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CABOCLO - aBrace

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<strong>CABOCLO</strong><br />

(Homem & Natureza)<br />

P O E M A S<br />

Flávio de Brito<br />

1


Sobre a digitalização desta obra:<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

Esta obra foi digitalizada para proporcionar de maneira totalmente gratuita o beneficio<br />

de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios<br />

eletrônicos para leitura. Dessa forma, a venda deste e-book ou mesmo a sua troca por<br />

qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância.<br />

Distribua este livro livremente!<br />

Obras disponíveis do autor:<br />

• Cinco segundos de Poesia<br />

• Diário de Bordo em Terras Paroaras (Crônicas )<br />

• Auto do Boi Estrela (Teatro Popular)<br />

• Auto de Natal “Caboclinho” (Teatro Popular)<br />

• Auto do Fidalgo Português (Teatro Popular)<br />

• Paixão e Morte na Mata Encantada (Teatro Popular do Pássaro Japiin)<br />

• A viagem do Curupira Extraterrestre (Teatro infantil)<br />

• Poemas do Meio Dia<br />

• Poemas da Meia Noite<br />

• Poemas para Curumins<br />

• Poemas de Coveiros<br />

Pedidos: adrianoflavius@hotmail.com<br />

2


Catalogação na Publicação (CIP)<br />

B849c BRITO, Flávio Adriano<br />

“Caboclo” : Homem & Natureza. Poemas – Castanhal<br />

Ed.............., 2005<br />

108 p.<br />

1. Poesia Brasileira. I. Título<br />

CDD: 869.91<br />

CDU: 869.0(91) – 1<br />

Índice de Catálogo Sistemático:<br />

POESIA BRASILEIRA<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

3


O povo Amazônico ...<br />

Riqueza de minha personalidade cultural.<br />

Os costumes Paraenses...<br />

“Tesouros de minha infância.”<br />

A vida Castanhalense...<br />

Honraria por ter nascido em teu leito.<br />

Flavio de Brito<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

4


SUMÁRIO<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

1. Trova de Chuva<br />

2. O tambatajá e a fruta madura<br />

3. Encontro do Boi Estrela com a Mata Encantada<br />

4. Vigília de Santo Antônio<br />

5. Boi Estrela no Auto da Fé<br />

6. Matinta<br />

7. Raimundo Pescador<br />

8. Quando o Encantado Chama a “Caboca” Pro Rio. Pecunias Pecadoras<br />

9. “Cidade” do Ver- O – Peso, Espaço Prezado da Amazônia<br />

10. Jornadas Marajoaras, Costumes de Nossa Terra<br />

11. Diário, Morcegos no Jambeiro Cortado<br />

12. Encontro Na Mata, Silêncio no Açaizal<br />

13. Filhos e Netos. Pescadores No Curral<br />

14. Paraíso das Joaninhas Marajoaras<br />

15. Ilha de Mayandeua, Estórias Caboclas<br />

16. Pará – Marajó, Festa dos Meninos nos Roçados<br />

17. Praia do Pesqueiro, Menina do Lado de Lá<br />

18. “Pritinho”... Diminutivos da Planta Gigante<br />

19. Quando o Arco e a Flecha Fazem Amor. Margem do Rio “Sumano”<br />

20. Um Desejo... Macaxeiras, Porroncas e Amores, Desabando no Peito<br />

21. Tralhotos, Meninos Inquietos<br />

22. Versos e Encantos, Casas Inesquecíveis<br />

23. Marajoara Chegou! Espaço e Natureza nas Terras Daqui<br />

24. Um Segredo, Uma História... Um País na Memória<br />

25. Lá no Mutucal... Meninos, Peixes, Brincadeiras<br />

26. Legítimos Homens Esperando Passar o Arcaico Tempo... Notícias Morenas<br />

27. Ginga no Rio, Pilotos Fazem Estripulias e Rezam na Maré<br />

28. Vinho de Águas Tropicais<br />

29. Uma História... Uma Estória<br />

30. Manifesto da Onça... Presidente, Curupira<br />

31. Um Vôo Diferente... “Assuviu” Perto da Montaria<br />

32. Cametá, Prosas “Pra” Contar<br />

33. Um Banho “Cheiroso”... Mais Uma História Para Contar<br />

34. Homicídio, Hora Errada Para Pescar<br />

35. Um Avoado, Pacientemente o “Caboco” Medita<br />

36. Publicamente Extraordinário (Mangue Parindo)<br />

37. Raridades, Gênero Livre nas Pracinhas do Interior<br />

38. Uma Palmeira na Beira do Rio (Encontro Marcado)<br />

39. Uma Estória pra Lua, “Dutô”... Mormaço Aqui Não Existe<br />

40. Roladeiras<br />

41. Aconteceu. Só Sei que Aconteceu<br />

42. Levantando o Boizinho<br />

43. Rosinha<br />

44. Cantiga das Sete Luas<br />

45. Uirapurú de Férias. Palmeiras Mostram a Sua Beleza<br />

46. Piracuí, Vovó “Num Dexa Cumer” (Hora do Almoço Festivo)<br />

47. Mil Histórias Para Contar (Jaqueiras Cheinhas)<br />

48. À Frente Das Ribanceiras<br />

49. Da Jaqueira Caí. Telhado Quebrado do Seu Manuel (Minhas Férias)<br />

50. Boi Vermelhinho,Correrias e Pulos No Arraial da Fé<br />

5


<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

51. Pororoca, Um Índio Falou Assim<br />

52. Então “Cumpadi Falou” – Isso é Cheiro de Moça<br />

53. Salada de Fruta Amorosa<br />

54. Ilha do Marajó, Peixes e Outras Milhares de Coisas<br />

55. Bragança é Estrela (Alguém de Bicicleta Passeando Perto da Maré)<br />

56. Ilha do Papagaio... Um Casquinho chamado “Dona Teresa”<br />

57. Primavera, Um Banho no Rio da Bomba<br />

58. Eu Vi os Arlequins Dançando! Sorrisos e Festa em São Caetano de Odivelas<br />

59. Tibum! Timbuns! Tibunzinhos! Timbuzões<br />

60. Curió (O Menino das Matas)<br />

61. Um Estradão de Cordas (Segue à Diante a Fé)<br />

62. Foi no Ver- O - Peso<br />

63. Uma Montaria Feita de Buriti (Em Cima, Anjos)<br />

64. Barulho... Ervas e Transeuntes (Lá é Assim)<br />

65. Foi Lá “Pras Banda” de Santarém<br />

66. Ainda Lembro... Acordei Bem Cedinho<br />

67. Lamento Indígena (Troncos e Rios Aleijados)<br />

68. Sombras Na Varanda, Textura no Vento Amazônico<br />

69. Salada de Fruta N° 2<br />

70. Museus Abertos (Rios de Lua do Maestro Waldemar)<br />

71. Igarapés (Trabalhos Diurnos)<br />

72. Romana (Lá é Tudo Diferente)<br />

73. Saltos, Gritaria, Vazante e Festaria (Transporte, Boi Vermelhinho)<br />

74. Disco do Diabo, Uma História Achatada e Traiçoeira!<br />

75. Doce de Cupuaçú<br />

76. Arquitetura Escamal<br />

77. Caçada Errada (Difícil creditar)<br />

78. Trapiches Humanos... Fileiras de Montarias<br />

79. Cantiga de Ninar (Curumim Dormindo)<br />

80. Gente do Marajó<br />

81. Uma História Narcótica<br />

82. Patocídio Outubral, Milhares na Hora da Ceia<br />

83. Lamento do Cárcere<br />

84. Tacacá das 17:00h<br />

85. Águas do Marajó<br />

86. Inspiração dos Remos<br />

87. Narrativa Religiosa<br />

88. Um Rodrigues, Um Emílio... (Belém é Mais Verde)<br />

89. Carimbó<br />

90. Coivara<br />

91. Boto, Lua... Enfim a Festa Começou<br />

92. Colibris<br />

93. Caniços<br />

94. E o sol confessou<br />

95. Atlântico Paraense<br />

96. A construção de poeiras e as bolas de meia<br />

97. Marcha dos Tambores<br />

98. Belém, Belém, Belém<br />

99. Serenata do arvoredo<br />

6


TROVA DE CHUVA<br />

Montaria no rio<br />

Encantado nas margens sorrindo,<br />

Samaumeiras rabiscam o céu,<br />

Versos, seduzidos da Amazônia.<br />

Tocantins enchendo sem pressa<br />

Fartura e desgraça por estas nascentes águas,<br />

Um vai e vem de diferentes marés,<br />

Um vai e vem de peixes e borboletas<br />

Plantas cobrindo o rio.<br />

Diferentes configurações de línguas por aqui,<br />

Outros contornos de motivos aparentes,<br />

No glossário: Pixé, arubé, catimbó,<br />

Tango- do- Pará canta harmonioso,<br />

Chuva chegando, verão saindo, gostoso.<br />

Nuvens também cobrindo o rio<br />

Homem e acaso acalentam a mata<br />

Rio Tocantins, trás brando e remanso<br />

Caboclo chegando, “ pra ” pescar.<br />

Montaria no rio,<br />

Um vento embeleza a romaria,<br />

Rio Tocantins, trás manso o remanso<br />

Nas velas que rasgam o Grão-Pará.<br />

E a chuva vem alagando o horizonte.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

7


O TAMBATAJÁ E A FRUTA MADURA<br />

É estrela do bailado navegante<br />

Esbraseia o clarão do meu amor<br />

E vieram as cheias<br />

Na cadência da sereia<br />

Na lua cheia,pororoca “te” encantar.<br />

É completa cor,<br />

Vida suave, fruta madura<br />

Tens o tambor, carimbó no arraial...<br />

Tu me galanteias na folia do rio mar,<br />

Na lua cheia, teu caboclo vai pescar.<br />

Tamba - tajá, trás de volta cunhã – poranga<br />

Trás o teu sorriso e também teus maracás<br />

Meu tamba - tajá, tira quebranto dessa alvorada,<br />

Que o meu amor não demora aqui chegar.<br />

Alumia o curral improvisado de seda<br />

Nua água acalenta a solidão<br />

Na ventania, embarca a nostalgia<br />

Na lua cheia, canto pra ti esta canção.<br />

Saudade, sacode o remo do rio mar<br />

Na maresia, peixe boto vem caçoar<br />

Meu tamba – tajá, minha biografia é correnteza<br />

Na lua cheia, o meu lamento eu vou lhe dar.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

8


O ENCONTRO DO BOI ESTRELA<br />

COM A MATA ENCANTANDA<br />

AUTO I<br />

Quando o estrondo das águas<br />

Garantem as raízes do buriti<br />

Viaja o mundo,<br />

Corre a noite,<br />

Percorre o tempo,<br />

Balanço o remanso lembrando de ti.<br />

Quando a saudade é criança<br />

Procuro-te nas trilhas das matas,<br />

Céu vermelho, canto doce,<br />

Canta jubiloso o uirapuru<br />

Estrela, meu irmão da boca da noite,<br />

Admiração, nestas regiões sem divisórias.<br />

Estrela, requinte do meu Norte,<br />

Maravilha, chuva regando esse mundo.<br />

Quando o encanto adormece nas redes do madorna<br />

Abonam a paz nesse delicadíssimo campo,<br />

Viaja o vento,<br />

Viajam as águas,<br />

Sacode bem forte seu tripa este manto.<br />

Quando a sereia flutua por entre os adágios caboclos<br />

Manifesta o sorriso para a lua e bóia por entre as árvores<br />

Tange o isolamento e as ansiedades,<br />

E nas noites de verão,<br />

Chama o seu boto pra brincar.<br />

E no arraial de Santos<br />

Vem o bumbá inventando estórias<br />

E nas matas encantadas, curupiras e sereias foliam ao luar.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

9


VIGÍLIA DE SANTO ANTONIO<br />

AUTO II<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

O cordão da lua,<br />

Chegou para advertir a hora da festa do Divino...<br />

Ensejos prazerosos nestes barrancos e domínios...<br />

Açoitem os tamancos sumanos<br />

Golpeiem as cabeças meninos,<br />

Batam os sinos nesta oportunidade festeira...<br />

Que o boi arrojado já vai te pegar.<br />

Festanças coloridas com atrevimentos das plebéias e marimbondos-caboclos.<br />

Abordou a comitiva espantando o cansaço<br />

Escreve por entre os logradouros a palavra do santo benzido<br />

Em seu manto trás a fragrância de chuva destas regiões açaizeiras.<br />

Meu cordão da lua, Eh! Picadeiro luxuoso dos castanhais.<br />

Agita meu boi e flutua,<br />

Abusa e dança feito estes estandartes que colorem os arraias.<br />

E lá no firmamento, o santo Antônio festeiro,<br />

Fez o minha ternura abrolhar...<br />

Ela a cabocla de cheiros soberbos, vem batendo o seu tambor,<br />

Neste meu céu junino de bela alvorada.<br />

Nestas essências de paladares e regozijos<br />

A história observa as reminiscências dos mestres cantadores<br />

Rouxinol e Tentém, molde de redentores...<br />

Santo Antonio lá no alto do mastro...<br />

Eh! Bumbá paraense:<br />

Dedilham a dança do amor para todos os senhores.<br />

10


BOI ESTRELA NO AUTO DA FÉ<br />

AUTO III<br />

“ A benção nossa Senhora,<br />

Boi Estrela te saúda e também toda a cercania.<br />

A benção seu reverendo e rezadeiras,<br />

“Que este cordão fique em suas lembranças.”<br />

Folguedos no arraial,<br />

Meninos desvendam sorrisos,<br />

Aglomerados e barulhentos, percorrem transpirados,<br />

Para brincar com o Estrela<br />

Brinquedos no arraial,<br />

Boizinho pulando na praça,<br />

Todos comovidos bailam danados,<br />

Pra aclamar com o Estrela<br />

Boizinho vem de canoa, escorregando na maré.<br />

É festa da padroeira, nossa santa é Nazaré.<br />

Roda gigante, rojões e fogueiras,<br />

O boi vem foliando,<br />

Venham assistir o meu Estrela.<br />

O boi vem saltando,<br />

Hei! Bumbá que faz poeira...<br />

O boi vem pulando,<br />

Entra na roda sem canseira.<br />

E no céu paraense a lua vem aclarando os brincantes.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

11


MATINTA<br />

“Caboclo se tu soubesses”,<br />

O que a matinta ambiciona abiscoitar.<br />

Olha sumano, não brinca com ela,<br />

“Que um dia ela vai te pegar.”<br />

Admira o pássaro no galho<br />

Açaizeiro no quintal<br />

Papel crepom de brilho raro<br />

Caboclo matuta no açaizal.<br />

Matutagem de homem forte<br />

Seringal no final da estrada<br />

“Caboquinha”, mulher, menina<br />

Eh! Reisado, da matinta assustada.<br />

Hei caboclo forte<br />

Não brinca com a feiticeira.<br />

Cerimônia, esquisitice<br />

Não se esqueça da rezadeira.<br />

O vento do meu Norte<br />

Vestia um friozinho de chuva<br />

Feiticeira nhá mantinta<br />

Transformou-se na luz da lua.<br />

Matutagem de homem forte,<br />

Meia noite na mata aclarada<br />

Feiticeira nhá mantinta<br />

Esta bem ali atrás da punpunheira.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

