantos problemas, nos depararmos através da arteterapia,<br />

nesse momento novamente, por algum tempo se torna gratificante.Buscando o<br />

verdadeiro self achamos a integridade plena do nosso ser, podendo vê-lo,<br />

percebê-lo, senti-lo, elaborá-lo e vivê-lo por alguns momentos ou talvez, melhor<br />

que seja, para sempre. Trabalhando num ambiente facilitador, promovendo o que<br />

os clientes precisam para se expressarem, mostrando ter atenção e sendo<br />

humano para com o nosso publico, podemos estar no caminho certo. Mudando<br />

as formas de agir e pensar perante o mundo, para melhor.<br />

Pretende-se, com a visão da teoria winnicottiana aplicada à arteterapia,<br />

mexer sutilmente nesses estágios mais primitivos do desenvolvimento emocional<br />

43


do ser humano, a fim de deixar os idosos mais seguros em ter uma velhice mais<br />

tranqüila e feliz.<br />

44


REFERÊNCIAS<br />

ABRAM, Jan. A Linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.<br />

ALESSANDRINI, C. D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. 4.ed. São Paulo:P. :<br />

Casa do Psicologo, 2006.<br />

ARMONY, Nahman. Ética em Winnicott,1999.Disponivel em:<br />

. Acesso em:15 abril 2009.<br />

LEVY, Becca. Os Pilares de uma velhice saudável Direitos, Deveres e<br />

Responsabilidade Social. Disponivel em: <<br />

http://www.copacabanarunners.net/velhice-saudavel-2.html> Acesso em 28<br />

abril 2009<br />

BLEICHMAR, Norberto M. Bleichmar, Celia. A Psicanálise depois de Freud:<br />

teoria clinica. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es Médicas, 1992<br />

DIAS, E. O. A Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro:<br />

Imago, 2003.<br />

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:<br />

Nova Fronteira, 1986. 1.838p.<br />

KHAN, M. Masud R. Quando a primavera chegar. São Paulo:Escuta, 1991.<br />

_______. Psicanálise: teoria, técnica e casos clínicos. 2 . ed. Rio de Janeiro:<br />

Francisco Alves, 1984.<br />

MOURA, Joviane. Introdução a psicologia winnicotianna. Disponível em:<br />

< http://www.psicologado.com >.Acesso em: 16 abril, 2009.<br />

NEWMAN, Alexander. As Idéias de Winnicott. 2008. Disponível em:<br />

< http://revistaescola.abril.com.br >. Acesso em: 20 março, 2009.<br />

45


______. A capacidade para estar só. In: O Ambiente e os Processos de<br />

Maturação 3 . ed. Porto Alegre:<strong>Art</strong>es Médicas, 1990. p. 31-37.<br />

______. Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão dentro do<br />

setting psicanalítico. In: Da pediatria à psicanálise. 2 . ed. Rio de<br />

Janeiro:Francisco Alves, 1978. p. 459-481.<br />

______. A Família e o Desenvolvimento Individual. Trad. Marcelo Brandão<br />

Cipolla, 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.<br />

OLIVEIRA, Celso Franco. O Falso Self Winnicottiano.Disponivel em:<<br />

http://bispocelso.anglicanarj.org> Acesso em: 22 maio 2009.<br />

Organização Mundial da Saúde- OMS, 2008.<br />

SAFRA, G. A consulta terapêutica winnicottiana: teoria e técnica da<br />

intervenção sob demanda. São Paulo: Edições Sobornost, 2006.<br />

.<br />

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1991. 180p<br />

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1991. 168p.<br />

WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.<br />

270p.<br />

WINNICOTT, D. W. Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de<br />

Janeiro: Imago, 1984.<br />

WINNICOTT, Donald. Da Pediatria à Psicanálise. 2 . ed. Rio de Janeiro:Francisco<br />

Alves, 1978.<br />

WINNICOTT, Donald. Desenvolvimento emocional primitivo. In: Da Pediatria à<br />

Psicanálise 2 . ed. Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1978. p. 269-285.<br />

