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Fundamentos e Decisão Dra. Candida Brugnolli - Sergio Peron

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Autos n° 036.12.001147-1<br />

Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial<br />

Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina<br />

Réu: Cecília Konell e outros<br />

Vistos para decisão.<br />

I – Trata-se de ação ação civil pública de responsabilidade por ato<br />

de improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA<br />

CATARINA, por seu Promotor de Justiça no exercício da Curadoria da Moralidade<br />

Administrativa, contra CECÍLIA KONELL, Prefeita Municipal de Jaraguá do Sul, IVO<br />

KONELL, Secretário de Administração do Município de Jaraguá do Sul, e FEDRA<br />

LUCIANA KONELL ALCÂNTARA DA SILVA, Chefe de Gabinete da Prefeita<br />

Municipal de Jaraguá do Sul, em que requer o autor a concessão da tutela antecipada<br />

exclusivamente para que os dois últimos demandados sejam imediatamente<br />

destituídos dos cargos que ocupam, com a determinação para que a Chefe do Poder<br />

Executivo promova a exoneração de ambos, no prazo de 48 (quarenta e oito horas),<br />

sob a proibição de nomeá-los para qualquer outro cargo vedado pelo artigo 90-C da<br />

Lei Orgânica de Jaraguá do Sul.<br />

O autor aduz, em síntese, que em 18 de outubro de 2010 entrou<br />

em vigor a Emenda à Lei Orgânica Municipal n. 01/2010, também conhecida como<br />

"Nova Lei Orgânica do Município de Jaraguá do Sul", vedando o artigo 90-C, entre<br />

outras disposições, a nomeação para cargos políticos de cônjuges, companheiros,<br />

parentes consanguíneos ou não, em linha reta, colateral ou por afinidade até terceiro<br />

grau, do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos Vereadores e outros agentes que especifica;<br />

mas, não obstante, a ré Cecília Konell, valendo-se da posição de Chefe Maior do<br />

Município, e visando, sobretudo, a atender interesses pessoais e familiares,<br />

literalmente ignorou a disposição legal, nomeando, em flagrante ato de nepotismo,<br />

seu esposo Ivo Konell (através da Portaria 250/2011, de 02.03.2011) e sua filha Fedra<br />

Luciana Konell Alcântara da Silva (através da Portaria 1042/2010, de 03.11.2010)<br />

para exercerem, respectivamente, os cargos públicos de Secretário Municipal de<br />

Administração e de Chefe de Gabinete, junto ao Poder Executivo de Jaraguá do Sul,<br />

situação que permanece até o momento.<br />

Frisa que ao tempo das nomeações, o artigo 90-C da Lei Orgânica<br />

Municipal estava em plena vigência, e assim continua, pois, embora ajuizada a ADIn<br />

n. 2010.067163-5, a eficácia da norma em questão está calçada em decisão lançada<br />

pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou a<br />

suspensão liminar pretendida; e que o entendimento 1 que vem sendo dado à Súmula<br />

Endereço: Rua Guilherme Cristiano Wackerhagen, 87, Vila Nova - CEP 89.259-300, Jaraguá do Sul-SC - E-mail:<br />

Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a vedação do<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 1


nepotismo não se aplica aos "cargos políticos" (agentes políticos), de forma alguma<br />

pode se sobrepor aos ditames do artigo 90-C da Lei Orgânica de Jaraguá do Sul,<br />

porque os municípios detém autonomia legislativa, não houve afronta às<br />

Constituições Estadual e Federal e o referido artigo somente veio suplementar o teor<br />

da Súmula Vinculante.<br />

Assevera que ao proceder as nomeações ora atacadas, a Prefeita<br />

Municipal Cecília Konell, conscientemente e de maneira intolerável ignorou os<br />

ditames legais, incorrendo, assim, na prática de ato de improbidade administrativa<br />

atentatório aos princípios da administração pública, nos termos do artigo 11 da Lei<br />

8.429/92, sujeitando-a às sanções previstas no artigo 12 da mesma Lei. Sem contar,<br />

no que se refere ao réu Ivo Konell, que o ímprobo atropelo à lei é ainda mais latente,<br />

eis que foi erigido à condição de Secretário Municipal em 02.03.2011, mesmo tendo<br />

seus direitos políticos suspensos, consoante Ofício da Justiça Eleitoral juntado aos<br />

autos, quando a Lei Orgânica deste Município dispõe expressamente que só pode<br />

exercer tal cargo aquele que estiver "no pleno exercício dos direitos políticos" (art. 76,<br />

inc. III). Acrescenta ser inquestionável que os dois co-acionados concorreram para a<br />

prática da improbidade e dela se beneficiaram, igualmente sujeitando-se às sanções<br />

legais, nos termos do artigo 3º da Lei n. 8.429/92.<br />

Defende, por fim, a presença dos requisitos para concessão da<br />

tutela antecipada, com o fim de ver os demandados Ivo Konell e Fedra Luciana Konell<br />

de Alcântara da Silva imediatamente exonerados dos respectivos cargos, uma vez<br />

que, enquanto a situação ilegal perdurar o dinheiro público estará, indefinidamente,<br />

pagando contratações complementamente ímprobas, despendendo valores<br />

consideráveis que dificilmente recuperará, além haver prejuízos imensuráveis à<br />

própria imagem do Município de Jaraguá do Sul que, continuará, nesse caso, a<br />

padecer dos males do protecionismo e do favorecimento pessoal em detrimento do<br />

interesse público.<br />

Em despacho à fl. 369, determinei a notificação do representante<br />

judicial do Município de Jaraguá do Sul, bem como dos réus para manifestação, nos<br />

termos do art. 2º da Lei n. 8.437/1992 (em analogia) e § 7º do art. 17 da Lei n.<br />

8.429/1992, respectivamente.<br />

O Município de Jaraguá do Sul manifestou-se em longo arrazoado<br />

às fls. 377/428, alegando, inicialmente, a ausência dos requisitos legais para<br />

concessão da tutela antecipada e a impossibilidade de sua concessão "contra o ente<br />

público em testilha", diante do disposto no art. 1º, § 3º, da Lei n. 8.437/1992. No<br />

mérito, sustenta em resumo: a) que não houve qualquer prática de nepostimo com a<br />

nomeação do segundo e da terceira demandada, já que ocupam cargos próprios de<br />

agentes políticos e não meramente comissionados, o que não é vedado pela Súmula<br />

Vinculante 13 do STF, a qual se refere somente a cargos comissionados e funções<br />

gratificadas e não a agentes políticos; b) que os fatos que originaram o inquérito civil<br />

público que instrui a inicial já foram 2apreciados<br />

pelo Ministério Público, que<br />

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determinou o arquivamento do procedimento correlato em 23.09.2009; c) que, como a<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 2


Súmula Vinculante n. 13 não fez menção expressa aos agentes políticos, defende que<br />

o Supremo Tribunal Federal "liberou a nomeação de parentes para esses cargos e,<br />

sendo intérprete final do texto constitucional, qualquer lei estadual ou municipal<br />

(inclusive a Lei Orgânica do Município de Jaraguá) que trate da matéria deixa de ter<br />

relevo. Por fim, informa que tramita perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça<br />

de Santa Catarina Ação Direta de Inconstitucionalidade apontando máculas em todo<br />

processo legislativo que alterou a Lei Orgânica Municipal.<br />

Os demandados apresentaram defesa preliminar às fls. 481/498,<br />

frisando inicialmente que, sob a égide da Lei Municipal n. 4.659/07, o Ministério<br />