12


RAIMUNDO PESCADOR<br />

“A benção Raimundo pescador,<br />

Labutador do mar, lá das bandas de Curuçá.<br />

A benção a praia de Romana,<br />

“Graúda mãe destes filhos do mar.”<br />

O avelhantado canoeiro<br />

Trouxe peixe do elevado mar<br />

Trouxe também a certeza<br />

Que mais tarde terá que voltar<br />

(Raimundo pescador)<br />

O velho canoeiro<br />

Atracou no seu lugar<br />

Na atmosfera da Romana<br />

Achegou para descansar...<br />

(Raimundo pescador)<br />

Abordou o pescador<br />

Com a sua abastança<br />

Resguardado pelo Senhor<br />

Montou o pescador<br />

Trouxe excesso de alegria<br />

“Pros” braços do seu amor.<br />

O ancestral canoeiro<br />

Atracou no seu lugar<br />

Trouxe também muita alegria<br />

“Pros” filho Tônho e Osmar<br />

(Raimundo pescador)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

13


<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

QUANDO O ENCANTADO CHAMA A “ CABOCA” PRO RIO.<br />

PECÚNIAS PECADORAS.<br />

A “caboca” odorosa<br />

Morava na fina flor do mangue<br />

“Trepava” no açaizeiro<br />

Pecúnias nos pés.<br />

“Caboca” da terra<br />

Desfechava audaz ,<br />

Chupava os frutos,<br />

Beiços de chuva.<br />

Cavaleia o remanso,<br />

Montaria enlaçada,<br />

“Caboca” assanhada,<br />

Guarás com sede.<br />

E veio a chuva forte,<br />

“Caboca” assombrada,<br />

Montaria indo embora,<br />

Joga-se na maré.<br />

Dezenas de tucuxis,<br />

“Caboca” sufocada,<br />

Calado o mangue,<br />

Feneceu encantada.<br />

Um buritizeiro lacrimejando...<br />

14


CIDADE DO VER-O-PESO.<br />

ESPAÇO PREZADO DA AMAZÔNIA<br />

Mostruário da existência paraense,<br />

Milhares de zunzunzuns no ar,<br />

Barcos de pesca proeminentes,<br />

Milhares de peixes principiam a chegada da labuta.<br />

Bíceps transpirados e acelerados,<br />

Homens de ocupação certeira e penosa,<br />

Artesanatos em bazares arranjados,<br />

Alvoroços de um povo aguerrido e orgulhoso.<br />

Ervas e atrativos de todos os tipos,<br />

Fortuna e entusiasmo nas passagens úmidas,<br />

Patuás, essências, cheiros e vícios,<br />

Exposições de centenas de Marias e Raimundas.<br />

Frutas de matizes contentes e tropicais,<br />

Abafam o empório de paneiros,<br />

Pescados e aves a preços liberais,<br />

Machos, consortes e barraqueiros.<br />

Porto da existência que revigora,<br />

Um relógio vizinho da maré,<br />

Urubus e periquitos volitam em trova,<br />

Meninos e meninas de boa e má fé.<br />

Percorrer o mercado prazenteiro...<br />

Estilhaços do povo paraense,<br />

Filhos, netos e bisnetos abrolhando,<br />

Nostalgias de minha gente.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

15


JORNADAS MARAJOARAS.<br />

COSTUMES E DITOS DE NOSSA TERRA<br />

Sobressaltadas pelas embarcações<br />

As garças embaçam o céu de branco<br />

Galantes em seu arrebatamento<br />

Imaginação e pinturas no pensamento.<br />

Confortadas na árvores regionais<br />

Ninhais de uma balbúrdia sem fim<br />

Plumagens improvisam o amor com o ar<br />

Cândidas penas na fotografia.<br />

Construtoras de ninhos festivos<br />

As garças adornam o panorama<br />

Contemplação!<br />

Terras do Marajó.<br />

Ascendente a transpiração dos bel-prazeres<br />

Sorrisos alvejados indicam a natureza concentrada ,<br />

Elas arrebatam quando atravessam o ar.<br />

Com elas outras consangüíneas de branco...<br />

Uma seguinte estória para computar...<br />

Elas, estrelas esbranquiçadas deste Pará.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

16


DIÁRIO,<br />

MORCEGOS NO JAMBEIRO CORTADO<br />

Tapioca na mesa alinhada<br />

Café de cheiro matutino<br />

Macaxeira, pupunha e marmelada<br />

Modorra, despontando de mansinho.<br />

Carapanãs passeando afobados<br />

Um boi mugindo no quintal<br />

Buritis, tucumanzeiros desenvolvem alinhados<br />

Cueiros secando no varal.<br />

Caroços secos no chão do taperebazeiro<br />

Silencio na habitação arrumada<br />

Minha mãe, famigerada costureira<br />

Galinhas do “sumano” chocam assanhadas.<br />

Ben-te-vis no culminante da jaqueira<br />

Cantam os versos da manhã certeira<br />

Senhoras congratulam os “cumpadi”<br />

Saem duras da rezadeira.<br />

Chega à noite da matinta danada<br />

Redes balançando na sala apertada<br />

Meu pai descreve estórias sem eira nem beira...<br />

Vixi! Mamãe! Mas que boca da noite estrelada!<br />

E lá no jambeiro...<br />

Morcegos parindo os seus filhos.<br />

(...)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

17


ENCONTRO NA MATA<br />

SILÊNCIO NO AÇAIZAL<br />

Cutia mirando a fruta<br />

Folhas ainda garoam a noite que foi...<br />

Pluviosidade chegando de mansinho<br />

Alvoradas desta Amazônia.<br />

Um estampido...<br />

Acapú fragmentou-se...<br />

Debruça na terra,<br />

Anta assombrou-se na beirada do rio.<br />

Açaizeiros crescendo na mata espessa<br />

Folhas embebidas parecem repousar,<br />

Japiins cantando confinante ao tucumanzeiro,<br />

Onça bocejando no pau debruçado,<br />

Velhos tucunarés brincando de parir.<br />

Sucurijú desliza no rio,<br />

Macaquinhos saboreando o cupinzeiro,<br />

Sabiás namorando com os seus pios baixinhos...<br />

Ah! Se a vida fosse consecutivamente deste modo...<br />

E o vento... Abala os açaizeiros...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

18


FILHOS E NETOS,<br />

PESCADORES NO CURRAL<br />

Velhos canoeiros<br />

Tarrafas e braços fortes,<br />

Peixe-pedra , gó e pescada – branca,<br />

Equipe de bordo na “ilharga” da sorte.<br />

Velhos canoeiros,<br />

Avoado festivo ambiciona o chegar,<br />

Ilhas, pedras, areia e cachaça...<br />

Fragrância de porroncas e piramutabas no ar.<br />

Velhos canoeiros,<br />

Santos arrebatados da pré-a-mar,<br />

E da canoa cândida e possante,<br />

O seu nome: Rainha do Mar.<br />

Canoeiros...<br />

Fazem a sesta na areia.<br />

Um sossego...<br />

Passarada voando “lá no longe.”<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

19


PARAÍSO DAS JOANINHAS<br />

MARAJOARAS<br />

Entre a chuva risonha<br />

Ouço nas calhas coloridas<br />

O doce estampido da nostalgia.<br />

Das ervas acessíveis da mata<br />

Um cheiro em toda a casa penetra no paraíso<br />

(Chuva audaciosa)<br />

Ao término da festança pluviométrica<br />

O capim,<br />

A terra,<br />

Os pássaros...<br />

Juntos pareciam enlevados<br />

(Como piracemas noturnas)<br />

Murmuram as folhas<br />

Cantorias na mata,<br />

Machos sem sede,<br />

Caem de sono em suas redes febris<br />

(Varandas de palha)<br />

E aos pés da laranjeira em botão...<br />

Dezenas de joaninhas praticam o amor.<br />

E lá na pedra grande...<br />

Um tracajá olhando “pro” céu!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

20


ILHA DE MAYANDEUA,<br />

ESTÓRIAS CABOCLAS.<br />

Na proa da montaria<br />

Compadre escuta alarmado<br />

Tambores, crianças, instrumentos...<br />

É a Ilha de Mayandeua!<br />

(Todos ficam assustados)<br />

Assentada a lua na maré<br />

Imediato deslembra da pescaria...<br />

Vixi! Que diabo é isso?<br />

“Manduca” até esqueceu-se da rede.<br />

Galopes, suspenses e cantos...<br />

Bem lá no fundo da bela ilha,<br />

Antônio roça o crucifixo,<br />

Com intensidade há temor na montaria.<br />

“Manduca” adverte uma estória<br />

Que ali era o império da princesa encantada<br />

Antônio com excesso abalado,<br />

Rogava aos céus, na noite estrelada.<br />

Bem longe se viam claridades,<br />

Estas,, abordavam pausadamente á montaria<br />

Antônio range os caninos,<br />

Equipe de bordo reage com “istiria.”<br />

Uma embarcação de amplo tamanho<br />

Abarrotava a assombração dos canoeiros<br />

Pescadores, aglomerados sobressaltados,<br />

Mãe D’água principia o banzeiro<br />

Inesperadamente a embarcação submergiu<br />

Pescadores não entendem coisa nenhuma,<br />

Imediatamente transplantam a pedra,<br />

E ligeiramente desaparecem em disparada.<br />

Ilha de Mayandeua,<br />

Estórias do encanecido pescador de siri.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

21


PARÁ-MARAJÓ.<br />

FESTA DOS MENINOS NOS ROÇADOS<br />

Mês dos fogaréus<br />

Santos, quadrilhas e patcholins<br />

Ciranda de roda no arraial, paus-de-sebo e balão.<br />

No vento... Uma fragrância de tucupí.<br />

Cordões e bois arranjam o folguedo<br />

Euforia nos botequins das esquinas<br />

Compadres deflagram maráfus<br />

Junho o mês das esplêndidas trancinhas.<br />

Brasas, foguetes e fumaça,<br />

Tigelas, cuias e igrejas “enchidas”<br />

Meninos procurando os seus amores,<br />

Nubentes pulando as chamas endiabradas.<br />

Caboclos e caboclas objetivam as suas orações,<br />

Carimbó e siriá nas avenidas de chão.<br />

Estrelas, sonhos e banhos – de – cheiro,<br />

Morenas ornamentadas dançam e riem na noite...<br />

Nesta inusitada noite de São João.<br />

E um balão parte subindo...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

22


PRAIA DO PESQUEIRO,<br />

MENINA DO LADO DE LÁ.<br />

Malocas coligadas<br />

Palhoças minúsculas ornam a manhã das areias<br />

Neste trópico de epopéias,<br />

Coqueirais parecem raciocinar,<br />

Ondas longínquas cruzam a ilha,<br />

Montarias chegando do grande mar.<br />

Mistérios destas águas de boto,<br />

Pedras, redes, anzóis e maracás<br />

Caboclos estimulam as rabecas,<br />

Cidade de Souré,<br />

Menininha do lado de lá.<br />

Serenatas marajoaras na terra sossegam<br />

Estrelas e lua tranqüilizam-se nas espreguiçadeiras do tempo,<br />

Praia do Pesqueiro é “defronti” ao céu,<br />

Bondades com matrimônios dos botos que residem por lá.<br />

Praia de estrela maior,<br />

Reminiscência das matizes festivas,<br />

Estórias descritas e acenadas em cantigas marajoaras..<br />

De bem longe...<br />

A passarada no índigo segue a diante...<br />

Rasantes vôos desfecham como flechas na aragem,<br />

Pesqueiro...<br />

De janeiro a janeiro,<br />

Beijos no cercado onde os namoricos são acertados.<br />

Arremates destas águas perfeitas...<br />

Menina do lado de lá que não necessita raciocinar...<br />

E no sentar da lua marajoara,<br />

A coreografia é encantadora,<br />

Requebrados para todos os rumos...<br />

Dá até frisson na “espinha”<br />

É a menina do lado de lá!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

23


“PRITINHO”<br />

DIMINUTIVOS DA PLANTA GIGANTE<br />

Açaí de pele crepuscular,<br />

Palmeira de origem ilustre,<br />

Planta possante,<br />

Bom mesmo é com farinha.<br />

Palma que arrebata os japiins e sabiás,<br />

Guarda o tesouro de múltiplos povos,<br />

Teus filhos são de graúdo tamanho,<br />

Paneiros nas s bordas dos rios.<br />

Açaizal,<br />

Tens a alvitre de muitas puerícias...<br />

“Trepar em tu mano” Latim?<br />

Não... É paraense.<br />

Trás montarias de conglomerados s cantos,<br />

Que bom o ano inteiro.<br />

E lá na cidade principal da Amazônia,<br />

Os açairenses vão marchando para o almoço encharcado.<br />

Ele o “pritinho”,<br />

Vai sustentando a laboração de muitas jornadas contemporâneas.<br />

Belém e mais Belém...<br />

Santarém e mais Santarém...<br />

Marajó e mais Marajó...<br />

A Região do Salgado e mais salgado....<br />

Afinal,<br />

Quando os “carocinhos” entram nos terreiros,<br />

As bocas estremecem, as cuias riem,<br />

E as farinhas permanecem ainda mais desidratadas...<br />

“Eita” “bichinho” querido por milhares deste chão.<br />

Açaí, lábios da noite,<br />

Égua que fruta gostosa!<br />

Fruta ou semente?<br />

Não sei...<br />

“Açaiense” ou “açairense” ?<br />

Locuções destas terras caboclas...<br />

E os lábios...<br />

Vão ficando roxinhos...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

24


QUANDO O ARCO E A FLECHA FAZEM AMOR.<br />

MARGEM DE RIO “SUMANO”<br />

Beira de rio<br />

Flecheiro em oscilação<br />

Guarás confinantes aos mururés...<br />

Sossego no igarapé.<br />

Local selecionado,<br />

Flora, fauna...<br />

Homem absorto.<br />

No acontecer da tarde,<br />

Carapanãs agridem o nativo,<br />

(Ele não bamboleia)<br />

Cobra- Grande abrir os olhos...<br />

Rainha Boiúna taciturna...<br />

Homem da mata trabalhando...<br />

Águas movimentando-se...<br />

Sua alcunha é remanso.<br />

Jundiá paradinho na mira,<br />

Jejú em meio as raízes asiladas,<br />

Mundo de águas sem fenecimento...<br />

Uma flechada repercute na mata.<br />

O índio agora sorri!<br />

Mãe D’água também...<br />

Menos o jundiá.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

25


UM DESEJO...<br />

MACAXEIRAS, PORRONCAS E AMORES<br />

DESABANDO NO PEITO<br />

Estrela e sol<br />

Temporada de vadiar<br />

Mutucas proeminentes<br />

Rio- mar parece “zinho” para pescar.<br />

Cheiro rodando...<br />

Araras, candirús, ilhotas da pré- a – mar...<br />

Folhas de mangue apostadas na maré<br />

Natureza emudece o seu toque de água...<br />

Borbulham as raízes...<br />

Troncos submersos vasculham a terra...<br />

Mundos de águas.<br />

Por aqui bacaba e macaxeiras são púberes<br />

Todos os seres às vezes ficam em consonância naturalistas...<br />

Amores confidenciais.<br />

Valentes e esplêndidos lugares...<br />

Silenciam as bocas dos homens Nortistas<br />

Em meio de anseios furtivos<br />

Procuram as suas Marias na noite<br />

(Tucuxis ao luar)<br />

Um porronca acabando...<br />

Uma lamparina na cumieira...<br />

Terras, Homens e marés deste Pará<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