46


______. Distorção do ego em termos de falso e verdadeiro self. In: O<br />

Ambiente e os Processos de Maturação 3 . ed. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es Médicas. 1990.<br />

p. 128-139.<br />

______. Explorações Psicanalíticas. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es Médicas, 1994.<br />

______. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990.<br />

______.O Ambiente e os Processos de Maturação. 3 . ed. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es<br />

Médicas, 1990.<br />

______. O ambiente e os processos de maturação. Trad. Irineo Constantino<br />

Schuch Ortiz. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es Médicas, 1983.<br />

______. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. 208p.<br />

______. O Gesto Espontâneo . São Paulo, Martins Fontes, 1990.<br />

______.O jogo do rabisco. In: Winnicott, Claire. et al. (Org.) Explorações<br />

psicanalíticas. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es Médicas Sul, 1994.<br />

______. O Medo do Colapso. In Explorações Psicanalíticas. Porto Alegre: <strong>Art</strong>es<br />

Médicas, 1994. p. 70-76.<br />

______. Privação e Delinqüência. Trad. Álvaro Cabral, sob revisão de Mônica<br />

Stahel, 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.<br />

______. Tudo começa em casa. 3.ed., tradução de Paulo Sandler. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1989.<br />

_______. Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro:<br />

Francisco Alves, 1993.<br />

47


ANEXO<br />

48


UM CAMINHO<br />

Na busca de um caminho até encontrar a <strong>Art</strong>eterapia, encontrei conteúdos<br />

produtivos e bastante significativos que hoje posso usar de diferentes maneiras.<br />

Comecei minha caminhada no curso de <strong>Art</strong>e educação; visava mais a arte<br />

do que a educação sentia que a arte fazia bem, observava que nas aulas práticas<br />

de pintura, cerâmica e desenho, nós, os alunos, entravamos em contato conosco,<br />

em gera nos sentíamos bem na sala de aula. Achava a arte uma forma de terapia<br />

com futuro, não pensava e nem imaginava que existisse uma formação especifica<br />

nessa área.<br />

Com o decorrer do tempo, ainda na universidade, cursando a graduação<br />

tive a oportunidade de estagiar com crianças e adolescentes. Foi aí que pude<br />

observar o quanto a arte influenciava no desenvolvimento emocional, cognitivo e<br />

físico de algumas pessoas, e isso me fascinou. Minha meta então mudou: fugir<br />

da educação e trabalhar ajudando as pessoas através da arte.<br />

Sentia que precisava saber mais da arte, ou melhor, além da arte. Queria<br />

saber mais sobre os desenhos; isso me intrigava nas minhas aulas de arte na<br />

universidade. Gostava de olhar as expressões artísticas das pessoas e tentar<br />

entender porque estavam colocando isso para o mundo ver.<br />

Observava, durante meu período de estágio, que era em sala de aula<br />

ensinando arte, que eu preferia ficar mais em volta de crianças com algum tipo de<br />

problema, como os hiperativos, desconcentrados, os chamados “problema”<br />

dentro da sala de aula. Percebia que essas crianças respondiam bem as aulas de<br />

artes. Isso começou a balançar meu lado investigativo, eu via e percebia que a<br />

arte fazia bem para os alunos, mesmo esta arte sendo ensinada na área da<br />

educação. E isso me fez buscar a psicologia.<br />

A forma com a qual eu queria trabalhar com a arte e a vontade que eu<br />

tinha em saber além das artes visuais e partir para um lado mais humano de<br />

interagir com as artes num aspecto mais emocional, lidando com figuras, cores,<br />

riscos e rabiscos iam além das artes voltadas para o belo e produtivo. Iam além<br />

também de Piaget e Vygotsky, os quais são os únicos da área da psicologia que<br />

