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Por Aldyr Garcia Schlee<br />

II - O TEXTO


II – O TEXTO


CONTOS GAUCHESCOS<br />

/<br />

LENDAS DO SUL<br />

Texto estabelecido por<br />

Aldyr Garcia Schlee


CONTOS GAUCHESCOS 1<br />

* 2<br />

Folclore Regional<br />

* Esta expressão compl<strong>em</strong>enta o título <strong>da</strong> 1ª edição (),<br />

de Echenique & C. – Editores, Pelotas, 1912. Desapareceu na 2ª edição (), <strong>da</strong> Livraria do Globo, P.Alegre, 1926, que reuniu<br />

num só volume as len<strong>da</strong>s e os contos de Simões <strong>Lopes</strong> <strong>Neto</strong> – estes apenas sob o título .


À m<strong>em</strong>ória de meu Pai<br />

3<br />

Sau<strong>da</strong>de


PATRÍCIO, 4 apresento-te Blau, o vaqueano. 5<br />

Eu tenho cruzado o nosso Estado <strong>em</strong> caprichoso ziguezague. 6 Já<br />

7 senti a ardentia <strong>da</strong>s areias desola<strong>da</strong>s do litoral; já me recreei nas encanta-<br />

8 9 doras ilhas <strong>da</strong> lagoa Mirim; fatiguei-me na extensão <strong>da</strong> coxilha de Santana,<br />

10 molhei as mãos no soberbo Uruguai, 11 tive o estr<strong>em</strong>ecimento do<br />

medo nas ásperas penedias do Caverá; já colhi malmequeres nas planícies<br />

do Saicã, oscilei entre as águas grandes do Ibicuí; palmilhei os quatro<br />

ângulos <strong>da</strong> derroca<strong>da</strong> fortaleza de Santa Tecla, pousei <strong>em</strong> São Gabriel, a<br />

forja rebrilhante que tantas espa<strong>da</strong>s valorosas t<strong>em</strong>perou, e, 12 arrastado no<br />

turbilhão <strong>da</strong>s máquinas possantes, corri pelas paragens magníficas de Tupanciretã,<br />

13 o nome doce, que no lábio ingênuo dos caboclos quer dizer os<br />

14 15<br />

campos onde repousou a mãe de Deus...<br />

Saudei a graciosa Sta. Maria, 16 fagueira e tranquila 17 na encosta <strong>da</strong><br />

serra, <strong>em</strong>ergindo do verde-negro 18 <strong>da</strong> montanha copa<strong>da</strong> o casario, branco,<br />

19 como como um fantástico algodoal <strong>em</strong> explosão de casulos.<br />

20<br />

Subi aos extr<strong>em</strong>os do Passo Fundo, deambulei para os cumes <strong>da</strong><br />

Lagoa Vermelha, 21 retrovim para a merencória Sole<strong>da</strong>de, flor do deserto,<br />

alma risonha no silêncio dos ecos do mundo; cortei um formigueiro humano<br />

na zona colonial. 22<br />

Da digressão longa e d<strong>em</strong>ora<strong>da</strong>, feita <strong>em</strong> etapas de <strong>da</strong>tas diferentes,<br />

estes olhos traz<strong>em</strong> ain<strong>da</strong> a impressão vivaz e maravilhosa <strong>da</strong> grandeza,<br />

<strong>da</strong> uber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> hospitali<strong>da</strong>de. 23<br />

Vi a colmeia e o curral; vi o pomar e o rebanho; vi a seara e as<br />

manufaturas; vi a serra, os rios, a campina e as ci<strong>da</strong>des; e dos rostos e <strong>da</strong>s<br />

auroras, de pássaros e de crianças, dos sulcos do arado, <strong>da</strong>s águas e de<br />

tudo, estes olhos, pobres olhos condenados à morte, ao desparecimento, 24<br />

guar<strong>da</strong>rão na retina até o último milésimo <strong>da</strong> luz, a impressão <strong>da</strong> visão<br />

25 sublima<strong>da</strong> e consoladora; e o coração, quando faltar ao ritmo, arfará num<br />

26 último esto para que a raça que se está formando aquilate, ame e glorifique<br />

os lugares e os homens de nossos t<strong>em</strong>pos heróicos, pela integração <strong>da</strong><br />

27 *<br />

Pátria comum, agora abençoa<strong>da</strong> na paz. —<br />

* O trecho que começa no segundo parágrafo <strong>da</strong> página anterior – e que aqui termina – pertence à<br />

parte inicial de uma conferência proferi<strong>da</strong> por JSLN. Foi publicado às páginas 1 e 2 de um o-


28 E, por circunstâncias de caráter pessoal, decorrentes <strong>da</strong> amizade e<br />

<strong>da</strong> confiança, sucedeu que foi meu constante guia e segundo o benquisto<br />

tapejara Blau Nunes, des<strong>em</strong>penado arcabouço de oitenta e oito anos, todos<br />

os dentes, vista agu<strong>da</strong> e ouvido fino, mantendo seu aprumo de furriel 29<br />

farroupilha, que foi, de Bento Gonçalves, e de marinheiro improvisado,<br />

<strong>em</strong> que deu baixa, ferido, de Taman<strong>da</strong>ré.<br />

Fazia-me ele a impressão de um perene tarumã verdejante, rijo para<br />

o machado e para o raio, e abrigando dentro do tronco cernoso enxames<br />

de abelhas, nos galhos ninhos de pombas...<br />

Genuíno tipo – crioulo – rio-grandense (hoje tão modificado), era<br />

Blau o guasca sadio, a um t<strong>em</strong>po leal e ingênuo, impulsivo na alegria e na<br />

t<strong>em</strong>eri<strong>da</strong>de, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável; e dotado de uma<br />

m<strong>em</strong>ória de rara nitidez brilhando através de imaginosa e encantadora<br />

loquaci<strong>da</strong>de servi<strong>da</strong> e florea<strong>da</strong> pelo vivo e pitoresco dialeto gauchesco.<br />

E, do trotar sobre tantíssimos rumos: 30 <strong>da</strong>s pousa<strong>da</strong>s pelas estâncias;<br />

dos fogões a que se aqueceu; dos ranchos <strong>em</strong> que cantou, dos povoados<br />

que atravessou; <strong>da</strong>s cousas que ele compreendia e <strong>da</strong>s que eram-lhe<br />

ve<strong>da</strong><strong>da</strong>s ao singelo entendimento; do pêlo-a-pêlo<br />

31 com os homens, <strong>da</strong>s<br />

erosões <strong>da</strong> morte e <strong>da</strong>s eclosões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,entre o Blau – moço, militar – e o<br />

Blau – velho, paisano –, ficou estendi<strong>da</strong> uma longa estra<strong>da</strong> s<strong>em</strong>ea<strong>da</strong> de<br />

recor<strong>da</strong>ções – casos, dizia –, que de vez <strong>em</strong> quando o vaqueano recontava,<br />

como qu<strong>em</strong> estende ao sol, para arejar, roupas guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s ao fundo de uma<br />

arca.<br />

Querido digno velho!<br />

Saudoso Blau!<br />

Patrício, escuta-o.<br />

púsculo intitulado , com as seguintes indicações na capa, além do nome do<br />

autor () e <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação (): .<br />

32


Trezentas onças 1<br />

______ 2<br />

4 Eu tropeava, nesse t<strong>em</strong>po. Duma feita que viajava de escoteiro,<br />

com a guaiaca <strong>em</strong>panzina<strong>da</strong> de onças de ouro, vim varar aqui neste mesmo<br />

passo, por me ficar mais perto <strong>da</strong> estância <strong>da</strong> Coronilha, onde devia<br />

pousar. 5<br />

Parece que foi ont<strong>em</strong>!... Era por fevereiro; eu vinha abombado <strong>da</strong><br />

trotea<strong>da</strong>.<br />

Olhe, ali, na restinga, à sombra <strong>da</strong>quela mesma reboleira de mato,<br />

que está nos vendo, na beira do passo, desencilhei; e estendido nos pelegos,<br />

a cabeça no lombilho, com o chapéu sobre os olhos, fiz uma sestea<strong>da</strong><br />

morru<strong>da</strong>. 6<br />

Despertando, ouvindo o ruído manso <strong>da</strong> água tão limpa e tão fresca<br />

rolando sobre o pedregulho, tive ganas de me banhar; até para quebrar<br />

a lombeira... e fui-me 7 à água que n<strong>em</strong> capincho!<br />

Debaixo <strong>da</strong> barranca havia um fundão onde mergulhei umas quantas<br />

vezes; e s<strong>em</strong>pre puxei umas braça<strong>da</strong>s, poucas, porque não tinha cancha<br />

para um bom nado.<br />

E solito e no silêncio, tornei a vestir-me, encilhei o zaino e montei.<br />

Daquela vere<strong>da</strong> andei como três léguas, chegando à estância cedo<br />

ain<strong>da</strong>, <strong>obra</strong> assim de braça e meia de sol.<br />

Ah!... esqueci de dizer-lhe que an<strong>da</strong>va comigo um cachor-rinho<br />

8<br />

brasino, um cusco mui esperto e boa vigia. Era <strong>da</strong>s crianças, mas às vezes<br />

3


<strong>da</strong>va-lhe para acompanhar-me, e depois de sair a porteira, n<strong>em</strong> por na<strong>da</strong><br />

fazia cara-volta, a não ser comigo. E nas viagens dormia s<strong>em</strong>pre ao meu<br />

lado, sobre a ponta <strong>da</strong> carona, na cabeceira dos arreios.<br />

9<br />

Por sinal que uma noite...<br />

Mas isso é outra cousa; vamos ao caso.<br />

Durante a trotea<strong>da</strong> b<strong>em</strong> reparei que volta e meia o cusco parava-se<br />

na estra<strong>da</strong> e latia e corria pra 10 trás, e olhava-me, olhava-me, e latia 11 de<br />

novo e troteava um pouco sobre o rastro; – parecia que o bichinho estava<br />

me chamando!... 12 Mas como eu ia, ele tornava a alcançar-me, para <strong>da</strong>í a<br />

pouco recomeçar.<br />

Pois, amigo! Não lhe conto na<strong>da</strong>! Quando botei o pé <strong>em</strong> terra na<br />

13 rama<strong>da</strong> <strong>da</strong> estância, ao t<strong>em</strong>po que <strong>da</strong>va as – boas tardes! – ao dono <strong>da</strong><br />

casa, agüentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso <strong>da</strong><br />

guaiaca! 14<br />

Tinha perdido trezentas onças de ouro que levava, para pagamento<br />

de gados que ia levantar.<br />

E logo passou-me pelos olhos um clarão de cegar, depois uns coriscos<br />

tirante a roxo... depois tudo me ficou cinzento, para escuro...<br />

Eu era mui pobre – e ain<strong>da</strong> hoje, é como vancê sabe... – estava<br />

começando a vi<strong>da</strong>, e o dinheiro era do meu patrão, um charqueador, sujeito<br />

de contas mui limpas e brabo como uma manga de pedras...<br />

Assim, de meio assombrado me fui repondo quando ouvi que in<strong>da</strong>gavam:<br />

– Então, patrício? 15 está doente?<br />

– Obrigado! Não senhor, respondi, não é doença; 16 é que sucedeume<br />

uma desgraça: 17 perdi uma dinheirama de meu patrão...<br />

– A la fresca!... 18<br />

–É ver<strong>da</strong>de... antes morresse, que isto! Que vai ele pensar agora de<br />

mim!...<br />

19 – É uma dos diabos, é...; mas não se acoquine, hom<strong>em</strong>!<br />

Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao focinho do cavalo, como<br />

querendo lambê-lo, e logo correu para a estra<strong>da</strong>, aos latidos. E olhava-me,<br />

e vinha e ia, e tornava a latir...<br />

Ah!... E num repente l<strong>em</strong>brei-me b<strong>em</strong> de tudo. Parecia que estava<br />

vendo o lugar <strong>da</strong> sestea<strong>da</strong>, o banho, a arrumação <strong>da</strong> roupa nuns galhos de<br />

sarandi, e, <strong>em</strong> cima <strong>da</strong> pedra 21 a guaiaca e por cima dela o cinto <strong>da</strong>s armas,<br />

20


e até uma ponta de cigarro de que tirei uma última traga<strong>da</strong>, antes de entrar<br />

na água, e que deixei espeta<strong>da</strong> num espinho, ain<strong>da</strong> fumegando, soltando<br />

uma fitinha de fumaça azul, que subia, fininha e direita, no ar s<strong>em</strong> vento...;<br />

22 tudo, vi tudo.<br />

Estava lá, na beira<strong>da</strong> do passo, a guaiaca. E o r<strong>em</strong>édio era um só:<br />

tocar 23 a meia-rédea, 24 antes que outros an<strong>da</strong>ntes passass<strong>em</strong>.<br />

Num vu 25 estava a cavalo; e mal isto, o cachorrinho pegou a retou-<br />

26 çar, numa alegria, ganindo – Deus me perdoe! – que até parecia fala!<br />

E dei de rédea, d<strong>obra</strong>ndo o cotovelo do cercado.<br />

Ali logo frenteei com uma comitiva de tropeiros, com grande cavalha<strong>da</strong><br />

por diante, e que por certo vinha tomar pouso na estância. Na<br />

cruza<strong>da</strong> nos tocamos todos na aba do sombreiro; uns quantos vinham de<br />

balandrau enfiado. S<strong>em</strong>pre me deu uma coraçona<strong>da</strong> 27 para fazer umas<br />

28 perguntas... mas engoli a língua.<br />

Amaguei o corpo e penicando de esporas, toquei a galope largo.<br />

O cachorrinho ia ganiçando, ao lado, na sombra do cavalo, já mui<br />

compri<strong>da</strong>.<br />

A estra<strong>da</strong> estendia-se deserta; à esquer<strong>da</strong> os campos desd<strong>obra</strong>vamse<br />

a perder de vista, serenos, verdes, clareados pela luz macia do sol morrente,<br />

manchados de pontas de gado que iam se arrolhando nos paradouros<br />

<strong>da</strong> noite; à direita, o sol muito baixo, vermelho-dourado, entrando <strong>em</strong><br />

massa de nuvens de beira<strong>da</strong>s luminosas. 30<br />

Nos atoleiros, secos, n<strong>em</strong> um quero-quero: uma que outra 31 perdiz,<br />

sorrateira, piava de manso por entre os pastos maduros; elonge – entre o<br />

resto <strong>da</strong> luz que fugia de um lado e a noite que vinha, peneira<strong>da</strong>, do outro<br />

– alvejava a brancura de um joão-grande, voando, sereno, quase s<strong>em</strong> mover<br />

as asas, como numa despedi<strong>da</strong> triste, <strong>em</strong> que a gente também não sacode<br />

os braços...<br />

Foi caindo uma arag<strong>em</strong> fresca; e um silêncio grande, <strong>em</strong> tudo.<br />

O zaino era um pingaço de lei; e o cachorrinho, agora sossegado,<br />

meio de ban<strong>da</strong>, de língua de fora e de rabo <strong>em</strong> pé, troteava miúdo e ligeiro<br />

32 dentro <strong>da</strong> polvadeira rasteira que as patas do flete levantavam.<br />

E entrou o sol; ficou nas alturas um clarão afogueado, como de in-<br />

cêndio num pajonal;<br />

33 depois o lusco-fusco; depois cerrou a noite escura;<br />

depois, no céu, só estrelas... só estrelas...<br />

34<br />

29


O zaino atirava o freio e g<strong>em</strong>ia no compasso do galope, comendo<br />

caminho. B<strong>em</strong> por cima de minha cabeça as Três-Marias tão bonitas, tão<br />

vivas, tão alinha<strong>da</strong>s, pareciam me acompanhar... L<strong>em</strong>brei-me dos meus<br />

filhinhos, que as estavam vendo, talvez; l<strong>em</strong>brei-me de minha mãe, de<br />

meu pai, que também as viram, quando eram crianças e que já as conheceram<br />

pelo seu nome de Marias, as Três-Marias. 35<br />

Amigo! Vancê é moço, passa a sua vi<strong>da</strong> rindo... Deus o conserve!...<br />

s<strong>em</strong> saber nunca como é pesa<strong>da</strong> a tristeza dos campos quando o coração<br />

pena!...<br />

Há que t<strong>em</strong>pos eu não chorava!... Pois me vieram lágrimas..., 36 de-<br />

vagarinho, como gateando, subiam... 37 tr<strong>em</strong>iam sobre as pestanas, luziam<br />

38 um t<strong>em</strong>pinho... e ain<strong>da</strong> quentes, no arranco do galope, lá caíam elas na<br />

polvadeira <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, como um pingo d’água perdido, que n<strong>em</strong> mosca<br />

n<strong>em</strong> formiga <strong>da</strong>ria com ele!...<br />

39<br />

Por entre as minhas lágrimas, como um sol cortando um chuvisco,<br />

passou-me pela l<strong>em</strong>brança a toa<strong>da</strong> dum verso lá dos meus pagos:<br />

Qu<strong>em</strong> canta refresca a alma,<br />

Cantar adoça o sofrer;<br />

Qu<strong>em</strong> canta zomba <strong>da</strong> morte:<br />

Cantar aju<strong>da</strong> a viver!... 40<br />

Mas que cantar, podia eu!...<br />

O zaino respirou forte e sentou, trocando a orelha, farejando no<br />

escuro: o bagual tinha reconhecido o lugar, estava no passo.<br />

Senti o cachorrinho respirando, como assoleado. Apeei-me.<br />

Não bulia uma folha; o silêncio, nas sombras do arvoredo, 41 metia<br />

respeito... que medo, não, que não entra <strong>em</strong> peito de gaúcho.<br />

Embaixo, o rumor <strong>da</strong> água pipocando sobre o pedregulho; vagalumes<br />

retouçando no escuro. Desci, dei com o lugar onde havia estado;<br />

tenteei os galhos do sarandi; achei a pedra onde tinha posto a guaiaca e as<br />

armas; corri as mãos por todos os lados, mais pra cá, mais pra lá...;<br />

43 –<br />

na<strong>da</strong> ! na<strong>da</strong>!<br />

Então, 44 senti frio dentro <strong>da</strong> alma... o meu patrão ia dizer que eu o<br />

havia roubado!... roubado!... Pois então eu ia lá perder as onças!... Qual! 45<br />

Ladrão, ladrão, é que era!...<br />

42


E logo uma tenção má entrou-me nos miolos: eu devia matar-me,<br />

para não sofrer a vergonha <strong>da</strong>quela suposição.<br />

É; era o que eu devia fazer: matar-me... e já, aqui mesmo!<br />

Tirei a pistola do cinto; amartilhei o gatilho... benzi-me, e encostei<br />

no ouvido o cano, grosso e frio, carregado de bala...<br />

46<br />

Ah! patrício! Deus existe!... 47<br />

No refilão <strong>da</strong>quele tormento, olhei para diante e vi... as Três-<br />

Marias luzindo na água... O cusco encarapitado na pedra, ao meu lado,<br />

estava me lambendo a mão... e logo, logo, o zaino relinchou lá <strong>em</strong> cima,<br />

na barranca do riacho, ao mesmíssimo t<strong>em</strong>po que a cantoria alegre de um<br />

grilo retinia ali perto, num oco48 de pau!... 49<br />

Patrício! não me avexo duma heresia; mas era Deus que estava no<br />

luzimento <strong>da</strong>quelas estrelas, era ele que man<strong>da</strong>va aqueles bichos brutos<br />

arre<strong>da</strong>r<strong>em</strong> de mim a má tenção...<br />

O cachorrinho tão fiel l<strong>em</strong>brou-me a amizade de minha gente; o meu cavalo<br />

l<strong>em</strong>brou-me a liber<strong>da</strong>de, o trabalho, e aquele grilo cantador trouxe a<br />

esperança...<br />

Eh-pucha! patrício, eu sou mui rude... a gente vê caras, não vê corações...;<br />

pois o meu, dentro do peito, naquela hora, estava como um espinilho<br />

ao sol, num descampado, no pino do meio-dia: era luz de Deus<br />

por todos os lados!...<br />

E já todo no meu sossego de hom<strong>em</strong>, meti a pistola no cinto. Fechei<br />

um baio, bati o isqueiro e comecei a pitar.<br />

50<br />

E fui pensando. Tinha, por minha culpa, exclusivamente por minha<br />

culpa, tinha perdido as trezentas onças, uma fortuna para mim. 51 Não<br />

sabia como explicar o sucedido, comigo, acostumado a b<strong>em</strong> cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>s<br />

52 cousas. Agora... era vender o campito, a ponta de gado manso – tirando<br />

umas leiteiras para as crianças e a junta dos jaguanés lavradores – vender<br />

a tropilha dos colorados... e pronto! Isso havia de chegar, folgado; 53 e caso<br />

mermasse a conta... enfim, havia de se ver o jeito a <strong>da</strong>r... Porém matar-se<br />

um hom<strong>em</strong>, assim no mais... e chefe de família... isso, não!<br />

E despacito<br />

54 vim subindo a barranca; assim que me sentiu, 55 o zaino<br />

escarceou, mastigando o freio.<br />

Desmaneei-o, apresilhei o cabresto; o pingo agarrou a volta e eu<br />

montei, aliviado.


O cusco escaramuçou, contente; a trote e galope voltei para a estância.<br />

Ao d<strong>obra</strong>r a esquina do cercado, enxerguei luz na casa; a cachorra<strong>da</strong><br />

saiu logo, 56 acoando. 57 O zaino relinchou alegr<strong>em</strong>ente, sentindo os<br />

companheiros; do potreiro, outros relinchos vieram.<br />

Apeei-me no galpão, arrumei as garras e soltei o pingo, que se rebolcou,<br />

com ganas.<br />

Então fui para dentro: na porta dei o – Louvado seja Jesu-Cristo;<br />

boa noite! 58 – e entrei, e comigo, rente, o cusco. 59 Na sala do estancieiro<br />

havia uns quantos paisanos; era a comitiva que chegava quando eu saía;<br />

corria o amargo.<br />

Em cima <strong>da</strong> mesa a chaleira, e ao lado dela, enrosca<strong>da</strong>, como uma jararaca<br />

na ressolana, 61 estava a minha guaiaca, barrigu<strong>da</strong>, por certo com as trezentas<br />

onças dentro.<br />

– Louvado seja Jesu-Cristo, patrício! Boa noite! 62 Entonces, 63 que<br />

tal le foi de 64 susto?...<br />

E houve uma risa<strong>da</strong> grande, de 65 gente boa.<br />

Eu também fiquei-me rindo, olhando para a guaiaca e para o guaipeva,<br />

arrolhadito aos meus pés...<br />

66<br />

60


1<br />

O negro Bonifácio<br />

––––––––– 2<br />

4 5 6 ...Se o negro era maleva? Cruz! Era um condenado!... mas, taura,<br />

isso era, também!<br />

Quando houve a carreira grande, do picaço do major Terêncio e o<br />

tordilho do Nadico (filho do Antunes gordo, um que era rengo), quando<br />

houve a carreira, digo, foi que o negro mostrou mesmo pra7 o que presta-<br />

8 9 va...; mas foi caipora. 10<br />

Escuite. 11<br />

A Tudinha era a chinoca mais candongueira que havia por aqueles<br />

pagos. Um cajetilha <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de 12 duma vez 13 que a viu 14 botou-lhe uns versos<br />

mui lindos – pro caso – 15 que tinha um que dizia que ela era uma 16<br />

“........................................chinoca 17 airosa,<br />

Lin<strong>da</strong>ça como o sol, fresca como uma rosa!...” 18<br />

E o sujeito19 quis retouçar, porém ela negou-lhe o estribo, porque<br />

20 já trazia mais de quatro pelo beiço, que eram <strong>da</strong>li, <strong>da</strong> querência, e aquele<br />

tal dos versos era teatino...<br />

Alta e delga<strong>da</strong>, parecia assim um jerivá ain<strong>da</strong> novinho, quando balança<br />

a copa verde toca<strong>da</strong> de leve por um vento pouco, <strong>da</strong> tarde. Tinha os<br />

3


pés pequenos e as mãos mui b<strong>em</strong> tornea<strong>da</strong>s; cabelo cacheado, as s<strong>obra</strong>ncelhas<br />

finas, nariz alinhado.<br />

Mas o rebenqueador, o rebenqueador..., 21 eram os olhos!... 22<br />

Os olhos <strong>da</strong> Tudinha eram assim a modo olhos de veado-virá, assustado:<br />

pretos, grandes, com luz dentro, tímidos e ao mesmo t<strong>em</strong>po haraganos...<br />

23 pareciam olhos que estavam s<strong>em</strong>pre ouvindo... ouvindo mais,<br />

que vendo... 24<br />

25 Face cor de pêssego maduro; os dentes brancos e lustrosos como<br />

26 27 dente de cachorro novo; e os lábios de morocha deviam de ser macios<br />

como treval, 28 doces como mirim, frescos como polpa de guabiju...<br />

E apesar de arisca, era foliona e <strong>em</strong>buçalava um cristão, pelo só<br />

falar, tão cativo... 29<br />

No mais, buenaça, s<strong>em</strong> entono; e tinha de quê, porque corria a bo-<br />

ca pequena30 31 que ela era filha do capitão Pereirinha, estancieiro, que só<br />

ali, nos Guarás, tinha mais de não sei quantas léguas de campo de lei,<br />

povoado. 32 33 O certo é que o posto <strong>em</strong> que ela morava com a mãe, a sia<br />

34 Firmina, era um mimo; tinha de um tudo: lavoura, boa cacimba, um ro-<br />

35 36 deíto manso; e a Tudinha tinha cavalo amilhado, só do an<strong>da</strong>r dela, e<br />

com alguma prata nos preparos. 37<br />

Parecenças, isso, tinha, e não pouco, com a gente do capitão... 38<br />

O velho, às vezes, 39 ia por lá, sestear, 40 tomar um chimarrão...<br />

Pois para a carreira essa, tinha acudido um povaréu imenso. 42<br />

E ela veio, também, com a velha. Velha, é um dizer, porque a sia<br />

Firmina ain<strong>da</strong> fazia 43 um fachadão... 44<br />

E deu o caso que os quatro <strong>em</strong>beiçados também vieram, e um, o<br />

mais de todos, era o Nadico. 45<br />

E veja vancê: s<strong>em</strong> ninguém esperar, também apareceu o negro<br />

Bonifácio.<br />

É assim que o diabo as arma...<br />

Escuite: 46<br />

O negro não vinha por ela, não; antes mais 47 por 48 farrear, jogar e<br />

beber: ele era um perdi<strong>da</strong>ço pela cachaça e pelo truco e pela taba. 49<br />

E b<strong>em</strong> montado, vinha, num 50 bagual lobuno rabicano, de machi-<br />

nhos altos, peito de pomba e orelhas finas, de tesoura; mui b<strong>em</strong> tosado a<br />

51 52 meio cogotilho, e de cola ata<strong>da</strong>, <strong>em</strong> três tranças, no alto, onde canta o<br />

galo!...<br />

54<br />

41<br />

53


55<br />

dona... 54<br />

E na garupa, mui refestela<strong>da</strong>, trazia uma chirua, com ar de queren-<br />

Eta! negro pachola!<br />

De chapéu de aba larga, botado no cocuruto <strong>da</strong> cabeça e preso<br />

num barbicacho de borlas morru<strong>da</strong>s, passado pelo nariz; no pescoço um<br />

lenço colorado, com o nó republicano; na cintura um tirador de couro de<br />

56 lontra debruado de tafetá azul e mais cheio de cortados do que manchas<br />

t<strong>em</strong> um boi salino! 57<br />

E na cintura, atravessado com entono, um facão de três palmos, de<br />

conta.<br />

Na pabulag<strong>em</strong>, an<strong>da</strong>va sozinho: quando falava, era58 alto e grosso e<br />

s<strong>em</strong> olhar para ninguém. 59<br />

Era um governo, o negro!<br />

Ora b<strong>em</strong>; depois de se mostrar um pouco, 61 o negro apeou a chirua<br />

62 e já meio entropigaitado começou a pastorejar a Tudinha... e tirandose<br />

dos seus cui<strong>da</strong>dos 63 encostou o seu cavalo rente no dela e aí no mais,<br />

s<strong>em</strong> um – Deus te salve! – sacudiu-lhe um envite para uma paradita na<br />

carreira grande. A piguancha relanceou os olhos de veado assustado e não<br />

se deu por acha<strong>da</strong>; ele repetiu o convite <strong>da</strong> aposta e ela então – depois<br />

explicou – de puro medo aceitou, devendo ganhar uma libra de doces, se<br />

ganhasse 64 o tordilho. O tordilho era o do Nadico.<br />

Ficou fechado o trato. 65<br />

O negro – era ginetaço! – deu de rédea no lobuno, que virou direito,<br />

nos dois pés, e já lhe cravou as chilenas, grandes como um pires, e saiu<br />

escaramuçando, meio ladeado!<br />

Os quatro brancos se olharam...; o Nadico estava esverdeado, como<br />

defunto passado... 66<br />

A Tudinha pegou logo a caturritar, e a cousa foi passando, como<br />

esqueci<strong>da</strong>.<br />

Mas, quê!... o negro estava jurado...<br />

Escuite. 68<br />

Entraram na cancha os parelheiros, todos dois pisando na ponta do<br />

casco, mui b<strong>em</strong> compostos e lindos, de se lavar com um bochecho d’água.<br />

Fizeram as parti<strong>da</strong>; largaram; correram: ganhou, de fiador, o 69 do<br />

Nadico, o tordilho.<br />

55<br />

67<br />

60


Depois rompeu um vozerio, 70 a gente desparramou-se, 71 parecia um<br />

formigueiro desmanchado; 72 as parcerias se juntaram, 73 uns pagavam, outros<br />

ques-tionavam... 74 mas tudo se foi arreglando <strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, porque ninguém<br />

foi capaz de apontar mau jogo. 75<br />

E foi-se tomar um vinho que os donos <strong>da</strong> carreira ofereceram, como<br />

gaúchos de alma grande, principalmente o major Terêncio, que era o<br />

perdedor.<br />

E a Tudinha lá foi, de charola.<br />

No barulho <strong>da</strong>s saúdes e <strong>da</strong>s caçoa<strong>da</strong>s, quando todos se divertiam,<br />