26


TRALHOTOS,<br />

MENINOS INQUIETOS<br />

Na margem da maré<br />

Tralhotos, acelerados...<br />

Fluem,<br />

Rabiscam...<br />

(Fogos destas marés)<br />

Centenas na flor da água,<br />

Pinotes...<br />

Desengonçados,<br />

Abundância...<br />

Parecem brincar.<br />

Correm daqui...<br />

“Pra li”...<br />

Quatro olhos afobados,<br />

Resvalam...<br />

Ondas trazendo os peixinhos...<br />

Peixe chistoso,<br />

Abusam,<br />

Improvisam estripulias,<br />

Declives afoitados.<br />

Tralhotos ladinos,<br />

Cardumes afrontando os Homens<br />

(Caboclo nem liga)<br />

Na beirada da maré,<br />

Recintos acessíveis e soltos,<br />

Irresolutos habitantes pequeninos,<br />

Parecem raciocinar.<br />

E lá vem mais!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

27


VERSOS E ENCANTOS<br />

CASAS INESQUECÍVEIS<br />

Casas escancaradas,<br />

Casas modestas...<br />

Ambiciona a chuva apaziguar...<br />

(telhados de palha)<br />

Casas sem portas,<br />

Casas com o livre-arbítrio nas janelas...<br />

Ilustrações de flores,<br />

Tecidos de todas as cores<br />

Guardam as entradas.<br />

Casas de quintais abertos,<br />

Casas com bancos de madeira nos terreiros,<br />

Lá dentro,<br />

Retratos de políticos nas divisórias<br />

(Promessas antigas)<br />

Casas de calçamento batido...<br />

(Terra espremida)<br />

Somente um rádio de pilha na mesa como dicionário analógico.<br />

Casas pequenas,<br />

Casas com girais e panelas alvinhos<br />

(Doces cozinhas)<br />

Casas com fogões à lenha,<br />

Casas com potes de barro,<br />

Casas com redes nos quartos,<br />

Casas com privadas no quintal...<br />

(Sabugos de milhos nos paneiros)<br />

Casas de frutígeros quintais<br />

Galinhas, porcos e patos nos terreiros,<br />

Mangueiras... Cada um tem a sua,<br />

Casas de essência amazônica.<br />

Entalhes da vida querida,<br />

Meninos nus experimentam o seu chão...<br />

Segredos de minha terra...<br />

“ As vez “ deslembrada.<br />

Casas...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

28


MARAJOARA CHEGOU!<br />

ESPAÇO E NATUREZA NAS TERRAS DAQUI<br />

A mata enflora, esquenta,<br />

Adormece na terra dos caboclos.<br />

Na mata, paus de andiroba,<br />

Paus de copaíba,<br />

Acendem para o firmamento,<br />

Sons de berimbau rasgam o vento norte.<br />

Rainha encosta,<br />

Silêncio dos bichos,<br />

Influência da alvorada,<br />

Ensejam a tropicalismo.<br />

Murmuram as nuvens,<br />

Abordam às amistosas abundantes,<br />

Invernia batendo na terra,<br />

Assim, chega a chuva,<br />

Peixes esquadrinham o seu descanso nos troncos submersos...<br />

(Rainha Cobra- grande ainda passeando por aí)<br />

Casinhas nas beiradas dos rios,<br />

Fachos da claridade no piquiazeiro,<br />

Cantos de aracuãns nos galhos do murucizeiro...<br />

E lá na água...<br />

Um surubim também passeia acelerado...<br />

(Férias destes bichos amazônidas)<br />

A mata ainda floreia<br />

Requenta a terra dos caboclos.<br />

Na mata, um furacão de galhos invade a verde cenário...<br />

Tarde chegando,<br />

Folhas ainda neblinando...<br />

O sol ressurge a frente das envelhecidas castanheiras...<br />

(Abre- se o céu no Marajó.)<br />

Lá vai o dia gentil,<br />

Pássaros dão comida a terra,<br />

Lá vem regressando a noite,<br />

Meninos, entalcados tomam o caldo de peixe...<br />

Suas mães na rede cantam para os púberes filhos,<br />

Carimã no fogo.<br />

Lá se foi o dia formoso,<br />

Foi saindo de mansinho,<br />

Confinou para o denso rio...<br />

Crepúsculo marajoara.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

29


UM SEGREDO, UMA HISTÓRIA...<br />

UM PAÍS NA MEMÓRIA<br />

No país do tacacá<br />

Chuvas sucedem no final da tarde,<br />

Mangueiras são vestidas de mais verde...<br />

Prosas e histórias no passeio público.<br />

No país do cupuaçú,<br />

Quem administra é o tempo<br />

Camelôs, mangas e guarda-chuvas...<br />

Todos abiscoitam as suas nuanças.<br />

E nas esquinas...<br />

As árvores galardoam mais um dia.<br />

“Noitinha” chegando...<br />

No país do carimbó,<br />

Nossa Senhora aprecia a lua,<br />

Semáforos, vielas e avenidas...<br />

Cortejam a noite...<br />

Milhares de paralelepípedos nas praças...<br />

Deparam os sapatos dos caminhantes.<br />

No país dos paraenses,<br />

De certo, não há outra terra como esta...<br />

Toda cheia de impressões...<br />

Nosso Pará essência deste confidente.<br />

Um pé de jambeiro...<br />

Trás a precipitação atmosférica cor de rosa...<br />

Pétalas ilusionistas,<br />

Chão “bunito” ... “bunito.”<br />

Arremates deste país de odores.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

30


LÁ NO MUTUCAL,<br />

MENINOS, PEIXES E BRINCADEIRAS...<br />

CONVERSAS DO LADO DE LÁ.<br />

Meninos correndo para o rio,<br />

Bem-te-vis por baixo das mangueiras...<br />

Madeiras e águas versus o sol...<br />

É fevereiro...<br />

Mutucas por todos os lados.<br />

Na cabeça da habitação,<br />

Gaiolas do seu Agripino,<br />

Rouxinóis, papagaios e “caboco- lindos”<br />

Pedaços de manga nas gaiolas...<br />

É fevereiro...<br />

Precipitação por todos os lados.<br />

Rouxinol virando cambalhotas,<br />

A casa festiva enseja a ida para o retiro...<br />

José apanha o facão,<br />

Mandiocas abafadas na beira do riozinho,<br />

Segue o José exultante por entre a passagem de maria- moles.<br />

Na abertura,<br />

Bálsamos de frutas deterioradas,<br />

Invernia não demora despontar.<br />

Na passagem,<br />

Meninos jogando bola,<br />

Pencas de roupas secando no mato rasteiro,<br />

Inverno não tarda sair.<br />

Tarrafas desdobradas nos quintais...<br />

José é jeitoso em cada passo,<br />

É fevereiro...<br />

Mutucas por todos os lados.<br />

Eis as conversas e quefazeres deste povo,<br />

Aqui, o Homem acorda mais cedo,<br />

Resiste com os seus sonhos farinheiros...<br />

José e seu Agripino...<br />

Filho e pai sorvem o tempo com sabor de manga...<br />

É fevereiro...<br />

Mutucas por todos os lados.<br />

- Verão não demora chegar.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

31


LEGÍTIMOS HOMENS,<br />

ESPERANDO PASSAR O ARCAICO TEMPO...<br />

NOTÍCIAS MORENAS<br />

Pele trigueira,<br />

Fardagens leves,<br />

É o Homem do Norte,<br />

Acolhedor,<br />

É o homem de sorte.<br />

Namorador e orgulhoso,<br />

Estudou com os botos da noite,<br />

A convocar perdão,<br />

Dormitar ao vento,<br />

Entorpecer no fitar das morenas...<br />

Manifesta poesia,<br />

Homem pátrio destas águas,<br />

Sol e noite aformoseiam a sua simpatia,<br />

Em suas letras...<br />

Perfume de manga,<br />

É o varão do Norte<br />

Virtuoso por maestria,<br />

Etnia de fantasia,<br />

Pátria dos fidedignos mandingueiros,<br />

São os poetas caboclos,<br />

São acessíveis e dadivosos pelas companheiras,<br />

Debruçados em janelas centenárias,<br />

Ou mesmo pescando num casquinho no rio-mar,<br />

No núcleo da capital,<br />

Exprimem palavras filarmônicas,<br />

Pecados, mistérios e bel-prazeres daquelas morenas<br />

Que passam por lá.<br />

É o Homem do Norte<br />

Quiçá seja encantado.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

32


GINGA NO RIO<br />

PILOTOS FAZEM ESTRIPULIAS E REZAM NA MARÉ<br />

Olha a jangada no rio,<br />

Está foragida da mata,<br />

Vence os caminhos de água,<br />

Lentamente...<br />

Choca-se com as águas,<br />

Parece falar com o vento,<br />

Correntezas de segredos de manejo braçal.<br />

As bordas das águas agitadas,<br />

Verdes e mais verdes aflitos choram com a sua chegada.<br />

Vendo a jangada atravessar,<br />

Banzeiros aprimorados no movimento,<br />

Soluços de meninos caboclos,<br />

Ribeirinhos só olham ela passar,<br />

Lá vem ela...<br />

Abastada, cheia, abarrotada de desgosto,<br />

Floresta viva debela o seu choro,<br />

Vendo a jangada passar.<br />

Vendo a jangada boiar,<br />

Madeiras imoladas tangem o rio,<br />

Dentro do coração cancioneiro... Uma alocução,<br />

Ranjo de dentes,<br />

Corpo horripila,<br />

Curupira irado na mata.<br />

Todos vêem a jangada passar...<br />

E o futuro esta mais mundiado.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

33


VINHO DE ÁGUAS TROPICAIS<br />

Cordilheiras,<br />

Alvas ilimitadas,<br />

Silêncio,<br />

Nudez destas águas.<br />

Chão afortunado,<br />

Verdes acelerando,<br />

Limpidez destas nuvens,<br />

Resistência infinita.<br />

Submersos segredos,<br />

Homem fumando,<br />

Sancionado o porvindouro,<br />

Genealogia indígena<br />

Aos olhos dos caboclos, transformações climáticas..<br />

Reserva maior,<br />

Países em seu colo,<br />

Caminhos e furos titubeantes,<br />

É o rio Amazonas,<br />

Às vezes intocável,<br />

Outras vezes eliminado...<br />

Mãos imprudentes executam o seu depauperamento.<br />

Racionável aforismo.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

34


UMA HISTÓRIA<br />

UMA ESTÓRIA<br />

Um porto ao longe,<br />

Ventos e maresia apreciam a lanchinha,<br />

Estação aventurada,<br />

Esplendorosa por suas águas...<br />

Banzeiros,<br />

Embarcadiços no mar,<br />

Águas cobertas de tudo,<br />

Visagens,<br />

Riquezas,<br />

Histórias e estórias...<br />

Um porto cada vez mais além,<br />

Crucifixos cogitam ao peito,<br />

Vozes,<br />

Gritos de trovão,<br />

Era uma vez uma embarcação.<br />

E da boca dos marinheiros,<br />

Uma derradeira oração...<br />

E assim foi naquele mês de Outubro.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

35


MANIFESTO DA ONÇA<br />

PRESIDENTE: CURUPIRA<br />

Bicho caído no buraco,<br />

Barulhos no bacurizal,<br />

Um odor forte de sangue,<br />

Onça, quase finada.<br />

Macacos, preguiças e pássaros,<br />

Visitam o bicho no buraco,<br />

Olhares e murmúrios tristes...<br />

(Bichos parecendo falar)<br />

Armadilhas com ponta de pau,<br />

Onça “atolada” na cratera,<br />

Um vento,<br />

Um suspirar,<br />

Um último olhar na mata espessa,<br />

A onça fenece.<br />

Um canto deprimido na mata...<br />

Curupira: Revoltado!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

36


UM VÔO DIFERENTE...<br />

ASSOVIU PERTO DA MONTARIA<br />

Canoas de madeira avivada,<br />

Nortista recolhendo a rede,<br />

Beatificados...<br />

Na vazante da maré,<br />

Homens e barcos estremecem nos furos do Guajará.<br />

Montarias,<br />

Paneiros de frutas,<br />

Mais assobios nas raízes altas do mangal,<br />

Afundam as idéias,<br />

Vagueiam os desejos,<br />

Montarias vão beijando as terras úmidas.<br />

Perto do mutucal,<br />

Eis as canoas conduzidas pela lua,<br />

Preamar, baixa mar,<br />

Paus de todos as dimensões na passagem,<br />

(Chuva ontem veio forte)<br />

Roteiros do Guajará,<br />

Canoas de madeiras coloridas,<br />

Zigue zagues versus as marés,<br />

Peixes proliferando aos olhares destes caboclos.<br />

Canoas levantando vôo no velho Guajará,<br />

Outro silvo...<br />

Matinta por perto,<br />

E nas asas do pescador...<br />

O remo santo.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

37


CAMETÁ,<br />

PROSAS “PRA” CONTAR<br />

Na terra cametaense,<br />

Charmes,<br />

Prosas e desafetações,<br />

Subsídios de um hospitaleiro,<br />

Lá chove quando é verão.<br />

Seringais olvidados na mata,<br />

Esquentaram o sonho do lucro do metal,<br />

Tigelas de açaí como em múltiplos cantos desta terra,<br />

Arranjam a sesta de seus arrendatários.<br />

Cacaueiros varrem os roçados,<br />

Pintam de cor amarela o verde que atravessa,<br />

Madeiras, peixes e nação contente,<br />

Abrandam estes momentos de modorra.<br />

E lá sobre as nuvens quase densas,<br />

Característico andamento de ponderação...<br />

Deus, talvez more por aqui.<br />

Mapará nadando para a lua,<br />

Quebra-rios “defronte” aos residentes<br />

(Boiúna também deve morar por aqui)<br />

Cametá,<br />

Cheiro de terra matutinal,<br />

Poetas, dançarinos e pescadores repousam no teu seio.<br />

E esta a menina que todos articulam,<br />

Linguaja único: Menina do Tocantins...<br />

Clarificada pela lua,<br />

Botos por toda a parte...<br />

E Deus...<br />

Descansando em sua rede pra lá e pra cá...<br />

Um bacuri caiu lá no fundo do quintal.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