Público, interpretando os mesmos fatos sob julgamento, concluiu pelo arquivamento<br />

do inquérito civil naquela época, ao argumento de que não havia vedação à<br />

nomeação dos demandados Ivo Konell e Fedra Konell aos cargos de natureza política<br />

em discussão, ao passo que agora a hipótese é a mesma e não mereceria tratamento<br />

diverso pelo Órgão Ministerial. No mérito, defendem que os cargos ocupados pelos<br />

dois últimos demandados são de natureza eminentemente política, haja vista não<br />

demandarem o exercício de função técnica, sendo pacífico o entendimento dos<br />

tribunais estaduais e do Supremo Tribunal Federal de que a Súmula Vinculante n. 13<br />

do STF não se aplica a esses cargos. Invocam a observância ao princípio da simetria,<br />

alegando que a Lei Orgânica deste Município vai de encontro à Constituição Federal,<br />

uma vez que nem o seu artigo 37 e nem o Supremo Tribunal Federal vedam a<br />

nomeação de cônjuge ou parente de Prefeito para ocupação de cargo político, não<br />

podendo a Nova Lei Orgânica assim fazê-lo, sob pena de ser declarada<br />

inconstitucional, o que inclusive se busca na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.<br />

2010.067163-5, em trâmite no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Dizem não estar<br />

configurado qualquer ato de improbidade administrativa, pelo que requerem a<br />

extinção preliminar da ação, nos termos do art. 17, § 8º, da Lei n. 8.429/1992 ou,<br />

subsidiariamente, o indeferimento do pedido de tutela antecipada, por não se fazerem<br />

presentes os requisitos legais para concessão da medida.<br />

É o relato. DECIDO.<br />

II – O Ministério Público requer, em sede de antecipação da tutela,<br />

a destituição imediata dos réus IVO KONELL e FEDRA LUCIANA KONELL<br />

ALCÂNTARA DA SILVA dos cargos de Secretário Municipal de Administração e<br />

Chefe de Gabinete, respectivamente, com a determinação à Chefe do Poder<br />

Executivo e ré nesta ação, Cecília Konell, para que promova a devida exoneração no<br />

prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob a proibição de nomeá-los para qualquer outro<br />

cargo vedado pelo art. 90-C da Lei Orgânica de Jaraguá do Sul.<br />

As medidas pleiteadas têm nitidamente caráter satisfativo,<br />

porquanto visam antecipar os efeitos fáticos da pretensão invocada, amoldando-se ao<br />

instituto da tutela antecipatória, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil.<br />

Necessário esclarecer, 3 diante do alegado pelo Município de<br />

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Jaraguá do Sul em sua manifestação preliminar, que não se aplicam ao caso as<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 3


vedações constantes nas Leis n. 8.437/1992 (art. 1º), n. 9.494/1997 (art. 1º) e n.<br />

12.016/2009 (art. 7º, §§ 2º e 5º), uma vez que dizem respeito exclusivamente a<br />

pessoa jurídica de direito público e não aos agentes que exercem funções<br />

públicas.<br />

Logo, sendo a presente ação dirigida contra agentes públicos<br />

ocupantes dos cargos de Prefeito Municipal, Secretário Municipal e Chefe de<br />

Gabinete, obviamente não incidem as regras restritivas para concessão da tutela<br />

antecipada contra a fazenda pública.<br />

Com a antecipação da tutela "procura-se que se conceda desde logo<br />

aquilo que se busca no pedido, ou se adiante os efeitos da tutela de mérito, de modo a obter<br />

o imediato proveito ou o resultado útil do processo" (RIZARDO, Arnaldo. Ação Civil Pública e<br />

Ação de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2009, p. 217). Daí porque<br />

exige a lei prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o fundado receio de<br />

dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273 do Código de Processo Civil).<br />

No conceito de Humberto Theodoro Júnior, prova inequívoca é<br />

aquela "(...) que, por sua clareza e precisão, autorizaria, desde logo, um julgamento de<br />

acolhida do pedido formulado pelo autor (mérito), se o litígio, hipoteticamente, devesse ser<br />

julgado naquele instante. Não a elide a possibilidade, também hipotética, de que com prova<br />

futura possa eventualmente desmerecê-la. No momento, porém, da concessão da medida<br />

provisória, a prova disponível não deve ensejar dúvida na convicção do julgador." (Curso de<br />

Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 18ª ed., 1996, Vol. I, p. 367).<br />

Teori Albino Zavascki, enfatiza:<br />

"Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos<br />

fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a<br />

qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b)<br />

verossimilhança da alegação. O fumus boni juris deverá estar, portanto, especialmente<br />

qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser<br />

tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo<br />

cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probalidade quanto as fatos<br />

alegados), a antecipação da tutela de mérito, supõe verossimilhança quanto ao fundamento<br />

de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos."<br />

A respeito do pressuposto cumulativo do receio de dano irreparável<br />

ou de difícil reparação, continua o autor em referência:<br />

"O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja<br />

antecipação assecuratória é o risco concreto (e não hipotético ou eventual), atual (ou seja, o<br />

que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (vale dizer, o potencialmente apto a<br />

fazer perecer ou prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é<br />

iminente, não se justifica a antecipação da tutela." (in: Antecipação da Tutela. São Paulo,<br />

Saraiva, 1997, p. 77). 4<br />

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fls. 4


Pois bem.<br />

A insurgência Ministerial diz respeito ao ato da Prefeita Municipal e<br />

ora demandada Cecília Konell em nomear o seu esposo Ivo Konell para o cargo de<br />

Secretário Municipal de Administração e a sua filha Fedra Luciana Konell Alcântara da<br />

Silva para o cargo de Chefe de Gabinete, ambos igualmente réus, ao arrepio da<br />

vedação constante no art. 90-C da Lei Orgânica Municipal, em razão do que imputa a<br />

prática de ato de nepostimo e, consequentemente, de improbidade administrativa, por<br />

ofensa aos princípios basilares da administração pública, nos termos do art. 11 da Lei<br />

n. 8.429/1992.<br />

Preliminarmente, frise-se que o Inquérito Civil n. 06.2011.005865-3,<br />

que instrui a inicial e a fundamenta, foi instaurado com base nas disposições da<br />

Emenda à Lei Orgânica Municipal n. 01/2010, também conhecida como "Nova Lei<br />

Orgânica do Município de Jaraguá do Sul", que entrou em vigor em 18 de outubro de<br />

2010, e nas Portarias n. 1042/2010, de 03.11.2010 (fl. 54), e n. 250/2011, de<br />

02.03.2011 (fl. 68).<br />

Diferentemente, a promoção ministerial de arquivamento constante<br />

às fls. 193/203, datada de 23 de junho de 2009, tratou das nomeações ocorridas<br />

antes da alteração da Lei Orgânica Municipal, e com base na Lei 4.659/2007.<br />

Então, é evidente que os fatos objeto da presente actio não foram<br />

apreciados anteriormente pelo Ministério Público, como afirma o Município de Jaraguá<br />

do Sul em sua manifestação às fls. 396/406.<br />

Ainda que a questão de mérito seja idêntica à primeira<br />

representação que ensejou o prefalado arquivamento, diferenciando-se a época das<br />

nomeações e o diploma legal, nenhum impedimento há para a reapreciação da<br />

matéria sob outra óptica. A uma, porque a Emenda à Lei Orgânica Municipal n.<br />

01/2010 alterou substancialmente o tratamento dado ao nepotismo em Jaraguá do<br />