76 foi que apareceu aquele negro excomungado, para 77 aguar o pagode. 78<br />

Esbarrou o cavalo na frente do bolicho; 79 trazia na mão um lenço de sequilhos,<br />

que estendeu à Tudinha: havia perdido, pagava... 80<br />

A morocha 81 parou <strong>em</strong> meio um riso que estava rindo e firmou nele<br />

uns olhos atravessados, esquisitos, 82 olhos como pra 83 gente que já os co-<br />

nhecesse... 84 85 e como sentiu que o caso estava malparado, para evitar o<br />

desaguisado, disse:<br />

– Faz favor de entregar à mamãe, sim?!... 86<br />

O negro arreganhou os beiços, mostrando as canjicas, num pouco<br />

caso, e respostou:<br />

Ora, coração!... 87 Eu sou teu negro, de cambão!..., 88 mas não piá <strong>da</strong><br />

china velha! Toma! 89<br />

90 E estendeu-lhe o braço, oferecendo o atado dos doces.<br />

91 Aqui, o Nadico manoteou e no soflagrante sopesou a trouxinha e<br />

sampou com ela na cara do muçum. 92<br />

Amigo! Virge nossa senhora! 93<br />

Num pensamento o negro boleou a perna, descascou o facão e se<br />

veio!... 94<br />

O lobuno refugou, bufando.<br />

Que peleia mais lin<strong>da</strong>! 96<br />

97 Vinte ferros faiscaram; era o Nadico, eram os outros namorados<br />

98 <strong>da</strong> Tudinha e eram os outros que tinham contas a ajustar com aquele<br />

tição atrevido.<br />

Perto do negro Bonifácio, sentado sobre um barril, s<strong>em</strong> ter na<strong>da</strong><br />

que ver no angu, estava um paisano99 tocando viola: o negro – pra100 fazer<br />

boca, o malvado! – largou-lhe um revés, tão101 b<strong>em</strong> puxado que atorou os<br />

dedos do coitado e o encordoamento e afundou o tampo do estrumento!...<br />

102<br />

56<br />

95


57<br />

Fechou o salseiro. 103<br />

O Nadico mandou a a<strong>da</strong>ga e atravessou a pelanca do pescoço do<br />

negro, roçando na veia artéria; o major tocou-lhe fogo, de pistola, indo a<br />

bala, de refilão, lanhar-lhe uma perna... 104 105<br />

o ventana quadrava o corpo, e<br />

rebatia os talhos e pontaços que lhe meneavam s<strong>em</strong> pena.<br />

E calado, estava; só se via no carão preto o branco dos olhos, fuzilando...<br />

Ai!... 106<br />

Foi um grito doido <strong>da</strong> Tudinha... 107 e já se viu o Nadico testavilhar<br />

e cair, aberto na barriga, com a bucha<strong>da</strong> de fora, golfando sangue!... 108<br />

No meio 109 do silêncio que se fez, o negro ain<strong>da</strong> gritou: 110<br />

– Come agora os meus sobejos!...<br />

Depois, roncou, 111 tal e qual como um porco acuado... e então foi<br />

uma cousa bárbara!... 112<br />

Em quatro paleta<strong>da</strong>s, desmunhecando uns, cortando outros, esgaravatando<br />

outros, enquanto o diabo esfrega o olho, 113 o chão ficou estivado<br />

de gente estropia<strong>da</strong>, espirrando a sangüeira 114 naquele reduto. 115<br />

116<br />

É ver<strong>da</strong>de também que ele estava todo esfuracado: a cara, os braços,<br />

a camisa, o tirador, as pernas, tinham mais lanhos que a picanha de<br />

um reiúno 117 <strong>em</strong>pacador; 118 mas não quebrava o corincho, o trabuzana! 119<br />

Aquilo seria por <strong>obra</strong> <strong>da</strong>lguma 120 oração forte, que ele tinha, cosi<strong>da</strong><br />

121 no corpo. 122<br />

A esse t<strong>em</strong>po, era tudo um alarido pelo acampamento; 123 de todos<br />

os lados chovia gente no 124 lugar <strong>da</strong> briga.<br />

A Tudinha, agarra<strong>da</strong> ao Nadico, com a cabeça pousando-lhe no<br />

colo, beijando-lhe ela os olhos <strong>em</strong>baciados e a boca já morrente, ali, naquela<br />

hora braba, à vista de todo o mundo e 125 dos outros seus namorados,<br />

que se esvaíam, s<strong>em</strong> um consolo 126 n<strong>em</strong> <strong>da</strong>s suas mãos 127 n<strong>em</strong> <strong>da</strong>s suas lágrimas,<br />

a Tudinha mostrava mesmo que o seu camote preferido era aquele,<br />

que 128 primeiro desfeiteou e cortou o negro, 129 por causa dela...<br />

Foi então que um gaúcho gadelhudo, mui alto, canhoto, desprendeu<br />

<strong>da</strong> cintura as boleadeiras e fê-las roncar 131 por cima <strong>da</strong> cabeça... e<br />

quando ia a soltá-las, 132 zunindo, com força pra 133 rebentar as costelas dum<br />

boi manso, e 134 que o negro estava cocando o tiro, de facão pronto pra 135<br />

cortar as sogas..., 136 nesse mesmo momento e instante a velha Fermina<br />

130


entrou na ro<strong>da</strong>, e 137 ligeira como um gato, varejou 138 no Bonifácio uma<br />

chocolateira de água 139 fervendo, que trazia na mão, do chimarrão que estava<br />

chupando... 140<br />

O negro urrou como um touro na capa...; a rumo 141 no mais avançou<br />

o braço, e fincou e suspendeu, levantou a velha, estorcendo-se, atravessa<strong>da</strong><br />

no facão, até 142 o esse...; 143 ao mesmo t<strong>em</strong>po, man<strong>da</strong>do por pulso de<br />

hom<strong>em</strong> um bolaço cantou-lhe no tampo <strong>da</strong> cabeça e logo outro, no costilhar,<br />

144 e o negro caiu, como boi 145 desnucado, de boca aberta, a língua pontu<strong>da</strong>,<br />

mexendo <strong>em</strong> tr<strong>em</strong>ura uma perna, onde a roseta <strong>da</strong> chilena tinia, miúdo...<br />

Patrício, escuite! 147<br />

Vi então o que é uma mulher rabiosa...: não há maneia n<strong>em</strong> buçal<br />

que sujeite: é peior 148 que hom<strong>em</strong>!... 149<br />

A Tudinha já não chorava, não; entre o Nadico, morto, e a velha<br />

Firmina estrebuchando, a morocha 150 mais lin<strong>da</strong> que tenho visto, saltou <strong>em</strong><br />

cima do Bonifácio, tirou-lhe <strong>da</strong> mão s<strong>em</strong> força o facão 151 e vazou os olhos<br />

do negro, retalhou-lhe a cara, de ponta e de corte... e por fim, espumando<br />

e rindo-se, desatina<strong>da</strong> – bonita, s<strong>em</strong>pre! –, 152 ajoelhou-se ao lado 153 do corpo<br />

e pegando o facão como qu<strong>em</strong> finca uma estaca, tateou no negro sobre<br />

a bexiga, pra baixo um pouco – vancê compreende?... – e uma, duas, dez,<br />

vinte, cincoenta vezes 154 cravou o ferro afiado, como qu<strong>em</strong> espicaça uma<br />

cruzeira numa toca... 155 como qu<strong>em</strong> quer estraçalhar uma cousa nojenta...<br />

como qu<strong>em</strong> quer reduzir a miangos uma pren<strong>da</strong> que era queri<strong>da</strong> e na hora<br />

é odia<strong>da</strong>!... 156<br />

Em ro<strong>da</strong>, 158 a gaucha<strong>da</strong> mirava, de s<strong>obra</strong>ncelhas ruga<strong>da</strong>s, porém<br />

quieta: 159 ninguém apadrinhou o defunto.<br />

Nisto um sujeito que vinha 160 a meia-rédea 161 sofrenou o cavalo<br />

quase <strong>em</strong> cima <strong>da</strong> gente: 162 era o juiz de paz.<br />

Mais tarde vim a saber que o negro Bonifácio fora o primeiro a... a<br />

amanosear 164 a Tudinha; que ao depois tomara novos amores com outra<br />

fulana, uma piguancha de cara chata, beiçu<strong>da</strong>; e que naquele dia, para se<br />

mostrar, trouxera na garupa a novata, às carreiras, só de pirraça, para encanzinar,<br />

para tourear a Tudinha, que b<strong>em</strong> viu, e que apesar dos arrastados<br />

de asa <strong>da</strong>quela moça<strong>da</strong> e sobretudo do Nadico, que já a convi<strong>da</strong>ra<br />

para se acolherar com ele, sentira-se pica<strong>da</strong>, agonia<strong>da</strong> <strong>da</strong> desfeita que só<br />

58<br />

146<br />

157<br />

163


59<br />

ela e o negro entendiam b<strong>em</strong>... Por isso é que ela ficou como c<strong>obra</strong> que<br />

perdeu o veneno... 165<br />

Escuite. 166<br />

Até hoje me intriga isto: como uma morena, tão lin<strong>da</strong>, entregou-se<br />

a um negro, 167 tão feio?...<br />

Seria de medo, por ele ser mau?... Seria por bobice de inocente?...<br />

168 169<br />

Por ele ser forçudo, ela franzina?... Seria por...<br />

Que, de qualquer forma ela vingou-se, isso, vingou-se...; 170 mas o<br />

resto que ela fez no corpo do negro? Foi como um perdão pedido ao Nadico<br />

ou despique tomado <strong>da</strong> outra, <strong>da</strong> piguancha beiçu<strong>da</strong>?...<br />

Ah! mulheres!... 171<br />

Estancieiras ou peonas, é tudo a mesma cousa... tudo é bicho caborteiro...<br />

a mais santinha t<strong>em</strong> mais malícia que um sorro velho!...<br />

172<br />

173


No manantial 1<br />

–––––– 2<br />

4 5<br />

Está vendo aquele umbu, lá <strong>em</strong>baixo, à direita do coxilhão?<br />

Pois ali é a tapera do Mariano. Nunca vi pêssegos mais bonitos<br />

dos que amadurec<strong>em</strong> naquele abandono; ain<strong>da</strong> hoje os marmeleiros carregam<br />

que é uma t<strong>em</strong>eri<strong>da</strong>de!<br />

Mais para baixo, como umas três quadras, há uns olhos-d’água, 6<br />

minando <strong>da</strong>s pedras, e logo adiante uns coqueiros; depois pega um cordão<br />

de araçazeiros.<br />

Diziam os antigos que aí encostado havia uma lagoão mui fundo<br />

onde até jacaré se criava.<br />

Eu, desde guri conheci o lagoão já tapado pelos capins, mas o lugar<br />

s<strong>em</strong>pre respeitado como um tr<strong>em</strong>e<strong>da</strong>l perigoso: até contavam de um<br />

mascate que aí atolou-se e sumiu-se com duas mulas cargueiras e canastras<br />

e tudo...<br />

Mais de uma rês magra ajudei a tirar de lá; iam à grama verde e<br />

atolavam-se logo, até a papa<strong>da</strong>.<br />

Só cruzam ali por cima as perdizes e algum cusco leviano.<br />

Com certeza que as raízes do pasto e dos aguapés<br />

7 foram trançando<br />

uma enrediça fecha<strong>da</strong>, e o barro e as folhas mortas foram-se amontoando<br />

e pouco a pouco, 8 capeando, fazendo a tampa do sumidouro.<br />

E depois nunca deram desgoto 9 na ponta do lagoão, porque, se<br />

dess<strong>em</strong>, 10 a água corria e não se formaria o mundéu...<br />

3


Mas, onde quero chegar: vou mostrar-lhe, lá, b<strong>em</strong> no meio do manantial<br />

11 uma cousa que vancê nunca pensou <strong>em</strong> ver; é uma roseira, e<br />

s<strong>em</strong>pre carrega<strong>da</strong> de rosas...<br />

Gente vivente não apanha as flores, porque 12 qu<strong>em</strong> plantou a roseira<br />

foi um defunto... e era até agouro um cristão enfeitar-se com uma rosa<br />

<strong>da</strong>quelas!...<br />

Mas, mesmo ninguém poderia lá chegar; o manantial defende a roseira<br />

baguala: 13 mal um firma o pé na beira<strong>da</strong>, tudo aquilo tr<strong>em</strong>e e bufa e<br />

borbulha...<br />

Uns carreteiros que acamparam na tapera do Mariano contaram<br />

que pela volta <strong>da</strong> meia-noite viram sobre o manantial duas almas, uma<br />

vesti<strong>da</strong> de branco, outra de mais escuro... e ouviram uma voz que chorava<br />

um choro mui suspirado e outra que soltava barbari<strong>da</strong>des...<br />

Mas como era longe e eles estavam de cabelos <strong>em</strong> pé... – pois n<strong>em</strong><br />

os cachorros acoavam, 14 só uivavam... uivavam... – não puderam <strong>da</strong>r uma<br />

relação mais clara do caso.<br />

E o lugar ficou mal-assombrado.<br />

Mas, onde quero chegar: foi assim como lhe vou contar. Estes<br />

campos eram meio s<strong>em</strong> dono, era uma pampa aberta, s<strong>em</strong> estra<strong>da</strong> n<strong>em</strong><br />

divisa, apenas os trilhos do gado cruzando-se entre agua<strong>da</strong>s e querências.<br />

A ga<strong>da</strong>ria, não se pode dizer que era alça<strong>da</strong>: quase to<strong>da</strong> orelhana,<br />

isso sim.<br />

Mas vivia-se b<strong>em</strong>, carne gor<strong>da</strong> s<strong>obra</strong>va, e potra<strong>da</strong> lin<strong>da</strong> isso era ao<br />

cair do laço.<br />

O Mariano apareceu aqui, diz que vindo de Cima <strong>da</strong> Serra, corrido<br />

dos bugres; uns, porque lhe morrera a mulher, <strong>da</strong> bexiga preta, 16 outros<br />

ain<strong>da</strong>, a boca pequena, 17 que não era por santo que ele mu<strong>da</strong>ra de cancha.<br />

Mas fosse como fosse, chegou e arranchou-se.<br />

Trazia para o brigadeiro Machado uma carta que devia ser de gente<br />

pesa<strong>da</strong>, porque o brigadeiro tratou-o muito b<strong>em</strong> e decerto 18 foi com seu<br />

consentimento que ele aboletou-se aqui nos pagos.<br />

Tocava uma carreta de tol<strong>da</strong>, uma ponta de gado manso e uma<br />

quadrilha de ruanos.<br />

De gente, ele, duas velhuscas, uma menina, uns pretos, campeiros e<br />

uma negra mina, chama<strong>da</strong> mãe Tanásia.<br />

A menina era filha dele; <strong>da</strong>s velhas, uma era a avó <strong>da</strong> criança, e a<br />

outra, irmã dessa, vinha a ser tia-avó. Ele <strong>da</strong>va-se por genro <strong>da</strong> velha, mas<br />

15


não era: havia suspendido com a moça <strong>da</strong> casa, e depois nunca se proporcionou<br />

ocasião de padre para fazer-se o casamento, e o t<strong>em</strong>po foi passan-<br />

19 do, até que a defunta morreu, ficando a inocente nesse paganismo de não<br />

ser filha de casal legítimo... por sacramento. Mas <strong>da</strong>vam-se b<strong>em</strong>, todos.<br />

O paisano era trabalhador e entendido nas cousas; desde o torrão<br />

para os ranchos, e quinchar, madeiras, cercados, lavouras, tudo passou<br />

pelas suas mãos. E tanto falquejava um linhote como s<strong>em</strong>eava uma quarta<br />

de trigo, e já capava um touro como amanoseava20 um bagual.<br />

Quando a Maria Altina21 – era a menina, a filha dele – an<strong>da</strong>va nos<br />

dezesseis anos, este arranchamento era um paraíso: o arvoredo todo crescido<br />

e <strong>da</strong>ndo; lavouras, criação miú<strong>da</strong>, de tudo era uma fartura; havia galpões,<br />

eira, currais, tafona.<br />

O Mariano e as duas velhas traziam nas palminhas a pequena. Ela<br />

22 era o – ai-jesus! – de todos, até dos negros.<br />

Duma feita que a família foi ao povo, para um terço de muita fama<br />

que se rezou na casa do brigadeiro Machado, a Maria Altina fez um fachadão<br />

entre a moça<strong>da</strong>; mas de todos ela tomou-se de camote com um tal<br />

André, que era furriel23 e gauchito teso. Não entro nisto mais pelo miúdo<br />

porque não vale a pena de falar nestes chicos pleitos de namoriscos e milongagens<br />

de crianças.<br />

Mas segue-se é que na despedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> volta o furriel24 André deu-lhe<br />

uma rosa colora<strong>da</strong>, com um pé de palmo... e ela atravessou a flor no seu<br />

chapéu de palha, ali no mais, com to<strong>da</strong> a inocência, à vista de todos.<br />

Cá pra25 mim havia algum conchavo entre o brigadeiro e o Mariano,<br />

porque naquele soflagrante <strong>da</strong> flor os dois piscaram os olhos um para<br />

o outro e riram-se à sorrelfa por debaixo do bigode.<br />

Ah!... o furriel26 era afilhado e ordenança do galão-largo... e até diz<strong>em</strong><br />

mais alguma cousa... Vancê entende!<br />

A comitiva nessa noite pousou no caminho, e a menina deu jeito e<br />

arrumou a rosa numa botija com água, para não murchar.<br />

De manhãzinha marcharam; e de chega<strong>da</strong> <strong>em</strong> casa, o primeiro cui<strong>da</strong>do<br />

<strong>da</strong> pécora foi cortar a rosa b<strong>em</strong> rente do cachimbo e plantar o galho<br />

numa terra peneira<strong>da</strong> e fresquinha.<br />

E tais cui<strong>da</strong>dos deu-lhe que a planta pegou, botando raízes firmes<br />

e espigando ramos e folhas; e quando vieram os primeiros botões, ela<br />

apanhou-os, fez um ramo todo cheiroso, amarrou-o com a fita dos cabelos<br />

e foi prendê-lo no pé <strong>da</strong> cruz dum Nosso Senhor que estava na frente do


oratório... como qu<strong>em</strong> dá uma pren<strong>da</strong>, a modo de pagamento de promessa<br />

feita!...<br />

Nesses entr<strong>em</strong>entes – cousa arranja<strong>da</strong> pelo brigadeiro – o furriel 27<br />

pousou <strong>em</strong> casa do Mariano, de passag<strong>em</strong> para um destacamento onde ia<br />

levar ofícios. Foi um alegrão para todos, mas para a Maria Altina n<strong>em</strong> se<br />

fala!...<br />

Vancê pense... A paisaninha só teve alma e vi<strong>da</strong> e coração para o<br />

moço... ele também estava entregue, de rédea no chão.<br />

Aquela visita trazia água no bico... era o trato de casamento.<br />

Depois que o furriel 28 se foi as velhas 29 pegaram a fazer ren<strong>da</strong>s de<br />

bilros e outros preparos de aprontamento <strong>da</strong> noiva.<br />

A roseira estava <strong>em</strong> todo o viço: recendia que era um gosto e bor<strong>da</strong>va<br />

de vermelho o caniçado <strong>da</strong> horta, que se via desde longe. 30<br />

Mas, perto <strong>da</strong> pomba an<strong>da</strong>va ron<strong>da</strong>ndo o gavião.<br />

Na Restinguinha, <strong>obra</strong> de um quarto de légua pra 32 lá do Mariano 33<br />

morava um tal Chico Triste, que tinha filhos como rato, e o mais velho era<br />

já hom<strong>em</strong> feito.<br />

Este, que pro 34 caso chamava-se Chicão, an<strong>da</strong>va mui enrabichado<br />

pela Maria Altina.<br />

Ele era um bruto, que só olhava, só queria a Maria Altina – de<br />

carne e osso –. Do 35 mais não se lhe <strong>da</strong>va; não queria saber se a menina 36<br />

era vergonhosa, ou trabalhadeira ou pren<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Ele só olhava-lhe para as ancas, e os seios, e para a grossura dos<br />

braços; era, – mal comparando –, 37 como um pastor no faro de uma guincha...<br />

A rapariga tinha-lhe quase tanto medo como raiva. Uma vez ele<br />

pediu-lhe uma mu<strong>da</strong> <strong>da</strong> roseira, e ela, s<strong>em</strong> negar, para não fazer desfeita,<br />

disse-lhe que tirasse o que quisesse. 38<br />

– Mas eu quero é <strong>da</strong>do pela senhora!...<br />

–Ah! não!... 39 Tire o senhor mesmo, a seu gosto...<br />

–Não dá?... pois qualquer dia pico a facão to<strong>da</strong> essa porcaria!...<br />

E levantou-se e saiu, todo apotrado.<br />

Outras vezes trazia-lhe de presente ovos de perdiz, ou ninha<strong>da</strong>s de<br />

mulitas, que ela criava com paciência e logo que podiam manter-se, largava<br />

para o campo. Uma ocasião trouxe-lhe um veadinho; ela soltou-o;<br />

uns gatos viscachas, soltou-os também.<br />

31


O Chicão que não via nunca os seus 40 presentes, soube do caso, e,<br />

por depique, apanhou uns quatro filhotes de avestruz, e a tirões arrancoulhes<br />

– ain<strong>da</strong> vivos, criatura! – as pernas e as asas, e assim arrebentados e<br />

estrebuchando, mandou-os à Maria Altina;... 41 a pobre desatou num pranto<br />

de choro, ao ver a malvadez <strong>da</strong>quele judeu.<br />

42<br />

Assim estavam as cousas quando o furriel 43 passou e logo depois<br />

correu a nova do casamento.<br />

O Chicão espumou de raiva... Levava os cavalos a sofrenaços, os<br />

cachorros 44 a arreador, os irmãos a manotaços e até a mãe, com resposta<strong>da</strong>s<br />

duras.<br />

Só respeitava o pai, o velho Chico, 45 e isso mesmo porque esse tinha<br />

marca na paleta mas não era tambeiro...<br />

No dia – véspera <strong>da</strong> barbari<strong>da</strong>de, houve na casa do Chico Triste<br />

um batizado feito por um padre missioneiro que ia de caminho; a gente do<br />

Mariano foi convi<strong>da</strong><strong>da</strong>. Nessa noite comeram doces, tocaram viola, cantaram<br />

e até <strong>da</strong>nçaram uma tirana e o anu.<br />

Aí o Chicão cargoseou muito a Maria Altina.<br />

A jantarola e o resto <strong>da</strong> festa iam ser no dia seguinte – que foi o do<br />

caso.<br />

Vancê acredita?... Nesta manhã, desde cedo, 46 os pica-paus choraram<br />

muito nas tronqueiras do curral e nos palanques... e até furando no<br />

oitão <strong>da</strong> casa;... 47 mais de um cachorro cavoucou 48 o chão, <strong>em</strong>baixo <strong>da</strong>s<br />

carretas;... 49 e a Maria Altina achou no quarto, entre a parede e a beira <strong>da</strong><br />

cama 50 uma borboleta preta, <strong>da</strong>s grandes, que ninguém tinha visto entrar...<br />

51 52 Sol nado o Mariano e uma <strong>da</strong>s velhas, foram para o Triste, para<br />

<strong>da</strong>r um ajutório. Os campeiros, como de costume, para os seus serviços,<br />

uns de campo, outros de lenhar.<br />

Na casa só ficaram, para ir<strong>em</strong> mais tarde53 a Maria Altina e a outra<br />

velha, que era a avó; e para as duas, debaixo do umbu, dois mancarrões<br />

encilhados.<br />

Ficou também a negra mina, que viu tudo e foi qu<strong>em</strong> depois fez o<br />

conto.<br />

54<br />

A avó estava na cozinha frigindo uns beijus e a Maria Altina na<br />

varan<strong>da</strong>, apenas <strong>em</strong> saia, arr<strong>em</strong>atava um timãozinho novo.<br />

Na cabeça, como gostava, trazia uma rosa fresca, e que ficava-lhe<br />

s<strong>em</strong>pre a preceito, no negrume <strong>da</strong> cabeleira. E garganteava uma coplas


que tinha aprendido na véspera, quando <strong>da</strong>nçava a tirana e se divertia.<br />

Umas coplas que eram assim... e me l<strong>em</strong>bro, porque qu<strong>em</strong> as botou –<br />

para uma outra – foi mesmo este seu criado Matias!...<br />

Qu<strong>em</strong> canta pra tu ouvires<br />

Devia morrer cantando...<br />

Pois quando <strong>da</strong>qui saíres,<br />

Do cantor vais te olvi<strong>da</strong>ndo;<br />

E, pode ser que morrendo,<br />

Dele então tu te l<strong>em</strong>brasses:<br />

Se visses 55 outro defunto,<br />

Ou se 56 outra vez tu <strong>da</strong>nçasses...<br />

Minha voz <strong>em</strong> teu ouvido,<br />

Soluçaria de dor,<br />

Não por deixar a vid... 57<br />

E n<strong>em</strong> acabou o verso, porque estourou na cozinha um esconjuro e<br />

logo a voz <strong>da</strong> vó, sumi<strong>da</strong> e arrouca<strong>da</strong>, gritando – bandido! bandido! – e<br />

depois um g<strong>em</strong>ido ansiado, uns ais... e um baque surdo...<br />

De pé, com o timãozinho 58 numa mão e a agulha na outra, páli<strong>da</strong><br />

como a cal <strong>da</strong> parede, o coração parado, Maria Altina prega<strong>da</strong> no chão, de<br />

puro medo, ouviu... ouviu,... e aí no mais 59 entrou e veio a ela o Chicão...,<br />

– o Chicão, entende vancê? – com uns olhos de bicho acuado, e um bafo<br />

de fogo, na boca...<br />

E como chegou, atropelou-a, agarrou-a, apertou-a, abraçando-a pela<br />

cintura, metendo a perna entre as dela, forcejando por derrubá-la, respirando<br />

duro, furioso, des<strong>em</strong>bestado... mais mordendo que beijando o pescoço<br />

amorenado... e garboso...<br />

A rapariga gritou, <strong>em</strong>purrando-o num desespero, unhando-lhe a<br />

60 cara, ladeando o corpo... por fim tacou-lhe os dentes num braço.<br />

Ele urrou com a dor e largou-a um momento; ela aproveitou o alce<br />

e disparou... ele quis pegá-la de novo, mas no mover-se enredou as esporas<br />

no timãozinho que caíra, e testavilhou maneado...<br />

A pobre, 62 ao passar pela cozinha viu a avó estendi<strong>da</strong>, com as roupas<br />

enrodilha<strong>da</strong>s, a cabeça branca numa sangüeira... 63 e então desatina<strong>da</strong>,<br />

61


num pavor, correu para o umbu e foi o quanto pulou a cavalo e já tocou, a<br />

to<strong>da</strong>, 64 coxilha abaixo!...<br />

Mas logo, logo, mesmo s<strong>em</strong> se voltar, sentiu-se quase alcança<strong>da</strong><br />

pelo Chicão, que também montara e se lhe vinha <strong>em</strong> perseguição...<br />

65 E os dois, – à que te pego! à que te largo! – se despencaram por<br />

aquele lançante, <strong>em</strong> direitura ao manantial! E, ou por querer atalhar, ou<br />

porque perdesse a cabeça e n<strong>em</strong> se l<strong>em</strong>brasse do perigo, a Maria Altina<br />

encostou o rebenque no matungo, que, do lance que trazia costa abaixo, 66<br />

se foi, feito, ao tr<strong>em</strong>e<strong>da</strong>l, onde se afundou até as orelhas e começou a patalear,<br />

num desespero!... * A campeirinha vareja<strong>da</strong> no arranco, sumiu-se<br />

logo na fervura preta do lo<strong>da</strong>çal r<strong>em</strong>exido a pata<strong>da</strong>s!... 67 E como rastro,<br />

ficou <strong>em</strong> cima, boiando, a rosa do penteado.<br />

E <strong>da</strong> mesma carreira, o cavalo do Chicão, que também vinha tocado<br />

a espora e relho, 68 chapulhou no pantanal, um pouco atrás do outro,<br />

cousa de braça e meia... e ali ficou, o corpo todo sumido, procurando agüentar<br />

as ventas, as orelhas fora d’água.<br />

O Chicão, agora deslombando-se <strong>em</strong> esforços para sair <strong>da</strong> enrasca<strong>da</strong>,<br />

não podia, porque b<strong>em</strong> sentia as esporas enlea<strong>da</strong>s nas raízes – e os<br />

cabrestilhos eram fortes... – e parecia-lhe que tinha um pé quebrado por<br />

uma pata<strong>da</strong> do cavalo, que se despe<strong>da</strong>çava aos arrancos, sentindo-se chupado<br />

para o fundo...<br />

Depois desse69 estropício, 70 tudo ficou como estava: tudo no sossego,<br />

o sol subindo s<strong>em</strong>pre, nuvens brancas correndo no céu, passarinhos<br />

cruzando para um lado e outro... os galos cantando lá <strong>em</strong> cima... uns latidos<br />

muito longe... pios de perdiz... algum inhé de sapo ali perto...<br />

Parecia que na<strong>da</strong> se havia <strong>da</strong>do: se não fosse71 a rosa colora<strong>da</strong> boiando,<br />

lá, e o Chicão atolado até o peito, mais pra72 cá.<br />

O cavalo dele, com a cabeça alinha<strong>da</strong>, mal podia agüentar fora <strong>da</strong><br />

água o focinho e ressolhava, o pobre, puxando a respiração <strong>em</strong> assobios<br />

grossos, e o dono, todo salpicado de barro, suava <strong>em</strong> cor<strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> vez<br />

mais ansiado, não podendo desprender-se <strong>da</strong>s malditas esporas, que o<br />

sujeitavam <strong>em</strong> cima do bagual, que ia se afun<strong>da</strong>ndo... afun<strong>da</strong>ndo... afun<strong>da</strong>ndo...<br />

E a ca<strong>da</strong> sacudi<strong>da</strong> feita naquele reduto todo o manantial bufava e<br />

borbulhava...<br />

* Até aqui chega, no Diário Popular de 31 de março de 1912, o trecho de que<br />

consta do ro<strong>da</strong>pé <strong>da</strong> primeira página (o trecho restante, com a conclusão do conto, segue no ro<strong>da</strong>pé<br />

<strong>da</strong> página seguinte <strong>da</strong>quele jornal).