38


UM BANHO “CHEROSO”,<br />

MAIS UMA HISTORIA PARA CONTAR<br />

Vácuo do mundo<br />

Leguinhas de muito longe<br />

La “defronte” o igarapé<br />

Saboneteira na mão<br />

Cuia noutra<br />

Cinco horas da tarde...<br />

(Episódios de nosso caboclo)<br />

Uma “empurrada” para baixo<br />

Sementes de maracujá<br />

Comprime o corpo, intestino limpo...<br />

Olhos na estradinha do igarapé.<br />

(Resignação de nosso caboclo)<br />

Rapidamente se arregaça<br />

Precisão feita,<br />

Saboneteira e cuia nas mãos.<br />

( Diurnal de nosso caboclo )<br />

Um friozinho no corpo<br />

Um mergulho em pelo<br />

Piabas escondem-se<br />

Sabonete cheiroso no ar.<br />

Piabas passeando aceleradas<br />

Um cardume de “cara-fulha” confinante aos troncos<br />

Homem mergulhando para lavar “ as partes baixas”...<br />

Sabonete perdido na flor d’água<br />

Um mergulho<br />

Nada abiscoita<br />

Só o cheiro no ar.<br />

Caboclo lembra,<br />

Mãe D’água chegando...<br />

Seis horas da tarde.<br />

Caboclo sai ligeiro,<br />

Deixa a cuia à margem do rio.<br />

(Desvelo de nosso caboclo)<br />

Neste dia...<br />

Mãe D’água se perfumou com o sabonete que permaneceu por lá.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

39


HOMICÍDIO,<br />

HORA ERRADA PARA PESCAR<br />

Estira o arco<br />

Índio dispara a flecha<br />

Iluminação: lua<br />

Índio...<br />

Postura rubra, estrutura forte<br />

Legislados supremos destas matas.<br />

Jatobá flutuante<br />

Montaria deliciando-se com a água<br />

Mata fechada<br />

Índio procura<br />

Lanterna: lua<br />

(Feiticeiro da mata só espiando)<br />

Primeiro um movimento<br />

Quem? Boiúna...<br />

Índio começa a sentir o banzeiro.<br />

Flecha, arco e índio...<br />

(Onça vibrando de longe)<br />

Legislador brigando ofegante<br />

Jatobá partindo<br />

Estrelas se escondem...<br />

Mata pedindo socorro.<br />

Índio sem forças,<br />

Ultimo suspiro,<br />

Arco e flecha boiando no rio.<br />

Silêncio na mata...<br />

(Boiúna satisfeita)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

40


UM AVOADO<br />

PACIENTEMENTE O “CABOCO” MEDITA<br />

De cócoras ao pé de fogo<br />

Caboclo pondera<br />

Peixe aberto...<br />

Revelado ao calor das chamas...<br />

Escamas dizimadas com o acionador febril.<br />

De cócoras ao pé de fogo<br />

Caboclo canta baixinho uma canção de Lucindo...<br />

Uma varinha<br />

Cutuca a brasas<br />

Peixe assando, quase complementado.<br />

De cócoras ao pé de fogo<br />

Caboclo desconhece o mundo lá fora<br />

Tira o peixe da brasa,<br />

Pescada bonita,<br />

Parece também feliz.<br />

De cócoras ao pé de fogo<br />

Uma grande folha nas mãos...<br />

Farinha exposta numa cuia,<br />

Almoço pronto.<br />

Japiins cantando no ninhal<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

41


PUBLICAMENTE EXTRAORDINÁRIO<br />

(MANGUE PARINDO)<br />

Guaiamúm procura fêmea<br />

Peregrina no mangue<br />

Espécie que adora aparecer<br />

Algum barulho<br />

Movimento: Vupt!<br />

(Adentrou no buraco)<br />

Vagueia com maestria<br />

Às vezes imóvel<br />

Olha para o pouco sol que os guia...<br />

Fêmeas ovadas<br />

Andam por aí desocupadas<br />

Usam a sua sedução de mangue,<br />

Parecem brincar.<br />

Guaiamúm experimentado,<br />

É valente o bichinho,<br />

Égua! São muitos!<br />

Vupt! Vupt! Vupt!<br />

Vupt!Vupt! Vupt!<br />

(Poeta sorrindo)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

42


RARIDADES...<br />

GÊNERO LIVRE NAS PRACINHAS DO INTERIOR<br />

Pracinhas...<br />

O luar vem batendo alto nos centenários coretos,<br />

Com o luar vem o sereno,<br />

Bloqueia o calor destes municípios,<br />

Surtem os pensamentos, os desejos...<br />

Despertam as mariposas,<br />

Coretos invocam canções ancestrais,<br />

Crianças de cueiro choramingando,<br />

Vários bancos esperando os afortunados,<br />

Pracinhas do interior.<br />

Ao fundo,<br />

Casarões de admiráveis épocas,<br />

Sorriem para o tempo,<br />

Segredos de muitas avós...<br />

Magníficas lembranças de toadas de violões.<br />

Pracinhas...<br />

Arranjos que por estas regiões se proliferam,<br />

Estudantes, padeiros e pipoqueiros,<br />

Namorando alguma coisa...<br />

Pracinhas do interior,<br />

É mês de julho,<br />

E sempre as vinte e duas horas...<br />

É fatal as luzes se apagarem...<br />

E a lua brilhando muito mais...<br />

(Lembranças de meu tempo infantil)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

43


UMA PALMEIRA NA BEIRA DO RIO<br />

(ENCONTRO MARCADO)<br />

Folhas adolescentes da palmeira<br />

Muitos nomes<br />

Buriti, muriti, miriti.<br />

Respira a Amazônia<br />

Submersão em tuas sombras<br />

Nascentes e poentes das folhas ao vento.<br />

Leques nortistas<br />

Aparição completa destas cabeceiras<br />

Terra úmida,<br />

Sol arriscando penetrar<br />

Palmeiras da velha terra hospitaleira.<br />

Tua matéria<br />

Ripas, brinquedos, licores...<br />

Mel de ribeirinhos,<br />

Buriti,<br />

Meninos e curicas no quintal.<br />

Inundações,<br />

Timidamente te fazem carinho,<br />

Preciosidade,<br />

Composições ao vento,<br />

Orações trazendo a saudade feliz...<br />

Uma rede...<br />

(Das folhas do buriti)<br />

Sombra da palmeira,<br />

Encontro de namoros do caboclo miritizeiro...<br />

Um sabiá lá na última “rameira”<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

44


UMA ESTÓRIA PRA LUA<br />

“DUTÔ”...<br />

MORMACO AQUI NÃO EXISTE<br />

Lá no cavado do curral<br />

a lua saia com brandura<br />

Vastidão...<br />

Lua “ crariando”<br />

“As “vacadas” pareciam em transe”<br />

Grilos e mariposas abancam a “festaria”<br />

Um lampião suspenso “crariava”<br />

Auxilia a lua em sua servidão...<br />

Boca da noite abrasadora,<br />

Sereno ainda não veio...<br />

(tibum)<br />

Seu bacurau dando boas goladas na frente do pote.<br />

Um tamborete chamando uma traseira,<br />

Uma vara de pesca na “cumieira”<br />

Preguiça abrangente<br />

Olhos para o céu<br />

Já no barranco o espectro noturno.<br />

Fumo de corda,<br />

Fumaça indo embora pra lua...<br />

(bicharada tranqüila)<br />

E lá no fundo da rede...<br />

Seu bacurau fala:<br />

- “ Bua nûti dutô poeta ! “<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

45


ROLADEIRAS<br />

Muita algazarra na rua<br />

Meninos correndo<br />

Latas vivas<br />

Mãos suadas<br />

Fios encardidos<br />

Roladeiras desfilando.<br />

Às vezes duas três juntinhas...<br />

Pesadas inocentes<br />

Parecem sobrenadar...<br />

Soltas, pintadas...<br />

Roladeiras de lata.<br />

Arames conectados<br />

Areia e pedras dentro do brinquedo,<br />

Tampas cerradas, choques, corre-corres...<br />

Meninas improvisam estímulos.<br />

Roladeiras,<br />

Brinquedos matinais<br />

Lembranças do tempo perdido...<br />

Onde estarão os roladeiros ?<br />

Brinquedos...<br />

Brinquedos...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

46


ACONTECEU.<br />

SÓ SEI QUE ACONTECEU!<br />

Onça passando,<br />

Um porco-do-mato apreensivo,<br />

Ariranhas brincando ligeiro<br />

(segredos da floresta risonha)<br />

Veados precavidos apreciam para o horizonte<br />

Cotias muito rápidas escapam...<br />

Capivaras boiando,<br />

(Segredos do Mapinguari)<br />

Preguiça atracada no pau, sorri e assobia<br />

Antas em grupo repousam...<br />

(Segredos da jibóia dormindo)<br />

Trairões no fundo do rio<br />

Espera a noite chegar<br />

Cobras escorregam nas raízes...<br />

(Segredos do jabuti)<br />

Jacaretinga na areia<br />

Açaizeiros refrescam a mata<br />

(Segredos dos igarapés)<br />

Maguaris voando,<br />

Parecem compaixões amorosas<br />

Vitória – Régia confiada...<br />

Abre a sua flor...<br />

E a mata continua a viver.<br />

E tudo isso aconteceu...<br />

Nesta velha “canua”<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

47


LEVANTANDO O BOIZINHO<br />

O sol veio abrolhando no horizonte<br />

O mestre batuque abancou a bater<br />

Estrondos que mexem bastante lá dentro<br />

Vem menino e menina pra dançar.<br />

Ponha Maria no fogo a pupunha<br />

Ajeita as cadeiras morenas pra brincar<br />

“Cabocos” faceiros bebendo na praça<br />

Vem ver meu povo de fora,<br />

Aqui é o Pará.<br />

Cá tem pescador<br />

Lá tem tacacá<br />

(sim senhor)<br />

Vem dançar como o beija-flor<br />

Vem ver o boi pulsar.<br />

Morena moca me leva pra ver esse boi<br />

Bate tamanco a festa já vai principiar<br />

Cidade em festa foguetes ascendem pro céu<br />

Aparelhe o meu boi pra saltar<br />

Até o dia revogar.<br />

Aqui tem tucumã<br />

Aqui tem sabiá (sim senhor)<br />

Aqui mora o Deus Tupã<br />

Vem ver esse boi bailar.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

48


ROSINHA<br />

Quero conhecer o andamento<br />

Da abertura deste boi-bumbá<br />

Oh! Saia da janela Rosinha<br />

Vem comemorar o dia que partiu.<br />

Vem que eu te encontro na praça<br />

Nas sete e meia da luarada<br />

Sai da janela Rosinha<br />

Vem namorar na beira da auto-estrada.<br />

Rosa cabrocha<br />

Esperta pra vida<br />

Oh ! Mulata Rosa<br />

Quero ver o seu laço de fita.<br />

Trago-te um perfume odoroso<br />

Mamãezinha que fez pra mim<br />

Olha Rosinha eu te digo<br />

Foi Deus que quis assim.<br />

Na alvorada eu te peço<br />

Um beijinho na fulgor da lua<br />

Oh ! Rosinha sai da janela<br />

Vem pra esta festa que é toda tua.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

49


CANTIGA DAS SETE LUAS<br />

Adiante do desejo<br />

A harmonia lunar<br />

Menina moca, enxurrada de charme<br />

Veio brincar de boi bumbá.<br />

Ilumina a lua de dourado mar<br />

Aclara o tambatajá<br />

Preenche de cor a manga verde<br />

Nesta ocaso de luar.<br />

Sete luas na canção<br />

Fruta graúda no esplendor<br />

Eh ! Boiúna solitária<br />

Sete luas do meu amor.<br />

Cunha – Poranga deste campeiro<br />

Virgem da noite a cantar<br />

Cerimonial do roceiro<br />

Tocar viola pra apaixonar.<br />

Por baixo das sete luas<br />

Os teus olhos no igarapé<br />

Minha lua és Bragança<br />

Tupinambás do velho pajé.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

50


UIRAPURU DE FÉRIAS.<br />

PALMEIRAS MOSTRAM A SUA BELEZA.<br />

A sombra das palmeiras<br />

Fumaças,<br />

Folhas secas ascendentes “pro” ar,<br />

Nina o anil<br />

Centelhas celibatárias,<br />

Beiradas,<br />

Elocuções dos igapós.<br />

Excêntrico andamento,<br />

Alma, natureza,<br />

Atração das cores correspondentes.<br />

À sombra do açaizeiro,<br />

Águas afáveis,<br />

Antas e tracajás consultam o acaso<br />

Duas da tarde!<br />

Sapotilhas incidem maduras,<br />

Terras da Amazônia,<br />

Tabocas balançam com o vento.<br />

À sombra das palmeiras,<br />

Narrativas da poesia,<br />

Exemplos, Águas- frias,<br />

Tauaris, fumaças na boca do caboclo.<br />

Piracemas chegando...<br />

Ao “lunge”...<br />

A serenata do Uirapuru.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

51


PIRACUÍ,VOVÓ “NUM DEXA CUMER”<br />

HORA DO ALMOÇO FESTIVO<br />

Só deixaram o cuí !<br />

Vovó “mete pau” nos “minino”.<br />

Declarações do lado daqui!<br />

Conhecimentos e mitologias do coloquial.<br />

Por aqui, os peixes não têm lugar de origem<br />

É do mato: traíra, tamuatá e muitos outros.<br />

É do mar: corvina, peixe – pedra, ah! Milhares soltos.<br />

Vovó faz a farinha de peixe...<br />

Farinha bizarra nas alimentações daqui.<br />

Casas cheirando a peixe, Norte altivo,<br />

Vixe ! é ela...<br />

A farinha de piracuí.<br />

Olha a boca deste “zinho” !<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