Sul, antes tratado apenas em lei ordinária, como bem salientou o autor da ação. A<br />

duas, porque aos membros do Ministério Público é constitucionalmente assegurada a<br />

independência funcional (art. 127, § 1º, CF), o que implica em dizer que, de forma<br />

alguma, a decisão de arquivamento, tomada pelo Promotor de Justiça que à época<br />

era o titular da Curadoria da Moralidade Administrativa, produz efeito vinculativo em<br />

relação a outros membros que vierem a ocupar referida Curadoria. Não bastasse,<br />

como o Direito é dinâmico, as leis sofrem alterações e os entendimentos doutrinários<br />

e jurisprudenciais são revistos e modificados, em constante evolução. E não se diga<br />

que no caso específico há ofensa ao princípio da segurança jurídica, pois a promoção<br />

de arquivamento obviamente não possui qualquer efeito semelhante à de coisa<br />

julgada.<br />

Nessa óptica, a Lei Orgânica Municipal de Jaraguá do Sul sofreu<br />

fundamental alteração com a Emenda n. 01/2010, 5 inserindo importantes disposições<br />

visando Endereço: Rua coibir Guilherme a prática Cristiano Wackerhagen, nefasta do 87, Vila nepotismo Nova - CEP 89.259-300, no âmbito Jaraguá dadoadministração Sul-SC - E-mail: pública<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 5


local, nos seguintes termos:<br />

"art. 90-C. É vedada a investidura em cargo de provimento em<br />

comissão, função de confiança ou gratificada, bem como a<br />

nomeação para cargos políticos, de cônjuges, companheiros,<br />

parentes consanguíneos ou não, em linha reta, colateral ou por<br />

afinidade até terceiro grau do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos<br />

Vereadores, do Procurador Geral, dos Secretários Municipais, dos<br />

Diretores Municipais ou titulares de cargos equiparados, dos Presidentes,<br />

dos Vice-Presidentes de autarquias, fundações, empresas públicas,<br />

sociedades de economia mista ou cargos equiparados vinculados à<br />

administração direta, indireta, no âmbito do Poder Executivo e do Poder<br />

Legislativo.<br />

§ 1º Ficam ressalvadas da vedação as nomeações de servidores<br />

municipais detentores de cargo efetivo, observada a compatibilidade do<br />

grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do<br />

servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido,<br />

vedada, em qualquer caso, a nomeação em órgão diferente daquele que<br />

tenha sido aprovado no concurso público correspondente.<br />

§ 2º Ainda que se trate de servidor ocupante de cargo de provimento<br />

efetivo de quadro de pessoal dos órgãos e entidades mencionados neste<br />

artigo, é vedado o exercício de cargo comissionado, função de confiança<br />

ou gratificada que seja diretamente subordinada à cônjuge, companheiro<br />

e parentes, consanguíneos, afins ou por adoção, até terceiro grau,<br />

inclusive." (Grifei).<br />

A Constituição Federal de 1988 consagrou o município como<br />

entidade federativa indispensável ao sistema federativo, conferindo-lhe uma real<br />

autonomia, consistente na "tríplice capacidade de auto organização e normatização<br />

própria, autogoverno e auto-administração" (MORAES, Alexandre de. Direito<br />

Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 269).<br />

Acentua Paulo Bonavides, que "as prescrições do novo estatuto<br />

fundamental de 1988 a respeito da autonomia municipal configuram indubitavelmente o mais<br />

considerável avanço de proteção e abrangência já recebido por esse instituto em todas as<br />

épocas constitucionais de nossa história.<br />

[...]<br />

Pode-se até dizer que a autonomia do município recebeu um reforço<br />

de juridicidade acima de tudo quanto se conhece em outros sistemas federativos<br />

tocante à mesma matéria, não podendo pois tal densidade normativa deixar de pesar<br />

bastante, toda vez que, em busca de solução para problemas concretos de<br />

inconstitucionalidade, se aplicarem recursos hermenêuticos indispensáveis à<br />

avaliação daquela garantia, consoante modelo e a substância das regras que fluem da<br />

Constituição.<br />

[...]<br />

Não conhecemos uma única 6 forma de união federativa contemporânea<br />

Endereço: Rua Guilherme Cristiano Wackerhagen, 87, Vila Nova - CEP 89.259-300, Jaraguá do Sul-SC - E-mail:<br />

onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 6


jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo<br />

modelo implantado no País com a Carta de 1988, a qual impõe aos aplicadores de princípios<br />

e regras constitucionais uma visão hermenêutica muito mais larga tocante à defesa e<br />

sustentação daquela garantia." (Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo:<br />

Malheiros, 2005, p. 344 e 347). Grifei.<br />

A auto-organização e a normatização própria dos municípios se dá<br />

através da Lei Orgânica Municipal, mediante o atendimento dos princípios<br />

estabelecidos na Constituição Federal, na Constituição do Estado respectivo e aos<br />

preceitos estabelecidos no artigo 29 da Carta Magna de 1988.<br />

A Lei Orgânica, como explicam Nelson Nery Costa e Geraldo<br />

Magela Alves, "é uma lei especial, assemelhada à Constituição, sendo discutida<br />

exclusivamente pelo Poder Legislativo local, sem qualquer intervenção do Poder<br />

Executivo. Adequando-se aos princípios constitucionais federais e estaduais, têm<br />

competência os Vereadores Organizantes para transferirem para a Lei Orgânica<br />

Municipal as aspirações da comunidade em termos de estruturação do Governo<br />

Municipal" (Constituição Federal Anotada e Explicada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,<br />

p. 105). Grifei.<br />

Lembre-se que o constituinte originário conferiu ao legislador<br />

municipal a prerrogativa de legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a<br />

legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, incs. I e II, da CF). Assim, é<br />

evidente que a Lei Orgânica Municipal poderá estabelecer regras próprias para evitar<br />

a prática do nepotismo, atendendo às aspirações da comunidade local.<br />

E nesse aspecto andou muito bem o Poder Legislativo de Jaraguá<br />

do Sul ao inserir em sua Lei Maior as disposições constantes nos artigos 90-C,<br />

inclusive estendendo a vedação de nomeações para cargos políticos, não se<br />

verificando, s.m.j., qualquer afronta aos preceitos das Constituições Estadual e<br />

Federal, como adiante melhor se explicará.<br />

Em que pese esteja a Prefeita Municipal questionando a<br />

constitucionalidade da "Nova Lei Orgânica do Município de Jaraguá do Sul", através<br />

da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2010.067163-5, tal fato não retira a<br />

eficácia das disposições legais nela contidas, uma vez que o Órgão Especial do<br />

Tribunal de Justiça, em decisão liminar, apenas suspendeu os efeitos do inciso XIX do<br />

art. 8 e incisos I, II e IV do art. 76, que nenhuma relação possuem com o objeto da<br />

presente ação. Acrescente-se que, em parecer de mérito à referida ação, a<br />

Procuradoria de Justiça do Estado de Santa Catarina entendeu que as disposições do<br />

art. 90-C e 90-D não se afiguram contrárias às normas constitucionais (disponível em:<br />

www.mp.sc.gov.br). E, obviamente não compete aqui analisar os vícios formais e<br />

materiais levantados na ADIn e repisados pelo Município em sua manifestação<br />

preliminar.<br />

7<br />

Endereço: Rua Guilherme Cristiano Com Wackerhagen, efeito, tendo 87, Vila a Nova Emenda - CEP 89.259-300, à Lei Orgânica Jaraguá do Sul-SC Municipal - E-mail: n. 01/2010<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 7


sido aprovada e promulgada pelo Poder Legislativo, entrando em vigor em 18 de<br />

outubro de 2010, e não suspensa a sua vigência por nenhuma medida judicial, a<br />

observância aos preceitos nela estabelecidos é imperativa.<br />

Não obstante, é fato incontroverso, diante do conteúdo da defesa<br />

preliminar apresentada, que a ré Cecília Konell, em completo e consciente<br />

desrespeito ao disposto no art. 90-C da Lei Orgânica (em plena vigência), nomeou a<br />

sua filha Fedra Luciana Konell Alcântara da Silva para o cargo de Chefe de Gabinete,<br />

através Portaria n. 1042/2010, de 03.11.2010, com efeitos a partir do dia 1º.11.2010<br />