Com pouco mais o Chicão desceu ain<strong>da</strong>, atolado até os sovacos; o<br />

cavalo já se não via e n<strong>em</strong> bulia, sufocado e morto, pesando entregue no<br />

mole do tr<strong>em</strong>e<strong>da</strong>l...<br />

E as esporas... as malditas esporas, n<strong>em</strong> na<strong>da</strong>!...<br />

Obrigado pela postura <strong>em</strong> que estava, ele olhava para o buraco que<br />

tinha engolido a Maria Altina: sobre a água barrenta, escura, na<strong>da</strong>vam<br />

folhas secas, capins pisoteados, gravetos... e no meio deles, limpa e fresca,<br />

boiava a rosa que se soltara dos cabelos <strong>da</strong> cobiça<strong>da</strong> no momento <strong>em</strong><br />

que ela entrava pela morte adentro, 73 dentro do lo<strong>da</strong>çal!...<br />

E o t<strong>em</strong>po foi passando, a tranquito, s<strong>em</strong> pressa n<strong>em</strong> vagar.<br />

Vancê l<strong>em</strong>bra-se?...<br />

Como eu disse, havia ficado <strong>em</strong> casa, além <strong>da</strong>s brancas 74 a tia mina,<br />

– a mãe Tanásia – que, quando 75 sentiu a desgraceira, ganhou no paiol,<br />

escondendo-se e <strong>da</strong>í pôde 76 bombear alguma cousa. Quando viu as criaturas<br />

montar<strong>em</strong> e tocar<strong>em</strong> – como caça e caçador – a mãe Tanásia saiu <strong>da</strong><br />

toca e voltou 77 à cozinha, <strong>da</strong>ndo com a – nhanhã 78 – morta... e logo viu que<br />

a sinhazinha fugira. E pensou <strong>em</strong> ir ao Chico Triste, avisar o Mariano. O<br />

mais perto era ir pelos olhos-d’água, 79 acima do manantial; desceu o caminho;<br />

costeou pelas pedras e quando d<strong>obra</strong>va a estradinha frenteou com<br />

o Chicão...<br />

A mãe Tomásia ficou estatela<strong>da</strong>... e <strong>da</strong>í a pe<strong>da</strong>ço – <strong>em</strong> que olhou<br />

só, s<strong>em</strong> pensar na<strong>da</strong> – foi que a coita<strong>da</strong> falou.<br />

– Eh! eh!... siô moço!... que é que suncê fez!... 80<br />

E o desalmado gritou-lhe:<br />

– Vai, bruaca velha, vai contar!...<br />

–Ah! ah!... Deus perdoe!...<br />

E foi an<strong>da</strong>ndo, estradinha afora, lomba acima, apurando o passo,<br />

um pouco renga.<br />

Nesse meio t<strong>em</strong>po também chegavam à casa os campeiros; era hora<br />

de comer; 81 repararam que só estava amarrado um cavalo; 82 a casa aberta,<br />

silenciosa; um espiou pela janela <strong>da</strong> cozinha... e gritou pelos outros,<br />

benzendo-se...<br />

Lá estava a senhora, com a cabeça rebenta<strong>da</strong> a olho de machado...<br />

O fogo apagado, a banha... coalha<strong>da</strong>, 83 os beijus frios... e mui a seu gosto,<br />

de papo para o ar, dormindo na saia <strong>da</strong> morta, uma gata brasina e a sua<br />

ninha<strong>da</strong>. 84<br />

Chamaram pela mãe Tanásia... gritaram... procuraram... e na<strong>da</strong>! 85<br />

Um deles, 86 mais alarife, propôs que fugiss<strong>em</strong>... que era melhor ser caiam-


ola do que ser estaqueado... que por certo iam ser acusados <strong>da</strong>quela mal<strong>da</strong>de.<br />

Porém 87 outro mais precatado disse: 88<br />

– Cala a boca, parceiro... Vamos é avisar sinhô velho...<br />

E ficando uns de guar<strong>da</strong>, 89 tocaram-se os outros, a meia rédea, para<br />

o Triste, onde fulos de medo, desovaram a novi<strong>da</strong>de.<br />

Que canhonaço, amigo! A gentama to<strong>da</strong> se alvorotou; o que era de<br />

mulheres abriu num alarido, o que era hom<strong>em</strong> apresilhou as armas, e já se<br />

saiu, muitos de <strong>em</strong> pêlo, 90 cobrindo a marca dos fletes, o Mariano na frente,<br />

como um louco.<br />

Eu estava nessa arranca<strong>da</strong>. Chegamos como um pé de vento e conforme<br />

boleamos a perna, vimos o mesmo que os negros contavam. E <strong>da</strong><br />

Maria Altina, na<strong>da</strong>; <strong>da</strong> mãe Tanásia, na<strong>da</strong>. Apenas no chão <strong>da</strong> varan<strong>da</strong><br />

novelos desparramados, a mesa arre<strong>da</strong><strong>da</strong>, o timãozinho novo com um<br />

rasgão grande...<br />

Nisto, um aspa-torta, gaúcho mui an<strong>da</strong>do no mundo e mitrado, puxou-me<br />

pela manga <strong>da</strong> japona e disse-me entre dentes:<br />

– O Chicão repontava a rapariga;... 91 ele não estava <strong>em</strong> casa n<strong>em</strong><br />

veio conosco; ela não está... 92<br />

Patrício... que lhe parece?<br />

– Hom!... respondi eu, e fiquei-me com aquele zunido 93 de varejeira<br />

no ouvido...<br />

Mas o paisano tinha estômago frio e foi passando língua;... 94 <strong>da</strong>í a<br />

pouco 95 todos faziam as mesmas contas, até que um, mais golpeado, disseo<br />

claro, 96 ao Mariano!<br />

O hom<strong>em</strong> relanceou os olhos a ver talvez se descobria 97 o Chicão...<br />

depois teve a modo uns engulhos e depois ficou como entecado...<br />

Pensaria mesmo que a filha tinha fugido com o querendão?... 98<br />

Qu<strong>em</strong> sabe lá!... Que o rapaz ron<strong>da</strong>va, isso ele e todos sabiam e que ela<br />

não fazia caso do derretimento, isso também se sabia; 99 agora, como dum<br />

momento para o outro os dois se tinham combinado, isso é que era!...<br />

Mas ao mesmo t<strong>em</strong>po perguntava-se – qu<strong>em</strong> matou a velha e por<br />

quê?...<br />

E quando estávamos neste balanço ouvimos então a gritaria <strong>da</strong>s<br />

mulheres, que tinham vindo de a pé, 100 encontrando no caminho a mãe<br />

Tanásia.<br />

Em antes de chegar<strong>em</strong>, já os cuscos, ponteiros, tinham começado a<br />

acoar, 101 por debaixo dos araçazeiros; as crianças, curiosas e mais ligeiras,


tinham corrido pensando ser algum bicho... e recuaram, assusta<strong>da</strong>s, fazendo<br />

cara-volta, 102 umas chorando, outras s<strong>em</strong> fala, apenas apontando<br />

para o manantial...<br />

E quando a rancha<strong>da</strong> <strong>da</strong>s donas 103 chegou perto e viu... viu o Chicão<br />

atolado; o Chicão atolado, e logo adiante, no barro revolvido, a rosa<br />

colora<strong>da</strong> boiando; a rosa boiando 104 porque a moça estava no fundo, afoga<strong>da</strong>,<br />

105 porque... porque... por causa do Chicão?... por medo dele, que<br />

queria abusar dela?... quando as senhoras donas, 106 to<strong>da</strong>s cala<strong>da</strong>s, viram<br />

aquele condenado, e uma, mais animosa, gritou-lhe – cachorro desavergonhado!<br />

– foi que a mãe dele, jungindo as lágrimas para não saltar<strong>em</strong>,<br />

perguntou:<br />

– Chicão, meu filho, que é isto?...<br />

– Atolado;... as esporas;... um laço!... 107<br />

– Filho!... que desgraça! E a Maria Altina?...<br />

– Aí!... <strong>em</strong>baixo <strong>da</strong> rosa...<br />

Foi neste ponto que rompeu o alarido, os choros, os chamados que<br />

ouvimos lá <strong>em</strong> cima, nas casas, e desc<strong>em</strong>os logo. 108 O Mariano vinha com<br />

os olhos raiados de sangue e batendo os dentes, como porco queixa<strong>da</strong>...<br />

E quando paramos todos e vimos o jeito <strong>da</strong>quele rufião maldito,<br />

ain<strong>da</strong> um l<strong>em</strong>brou alto: 109<br />

– Vamos laçar o hom<strong>em</strong>, e puxar 110 cá pra fora!... 111<br />

O Mariano porém, gritou: 112<br />

– Espera!... e voltando-se para o atolado, in<strong>da</strong>gou:<br />

– Por que mataste a velha?...<br />

– Não!<br />

– Viste a Maria Altina?<br />

– Não!<br />

– Que esburacado é esse, aí na tua frente?<br />

– Não sei!<br />

– E aquela rosa... também não sabes?...<br />

– Pois sei, sim! É ela... e a velha, também, fui eu... e agora?...<br />

– Vou rebentar-te a cabeça...<br />

– Arrebenta! Se não fosse 113 as esporas!...<br />

Então o Mariano sacou a pistola do cinto e trovejou... e errou! Secundou<br />

o tiro e a bala quebrou o ombro do Chicão, que deu um urro e<br />

entorceu-se todo; quis firmar-se, porém o braço são afun<strong>da</strong>va-se no barro,<br />

acamando os capins já machucados; com esses tirões e arrancos o manantial<br />

todo tr<strong>em</strong>ia e bufava, borbulhando... 114


O Mariano amartilhou a outra pistola; o Chicão berrou de lá:<br />

–Mata! Eu não pude!... mas o furriel 115 também não há-de!... 116<br />

Mas nisto a mãe dele abraçou-se nos joelhos do Mariano, e o padre<br />

missioneiro levantou a cruzinha do rosário, meteu o Nosso Senhor<br />

Crucificado 117 na boca do cano <strong>da</strong> pistola... 118 e o Mariano foi baixando o<br />

braço... baixando, e calado varejou a arma 119 para o lameiro...; mas de repente,<br />

como um parelheiro largado de tronco, 120 saltou pra diante 121 e de<br />

vere<strong>da</strong> atirou-se no manantial... e meio de pé, meio de gatinhas, caindo,<br />

bracejando, afun<strong>da</strong>ndo-se, 122 surdindo, todo ele numa plasta de barro reluzente,<br />

alcançou o Chicão, e – por certo – firmando-se no corpo do cavalo<br />

morto, botou-se ao desgraçado, com as duas mãos escorrendo lodo apertou-lhe<br />

o gasganete... e foi calcando, espr<strong>em</strong>endo, <strong>em</strong>purrando para trás...<br />

para trás... Até que, num 123 – vá! – aquele abraçados escorregaram, cortou<br />

o ar uma perna, um pé do Chicão, – livre <strong>da</strong> espora – e tudo sumiu-se na<br />

fervura que gorgolejou logo por cima!...<br />

Imagine vancê, aquilo passando-se ali pertinho, a meio 124 laço de<br />

distância e ninguém podendo r<strong>em</strong>ediar...<br />

Houve só uma palavra <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as bocas: Jesus, Senhor!... 125<br />

O manantial borbulhava por to<strong>da</strong>s as costuras... Se fosse 126 água<br />

limpa... Credo!...<br />

Despacito... despacito... 127 o missionário foi estendendo o braço,<br />

como esperando que as almas subiss<strong>em</strong>... depois riscou uma cruz larga, na<br />

clari<strong>da</strong>de do dia; e ajoelhando-se na beira <strong>da</strong>quela cova balofa, de três<br />

defuntos de razão de morrer tão diferente e de morte tão a mesma, começou<br />

a rezar.<br />

E logo no derredor a gentama também se foi arrodilhando... 128 e todos<br />

com os olhos firmados no manantial, e todos de mãos postas, todos<br />

<strong>em</strong>peçaram um – Salve-Rainha – que foi alteando e subindo no descampado,<br />

tão penaroso, tão sentido, tão do coração, 129 que até parece que amansou<br />

os próprios bichos, porque, entr<strong>em</strong>entes, n<strong>em</strong> um cachorro latiu,<br />

n<strong>em</strong> passarinho piou, n<strong>em</strong> cavalo se mexeu!...<br />

Nas para<strong>da</strong>s <strong>da</strong> reza só se ouvia os soluços <strong>da</strong> mãe do Chicão e um<br />

leve guasqueio do vento nas talas dos jerivás.<br />

Acaba<strong>da</strong> a devoção e marchando como uma procissão, 130 fomos para<br />

a casa levando a outra velhinha, a irmã <strong>da</strong> que lá estava, de cabeça esmigalha<strong>da</strong>.<br />

Velamos o corpo e na manhã seguinte fiz<strong>em</strong>os-lhe o enterro,<br />

também lá <strong>em</strong>baixo, na costa 131 do manantial.


O missioneiro benzeu, e então fincamos uma cruz morru<strong>da</strong>, de<br />

cambará, para vigia às almas dos quatro mortos.<br />

Depois, ca<strong>da</strong> qual tomou seu rumo.<br />

Anos depois passei por aqui: cortava a alma olhar para o arranchamento.<br />

Os negros tinham tomado a alforria132 por sua mão, e se foram a<br />

la cria!... Ficaram as duas mulheres, a mãe Tanásia e a sua senhora velha,<br />

que, por cari<strong>da</strong>de, o brigadeiro Machado mandou buscar pra133 casa dele.<br />

O arranchamento ficou abandonado; e foi chovendo dentro; desabou<br />

um canto de parede; caiu uma porta, os cachorros gaudérios já dormiam<br />

lá dentro. Debaixo dos caibros havia ninhos de morcegos e no copiar<br />

pousavam as corujas; os ventos derrubaram os galpões, os an<strong>da</strong>ntes queimaram<br />

as cercas, o gado fez paradeiro na quinta. O arranchamento alegre<br />

e farto foi desaparecendo... o feitio <strong>da</strong> mão de gente foi-se gastando, tudo<br />

foi minguando; 134 as carquejas e <strong>em</strong>biras invadiram; o gravatá lastrou; só o<br />

umbu foi guapeando, mas abichornado, como135 viúvo que se deu b<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

casado...; foi ficando tapera... a tapera... que é s<strong>em</strong>pre um lugar tristonho<br />

onde parece que a gente vê gente que nunca viu... onde parece que até as<br />

árvores perguntam a qu<strong>em</strong> chega: – onde está qu<strong>em</strong> me plantou?... onde<br />

está136 qu<strong>em</strong> me plantou?... —<br />

Olhe! Veja vancê: ali <strong>em</strong>baixo... heim? 137 Stá vendo?... 138 aqueles<br />

coqueiros, o matinhho de araçás?<br />

Pois é ali o manantial, que virou sepultura naquele dia brabo <strong>em</strong><br />

que desde manhã tanto agouro apareceu, de desgraça: os pica-paus chorando...<br />

os cachorros cavoucando... a bruxa preta entra<strong>da</strong> s<strong>em</strong> ninguém<br />

ver...<br />

S<strong>em</strong>pre dói na alma, mexer nestas l<strong>em</strong>branças. E há qu<strong>em</strong> não acredite!...<br />

A cruz... 139 onde já foi!... mas a roseira baguala, lá está! Roseira<br />

que nasceu do talo <strong>da</strong> rosa que ficou boiando no lo<strong>da</strong>çal no dia <strong>da</strong>quele<br />

cardume de estropícios... 140<br />

Vancê está vendo b<strong>em</strong>, agora?<br />

Pois é... coloreando, s<strong>em</strong>pre! Até parece que as raízes, lá no fundo<br />

do manantial, estão ain<strong>da</strong> bebendo sangue vivo no coração <strong>da</strong>141 Maria<br />

142 143<br />

Altina...<br />

Vancê quer, paramos um nadinha. Com isto <strong>da</strong>mos um alcezito<br />

aos mancarrões, e eu... desaperto o coração!...<br />

Ah! sau<strong>da</strong>de!... Parece que ain<strong>da</strong> vejo a minha morena, quando no<br />

rancho do Chico Triste botei-lhe os versos...


Minha voz no teu ouvido<br />

Fez seu ninho pra 144 cantar... 145<br />

Diabo!... parece que tenho areia nos olhos... e um pé-de-amigo na<br />

goela... Ah! sau<strong>da</strong>de!...<br />

É uma amargura tão doce, patrãozinho!...<br />

Sau<strong>da</strong>de é dor que não dói,<br />

Doce ventura cruel,<br />

É talho que fecha <strong>em</strong> falso 147<br />

É veneno e sabe a mel... 148<br />

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .<br />

146<br />

149


O mate do <strong>João</strong> Cardoso 1<br />

–––––– 2<br />

A la fresca!... 4 que d<strong>em</strong>orou a tal frita<strong>da</strong>! Vancê reparou? 5<br />

Quando nos apeamos era o pino do meio-dia... 6 e são três horas,<br />

largas!... Cá pra 7 mim esta gente esperou que as franguinhas se pusess<strong>em</strong><br />

galinhas e depois botass<strong>em</strong>, para depois apanhar<strong>em</strong> 8 os ovos e só então<br />

bater esta frita<strong>da</strong> 9 encanta<strong>da</strong>, que vai nos atrasar a trotea<strong>da</strong>, <strong>obra</strong> de duas<br />

léguas... de beiço!...<br />

Isto até faz-me l<strong>em</strong>brar um caso... Vancê nunca ouviu falar do <strong>João</strong><br />

Cardoso?... Não?... É pena.<br />

O <strong>João</strong> Cardoso era um sujeito que vivia por aqueles meios do<br />

Passo * <strong>da</strong> Maria Gomes; 10 bom velho, muito estimado, mas chalrador como<br />

trinta e que <strong>da</strong>va um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de<br />

novi<strong>da</strong>des.<br />

Também... naquele t<strong>em</strong>po não havia jornais, e o que se ouvia e se<br />

contava ia de boca <strong>em</strong> boca, de ouvido para ouvido. Eu, o primeiro jornal<br />

que vi na minha vi<strong>da</strong> foi <strong>em</strong> Pelotas mesmo, aí por 1851.<br />

Pois, como dizia: não passava an<strong>da</strong>nte pela porta ou mais longe ou<br />

mais distante, que o velho <strong>João</strong> Cardoso não chamasse, risonho, e reniten-<br />

* Passo <strong>da</strong> Maria Gomes - sobre o rio Piratini, na des<strong>em</strong>bocadura do arroio <strong>da</strong> Maria Gomes (o rio<br />

Piratini, na época, separava os municípios de Piratini e Jaguarão e era limite norte do 4º subdistrito<br />

<strong>da</strong> freguesia de Arroio Grande). Mas o curioso é que, na primeira publicação do conto (Diário<br />

Popular de 25 de abril de 1912), <strong>João</strong> Cardoso é apresentado como alguém que vivia entre<br />

Pelotas e Rio Grande – portanto, longe do Passo <strong>da</strong> Maria Gomes.<br />

3


te como mosca de rama<strong>da</strong>; e aí no mais já enxotava a cachorra<strong>da</strong>, e puxando<br />

o pito de detrás <strong>da</strong> orelha, pigarreava e dizia:<br />

– Olá! amigo! apeie-se; 11 descanse um pouco! Venha tomar um<br />

amargo! É um instantinho... crioulo?!...<br />

O an<strong>da</strong>nte, 12 agradecido à sorte, aceitava... menos algum ressabiado,<br />

já se vê.<br />

– Então que há de novo? (E para dentro de casa, com uma voz de<br />

trovão, ordenava:) Oh! crioulo! Traz mate!<br />

E já se botava na conversa, falava, in<strong>da</strong>gava, pedia as novas, <strong>da</strong>va<br />

as que sabia; ria-se, metia opiniões, aprovava umas cousas, 13 ficava buzina<br />

com outras...<br />

E o t<strong>em</strong>po ia passando. O an<strong>da</strong>nte olhava para o cavalo, que já tinha<br />

refrescado; olhava para o sol que subia ou descambava... e mexia o<br />

corpo para levantar-se. 14<br />

– Bueno! são horas, seu <strong>João</strong> Cardoso; vou marchando!...<br />

– Espere, hom<strong>em</strong>! É um instantinho! Oh! crioulo, olha esse mate!<br />

E retomava a chalra. Nisto o crioulo já calejado e sabido, chegavase-lhe<br />

manhoso e cochichava-lhe no ouvido:<br />

– Sr., 15 não t<strong>em</strong> mais erva!...<br />

– Traz dessa mesma! Não d<strong>em</strong>ores, crioulo!...<br />

E o t<strong>em</strong>po ia correndo 16 como água de sanga cheia.<br />

Outra vez o an<strong>da</strong>nte se aprumava:<br />

– Seu <strong>João</strong> Cardoso, vou-me tocando... Passe b<strong>em</strong>!<br />

– Espera, hom<strong>em</strong> de Deus! É enquanto a galinha lambe a orelha!...<br />

Oh! crioulo!... olha esse mate, diabo!<br />

E outra vez o negro, no ouvido dele:<br />

– Mas, sr.!... não t<strong>em</strong> mais erva!<br />

– Traz dessa mesma, ban<strong>da</strong>lho!<br />

E o carvão sumia-se largando sobre o paisano uma risca<strong>da</strong> do<br />

branco dos olhos, como escarnicando... 17<br />

Por fim o an<strong>da</strong>nte não agüentava mais e parava patrulha:<br />

– Passe b<strong>em</strong>, seu <strong>João</strong> Cardoso! Agora vou mesmo. Até a vista!<br />

– Ora, patrício, espere! Oh crioulo, 18 olha o mate!<br />

– Não! não mande vir, obrigado! Pra 19 volta!<br />

– Pois sim... porém dói-me que você se vá s<strong>em</strong> querer tomar um<br />

amargo neste rancho. 20 É um instantinho... oh! crioulo!<br />

Porém o outro já <strong>da</strong>va de rédea, resolvido à retira<strong>da</strong>.


E o velho <strong>João</strong> Cardoso acompanhava-o até a beira <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> e<br />

ain<strong>da</strong> teimava:<br />

– Quando passar, apeie-se! 21 O chimarrão, aqui, nunca se corta, 22<br />

está s<strong>em</strong>pre pronto! Boa viag<strong>em</strong>! Se quer 23 esperar... olhe que é um instantinho...<br />

Oh! crioulo!...<br />

Mas o <strong>em</strong>buçalado já tocava a trote largo.<br />

Os mates do <strong>João</strong> Cardoso criaram fama... A gente <strong>da</strong>quele t<strong>em</strong>po,<br />

até, quando queria dizer que uma cousa era tardia, d<strong>em</strong>ora<strong>da</strong>, maçante,<br />

<strong>em</strong>brulhona, dizia – está como o mate do <strong>João</strong> Cardoso! *<br />

A ver<strong>da</strong>de é que, <strong>em</strong> muita casa e por muitos motivos, ain<strong>da</strong> às<br />

vezes 25 parece-me escutar o <strong>João</strong> Cardoso, velho de guerra, repetir ao seu<br />

crioulo:<br />

– Traz dessa mesma, 26 diabo, que aqui o sr. t<strong>em</strong> pressa!...<br />

– Vancê já não t<strong>em</strong> topado disso?...<br />

* Apesar de este caso pertencer à tradição popular (e talvez por isso), é provável que <strong>João</strong> Cardoso<br />

tenha existido mesmo. Em 1833, havia <strong>em</strong> Jaguarão um hom<strong>em</strong> de 61 anos, casado, chamado<br />

<strong>João</strong> Cardoso (<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Câmara Municipal de Jaguarão, disponíveis no Arquivo Histórico do<br />

Estado do Rio Grande do Sul). Em 1815, o bispo José Caetano <strong>da</strong> Silva Coutinho, no diário de<br />

sua viag<strong>em</strong> entre Piratini e Jaguarão, referia-se a esse hom<strong>em</strong> como o “mentiroso <strong>João</strong> Cardoso”<br />

(Documento existente no Arquivo <strong>da</strong> Cúria do Rio de Janeiro).<br />

27<br />

28<br />

24


Deve um queijo!... 1<br />

______ 2<br />

O velho Lessa era um hom<strong>em</strong> assinzinho... nanico, retaco, ruivote,<br />

corado, e tinha os olhos vivos como azougue... Mas quanto tinha pequeno<br />

o corpo tinha grande o coração.<br />

E sisudo; não era hom<strong>em</strong> de roer cor<strong>da</strong>, n<strong>em</strong> de palavra esticante,<br />

como couro de cachorro. Falava pouco, mas quando dizia, estava dito;<br />

pra 4 ele, trato de boca valia tanto – e até mais – que papel de tabelião. E<br />

no mais, era – pão, pão; queijo, queijo! –<br />

E, por falar nisto:<br />

Duma feita no Passo do Centurião, * numa ven<strong>da</strong> grande que ali<br />

havia, estava uma ponta de an<strong>da</strong>ntes, tropeiros, gaucha<strong>da</strong> teatina, peona<strong>da</strong>,<br />

e tal, quando descia um cerro alto e depois entrava na estra<strong>da</strong>, ladea<strong>da</strong><br />

de butiazeiros, que se estend<strong>em</strong> para os dois lados, sombreando o verde<br />

macio dos pastos, quando troteava de escoteiro, o velho Lessa.<br />

De ain<strong>da</strong> longe já um dos sujeitos o havia conhecido e dito qu<strong>em</strong><br />

era e donde; e logo outro – passou voz que aí no mais todos iriam comer<br />

um queijo s<strong>em</strong> na<strong>da</strong> pagar...<br />

Este fulano era um castelhano alto, gadelhudo, com uma pêra enorme,<br />

que ele às vezes, por graça ou tenção reserva<strong>da</strong>, costumava tran-<br />

* Passo do Centurião, sobre o rio Jaguarão, na fronteira do Brasil com o Uruguai. Fica próximo<br />

do Herval, a uma boa distância de Piratini e muito longe de Canguçu.<br />

3


çar, como para <strong>da</strong>r mote a algum 5 dito, e ele retrucar, e, <strong>da</strong>í nascer uma<br />

cruza<strong>da</strong> de facões, para divertir, ao 6 primeiro coloreado...<br />

Sossegado <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> o velho Lessa aproximou-se, 8 parou o cavalo<br />

e mui delica<strong>da</strong>mente tocou na aba do sombreiro:<br />

– Boa tarde, a todos! 9<br />

E apeou-se. 10<br />

Maneou o mancarrão, atou-lhe as rédeas ao pescoço e dobrou os<br />

pelegos, por causa <strong>da</strong> quentura do sol.<br />

Quando ia entrar na ven<strong>da</strong>, saiu-lhe o castelhano pelo lado de laçar...<br />

11 A este t<strong>em</strong>po o negociante sau<strong>da</strong>va o velho, dizendo:<br />

– Oh! seu Nico! Seja b<strong>em</strong> aparecido! Então, v<strong>em</strong> de Canguçu, ou<br />

vai ?...<br />

Antes que o cumprimentado falasse, o castelhano intrometeu-se:<br />

– Ah! es usted 12 de Canguçu?... Entonces... debe un queso!...<br />

O paisano abriu um ligeiro claro de riso e com to<strong>da</strong> a pachorra ain<strong>da</strong><br />

respondeu:<br />

– Ora, amigo... os queijos an<strong>da</strong>m vasqueiros...<br />

– Sí, 13 pa nosotros... pero Canguçu pagará queso, hoy!...<br />

O vendeiro farejou catinga agourenta, no ar, e quis ladear o importuno;<br />

o velho Lessa coçou a barbinha do queixo, 14 coçou o cocuruto, relanceou<br />

os olhinhos pelos assistentes, e mui de manso pediu ao <strong>em</strong>pregado<br />

do balcão:<br />

– Stá b<strong>em</strong>!... 15 Chê! dê-me aquele queijo!...<br />

E apontou para um ro<strong>da</strong>do de palmo e meio de cor<strong>da</strong>, que estava<br />

na prateleira, ali à mão.<br />

O gadelhudo refastelou-se 16 sobre um surrão de erva, chupou os<br />

dentes e ain<strong>da</strong> enticou:<br />

– Oigalé!... bail<strong>em</strong>os, que queso hay!<br />

Com a mesma santa paciência o velho encomendou então o seu<br />

almoço – ovos, um pe<strong>da</strong>ço de lingüiça, café – e depois pegou a partir o<br />

queijo, primeiro ao meio, <strong>em</strong> duas metades e depois uma destas <strong>em</strong> fatias,<br />

como umas oito ou dez; acabando, ofereceu a todos:<br />

– São servidos?<br />

Ninguém topou; agradeceram; 17 então disse ele ao c<strong>obra</strong>dor : 18<br />

– Chê!... pronto! 19 Sirva-se!...<br />

7


O castelhano levantou-se, endireitou as armas e chegando-se para<br />

o prato, repetiu o envite: 20<br />

– Entonces?... ¡está pago, paisanos!...<br />

E às talhaditas começou a comer.<br />

O velho Lessa * – ele tinha pinta de tambeiro, mas era touro cupinudo...<br />

– pegou a picar um naco; sovou uma palha; enrolou o baio; bateu<br />

os avios; acendeu e começou a pitar, s<strong>em</strong>pre calado, e moneando, gastando<br />

um t<strong>em</strong>pão...<br />

Lá na outra ponta do balcão um freguês estava reclamando sobre<br />

uma panela reiúna, 22 que lhe haviam vendido com o beiço quebrado...<br />

Aí pelas seis talha<strong>da</strong>s o clinudo parou de mastigar.<br />

– Bueno... buenazo!... 23 pero no puedo más!... 24<br />

Mas o velho, com o facão espetou uma fatia e ofreceu-lhe: 25<br />

– Esta, por mim!<br />

– Sí, 26 justo: por usted, 27 vaya!... 28<br />

E às cansa<strong>da</strong>s r<strong>em</strong>oeu o pe<strong>da</strong>ço.<br />