52


MIL HISTÓRIAS PARA CONTAR.<br />

JAQUEIRAS CHEINHAS<br />

Capoeirão no chão<br />

No além... Matos confinam o rio...<br />

E o primo “sumano.” Capoeirão no chão,<br />

Bocadinhos de léguas e léguas...<br />

Descrição de determinados roçados<br />

Pés de canela desenvolvem no caminho...<br />

Às vezes um dinheiro. Capoeira rumorosa, Suor,<br />

Caboclo Raimundo.<br />

Meninos às vezes não aceitam ducha,<br />

Dinheiro difícil ! Estradas despovoadas,<br />

Cajueiros florindo... Pés descalços, Mulheres perecem de parto,<br />

Dinheiro difícil! Bezerrinho, porquinho,<br />

Xerimbabos santos na hora do meio-dia.<br />

Julho chegando...<br />

Compromissos nas lombadas, autopista.<br />

Às vezes um dinheiro. Gavião com fome de pintinhos<br />

“Esse um” é nefasto. Bate-bocas;<br />

Lampiões abrasados, Acanhadas igrejas,<br />

Cemitérios sem cercos, Um terçado trabalhando..<br />

Farmácias no quintal, Crianças irrequietas<br />

Mandiocas nos rios. Pontes que parecem de quiabo,<br />

Tavernas abarrotadas de gente. Cusparadas nos cantos.<br />

Lugarejos do norte.<br />

Rios de traíras e tamuatá... Às vezes um tucunaré.<br />

Camaleões cortados, Ovos cozidos, Almoço garantido.<br />

Sucuris vizinham o rio<br />

(bicharada respeita)<br />

Há paz por estas bandas. Talvez chova amanhã!<br />

Jaqueiras todas em flor...<br />

Capoeirão...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

53


À FRENTE DAS RIBANCEIRAS<br />

Caboclo vazando a madeira<br />

Tatajuba e cupiúba no fundo do quintal<br />

Filhos de pescadores<br />

Retrocedem da maré<br />

Montaria quase pronta<br />

Brandura na ilha.<br />

Glossários desta terra,<br />

Marés temperadas<br />

Igarapés<br />

Ilhas e igapós<br />

Existências pesqueiras,<br />

Na margem direita e esquerda da Amazônia.<br />

Remansos e mares poetizam,<br />

Casquinhos arrojados à frente das barrancas<br />

“Três Marias” “São Raimundo”<br />

Corpos encorpados destas águas frígidas.<br />

Busca de alentos,<br />

Peixes, madeiras e frutos,<br />

As vezes despontam para caçar...<br />

Vagueia a hora dia<br />

No caso enfadonho<br />

Ele...<br />

O “caboco”paraense.<br />

Chupando um turú.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

54


DA JAQUEIRA CAÍ<br />

(TELHADO QUEBRADO DO SEU MANUEL)<br />

(minhas férias)<br />

Circundado de crianças<br />

Dona Roberta acocorada dialogava<br />

Porronca na boca<br />

Estórias<br />

Deslumbramento<br />

Gargalhadas...<br />

(Férias no interior)<br />

Lá no ponto médio da vila<br />

A igreja estimada<br />

Domicílios acobertados de palha<br />

Rio gelado chamando couro transpirado...<br />

Pétalas de cor rosa no chão<br />

Jambeiros perfilados na rua central...<br />

(Férias no interior)<br />

Pula, pula a meninada<br />

Macaca faminta por pedras<br />

Mais jambeiros na beira da estrada<br />

Tabernas com bacias e baldes no teto<br />

(Férias no interior)<br />

Padarias artesanais,<br />

Assoalhos rangendo aos pés<br />

Pão caseiro na estufa de madeira,<br />

Cacetinhos ,broas, beijo – de – moca, bolachão...<br />

(Férias no interior)<br />

Poeiras e insetos dormindo cedo<br />

Rádio de pilha bem perto da cumieira<br />

Matinta e lobisomem na noite<br />

Mosquiteiros enlaçados no teto...<br />

(Férias no interior)<br />

E aos dez anos caí da jaqueira...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

55


BOI VERMELHINHO<br />

CORRERIA E PULOS NO ARRAIAL DA FÉ<br />

Boi bumbá<br />

Comboiava à diante<br />

Boi vermelhinho<br />

Preparando-se para balançar.<br />

Composições, grande energia<br />

Meninos espirrando contentamento<br />

Cordão cheiroso!<br />

Cordão odoroso!<br />

Mimos no bairro longínquo.<br />

Vermelhinho camuflado na maré<br />

Benezinho lançando fogos para aformosear<br />

Dona Raimunda bate palmas para o bumba-meu-boi<br />

“Eita” festa que não quer revogar.<br />

Meninada já indo pra rede<br />

Lua sentando lá no firmamento<br />

Boi vermelhinho faleceu afortunado...<br />

Alguns ainda palestram<br />

Outros meninos abusam da “pira”<br />

Cordão cheiroso!<br />

Cordão odorante!<br />

Enredo de infâncias não perdidas.<br />

Traquinagens<br />

Boizinho só no chegado ano...<br />

E foi assim aquele dia “cheiroso.”<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

56


POROROCA,<br />

UM INDIO FALOU ASSIM...<br />

De até três metros já assisti<br />

La vem o temerário chegando na antemanhã<br />

Fluxos, refluxos e jabutis,<br />

Lá vem ela,<br />

Grande e atrapalhada.<br />

Das luas crescentes e cheias<br />

Ai vem, a rainha que abocanha tudo pela frente,<br />

Hei-la possante passeando,<br />

Pássaros, troncos...<br />

Todos se tornando miúdos.<br />

Nos braços da rainha solitária<br />

Mururés e árvores guerreiam,<br />

Gritos na mata frustrada<br />

Muitos te apelidam de covarde<br />

Lá vem ela...<br />

Intensa e embaraçada.<br />

Das marés, ventos e correnteza,<br />

Lá vem ela vomitando a sua sede e sua coragem,<br />

Índio atiçado,<br />

Trovador assombrado...<br />

Os dois não se movimentam...<br />

E lá no fundo da rede...<br />

Vai se ouvindo só os estalos...<br />

(Vem abocanhando tudo!)<br />

- Vixi! Maria!<br />

(Ninguém se mexe no recanto)<br />

Pororoca.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

57


ENTÃO O “CUMPADI” FALOU:<br />

- ISSO É CHEIRO DE MOÇA!<br />

Pau de cheiro<br />

Perfumes do canto do compartimento<br />

Nos igarapés...<br />

Meninos fervem, abusando,<br />

Comidas no quintal<br />

Família acumulada<br />

De noite tem lua cheia.<br />

Paticholi produzido no quintal<br />

Roupas sendo engomadas no dormitório<br />

Carvão, ferro queimante,<br />

É Domingo...<br />

Dia da missa da gente.<br />

Pau de cheiro,<br />

Moças daqui...<br />

Marias, Benetitas e Antônias,<br />

Moças de fora...<br />

Estela, Adriana e Selma...<br />

Por aqui praticam episódios...<br />

Olhares, lenços nas mãos,<br />

De noite...<br />

Vai ter a festança da padroeira.<br />

Nas garrafas de bálsamo...<br />

Genital de bota e outras coisas mais,<br />

Folhas e ervas são reis nesta época de festival.<br />

Filhos, netos e bisnetos juntos engomados,<br />

Fé de generosidade nestes cantos no interior,<br />

Família congregada,<br />

Fofocas da cidade graúda,<br />

Meninada aproveitando para namorar...<br />

(Muitas ainda têm cheiro de cueiro)<br />

Assentos nas calçadas,<br />

Cheiros de moças por todo o povoado.<br />

Existência paraense.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

58


SALADA DE FRUTA AMOROSA<br />

Bacaba no santo terreiro<br />

Galinhas ciscando no abdômen da terra<br />

Graviola surgindo no ponteiro<br />

Piquiá e pupunha na panela.<br />

Cupuaçú de corpo formoso<br />

Trás aguaceira no extremo da tarde<br />

Bacuri com as suas folhas no interminável<br />

Cabocla abismada choramingando saudade.<br />

Açaizeiro, palmeira absorvente,<br />

Suas raízes osculam os igarapés,<br />

Muricis proeminentes, crescendo acolhedores,<br />

Saudade das caboclas de Abaeté.<br />

Taperebá de corpo atraente<br />

Despeja o seu bálsamo no quintal<br />

Cabocla enlevada enxuga a lágrima<br />

Seu boto se transformando lá no manguezal.<br />

E os nossos apegos são deste modo...<br />

Tem cheiro de fruta.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

59


ILHA DO MARAJÓ,<br />

PEIXES E OUTROS MILHARES DE COISAS<br />

Foz do rio que domina<br />

Resguardo das águas estrangeiras<br />

Campos pluviométricos da puerícia<br />

Princesa das marés e dos rios talhantes.<br />

Matas de reis e rainhas que dançam<br />

Lundus enfeitiçando as pernas e os quadris<br />

Flutuante de dezembro à São João<br />

Cheias,<br />

Vazantes dos invernos de maresias,<br />

Ilha do Marajó,<br />

Encantadora paixão...<br />

(Dalcídio tinha razão)<br />

Brilhantismos de aves no céu escaldante,<br />

Carpetes verdes na beira dos rios,<br />

Mandangos coloridos no derradeiro da tarde<br />

Caboclo desta terra é também moderno.<br />

Ventos para a pesca definida,<br />

Búfalos mugindo por todos os cantos<br />

Cerâmicas e histórias do encanecido vaqueiro...<br />

Comandantes deste seio imaculado.<br />

Milhares de coisas...<br />

Boto encantado é residente<br />

Ilha celibatária, consorte marajoara,<br />

Tens uma grande energia labial.<br />

Capins envoltos nas cheias<br />

Ninhal de guarás festivos,<br />

Vaqueiros aboiando nas margens<br />

Juntam gados de chifres retorcidos.<br />

Festas da assembléia “bufalal<br />

Äfuá de palafitas protegidas...<br />

Chão nosso, cheios de experiências arriscadas.<br />

Mangue fecundo do Marajó,<br />

Aqui o céu é mais estrelado,<br />

Suspirar poético...<br />

Ilha do Marajó.<br />

(Dalcídio tinha realmente razão)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

60


<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

BRAGANÇA É ESTRELA...<br />

(ALGUÉM DE BICICLETA PASSEANDO PERTO DA MARÉ)<br />

São Benedito reside no Caeté<br />

Patrocinador da cidade moleque<br />

Um sobe e desce de declives intermináveis<br />

Lugar de origem das festas culturais<br />

És Bragança.<br />

Tupinambás e Caetés<br />

Gente nossa, olvidada por muitos,<br />

Madrugam as sentinelas...<br />

Procissão nas ruas do Caeté...<br />

Cumprimentam o Benedito.<br />

Em meio aos retumbões<br />

Blusas, marinheiras e rendas brancas nas ruas,<br />

Mulheres graves, brangantinas amáveis,<br />

Lá vai passando a Marujada.<br />

Raças e credos visitando a festança,<br />

Cortejemos o santo,<br />

Cumprimentemos as marujas...<br />

Onças pronunciam pelas alamedas,<br />

Caravana vai dançando a memória...<br />

Terra pérola...<br />

És alegre ao entardecer...<br />

E da bicicleta estradeira...<br />

Narro a beleza destes filhos que hei de reconhecer.<br />

Estrela Brangantina.<br />

61


ILHA DO PAPAGAIO,<br />

UM CASQUINHO CHAMADO “DONA TEREZA”<br />

Papagaios tingindo o céu<br />

Belém e vista bem longe<br />

Ainda esta adormecida...<br />

Barcos, palafitas...<br />

(Vai acordando sorrindo)<br />

Na Bahia do Guajará,<br />

Ribeirinhos vão pescando de suas janelas<br />

Outros casquinhos vão fluindo na maré,<br />

Choupanas coloridas bem no pescoço do sol.<br />

Aguapés vão filtrando as águas<br />

Anhingas vão resguardando o mangal<br />

Embarcações vão chegando...<br />

Continuamente lentas...<br />

Vão acordando os seus filhos do Guajará.<br />

Ilha do Papagaio...<br />

Furos de nossa terra-água.<br />

E a Dona Tereza...<br />

Vai chegando a Belém, bem de mansinho.<br />

(Casquinho lotado de açaí)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

62


PRIMAVERA,<br />

UM BANHO NO RIO DA BOMBA<br />

Silencio no matadouro<br />

Mercado abotoado<br />

Dia-santo municipal<br />

Chifres, couros e tripas<br />

Urubus dormindo fartados.<br />

Uns silenciam no igarapé<br />

Rio da Bomba, acolhedor desperta<br />

Areias não pisada<br />

Saúvas, piabas e tradições<br />

Velho campinho de futebol desabitado.<br />

Um sossego na ribanceira<br />

Pássaros vão chocando a natureza<br />

Bezerros no curral<br />

Estórias de dona Maria<br />

Velório domingueiro.<br />

Mais silêncio no caminho<br />

Dona Santa aparelhando o café<br />

Sesta das duas, casas de barro ditosas..<br />

Homens amolado seus fumos.<br />

Vasilhas de querosenes sendo cheios<br />

Privadas lá no fundo do quintal<br />

Mangueiras e jaqueiras cheinhas,<br />

Macaxeira nas mesas da tarde...<br />

As vezes uma farinha de coco.<br />

Um silencio no igarapé<br />

Uma voz na “boca-de-ferro’<br />

Clérigo chamando,<br />

Primeiro dia da semana ocioso...<br />

Saudades de minha Primavera de infância.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

63


EU VI OS ARLEQUINS DANCANDO !<br />

SORRISOS E FESTA EM SÃO CAETANO DE ODIVELAS<br />

Disfarçados nas avenidas<br />

Homens objetivam suas danças aguerridas<br />

Tingas nas passarelas<br />

Cidade hospitaleira<br />

São Caetano de Odivelas.<br />

Chapéus avivados<br />

Fitilhos balançando<br />

Arrebatam o povo de fora<br />

Boi Tinga no s logradouros<br />

São Caetano perpetuando a sua vida.<br />

Laços enflorados,<br />

Por onde passa o Tinga troca alegria...<br />

Desenhos ‘“portináricos” tradição rica deste povo,<br />

Boi Tinga...<br />

És o atrativo de muitas das nossas alegorias.<br />

( Arlequins sorrindo na foto )<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

64


TIBUM ! TIBUM !<br />

TIMBUZINHOS ! TIMBUZÕES !<br />

Meninos de cabeças raspadas,<br />

Pés descalços<br />

Roda e pirá no igarapé.<br />

Meninos de cabeças arranhadas<br />

“Trepam” nas árvores,<br />

Ascendem nos cipós,<br />

Thibum !<br />

Piabas fugindo em disparada.<br />

Meninos de cabeças alisadas<br />

Afundam,<br />

Nadam...<br />

Bolas dente- de-leite... “bicudadas”<br />

Sorrisos e gargalhadas.<br />

Meninos de cabeças agatanhadas<br />

Seguem desnudos para as suas casas...<br />

Crianças do interior...<br />

Que frio!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

65


CURIÓ<br />

(O MENINO DAS MATAS)<br />

Bichinho miúdo,<br />

Cântico afetuoso,<br />

Almirantes destas matas.<br />

Tem curió de várias penugens,<br />

Passarinhos fascinantes,<br />

Homens acordando na madrugada,<br />

Filhos destas matas...<br />

Rei das capoeiras e igapós.<br />

Cânticos diversos,<br />

Trola,<br />

Paracambi,<br />

Praia,<br />

Icooraci,<br />

Pardo...<br />

(O menino doidinho)<br />

No capinzal da fazenda,<br />

É estrela quando preseiro,<br />

Maracajá,<br />

Eis o menino faceiro.<br />

Concursos mil,<br />

Desencadeiam centenas de exaltados,<br />

Curiós, meninos, reis da alpiste,<br />

És para muitos...<br />

Uma verdadeira prosperidade.<br />

(5h: 00da manhã)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

66


UM ESTRADÃO DE CORDA<br />

(SEGUE À DIANTE A FÉ)<br />

Mãos de todas as cores<br />

Ritos de louvor a santa surpreendente,<br />

Braços possantes,<br />

Mãos tarimbadas,<br />

Círio de muitos viajantes.<br />

Corda retesada,<br />

Parece a boiúna,<br />

Grosseira, agressiva e rústica...<br />

Pés descalços,<br />

Fogos enlouquecidos...<br />

Felicidade e fieis nas vias.<br />

Empunhem firmes...<br />

Homens e mulheres na profissão da fé...<br />

(pagadores de promessas)<br />

Aplausos! Aclamação<br />

Aí vem a Virgem de Nazaré!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

67


FOI NO VER- O- PESO<br />

Primitivas horas do dia<br />

Canoas desponta na baia<br />

Pequenas, médias e grandes...<br />

Em face a maré,<br />

Meu “cumpade” fuma com frio.<br />

Paneiros acobertados de palhas,<br />

Acaí, vem chegando novinho,<br />

“Cumpadre” de contínuo antecipado...<br />

“Beiço” e mão, tudo tem cor de vinho.<br />

Estandarte encarnado nas portas,<br />

Motores, começando o dia,<br />

Vinhos escorrendo no alumínio,<br />

Cheiro gostoso nas “brenhas” do Ver- o- Peso.<br />

(Um sorriso roxo na foto! )<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