49


temos como autores na graduação em educação. Então encontrei uma<br />

especialização na área do lúdico, dentro da psicologia, que visava a abordagem<br />

psicanalítica à formação de caráter de um individuo, falava da vida intra uterina<br />

até a formação do ser em sua totalidade na visão de Margareth Mahler e<br />

Winnicott, incluído também uma linha corporal, a biossíntese, de David Boadella.<br />

Posso dizer que esse curso de um ano e meio em ludoterapia foi meu salto, abriu<br />

minha visão para o mundo no qual eu queria entrar. Assim me inscrevi na<br />

faculdade de Psicologia.<br />

Apesar de estar com a cabeça voltada nessa fase para a Psicologia, ainda<br />

queria trabalhar com a arte, pois era na arte que eu via um caminho que me<br />

agradava.<br />

Minha procura terminou com o curso de <strong>Art</strong>eterapia, oferecido pela pós-<br />

graduação na UNP, no qual de imediato me inscrevi, com grande expectativa de<br />

que ali estava uma enorme parte do que eu queria, ou seja, aliar a arte com a<br />

terapia.<br />

Na arteterapia encontrei uma nova visão para a arte, muito mais<br />

significativa, no sentido de que as expressões artísticas não visam mais o belo, e<br />

sim aos conteúdos internos de cada ser, que precisam ser trabalhados<br />

terapeuticamente.<br />

Já observava, antes, só com a arte, a expressão pessoal das pessoas;<br />

observava que a arte era uma maneira de colocar algo interno para fora, a arte é<br />

uma maneira de mostrarmos o nosso interior, muitas vezes sem nos darmos<br />

conta. No curso de pós-graduação em arteterapia vi que podemos direcionar os<br />

conteúdos trazidos, mexer e trabalhá-los com grande valor significativo para os<br />

clientes, usando os materiais certos e os sensibilizá-los adequadamente e o mais<br />

importante, para mim que sou professora de artes, é que: nunca priorizamos o<br />

belo.<br />

Agora vejo a arte de outra forma, adquiri diferentes conceitos sobre ela,<br />

muito mais abrangentes, reais e seguros, observo a forma como a arte sutilmente<br />

toca no íntimo das pessoas, mexendo e trabalhando conteúdos internos de forma<br />

tão suave e prazerosa que de modo geral as pessoas nem chegam a notar.<br />

50


A arteterapia como uma livre expressão, que expressa conteúdos<br />

inconscientes, manifesta desejos reprimidos e internalizados, os quais não são<br />

percebidos na linguagem, pois nem sequer passa pelo consciente. As pessoas<br />

colocam para fora seus desejos, medos, angústias e dores usando da<br />

criatividade, deixando fluir conteúdos internos, muitas vezes sem se darem conta<br />

disso, trabalhando-as sem ao menos passar por seus conscientes, causando,<br />

geralmente, somente alegria. Quando não se manifesta a alegria e sim mais<br />

angustias, mudamos o tipo de dinâmica e materiais até notarmos o que fará bem<br />

aquela pessoa, e, com muita observação, podemos entender do que precisam<br />

realmente, pois os próprios clientes demonstram suas necessidades. Nós,<br />

arteterapeutas, só precisamos observar tudo que falam e expressam com o<br />

coração aberto.<br />

Hoje não posso mais dizer que ensino arte, dando qualquer material para<br />

qualquer pessoa, a arte tomou outro rumo em meu olhar, dentro de mim ela é<br />

muito significativa, ela realmente trabalha problemas internos e tem que ser<br />

direcionada de boa forma. Noto a sutileza com que ela mexe em sentimentos e<br />

emoções interiores guardadas dentro de nós e que, embora toque em coisas<br />

boas e prazerosas, muitas vezes pode ser difícil e por isso deve ser feita por<br />

profissionais responsáveis, para que possamos parar na hora certa ou continuar<br />

e se necessário até mesmo encaminhar para os cuidados de outros tipos de<br />

profissionais, se assim for observado e preciso.<br />

51

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!