E mal que engoliu o último bocado, já o velho apresentava-lhe outra<br />

fatia, na ponta do ferro:<br />

– Outra, à saúde de Canguçu!...<br />

– Pero...<br />

– Não t<strong>em</strong> pero 29 n<strong>em</strong> pêra... 30 Come...<br />

– Pe... 31<br />

– Come, clinudo!...<br />

E no mesmo 32 soflagrante, de plancha, duro e chato, o velho Lessa<br />

derrubou-lhe o facão entre as orelhas, pelas costelas, pelas paletas, pela<br />

barriga, pelas ventas... seguido, e 33 miúdo, como qu<strong>em</strong> <strong>em</strong>papa de água 34<br />

um couro lanudo. E com esta sumanta levou-o sobre o mesmo surrão de<br />

erva, pôs-lhe nos joelhos o prato com o resto do queijo e gritou-lhe nos<br />

ouvidos: – Come!...<br />

E o roncador comeu... comeu até os farelos... mas, de repente, <strong>em</strong>panzinado,<br />

de boca aberta, olhos arregalados, meio sufocado, todo se vomitando,<br />

pulou porta fora, se foi 35 a um matungo 36 e disparou para a barranca<br />

do passo... e foi-se, a la cria!... 37<br />

O reclamador <strong>da</strong> panela desbeiça<strong>da</strong> deu uma risa<strong>da</strong> e chacoteou,<br />

pra 38 o rastro:<br />

* Admite-se que a figura do velho Lessa seja inspira<strong>da</strong> <strong>em</strong> Catão Bonifácio, pai de JSLN.<br />

21


– Orre, maula!... 39 quebraram-te o corincho!...<br />

E o velhito, com to<strong>da</strong> a sua pachorra in<strong>da</strong>gou pelo almoço, se já 41<br />

estava pronto...<br />

– Os ovos... a lingüiça... 42 o café?...<br />

40


O boi velho 1<br />

––––––– 2<br />

Cuê-pucha!... é bicho mau, o hom<strong>em</strong>! 4<br />

Conte vancê as mal<strong>da</strong>des que nós faz<strong>em</strong>os e diga se não 5 é mesmo!...<br />

Olhe, nunca me esqueço dum caso que vi e que me ficou cá na<br />

l<strong>em</strong>brança, e ficará té eu morrer... como unheiro <strong>em</strong> lombo de matungo de<br />

mulher.<br />

Foi na estância dos Lagoões, duma gente Silva, duns Silva mui políticos,<br />

s<strong>em</strong>pre metidos <strong>em</strong> eleições e enredos de qualificações de votantes.<br />

A estância era como aqui e o arroio como a umas dez quadras; lá<br />

era o banho <strong>da</strong> família. Fazia uma ponta, tinha um sarandizal e logo era<br />

uma volta forte, como uma meia-lua, onde as areias se amontoavam formando<br />

um baixo: o perau era do lado de lá. O mato aí parecia plantado de<br />

propósito: era quase que 6 pura guabiroba e pitanga, araçá e guabiju; no<br />

t<strong>em</strong>po, o chão coalhava-se de fruta: era um regalo!<br />

Já vê... o banheiro não era longe; podia-se b<strong>em</strong> ir lá, de a pé, 7 mas<br />

a família ia s<strong>em</strong>pre de carretão, puxado a bois, uma junta, mui mansos,<br />

governados de regeira por uma <strong>da</strong>s senhoras donas 8 e tocados com uma<br />

rama 9 por qualquer <strong>da</strong>s crianças.<br />

Eram dois pais <strong>da</strong> paciênca, 10 os dois bois. Um se chamava Dourado,<br />

era baio; o outro, Cabiúna, era preto, com a orelha do lado de laçar,<br />

branca, e uma risca na papa<strong>da</strong>.<br />

3


Estavam tão mestres naquele piquete, que, quando a família, de<br />

manhãzita, depois <strong>da</strong> jacuba de leite, pegava a aprontar-se, que a criança<strong>da</strong><br />

pulava para o terreiro ain<strong>da</strong> mastigando um naco de pão e as crioulas<br />

apareciam 11 com as toalhas e por fim as senhoras donas, 12 quando se gritava<br />

pelo carretão, já os bois, havia muito t<strong>em</strong>po que estavam encostados no<br />

cabeçalho, r<strong>em</strong>oendo muito sossegados, esperando que qualquer peão os<br />

ajoujasse.<br />

Assim correram os anos, s<strong>em</strong>pre nesse mesmo serviço.<br />

Quando entrava o inverno eles eram soltos para o campo, e ganhavam<br />

num rincão mui abrigado, que havia por detrás <strong>da</strong>s casas. Às vezes, 14<br />

um que outro dia de sol mais quente, eles apareciam ali por perto, como<br />

in<strong>da</strong>gando se havia 15 calor bastante para a gente banhar-se. E mal que os<br />

miúdos <strong>da</strong>vam com eles, saíam a correr e a gritar, numa algazarra de festa<br />

para os bichos.<br />

– Olha o Dourado! Olha o Cabiúna! Oôch!... ôch!...<br />

E algum <strong>da</strong>queles traquinas s<strong>em</strong>pre desencovava uma espiga de<br />

milho, um pe<strong>da</strong>ço de abóbora, que os bois tomavam, arreganhando a beiçola<br />

lustrosa de baba, e punham-se a mascar, mui pachorrentos, ali à vista<br />

<strong>da</strong> guriza<strong>da</strong> risonha.<br />

Pois veja vancê... Com o an<strong>da</strong>r do t<strong>em</strong>po aquelas crianças se tornaram<br />

moças e homens feitos, foram-se casando e tendo família, e como<br />

quera, 16 pode-se dizer que houve s<strong>em</strong>pre senhoras donas 17 e gente miú<strong>da</strong><br />

para os bois velhos levar<strong>em</strong> ao banho do arroio, no carretão.<br />

Um dia, no fim do verão, o Dourado amanheceu morto, mui inchado<br />

e duro: tinha sido picado de c<strong>obra</strong>.<br />

Ficou pois solito, o Cabiúna; como era mui companheiro do outro,<br />

ali por perto dele andou uns dias pastando, deitando-se, r<strong>em</strong>oendo. Às<br />

vezes 19 esticava a cabeça para o morto e soltava um mugido... 20 Cá pra 21<br />

mim o boi velho – uêh! 22 tinha caraca grossa nas aspas! – o boi velho berrava<br />

de sau<strong>da</strong>des do companheiro e chamava-o, como no outro t<strong>em</strong>po,<br />

para pastar<strong>em</strong> juntos, para beber<strong>em</strong> juntos, para juntos puxar<strong>em</strong> o carretão...<br />

– Que vancê pensa!... os animais se entend<strong>em</strong>... eles trocam língua!...<br />

13<br />

18


Quando o Cabiúna se chegava mui perto do outro e farejava o<br />

cheiro ruim, os urubus abriam-se, num trotão, 23 lambuzados de sangue<br />

podre, às vezes 24 meio engasgados, vomitando pe<strong>da</strong>ços de carniça...<br />

Bichos malditos, estes encarvoados!... 25<br />

Pois, como ficou solito o Cabiúna, tiveram que ver outra junta para<br />

o carretão e o boi velho por ali foi ficando. Porém começou a <strong>em</strong>agrecer...<br />

e tal e qual como uma pessoa penarosa, que gosta de estar sozinha,<br />

assim o carreteiro ganhou o mato, qu<strong>em</strong> sabe, de penaroso, também...<br />

26<br />

Um dia de sol quente ele apareceu no terreiro.<br />

Foi um alvoroto na miuçalha.<br />

– Olha o Cabiúna! o Cabiúna! Oôch! Cabiúna! oôch!...<br />

E vieram à porta as senhoras donas, 27 já casa<strong>da</strong>s e mães de filhos, e<br />

que quando eram crianças tantas vezes foram leva<strong>da</strong>s pelo Cabiúna; vieram<br />

os moços, já homens, e todos disseram:<br />

– Olha o Cabiúna! Oôch! Oôch!...<br />

Então, um notou a magreza do boi; outro achou que sim; outro<br />

disse que ele não agüentava o primeiro minuano de maio; e conversa vai,<br />

conversa v<strong>em</strong>, o primeiro, que era mui golpeado, achou que era melhor<br />

matar-se aquele boi, que tinha caraca grossa nas aspas, que não engor<strong>da</strong>va<br />

mais e que iria morrer atolado no fundo <strong>da</strong>lguma sanga28 e... lá se ia então<br />

um prejuízo certo, no couro perdido...<br />

E já gritaram a um peão, que trouxesse o laço; e veio. À mão no<br />

mais o sujeito passou uma volta de meia-cara; o boi cabresteou, como um<br />

cachorro...<br />

Pertinho estava o carretão, antigão, já meio desconjuntado, com o<br />

cabeçalho no ar, descansado sobre o muchacho.<br />

O peão puxou <strong>da</strong> faca e dum golpe enterrou-a até o cabo, no sangradouro<br />

do boi manso; quando retirou a mão, já veio nela a golfa<strong>da</strong> espumenta<br />

do sangue do coração...<br />

Houve um silenciozito <strong>em</strong> to<strong>da</strong> aquela gente.<br />

29<br />

O boi velho sentindo-se ferido, doendo o talho, qu<strong>em</strong> sabe se entendeu30<br />

que aquilo seria um castigo, algum pregaço de picana, 31 mal <strong>da</strong>do,<br />

por não estar ain<strong>da</strong> arrumado... – pois vancê creia! – : soprando o sangue<br />

<strong>em</strong> borbotões, já meio roncando na respiração, meio cambaleando, o boi<br />

velho deu uns passos mais, encostou o corpo ao comprido, no32 cabeçalho<br />

do carretão, e meteu a cabeça, certinho, no lugar <strong>da</strong> canga, entre os dois


canzis... e ficou arrumado, esperando que o peão fechasse a brocha e lhe<br />

passasse a regeira 33 na orelha branca... 34<br />

E ajoelhou... e caiu... e morreu...<br />

Os cuscos pegaram a lamber o sangue, por cima dos capins... um<br />

alçou a perna e verteu <strong>em</strong> cima... e enquanto o peão chairava a faca para<br />

carnear, um gurizinho, 35 gordote, claro, de cabelos cacheados, que estava<br />

comendo uma munhata, chegou-se para o boi morto e metendo-lhe 36 a<br />

fatia na boca, batia-lhe na aspa e dizia-lhe na sua língua de trapos:<br />

37 *<br />

– Tome, tabiúna! Nó té... Nô fá bila, tabiúna!...<br />

E ria-se o inocente, para os grandes, que estavam por ali, calados,<br />

os diabos, cá pra mim, com r<strong>em</strong>orsos por aquela judiaria com o boi velho,<br />

que os havia carregado a todos, tantas vezes, para alegria do banho e <strong>da</strong>s<br />

guabirobas, dos araçás, <strong>da</strong>s pitangas, dos guabijus!...<br />

38<br />

Veja vancê, que desgraçados; tão ricos... e por um mixe couro de<br />

boi velho!... 39<br />

Cuê-pucha!... é mesmo bicho mau, o hom<strong>em</strong>! 40<br />

* – Come, Cabiúna ! Não quer... Não faz birra, Cabiúna!...<br />

41


Correr egua<strong>da</strong> 1<br />

_______ 2<br />

Se vancê<br />

4 fosse <strong>da</strong>quele t<strong>em</strong>po, eu calava-me, porque não lhe contaria<br />

novi<strong>da</strong>de, mas vancê é um guri, perto de mim, que podia ser seu avô...<br />

Pois escuite. 5<br />

Tudo era aberto; as estância pegavam umas nas outras s<strong>em</strong> cerca<br />

n<strong>em</strong> tapumes; as divisas de ca<strong>da</strong> uma estavam escritas nos papéis <strong>da</strong>s<br />

sesmarias; e lá um que outro estancieiro é que metia marcos de pedras nas<br />

linhas, e isso mesmo quando aparecia algum piloto que fosse entendido<br />

do ofício e viesse b<strong>em</strong> apadrinhado.<br />

Vance vê que desse jeito ninguém sabia b<strong>em</strong> o que era seu, de animala<strong>da</strong>.<br />

Marcava-se, assinalava-se o que se podia, de gado, mas mesmo<br />

assim, pouco; agora, o que tocava à baguala<strong>da</strong>, isso era quase reiúno...<br />

pertencia ao campo onde estava pastando. E mesmo n<strong>em</strong> tinha valor nenhum:<br />

égua baguala era só para tirar-se as loncas, alguma bota.<br />

Depois é que apareceram uns lamões 6 e uns ingleses, melados, que<br />

compravam o cabelo: por isso às vezes 7 se cerdeava; mas eles pagavam<br />

uma tuta e meia.<br />

Veja vancê; s<strong>em</strong>pre a estrangeira<strong>da</strong> especulando cousas de que a<br />

gente n<strong>em</strong> fazia caso...<br />

Egua<strong>da</strong> chucra, 8 potra<strong>da</strong> orelhana, isso, era imundície, 9 por esses<br />

campos de Deus; miles e miles!...<br />

E bicho brabo pra 10 se tropear, esse!... 11 Barulhento, espantadiço,<br />

disparador e ligeiro, como trezentos diabos!<br />

3


Mas como quera, 12 era s<strong>em</strong>pre um divertimento macanudo, uma<br />

voltea<strong>da</strong> de baguais!<br />

Ah!...<br />

Não há na<strong>da</strong> como tomar mate e correr egua<strong>da</strong>!<br />

13<br />

Aí para os meios de Quaraim, nos campos do major Jordão, entrei<br />

uma vez numa correria macota.<br />

Foi logo depois <strong>da</strong> guerra do Oribe. * Havia como dez mil baguais<br />

entre éguas e potros orelhanos, cavalha<strong>da</strong> larga<strong>da</strong>, reiúna e marca<strong>da</strong>, que<br />

to<strong>da</strong> virou haragana, nos pajonais.<br />

Os gados, que já eram mui ariscos, viviam numa bolandina com as<br />

dispara<strong>da</strong>s <strong>da</strong> baguala<strong>da</strong>.<br />

Pro 14 caso, diz que 15 é o Negrinho do Pastoreio que faz as dispara<strong>da</strong>s<br />

dos cavalares... Isso é uma história compri<strong>da</strong>...<br />

Um belo dia o major resolveu fazer uma limpa naquele bicharedo<br />

alçado.<br />

E preparou-se, com t<strong>em</strong>po.<br />

Desfrutou a novilha<strong>da</strong> que pôde, no verão, arreglou as suas contas<br />

e mandou avisar e convi<strong>da</strong>r o vizindário para correr a baguala<strong>da</strong> no veranico<br />

de maio, que era para agarrar o bicharedo rachando de gordo e aguachado,<br />

pesadão, e o t<strong>em</strong>po mais fresco 17 para a cavalha<strong>da</strong> de serviço. 18<br />

Amigo! Quando foi aos três dias <strong>da</strong> lua nova a estância estava apinha<strong>da</strong><br />

de gaucha<strong>da</strong>. Como uns oitenta e tantos torenas, campeiraços destorcidos,<br />

domadores e boleadores de fama.<br />

Adelgaçava-se os fletes com água a meia costela, <strong>em</strong> qualquer lagoão,<br />

e à soga; cascos b<strong>em</strong> aparados, agarradeiras b<strong>em</strong> cava<strong>da</strong>s, endureci<strong>da</strong>s<br />

com uma untura de sebo de rim e carvão, aquenta<strong>da</strong> com a ponta <strong>em</strong><br />

brasa de um tição de goiabeira; cola curta, toso baixo.<br />

E a gaucha<strong>da</strong> quase to<strong>da</strong> de <strong>em</strong> pêlo. Uns de bombacha, outros de<br />

chiripá; muitos s<strong>em</strong> chapéu, muitos de lenço na cabeça; tudo <strong>em</strong> mangas<br />

de camisa e faca atravessa<strong>da</strong>.<br />

O mais maula levava pelo menos dois pares de bolas; três pares,<br />

isso era a rodo, e havia torena que chegava a levar cinco: um na mão, os<br />

outros na cintura.<br />

* Guerra do Oribe – Episódio do intervencionismo imperial brasileiro no Prata (1851/1852).<br />

16


E tudo boleadeiras mui b<strong>em</strong> feitas, de pedra pequena; porque vancê<br />

sabe que o cavalar t<strong>em</strong> o osso mais quebradiço que a rês – e vai, se<br />

toma 19 de mau jeito 20 um bolaço pesado, aí no mais já t<strong>em</strong>os um avariado.<br />

Pois é: as três-marias retova<strong>da</strong>s a preceito; e as sogas macias, pra 21<br />

não cortar; e levava-se também uns quantos ligares.<br />

Vancê não sabe o que é um ligar? Não é só, não sr., o couro de<br />

terneirote pra 22 fazer carona; é também uma tira de guasca, chata, assim<br />

duma meia braça, com um furo dum lado e uma meia ponta do outro.<br />

Conforme boleava um animal e ele caía, o campeiro chegava-se e passava-lhe<br />

o ligar <strong>em</strong> cima do garrão e apertava, acochava, à mo<strong>da</strong> velha;<br />

hom!... era mesmo como botar uma liga de mulher, com perdão <strong>da</strong> comparação!<br />

Vancê comprende, 23 não? 24<br />

Ficava o nervo do garrão, arrochado pelo ligar; então o gaúcho desenre<strong>da</strong>va<br />

as boleadeiras e assinalava e mal isto, já o bagual se aprumava<br />

e levantava-se, bufando, puava, pra 25 rufar..., mas qual! saía <strong>em</strong> três pernas!...<br />

E assim de segui<strong>da</strong>, <strong>em</strong> dois, três, oito ou mais, que ca<strong>da</strong> corredor<br />

boleasse; esses não podiam mais disparar, ficavam perneteando no meio<br />

do campo!<br />

Então a guriza<strong>da</strong>, os piás, a relho, 26 iam entropilhando os ligados,<br />

que depois ca<strong>da</strong> dono separava pelo sinal feito.<br />

Era assim, que, conforme ia correndo a egua<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> gaúcho 27 ia<br />

boleando o bagual que mais lhe agra<strong>da</strong>va; às vezes 28 saíam dois a um<br />

mesmo animal: aí, o que primeiro lhe sentava as pedras, era o dono.<br />

29<br />

Mas 30 também, quanto porongo!... Quantas vezes, depois duma<br />

canseira, boleava-se e caía um potro lin<strong>da</strong>ço, cogotudo e b<strong>em</strong> lançado, e<br />

ia-se ver, era um colmilhudo, com ca<strong>da</strong> dente como uma estaca... velho<br />

como o cerro do Batovi; 31 ou era um mancarrão de montaria, aporreado e<br />

cuerudo... outras vezes ain<strong>da</strong>... enfim, havia s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong>baçadelas! 32<br />

Mas, como ia dizendo: quando a gente estava to<strong>da</strong> a cavalo e pronta,<br />

o estancieiro ou o encarregado 34 distribuía os ternos, que espalhavamse<br />

a todos os rumos, sobre as costas e rincona<strong>da</strong>s, para fazer a toca<strong>da</strong> de lá<br />

desses fundos.<br />

E <strong>da</strong>í a pouco 35 já se levantavam os primeiros rumores... A baguala<strong>da</strong><br />

estranhava aqueles movimentos; os colhudos começavam a relinchar,<br />

ajuntando, pastorejando as mana<strong>da</strong>s; os entropilhados, farejando, entrepa-<br />

33


avam-se, arpistas; outras pandilhas, de cola alça<strong>da</strong>, 36 iam num trotão <strong>da</strong>nçado,<br />

bufando... e já cerravam numa correria <strong>em</strong> redondo e depois riscavam,<br />

campo fora...<br />

Lá adiante, o mesmo barulho; noutro ponto, igual; dum rincão,<br />

numa trepa<strong>da</strong> de coxilha, numa desci<strong>da</strong> de canha<strong>da</strong>, rufando duma restinga,<br />

os lotes de eguariços iam se encontrando, entreverando-se; os campeiros<br />

vinham chegando e a gritos, a cachorro, a tiro, ia-se tocando a baguala<strong>da</strong><br />

de ca<strong>da</strong> querência; de todos os lados cruzava-se a contra<strong>da</strong>nça, que<br />

se encaminhava sobre uma linha já combina<strong>da</strong>; e aos poucos ia crescendo<br />

o rodeio movediço, que engrossava, redomoinhava, espirrava, tornava a<br />

<strong>em</strong>bolar-se... e de repente fazia cabeça, fazia ponta, e todo disparava, fazendo<br />

tr<strong>em</strong>er a terra, roncando no ar, como uma trovoa<strong>da</strong>.<br />

37<br />

Aí a gente entrava a manguear, aos dois lados, e então é que começava,<br />

de ver<strong>da</strong>de, o divertimento! Arr<strong>em</strong>atava-se três, quatro, cinco<br />

fletes; corria-se s<strong>em</strong> parar, seis, dez, doze léguas... e no fim estava-se folheiro!...<br />

Barbari<strong>da</strong>de! N<strong>em</strong> há na<strong>da</strong> como tomar mate e correr egua<strong>da</strong>!<br />

38<br />

Amigo! 39 Aquele novelo não se desmanchava mais; ao contrário, o<br />

que ia topando pela frente ou aos lados, de egua<strong>da</strong>, também corria e atirava-se,<br />

incorporando-se; na culatra ia ficando uma estiva de potrilhos, de<br />

flacos, de aplastados, dos que ro<strong>da</strong>vam, dos que se quebravam e até dos<br />

que morriam pisoteados por aquela massa cerra<strong>da</strong> de cascos.<br />

E <strong>em</strong> cancha direita ou fazendo voltas largas, não se respeitava<br />

sanga, banhado, tacuru, panela de caranguejo, 40 n<strong>em</strong> buraco de tuco-tuco;<br />

ia-se acamando as macegas, pisoteando car<strong>da</strong>is, esmigalhando as manchas<br />

de trevo, e ia-se s<strong>em</strong>pre a meia-rédea. 41<br />

Aí é que era lindo!<br />

Os fletes montados, alevianados, corriam, alçados no freio; os tiros<br />

de bolas cruzavam-se nos ares... e aquilo era largar as três-marias sobre<br />

a paleta do escolhido e o bagual logo ro<strong>da</strong>va, no enleio <strong>da</strong>s sogas.<br />

O gaúcho, 42 apeava, ligava, tirava as boleadeiras e já se bancava de<br />

novo pra43 nova hombra<strong>da</strong>. 44<br />

Isto quando era por divertir.<br />

45<br />

Quando era para tropa, o melhor era reiunar46 os boleados; isso era<br />

ligeiro: 47 com um talho de faca, por detrás, na raiz <strong>da</strong> orelha, esta caía pra48 diante, sobre o olho; o sangue também aju<strong>da</strong>va, porque escorria e se <strong>em</strong>-


pastava nas clinas; e podia ser potro cru e malevaço, que ali no mais <strong>da</strong>va<br />

o cacho; 49 podia fazer-se dele sinuelo.<br />

50<br />

Quando era para limpeza, então tocava-se a egua<strong>da</strong> sobre um apertado<br />

qualquer, sobre uma sanga b<strong>em</strong> fun<strong>da</strong>, grota, manantial, sumidouro,<br />

e atirava-se aí pra 51 dentro, para destroçar, para acabar, atirava-se aí para 52<br />

dentro to<strong>da</strong> a baguala<strong>da</strong>, que, do lance <strong>em</strong> que vinha, to<strong>da</strong> se afun<strong>da</strong>va,<br />

amontoava, esmagava e morria, s<strong>em</strong> poder recuar, perdi<strong>da</strong> pela sua própria<br />

brabeza, <strong>em</strong>purra<strong>da</strong> pelas pecha<strong>da</strong>s dos que vinham, sarapantados,<br />

tocados de trás!...<br />

E o resto que se desguaritava e que se podia ain<strong>da</strong> apanhar a laço e<br />

bolas, esse, degolava-se. 53<br />

Dessa feita, nos campos do major Jordão matamos pra 54 mais de<br />

seis mil baguais. E ca<strong>da</strong> gaúcho, 55 na despedi<strong>da</strong>, foi tocando por diante a<br />

sua tropilhita nova.<br />

56<br />

Hoje... onde é que se faz disso?<br />

É ver<strong>da</strong>de que há muita cousa 57 boa, isso é ver<strong>da</strong>de... mas ain<strong>da</strong><br />

não há na<strong>da</strong>, como antigamente, tomar mate e correr egua<strong>da</strong>...<br />

Xô-mico!... Vancê veja... eu até choro!...<br />

Ah! t<strong>em</strong>po!...<br />

58<br />

59


Chasque do Imperador 1<br />

––––––––– 2<br />

Quando foi do cerco de Uruguaiana pelos paraguaios <strong>em</strong> 65 e o<br />

imperador Pedro 2º veio cá, com to<strong>da</strong> a frota de sua comitiva, andei muito<br />

por esses meios, como vaqueano, como chasque, como confiança dele;<br />

era eu que encilhava-lhe o cavalo, que dormia atravessado na porta do<br />

quarto dele, que carregava os papéis dele e as armas 4 dele.<br />

5<br />

Começou assim: fui escalado para o esquadrão que devia escoltar<br />

aquele estadão todo.<br />

Quando a força apresentou-se ao seu general Caxias, o velho olhou...<br />

olhou... e não disse na<strong>da</strong>.<br />

Ca<strong>da</strong> um, firme como um tarumã; as guascas, <strong>da</strong>s melhores, as<br />

garras, b<strong>em</strong> postas, os metais, reluzindo; os fletes tosados a preceito, a<br />

cascaria apara<strong>da</strong>... e <strong>em</strong> cima de tudo, – tirante eu – uma india<strong>da</strong> macanu<strong>da</strong>,<br />

capaz de bolear a perna e descascar o facão até pra 6 Cristo, salvo seja!...<br />

Pois o velho olhou... olhou... e ficou calado. E calado saiu.<br />

O tenente que nos coman<strong>da</strong>va, relanceou os olhos como numa sufocação<br />

e berrou:<br />

– Firme! E <strong>da</strong>ndo um torcicão forte na ban<strong>da</strong>, começou a mascar a<br />

pêra, furioso.<br />

3


E ali ficamos; de vez <strong>em</strong> quando um bagual escarceando, refolhando,<br />

escarvando...<br />

7<br />

Daí a pouco, de enfrente, 8 <strong>da</strong>s casas, veio saindo uma gentama,<br />

muito <strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, de a dois, de a três.<br />

Na testa vinha um hom<strong>em</strong> alto, barbudo, ruivo, de olhos azuis, pequenos,<br />

mas mui macios. À esquer<strong>da</strong> dele, 9 dois passos menos, como na<br />

ordenança, o velho Caxias, far<strong>da</strong>do e firme, como s<strong>em</strong>pre.<br />

O outro, o ruivo, assim a modo um gringo, vinha todo de preto,<br />

com um gabão de pano piloto, com veludo na gola e de botas russilhonas,<br />

s<strong>em</strong> esporas.<br />

Pela pinta devia ser mui10 maturrango.<br />

Não trazia espa<strong>da</strong> n<strong>em</strong> na<strong>da</strong>, mas devia ser um maioral porque todos<br />

os outros se apequenavam pra11 ele. Qu<strong>em</strong> seria?...<br />

O tenente descarregou umas quantas vozes; e nós estávamos como<br />

cor<strong>da</strong> de viola!...<br />

O ruivo passou pela nossa frente, devagar; 12 mirou um flanco e outro,<br />

e falou com o velho, mostrando um ar risonho no rosto sério.<br />

O velho acenou ao tenente, que tocou o cavalo13 e firmou a espa<strong>da</strong><br />

<strong>em</strong> continência.<br />

Então o ruivo disse:<br />

– Stá14 b<strong>em</strong>, snr. tenente; 15 estou satisfeito! mande-me aqui um de<br />

seus homens, qualquer...<br />

O tenente bateu a espa<strong>da</strong> e deu de rédea, e parou mesmo na minha<br />

frente... eu era guia <strong>da</strong> fila testa.<br />

– Cabo Blau Nunes! Pé <strong>em</strong> terra!<br />

Um!... Dois!...<br />

Estava apeado e perfilado, com a mão batendo na aba levanta<strong>da</strong> do<br />

meu chapéu de voluntário.<br />

– Apresente-se!<br />

E baixinho, fuzilando nos olhos, boquejou-me: 16 – aquele é o imperador;<br />

se te enre<strong>da</strong>s17 nas quartas, defumo-te!<br />

Ora!... Caminhei firme e quando cheguei a cinco passos do ruivo,<br />

tornei a quadrar o corpo, na postura dos man<strong>da</strong>mentos.<br />

Aí o velho Caxias perguntou:<br />

– Sabes a qu<strong>em</strong> falas?<br />

– Diz que18 ao senhor imperador!<br />

– Sua majestade o imperador, é que se diz.


