Do Feminismo a Judith Butler - Miguel Vale de Almeida
Do Feminismo a Judith Butler - Miguel Vale de Almeida
Do Feminismo a Judith Butler - Miguel Vale de Almeida
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
freudiano e lacaniano) como múltipla, proliferante e potencialmente auto-subversiva,<br />
em vez <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo proibitivo, singular e rigidamente repressivo. As palavras chave<br />
aqui são produção e matriz. O género po<strong>de</strong> ser caracterizado como uma estrutura, um<br />
mol<strong>de</strong> ou uma grelha na qual ou através da qual, o sujeito é moldado.<br />
<strong>Butler</strong> interessa-se pelas “disposições” referidas por Freud mas em vez <strong>de</strong> as aceitar<br />
como inatas, ela quer saber como é que as disposições “masculina” e “feminina”<br />
po<strong>de</strong>m ser localizadas numa i<strong>de</strong>ntificação. Para ela as disposições são o efeito <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificações com o pai do mesmo ou diferente sexo e não as causas <strong>de</strong>ssas<br />
i<strong>de</strong>ntificações. Ou seja, o <strong>de</strong>sejo não vem primeiro. Enquanto que Freud <strong>de</strong>screve a<br />
formação do ego enquanto estrutura melancólica porque a criança é forçada a <strong>de</strong>sistir<br />
do <strong>de</strong>sejo pelos seus pais em resposta ao tabu do incesto, <strong>Butler</strong> argumenta que o<br />
tabu do incesto é precedido por um tabu contra a homossexualida<strong>de</strong>. Ela afirma que a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> género aparece primeiro como interiorização <strong>de</strong> uma proibição. Uma<br />
vez que a proibição é contra a homossexualida<strong>de</strong>, para <strong>Butler</strong> toda a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
género se funda num <strong>de</strong>sejo ou cathexis homossexual proibido. Se a melancolia é a<br />
resposta a uma perda real ou imaginada, e se a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> género heterossexual é<br />
formada na base <strong>de</strong> uma perda primária do objecto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo do mesmo sexo, segue-<br />
se que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> género heterossexual é melancólica.<br />
<strong>Butler</strong> fala <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação em termos <strong>de</strong> interiorização,querendo com isso dizer, com<br />
Freud, que o objecto perdido é introjectado e estabelece-se no ego enquanto<br />
i<strong>de</strong>ntificação. Ela pergunta-se on<strong>de</strong> ocorre a i<strong>de</strong>ntificação melancólica e conclui que as<br />
i<strong>de</strong>ntificações são incorporadas, isto é, preservadas na superfície do corpo. A<br />
interiorização literaliza a perda no corpo, surgindo então como a factualida<strong>de</strong> do<br />
corpo, o modo através do qual o corpo acaba por ter o “sexo” como sua verda<strong>de</strong><br />
literal. Ou seja: é-se o que se <strong>de</strong>sejou e já não é permitido <strong>de</strong>sejar-se. O que importa<br />
aqui é a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o corpo é um efeito do <strong>de</strong>sejo e não a sua causa. O corpo é uma<br />
estrutura imaginada e consequência do produto do <strong>de</strong>sejo.<br />
No entanto, embora concordando com Freud e Lévi-Strauss na noção <strong>de</strong> que as<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais e <strong>de</strong> género resultam <strong>de</strong> leis e tabus, ela afirma também que a lei<br />
6