(fl. 54), e o seu marido Ivo Konell para o cargo de Secretário Municipal da<br />

Administração, mediante a Portaria n. 250/2011, de 02.03.2011.<br />

Aliás, com relação ao demandado Ivo Konell a ilegalidade se<br />

afeiçoa maior porque na data da nomeação este estava com os direitos políticos<br />

suspensos, em decorrência de condenação por improbidade administrativa proferida<br />

nos Autos n. 036.93.00006-0, cujo trânsito em julgado ocorreu em 10.09.2002,<br />

consoante informado pelo Juízo Eleitoral da 87ª Zona Eleitoral de Jaraguá do Sul, no<br />

Ofício constante à fl. 361, uma vez que a Lei Orgânica Municipal determina<br />

expressamente que os Secretários Municipais deverão estar no pleno exercício<br />

dos direitos políticos (art. 76, inc. III).<br />

O que revela que a ré, na condição de Chefe do Poder Executivo,<br />

agiu em absoluto descaso para com os ditames da Lei Municipal que possui status de<br />

"Constituição", violando os princípios basilares da administração pública.<br />

Não pode subsistir o argumento de que agiu calcada na Súmula<br />

Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal que, segundo a sua defesa, não se<br />

aplica aos cargos de natureza política, como são os ocupados pelos réus Ivo Konell e<br />

Fedra Luciana Konell Alcântara da Silva.<br />

Ora, em face da autonomia legislativa conferida<br />

constitucionalmente aos Municípios, como já fundamentado, a súmula vinculante não<br />

pode se sobrepor à Lei Orgânica Municipal, especialmente quando não há qualquer<br />

ofensa às normas e princípios constitucionais, porquanto tanto a Constituição do<br />

Estado de Santa Catarina (art. 112, incs. I e II) e a Constituição Federal (art. 30, incs. I<br />

e II) prevêem expressamente a competência dos municípios para legislar sobre<br />

assuntos de interesse local e para suplementar a legislação a federal e a estadual no<br />

que couber.<br />

Esclareça-se que, "o efeito vinculante, uma vez adotado, dirige-se<br />

ao Judiciário e à Administração direta ou indireta das três esferas federativas. Não quer<br />

isso dizer que o Poder Legislativo está fora do efeito vinculante, pois também contém<br />

na sua parcela de atividades administrativas, mas quer isso dizer que a liberdade de<br />

convicção do legislador foi mantida, de modo que o efeito vinculante somente não<br />

vincula os atos legislativos próprios, isto8 é, os instrumentos normativos (ex: leis<br />

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ordinárias, leis complementares, emendas constitucionais, etc.). O mesmo se diga da<br />

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fls. 8


medida provisória que, muito embora seja emanada do Executivo, não é ato de<br />

administração, mas sim ato normativo e, portanto, não sujeito ao efeito vinculante da<br />

súmula" (SORMANI, Alexandre. Súmula Vinculante. Revista on line. In:<br />

www.ibrajus.org.br/revista/artigo.Asp-IdArtigo=39. Acesso em 27.2.2012). Grifei.<br />

Já o jurista Pedro Lenza defende que a vinculação da súmula<br />

"repercute somente em relação ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder<br />

Judiciário, não atingindo o Legislativo, sob pena de configurar o 'inconcebível fenômeno da<br />

fossibiliazação da Constituição', conforme anotado pelo Ministro Peluso na análise dos<br />

efeitos da ADI (Rcl 2617, Inf. 386/STF), nem mesmo em relação ao próprio STF, sob pena de<br />

se inviabilizar, com visto, a possibilidade de revisão e cancelamento de ofício pelo STF e,<br />

assim, a adequação da súmula à evolução social." (Direito Constitucional Esquematizado. 15ª<br />

ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 732).<br />

Diante dos argumentos contundentes trazidos pelo Município de<br />

Jaraguá do Sul e pelos réus, em suas manifestações preliminares, no sentido de que<br />

a Súmula Vinculante n. 13 do STF não se aplica aos cargos de natureza política,<br />

necessário tornar mais clara a natureza do efeito vinculante das súmulas,<br />

colacionando-se judiciosa doutrina de Glauco Salomão Leite:<br />

"O caráter obrigatório decorrente do efeito vinculante da interpretação<br />

jurídico-constitucional desenvolvida pelo STF, em sede de controle abstrato de normas, não é<br />

diferente, substancialmente, da exegese consubstanciada em súmula vinculante. Cabe, no<br />

entanto, esclarecer alguns pontos em relação ao efeito vinculante das súmulas. Em primeiro<br />

lugar, é preciso apontar aquilo que efetivamente vincula nas súmulas. Diferentemente do que<br />

ocorre nas ações diretas, o efeito vinculante das súmulas não se refere a uma decisão<br />

singular, já que ela exige reiteradas decisões em um mesmo sentido para poder ser<br />

editada. Assim, a súmula vinculante representa a síntese de uma jurisprudência. Dessa<br />

feita, é importante que a vinculação se faça a partir do(s) fundamento(s) desse conjunto de<br />

decisões reiteradas em um mesmo sentido que formaram a base da jurisprudência do STF<br />

em matéria constitucional. Com isso, sendo a súmula síntese dessa jurisprudência, ela deva<br />

representar a sua própria 'ratio decidendi'. Explicando melhor, a 'ratio decidendi dessa<br />

jurisprudência deve se corporificar no enunciado sumular, expressar-se por meio dela,<br />

tornando visível a regra de direito que norteou o julgamento de diversos casos semelhantes<br />

em um mesmo sentido. Isso significa que a vinculação não deve advir de verbete<br />

sumular isoladamente, pois do contrário, não haveria, de fato, vinculação de<br />

fundamentos determinantes, mas apenas a imposição do enunciado que compõe a<br />

súmula. Aqui está mais uma forte razão para que haja uma unidade quanto à<br />

fundamentação ou argumentação nas reiteradas decisões, pois, ao revés, a súmula não<br />

representará 'ratio decidendi' alguma, isto é, ela trasmitirá a falsa ideia de uma suposta<br />

jurisprudência sólida da Corte. Deve-se frisar, portanto, que o verbete está preso aos<br />

motivos determinantes da jurisprudencia constitucional que está em sua base, ou seja,<br />

conecta-se a eles. Considerar como vinculante unicamente o enunciado sumular significa<br />

abstrair indevidamente todo o seu substrato jurisprudencial.<br />

Essa observação tem importantes consequências de ordem prática.<br />

É que a aplicação da súmula vinculante não deva ser feita em total desconsideração<br />

9<br />

com a jurisprudência que a sustentou. Ao contrário, em razão de sua inexorável<br />

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fls. 9


conexão com os motivos determinantes da jurisprudência constitucional do STF, a sua<br />

adequada aplicação exigirá que o intérprete leve em conta o conjunto de precedentes<br />

que estão na sua base. Cuida-se de compreender o texto da súmula considerando o<br />

contexto do qual ela emergiu, o que contribui para a sua melhor aplicação."<br />

(Comentários à Constituição Federal de 1988. Coordenadores: Paulo Bonavides, Jorge<br />

Miranda e Walber de Moura Agra. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1383). Grifei.<br />

seguinte teor:<br />

A Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal possui o<br />

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,<br />

colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade<br />

nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo<br />

de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em<br />

comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na<br />

administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da<br />

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido<br />

o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."<br />

Nessa senda, para correta interpretação e aplicação da Súmula<br />

Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal, é indispensável verificar-se o contexto<br />

em que se deu a elaboração do verbete e quais foram os motivos determinantes das<br />

decisões precedentes que resultaram no enunciado, sob pena de dar-se uma<br />

interpretação desfocada da real intenção dos julgadores da Corte Constitucional.<br />