– A sua majestade o imperador!<br />

Vai então, o tal, que pelo visto, era 19 o tão falado imperador, disse,<br />

numa vozinha fina:<br />

– B<strong>em</strong>; cabo, você vai ficar na minha companhia; há de ser o meu<br />

ordenança de confiança. Quer?...<br />

– O senhor imperador vai ficar mal servido: sou um gaúcho mui<br />

cru; mas para cumprir ordens e <strong>da</strong>r o pelego, tão bom haverá, melhor que<br />

eu, não!<br />

Aí o hom<strong>em</strong> riu-se e o velho também. E vai este in<strong>da</strong>gou:<br />

– Conheces-me?<br />

– Como não?!... Desde 45, no Ponche Verde * ; fui eu que uma madruga<strong>da</strong><br />

levei a vossa excelência um ofício reservado, pra 20 sua mão própria...<br />

e tive que lanhar uns quantos baianos abelhudos que entenderam de<br />

me tomar o papel... 21<br />

Vossa excelência mandou-me dormir e comer na sua barraca, e no<br />

outro 22 dia me regalou um picaço grande, mui lindo, que...<br />

– B<strong>em</strong> me parecia, sim... 23<br />

E ain<strong>da</strong> és o mesmo hom<strong>em</strong>?<br />

– Sim, sr., com algum osso mais duro e o juízo mais tironeado!<br />

– É que sua majestade vai precisar de um 24 chasque provado, seguro...<br />

há perigo, na missão...<br />

– Uê, seu general!... Meu pai e minha mãe hoje, é esta!<br />

E beijei minha a divisa de cabo.<br />

O imperador pôs a mão no 25 meu ombro e disse:<br />

– Estimo-te. Podes ir... e cala-te. 26<br />

E vancê creia... – que diabo! – tive uma estr<strong>em</strong>eção por dentro!...<br />

Eu pensava que o imperador era um hom<strong>em</strong> diferente dos outros...<br />

assim todo de ouro, todo de brilhante, 27 com olhos de pedras finas...<br />

Mas, não senhor, era um hom<strong>em</strong> de carne e osso, igual aos outros...<br />

mas como quera... 28 uma cara tão séria... e um jeito ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

tão sereno e tão man<strong>da</strong>dor, que deixava um qualquer de rédea no<br />

chão!...<br />

Isso é que era!...<br />

29<br />

Fiz meia-volta 30 e fui tomar o meu lugar; o esquadrão desfilou, apresentando<br />

armas e fomos acampar. Logo a rapazia<strong>da</strong> crivou-me de per-<br />

* Final <strong>da</strong> Revolução Farroupilha.


guntas... mas eu, sol<strong>da</strong>do velho, contei um par de rodelas, queimei campo<br />

a boche, 31 mas não afrouxei na<strong>da</strong> <strong>da</strong> conversa; não vê!...<br />

De tardezita já entrava de serviço.<br />

A não ser nas conversas particulares <strong>da</strong>queles graúdos – pois tudo<br />

era só seu barão, seu conselheiro, seu visconde, seu ministro –, 32 eu s<strong>em</strong>pre<br />

via e ouvia o que se passava.<br />

E a b<strong>em</strong> boas 33 assisti.<br />

Um dia apresentaram ao imperador um topetudo não sei donde,<br />

que perguntou, mui concho:<br />

– Então vossa majestade t<strong>em</strong> gostado disto por aqui?<br />

– Sim, sim, muito!<br />

– Então por que não se mu<strong>da</strong> pra 35 cá, com a família?...<br />

Outro, no meio <strong>da</strong> ro<strong>da</strong>, puxou <strong>da</strong> traíra, sovou uma palha de palmo,<br />

e começou a picar um naco; esfregou o fumo na cova <strong>da</strong> mão, enrolou,<br />

fechou o baio e mui senhor de si ofereceu-o ao imperador.<br />

– É servido?<br />

– Não, obrigado; parece-me forte o seu fumo...<br />

– Não sabe o que perde!... 37<br />

Então, com sua licença!...<br />

E bateu o isqueiro e começou a pitar, tirando ca<strong>da</strong> traga<strong>da</strong> que nuveava<br />

o ar!<br />

Havia um que era barão e coman<strong>da</strong>va um regimento, que era<br />

mesmo uma flor; tudo moça<strong>da</strong> parelha e guapa.<br />

O imperador gabou muito a força, e aí no mais o barão já lhe largou<br />

esta agacha<strong>da</strong>:<br />

– Que vossa majestade está pensando?... Tudo isto é india<strong>da</strong> coronilha,<br />

cria<strong>da</strong> a apojo, churrasco e mate amargo... Não é como essa cusca<strong>da</strong><br />

lá <strong>da</strong> Corte, que só bebe água e lambe a... barriga!...<br />

39<br />

Este mesmo barão, duma feita que o d. Pedro40 procurou no bolso<br />

umas balastracas para <strong>da</strong>r uma esmola e não achou mais na<strong>da</strong>, desafivelou<br />

a guaiaca e entregando-a disse:<br />

– Tome, senhor! Cruzes!<br />

Nunca vi hom<strong>em</strong> mais mão-aberta41 do que42 vossa majestade... olhe<br />

que qu<strong>em</strong> dá o que t<strong>em</strong>, a pedir v<strong>em</strong>... mas... quando quiser os meus<br />

34<br />

36<br />

38


arreios prateados... e até a minha tropilha é só man<strong>da</strong>r... só reservo o tostado<br />

crespo e um qualquer pelego...<br />

– Mas, sr. barão, n<strong>em</strong> por isso eu dou o que desejara...<br />

– Ora qual!... Vossa majestade não dá a camisa... porque não t<strong>em</strong><br />

t<strong>em</strong>po de tirá-la!...<br />

Numa <strong>da</strong>s marchas paramos num campestre, na beira dum passo,<br />

perto dum ranchito.<br />

Daí a pouco, com uma trouxinha na mão apareceu no acampamento<br />

uma velha, que já tinha os olhos como retovo de bola. Por ali andou<br />

mirando, e depois, entrando mesmo no grupo onde ele estava, disse:<br />

– Bom dia, moços! Qual de vocês é o imperador?<br />

– Sou eu, dona! Assente-se.<br />

A velha olhou-o de alto a baixo, cala<strong>da</strong>, e depois, rindo 44 nos olhos:<br />

45<br />

– Deus te abençoe! Nossa Senhora te acompanhe, meu filho! Eu<br />

trago-te este bocadinho de fiambre!<br />

E abrindo o pano, mui limpinho, mostrou um requeijão, que pela<br />

cor devia de estar 46 um gambelo, de gordo e macio. D. Pedro agradeceu e<br />

quis <strong>da</strong>r uma mota 47 à velha, que parou patrulha.<br />

– Não! não!... Tu vais pra 48 guerra... Os meus filhos e netos já lá<br />

an<strong>da</strong>m... Eu só quero que vocês não 49 se deix<strong>em</strong> tun<strong>da</strong>r!...<br />

Houve uma risa<strong>da</strong> grande, <strong>da</strong> comitiva. 50 A velhota ain<strong>da</strong> correu os<br />

olhos <strong>em</strong> ro<strong>da</strong> e in<strong>da</strong>gou: 51<br />

– Diz que 52 o seu Caxias também v<strong>em</strong> aqui... qu<strong>em</strong> é?<br />

– Sou eu, patrícia!... Conhece-me?<br />

– De nome, 53 sim, senhor. O meu defunto, <strong>em</strong> vi<strong>da</strong> dele, s<strong>em</strong>pre falava<br />

<strong>em</strong> vancê... Pois os caramurus iam fuzilar o coitado, quando vancê<br />

apareceu... L<strong>em</strong>bra-se?... E vai, quando o seu general Canabarro fez a paz<br />

entre os farrapos e os legais, o meu defunto jurou que onde estivesse o seu<br />

Caxias, ele havia de ir... mas morreu, pro 54 via dum inchume, que apareceu,<br />

aqui, lá nele. 55 Mas, como por aqui correu que 56 vancê ia pra 57 guerra<br />

dos paraguaios, o meu filho mais velho, <strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória do pai, ajuntou os<br />

irmãos e os sobrinhos e uns quantos vizinhos e se tocaram todos, pra 58 se<br />

apresentar<strong>em</strong> de voluntários, a vancê!... 59<br />

43


Vancê dê notícias minhas e bote a benção * neles; e diga a eles que<br />

não deix<strong>em</strong> o imperador perder a guerra... ain<strong>da</strong> que nenhum deles nunca<br />

mais me apareça!... B<strong>em</strong>! com sua licença... Seu imperador, na volta, venha<br />

pousar no rancho <strong>da</strong> nhã Tuca; é de gente pobre mas tudo é limpo<br />

com a graça de Deus... e s<strong>em</strong>pre há de haver uma terneira gor<strong>da</strong> pra 60 um<br />

costilhar!... 61<br />

Passar b<strong>em</strong>! Boa viag<strong>em</strong>... Deus os leve, Deus os traga!...<br />

O imperador – esse era meio maricas, era! – abraçou a velha, prometendo<br />

voltar, por ali, e quando ela saiu, disse:<br />

– Como é agradável essa rudeza tão franca!<br />

Numa ci<strong>da</strong>de onde pousamos, o imperador foi hospe<strong>da</strong>do <strong>em</strong> casa<br />

dum fulano, sujeito pesado, porém mui gauchão.<br />

Quando foi hora 63 do almoço, na mesa só havia doces e doces... e<br />

na<strong>da</strong> mais. O imperador, por cerimônia provou alguns; a comitiva arriou<br />

aqueles cerros açucarados. Quando foi o jantar, a mesma cousa: 64 doces e<br />

mais doces!... Para não desgostar o hom<strong>em</strong>, o imperador ain<strong>da</strong> serviu-se,<br />

mas pouco; e de noite, outra vez, chá e doces!<br />

O imperador, com to<strong>da</strong> a sua imperadorice, gurniu fome!<br />

No outro dia, de manhã, o fulano foi saber como o hóspede havia<br />

passado a noite e ao mesmo t<strong>em</strong>po acompanhava uma rica bandeja 65 com<br />

chá e... doces...<br />

Aí o imperador não pôde mais... estava enfarado!... 66<br />

– Meu amigo, os doces são magníficos... mas eu agradecia-lhe<br />

muito se me arranjasse 67 antes um feijãozinho... uma lasca de carne...<br />

O hom<strong>em</strong> ficou sério... e depois largou uma risa<strong>da</strong>:<br />

– Quê! Pois vossa majestade come carne?! Disseram-me que as<br />

pessoas reais só se tratavam a bicos de rouxinóis e doces e pasteizinhos!...<br />

Por que não disse antes, senhor? Com trezentos diabos!... Ora<br />

esta!... 68<br />

Vamos já a um 69 churrasco... que eu, também, não agüento estas<br />

porquerias!...<br />

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70<br />

* Benção (como se diz no Rio Grande do Sul). O Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia Brasileira<br />

de Letras admite, além dessa, as formas bença e bênção.<br />

71<br />

62


Os cabelos <strong>da</strong> china 1<br />

––––––– 2<br />

Vancê sabe que eu tive e me servi muito t<strong>em</strong>po dum buçalete e<br />

cabresto feitos de cabelo de mulher?... 4 Ver<strong>da</strong>de que fui inocente no caso. 5<br />

Mais tarde soube que a dona dele morreu; soube, galopeei até onde<br />

ela estava sendo vela<strong>da</strong>; acompanhei o enterro... e quando botaram a<br />

defunta na cova, então atirei lá pra 6 dentro aquelas peças, feitas do cabelo<br />

dela, cortado quando ela era moça e tafulona... Tirei um peso de cima do<br />

peito: entreguei à criatura o que Deus lhe tinha <strong>da</strong>do.<br />

Eu conto como foi.<br />

Qu<strong>em</strong> me ensinou a courear uma égua, a preceito, estaquear um<br />

couro, 7 cortar, lonquear, amaciar de mor<strong>da</strong>ça, o quanto, quanto...; e depois<br />

tirar os tentos, desde mais 8 largos até os fininhos, como cer<strong>da</strong> de porco, e<br />

menos; 9 qu<strong>em</strong> me ensinou a trançar foi um tal Juca Picumã, um chiru já<br />

madurázio, e que tinha mãos de anjo para trabalhos de guasqueiro, desde<br />

fazer um sovéu campeiro até o mais fino preparo para um recao 10 de luxo,<br />

mestraço, que era, <strong>em</strong> armar qualquer roseta, bombas, botões e tranças de<br />

mil feitios. 11<br />

Este índio Juca era hom<strong>em</strong> de passar uma noite inteira comendo<br />

carne e mateando, contanto que estivesse acocrado 12 <strong>em</strong> cima quase dos<br />

tições, curtindo-se na fumaça quente... Era até por causa desta catinga que<br />

chamavam-lhe – picumã.<br />

3


Pra 13 mais na<strong>da</strong> prestava; an<strong>da</strong>va s<strong>em</strong>pre esmolambado, com uns<br />

caraminguás mui tristes; e n<strong>em</strong> se lavava, o desgraçado, pois tinha cascão<br />

grosso no cogote.<br />

Comia como um chimarrão, dormia como um lagarto, valente como<br />

quê... e ginete, então, n<strong>em</strong> se fala!...<br />

Para montar, isso sim!... fosse potro cru ou qualquer aporreado,<br />

caborteiro ou velhaco – o diabo, que fosse! –, 14 ele enfrenava e bancava-se<br />

<strong>em</strong> cima, quieto como vancê ou eu, sentados num toco de pau!... Podia o<br />

bagual esconder a cabeça, berrar, despe<strong>da</strong>çar-se <strong>em</strong> corcovos, que o chiru<br />

velho batia o isqueiro e acendia o pito, como qualquer dona acende a candeia<br />

<strong>em</strong> cima <strong>da</strong> mesa! Às vezes 15 o ventana era traiçoeiro e lá se vinha de<br />

lombo, boleando-se, ou acontecia planchar-se: o coronilha escorregava<br />

como um gato e mal que o sotreta batia a alcatra na terra ingrata, já lhe<br />

chovia entre as orelhas o rabo-de-tatu, 16 que era uma t<strong>em</strong>eri<strong>da</strong>de!... 17<br />

Voltear o caboclo, isto é que não!<br />

E bastante dinheiro ganhava; mas s<strong>em</strong>pre despilchado, pobre como<br />

rato de igreja.<br />

Um dia perguntei-lhe o que é que este fazia <strong>da</strong>s balastracas e bolivianos,<br />

e meias-doblas 18 e até onças de ouro, que ganhava... 19<br />

Esteve muito t<strong>em</strong>po me olhando e depois respondeu, todo num<br />

prazer, como se tivesse um pe<strong>da</strong>ço do céu encravado dentro do coração:<br />

– Mando pra 20 Rosa... Tudo! E é pouco, ain<strong>da</strong>!<br />

– Que Rosa é essa?<br />

– É a minha filha! Lin<strong>da</strong> como os amores! Mas não é pra 21 o bico<br />

de qualquer lombo-sujo, como tu... 22<br />

A conversa ficou por aí.<br />

Passaram 23 os anos. Eu já tinha o meu bigodinho.<br />

Rebentou a guerra dos Farrapos; eu me apresentei, de minha vontade;<br />

e com qu<strong>em</strong> vou topar, de companheiro? Com o Juca Picumã.<br />

Duma feita, andávamos tocados de perto pelos caramurus... Tínhamos<br />

saído <strong>em</strong> piquete de descoberta e aconteceu que depois de vararmos<br />

um passo, os legalistas nos cortaram a retira<strong>da</strong> e vieram nos apertando<br />

sobre outra força companheira, como para comer-nos entre duas queixa<strong>da</strong>s...<br />

E não nos <strong>da</strong>vam alce; mal boleávamos a perna para churrasquear<br />

um pe<strong>da</strong>ço de carne e já os bichos nos caíam <strong>em</strong> cima...<br />

24


Na guerra a gente às vezes se vê nestas <strong>em</strong>breta<strong>da</strong>s, mesmo sendo<br />

o mais forte, como éramos nós, que b<strong>em</strong> podíamos até correr a pelego<br />

aqueles camelos... mas são cousas 25 que os chefes é que sab<strong>em</strong> e man<strong>da</strong>m<br />

que se as agüente, porque é serviço...<br />

Ora b<strong>em</strong>; havia já dois dias e duas noites que vivíamos neste apuro;<br />

arrinconados nalgum campestre <strong>da</strong>va-se um verdeio aos cavalos; os<br />

homens cochilavam <strong>em</strong> pé; nisto um bombeiro assobiava, outro respondia<br />

e o capitão, <strong>em</strong> voz baixa e rápi<strong>da</strong> man<strong>da</strong>va. 26<br />

– Monta, gente!<br />

E o Juca Picumã, que era o vaqueano, tomava a ponta e metia-nos<br />

por aquela enre<strong>da</strong><strong>da</strong> de galhos e cipós, e 27 lá íamos, mato dentro, roçando<br />

nos paus, afastando os espinhos e batendo a mosquita<strong>da</strong> que nos carneava...<br />

Ninguém falava. A rapazia<strong>da</strong> era de <strong>da</strong>r e tomar, e – s<strong>em</strong> desfazer <strong>em</strong><br />

vancê, que está presente –, eu era do fan<strong>da</strong>ngo... e devo dizer, que nesse<br />

t<strong>em</strong>po, fui mondongo meio duro de pelar...<br />

28<br />

Dessa vere<strong>da</strong> o vaqueano foi pendendo para a esquer<strong>da</strong>; de repente<br />

bat<strong>em</strong>os na barranca do arroio, e ele, s<strong>em</strong> dizer palavra meteu na água 29 o<br />

cavalo e, devagarzinho 30 fomos encordoando de atrás e varando, de bolapé.<br />

31<br />

Seguimos um pe<strong>da</strong>ço, s<strong>em</strong>pre sobre a esquer<strong>da</strong>, e mui adiante tornamos<br />

a varar o arroio para o lado que tínhamos deixado. Tínhamos feito<br />

uma marcha <strong>em</strong> ro<strong>da</strong>, que íamos agora fechar saindo na retaguar<strong>da</strong> do<br />

acampamento dos legalistas.<br />

Num campestrezinho paramos; o capitão mandou apear, rédea na<br />

mão, tudo pronto ao primeiro grito. Depois acolherou-se com o Juca Picumã<br />

e meteram-se no mato e aí boquejaram um t<strong>em</strong>pão. Depois voltaram.<br />

Então o capitão correu os olhos pelos rapazes e disse:<br />

– Preciso de um, que toque viola...<br />

Mas o Picumã xereteou logo:<br />

– T<strong>em</strong> aí esse pisa-flores, 32 o furriel 33 Blau...<br />

– Esse gurizote?...<br />

– Sim, senhor, esse: é cruza de calombo!...<br />

E deu de rédea, com cara de sono. O capitão acompanhou-o, man<strong>da</strong>ndo<br />

que eu seguisse; e eu segui-o quente de raiva, pelo pouco caso com


que ele chamou-me – gurizote –. 34 Se 35 não fosse pelas divisas, eu <strong>da</strong>va-lhe<br />

o – gurizote!...<br />

Fomos an<strong>da</strong>ndo... parando... farejando... escutando... Em certa altura<br />

o Picumã, s<strong>em</strong> se voltar levantou o braço, de mão aberta e parou. O<br />

capitão parou, e eu.<br />

O chiru disse, baixo:<br />

– Está perto... ali!... E o churrasco é gordo!...<br />

E levantava e mexia o nariz, tal e qual como um cachorro, rastreando...<br />

E apeamos.<br />

– Vamos botar um torniquete nos cavalos, para não relinchar<strong>em</strong>...<br />

Fiz<strong>em</strong>os, com 36 o fiel do rebenque.<br />

– Tiramos as esporas, por causa <strong>da</strong>lguma enrediça... 37<br />

Tiramos.<br />

– Bom; agora o capitão diz como há de ser o serviço...<br />

38<br />

O oficial encruzou os braços e assim esteve um pe<strong>da</strong>ço, alinhavando<br />

a idéia; depois, como falando mais pra 39 mim do que pra 40 o outro,<br />

disse:<br />

– Olha, furriel 41 Blau, tu e o velho Picumã vão jogar o pelego numa<br />

arrisca<strong>da</strong>... Ele que te escolheu pra 42 companheiro é porque sabe que és<br />

hom<strong>em</strong>... Há dois dias, como sabes, an<strong>da</strong>mos nestes matos..., 43 mas não é<br />

tanto pelo serviço militar, é mais por um vareio que quero <strong>da</strong>r... por minha<br />

conta... Ouve. A minha china fugiu-me, seduzi<strong>da</strong> pelo coman<strong>da</strong>nte<br />

desta força... Vocês vão se 44 apresentar a ele, como desertados e que se<br />

quer<strong>em</strong> passar... Ele é um espalha-brasas; 45 ela é <strong>da</strong>nçadeira...; arranja<br />

jeito de rufar numa viola e abre o peito numas cantigas... Tendo farra estão<br />

eles como quer<strong>em</strong>... E enquanto estiver<strong>em</strong> descui<strong>da</strong>dos, eu caio-lhes<br />

<strong>em</strong> cima com a nossa gente. Agora... quando fechar o entrevero 46 só quero<br />

que tu te botes ao coman<strong>da</strong>nte... e que lhe passes os maneadores... quero-o<br />

amarrado...; entendes? És capaz?... O Picumã aju<strong>da</strong>... O resto... depois...<br />

– Mas... não é pra 47 defuntear o hom<strong>em</strong>... amarrado?...<br />

– Não! Acoquiná-lo, só...<br />

– A tal piguancha, também... não é pra... 48 lonquear?...<br />

– Não! Desfeiteá-la, só... *<br />

* Em algumas edições de Contos Gauchescos e Len<strong>da</strong>s do Sul que se seguiram à de 1949, e que<br />

adotaram a forma fixa<strong>da</strong> por Aurélio Buarque de Hollan<strong>da</strong>, a frase


– Então, vou. Mas qu<strong>em</strong> fala é o Picumã...; – eu, n<strong>em</strong> mentindo<br />

digo que sou desertor...<br />

– Estás te fazendo muito de manto de se<strong>da</strong>!... Cui<strong>da</strong>do!... 49<br />

– Seu capitão é oficial... 50 na<strong>da</strong> pega...; e eu sou um pobre sol<strong>da</strong>do<br />

que qualquer pode man<strong>da</strong>r jungir nas estacas...<br />

Aí o Picumã meteu a colher:<br />

– Seu capitão, o mocito não é sonso, não! Deixe estar, patrãozinho,<br />

tudo é comigo... vancê só t<strong>em</strong> é que atar o gagino...<br />

Depois os dois se abriram e ain<strong>da</strong> estiveram de cochicho, r<strong>em</strong>atando<br />

as suas tramas.<br />

O capitão montou.<br />

–Bueno!... Vejam o que faz<strong>em</strong>; eu vou buscar a gente, e, conforme<br />

chegar, carrego. Vocês dev<strong>em</strong>-se arrinconar 51 junto <strong>da</strong> carreta, para eu<br />

saber. Blau!... não cochiles: o ruivo não é trigo limpo!...<br />

E desandou por entre as árvores.<br />

Quando não se ouvia mais na<strong>da</strong> o chiru convidou.<br />

– Vamos: nos apresentamos como passados, que já an<strong>da</strong>mos entocados<br />

aqui há uns quantos dias. 52 Deixe estar, que eu falo... estes caramurus<br />

são uns bolas... Vai ver como passamos o buçal!... logo nos aceitam!<br />

Vamos! Ah! meta dentro <strong>da</strong> camisa uma cana de rédea... é para a maneia 53<br />

do hom<strong>em</strong>... Os companheiros depois nos levam os mancarrões, a cabresto...<br />

E met<strong>em</strong>os a cabeça no mato, ele adiante, a rumo 54 do cheiro, dizia.<br />

55<br />

An<strong>da</strong>mos mais de seis quadras; nisto o chiru pegou a cantar umas<br />

coplas, devagar, meio baixo, como qu<strong>em</strong> an<strong>da</strong> muito descansado, de propósito<br />

para ir chamando o ouvido de algum bombeiro, se houvesse... 56<br />

Ora... dito e feito! Com duas quadras mais, um vulto junto duma<br />

caneleira morru<strong>da</strong>, gritou, no sombreado <strong>da</strong>s ramas:<br />

– Qu<strong>em</strong> v<strong>em</strong> lá!<br />

– É de paz!<br />

– Alto! Qu<strong>em</strong> é?<br />

– É gente pra 57 força, patrício! An<strong>da</strong>mos campeando vocês desde<br />

já hoje...<br />

– Ahn! 58 Pra 59 quê?<br />

foi suprimi<strong>da</strong> aqui e aparece desloca<strong>da</strong>, parágrafos adiante, prejudicando o sentido do texto (como<br />

ocorre na reedição <strong>da</strong> Editora Globo, de 1957 – por alguns ti<strong>da</strong> como 5 ª edição).


– Ora, pra 60 quê?... Pra 61 escaramuçar os farrapos!... E quer<strong>em</strong>os jurar<br />

bandeira com o ruivo...<br />

– Ah! vancês conhec<strong>em</strong> o coman<strong>da</strong>nte?<br />

– Ora... ora! Mangangá de ferrão brabo! Ora, se 62 conheço... Então,<br />

seguimos?<br />

– Pass<strong>em</strong>. Vão por aqui... até topar 63 um sangradouro...; aí t<strong>em</strong> outra<br />

sentinela; diga que falou comigo, o Marcos...<br />

– Tá bom... 64 Quando render, vá tomar um mate comigo!...<br />

Fomos an<strong>da</strong>ndo, até 65 a sanga dita; aí topamos com a outra 66 sentinela;<br />

o chiru n<strong>em</strong> esperou o grito, ele é que falou, ain<strong>da</strong> longe:<br />

– Oh... sentinela!<br />

– Qu<strong>em</strong> v<strong>em</strong> lá?...<br />

– Foi o Marcos que nos mandou; andávamos extraviados... ele nos<br />

conhece... vamos levar um aviso ao coman<strong>da</strong>nte... É dos farrapos que<br />

an<strong>da</strong>vam ont<strong>em</strong> por aqui... foram corridos...<br />

– Ahn! 67 Pois pass<strong>em</strong>...<br />

– Sim... Pois é... foram-se à rama<strong>da</strong> do Guedes... Com um couro<br />

na cola, os trompetas!... T<strong>em</strong> aí cavalha<strong>da</strong> de refresco?<br />

– Que na<strong>da</strong>! A reiuna<strong>da</strong> 68 está estransilha<strong>da</strong>... A gente a custo se<br />

mexia... 69 E pra 70 mal dos pecados ain<strong>da</strong> o coman<strong>da</strong>nte traz uma china milongueira,<br />

numa carreta tol<strong>da</strong><strong>da</strong>, que só serve pra 71 atrapalhar a marcha...<br />

A china é lin<strong>da</strong>ça... mas é o mesmo... s<strong>em</strong>pre é um estorvo!...<br />

Aqui o Picumã se acocrou, 72 tirou uma ponta de trás <strong>da</strong> orelha e<br />

pediu-me. 73<br />

– Dá cá os avios, parceiro... 74<br />

E bateu fogo. Reparei que a respiração do chiru estava a modo entupi<strong>da</strong>...<br />

Mas pegou outra vez:<br />

– É... o Marcos disse-me que o coman<strong>da</strong>nte é mui rufião...<br />

– É mesmo; mal <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>, a cabocla; qualquer dia ele mete-lhe<br />

os pés... é o costume... Ora!...<br />

– É... assim, é pena... Vamos, parceiro. Até logo. Como é a sua<br />

graça? 75<br />

– <strong>João</strong> Antônio, seu criado... 76 E a sua, in<strong>da</strong> 77 que mal pergunte?<br />

– Juca, patrício... Juca no mais... Qundo render, espero a sua pessoa<br />

para um amargo!...<br />

– Stá 78 feito!... Vá <strong>em</strong> paz!...