68


UMA MONTARIA FEITA DE BURITI<br />

(EM CIMA, ANJOS)<br />

Discursos abrandam o povo,<br />

Flores, fogos e papeis picados,<br />

É o Círio trazendo o novo,<br />

(Romeiros deslumbrados)<br />

Milhares de mãos acenam,<br />

Mangueiras adornam o cenário,<br />

Fieis , malandros e picolezeiros,<br />

Daqui de cima,<br />

Tudo é comovido.<br />

Olha o “carro dos anjos!”<br />

Satisfeitas crianças na montaria.<br />

Círio de Nazaré , festa única,<br />

Meu Deus,<br />

Os anjinhos parecem voar.<br />

Um pato revelado à mesa.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

69


BARULHO... ERVAS E TRANSEUNTES.<br />

(LÁ É ASSIM)<br />

Veemência cultural do Norte abençoado,<br />

Ver- o – Peso chamando os barraqueiros na madrugada.<br />

O melhor prato: peixe-frito.<br />

Na feira do açaí,<br />

Além da maresia, há também batucada.<br />

Beijú de mandioca nas mãos,<br />

Ressaca de muitos indo embora,<br />

Tapioqueiras comercializando a branquinha...<br />

(coco e manteiga nos lábios)<br />

Homens realizando fretes,<br />

As vezes brotam carroças decoradas,<br />

Estivadores atléticos,<br />

(gritam na feira)<br />

Ao meio-dia ,<br />

Muitos saboreando vinhos de bacaba e açaí,<br />

Camarão no prato, chibé apetitoso...<br />

Eis a mesa do “veroperense”.<br />

Narrativas e alaridos,<br />

Remo e Payssandú “na ponta das línguas”,<br />

Conhecimentos matutinos e vespertinos...<br />

Acontecimentos deste Pará.<br />

Continuando a mesa abastecida,<br />

Um pirarucú no prato esmaltado,<br />

Maniçoba vatapá ou qualquer xerimbabo no tucupí,<br />

Jambú deixando a boca dormente.<br />

Na boca da noite,<br />

Caboclo toma um tacacá pegando chama,<br />

Barraquinhas alegres, Coloridas de fato,<br />

Coisas e coisas são comercializadas as vezes bem barato.<br />

Outros biritam na esquina,<br />

Logo a frente vem chegando outro barco,<br />

Ver –o- Peso festeiro,<br />

Alguns apostando no bicho,<br />

Égua da feira estrondosa,<br />

No entanto...<br />

Te namoro desde moleque.<br />

(Uma chuvinha começando a cair)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

70


FOI LÁ “PRAS” BANDA DE SANTARÉM<br />

Curupira vai a porta,<br />

Ouve o rabudo latir,<br />

Curupira interroga na palavreado do rabudo:<br />

- Quem é o dono deste fogo?<br />

- Rabudo responde:<br />

- É do moço velho e do moço novo!<br />

- ( no giráu um bichinho cadavérico)<br />

Curupira abriu os seus olhos de fogo,<br />

Exaltação e agastamento nos dentes verdes do bicho,<br />

(seus pés parecem que irão ficar habituais)<br />

Rabudo ao mesmo tempo responde:<br />

- Esse fogo é pra assustar as carapanãs!<br />

- Moço velho e moço novo “tao lá no garapé”.<br />

Curupira sem aguardar indaga o rabudo :<br />

-E esse bicho preguiça o que adveio?<br />

Rabudo responde:<br />

- Ora curupira, foi brincadeira de moço novo !<br />

- Atirou e depois riu,<br />

- “Tá dês donte onte aí , vê só o fedor”...<br />

- Acho que nem vão tratar do bicho!<br />

Curupira corre pra mata,<br />

Um vento irritado no matagal,<br />

Louco, solto, curupira pisa forte...<br />

(matou o velho e o novo)<br />

Assim me contaram numa conversa de rede.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

71


AINDA LEMBRO...<br />

ACORDEI BEM CEDINHO...<br />

Ao apartar a janela,<br />

Apreciei o olhar do jabuti,<br />

( parecia esperar alguma coisa)<br />

Uma suave brisa,<br />

Uma jaca caia no quintal,<br />

(Pedaços e caroços de poesia)<br />

Ao abrir a janela,<br />

As folhas disseram: - como vai ?<br />

(Algumas ainda estavam adormecidas pela chuva de ontem)<br />

Então veio o sol mais forte,<br />

E descortinou tudo ao redor...<br />

E abruptamente gritei:<br />

- Bom dia Pará!<br />

(O jabuti parece que sorriu)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

72


LAMENTO INDÍGENA<br />

(TRONCOS E RIOS ALEIJADOS)<br />

Terra firme,<br />

Dramáticos sorrisos indígenas<br />

Legendária aversão<br />

Sonhos,<br />

Soldados arrepiados,<br />

Anoitece na mata.<br />

Serpentes contemplam o imprevisto,<br />

Aviões sobrevoando perto das folhas mortas,<br />

Terra erma,<br />

No céu...<br />

Nenhuma arara.<br />

(Estão camufladas)<br />

Índio perdido,<br />

Lastima num murmúrio asilado,<br />

Anfiteatros abrasados,<br />

Caravelas de folhas ignoradas,<br />

Animais gemendo...<br />

Passaporte da agonia,<br />

Sentenças assinaladas nos troncos carbonizados...<br />

(Orgasmo na capital)<br />

Sussurros na mata,<br />

Enfileirados os troncos,<br />

Silêncio imutável,<br />

Índio adoentado,<br />

Boto boiúna, caipora, curumim...<br />

Onde estarão?<br />

Triste,<br />

O índio o morto-vivo,<br />

Não tem mais onde residir.<br />

Assim, a corajosa trilha segue de contínuo à diante,<br />

Um canto em extinção repercute...<br />

(Também escondido)<br />

Assim o índio grita...<br />

( talvez sozinho)<br />

(também escondido)<br />

Uma carcaça de cutia ao chão.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

73


SOMBRAS NA VARANDA<br />

TEXTURA NO VENTO AMAZÔNICO<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

Enquanto a mata desenvolve, olhos abotoados para o tempo,<br />

Feminino: mata<br />

Doenças daqui: Espinhela caída, malária,<br />

Feminino: mata<br />

Um retiro na abertura, sacada encoberta debilmente as plantas,<br />

Na entrada... Um fio lavado de querosene...<br />

Vão chamando os mosquitos... Vagarosidade, galhos e ramos ao fundo...<br />

Feminino: mata.<br />

Lá no pequeno atalho, Ouvi-se um grito na mata:<br />

- É “sumano” ! Diz o caboclo...<br />

Um latido... Feminino: mata.<br />

Uma palhoça, terreiros encantados pelas mangueiras...<br />

Varandas solteiras, rosas e papoulas na frente.<br />

Feminino: mata<br />

Varas de pau verde acoplam os xerimbabos no quintal,<br />

Família abundante,<br />

Caboclo não “dorme” em servidão...<br />

Crianças nuas, cabeludas,<br />

Vão comendo e chupando mangas no banco de ipê...<br />

Feminino: mata<br />

Banquinhos arredondados na cozinha,<br />

No giráu... Um peixe de pele fresquinho...<br />

La na rede, o novo filho lacrimejando,<br />

Cabocla de saia rodada amamentando o filho macho...<br />

Feminino: mata<br />

Pratos de alumínio para assear<br />

No fogareiro, pupunha sendo cozinhada,<br />

Cachos vermelhos, frutos do tamanho de um uxi...<br />

Feminino: mata<br />

Um olhar despreocupado,<br />

Enxurrada por aqui não vai chegar mais...<br />

Cabocla quase feliz... Filho novo ainda chorando...<br />

Adversidades, abastamentos e esperanças deste povo,<br />

Feminino: mata<br />

Ananases crescendo lá no retiro...<br />

13h:00... Hora da sesta de todos...<br />

(Paz por aqui)<br />

74


SALADA DE FRUTA N°2<br />

Foi uma vez<br />

O abacaxi comeu o açaí,<br />

Pupunha presenciou a delinqüência e descreveu a historia<br />

Pro cupuaçu.<br />

Articulação no quintal<br />

A bacaba, prima do açaí,<br />

Queria que o delito fosse apreciado.<br />

O caju e o maracujá,<br />

Alastraram panfletos por toda a região Bragantina,<br />

E assim...<br />

No domingo seria o dia do ajuizamento.<br />

O abacaxi bamboleando a sua coroa,<br />

Assegurou a graviola e ao murici,<br />

Que se o salvassem,<br />

Daria a cada um deles um piso<br />

Lá em Capitão Poço.<br />

Chegou o domingo,<br />

Comparecimento acentuado da coletividade frutal...<br />

O Júri:<br />

Araçá, biriba, abiu,tucumã e sapotilha...<br />

(Estavam presentes amigos do finado açaí)<br />

Entre eles:<br />

Bacuri, ingá e abricó, além da bacaba.<br />

Fim da apreciação...<br />

O veredicto:<br />

O Juiz assim falou:<br />

- Por unanimidade do Júri o Réu é responsável!<br />

- Sua crucificação: Virar suco neste domingo!<br />

(Aplausos no ambiente)<br />

E assim foi.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

75


MUSEUS ABERTOS<br />

(RIOS DE LUA DO MAESTRO WALDEMAR)<br />

Uma coronhada d’água,<br />

Seis da manhã,<br />

Pará sensato,<br />

Bandeiras cintilam nas lanchas do rio.<br />

Meteorologia Amazônica,<br />

As vezes trovoadas ,<br />

Guerreiam o reino dos rios e das matas.<br />

Duas pancadas d’água,<br />

Tibre e Tejo (com uma inveja infernal)<br />

Em nossos rios,<br />

Contrastam as águas,<br />

Madeiras abundantes,<br />

Óleos, frutos...<br />

Milhares de canais.<br />

Pará, Amazonas,<br />

Vapores passando pausadamente,<br />

Produtos do rio-mar,<br />

Cumprimentam o seu povo,<br />

Com os cheiros provocantes e dengosos do Pará.<br />

Liberdade do invisível regente,<br />

Waldemar, presente nestas águas,<br />

Ventos arquitetados,<br />

Mãe natureza... paraense,<br />

Entidades verdes felizes.<br />

Chão de rios donde a vida cresce,<br />

Repentinos encontros ao luar,<br />

Silencio... Infinitas moradas de beira-rio.<br />

Dez milhões de pancadas d’água,<br />

Sob a lucidez do sol.<br />

Longitude, latitude,<br />

Náutica cortando as matas chuvosas.<br />

Abertas ao destino.<br />

Tímida jibóia passeando num galho,<br />

Pará, Amazonas, poesia franca...<br />

Em algum ambiente...<br />

Há de surgir um abraço molhado de nosso maestro...<br />

Waldemar, mora cá.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

76


IGARAPÉS<br />

(TRABALHOS DIURNOS)<br />

Mulheres açoitando roupagens,<br />

Igarapé enchido,<br />

Canções na boca cantando,<br />

Cantigas de roda,<br />

Mãos friccionando o sabão.<br />

Espumas desobedientes pela corrente,<br />

“Bunduns” indo embora.<br />

Lá vem a Dona Maroca,<br />

“Troxa” maior que a individua,<br />

Trás à cabeça estampas,<br />

Nas mãos :<br />

Juca e Mariazinha.<br />

Gargalhadas,<br />

Redes são “torcidas” seguramente,<br />

Fronhas, calças, cueiros e redes reveladas ao sol.<br />

Lá vem Dona helena<br />

Bacia carregada de louças,<br />

Bule, canecos, panelas e pratos...<br />

(Três utensílios caem ao chão).<br />

Ensejo matutino,<br />

Oportunidade das mulheres dos igarapés,<br />

Vestuário feminino amarradas,<br />

Seio á mostra,<br />

Um porronca desponta dos pulmões<br />

Mulheres trabalhando,<br />

Der repente,<br />

Thibum !<br />

Mariazinha dá um mergulho lá no pau-grande.<br />

Trovador pescando lá do outro lado do rio...<br />

(Tentando!)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

77


ROMANA<br />

(LÁ É TUDO DIFERENTE)<br />

Caiçara, enchida,<br />

Peixes, “arraias” e siris<br />

Caboclo bem-aventurado,<br />

Terçado nas mãos,<br />

Lá na cabeceira...<br />

Um cacuri igualmente cheinho.<br />

Garças e guarás brincando,<br />

Delineiam acometimentos...<br />

Caboclo as vezes deixa um bagrinho no curral.<br />

Caboclo frenético,<br />

Trabalha absorto,<br />

Não vê a chuva abordar.<br />

Tempo alterou,<br />

Cacuri ainda por ver,<br />

Caboclo sai da caiçara...<br />

E principia a chuva.<br />

Chega na outra beira,<br />

Anda sem pressa,<br />

Caboclo se abisma,<br />

Parece não crer...<br />

Uma sereia caçada,<br />

Cabelos negros, olhos de fogo,<br />

Caboclo não sai nem do espaço.<br />

Caboclo correu,<br />

Paneiros apinhados de peixes abandonados para trás,<br />

Escapou que nem um alucinado,<br />

Montou no casquinnho e foi embora.<br />

(Dizem que no outro dia a caiçara foi arrastada pela maré)<br />

E assim foi na Romana.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

78


SALTOS, GRITARIA, VAZANTE E FESTARIA<br />

(TRANSPORTE : BOI VERMELHINHO)<br />

Bumba-meu-boi !<br />

Rebecas, cavaquinhos<br />

Vaqueirama laçando o danado.<br />

Bate chifre meu boi!<br />

Terreiro livre,<br />

Crianças atiçadas,<br />

Outras com aversão.<br />

Boi dançando feito banzeiro,<br />

Bandeiras, fogueiras e pavilhões,<br />

Foguetes clareando mais o céu,<br />

Mães, vovós e titios,<br />

Todos brincando.<br />

Bumba-meu-boi !<br />

Pulsa o bichinho,<br />

Bate chifre meu boi!<br />

Tripa encharcado que nem bica nova...<br />

Bate chifre meu boi!<br />

Alegria! Exultação!<br />

Mais uma estrela “abrilhantando” este lindo céu.<br />

E a festa sai “varando” a madrugada.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