E, nesse passo, importantíssima decisão monocrática foi proferida<br />

pelo Min. Joaquim Barbosa, na Reclamação n. 12478, em 3 de novembro de 2011,<br />

interposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra a nomeação do<br />

irmão do Prefeito do Município de Queimados para o cargo de Secretário de<br />

Educação daquela municipabilidade:<br />

"[...]<br />

Decido.<br />

Esta Corte apreciou exceções à vedação ao nepotismo em pelo menos<br />

duas oportunidades.<br />

No RE 579.951, Pleno, DJe 24.10.2008, conforme relatado pelo min.<br />

Ricardo Lewandowski, tratava-se de recurso extraordinário de acórdão que<br />

entendera inexistir ilegalidade na nomeação de irmãos de autoridades<br />

municipais aos cargos de motorista e secretário de saúde. O acórdão recorrido<br />

fora proferido em ação voltada contra a prática de nepotismo. Os fatores<br />

determinantes para que esta Corte concluísse pela legalidade da nomeação do<br />

secretário de saúde foram, por um lado, a qualificação normalmente exigida<br />

para o cargo de secretário de saúde, especialmente em pequenas localidades<br />

do interior, e, por outro, a inexistência de indícios de troca de favores. Essas<br />

circunstâncias foram mencionadas nos votos dos mins. Cármen Lúcia, Cezar Peluso<br />

e do relator, min. Lewandowski. Importante ressaltar que, na mesma<br />

10<br />

oportunidade, a Corte também assentou que aquele julgamento não deveria ser<br />

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fls. 10


considerado um precedente específico, pois a abordagem do nepotismo<br />

deveria ser realizada caso a caso.<br />

Conforme registrado pela min. Ellen Gracie, relatora do agravo regimental<br />

contra decisão que deferiu a medida cautelar na Rcl 6.650, Pleno, DJe 21.11.2008,<br />

tratava-se ali de reclamação contra decisão de juiz de primeira instância, proferida<br />

em ação popular, que suspendera a nomeação do irmão de governador de estado ao<br />

cargo de secretário estadual de transportes em virtude de ofensa ao princípio da<br />

moralidade. Em sede de liminar, este Supremo Tribunal concluiu que a suspensão da<br />

nomeação violara a súmula vinculante 13. Mais uma vez, ficou registrado que a<br />

exceção à súmula deveria ser verificada caso a caso. Leio o voto do min.<br />

Lewandowski:<br />

Eu me permitiria fazer uma pequena observação. Por ocasião do<br />

julgamento do leading case que levou à edição da Súmula 13 estabeleceu-se<br />

que o fato de a nomeação ser para um cargo político nem sempre, pelo menos<br />

a meu ver, descaracteriza o nepotismo. É preciso examinar caso a caso para<br />

verificar se houve fraude à lei ou nepotismo cruzado, que poderia ensejar a<br />

anulação do ato.<br />

O min. Marco Aurélio, por sua vez, destacou a natureza proibitiva da<br />

súmula vinculante:<br />

Indago: o Verbete vinculante nº 13 prevê – não cabe interpretar verbete,<br />

muito menos a contrario senso e vou esquecer aqui o precedente, a ocupação de<br />

cargo público anterior – a possibilidade de nomeação de parente consangüíneo, no<br />

segundo grau, para secretaria de Estado- A resposta é negativa. Não se tem, no teor<br />

do verbete, qualquer referência a agente político. Aliás versa proibição e não<br />

autorização.<br />

Assim, em linha com o afirmado pelo reclamante, tenho que os<br />

acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal Federal no RE 579.951 e na<br />

medida cautelar na Rcl 6.650 não podem ser considerados representativos da<br />

jurisprudência desta Corte e tampouco podem ser tomados como<br />

reconhecimento definitivo da exceção à súmula vinculante 13 pretendida pelo<br />

município reclamado.<br />

Bem vistas as coisas, o fato é que a redação do verbete não prevê a<br />

exceção mencionada e esta, se vier a ser reconhecida, dependerá da avaliação<br />

colegiada da situação concreta descrita nos autos, não cabendo ao relator<br />

antecipar-se em conclusão contrária ao previsto na redação da súmula, ainda<br />

mais quando baseada em julgamento proferido em medida liminar.<br />

Registro, ainda, que a apreciação indiciária dos fatos relatados, própria<br />

do juízo cautelar, leva a conclusão desfavorável ao reclamado. É que não há, em<br />

passagem alguma das informações prestadas pelo município, qualquer justificativa<br />

de natureza profissional, curricular ou técnica para a nomeação do parente ao cargo<br />

de secretário municipal de educação. Tudo indica, portanto, que a nomeação<br />

impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por<br />

acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito<br />

que, por essa exclusiva razão, foi escolhido 11 para integrar o secretariado municipal.<br />

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fls. 11


Ante o exposto, defiro a cautelar pleiteada pelo reclamante para<br />

determinar o afastamento de Lenine Rodrigues Lima do cargo de secretário estadual<br />

de educação do município de Queimados, até o julgamento final da presente<br />

reclamação."<br />

Logo, o relator Min. Joaquim Barbosa deixou "cristalinamente claro"<br />

(o pleonasmo é aqui necessário), calçando-se, inclusive, no entendimento de outros<br />

Ministros, que a redação da Súmula Vinculante n. 13 não prevê expressamente a<br />

exceção de que os parentes consanguíneos do titular da Chefia do Poder Executivo<br />

podem ser nomeados para cargos de natureza política, e que esta circunstância não<br />

viola a Constituição Federal. Ressaltou que a Corte Constitucional entendeu<br />

claramente que a questão da nomeação de parentes para cargos dessa natureza<br />

deve ser analisada em cada caso concreto, e que as decisões proferidas no RE n.<br />

579.951 e na medida cautelar na Rcl. n. 6.650 não podem ser considerados<br />

representativos da jurisprudência sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal.<br />

Em outras palavras, o reconhecimento da não-incidência da<br />

Súmula n. 13 para cargos de natureza política, em precedentes do STF e, a falta de<br />

menção expressa em seu verbete a cargos políticos, não quer dizer que a nomeação<br />

de parentes para cargos próprios de agentes políticos está indiscriminadamente<br />

autorizada, sob a falsa ideia de não haver ofensa aos ditames constitucionais, como<br />

querem fazer crer muitos intérpretes.<br />

Nesse aspecto, extremamente esclarecedor e judicioso o parecer<br />

da lavra do ilustre Procurador de Justiça Jacson Corrêa na Apelação Cível n.<br />

2011.084729-0, de Seara, j. em 13.12.2011, parcialmente transcrito no acórdão, que,<br />

pela pontualidade, merece aqui também transcrição:<br />

"[...]<br />

O que se vê, entretanto, é que a superficial conjugação da decisão<br />

lançada pro ocasião do RE 579.951 (um dos precedentes da prefalada súmula e<br />

leading case para a hipótese de agentes políticos), com julgados da mesma<br />

Suprema Corte, frisa-se, novamente, sem análise exauriente de mérito (vide Medida<br />

Cautelar na Reclamação n. 7590, j. Em 11/02/09 e Medida Cautelar em Reclamação<br />

n. 7834, j.Em 30/04/09), criou um tabu rapidamente assimilado pela jurisprudência.<br />