E outra vez nos mex<strong>em</strong>os, agora sobre o acampamento dos legais.<br />

Começamos a ouvir o falaraz dos homens, assobios, risa<strong>da</strong>s, picamento de<br />

lenha, uma rusga de cachorros.<br />

Mais umas braças. Chegamos. No meio do campestre uma fogueira<br />

grande, rodea<strong>da</strong> de espetos onde o churrasco chiava, pingando o fartum<br />

<strong>da</strong> gordura; nas brasas, umas 79 quantas chocolateiras, fervendo; armas dependura<strong>da</strong>s,<br />

botas secando, 80 japonas abertas, e ponchos, nos galhos. Deitados<br />

nos pelegos, nas caronas, muitos sol<strong>da</strong>dos ressonavam; 81 outros, <strong>em</strong><br />

mangas de camisa, pitavam, mateavam.<br />

Do outro lado <strong>da</strong> sombra uma carreta tol<strong>da</strong><strong>da</strong>. Num fueiro, pendurado,<br />

um porongo morrudo, 82 tapado com um sabugo; vestidos de mulher,<br />

arejando, diziam logo o que aquilo era. Pertinho, outro fogão, também<br />

com churrasco, uma chaleira aquentando 83 e uma panela cozinhando algum<br />

fervido... Uma fumaça mui azul, cerrava tudo, alastrando-se na calmaria<br />

<strong>da</strong> ressolana. 84<br />

Dois cavalos à soga, e um outro, b<strong>em</strong> aperado, maneado, pastando.<br />

Mal que des<strong>em</strong>bocamos do mato vimos tudo... e tudo com jeito de<br />

acampamento relaxado.<br />

O chiru foi an<strong>da</strong>ndo como cancheiro, e eu, na cola dele. Nisto um<br />

sujeito, deitado nos arreios, gritou-nos:<br />

– Chê! Aspa-torta! Então isto aqui é quartel de farrapos?... não se<br />

dá satisfações a ninguém?...<br />

– Foi o Marcos que nos mandou...<br />

– Que Marcos?<br />

– O Marcos, que está 85 de sentinela... e o <strong>João</strong> Antônio... sim, senhor,<br />

86 para falar com o coman<strong>da</strong>nte...<br />

– Isso é outro caso... O coman<strong>da</strong>nte está sesteando... Se 87 quiser<strong>em</strong>,<br />

esper<strong>em</strong> ali, junto 88 <strong>da</strong> carreta. Já comeram?<br />

– Já, sim senhor.<br />

– Pois então!... Vão!<br />

E apontou.<br />

Arrolhamo-nos na sombra <strong>da</strong> carreta, junto <strong>da</strong> ro<strong>da</strong>, encostando a<br />

cabeça na maça. Eu estava como <strong>em</strong> cima de brasas... não era pra 90 menos...<br />

Cuna!... Se 91 descobriss<strong>em</strong>, nos carneavm, vivos!...<br />

89


O Picumã cochilava... mas estava alerta, porque às vezes eu b<strong>em</strong><br />

via fuzilar o branco dos olhos, na racha <strong>da</strong>s pálpebras, entre o sombreado<br />

<strong>da</strong>s pestanas...<br />

A milica<strong>da</strong> começou a retirar os churrascos, já prontos e foi-se arranchando<br />

<strong>em</strong> grupos, para comer.<br />

Nisto, por cima de nós, dentro <strong>da</strong> carreta, ouvimos falar, e depois<br />

uma risa<strong>da</strong> moça, e logo uma mulher desceu, barulhando anáguas.<br />

O chiru, que estava com os braços encruzados 92 por cima dos joelhos,<br />

quando sentiu a mulher, afundou a cabeça pra 93 diante, escondendo a<br />

cara... e o chapéu ain<strong>da</strong> ficou imprensado entre a testa e a curva do braço...<br />

Então passou pela nossa frente a cabocla... viu um como dormido e o<br />

outro, que era eu, mui derreado e bocó... E foi-se à panela, mirou-a, apertando<br />

os olhos por 94 via <strong>da</strong> 95 fumaça e do mormaço do brasido.<br />

Por Deus e um patacão!... 97<br />

Era um chinocão de agalhas!... Seiú<strong>da</strong>, enquarta<strong>da</strong>, de boas cores,<br />

olhos terneiros... e com uma trança macota, ondea<strong>da</strong>, negra, lustrosa, que<br />

caía meio desfeita, pelas costas, até o garrão!...<br />

Por que seria que este diabo largou o meu capitão, para se acolherar<br />

com este tal ruivo?<br />

Isto de chinas e gatos... qu<strong>em</strong> amimar sai arranhado... Talvez por<br />

este ser 98 ruivo... talvez por farromeiro... por causa de algum cavalo que<br />

ela gabou e ele regalou-lhe... e até... até por enfara<strong>da</strong> do outro... Ora vão<br />

lá saber!...<br />

Nisto a piguancha alçou a panela e voltou pra 99 carreta.<br />

O chiru então, com a cara 100 de lado, soprou-me de leve:<br />

– Ela não se arpistou quando me viu?...<br />

– Não... n<strong>em</strong> nos benzeu com um olhado... É uma cabocla enfesta<strong>da</strong>!...<br />

– Cale a boca... Apronte-se que o fan<strong>da</strong>ngo não tar<strong>da</strong>.<br />

– Eu preferia bailar com a morena...<br />

– Aqueles dois do mate convi<strong>da</strong>do não vêm mais...<br />

– Os sentinelas?<br />

– Sim; com certeza o capitão enxugou-os... 101 Está me palpitando<br />

que a gente está desabando aí...<br />

Palavras não eram ditas, que saiu do mato um milico, pondo a alma<br />

pela boca, e balançando, de cansaço e medo, mascou a nova:<br />

– Os farrapos! Os farrapos! Mataram o <strong>João</strong> Antonio!...<br />

96


Estrondeou um tiro... zuniu uma bala... um legal virou, pataleando.<br />

E pipocou a fuzilaria <strong>em</strong> cima <strong>da</strong> camela<strong>da</strong>!<br />

Eu, pulei logo para o recavém <strong>da</strong> carreta, para me botar ao ruivo;<br />

mas antes de chegar já ele tinha descido... e se foi ao cavalo, que montou<br />

de pulo e mesmo s<strong>em</strong> freio e maneado, tapeando-o no mais, tocou pica<strong>da</strong><br />

fora.<br />

E berrou à gente:<br />

–Pra102 o rincão! Pra103 o rincão!<br />

E com a folha <strong>da</strong> espa<strong>da</strong> tocou o flete, que pelo visto era mestre<br />

naquelas arranca<strong>da</strong>s.<br />

Mesmo assim eu ia ver se segurava o hom<strong>em</strong>, mas104 o chiru gritou-me:<br />

– Deixe! Deixe! Agora é tarde!...<br />

Naturalmente de dentro <strong>da</strong> carreta a china viu o entrevero, 105 e que<br />

o negócio estava malparado; 106 e pulou pra107 fora, pra108 disparar e ganhar o<br />

mato. Mas quando pisou o pé <strong>em</strong> terra, a mão do Juca Picumã fechou-lhe<br />

o braço, como uma garra de tamanduá...<br />

A cabocla não estava tão perdi<strong>da</strong> de susto, porque ain<strong>da</strong> deu um<br />

safanão forte e gritou, braba. 109<br />

– Larga, desgraçado!...<br />

E olhou, entona<strong>da</strong>... mas conheceu o chiru e ficou abichorna<strong>da</strong>,<br />

pateta...<br />

– O tata! O tata!...<br />

– Cachorra!... Laço, é o que mereces!...<br />

– Me largue, tata!...<br />

– Primeiro hei de cair-te de relho... pra110 não seres a vergonha <strong>da</strong><br />

minha cara...<br />

Nesse instante, fulo de raiva, o nosso capitão manoteou-a pelo outro<br />

braço.<br />

– Ah! mencê... perdão!... Nunca mais!... Eu... Eu...<br />

– Eu é que vou <strong>da</strong>r-te sestea<strong>da</strong>s com o ruivo, guincha desgraça<strong>da</strong>!<br />

111<br />

E furioso, piscando os olhos, com a as veias <strong>da</strong> testa incha<strong>da</strong>s, largou<br />

o braço <strong>da</strong> morena mas agarrou-lhe os cabelos, a trança quase desmancha<strong>da</strong>,<br />

fechando na mão duas voltas; 112 agarrou curto, entre os ombros,<br />

pertinho <strong>da</strong> nuca... e puxou pra113 trás a cabeça <strong>da</strong> cabocla... Com a outra<br />

mão pelou a faca, afia<strong>da</strong>, faiscando e procurou o pescoço <strong>da</strong> falsa...


Chegou a riscar... riscar, só, porque o chiru velho, o Juca Picumã,<br />

foi mais ligeiro: mandou-lhe o facão, de ponta, 114 bandeando-o de lado a<br />

lado, pela altura do coração!...<br />

– Isso não!... é minha filha! – disse.<br />

O capitão revirou os olhos e deu um suspiro rouco... depois respirou<br />

forte, espirrou uma espumara<strong>da</strong> de sangue e afrouxou os joelhos... e<br />

logo caiu, pesado, com uma mão aperta<strong>da</strong>, s<strong>em</strong> largar a faca, com a outra<br />

mão aperta<strong>da</strong>, s<strong>em</strong> largar a trança.<br />

E a china, assim presa, rodou por cima dele, lambuzando-se na<br />

sangüeira 115 que golfava pelo rasgão do talho, que bufava na respiração do<br />

morrente...<br />

Vendo isso, o Picumã quis soltar a piguancha e forçou abrir a mão<br />

do capitão: qual! era um torniquete de ferro; tironeou... na<strong>da</strong>! Então, s<strong>em</strong><br />

perder t<strong>em</strong>po, com o mesmo facão matador cortou a trança, rente, entre a<br />

mão do morto e a cabeça <strong>da</strong> viva... Foi – ra... raaac! 116 – e a china viu-se<br />

solta, mas sura <strong>da</strong> trança, tosa<strong>da</strong>, tosquia<strong>da</strong>, como égua chucra 117 que se<br />

cerdeia a talhos brutos, ponta abaixo, ponta acima...<br />

E mal que sentiu-se livre sacudiu a cabeça, azonza<strong>da</strong>, relanceou os<br />

olhos assombrados, 118 arrepanhou as anáguas 119 e disparou mato dentro,<br />

como uma anta...<br />

– Cachorra!... vai-te!... rugiu o chiru, limpando o ferro na manga<br />

<strong>da</strong> japona. E olhando o corpo do capitão, cuspiu-lhe <strong>em</strong> cima, resmungando:<br />

– Pois é... seduziu... e agora queria degolar... E mui triste, pra 120<br />

mim:<br />

– Vancê vai <strong>da</strong>r parte de mim?<br />

– Esta é a Rosa, a tua filha?<br />

– Sim, senhor, que eu criei com tanto zelo!...<br />

E mais não pud<strong>em</strong>os dizer, porque o entrevero 121 rondou para o<br />

nosso lado... e tiv<strong>em</strong>os que fazer pela vi<strong>da</strong>!... No meio do berzabum o<br />

Picumã ain<strong>da</strong> achou jeito de atirar uns quantos tições pra 122 dentro <strong>da</strong> carreta...<br />

e <strong>da</strong>í a pouco o fogo lavorava forte naquele ninho de amores... A la<br />

fresca!... que ninho!...<br />

Alguém gritou: o capitão stá 123 morto!... Vamos <strong>em</strong>bora!...<br />

Um de a cavalo atravessou-o no lombilho e fomos retirando, tiroteando<br />

s<strong>em</strong>pre.<br />

Mas a trança não ia mais na mão do morto.


124<br />

Passaram-se uns três meses largos; <strong>em</strong> muita correria an<strong>da</strong>mos,<br />

surpresas, tiroteios, combates sérios.<br />

Um dia um estancieiro regalou-me um pingo tordilho, pequenitate,<br />

125 mas mui mimoso. Quando eu ia sentar-lhe as garras, apareceu-me o<br />

Picumã, s<strong>em</strong>pre esfrangalhado e com cara de sono e disse-me, des<strong>em</strong>brulhando<br />

um pano sujo:<br />

– Vim trazer-te um presente; é um trançado feito por mim; e há de<br />

ficar mui b<strong>em</strong> no tordilho, porque é preto...<br />

E ajeitou na cabeça do cavalo um buçalete e cabresto preto, de cabelo,<br />

trançado na perfeição. Nunca passou-me pela cabeça cousa 126 nenhuma<br />

a respeito...<br />

O meu esquadrão marchou para a fronteira; depois an<strong>da</strong>mos de<br />

Herodes para Pilatos, até que no combate <strong>da</strong>s Tunas... fomos topar com os<br />

antigos companheiros de divisão. Brigamos muito, nesse dia. 127 Aí ganhei<br />

as minhas batatas de sargento.<br />

Não sei como ele soube, mas de noute 128 um fulano procurou-me<br />

dizendo que o sol<strong>da</strong>do Juca Picumã, um chiru velho, que estava muito<br />

ferido, pedia para eu não deixá-lo morrer s<strong>em</strong> vê-lo.<br />

Lá fui. Estava o chiru deitado nas caronas e todo reatado de panos,<br />

pela cabeça, nas costelas, nas pernas.<br />

O coitado g<strong>em</strong>ia surdo, de boca fecha<strong>da</strong>; e às vezes 129 cuspia preto...<br />

Quando me viu, à luz de uma candeia de barro fresco, quis mexer<br />

os ossos e não pôde...<br />

– Então, Picumã... hom<strong>em</strong> afloxa o garrão?<br />

E ele falou tr<strong>em</strong>endo a voz:<br />

– Estou... como um crivo... Eram oito... <strong>em</strong> cima... de mim... só<br />

pude... estrompar... cinco!... Vancê... ain<strong>da</strong>... t<strong>em</strong>... aquele buçalete?...<br />

– Tenho sim; meio estragado; mas tu ain<strong>da</strong> hás de compô-lo, não<br />

é? 130<br />

– Não... eu queria... eu queria... lhe... lhe pedir... ele, outra vez...<br />

pra... pra mim... 131<br />

– Pois sim, dou-te! Amanhã trago-te!<br />

– É do... cabelo <strong>da</strong> Rosa... a trança... l<strong>em</strong>bra-se?...<br />

Levantei-me, como se 132 levasse um pregaço no costilhar... O buçalete<br />

era feito do cabelo <strong>da</strong> china?!... 133 E aquele chiru de alma crua... E


quando firmei a vista no índio, ele arregalou os olhos, teve uma ronqueira<br />

gargaleja<strong>da</strong> e finou-se, nuns esticões...<br />

Nessa mesma madruga<strong>da</strong> fui man<strong>da</strong>do num piquete de reconhecimento,<br />

de forma que não soube onde n<strong>em</strong> como foi enterrado o Picumã,<br />

porque o meu desejo era atirar-lhe pra 134 cova aquele presente agourento...<br />

Agourento... agourento não digo, porque afinal enquanto usei aquele<br />

buçalete nunca fui ferido... e ganhei de uma a quatro divisas...<br />

T<strong>em</strong> é que dobrei a pren<strong>da</strong>, reatei-a com um tento e soquei-a pro 135<br />

fundo <strong>da</strong> maleta, até ver...<br />

Até que um dia, como lhe disse, soube que a Rosa morreu e então...<br />

ah!... já lhe disse também: 136 atirei para 137 a cova <strong>da</strong> china os cabelos<br />

<strong>da</strong>quela trança... doutro jeito, é ver<strong>da</strong>de... mas s<strong>em</strong>pre os mesmos!...<br />

138<br />

139


Melancia – Coco Verde 1<br />

––––––––<br />

2<br />

Vancê pare um bocadinho; componha os seus arreios, que a cincha<br />

está muito pra4 virilha. E vá pitando um cigarro enquanto eu dou dois dedos<br />

de prosa àquele an<strong>da</strong>nte... que me parece que estou conhecendo... e<br />

conheço mesmo!... É o índio Reduzo, que foi posteiro dos Costas, na estância<br />

do Ibicuí. 5<br />

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .<br />

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .<br />

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . *<br />

Vancê desculpe a d<strong>em</strong>ora, mas quando se encontra um conhecido<br />

de outro t<strong>em</strong>po – e então do tope deste! – a gente até sente uma frescura<br />

na alma!... Coitado, está meio acalcanhado... mas, bonzão, ain<strong>da</strong>!<br />

6<br />

Pois aquele cuerudo que vancê está vendo, teve grito d’ar-mas!...<br />

Vou contar-lhe uma alarifag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que ele andou metido, e que só depois<br />

se soube, pelo miúdo, e isso mesmo porque a própria gente do caso é que<br />

contava. 7<br />

* Atentar para o uso personalíssimo que JSLN faz dessas linhas pontilha<strong>da</strong>s, assinalando um diálogo<br />

(que não se “ouve”) entre o narrador Blau Nunes e seu conhecido Reduzo, no reencontro de<br />

ambos.<br />

3


O Reduzo foi nascido e criado na casa dos Costas, ain<strong>da</strong> no t<strong>em</strong>po<br />

do velho, o Costa lunanco, um que foi alferes dos dragões do Rio Pardo.<br />

Este Costa lunanco era um pente-fino, 8 que naquele t<strong>em</strong>po arranjou tirar<br />

para ele e para os filhos – miu<strong>da</strong>g<strong>em</strong>, ain<strong>da</strong> – como quatro sesmarias de<br />

campo, sobre o Ibicuí, pega<strong>da</strong>s umas nas outras, e com umas divisas largas...<br />

como goela de gringo!...<br />

O chiru criou-se junto com os meninos, e desde ninhar e armar urupucas,<br />

até botar as vacas, ir<strong>em</strong> aos araçás e pegar mulitas, tudo faziam<br />

juntos.<br />

Quando eram já taluditos o velho começou a encostá-los no serviço,<br />

também s<strong>em</strong>pre de companheiros; e assim foram aprendendo a campeirear,<br />

domando, capando... até saber<strong>em</strong> apartar boi gordo e tocar uma<br />

tropa.<br />

Neste entr<strong>em</strong>entes rebentou outra vez uma gangolina com os catelhanos.<br />

Um os moços, que 9 era um quebra largado, nomeado por Costinha,<br />

esse, foi dos primeiros a se apresentar ao coman<strong>da</strong>nte <strong>da</strong>s armas, pra 10<br />

servir. E tais cantigas cantou ao velho Costa, que este deixou o Reduzo ir<br />

com ele, de companheiro e ordenança, porque o rapaz era cadete, com<br />

estrela, e tinha direito.<br />

O chiru ficou todo ganjento; imagine vancê que colhera, <strong>da</strong>queles<br />

dois aruás!...<br />

Neste passo porém deu-se uma cousa <strong>em</strong> que o Costinha n<strong>em</strong> tinha<br />

pensado.<br />

É rabo-de-saia, 11 já se vê...<br />

O cadete tinha uma paixão braba por uma moça lin<strong>da</strong>ça – a sia Talapa<br />

–, 12 filha dum tal Severo, também fazendeiro <strong>da</strong>li pertinho, <strong>obra</strong> de<br />

cinco léguas.<br />

O moço Costinha de vez <strong>em</strong> quando aparecia por lá, matava as<br />

sau<strong>da</strong>des; fazia umas agacha<strong>da</strong>s, e vinha-se <strong>em</strong>bora 13 trazendo nos olhos o<br />

encantamento dos olhos <strong>da</strong> namora<strong>da</strong>.<br />

O velho Severo parece que não queria o casamento dos dois, n<strong>em</strong><br />

por na<strong>da</strong>; teimava e berrava que ela havia de casar-se era com o sobrinho<br />

dele, primo dela, um que tinha uma casa de negócio na Vila.<br />

Esse tal era um ilhéu, mui comedor de verduras, e que para montar<br />

a cavalo havia de ser <strong>em</strong> petiço e isso mesmo o petiço havia de ser podre<br />

de manso... e até maceta... e nambi... e porongudo!...


A moça chorava que se secava, quando caçoavam-na com o primo<br />

e o casório.<br />

Era mesmo uma pena, lhe digo... casar uma brasileira mimosa com<br />

um pé-de-chumbo, 14 como aquele desgraçado <strong>da</strong>quele ilhéu... só porque<br />

ele tinha um bolicho 15 <strong>em</strong> ponto grande!...<br />

O caso é que o Costinha gostava <strong>da</strong> moça e a moça gostava dele:<br />

t<strong>em</strong>, é que não atavam n<strong>em</strong> desatavam... e o velho Severo puxava a pêra,<br />

torcendo as ventas...<br />

O ilhéu às vezes 16 vinha à estância do tio, <strong>em</strong> carretinha...; veja<br />

vancê como ele era ordinário, que n<strong>em</strong> se avexava <strong>em</strong> aparecer de carretinha,<br />

diante <strong>da</strong> moça!... E era só cama com lençóis de crivo, para o primo;<br />

fazia-se sopa de verdura para o meco; e até bacalhau aparecia, só pra 17<br />

ele!...<br />

Que isto <strong>da</strong>s nossas comi<strong>da</strong>s, um churrasco escorrendo sangue e<br />

gordura e salmoura... uma tripa grossa assa<strong>da</strong> nas brasas... uma cabeça de<br />

vaquilhona... uma paleta de ovelha; e mogango 18 e canjica e coalha<strong>da</strong>... e<br />

uns beijus e umas manapanças... e um trago de cana e um chimarrão por<br />

cima... e para rebater tudo, umas traga<strong>da</strong>s dum baio, de um naco b<strong>em</strong> cochado<br />

e forte... tudo isso, que é do bom e do melhor, para o ilhéu não valia<br />

n<strong>em</strong> um sabugo!...<br />

Tuúh! 19 diabo!... Até me cuspo todo quando me l<strong>em</strong>bro <strong>da</strong>quele<br />

excomungado!...<br />

Vancê está se rindo e fazendo pouco?... 21 É porque vancê não é <strong>da</strong>quele<br />

t<strong>em</strong>po... quando rompeu a independência lá na Corte do Rio de Janeiro...<br />

e depois tiv<strong>em</strong>os que ir pra 22 coxilha fazer a guerra dos Farrapos,<br />

com seu 23 general Bento Gonçalves, que foi meu coman<strong>da</strong>nte, sim senhor,<br />

graças a Deus... e mais os outros torenas!...<br />

Galego, naquele t<strong>em</strong>po, era gente, vancê creia! Estância, era dele;<br />

negócio, era dele; oficial, era só ele; era arr<strong>em</strong>atante <strong>da</strong>s sisas, ele; surgião,<br />

24 ele; padre-vigário, ele; e pra 25 botar a milica<strong>da</strong> <strong>em</strong> cima dos continentistas...<br />

era ele!...<br />

E ca<strong>da</strong> presilha!...<br />

Gente <strong>da</strong> terra não valia na<strong>da</strong>!...<br />

Que é que vancê está dizendo?... 26 O que nós somos hoje a eles dev<strong>em</strong>os?<br />

Qual! É ver<strong>da</strong>de que uns inventaram plantação de trigo... isso,<br />

enfim, era bom...; s<strong>em</strong>pre era uma fartura; noutras casas plantavam e fiavam<br />

linho... também não era mau, isso; noutras car<strong>da</strong>vam lã... Algum<br />

20


mais vivaracho botava ten<strong>da</strong> e vendia mechiflarias ou pren<strong>da</strong>s de ouro...<br />

nalguns trocava-se uns quantos couros por um pão de açúcar, e pipote de<br />

cana por qualquer meia dúzia de vacas. E s<strong>em</strong>pre corria alguma dobla, de<br />

salário, e algum cruzado pela peona<strong>da</strong> de ajuste.<br />

Mas, como quera... 27 eram mui entonados, os reinóis.<br />

Onde é mesmo que eu estava? Ah!... 28 O Costinha e a sia Talapa 29<br />

tinham juramento entre eles, de se casar<strong>em</strong>, ain<strong>da</strong> que ela saísse de casa<br />

na garupa do namorado, se 30 o carrança do velho Severo não consentisse.<br />

Com o ilhéu é que nunca!<br />

Pois foi por estas alturas 31 que os castelhanos bandearam a fronteira<br />

e o Costinha assanhou-se.<br />

Foi uma despedi<strong>da</strong> de arrebentar a alma! Ele deixou-lhe de l<strong>em</strong>brança<br />

uma m<strong>em</strong>ória e ela deu-lhe um negalho de cabelo. E combinaram<br />

que pra 33 qualquer recado ou carta ou aviso, ela teria o nome de Melancia<br />

e ele de Coco Verde. 34 Só eles, ninguém mas saberia; 35 que era para despistar<br />

algum xereta.<br />

E como a despedi<strong>da</strong> foi de noite, e ela veio acompanhá-lo até a<br />

porta... até a rama<strong>da</strong>, onde ele montou a cavalo... e como ventava forte, e<br />

a vela que um crioulo trazia apagou-se... parece que houve a rouba<strong>da</strong> de<br />

uma boquinha... 36 porque ele tocou a trotezito, calado, e ela, ficou como<br />

enteca<strong>da</strong>, no mesmo lugar, cala<strong>da</strong>... Qu<strong>em</strong> não soubesse jurava que se<br />

despediam enfunados, quando a ver<strong>da</strong>de é que se despediam chorando<br />

nos olhos, mas tocando música no coração... por causa <strong>da</strong>quela bicota<br />

arregla<strong>da</strong> no escuro, mas que valeu como um clarão!... Ninguém viu... só<br />

o Reduzo.<br />

Nessa madruga<strong>da</strong> o cadete marchou.<br />

O velho Severo deixou passar um mês ou mais; quando teve notícias<br />

de que as forças an<strong>da</strong>vam b<strong>em</strong> longe, e trança<strong>da</strong>s com o inimigo, que<br />

ninguém de lá podia sair assim a dois tirões... s<strong>em</strong> falar nos balázios e nos<br />

lançaços – que isso era a boche! 38 –, quando inteirou-se de tudo, mandou à<br />

Vila o capataz para vir acompanhando o sobrinho, 39 a qu<strong>em</strong> escreveu uma<br />

carta grande, fecha<strong>da</strong> com mais obreias do que tragos de vinho t<strong>em</strong> um<br />

copo de missa, de padre gordo!...<br />

Ora!... Daí a uns dias o ilhéu batia na estância, de carretinha e com<br />

um carregamento de cousas. E já começaram a aferventar o casamento.<br />

32<br />

37


Imagine vancê o cerco <strong>em</strong> que se viu pobre <strong>da</strong> sia Talapa! 40 Eram<br />

os pais dela; a parentalha; vizinhos velhos; cancheiros <strong>da</strong> estância... tudo a<br />

dizer, a gabar, a achar até bonito o ilhéu...<br />

E já foram alinhavando os papéis, e preparos de vestidos e doçarias,<br />

perus na engor<strong>da</strong>, leitões 41 no chiqueiro, terneiras pros 42 churrascos.<br />

Uma negra que havia lhe <strong>da</strong>do de mamar era a única criatura que<br />

chorava com a moça... mas chorava escondido, a pobre, por medo do<br />

laço... De noite, fecha<strong>da</strong>s no quarto, as duas abraçavam-se, rezavam e só<br />

diziam, no consolo de uma esperança:<br />

– Mãe santíssima... valei-me!...<br />

– Nossa Senhora!... man<strong>da</strong> nhô Costinha aparecer!...<br />

Afinal chegou o dia marcado. Veio o vigário com o sancristão e<br />

gentama de to<strong>da</strong> parte; não digo b<strong>em</strong>: o velho Costa lunanco n<strong>em</strong> a família<br />

não foram convi<strong>da</strong>dos.<br />

Mas assunte vancê como se preparam as cousas.<br />

Pela Vila tinha justamente passado a meia-rédea 44 um chasque para<br />

as forças <strong>em</strong> que servia o cadete. O chasque era rapaz novo, alegre, mui<br />

relacionado por aqueles meios; enquanto mu<strong>da</strong>va de cavalo tinha ido tomar<br />

um refresco no negócio do ilhéu, e aí, pela gente <strong>da</strong> casa soube a nova<br />

do casamento, do dia certo, dos preparos <strong>da</strong> jantarola, enfim, de tudo,<br />

tudo, pelo miúdo.<br />

E mal que apertou os pelegos, montou, 45 – e se foi – que o rei<br />

man<strong>da</strong> marchar, não man<strong>da</strong> chover. 46<br />

Quando bateu no acampamento e entregou os ofícios que levava,<br />

procurou a rapazia<strong>da</strong> conheci<strong>da</strong> e portanto o Costinha, para <strong>da</strong>r a novi<strong>da</strong>de<br />

do casório de sia Talapa 47 com o primo.<br />

Como touro de banhado laçado a meia espal<strong>da</strong>, assim ficou o moço.<br />

Amassou o sombreiro sobre a orelha, afivelou a espa<strong>da</strong> e gritou:<br />

– Me vou, e é já! Reduzo!<br />

– Pronto!<br />

– Encilha os nossos cavalos! 48 Já! Vamos <strong>em</strong>bora!... Deserto!...<br />

Hei de lonquear aquele galego ordinário!... Deserto... Deserto... acabouse!<br />

– Encilho? reperguntou 49 o chiru.<br />

– Sim, coos diabos! 50 – berrou o desesperado.<br />

43<br />

51


Neste momento o clarim deu o toque de alarma... e como pra 52 acoquinar<br />

o pobre um cabo veio a to<strong>da</strong> pressa chamar o Costinha, de ord<strong>em</strong><br />

do coman<strong>da</strong>nte... Veja vancê que entaladela!<br />

Pelos altos <strong>da</strong>s coxilhas avistava-se uma parti<strong>da</strong> do inimigo. O<br />

coman<strong>da</strong>nte então até deu ao Costinha uma prova de confiança, pois encarregou-o<br />

de um carga sobre um flanco dos atacantes...<br />

E agora?!...<br />

Filho de tigre é pintado!... 53<br />

Diante do dever o moço engoliu a tristeza, e mesmo não quis se<br />

desmoralizar, desertando justamente naquela hora de peleia. 54<br />

Mas coriscou-lhe um pensamento... e logo montou, formou a gente,<br />

tomou a testa do piquete e disse ao Reduzo:<br />

– Procura-me, que te preciso!...<br />

Des<strong>em</strong>bainhou a espa<strong>da</strong>, deu um – viva a Sua Majestade! – e despencou-se,<br />

firme nos estribos, com o chapéu caído pra 55 trás, sobre um<br />

ombro, preso pelo barbicacho. E a gaucha<strong>da</strong>, reboleando as lanças, carregou,<br />

a gritos, fazendo tr<strong>em</strong>er a terra e o ar.<br />

O Reduzo, de pura pabulag<strong>em</strong>, atou a cola do pingo e logo riscou,<br />

escaramuçando, na culatra dos companheiros.<br />

E foi mesmo no meio <strong>da</strong> carga, entre gritos, juras, palavrões, tiros,<br />

pontaços de espa<strong>da</strong>s e coriscos de lanças, pecha<strong>da</strong>s de cavalos, foi nesse<br />

berzabum do entrevero que o Costinha industriou o chiru:<br />

– Tu, sai já; vai 56 direto lá <strong>em</strong> casa, mas não chegues. A Talapa, 57<br />

depois d’amanhã, 58 de noite, se casa, à força, com o ilhéu... Tu, mata cavalos,<br />

boleia 59 e monta os que precisares... arrebenta-te, mas chega antes do<br />

casamento... Não digas a ninguém, n<strong>em</strong> lá <strong>em</strong> casa, que me viste, n<strong>em</strong><br />

que sabes de mim... Mas vai ao velho Severo, mete-te lá, custe o que custar<br />

e acha jeito de dizer, que ela ouça, que o coco verde 60 man<strong>da</strong> novas à<br />

melancia... Ela entende, compreendes?... Eu sou o Coco Verde, 61 ela é a<br />

Melancia... Só nós sab<strong>em</strong>os isso... e tu, agora. Vai. Tu vais adiante; logo<br />

mais eu sigo, se 62 não morrer nesta revira. Vai, Reduzo!... Coco verde... 63<br />

Melancia... Não esqueças... Abaixa-te!... Abai!...<br />

E enquanto o chiru se deitava no pescoço do cavalo e uma lança<br />

de três pontas escorregava-lhe por cima do espinhaço, o Costinha, com<br />

um tiro de pistola derrubava um gadelhudo lanceador... e continuava o<br />

sermão:<br />

– Olha, não brigues... pra 64 não perder t<strong>em</strong>po... Olha... é 65 depois<br />

d’amanhã... 66 Se dormires, 67 se comeres 68 no caminho, não chegas a t<strong>em</strong>-


po!... S<strong>em</strong>pre a meia-rédea, 69 Reduzo! Eu não posso desertar agora... Senão,<br />

70 eu ia... Vou logo... amanhã. Tu, agora!... já sabes: Coco verde 71<br />

man<strong>da</strong> novas a 72 Melancia... 73<br />

Diz como qu<strong>em</strong> não quer... Só ela entende... O que é preciso é que<br />

ela ouça...<br />

–Acu<strong>da</strong> aquele, patrãozinho, que eu t<strong>em</strong>pero estes!...<br />