79


DISCO DO DIABO, UMA HITÓRIA<br />

(ACHATADA TRAAICOEIRA !)<br />

Houve um bate boca de linguajar<br />

Lá na escadinha do porto,<br />

Rosbotelino e Genivaldo,<br />

Tiveram que ir para o posto médico.<br />

“Remunda” assim ponderou:<br />

- “Furo ferrado de arraia”<br />

- “Não viru nu currá a peste achatada”<br />

- “furo duis bute certeiru”<br />

- “Tinha uns uito no presero”<br />

- “Cuitadu destes remeiro”<br />

- “Tá lá us duis fuzilado”<br />

- “Tão murendo di dô .. tudu cagado”<br />

- “Vixi Maria, dá ate dó di vê”<br />

Houve um bate boca de língua<br />

Lá na escadinha do porto<br />

Robostelino e Genivaldo...<br />

Mais um dia no porto.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

80


DOCE DE CUPUACÚ<br />

Caba desajeitada,<br />

Menino “reparando” o artefato,<br />

Copo de cupuacú em cima da mesa.<br />

Menino e caba,<br />

Olhares preocupados,<br />

Afastados...<br />

De quem será o primeiro bote?<br />

Um sai voando rasante,<br />

Outro corre em desfechada,<br />

Momento excepcional,<br />

Coração apressado,<br />

Asas à mil...<br />

Ânsia...<br />

Necessidade...<br />

Menino...<br />

Caba...<br />

Mesa exposta ao delírio,<br />

Copo cheiroso,<br />

Menino...<br />

Caba...<br />

Imprevisto...<br />

Copo vazio.<br />

Menino e caba...<br />

Babando...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

81


ARQUITETURA ESCAMAL<br />

Dois anzóis,<br />

Três tarrafas,<br />

Faca na cintura,<br />

Pesca aparelhamentos,<br />

Homens flutuando.<br />

Três redes,<br />

Um espinhel,<br />

Dez... vinte currais,<br />

Peixes brotando com a noite,<br />

Talante maternal.<br />

Quatro matapis,<br />

Cinco puçás,<br />

Dez redes de arrastão,<br />

Camarões e siris ninando embaixo da lua nova.<br />

Água alta,<br />

Água baixa,<br />

Compassos das águas,<br />

Resmunga o vento,<br />

Peixes, siris e camarões escassos.<br />

Água subindo,<br />

Maré criando asas,<br />

Pescadores,<br />

Instrumentos leves em suas mãos,<br />

Artefatos pontudos,<br />

Calos entre as falanges...<br />

E lá no fundo,<br />

Chumbadas que falam os seus linguajares.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

82


CAÇADA ERRADA<br />

(DIFÍCIL ACREDITAR)<br />

Afinal,<br />

Cutia surgiu,<br />

Punheteira pronta,<br />

Mira muda.<br />

Um vento,<br />

Cutia cheirando,<br />

Caboclo suando,<br />

Cor da noite atrapalhada,<br />

No vento,<br />

(O cheiro de homem)<br />

Cutia intimidada.<br />

Punheteira não movimenta,<br />

Caboclo quase não respira,<br />

É a hora certa!<br />

Caboclo,<br />

Cutia,<br />

Punheteira...<br />

(O mutá se quebra)<br />

- Cutia morrendo de rir.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

83


TRAPICHES HUMANOS<br />

FILEIRAS DE MONTARIAS<br />

Ameaçadora profissão<br />

Pescadores admiram o mar com afabilidade<br />

Vidas de pescadores<br />

Palhoças humildes<br />

Peixada morando por lá.<br />

Montarias as vezes delicadas<br />

Vão encarando o tempo<br />

E as exaltações das águas deste mar.<br />

Pescadores de cor vermelha<br />

Rugas patentes no rosto pesqueiro<br />

Estes, a benefício do favorável destino<br />

Descrevem as suas rezas para o mar.<br />

Olhar longínquo,<br />

Capitães de braços possantes<br />

Ponderam...<br />

Nesta semana, onde melhor pescar?<br />

Recintos múltiplos<br />

Joanes, Vigia ou Curuçá...<br />

Dezenas, centenas de espaços,<br />

Adágios destes Homens do antigo Pará.<br />

Perigosa comitiva<br />

Velas, remos e motores,<br />

Aguardam o vento adequado<br />

Agüentam os seus apegos com juramentos...<br />

E assim eles duram...<br />

Pensando de costume a “saída para fora”<br />

Homens deste velho mar.<br />

Pescador sorrindo.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

84


CÂNTIGA DE NINAR<br />

(CURUMIM DORMINDO)<br />

Um admirar de boi afável<br />

Mãe e filho na rede<br />

Cantigas<br />

(O ar abocanhava uma canção de ninar)<br />

Um fechar de olhos<br />

Pescando...<br />

Pescando...<br />

Curumim quase dormindo,<br />

O acompanhamento:<br />

Ú ú ú ú ú ....<br />

A a a a ...<br />

Rede balançando...<br />

Ú ú ú ú ú ....<br />

A a a a ...<br />

Rede já não balança<br />

(Mãe e filho adormecem)<br />

E lá na cumieira<br />

Um macaquinho...<br />

Dá uma comichada na cabeceira...<br />

(Morre de olho gordo do menino)<br />

Silêncio na acanhada oca...<br />

(Macaquinho foi caçar a sua mãe)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

85


GENTE DO MARAJÓ<br />

Sobre a terra ensopada<br />

Saúvas vão trabalhando perto da bananeira<br />

Ao além...<br />

Galopes de cavalo,<br />

Vaqueiro marajoara avança o terreno alagado.<br />

Vaqueiro, matando dez, vinte saúvas<br />

(As outras fogem)<br />

Eis vaqueiro...<br />

Já próximo a casa paterna.<br />

Salta ao chão<br />

(Mata mais três saúvas)<br />

Carta na mão<br />

Olha para o campo de sua meninice<br />

Dá uma “cuspidela”<br />

Abóia os bois pastando<br />

(Abóio triste )<br />

Dirigiu-se para a encurtada casa.<br />

( Três, oito, sete saúvas... )<br />

Atinge a porta<br />

Aperta a mãe marajoara<br />

Em passos brandos anda o vaqueiro<br />

Chapéu na mão...<br />

Faz o sinal da cruz,<br />

E vê..<br />

O velho marajoara esticado na cama.<br />

(Uma vela acesa)<br />

- Outros vaqueiros chegando “pro” velório.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

86


UMA HISTÓRIA NARCÓTICA<br />

É alvorada<br />

Feixes de timbós complementados<br />

Milhares de pedaços<br />

Índios improvisando a passagem.<br />

Forquilha tesa, fincada no rio<br />

Timbó revelado, peixes convulsos,<br />

Barreiras prontas, rio calado...<br />

(Pauladas repercutem na mata)<br />

Timbó vai sendo macerado.<br />

Na água,<br />

Animais perecendo<br />

Cobras, peixes e outros muitos que nem sei o nome<br />

Flechadas, pauladas,<br />

Bichos expirando aos “monte”.<br />

Pescaria “terminada”<br />

Centenas de bichos da água sobrenadam...<br />

Risadas<br />

Forte índio conduz a retirada.<br />

Passos firme<br />

Pés descalços<br />

Ocasião de voltar para a taba.<br />

E no calor da fumaça...<br />

Índia moqueando o almoço.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

87


PATOCÍDIO OUTUBRAL<br />

MILHARES NA HORA DA CEIA<br />

Por aqui pato é rei<br />

Quando nutrido ou avelhantado<br />

Preço acrescenta<br />

Contentamento dos paraenses<br />

Festa do Círio de Nazaré<br />

Domingo parenzal.<br />

Feito ao tucupí<br />

Um alho graúdo para modificar<br />

Tem pimenta de cheiro<br />

Um jambú para “adormecer” a gula<br />

Uma farinha d’água para encetar o pensamento.<br />

Queimante colorido<br />

É carnoso e cheiroso<br />

Acolhe o pecado labial<br />

Na realidade é a nossa refeição de natal.<br />

Nesta ocasião de festas<br />

À mesa temos diferentes irmãos culinários<br />

Maniçoba, pirarucu no azeite lusitano,<br />

Tracajás, perus e outros animalejos...<br />

Meio dia de cheiros<br />

Arrebata as ventas paraenses...<br />

(Narinas quase escravizadas)<br />

Prato feito<br />

Pato exposto na grande mesa<br />

Gostosura deste Norte<br />

Onde há paladares que não se pode explicar...<br />

Pato no tucupí<br />

Deixa seguramente esta nostalgia no ar.<br />

Depois do acompanhamento de fé<br />

Lá pelas treze horas..<br />

(Dependendo da “vazante” dos romeiros)<br />

Milhares de paraenses transpirando...<br />

- É assim por aqui...<br />

- Neste mágico segundo domingo de outubro.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

88


LAMENTO DO CÁRCERE<br />

Escutai o filho da mata<br />

Descendente longínquo das terras verdes<br />

Ouvi o antepassado machucado<br />

O retirante das noites enluaradas.<br />

Eis o apreciado de Tupã<br />

Carrega suas reminiscências nos pés,<br />

Fala com os rios e animais<br />

Sabedor de frutos e árvores<br />

Ele, o retirante.<br />

Escutai o filho da mata<br />

Trás o brado submergido em suas entranhas<br />

Encontra-se acabrunhado<br />

Já não fala a sua língua de tronco.<br />

Eis o retirante das matas defuntas<br />

Exacerbado, chora desajeitado...<br />

Escutai o filho da mata<br />

Pois ele espera o forasteiro com muita exaltação.<br />

(Conflito colérico)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

89


TACACÁ DAS 17h:00<br />

Quentura na barraca<br />

Fogareiro, panelas e cuias no tabuleiro<br />

Tacacazeira de pano amarrado na cabeça<br />

Atiça os paraenses<br />

Atiça quem por ali passa...<br />

Com um cheiro que é só desta terra.<br />

Uma bacia para lavagem<br />

Cuias coloridas e todos os talhes<br />

É o tacacá das 17h:00<br />

Velho consórcio da goma com o tucupí.<br />

Nas esquinas,<br />

Nas praças,<br />

Ou nas portas das casas,<br />

Cheiro indo longe<br />

Fim de tarde absorvente<br />

Um camarãozinho para adubar.<br />

Permanência imperativa,<br />

Tacacás nas avenidas e vilas<br />

Fluido de efeito amoroso<br />

Espesso do jeito Pará<br />

Apurado de gosto morenal<br />

Viscoso da vida belenal...<br />

Líquido da vida parenzal.<br />

Durante a tarde<br />

Trás as primeiras lâmpadas<br />

Chuva indo conquanto<br />

Beiços amortecidos<br />

Fogo e brasas sendo ventilados,<br />

Olhos lagrimando<br />

Molecas pimentas de cheiro...<br />

O Pará tem gosto de tacacá...<br />

(Dizem que engorda)<br />

- Só se for de prazer!<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

90


ÁGUAS DO MARAJÓ<br />

Lâminas de luz<br />

Barraco brioso<br />

Frestas suavizando o rosto<br />

Pescador na espera<br />

Sol surgindo mais alto<br />

Tempo transformando...<br />

Hora de pescar.<br />

Pescador precavido<br />

Fricciona os olhos<br />

“Levanta” da rede<br />

Escravo simétrico destes lugares<br />

Lamparinas dando o seu último suspiro...<br />

Chapéu na cabeça...<br />

Caboclo preenchendo o urinol.<br />

Tempo alterou<br />

Janela aberta<br />

Um olhar fundamentado nas canoas enfileiradas...<br />

Toma um café frio<br />

Assume o remo entalhado...<br />

Arreda para pescar.<br />

Caminhos das marés<br />

Meiga nas beiradas repletas de plantas aquáticas<br />

Caboclo boceja<br />

Monólogo visual...<br />

Tempo virou.<br />

Cabanas vão fugindo dos olhos<br />

Paisagens deste serviço<br />

Rema com fortes braçadas...<br />

Tempo virou.<br />

Vida protegida por Deus<br />

Estes astros vivos rezam em silêncio<br />

Mais uma vez boiúna e Uiara assessorando...<br />

A canoa no rio, parece bailar.<br />

Pescador do Marajó e suas águas marajoaras...<br />

- Apaixonado... Caboclo pensa em Maria Antônia...<br />

E assim o tempo vai sempre virando.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

91


INSPIRAÇÃO DOS REMOS<br />

Rolando a cadência<br />

Proa, vento<br />

Esbeltos,<br />

Sol e céu,<br />

Caboclo e remo...<br />

Simpatizantes naturais...<br />

(Vigoram os braços do Homem ribeirinho)<br />

Em cima do mar<br />

Montaria pescava<br />

Proa<br />

Vento<br />

(Barulho)<br />

Maresia endiabrada<br />

Parecendo música de carimbó.<br />

Rolando o compasso<br />

Proa<br />

Vento<br />

Caboclo<br />

Remo<br />

Peixes cautelosos<br />

Flutuam no remanso<br />

(Caboclo “cabreiro”)<br />

Peixes também.<br />

Em cima do mar<br />

As coisas vão acontecendo<br />

Lá na proa...<br />

(Peixe pulando)<br />

João de pau sorrindo...<br />

(O caboclo também)<br />

Curral “lá no longe”...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

92


NARRATIVA RELIGIOSA<br />

Ontem o sol despertou a romaria<br />

Procissão<br />

Infância, puberdade e anciões nas ruas<br />

Homens, todos análogos na alma<br />

Salada de cores<br />

Erupções de rezadeiras<br />

Avenidas parecem cantar em coro...<br />

(Carinhosamente o sol também cantava)<br />

Portas, janelas e casarões,<br />

Ornamentado de flores<br />

Trazem a cabeceira as suas famílias seculares.<br />

Mangueiras garantem o cenário<br />

Verde oliva nas passarelas da Fé<br />

Folhas benditas<br />

Fascinadas...<br />

Celebram a passagem.<br />

Ontem o sol abrir os olhos mais cedo<br />

Acordou beijando os paraenses...<br />

(Principalmente a Maria )<br />

- Círio de Nazaré<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

93


UM RODRIGUES... UM EMÍLIO<br />

BELÉM AINDA É VERDE<br />

Uma arara “gritou”<br />

Troncos felizes<br />

Um jabuti de pescoço para o ar<br />

Cutia correndo, pelos dourados.<br />

Corpo e pernas espremidas...<br />

Tráfegos aéreos pulando:<br />

- Macacos.<br />

A anta cochila<br />

Defeca sorrindo<br />

Um tucano aguardando frutos<br />

Olhos e penas assumindo a cor da Amazônia...<br />

Ariranha brincando...<br />

Pirarucus sussurrando segredos.<br />

Jacarés parados,<br />

Surpresa na gaiola dos guarás...<br />

Estrelas interpretam um vermelho que só tem por aqui.<br />

Tracajás tomando banho de sol<br />

Cabeças à flor d’água<br />

(Surpresos com os fotógrafos)<br />

Um elétrico morando por lá<br />

Poraquê deslizando em lajotas azuis...<br />

Fauna e flora em consonância.<br />

Peixes “amamentando” a areia<br />

Águas compactas...<br />

Silêncio no aquário escuro.<br />

Garças, plumagnes soltas<br />

Bicos e penas ambicionam a liberdade...<br />

Grutas escuras esperando os namorados.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