Para desconstituir essa crença, necessário esmiuçar todo o processo<br />

antecedente à edição da Súmula Vinculante n. 13, para então determinar o alcance<br />

de sua aplicação nos casos concretos.<br />

Assim, antes do exame feito à hipótese em concreto, necessário definir<br />

as duas situações que, por força da interpretação dada pela Corte<br />

Constitucional, não se enquadram dentre as variações anotadas pela Súmula<br />

Vinculante. São elas: 1) o não enquadramento do caso com a abstração<br />

anunciada ou 2) a distinção (chamada na Common Law de distinguisching) do<br />

caso com os precedentes originários da súmula.<br />

modo:<br />

BERNARDO DO AMARAL 12 PEDRETE elucida a questão do seguinte<br />

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fls. 12


'A súmula pode ter a sua aplicabilidade afastada de um caso porque<br />

este, de modo geral, nem é tratado no enunciado; ou seja, o caso não é<br />

representativo do grupo de casos regulados na súmula.<br />

(...)<br />

Distinguishing, a rigor, é a inaplicabilidade de em sentido estrito -<br />

que podemos designar por não-incidência, para diferenciar as hipóteses. A<br />

súmula pode ser aplicável a determinado grupo de casos, mas ter sua<br />

incidência afastada em determinado caso concreto, porque peculiar; embora a<br />

súmula seja aplicável prima facie, demonstra-se ao fim que sua aplicação não é<br />

devida, pois aquele caso específico mereceria tratamento distinto.' (PEDRETE,<br />

Bernardo do Amaral in Brasil. Supremo Tribunal Federal. Trabalhos vencedores do I<br />

Concurso Nacional de Monografias do Supremo Tribunal Federal. Brasília. STF,<br />

2008,p. 111).<br />

Neste ponto, importa lembrar que o Supremo Tribunal firmou<br />

jurisprudência no que tange à eficácia transcendente dos motivos determinantes em<br />

relação aos limites objetivos da súmula. Segundo PEDRETE, 'isto significa, conforme<br />

a doutrina de Gilmar Mendes - se entendemos bem -, que tais limites serão dados<br />

prima facie pelo enunciado dotado de efeito vinculante. Entretanto, surgindo eventual<br />

dúvida interpretativa - o que pode ocorrer não raras vezes, admite-se -, os limites<br />

objetivos serão ampliados para abranger as referências da súmula vinculante, os<br />

precedente (sic) originários. E a não-incidência da súmula vinculante devido a<br />

distinção (distinguishing) enquadra-se nesta hipótese. (op. cit., p. 127).<br />

Com efeito, a Súmula Vinculante n. 13 foi editada nos seguintes termos:<br />

'A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral<br />

ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de<br />

servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou<br />

assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda,<br />

de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos<br />

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido<br />

o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.'<br />

Do enunciado, extrai-se que a nomeação é vedada para 'cargo em<br />

comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada'. Ora, daí a dúvida<br />

que leva à necessária análise do precedente: consoante doutrina de JOSÉ<br />

AFONSO DA SILVA, cargo de Ministro de Estado afigura-se como cargo de<br />

provimento em comissão (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 27 ed., São<br />

Paulo: Malheiros, 2006, p. 658).<br />

Veja-se, não restou consignado se os "cargos em comissão"<br />

compreendem somente aqueles anotados pelo art. 37 da CFR-88, ou se<br />

abrange também aqueles de natureza especial (Ministros de Estado,<br />

Secretários Municipais), decorrentes, de modo geral, do Título IV da Carga<br />

Magna.<br />

Para elucidar, então, o alcance do enunciado sumular, imprescindível<br />

trazer à baila o histórico do inconformismo recursal que deu o cenário para a sessão<br />

de julgamento do RE 579.951, precedente-chave do antinepotismo.<br />

13<br />

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O referido recurso tratou de dois casos distintos: de um lado, a<br />

fls. 13


nomeação do irmão de um vereador para o cargo de Secretário Municipal de<br />

Saúde, e, de outro, a nomeação do irmão do Vice-Prefeito para o cargo de<br />

motorista. Após discussão em plenário, a Corte assentou que a prática de<br />

nepotismo, na hipótese do cargo administrativo, é incompatível com os<br />

princípios que regem a administração pública, mormente os princípios da<br />

impessoalidade e da moralidade; porém, ressalvou a situação relativa ao<br />

agente público (Secretário Municipal de Saúde). Nada obstante tenha havido,<br />

em tais pontos, posição unânime da Corte, a concordância ficou limitada ao<br />

caso concreto, dês que apenas quatro dos onze Ministros posicionaram-se<br />

claramente pela inaplicabilidade dos preceitos constitucionais aos agente (sic)<br />

políticos. São eles: Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio, Menezes Direito e Gilmar<br />

Mendes.<br />

De outra parte, os Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, bem<br />

como a Ministra Carmem Lúcia, inclinaram-se pelo estudo caso a caso, sem<br />

predeterminar uma interpretação puramente permissiva e, por fim, os Ministros Celso<br />

de Mello e Eros Grau não se manifestaram de forma incisiva a respeito.<br />

O que se percebe, portanto, é que a Suprema Corte preferiu não<br />

consolidar precedente a respeito, sendo possível colher diversos julgados para<br />

ambos os lados sobre essa matéria. A uma, porque reconhecido que a súmula<br />

vinculante não se aplica a qualquer modo aos agentes políticos, e, a duas,<br />

porque tratando-se de questão peculiar é de se manter a interpretação aberta,<br />

definindo apenas critérios de análise.<br />

políticos.<br />

que:<br />

[...]<br />

Daí por que, de fato, a Súmula Vinculante n. 13 não se aplica aos cargos<br />

De forma concisa, CAVALCANTE FILHO e FERREIRA LAGO concluem<br />

'afigura-se correto o distinguisching operado pelo Supremo Tribunal<br />

Federal quanto à incidência da súmula antinepotismo, a Súmula Vinculante nº 13.<br />

Embora carente de maior fundamentação, o acórdão em que se fixou tal orientação,<br />

é certo que vários motivos indicam que, ao se nomear um parente para o cargo<br />

político (de natureza especial), nãos e está no fattispecie previsto pela decisão<br />

vinculante (CAVALCANTE FILHO, João Trindade; LAGO, Rodrigo Pires Ferreira. A<br />

vedação ao Nepotismo e as Nomeações de Agentes Políticos - Uma Análise sobre a<br />

Jurisprudência do STF e a Súmula Vinculante STF nº 13. Revista IOB de Direito<br />

Administrativo. São Paulo: v. 5, n. 58, p. 93-116, out.2010, p. 113).<br />

Contudo, a não-incidência da súmula não é premissa para a<br />

autorização expressa e incontestável de nepotismo nos órgãos de governo,<br />

como, com a devida vênia, vem assentando o Tribunal de Justiça de Santa<br />

Catarina.<br />

Como dito alhures, o exame destas situações deve ser feito em cada<br />

caso concreto, sem perder de vista os princípios republicanos que regem a<br />

forma de governo e sobrepairam toda a vida política, administrativa, social e<br />

econômica do país, tal como adotado pelo constituinte originário e ratificado<br />

por meio de plebiscito em 1993.<br />

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14<br />

fls. 14


Neste ponto, novamente oportunas as ponderações de CAVALCANTE<br />

FILHO e FERREIRA LAGO:<br />

'Analisando o período constitucional português da I República, Paulo<br />

Ferreira Cunha sustenta não bastar "a forma republicana exterior", ao passo que<br />

"não pode ser considerada República, por ausência de prática de valores<br />

republicanos" (Cunha, 2006, p. 18-19). É preciso valorizar o sentimento republicano.<br />

E foi isso que fez o Supremo Tribunal Federal, ao proibir o nepotismo no âmbito de<br />

todos os poderes (op. cit., p. 96).<br />

Vale dizer que a opção pelo sistema republicano traduz o<br />

descontentamento da população (real detentor do poder) com as práticas<br />

patrimonialistas próprias dos percalços da história brasileira, como colônia de<br />

exploração que foi.<br />

Outrossim, o hábito do apadrinhamento político configura ofensa direta<br />

ao exercício da democracia, uma vez que tende a perpetuar determinada família no<br />

poder, impedindo a oxigenação de ideias e a afirmação do regime democrático.<br />