Isso disse o chiru e esporeando o flete atirou-o contra dois desalmados<br />

que iam degolar um ferido... <strong>em</strong>borcou-os a pata<strong>da</strong>s 74 e logo gritou<br />

ao moço:<br />

– Já sei tudo! Deus ajude! Lá le espero!... 75<br />

E riscou campo fora, rumo <strong>da</strong> querência, ain<strong>da</strong> batendo na boca,<br />

num pouco caso dos castelhanos!<br />

E bateu na marca!... 77 Boleou e mudou cavalos alheios, pediu outros<br />

no caminho, tomou um, à força, largou os arreios porque rebentou-selhe<br />

o travessão e não tinha t<strong>em</strong>po para r<strong>em</strong>endá-lo, mas com duas braças<br />

de sol, na tarde do casamento, veio <strong>da</strong>r no velho Severo, de <strong>em</strong> pêlo –<br />

pelego, e freio –, 78 as boleadeiras na cintura, o facão atravessado no cinto,<br />

e s<strong>em</strong> mais na<strong>da</strong>; moído, estransilhado, 79 estrompado, varado de fome,<br />

com sono, com frio, mas ain<strong>da</strong> de olho vivo e língua pronta, contando<br />

uma rodela mui deslava<strong>da</strong>... que vinha de casa, an<strong>da</strong>va campeando umas<br />

tambeiras... e uma vaca mocha, que não apareciam no gado manso, havia<br />

dois dias!...<br />

O velho Severo pasmou...<br />

– Uêh! 80 chiru!... Pois tu não tinhas ido com o seu Costinha?<br />

– Eu?... Não sr., patrão! 81<br />

Fui só levar uns cavalos até o meio do caminho e dei volta. Diz<br />

que lá bala é como chuva... e lança, como roseta!... 82 Não vê!... E dele<br />

mesmo, n<strong>em</strong> notícia nenhuma, té agora... Vancê dá licença de campear os<br />

alimais? 83<br />

– Deixa isso pra 84 amanhã.<br />

Hoje estamos de festa. Fica aí, pra 85 tomares um copo de vinho e<br />

comer uns doces à saúde do noivado... Vai pra 86 o galpão...<br />

– Sim, senhor patrão; 87<br />

Deus lhe pague. Eu hei de fazer uma saúde, sim senhor...<br />

– Pois sim, pois sim; vai!<br />

O sorro entrou no galinheiro...<br />

76


Quando apeou-se, o chiru estava de pernas duras; agüentou-se<br />

como um tigre, pra 88 não dormir.<br />

Daí a pouco pegaram a jantarola. O casamento ia ser de noite, depois<br />

<strong>da</strong> comi<strong>da</strong>; depois do baile. Havia uns quantos cantadores, e violas;<br />

<strong>da</strong>va pra 89 <strong>da</strong>nçar a tirana, o anu e a manca<strong>da</strong> na casa grande 90 e no terreiro.<br />

O Reduzo foi se fazendo de chancho 91 rengo... e foi se encostando<br />

pra 92 janela <strong>da</strong> sala de jantar... e por ali foi comendo e bebendo, como sol<strong>da</strong>do<br />

estradeiro, que não se aperta...<br />

A noiva estava como um defunto: branca, esverdea<strong>da</strong>, de olhos<br />

fundos e chorando s<strong>em</strong> alívio; a negra, ama, atrás dela, muito retinta, só<br />

mexia o branco dos olhos, parecia uma alma pena<strong>da</strong>, do purgatório...<br />

O ilhéu é que estava solto!...<br />

Parecia que tinha bicho-carpinteiro, 93 o desgraçado!...<br />

Só estava era meio vendido com o jeito <strong>da</strong> noiva, mas fingia não<br />

se <strong>da</strong>r por achado, o velhaco...<br />

Um convi<strong>da</strong>do levantou-se e fez uma saúde; depois outro; e outro<br />

e outro; ca<strong>da</strong> um fazia o seu verso. Havia risa<strong>da</strong>s, o noivo agradecia... a<br />

noiva chorava.<br />

Os convi<strong>da</strong>dos aplaudiam; moças também botaram versos; os rapazes<br />

respondiam; foi se virando tudo numa alegria geral.<br />

Nisto o capataz <strong>da</strong> estância chegou à porta 94 e pediu licença pra 95<br />

oferecer um verso à saúde do noivado, e botou uma décima b<strong>em</strong> bonita.<br />

Outros, posteiros e agregados, também.<br />

Nesse entr<strong>em</strong>entes o velho Severo perguntou:<br />

– Que é do Reduzo? Oh! Chiru?...<br />

– Pronto, patrão, respondeu o caboclo.<br />

– Então?... e a saúde prometi<strong>da</strong>?<br />

– Já vai, sim senhor!<br />

E amontoando-se para a mesa, b<strong>em</strong> junto dos que estavam sentados,<br />

frente a frente dos noivos, olhando pra 96 sia Talapa 97 o chiru levantou<br />

o copo e disse:<br />

Eu venho de lá b<strong>em</strong> longe,<br />

Da ban<strong>da</strong> do Pau Fincado: 98<br />

Melancia, coco verde 99<br />

Te man<strong>da</strong> muito recado! 100


E enquanto todos se riam e batiam palmas, enquanto o ilhéu se arraganhava<br />

numa gargalha<strong>da</strong> gostosa, e o velho Severo, mui jocoso, 101 gritava<br />

– gostei, chiru! 102 outra vez! – e enquanto se fazia uma paradita no<br />

barulho, a noiva se punha <strong>em</strong> pé como uma mola, e com uma mão gru<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

no braço <strong>da</strong> ama, já não chorava, tinha um coloreado no rosto e os olhos<br />

luziam como duas estrelas pretas!...<br />

Lin<strong>da</strong>ça ficou, como uma Nossa Senhora!<br />

O Reduzo aproveitou o soflagrante e soltou outro verso:<br />

dir... 108<br />

Na polvadeira <strong>da</strong> estra<strong>da</strong><br />

O teu amor v<strong>em</strong> <strong>da</strong> guerra:... 103<br />

Melancia desbota<strong>da</strong>!... 104<br />

Coco verde 105 está na terra!... 106<br />

Amigo! N<strong>em</strong> lhe sei contar o resto!...<br />

A noiva atirou-se pra 107 trás e pegou aos gritos.<br />

A gente <strong>da</strong> mesa levantou-se to<strong>da</strong>; o mulherio correu, pra acu-<br />

O padre-vigário benzia pra 109 os lados...<br />

O ilhéu olhou para o Reduzo, viu-lhe o facão atravessado... e tomado<br />

dum mau espírito, gritou furioso e escarlate:<br />

– Foi esse negro, com tanta arma, que estarreceu a menina!<br />

Um que estava perto do chiru gritou-lhe na cara:<br />

– Que desaforo é este?...<br />

O Reduzo – cuê-pucha! índio dente-seco! 110 – largou-lhe os cinco<br />

man<strong>da</strong>mentos, de <strong>em</strong> cheio!<br />

Porém caíram-lhe <strong>em</strong> cima; foi uma desgraceira!<br />

O ilhéu, do outro lado <strong>da</strong> mesa sampou-lhe com uma botija de bebi<strong>da</strong>,<br />

que acertou b<strong>em</strong> entre o queixo e o ouvido do chiru...<br />

Fechou o salseiro, n<strong>em</strong> se sabia b<strong>em</strong> com qu<strong>em</strong>.<br />

Nessa inferneira o Reduzo mergulhou por baixo <strong>da</strong> mesa e quando<br />

surdiu, foi para arriar o braço, <strong>da</strong>r uma volta na traíra e reiunar o ihéu...<br />

E antes que o picass<strong>em</strong> – que o picavam! – pulou por uma janela e<br />

se foi ao galpão onde montou no primeiro matungo que encontrou e abriu<br />

os panos!...<br />

O resto é simples.<br />

111


Passados dois dias chegavam o Costinha, como bagual com couro<br />

na cola; e apresentou-se ao velho Severo, pedindo a mão <strong>da</strong> moça. O velho<br />

teve de des<strong>em</strong>buchar, contar o compromisso <strong>em</strong> que estava e que até<br />

havia se d<strong>em</strong>orado o casamento por causa dum estrupício 112 mui bruto, que<br />

tinha havido... O Costinha não quis saber de na<strong>da</strong>... armou banzé...; veio a<br />

moça à fala...<br />

Vancê imagina: rebentou o laço pra 113 mais de quatro...<br />

Pra 115 não afrontar o velho Severo, o Reduzo teve de an<strong>da</strong>r escondido.<br />

T<strong>em</strong>pos depois do Costinha já casado, então o chiru tomou conta<br />

dum posto; depois passou a capataz.<br />

Era a confiança <strong>da</strong> casa.<br />

Veja vancê que artes de namorados: Melancia... Coco verde!... 116<br />

114<br />

117<br />

118


O anjo <strong>da</strong> Vitória 1<br />

––––– 2<br />

Foi depois <strong>da</strong> Batalha de Ituzaingó, no Passo do Rosário, pra4 lá de<br />

S. Gabriel, 5 do outro lado do banhado de Inhatium. Vancê não sabe o que<br />

6 7<br />

é inhatium?<br />

É mosquito: b<strong>em</strong> posto nome!<br />

Banhado de Inhatium... Virge Nossa8 Senhora!... mosquito, aí, fumaceia,<br />

9 no ar!<br />

Eu era gurizote: teria, o muito, uns dez anos; e an<strong>da</strong>va na companha<br />

do meu padrinho, que era capitão, para carregar os peçuelos e os avios<br />

de chimarrão.<br />

As cousas <strong>da</strong> peleia não sei, porque era menino e não guar<strong>da</strong>va as<br />

conversas dos grandes; o que eu queria era haraganear; mas, se10 b<strong>em</strong> me<br />

l<strong>em</strong>bro, o meu padrinho dizia que nós estávamos mal acampados, e estransilhados,<br />

pensando culatrear o inimigo, mas que este é que nos estava<br />

nos garrões; não havia bombeiros n<strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, que o exército vinha num<br />

berzabum, e que o general que man<strong>da</strong>va tudo, que era um tal Barbacena,<br />

não passava de um presilha, que por an<strong>da</strong>r um dia a cavalo já tinha que<br />

tomar banhos de salmoura e esfregar as assaduras com sebo...<br />

O meu padrinho era um gaúcho mui sorro e acostumado na guerra,<br />

desde o t<strong>em</strong>po <strong>da</strong>s Missões, e que mesmo dormindo estava com meio<br />

ouvido, escutando, e meio olho, vendo...; mesmo ressonando11 não desgru<strong>da</strong>va<br />

pelo menos dois dedos dos copos <strong>da</strong> serpentina... 12<br />

3<br />

13


Num escurecer, enquanto pelo acampamento os sol<strong>da</strong>dos carneavam<br />

e outros tocavam viola e cantavam, ou dormiam ou chalravam, o que<br />

sei é que nesse escurecer o meu padrinho mandou pegar os nossos cavalos;<br />

e encilhamos até a cincha; e depois nos deitamos nos pelegos, com os<br />

pingos pela rédea, 14 maneados: ele, armado, mateando; eu, enroscadito 15 no<br />

meu bichará, e o ordenança, que era um chiru ombrudo, chamado Hilário,<br />

pitando.<br />

Eu, como criança, peguei logo a cochilar.<br />

Amigo! Vancê creia: o coração às vezes, 16 trepa, dentro <strong>da</strong> gante, o<br />

mesmo que jaguatirica por uma árvore acima!...<br />

Lá pelas tantas, ouvia-se cornetas e clarins e rufos de caixa...; mas<br />

o som dos toques an<strong>da</strong>va ain<strong>da</strong> galopeando dentro do silêncio <strong>da</strong> noite<br />

quando desabou <strong>em</strong> cima de nós a castelhana<strong>da</strong>, a gritos, e já nos fumegando<br />

bala e bala!...<br />

Numa arranca<strong>da</strong> dessas é que o coração trepa, dentro <strong>da</strong> gante,<br />

como gato...<br />

– Desmaneia e monta! – gritou o meu padrinho; ele que falava, eu<br />

e o chiru que já estávamos enforquilhados nas garras.<br />

E por entre as barracas e rama<strong>da</strong>s; por entre os fogões meio apagados,<br />

onde ain<strong>da</strong> havia fincados espetos com restos de churrascos; por<br />

entre as carretas e as pontas de bois mansos e lotes de reiúnos; 17 no fuscofusco<br />

18 <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>, com uma cerraçãozita o quanto quanto; 19 por entre<br />

toques e ordens e chamados, e a choradeira do chinaredo e o vozerio do<br />

comércio, já no cheiro <strong>da</strong> pólvora e <strong>em</strong> cima dos primeiros feridos, formou-se<br />

o entrevero 20 dos atacantes e dos dormilões.<br />

E cantou o ferro... e choveu bala!...<br />

O meu padrinho levantou na rédea o azulego: e de espa<strong>da</strong> <strong>em</strong> punho;<br />

o chiru, com uma lança de meia-lua 21 – e eu entre os dois, enroscadito<br />

no meu bichará – nos botamos ao grosso do red<strong>em</strong>oinho, para abrir<br />

caminho para o quartel-general 22 do dito Barbacena.<br />

Como lá chegamos, não sei.<br />

A espa<strong>da</strong> do meu padrinho estava torci<strong>da</strong> como um cipó, e vermelha,<br />

e o azulego tinha uns quantos lanhos na anca; o Hilarião tinha um<br />

corte de cima a baixo 23 <strong>da</strong> japona, e eu levei um lançaço, que por sorte<br />

pegou no malote do poncho.<br />

Mas, varamos.<br />

No quartel de Barbacena ninguém se entendia.<br />

24


A oficala<strong>da</strong> espumava, de raiva. e um cutuba, baixote, já velho,<br />

botava e tirava o boné e metia as unhas na calva, furioso, de raiar sangue!...<br />

Esse, era um tal general Abreu... um tal general José de Abreu, valente<br />

como as armas, guapo como um leão... que a gaucha<strong>da</strong> <strong>da</strong>quele t<strong>em</strong>po<br />

– e que era torena<strong>da</strong> macota! – bautizou e chamava de – Anjo <strong>da</strong> Vitória!<br />

Esse, o cavalo dele não <strong>da</strong>va de rédeas para 26 trás, não! Esse,<br />

quando havia fome, apertava o cinto, com os outros e ria-se!<br />

Esse dormia como quero-quero, farejava como cervo e rastreava<br />

como índio... Esse, quando carregava, era como um ventarrão, abrindo<br />

claros num matagal.<br />

Com esse... castelhano se desguaritava por essas coxilhas o mesmo<br />

que ban<strong>da</strong><strong>da</strong> de nhandu, corri<strong>da</strong> a tiro de bolas!...<br />

Era o Anjo <strong>da</strong> Vitória, esse!<br />

Daí a pouco apareceu um outro oficial, mocetão bonito, que era<br />

major. Este chamava-se Bento Gonçalves, que depois foi meu general,<br />

nos Farrapos.<br />

Os dois se conversaram, apalavraram os outros e tudo montou e<br />

tocou pra 28 rumos diferentes.<br />

No acampamento estrondeava a briga.<br />

Já tinha amanhecido.<br />

Eu an<strong>da</strong>va colado ao meu padrinho, como carrapato <strong>em</strong> costela de<br />

novilho. Por onde ele andou, andei eu; passou, passei; carregava, eu carregava;<br />

fazia cara-volta, eu também.<br />

Naquelas correrias, o meu bicharazito, às vezes, enchia-se de vento,<br />

e voava, batia aberto, que n<strong>em</strong> uma bandeira cinzenta...<br />

O major Bento Gonçalves formando a cavalaria, agüentava, 30 como<br />

um taura, as 31 cargas do inimigo, para ir entretendo, e <strong>da</strong>r t<strong>em</strong>po à nossa<br />

gente de quadrar-se, uni<strong>da</strong>.<br />

Os castelhanos, mui ardilosos, logo que aquentou o sol tocaram<br />

fogo nos macegais onde estava o carretame; o vento ajudou, e enquanto<br />

eles carcheavam a seu gosto, uma fumaça braba tapou tudo, do nosso lado!...<br />

25<br />

27<br />

29<br />

32


Então o general Abreu no alto do coxilhão formou os seus esquadrões;<br />

o meu padrinho coman<strong>da</strong>va um deles.<br />

Formou, fez uma fala à gente e carregou, ele, na frente, montado<br />

num tordilho salino, ressolhador. 33<br />

Oh! velho t<strong>em</strong>erário! Firme nos estribos, com o boné levantado<br />

sobre o cocuruto <strong>da</strong> cabeça, a espa<strong>da</strong> apontando como um dedo, faiscando,<br />

o velhito ponteou aquela tormenta, que se despenhou pelo lançante<br />

abaixo e afundou-se e entranhou-se na massa cerra<strong>da</strong> do inimigo, como<br />

um cunha de nhanduvai abrindo <strong>em</strong> dois um moirão grosso de guajuvira...<br />

E deixando uma estiva de estrompados, de mortos, de atarantados, de<br />

feridos 34 e de morrentes – como quando rufa um rodeio chucro... 35 vancê já<br />

viu? – varou para o outro lado, mandou fazer – alto, cara-volta! – e mal<br />

que reformou os esquadrões, os homens chalrando e rindo, a cavalha<strong>da</strong>,<br />

de venta aberta, bufando ao faro do sangue e trocando orelha, pelo alarido,<br />

o velho já se bancou outra vez na testa, gritou – Viva o Imperador! – e<br />

mandou – Carrega!<br />

E a tormenta <strong>da</strong> valentia rolou, outra vez, sobre o campo.<br />

Mas nesta hora maldita, a fumaça maldita nos rodeava e cegava; e<br />

mal íamos <strong>da</strong>ndo lance à carga – eu, folheirito, 37 abanando no mais o meu<br />

bichará, 38 pra 39 o Hilarião – rebentou na vanguar<strong>da</strong> e num flanco a fuzilaria,<br />

40 e vieram as baionetas... e uma colubrina, que nos tiroteavam donde<br />

não podia ser!...<br />

A nossa cavalaria se enrodilhou to<strong>da</strong>, fazendo uma enrasca<strong>da</strong> de<br />

mil diabos... e enquanto o tiroteio nos estraçalhava, que os ginetes e os<br />

cavalos caíam, varados, e que, por fim, os próprios esquadrões já iam rusgando<br />

uns com os outros – aí, amigo, andei eu às pecha<strong>da</strong>s! – enquanto<br />

isso... veio uma raja<strong>da</strong> forte de vento, que varreu a fumaça, limpou a vista<br />

de todos e mostrou que era a nossa infantaria que nos tinha feito aquela<br />

desgraça...<br />

Então, por cima dos mortos e feridos houve um silêncio grande, de<br />

raiva e de pena... como de qu<strong>em</strong> pede perdão, calado... ou de qu<strong>em</strong> chora<br />

de sau<strong>da</strong>de, baixinho...<br />

Lá longe, os castelhanos, enganados, tocaram a retira<strong>da</strong>. O nosso<br />

quartel-general 43 também tocou a retira<strong>da</strong>.<br />

36<br />

41<br />

42


Pegou a deban<strong>da</strong><strong>da</strong>; dispersava-se a gente por todos os lados, aos<br />

punhados, botando fora as pederneiras, as patronas; muitos sotretas fugiram<br />

de cambulha<strong>da</strong> com o chinerio...<br />

Metades de batalhões 44 arrinconavam-se; 45 outras encordoavam<br />

marcha.<br />

Os aju<strong>da</strong>ntes galopavam conduzindo ordens... mas parecia que to<strong>da</strong><br />

a força ia fugindo duma batalha perdi<strong>da</strong>, que não era, porque tudo<br />

aquilo era <strong>da</strong> indisciplina, somentes.<br />

O Anjo <strong>da</strong> Vitória lá ficou, onde era a frente dos seus esquadrões,<br />

crivado de balas, morto, e ain<strong>da</strong> segurando a espa<strong>da</strong>, agora quebra<strong>da</strong>.<br />

Campeei o meu padrinho: morto, também, caído ao lado do azulego,<br />

arrebentado nas paletas por um tiro de peça; ali junto, apertando ain<strong>da</strong><br />

a lança, to<strong>da</strong> lasca<strong>da</strong>, estrebuchava 48 o Hilarião, s<strong>em</strong> <strong>da</strong>r acordo, aiando,<br />

só aiando...<br />

Deitado sobre o pescoço do cavalo, comecei a chorar.<br />

Peguei a chamar:<br />

– Padrinho! padrinho!...<br />

– Hilarião! Meu padrinho!...<br />

Apeei-me, vim me chegando e chamando – padrinho!... 49 padrinho!...<br />

E tomei-lhe a benção, 50 na mão, já fria;.... 51 puxei na manga do chiru,<br />

que já n<strong>em</strong> bulia...<br />

S<strong>em</strong> querer fiquei vendo as forças que iam-se movendo e se distanciando...<br />

E num tirão, quando ia montar de novo s<strong>em</strong> saber pra 52 quê...<br />

foi que vi que estava sozinho, abandonado, gaudério e gaúcho, 53 s<strong>em</strong> ninguém<br />

pra 54 me cui<strong>da</strong>r!...<br />

Foi então que, s<strong>em</strong> saber como, já de a cavalo, enquanto s<strong>em</strong> eu<br />

sentir as lágrimas caíam-me e rolavam sobre o bichará, os olhos se me<br />

plantaram sobre o tordilho salino... sobre o coto <strong>da</strong> espa<strong>da</strong>... sobre um<br />

boné galoado...<br />

E o cabelo me cresceu e fiquei de choro parado... e ouvi, patent<strong>em</strong>ente,<br />

ouvi b<strong>em</strong> ouvido, o velho macota, o Anjo <strong>da</strong> Vitória, morto como<br />

estava, gritar ain<strong>da</strong> e forte – Viva o Imperador! Carrega! 56<br />

46<br />

47<br />

55<br />

57


O meu bicharazito se <strong>em</strong>pantufou de vento, desdobrou-se, batendo<br />

como umas asas... o mancarrão bufou, recuando, assustado... e quando dei<br />

por mim, an<strong>da</strong>va enancado num lote de fujões...<br />

Comi do ruim... Vê vancê que eu era guri e já corria mundo...<br />

58<br />

59


Contrabandista 1<br />

––––––– 2<br />

4 Batia nos noventa anos o corpo magro mas s<strong>em</strong>pre teso do Jango<br />

Jorge, um que foi capitão duma maloca de contrabandistas que fez cancha<br />

5 6<br />

nos banhados do Ibirocaí.<br />

Esse gaúcho desabotinado levou a existência inteira a cruzar os<br />

campos <strong>da</strong> fronteira; à luz do sol, no desmaiado <strong>da</strong> lua, na escuridão <strong>da</strong>s<br />

noites, na cerração <strong>da</strong>s madruga<strong>da</strong>s...; ain<strong>da</strong> que chovesse reiúnos acolherados<br />

ou que ventasse como por alma de padre, nunca errou vau, nunca<br />

perdeu atalho, nunca desandou cruza<strong>da</strong>!...<br />

Conhecia as querências, pelo faro; aqui era o cheiro do açoutacavalo<br />

florescido, lá o dos trevais, o <strong>da</strong>s guabirobas rasteiras, do capimlimão;<br />

7 pelo ouvido: aqui, cancha de graxains, 8 lá os pastos que ensurdec<strong>em</strong><br />

ou estalam no casco do cavalo; adiante, o chape-chape, noutro ponto,<br />

o areão. Até pelo gosto ele dizia a para<strong>da</strong>, porque sabia onde estavam<br />

águas salobres e águas leve, com sabor de barro ou sabendo a limo.<br />

Tinha vindo <strong>da</strong>s guerras do outro t<strong>em</strong>po; foi um dos que peleou9 na<br />

batalha de Ituzaingó; foi do esquadrão do general José de Abreu. E s<strong>em</strong>pre<br />

que falava no Anjo <strong>da</strong> Vitória ain<strong>da</strong> tirava o chapéu, numa braça<strong>da</strong><br />

larga, como se cumprimentasse alguém de muito respeito, numa distância<br />

muito longe.<br />

Foi s<strong>em</strong>pre um gaúcho quebralhão, e despilchado s<strong>em</strong>pre, por ser<br />

muito de mãos abertas.<br />

3<br />

10


Se 11 numa mesa de primeira ganhava uma poncha<strong>da</strong> de balastracas,<br />

reunia a guriza<strong>da</strong> de casa, fazia – pi! pi! pi! pi! – como pra 12 galinhas e<br />

s<strong>em</strong>eava as moe<strong>da</strong>s, rindo-se do formigueiro que a miuçalha formava,<br />

catando as pratas no terreiro.<br />

Gostava de sentar um laçaço num cachorro, mas desses laçaços de<br />

apanhar <strong>da</strong> paleta à virilha, e puxado a valer, 13 tanto, que o bicho que o<br />

tomava, ficando entupido de dor, e lombeando-se, depois de disparar um<br />

pouco é que gritava, num – caim! caim! caim! – de desespero.<br />

Outras vezes <strong>da</strong>va-lhe para armar uma jantarola, e sobre o fim do<br />

festo, quando já estava tudo meio entropigaitado, puxava por uma ponta<br />

<strong>da</strong> toalha e lá vinha, de tirão seco, to<strong>da</strong> a traquitan<strong>da</strong> dos pratos e copos e<br />

garrafas e restos de comi<strong>da</strong>s e cal<strong>da</strong>s dos doces!...<br />

Depois garganteava a chuspa e largava as onças pras 14 unhas do<br />

bolicheiro, que aproveitava o vento e le echaba cuentas de gran capi-<br />

15 *<br />

tán...<br />

Era um pagodista!<br />

Aqui há poucos anos – coitado! – pousei no arranchamento dele.<br />

Casado ou doutro jeito, estava afamiliado. 17 Não nos víamos desde muito<br />

t<strong>em</strong>po.<br />

A dona <strong>da</strong> casa era uma mulher mocetona ain<strong>da</strong>, b<strong>em</strong> pareci<strong>da</strong> e<br />

mui prazenteira; de filhos, uns três matalotes já <strong>em</strong>plumados e uma mocinha<br />

– pro 18 caso, uma moça –, que era o – Santo-Antoninho-onde-teporei!<br />

19 – <strong>da</strong>quela gente to<strong>da</strong>.<br />

E era mesmo uma formosura; e pren<strong>da</strong><strong>da</strong>, mui habilidosa; tinha<br />

an<strong>da</strong>do na escola e sabia botar os vestidos esquisitos <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>dãs <strong>da</strong> vila.<br />

E noiva, casadeira, já era.<br />

E deu o caso, que quando eu pousei, foi justo pelas vésperas do<br />

casamento; estavam esperando o noivo e o resto do enxoval dela.<br />

O noivo chegou no outro dia; grande alegria; começaram os aprontamentos,<br />

e como me convi<strong>da</strong>ram com gosto, fiquei pro 20 festo.<br />

O Jango Jorge saiu na madruga<strong>da</strong> seguinte, para buscar o tal enxoval<br />

<strong>da</strong> filha.<br />

Aonde, não sei; parecia-me que aquilo devia ser feito <strong>em</strong> casa, à<br />

mo<strong>da</strong> antiga, mas, como ca<strong>da</strong> um man<strong>da</strong> no que é seu...<br />

*<br />

le echaba cuentas de gran capitán...: lançava-lhe contas de grande capitão (ou seja: c<strong>obra</strong>va-lhe<br />

mais caro por tudo).<br />

16


Fiquei verdeando, à espera, e fui <strong>da</strong>ndo um ajutório na matança<br />

dos leitões e no tiramento dos assados com couro.<br />

Nesta terra do Rio Grande s<strong>em</strong>pre se contrabandeou, desde <strong>em</strong> antes<br />

<strong>da</strong> toma<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Missões.<br />

Naqueles t<strong>em</strong>pos o que se fazia era s<strong>em</strong> malícia, e mais por divertir<br />

e acoquinar as guar<strong>da</strong>s do inimigo: uma parti<strong>da</strong> de guascas montava a<br />

cavalo, entrava na Ban<strong>da</strong> Oriental e arrebanhava uma ponta grande de<br />

eguariços; abanava o poncho e vinha a meia-rédea; 22 apartava-se a potra<strong>da</strong><br />

e largava-se o resto; os de lá faziam conosco a mesma cousa; depois era<br />

com gados, que se tocava a trote e galope, abandonando os assoleados.<br />

Isto se fazia por despique dos espanhóis e eles se pagavam desquitando-se<br />

do mesmo jeito.<br />

Só se cui<strong>da</strong>va de negacear as guar<strong>da</strong>s de Cerro Largo, <strong>em</strong> Santa<br />

Tecla, do Haedo... O mais, era várzea!<br />

Depois veio a Guerra <strong>da</strong>s Missões; o governo começou a <strong>da</strong>r sesmarias<br />

e uns quantíssimos pesados foram-se arranchando por essas campanhas<br />

desertas. E ca<strong>da</strong> um tinha que ser um rei pequeno... e agüentar-se<br />

com as balas, as lunares e os chifarotes que tinha <strong>em</strong> casa!...<br />

Foi o t<strong>em</strong>po do man<strong>da</strong>-qu<strong>em</strong>-pode!... 23 E foi o t<strong>em</strong>po que o gaúcho,<br />

o seu cavalo e o seu facão, sozinhos, conquistaram e defenderam<br />

estes pagos!...<br />

Qu<strong>em</strong> governava aqui o continente era um chefe que se chamava o<br />

capitão-general; ele <strong>da</strong>va as sesmarias mas não garantia o pelego dos<br />

sesmeiros...<br />

Vancê tome tenência e vá vendo como as cousas, por si mesmas,<br />

se explicam.<br />

Naquela era, a pólvora era do el-rei nosso senhor e só por sua liccença<br />

é que algum particular graúdo podia ter <strong>em</strong> casa um polvarim...<br />

Também só na vila de Porto Alegre é que havia baralhos de jogar,<br />

que eram feitos só na fábrica do rei nosso senhor, e havia fical, sim senhor,<br />

<strong>da</strong>s cartas de jogar, e ninguém podia comprar senão dessas!<br />

Por esses t<strong>em</strong>pos antigos também o tal rei nosso senhor mandou<br />

botar pra 25 fora os ourives <strong>da</strong> vila do Rio Grande e acabar com sos lavrantes<br />

e prendistas dos outros lugares desta terra, só pra 26 <strong>da</strong>r flux aos reinóis...<br />