94


Árvores,<br />

Gigantes... no centro desta capital<br />

Trazem o vento, formigas e outros bichos...<br />

Todos raciocinam na linguagem Pará...<br />

(Homens respirando a umidade)<br />

Novamente macacos<br />

Rabos soltos, pulos, brincadeiras,<br />

No Emílio,<br />

No Rodrigues...<br />

(Tudo é central)<br />

Uma canoa desfilando<br />

Crianças<br />

Sorrisos e olhos na mira dos tambaquis<br />

Mãe D’água estática...<br />

(Fotógrafos trabalhando)<br />

Dona ema,<br />

Quase sem penas parece apaixonada...<br />

Bancos de cimento e ferro,<br />

Coretos as vezes com festas,<br />

Chafariz:<br />

- Acarinham as folhas...<br />

(Carícias Amaz6onicas)<br />

Cobras diversas,<br />

Entrelaçadas nos paus e nos galhos menores<br />

Finge dormir<br />

Finas, grossas...<br />

(Posam também para as máquinas)<br />

No lago quase estático<br />

Flor diferente... Nasceu nesta madrugada...<br />

Lótus dos lábios caboclos,<br />

Perfeita folhagem...<br />

(Vitória – Régia )<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

95


No Rrodrigues Alves...<br />

Verde, verdes,<br />

No Emílio Goeld...<br />

Verdes, verdes.<br />

Sapopemas, andirobeiras...<br />

Centenárias que parecem pedra<br />

Curupira, Manpinguari, moram aqui no centro,<br />

Já estão acostumados com as buzinas lá de fora...<br />

Estátuas guardam as entradas...<br />

Caipora escondido em algum lugar.<br />

Pirarucu<br />

Vermelho escamoso<br />

Parece mais liso que muçum<br />

Caras achatadas,<br />

Atrações destes espaços musicais.<br />

Mata escura<br />

Mata quase fechada<br />

Folhagens de todos os tamanhos<br />

Cheiros, caminhos estreitos para passear...<br />

(Minha filha correndo feliz)<br />

Periquitos, cultura indígena,<br />

Cerâmicas marajoaras,<br />

Pedras, utensílios, casa de farinha...<br />

Acervo completo desta terra querida.<br />

( Marília continua correndo)<br />

Visões, histórias de cantos diversos,<br />

Balões e brinquedos de miriti nos portões de saída...<br />

(Crianças brincando de natureza)<br />

Domingo festivo<br />

Bosque e Museu satisfazendo o desejo de muitos<br />

(Senhores e senhoras pensando na vida)<br />

Sucos e bolos da terra<br />

Malocas excitam a gulodice dos visitantes,<br />

Bosque e Museu...<br />

Escolas naturais resguardando os seus habitantes.<br />

Um macaco desajeitado:<br />

(Tenta de qualquer maneira uma nova estripulia)<br />

No próximo Domingo... Tem Cordões de Pássaros!<br />

( Um guarda cochilando)<br />

Belém é assim...<br />

É verde...<br />

Quando quer.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

96


CARIMBÓ<br />

Vestes ao vento,<br />

Colorido risonho,<br />

Compassos, saias rodando,<br />

Sorrisos despedaçam,<br />

Parceiros cheirosos,<br />

Barras de saias largas...<br />

No coreto da praça.<br />

Círculos de mulheres e homens,<br />

Pés envolvem...<br />

Batendo...<br />

(um xique, xéque, xoque no chão)<br />

Cadenciam os folclóricos,<br />

Curimbós retumbam firmes,<br />

Tocadores e seus tronos,<br />

Transpiram, deleitam-se...<br />

Vaquetas humanas...<br />

Um som de alegria.<br />

Flautas e violões pequeninos,<br />

Requebram em notas musicais,<br />

(valsa paraense)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

Homens e mulheres,<br />

Rodando,<br />

Rodando,<br />

Rodas festivas nas terras de...<br />

Curuça , Marapanim, Mayandeua, Salinas, Marajó, Soúre, Maracanã...<br />

Vestes ao vento,<br />

Cancões, patchoulis e cachaça...<br />

É ele o carimbó.<br />

Morena quase quebrando as “cadeiras”<br />

97


COIVARA<br />

O fogo,<br />

A derrubada,<br />

Morte úmida,<br />

Coivara...<br />

Primeiro dia,<br />

Produção moderna,<br />

Mata vazia,<br />

Marinheiros escravizados,<br />

Aves naufragam,<br />

O fogo,<br />

Mãos que matam são abolidas,<br />

Exótico, estático,<br />

Ironia cravada no verde.<br />

Arquitetura queimada,<br />

Eficiente fogo trabalha,<br />

Passatempo moderno,<br />

Fumaça pra lá e pra cá.<br />

Pátria usina,<br />

Tingem a verdade nos satélites,<br />

Muitos criticam<br />

Mata era fechada,<br />

Mata era virgem,<br />

Mata agora mata.<br />

Num breve tempo...<br />

Aqui jáz Ela...<br />

Ou o que sobrou.<br />

(Um passarinho procurando uma árvore)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

98


BOTO, LUA... ENFIM COMECOU A FESTA<br />

E veio a lua,<br />

Maré preencheu,<br />

Guariba cantou para as estrelas,<br />

Mata quase dormindo,<br />

O mangue aplaudia,<br />

Peixe-boi que nasceu.<br />

E veio a lua,<br />

Banzeiro batendo nas pedras,<br />

Mangue originando ventania,<br />

Carapanãs e maruins picando,<br />

Milhões...<br />

Maré encheu.<br />

E veio a lua,<br />

Um beijo roubado no terreiro,<br />

Lamparinas fingindo dormir,<br />

Cabocla e caboclo nas redes.<br />

E veio a lua<br />

Boto transformando-se em gente,<br />

Carimbó lá dentro do mato,<br />

Delícias de ser paraense.<br />

E veio a lua,<br />

Com ela, cantigas de ninar,<br />

Histórias pra contar,<br />

Um local pra namorar.<br />

E veio a lua,<br />

“Crariou” tudo...<br />

Todo mundo olhando pra ela.<br />

Boto se preparando para arraial<br />

E veio a lua...<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

99


CIDADE COLIBRIANA<br />

Colibris,<br />

Belém do Pará,<br />

Vestígio da liberdade certeira,<br />

Esconderijo da solidão silenciosa,<br />

Aguerrida dos ventos nos sobrados mangueirais,<br />

Belém do Pará,<br />

Roupas de folhagens gentis,<br />

Ébria de formas juvenis<br />

Banhos de flores das mangueiras.<br />

Belém do Pará,<br />

Vidas de tantas vidas,<br />

Ousada atrevida em suas praças de amor.<br />

Belém do Pará,<br />

Torre dos anjos guajarinos,<br />

Torres dos periquitos e sabiás,<br />

Galante por existir.<br />

Colibris,<br />

Belém do Pará,<br />

Vida de tantas vidas...<br />

Dos teus muros verdejantes,<br />

Hei de pertencer a tua história.<br />

Poesia viva...<br />

Belém do mundo.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

100


CANIÇO<br />

Os caniços acariciavam a água<br />

Peles com escamas fugiam de maneira drástica<br />

Profunda razão destes “cabocos” solitários nestas águas...<br />

Caniços rasgam o tempo...<br />

E os peixes.<br />

Os caniços sofrem com o sal<br />

Indigesto cavalheiros de peles bronzeadas<br />

Peixes desviam-se por entre as raízes.<br />

Cravam-se de perigos destas horas<br />

Natureza trabalha por entre as batidas do remo que não para...<br />

Marulhar de fronteiras, Silêncio nas mãos....<br />

Caniços cravados...<br />

Rasgam a velocidade de cada puxada.<br />

Caniços e mãos chamam o vento...<br />

Pequenas ondas defloram iscas e a paciência...<br />

Ondas sem asas, furo não sorria...<br />

“Caboco” de alguma maneira tentando sorrir.<br />

E os caniços formam os seus credos...<br />

Famílias á espera do “pão” de escamas...<br />

Acoites nas águas...<br />

Carinho de remos nas águas...<br />

Dançam como tranças de bumbás de junho...<br />

Esboço de gerações de braços fortes<br />

“Caboco” começa traçar uma nova estratégia ...<br />

Caniços voando de uma outra forma..<br />

Um novo barulho...<br />

Um novo movimento de água...<br />

Cardume chegando.<br />

“Caboco” mostrando os dentes para a Mãe- D’ água.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

101


E O SOL CONFESSOU<br />

De minha castanheira<br />

Caem pedaços de pau<br />

Ouriços encantados<br />

Senhora das matas<br />

Frutífera, refresca o tempo.<br />

Lentamente faz-se crescer<br />

Puramente gestual de gigantes<br />

De seu corpo, privilégio ...<br />

Estrondos perfeitos<br />

Terra e bichos gemendo no ar.<br />

Entre outras gigantes<br />

Troncos centenários saúdam o tempo<br />

Beijam o sol ao meio dia .<br />

Eis o anuncio da força<br />

Castanheira grávida de vidas<br />

Ouriço de pau<br />

Abre o céu da estrada<br />

Nasceu encabulada<br />

Frágil ao olhar de tantos amantes destas matas.<br />

Folhas ao chão caindo com as penas de japiim<br />

Castanheira da estrada.<br />

Meu poema frutífero.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

102


ATLÂNTICO PARAENSE<br />

Foi a água que comandou...<br />

Os perfumes das fontes ocultas<br />

Vazante da força das estrelas<br />

Sol e lua na solidão do alto mar<br />

Sol e lua na venta dos homens.<br />

A água decretou a geração dos pescadores<br />

Momento sutil da pré-a-mar<br />

Movimentos vivos...<br />

Movimentos mortos...<br />

Isolamento do alto mar.<br />

Então a água chamou o vento<br />

Energia correspondente do Atlântico botal<br />

Reino encantado,<br />

Submerso os segredos dos baiacús<br />

Solidão no alto mar.<br />

Seres destas águas<br />

Rituais de marés solitárias<br />

Fluxos de velas indecisas,<br />

Entidades do fundo subscrevendo as suas histórias.<br />

Submersos os segredos dos xaréus<br />

Marés... Parindo alguns trilhões de ovas,<br />

E no barco encantado...<br />

Alguém pilotando com o isolamento.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

103


A CONTRUÇÃO DE POEIRAS E AS BOLAS DE MEIA<br />

Dá início a brincadeira<br />

Empurrões, saltos e algazarra no terreiro<br />

Bola pra lá e pra cá<br />

Pés no chão, sol na cabeça<br />

Meninos impregnados de suadeira.<br />

Zé na ponta, quase entra com um pé no gol<br />

Antonio Fancisco na lateral esquerda<br />

Marcos, Mauro e Catita<br />

Todos gritando...<br />

Passa a bola Bezerra...<br />

Endiabrados de poeiras<br />

Gritos esperando a voz que ovaciona .<br />

Um drible, dois...<br />

Catita dando um baita olé na molecada.<br />

No final da brincadeira<br />

Dedões inchados e despedaçados pelos paus do terreiro<br />

Roupas sujas, cabelos duros...<br />

De branco... Só olhos dos moleques estradeiros.<br />

Tardes de minha infância...<br />

No agora...<br />

As meias permanecem no varal.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

104


MARCHA DOS TAMBORES<br />

E do Congo rufou os tambores<br />

Realçam as marchas cadenciadas<br />

Rei e Rainha na terreno santareno<br />

Folias de princesa nos altos dos mocorongos<br />

Murambiré, marcando...<br />

Rapaziada namorando.<br />

E o Congo alertou as cores douradas<br />

Nova aliança nos bordados dançantes<br />

Dança do Alter...<br />

Sorrisos ainda mais brancos.<br />

Platéia abismada, abastança deste chão,<br />

Murambiré, marcando<br />

Rei e Rainha foliando.<br />

Coroas brilhando sob o sol<br />

Pedrarias nutrindo o afetuoso festejar<br />

Fitas distintas de colorir adágios<br />

Militar extasiado soltando o verbo cantar.<br />

Murambiré, marcando<br />

Rei e Rainha dançando.<br />

Evoluções de pandeiros enfeitados<br />

Sons que marcam a solidez do tempo<br />

Multicores de gestos, alegres senhores...<br />

Murambiré, marcando...<br />

Triângulos agitados...<br />

E o Congo sorri no velho Alter.<br />

Ao chão...<br />

Fitas perfumadas.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

105


BELÉM, BELÉM, BELÉM<br />

Pingos desmoronando-se das folhas das mangueiras<br />

Alguns pássaros esfomeados se confortam nos frutos<br />

Banquetes destas praças<br />

Pingo, pingando...<br />

Mangueira pingando,<br />

Fruto pingando sumo.<br />

Paralelepípedos encharcados<br />

Valas abarrotadas de mangas<br />

Sabor, cheiro e alegria nas intersecções<br />

Avisam que o tempo cheiroso chegou.<br />

Tocam os sinos<br />

Basílica abraça os paraenses<br />

Pingo caindo<br />

Belém no agora é mais Belém<br />

Vento de mar no semblante de quem passa.<br />

Ritos, poesia e música nas praças<br />

Crianças percorrem por entre o vento confortante<br />

Bolhas de sabão nas esquinas<br />

Ursa Maior de folhas<br />

Habitares verdes para os pássaros paraenses...<br />

Periquitos chegando na sumaumeira.<br />

Pinga o chuvisco<br />

Penas voando na Avenida Nazaré<br />

Procriam os seres<br />

Namorados em seu primeiro beijo na grama<br />

Poesias latejam nos papéis.<br />

Pingos nas casas, edifícios, cinemas e crucifixos...<br />

Mundo dos pingos<br />

Mundo das águas encantadas<br />

Mundo da pluviometricidade<br />

Mundo das mangueiras...<br />

Belém do Pará.<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

106


SERENATA DO ARVOREDO<br />

Sempre acreditei e acreditarei<br />

Que os pássaros são santos<br />

Sempre fitarei e alcançarei<br />

As suas folhas de Babel.<br />

(Japiins em vôo )<br />

São elas as pujantes da nação anatômica<br />

São elas a consonância e a turbulência da vida amazônica<br />

Sempre acreditei e acreditarei<br />

Que os pássaros são os seus irmãos<br />

E que a água há de perpetrar amor por todos os dias<br />

Naus verdes da esplendorosa terra.<br />

(Serenata de amantes verdais)<br />

Sempre acreditei e acreditarei<br />

Que tu és a minha árvore<br />

E eu...<br />

A tua chuva.<br />

(Amazônia)<br />

<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

107


<strong>CABOCLO</strong> (Homem & Natureza) Flávio de Brito<br />

“ E assim eu deixo as histórias que muitos narram.<br />

E assim adormeço escutando a mata e os pios infinitos.<br />

E assim – assim – assim, digo a vós o sim...<br />

“De ainda ter muitos “causos” para contar”.<br />

Flávio de Brito<br />

108

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