Não bastasse isso, consoante adverte EMERSON GARCIA (in<br />

Improbidade Administrativa, 4 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 402), o<br />

nepotismo no âmbito puramente político não foi ignorado pelo constituinte, que fez<br />

constar, já no art. 14, § 7º, que "são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o<br />

cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção,<br />

do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito<br />

Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores<br />

ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição".<br />

Por fim, ressalto que na audiência em que foi aprovada a Súmula<br />

Vinculante n. 13, o enunciado originalmente proposto pelo Min. Lewandowski<br />

trazia como causa de vedação do nepotismo a ofensa direta aos "princípios<br />

contidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal", porém, tal especificação<br />

foi suprimida e relegada à referência legislativa a partir da manifestação da<br />

Min. Cármen Lúcia de que o nepotismo ofende, bem verdade, o princípio<br />

republicano, nele incluso os princípios da impessoalidade e da moralidade.<br />

Pois bem. Visto assim, cabe definir critérios de compatibilidade da<br />

nomeação com os princípios constitucionais, a fim de que haja coerência nos casos<br />

que vierem a tona. Neste sentido, acolho aqui os dois critérios sugeridos pela<br />

eminente Promotora de Justiça ANALÚ LIBRELATO LONGO, do Ministério Público<br />

de Santa Catarina, ao defender tese quando do XVIII Congresso Nacional do<br />

Ministério Público:<br />

'O primeiro requisito que se propõe é que o nomeado já tenha ocupado<br />

outro cargo público, ou seja, que não adentre no serviço público pelas mãos do<br />

parente nomeante.<br />

Tal exigência contribui para que a experiência seja um dos vetores da<br />

nomeação. Talvez, com isso, amenizem-se as práticas politiqueiras tendentes a usar<br />

a nomeação simplesmente para vitrine na formação de um sucessor, que até então<br />

ostente pouca popularidade.<br />

(...) 15<br />

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fls. 15


A formação técnica e/ou know how na área em que irá atuar é outro<br />

requisito que vai ao encontro da boa gestão. Inibe-se desta forma, que por motivos<br />

pessoais (e certamente não técnicos) nomeiem-se pessoas que nada conhecem da<br />

pasta a ser ocupada. De outra banda, fortalecem-se as nomeações de egressos do<br />

ramo, com experiência acumulada no setor público ou privado.'<br />

Outro importante fator a ser ponderado diz respeito à população atingida<br />

pela nomeação, isto é, conforme destacou a Ministra Cármen Lúcia ao longo do<br />

julgamento do RE 579.951, em municípios de pequena monta há maior probabilidade<br />

de haver algum vínculo familiar entre o nomeante e o nomeado, mesmo tendo-se em<br />

conta os predicativos alhures mencionados." (Grifei).<br />

Então, diante de tudo o que foi dito, abstraindo-se hipoteticamente<br />

a existência da vedação constante no art. 90-C da Lei Orgânica Municipal no que<br />

tange aos cargos de natureza política (o que aqui se considera apenas para efeito de<br />

argumentação), utilizando os critérios de compatibilidade da nomeação de parentes<br />

com os princípios constitucionais, conforme sugerido no parecer ministerial retro<br />

citado, conclui-se que, igualmente, não poderiam os réus Ivo Konel e Fedra Luciana<br />

Konell Alcântara da Silva terem sido nomeados para os cargos que atualmente<br />

ocupam.<br />

Primeiramente, porque estamos tratando de um Município com<br />

cerca de 140.000 (cento e quarenta mil) habitantes. Logo, não se trata de um<br />

município com baixo índice populacional, o que, em tese, poderia justificar a<br />

inexistência de outras pessoas qualificadas para os cargos em questão. Nesta<br />

densidade populacional, o bom senso faz crer que, por certo, disporia a atual Chefe<br />

do Poder Executivo, e ora ré, de outras opções, em vez de nomear seu próprio marido<br />

e sua filha para cargos de confiança. E mais, diante das "alianças políticas" que se<br />

formam durante o processo eleitoral, também muito provavelmente disporia a Prefeita<br />

de outros nomes com qualificação técnica e experiência político-administrativa.<br />

Em segundo lugar, agora especificamente em relação ao réu Ivo<br />

Konell, não obstante se sustente que o mesmo possui larga experiência política, por<br />

já haver ocupado o cargo de Prefeito Municipal e cumprido mandato de deputado<br />

estadual, os seus antecedentes revelam que não tem se mostrado pessoa proba no<br />

trato com a coisa pública, uma vez que registra contra si 3 (três) condenações por<br />

ato de improbidade administrativa.<br />

A primeira nos autos da Ação Civil Pública n. 036.93.000006-0,<br />

com trânsito em julgado em 10.09.2002, onde restou condenado, entre outras<br />

sanções, à suspensão dos seus direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos.<br />

Ressalte-se que, embora o réu tenha ingressado com medida cautelar inominada em<br />

10.06.2008, perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Autos n.<br />

2008.031795-4), objetivando a exclusão das penalidades de suspensão dos direitos<br />

políticos e proibição de contratar com o Poder Público, obtendo liminar favorável em<br />

24.06.2008, a ação cautelar foi julgada extinta, 16 tendo a decisão transitado em julgado<br />

Endereço: Rua Guilherme Cristiano Wackerhagen, 87, Vila Nova - CEP 89.259-300, Jaraguá do Sul-SC - E-mail:<br />

em 17.01.2011, reestabelecendo-se, assim, os efeitos da condenação originária.<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 16


A segunda nos autos da Ação Civil Pública n. 036.93.000110-4,<br />

que transitou em julgado em 15.06.2009, onde restou condenado ao pagamento de<br />

multa civil, em virtude de ter contratado empregados públicos, sem concurso, no<br />

período pré-eleitoral.<br />

A terceira nos autos da Ação Civil Pública n. 036.03.000128-7,<br />

confirmada parcialmente pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Apelação Cível<br />

n. 036.93.000128-7), mantendo-se, entre outras cominações, a suspensão dos<br />

direitos políticos pelo prazo de 3 (três) anos, estando o feito atualmente em grau de<br />

recurso perante o Supremo Tribunal Federal.<br />

Diante dessas circunstâncias, evidentemente, não se pode dizer<br />

que o réu Ivo Konell possui "inconteste qualificação profissional" para ocupar o cargo<br />

de Secretário de Administração! Ao revés, o que se percebe é que sua conduta,<br />

quando investido em cargo de natureza política, não tem sido coerente com a boa<br />

prática administrativa e desrespeitosa aos princípios constitucionais da administração<br />

pública.<br />

Em relação a ré Fedra Luciana Konell Alcântara da Silva, além de<br />

restarem dúvidas se, de fato, o cargo por ela ocupado lhe confere o status de agente<br />

política, verifica-se que a sua cessão ao Município de Jaraguá do Sul pelo Estado de<br />

Santa Catarina (vez que era ocupante do cargo de Delegada de Polícia), pelo que se<br />

depreende, foi absolutamente circunstancial visando a atender interesses particulares,<br />

em afronta aos preceitos constitucionais da impessoalidade e da moralidade<br />

administrativa. Esta afirmação se dá com base no fato de a primeira cessão haver<br />

ocorrido justamente a partir do dia da posse de sua mãe Cecília Konell como Prefeita<br />

Municipal, em 1º.01.2009 (através do Ato n. 59, de 13.01.2009 – fl. 471), e a segunda<br />

cessão ter se dado em continuidade à primeira, com data até 31.12.2012 (Ato n. 278,<br />

de 1º.02.2011 – fl. 472), não por coincidência, data do término do mandato de sua<br />

genitora.<br />

E se ainda não fosse suficiente, constata-se que a atual Chefe do<br />

Poder Executivo Municipal também não é detentora dos melhores predicados no que<br />

tange ao conceito de gestora pública, pois igualmente registra condenações<br />

anteriores por improbidade administrativa, em decorrência de ofensa aos elementares<br />

e constitucionais princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade.<br />

Na Ação Civil Pública n. 036.10.002039-4, a ora ré Cecília Konell<br />

foi condenada neste Juízo pela prática de ato de nepotismo, por ter nomeado sua<br />

irmã uterina para a função gratificada de supervisora de patrimônio arquitetônico, sem<br />

que esta possuísse qualquer qualificação técnica para o exercício da função, com o<br />

intuito único de privilegia-la com uma melhor remuneração. A sentença impôs a<br />

sanções de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por 3 (três)<br />

anos e pagamento de multa civil. Em 17 segunda instância, o Tribunal de Justiça<br />

confirmou Endereço: Rua Guilherme parcialmente Cristiano aWackerhagen, decisão 87, deVila primeiro Nova - CEP grau, 89.259-300, excluindo Jaraguá do tão-somente Sul-SC - E-mail: a perda da<br />

jagfaz@tjsc.jus.br<br />

fls. 17


função pública (Apelação Cível n. 2011.034547-2), estando os autos aguardando o<br />

julgamento de embargos de declaração.<br />

Já na Ação Civil Pública n. 036.10.007596-2 foi condenada,<br />

também neste Juízo, por ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, incs. I<br />

e XI, da Lei n. 8.429/1992, por ter concedido vantagem indevida a determinados<br />

servidores, encontrando-se os autos em grau de recurso (Apelação Cível n.<br />

2011.079339-8).<br />

A exposição de todas essas circunstâncias mostra-se necessária<br />

para alicerçar a assertiva, em sede de cognição sumária, de que a nomeação dos<br />

réus Ivo Konell e Fedra Luciana Konell Alcântara da Silva para ocupação de cargos<br />

de confiança, efetuada pela ré Cecília Konell, foi em visível caráter de favorecimento<br />

aos entes familiares (beirando-se ao ponto de o senso comum imaginar que a<br />

administração pública pode ser transformada em "negócio de família"), evidenciando<br />

ato de nepotismo, pois nenhum interesse público resta identificado até este momento.<br />

Como ensina Emerson Garcia, "Nepotismo, em essência, significa<br />

favorecimento. Somente os agentes que ostentem grande equilíbrio e retidão de caráter<br />

conseguem manter incólume a dicotomia entre o público e o privado, impedindo que<br />

sentimentos de ordem pessoal contaminem e desvirtuem a atividade pública que se<br />

propuseram a desempenhar.<br />

[...]<br />

Identificada a ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos<br />

olhos da população, devem ser objeto de apuração as causas da nomeação, as aptidões do<br />

nomeado, a razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público. A<br />

partir da aferição desses elementos, será possível identificar a prática de atos de<br />

improbidade." (Improbidade Administrativa. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 443 e<br />

448).<br />

Por derradeiro, registro que não se vislumbra ofensa ao princípio<br />

da simetria porque, como exaustivamente fundamentado, as disposições do art. 90-C<br />

da Lei Orgânica Municipal não vão "de encontro à Constituição Federal, na sua<br />

interpretação dado pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema", como sustentado<br />

pelos réus.<br />

Não se antevê, a priopri, nenhuma afronta no texto da Lei Maior<br />

Municipal aos princípios e regras constitucionais. Ao revés, há uma evidente simetria,<br />

pois o legislador municipal seguiu as diretrizes estabelecidas pela Constituição<br />

Federal ao coibir veementemente a prática repugnante do nepotismo, objetivando a<br />

preservação do princípio da moralidade administrativa, pois "a preocupação com o<br />

favorecimento há muito está sedimentada no direito positivo pátrio, o que é exemplo a<br />

causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, que alcança o cônjuge e os parentes,<br />

consagüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Chefe do Executivo ou<br />

de quem o tenha substituído nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de<br />

18<br />

mandato eletivo e candidato à reeleição" (GARCIA, Emerson, ob. cit., p. 444). Grifei.<br />

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fls. 18


Lembre-se que não basta a leitura pura, simples e isolada do texto<br />

constitucional, ou no caso específico, do art. 37 da Constituição Federal, invocado<br />

pelos réus para sustentar a ofensa ao princípio da simetria. A interpretação há de ser<br />

sistemática, sem jamais perder de vista os princípios republicanos.<br />

Em conclusão, constata-se plenamente evidenciada a prova<br />

inequívoca da verossimilhança das alegações do autor, fazendo-se igualmente<br />

presente o risco de dano irreparável e ou de difícil reparação, o que viabiliza a<br />

concessão da tutela antecipada na forma requerida.<br />

Esclareça-se que o perigo da demora consubstancia-se no fato de<br />

os réus Ivo Konell e Fedra Luciana Konell Alcântara da Silva continuarem a aferir<br />

considerável remuneração decorrente de nomeação que se afigura flagrantemente<br />

indevida, ao arrepio da vedação expressa da Lei Orgânica Municipal e atentatória aos<br />

princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa, onerando os<br />

cofres públicos com base em ato que se manifesta em favorecimento a interesses<br />

familiares, o que não coaduna com o senso comum e muito menos com os princípios<br />

constitucionais e republicanos.<br />

Além disso, verifica-se que ré Cecília Konell está no último ano do<br />

seu mandato eletivo e, se não determinada a exoneração imediata dos referidos réus,<br />

estes muito provavelmente permanecerão indevidamente nos respectivos cargos até<br />

o término do mandato, não podendo, obviamente o Poder Judiciário referendar uma<br />

situação de flagrante prática de nepotismo, sob pena de se colocar em descrédito o<br />

próprio processo democrático.<br />

Por outro vértice, até por consequência lógica da concessão da<br />

tutela antecipada, não há se falar em extinção da ação com fundamento no art. 17, §<br />

8º, da Lei 8.429/1992, porque os elementos probatórios trazidos com a inicial<br />

evidenciam a prática, em tese, de ato de improbidade administrativa, devendo o feito<br />

ser conhecido, processado e julgado em seu mérito, e porque também devidamente<br />

adequada a via processual eleita.<br />

III – Diante do exposto:<br />

a) DEFIRO o pedido de antecipação da tutela, porque presentes os<br />

requisitos legais previstos no art. 273 do Código de Processo Civil, para<br />

DETERMINAR a imediata destituição do réu IVO KONELL do cargo de Secretário<br />

Municipal de Administração e da ré FEDRA LUCIANA KONELL ALCÂNTARA DA<br />

SILVA do cargo de Chefe de Gabinete. Em consequência, DETERMINO à ré<br />

CECÍLIA KONELL que promova a devida exoneração, no prazo de 48 (quarenta e<br />

oito) horas, ciente de que não poderá nomear os referidos réus para qualquer<br />

outro cargo vedado pelo art. 90-C da Lei Orgânica Municipal, sob pena de<br />

pagamento de multa diária de R$ 5.000,00 19 (cinco mil reais), sem prejuízo de<br />

outras Endereço: Rua sanções. Guilherme Cristiano Wackerhagen, 87, Vila Nova - CEP 89.259-300, Jaraguá do Sul-SC - E-mail:<br />

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fls. 19


) Com fundamento no art. 17, § 9º, da Lei 8.429/1992, RECEBO a<br />

petição inicial, pois adequada a via processual eleita e visualizada, em tese, a<br />

prática de ato de improbidade administrativa atentatório aos princípios da<br />

administração pública.<br />

prazo legal.<br />

CITEM-SE os réus para, querendo, apresentarem contestação, no<br />

Intimem-se. Cumpra-se imediatamente.<br />

Jaraguá do Sul (SC), 5 de março de 2012.<br />

<strong>Candida</strong> Inês Zoellner Brugnoli<br />

Juíza de Direito<br />

20<br />

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fls. 20

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