21<br />

24<br />

27


Agora imagine vancê se 28 a gente lá de dentro podia an<strong>da</strong>r com<br />

tantas etiquetas e pedindo louvado pra 29 se defender, pra 30 se divertir e pra 31<br />

luxar!... O tal rei nosso senhor, não se enxergava, mesmo!...<br />

E logo com qu<strong>em</strong>!... Com a gaucha<strong>da</strong>!...<br />

Vai então, os estancieiros iam <strong>em</strong> pessoa ou man<strong>da</strong>vam ao outro<br />

lado, nos espanhóis, buscar pólvora e balas, pras 33 pederneiras, cartas de<br />

jogo e pren<strong>da</strong>s de ouro pras 34 mulheres e preparos de prata pros 35 arreios...;<br />

e ninguém pagava dízimos dessas cousas.<br />

Às vezes 36 lá voava pelos ares um cargueiro, com cangalhas e tudo,<br />

numa explosão de pólvora; doutras 37 uma parti<strong>da</strong> de milicianos saía de<br />

atravessado e tomava conta de tudo, a couce de arma: 38 isto foi ensinando<br />

a escaramuçar com os golas-de-couro. 39<br />

Nesse serviço foram-se aficionando alguns gaúchos; recebiam as<br />

encomen<strong>da</strong>s e pra 40 aproveitar a monção e não ir com os cargueiros debalde,<br />

levavam baeta, que vinha do reino, e fumo <strong>em</strong> cor<strong>da</strong>, que vinha <strong>da</strong><br />

Bahia, e algum porrão de canha. E faziam trocas, de elas por elas, quase.<br />

Os paisanos <strong>da</strong>s duas terras brigavam, mas os mercadores s<strong>em</strong>pre<br />

se entendiam... 41<br />

Isto veio mais ou menos assim até a guerra dos Farrapos; depois<br />

vieram as califórnias do Chico Pedro; depois a guerra do Rosas.<br />

Aí inundou-se a fronteira <strong>da</strong> província de espanhóis e gringos <strong>em</strong>igrados.<br />

A cousa então mudou de figura. A estrangeira<strong>da</strong> era mitra<strong>da</strong>, na<br />

regra, e foi qu<strong>em</strong> ensinou a gente de cá a mergulhar e ficar de cabeça enxuta...;<br />

entrou nos homens a sedução de ganhar barato: bastava ser campeiro<br />

e destorcido. Depois, an<strong>da</strong>va-se <strong>em</strong>pandilhado, b<strong>em</strong> armado; podiase<br />

às vezes 43 <strong>da</strong>r um vareio nos milicos, ajustar contas com algum devedor<br />

de desaforos, aporrear algum subdelegado 44 abelhudo...<br />

Não se li<strong>da</strong>va com papéis n<strong>em</strong> contas de cousas; era só levantar os<br />

volumes, encangalhar, tocar e entregar!...<br />

Quanta gauchag<strong>em</strong> leviana aparecia, encostava-se.<br />

Rompeu a guerra do Paraguai.<br />

O dinheiro do Brasil ficou muito caro: uma onça de ouro, que corria<br />

por trinta e dois, chegou a valer quarenta e seis mil réis!... Imagine o<br />

que a estrangeira<strong>da</strong> bolou nas contas!...<br />

32<br />

42


Começou-se a cargueirear de um tudo: panos, água de cheiro, armas,<br />

minigâncias, r<strong>em</strong>édios, o diabo a quatro!... Era só pedir por boca!<br />

Apareceram também os mascates de campanha, com baús encangalhados<br />

45 e canastras, que passavam pra 46 lá vazios e voltavam cheios, a<br />

desovar 47 aqui...<br />

Polícia pouca, fronteira aberta, direitos de levar couro e cabelo e<br />

nas coletarias umas papela<strong>da</strong>s cheias de benzeduras e rabioscas...<br />

Ora!... ora!... Passar b<strong>em</strong> paisano!... A s<strong>em</strong>ente grelou e está a árvore<br />

ramalhu<strong>da</strong>, que vancê sabe, do contrabando de hoje.<br />

O Jango Jorge foi maioral nesses estrupícios. 49 Desde moço. Até a<br />

hora <strong>da</strong> morte. 50 Eu vi.<br />

Como disse, na madruga<strong>da</strong> 51 vespra 52 do casamento 53 o Jango Jorge<br />

saiu para ir buscar o enxoval <strong>da</strong> filha.<br />

Passou o dia; passou a noite.<br />

No outro dia, que era o do casamento, até de tarde, 54 na<strong>da</strong>.<br />

Havia na casa uma gentama convi<strong>da</strong><strong>da</strong>; <strong>da</strong> vila, vizinhos, os padrinhos,<br />

autori<strong>da</strong>des, moça<strong>da</strong>. Havia de se <strong>da</strong>nçar três dias!... Corria o<br />

amargo e copinhos de licor de butiá.<br />

Roncavam cordeonas no fogão, violas na rama<strong>da</strong>, uma caixa de<br />

música na sala.<br />

Quase ao entrar do sol a mesa estava posta, vergando ao peso dos<br />

pratos enfeitados.<br />

A dona <strong>da</strong> casa, por certo traqueja<strong>da</strong> nessas bolandinas do marido,<br />

estava sossega<strong>da</strong>, ao menos ao parecer.<br />

Às vezes 55 man<strong>da</strong>va um dos filhos ver se 56 o pai aparecia, na volta<br />

<strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, 57 encoberta por uma restinga coberta de arvoredo.<br />

Surdiu de um quarto o noivo, todo no trinque, de colarinho duro e<br />

casaco de rabo. Houve caçoa<strong>da</strong>s, ditérios, elogios.<br />

Só faltava a noiva; mas essa não podia aparecer, por falta do seu<br />

vestido branco, dos seus sapatos brancos, do seu véu branco, <strong>da</strong>s suas<br />

flores de laranjeira, que o pai fora buscar e ain<strong>da</strong> não trouxera.<br />

As moças riam-se; as senhoras velhas cochichavam.<br />

Entardeceu.<br />

Nisto correu voz que a noiva estava chorando: fiz<strong>em</strong>os uma algazarra<br />

e ela – tão boazinha! – veio à porta do quarto, b<strong>em</strong> pentea<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong><br />

48


num vestidinho de chita de an<strong>da</strong>r <strong>em</strong> casa, e pôs-se a rir pra 58 nós, pra 59<br />

mostrar que estava contente.<br />

A rir, sim, rindo na boca, mas também a chorar lágrimas grandes,<br />

que rolavam devagar dos olhos pestanudos...<br />

E rindo e chorando estava, s<strong>em</strong> saber por quê... 60 s<strong>em</strong> saber por<br />

quê, 61 rindo e chorando, quando alguém gritou do terreiro:<br />

– Aí v<strong>em</strong> o Jango Jorge, com mais gente!...<br />

Foi um vozerio geral; a moça porém ficou, como estava, no quadro<br />

<strong>da</strong> porta, rindo e chorando, ca<strong>da</strong> vez menos s<strong>em</strong> saber por quê... 62 pois<br />

o pai estava chegando e o seu vestido branco, o seu véu, as suas flores de<br />

noiva...<br />

Era já fusco-fusco. 64 Pegaram a acender as luzes.<br />

E nesse mesmo t<strong>em</strong>po parava no terreiro a comitiva; mas num silêncio,<br />

tudo.<br />

E o mesmo silêncio foi fechando to<strong>da</strong>s as bocas e abrindo todos os<br />

olhos.<br />

Então vimos os <strong>da</strong> comitiva descer<strong>em</strong> de um cavalo o corpo entregue<br />

de um hom<strong>em</strong>, ain<strong>da</strong> de pala enfiado...<br />

Ninguém perguntou na<strong>da</strong>, ninguém informou de na<strong>da</strong>; todos entenderam<br />

tudo...; que a festa estava acaba<strong>da</strong> e a tristeza começa<strong>da</strong>...<br />

Levou-se o corpo pra 65 sala <strong>da</strong> mesa, para o sofá enfeitado, que ia<br />

ser o trono dos noivos. Então um dos chegados disse:<br />

– A guar<strong>da</strong> nos deu <strong>em</strong> cima... tomou os cargueiros... E mataram o<br />

capitão, porque ele avançou sozinho pra 66 mula ponteira e suspendeu um<br />

pacote que vinha solto... e ain<strong>da</strong> o amarrou no corpo... Aí foi que o crivaram<br />

de balas... parado... Os ordinários!... Tiv<strong>em</strong>os que brigar, pra 67 tomar<br />

o corpo!<br />

A sia dona 69 mãe <strong>da</strong> noiva levantou o balandrau do Jango Jorge e<br />

desamarrou o 70 <strong>em</strong>brulho; e abriu-o.<br />

Era o vestido branco <strong>da</strong> filha, o sapato branco, o véu branco, 71 as<br />

flores de laranjeira...<br />

Tudo numa plasta<strong>da</strong> de sangue... tudo manchado de vermelho, to<strong>da</strong><br />

a alvura <strong>da</strong>quelas cousas bonitas como que bor<strong>da</strong><strong>da</strong> de colorado, num<br />

padrão esquisito, de feitios estrambólicos... como folhas de cardo solferim<br />

esmaga<strong>da</strong>s a casco de bagual!...<br />

63<br />

68<br />

72


Então rompeu o choro na casa to<strong>da</strong>.


Jogo do osso 1<br />

2<br />

3<br />

––––––<br />

Pois olhe: eu já vi jogar-se uma mulher num tiro de taba. Foi uma<br />

para<strong>da</strong> que custou vi<strong>da</strong>... mas foi joga<strong>da</strong>! 4<br />

Um pouco pra 6 fora <strong>da</strong> Vila, na volta <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, meti<strong>da</strong> na sombra<br />

dumas figueiras velhas ficava a vendola do Arranhão; era um bolicho 7<br />

mui arrebentado, e o dono era um sujeito alarifaço, cá pra 8 mim, desertor,<br />

meio espanhol meio gringo, mas mui jeitoso para qualquer arreglo que<br />

cheirasse a plata... 9<br />

Mui destravado <strong>da</strong> língua e ao mesmo t<strong>em</strong>po rezador, s<strong>em</strong>pre se<br />

santiguando e olhando por baixo, como porco, tudo pra 10 ele era negócio:<br />

comprava roubos, trocava cousas, <strong>em</strong>prestava 11 pra 12 jogo, com usura, e<br />

s<strong>em</strong>pre se atrapalhava para menos, no troco dos pagamentos.<br />

Às vezes 13 armava umas carreiritas, que se corriam numa cancha<br />

dumas três quadras que ele mesmo tinha arranjado a um lado do potreiro;<br />

então conchavava algum gringo tocador de realejo e estava preparado o<br />

divertimento. O que ele queria era gente, peona<strong>da</strong>, an<strong>da</strong>ntes, vagabundos,<br />

carreteiros, para poder vender canha e comi<strong>da</strong> e doces; e de noite facilitava<br />

umas mesas de primeira, de truco ou de sete-<strong>em</strong>-porta para tirar o cafife.<br />

Doutras ocasiões ajeitava umas 14 <strong>da</strong>nçarolas que alvorotavam o chinaredo<br />

<strong>da</strong> vizinhança.<br />

5


Por este pano de amostra vancê vê o que seria aquele gavião.<br />

Duma vez que ele tinha trançado umas carreiras, com duas ou três<br />

pencas de patacão, e se havia ajuntado algum povo, tudo gaucha<strong>da</strong> leviana,<br />

choveu.<br />

A chuvara<strong>da</strong> estragou a cancha, molhou as carpetas, atrapalhou<br />

tudo.<br />

E a gente foi ganhando na ven<strong>da</strong>, apinhoscou-se por debaixo <strong>da</strong>s<br />

figueiras e no galpão.<br />

Quando passou o aguaceiro e oreou 16 o terreiro, deram alguns aficionados<br />

para jogar o osso.<br />

Vancê sabe como é que se joga o osso?<br />

Ansim: 17<br />

Escolhe-se um chão parelho, n<strong>em</strong> duro, que faz saltar, n<strong>em</strong> mole,<br />

que acama, n<strong>em</strong> areento, que enterra o osso.<br />

É sobre o firme e macio, que convém. A cancha com uma braça de<br />

largura, chega, e três de comprimento; 18 no meio bota-se uma raia de piola,<br />

amarra<strong>da</strong> <strong>em</strong> duas estaquinhas ou mesmo um risco no chão, serve; de<br />

ca<strong>da</strong> cabeça <strong>da</strong> cancha é que o jogador atira, sobre a raia do centro: este<br />

atira <strong>da</strong>qui pra 19 lá, o outro atira de lá pra 20 cá.<br />

O osso é a taba, que é o osso do garrão <strong>da</strong> rês vacum. O jogo é só<br />

de culo 21 ou suerte. 22<br />

Culo é quando a taba cai com o lado arredon<strong>da</strong>do pra 23 baixo;<br />

qu<strong>em</strong> atira assim perde logo a para<strong>da</strong>. Suerte é quando o lado chato fica<br />

<strong>em</strong>baixo: ganha logo e s<strong>em</strong>pre.<br />

Quer dizer: qu<strong>em</strong> atira culo perde, se 24 é suerte ganha e logo arrasta<br />

a para<strong>da</strong>.<br />

Ao lado <strong>da</strong> raia do meio fica o coimeiro 25 que é o sujeito depositário<br />

<strong>da</strong> para<strong>da</strong> e que a entrega logo ao ganhador. O coimeiro é que também<br />

tira o barato – para o pulpeiro. Quase s<strong>em</strong>pre é algum aldragante velho e<br />

s<strong>em</strong>-vergonha, 26 dizedor de graças.<br />

É um jogo brabo, pois não é?<br />

Pois há gente que se amarra o dia inteiro nessa cachaça, e para<strong>da</strong> a<br />

para<strong>da</strong> 27 envi<strong>da</strong> tudo: os bolivianos, os arreios, o cavalo, o poncho, as esporas.<br />

O facão n<strong>em</strong> a pistola, isso sim, nenhum aficionado joga; os falaver<strong>da</strong>de<br />

é que têm de garantir a retira<strong>da</strong> do perdedor s<strong>em</strong> debocheira dos<br />

ganhadores... e, cui<strong>da</strong>do... muito cui<strong>da</strong>do com o gaúcho que saiu <strong>da</strong> cancha<br />

do osso com a marca quente!...<br />

15


Pois dessa feita se acolheraram a jogar a taba o Osoro e o Chico<br />

Ruivo.<br />

O Osoro era um moreno mui milongueiro, compositor de parelheiros<br />

e meio aruá; an<strong>da</strong>va s<strong>em</strong>pre metido pelos ranchos contando histórias<br />

às mulheres e tomando mate de parceria com elas.<br />

O Chico era domador e morava de agregado num rincão <strong>da</strong> estância29<br />

<strong>da</strong>s Palmas; e vivia com uma piguancha b<strong>em</strong> jeitosa, chama<strong>da</strong> Lalica.<br />

Neste dia tinha vindo com ela ao festo do Arranhão.<br />

Enquanto os dois jogavam, a morocha an<strong>da</strong>va lá por dentro, com<br />

as outras, saracoteando.<br />

Havia violas; havia tocadores; a farra ia indo quente.<br />

E os dois, jogando. O Chico perdia uma <strong>em</strong> cima <strong>da</strong> outra.<br />

– Culo! Outra vez?... Marraios!... 30<br />

– Suerte, chê! Ganhei! – repetia o Osoro.<br />

– Jogo-te o tostado, aperado, valeu?<br />

– Topo!<br />

– E culo!... Isto é mau olhado <strong>da</strong>lgum roncolho mirone!...<br />

E relanceou os olhos pelos vedores, esperando que algum comprasse<br />

a camorra; ninguém se picou.<br />

– Jogo o teu ruano contra as duas tambeiras <strong>da</strong> Lalica!<br />

– É pouco, Chico!... Ain<strong>da</strong> se31 fosse a dona!...<br />

– Osoro, não brinca!... 32 Pois olha; jogo!<br />

– O ruano?<br />

– O ruano contra a Lalica! Assim como assim, esta china já está<br />

me enfarando!...<br />

– Pois topo!<br />

Os mirones se entreolharam, boquejando, alguns; eles b<strong>em</strong> viam<br />

que o gaúcho estava s<strong>em</strong> liga, que já tinha perdido tudo, o dinheiro, o<br />

cavalo, as botas, um rebenque com argolão de prata; e agora, o outro, o<br />

Osoro, para <strong>completa</strong>r o carcheio, ain<strong>da</strong> tinha topado a última para<strong>da</strong>, que<br />

era a china...<br />

A cousa ia ser tirana; correu logo voz; <strong>em</strong> ro<strong>da</strong> dos dois amontoou-se<br />

a gente.<br />

O Osoro atirou, e deu suerte...<br />

O Ruivo atirou e deu suerte...<br />

– Ora, não deu gosto! – disse um 33<br />

– Outra mão! – disse o outro34 28


E o Ruivo atirou: culo!<br />

O Osoro atirou: suerte!<br />

– Ganhei, aparceiro! 35<br />

– Pois toma conta, ermão! 36<br />

– Tu é que tens de fazer a entrega!...<br />

– Não t<strong>em</strong> ver<strong>em</strong>os... Trato é trato!...<br />

Já ia querendo anoitecer.<br />

O que se passou entre aquelas três criaturas, não sei; se juntaram<br />

num canto do balcão <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> e falaram. Por certo que o Chico Ruívo<br />

disse à china que a jogara numa para<strong>da</strong> de taba; o Osoro só disse uma vez:<br />

– Eu, se 38 perdesse o ruano, o Chico já ia <strong>da</strong>qui montado nele...<br />

A Lalica deu uma risadinha amarela; olhou o Osoro, olhou o Chico<br />

Ruivo, cuspiu de nojo e disse pra 39 este, na cara:<br />

– S<strong>em</strong>pre és muito baixo!..., 40 guampudo, por gosto!...<br />

– Olha, guincha, que te grudo as chilenas!...<br />

– Ixe! Este, agora, é que me encillha, retalhado!...<br />

Nisto um violeiro pegou a rufar uma <strong>da</strong>nça chora<strong>da</strong>; umas parelhas<br />

pegaram a se menear no compasso <strong>da</strong> música e logo o Osoro, para<br />

cortar aquele aperto, travou do pulso <strong>da</strong> morocha, passou-lhe o braço na<br />

cinta e quase levando-a no ar entrou na ro<strong>da</strong> dos <strong>da</strong>nçadores; o Ruivo<br />

ficou quieto, mas de goela seca e nos olhos com uma luz diferente.<br />

Na primeira volta, quando o par passou por ele, a china ia dizendo<br />

mui derreti<strong>da</strong>:<br />

– Quando quiseres, meu negro...<br />

Na segun<strong>da</strong> volta, como num 42 despique, ela tornou a boquejar<br />

pro 43 Osoro:<br />

– Eu vou na tua garupa...<br />

E na outra, 44 a china vinha cala<strong>da</strong>, mas com a cabeça deita<strong>da</strong> no<br />

peito do par, ohando terneira pra 45 ele, com uma luz de riso, os beiços encolhidos,<br />

como armando uma promessa de boquinha; e o Osoro se esqueceu<br />

do mundo... e colou na boca <strong>da</strong> tentação um beijo gordo, d<strong>em</strong>orado,<br />

cheio de desaforo...<br />

O Chico Ruivo teve um estr<strong>em</strong>eção e deu um urro 46 entupido, arrancou<br />

do facão e atirou o braço pra 47 diante, numa cegueira de raiva, que<br />

só enxerga b<strong>em</strong> o que quer matar...<br />

37<br />

41<br />

48


E vai, como pegou o Osoro pela esquer<strong>da</strong>, do lado, meio por detrás,<br />

por debaixo <strong>da</strong> paleta, o facão saiu no rumo certo e foi bandear a<br />

Lalica meio de lado, sobre a esquer<strong>da</strong> <strong>da</strong> frente.<br />

Vancê comprende? 49 Do mesmo talho varou os dois corações, espetou-os<br />

no mesmo ferro, matou-os <strong>da</strong> mesma morte, fazendo os dois<br />

sangues, num de ca<strong>da</strong> peito, correr<strong>em</strong> juntos num só derrame... que foi<br />

lastrando pelo chão duro, de cupim socado, lastrando... até os dois corpos<br />

bater<strong>em</strong> na parede, s<strong>em</strong>pre abraçados, talvez mais abraçados, e depois<br />

tombar<strong>em</strong> por cima do balcão, onde estava encostado o tocador, que parou<br />

um rasgado bonito e ficou olhando fixe para aquela parelha de <strong>da</strong>nçarinos<br />

morrentes e farristas ain<strong>da</strong>!... 50<br />

Levantou-se uma berraça<strong>da</strong>.<br />

– Matou! Foi o Chico Ruivo!... Amarra! Cerca!...<br />

Mas o Ruivo parece que voltou a si; coriscou o facão aos dois lados<br />

e atropelou a porta, ganhou o terreiro e se foi ao palanque onde estava<br />

o ruano do Osoro: montou e gritou pra 51 os que ficavam:<br />

– Siga o baile!...<br />

E deu de rédea, no escuro <strong>da</strong> noite.<br />

O Arranhão acudiu ao berzabum; aquele safado, curtido na ciganag<strong>em</strong><br />

só soube dizer:<br />

– Pois é... jogaram o osso, armaram a sua parran<strong>da</strong>... mas nenhum<br />

pagou na<strong>da</strong> ao coimeiro!... Que trastes!...<br />

52<br />

53<br />

54


Duelo de Farrapos 1<br />

––––––– 2<br />

Já um ror de vezes tenho dito e – provo – 4 que fui ordenança do<br />

meu general Bento Gonçalves.<br />

Este caso que vou contar pegou o começo no fim de 42, no Alegrete,<br />

e foi acabar num 27 de fevereiro, 5 <strong>da</strong>í dois anos, nas pontas do Sarandi,<br />

pras 6 ban<strong>da</strong>s e já pertinho de Santana. 7<br />

Foi assim. Tenho que contar pelo miúdo, pra 8 se entender b<strong>em</strong>. Em<br />

agosto 9 de 42, o general, que era o Presidente <strong>da</strong> República Rio-<br />

Grandense 10 – vancê desculpe... estou velho, mas inté 11 hoje, quando falo<br />

<strong>da</strong> República dos Farrapos, tiro o meu chapéu!... – o general fez um papel,<br />

que chamavam-lhe – decreto – man<strong>da</strong>ndo ordens pruma 12 eleição grande,<br />

para deputados; estes tais é que iam combinar as leis novas e cui<strong>da</strong>r de<br />

outras cousas que an<strong>da</strong>vam meio à matroca, por causa <strong>da</strong> guerra.<br />

Em set<strong>em</strong>bro 13 houve a eleição; <strong>em</strong> outubro 14 já se sabia qu<strong>em</strong> eram<br />

os macotas votados, que eram quase todos os torenas que an<strong>da</strong>vam na<br />

coxilha. O jornal do governo deu uma relação deles e dos votos que tiveram,<br />

que eu sabia, mas já esqueci.<br />

Por sinal que esse jornal chamava-se – Americano 15 – e tinha na<br />

frente um versinho que saía s<strong>em</strong>pre escrito e publicado e que era assim, se<br />

b<strong>em</strong> 16 me l<strong>em</strong>bro:<br />

“Pela Pátria viver, morrer por ela;<br />

3


Guerra fazer ao despotismo insano;<br />

A virtude seguir, calcar o vício;<br />

Eis o dever de um livre Americano”. 17<br />

Em nov<strong>em</strong>bro, 18 os deputados, que eram trinta e seis, mas que só<br />

se apresentaram vinte e dois, juntaram-se <strong>em</strong> ass<strong>em</strong>bléia; 19 <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro, 20<br />

logo no dia um, foi então a cerimônia principal.<br />

O general foi <strong>em</strong> pessoa, como presidente, com a ministra<strong>da</strong>, os<br />

coman<strong>da</strong>ntes de corpos e outros topetudos, e aí fez uma – Fala – muito<br />

sisu<strong>da</strong> e compassa<strong>da</strong>, que todos escuitaram quietos, só sacudindo a cabeça,<br />

como qu<strong>em</strong> dizia que era mesmo como o general estava lendo no escrito.<br />

Uê!... e que pensa vancê?... Estava tudo na estica, sim senhor: far<strong>da</strong>s<br />

novas, bainhas de espa<strong>da</strong>, alumiando; redingotes verdes ou azuis com<br />

botões amarelos, padres com as suas 21 batinas saidinhas; um estadão! E<br />

famílias, muita moça<strong>da</strong> fachu<strong>da</strong>, povaréu, e até uma música. Eu e o outro<br />

ordenança, os dois, mui anchos, de gandola colora<strong>da</strong>.<br />

Por esses entr<strong>em</strong>entes, no Estado Oriental, an<strong>da</strong>va gangolina grossa<br />

entre Oribe e Rivera, que eram os dois que queriam o penacho de man<strong>da</strong>-tudo.<br />

22 Volta e meia as parti<strong>da</strong>s deles se pechavam e s<strong>em</strong>pre havia entrevero.<br />

Ah! se 23 vancê visse a india<strong>da</strong> <strong>da</strong>quele t<strong>em</strong>po... ca<strong>da</strong> gadelhudo...<br />

Ah! bom!... 24<br />

Mas, como 25 quera, 26 onde se encontrasse, a nossa gente entropilhava-se<br />

b<strong>em</strong> com a deles. E mesmo era ord<strong>em</strong> dos supriores. 27<br />

Quando íamos mal de vi<strong>da</strong>, já pelas caronas, nos banedávamos para<br />

o outro lado <strong>da</strong> linha; lá se churrasqueava, fazia-se uma voltea<strong>da</strong> de<br />

potra<strong>da</strong> e voltávamos à carga, folheiritos no mais!<br />

O barão Caxias, que era o maioral dos caramurus, 28 mordia-se com<br />

estas gaucha<strong>da</strong>s.<br />

Mas tanto Oribe como Rivera nos codilhavam quando podiam,<br />

porque faziam também suas fosquinhas aos legais... apertavam o laço pra 29<br />

nós, mas afrouxavam a ilhapa pra 30 eles...<br />

Vancê entende?... Pau de dois bicos!...<br />

Mas, vá vancê escuitando. 31<br />

Rabo-de-saia 32 é s<strong>em</strong>pre precipício pros 33 homens...<br />

Não vá vancê cui<strong>da</strong>r que no caso andou mulher botando fungu no<br />

coração de ninguém, não, senhor; a coisa foi muito outra, de alarifage...


Naquele nov<strong>em</strong>bro 34 de 42, quando os deputados foram-se ajuntando,<br />

de um a um, vindos de todos os rumos <strong>da</strong> província <strong>da</strong> República e<br />

havia na vila do Alegrete movimento de comitivas e piquetes, um dia, já à<br />

boquinha <strong>da</strong> noite, chegou uma carreta de campanha, mui b<strong>em</strong> tol<strong>da</strong><strong>da</strong>,<br />

com boia<strong>da</strong> gor<strong>da</strong>, e escolta<strong>da</strong> por um acompanhamento grande, de gente<br />

b<strong>em</strong> monta<strong>da</strong> e arma<strong>da</strong>.<br />

Chegou o combói e parou no meio <strong>da</strong> praça; e logo o que vinha de<br />

vaqueano cortou-se e foi apresentar o passe e outros papéis; 35 e foi dizendo<br />

que a pessoa que vinha na carreta era uma senhora dona 36 viúva, que<br />

trazia ofício pra 37 o governo e que era sobre uns gados que haviam sido<br />

arrebanhados e cavalha<strong>da</strong>s, e prejuízos e tal, e mais uma conversa por este<br />

teor e com mais voltas que um laço grande enrodilhado...<br />

Foi isso o que correu logo no redepente 38 <strong>da</strong> curiosi<strong>da</strong>de.<br />

Papéis foram que a tal dona trazia, que logo o general mandou<br />

chamar os deputados e os ministros e depois se trancaram todos numa sala<br />

grande; e depois despachou um capitão para ir buscar a figurona.<br />

E ela veio; e mal que chegou o general veio à porta, fez um rapapé<br />

39 rasgado e foi com ela pra 40 tal sala onde estavam os outros.<br />

Se era 41 lin<strong>da</strong> a bel<strong>da</strong>de!... 42 Sim, senhor, dum gaúcho de gosto alçar<br />

na garupa e depois jurar que era Deus na terra!... 43<br />

E destorci<strong>da</strong>, e b<strong>em</strong>-falante; 44 e olhava pra 45 gente, como o sol olha<br />

pra 46 água: atravessando!<br />

Dentro <strong>da</strong> sala, fecha<strong>da</strong>, 47 ia um vozerio dos homens; depois serenava;<br />

parece que eles estavam mussitando; e a voz <strong>da</strong> dona repinicava, 48<br />

hablando un castellano de mi flor! *<br />

Lá pelas tantas levantaram o ajuntamento; o mesmo capitão foi levar<br />

a dona. E, de manhã, n<strong>em</strong> carreta, n<strong>em</strong> boia<strong>da</strong>, n<strong>em</strong> comitiva apareceram<br />

mais.<br />

Depois é que vim ao conhecimento que aquela figurona tinha vindo<br />

de <strong>em</strong>issária.<br />

Rivera era mais valente; Oribe era mais sorro; mas, os dois, matreiraços!...<br />

Agora, qual dos dois, pra 49 disfarçar dos caramurus o chasque,<br />

mandou, <strong>em</strong> vez dum hom<strong>em</strong> 50 aquela vivaracha, qual dos dois foi, não<br />

pude son<strong>da</strong>r.<br />

Era assunto encapotado...<br />

* Hablando un castellano de mi flor: falando um excelente espanhol.


Depois desse dia começou a haver um zunzum 51 mui manhoso contra<br />

o general..<br />

Não sei se 52 era inveja, ou intrigas ou queixas ou ganas que alguns<br />

lhe tinham. As cousas foram-se parando <strong>em</strong>brulha<strong>da</strong>s na tal ass<strong>em</strong>bléia 53 e<br />

uma feita, não sei por que<br />

54 chicos pleitos o general e o coronel Onofre<br />

Pires tiveram um desaguisado; o general deu as costas, num pouco caso e<br />

o coronel saiu, num rompante, batendo forte os saltos dos botins.<br />

Em 43 houve outra arranca<strong>da</strong> braba, foi quando mataram um Paulino<br />

Fontoura, que era um pesado. Houve outro bate-barbas 55 entre o general<br />

e o coronel Onofre, que era mui esquentado e cosquilhoso.<br />

Mas logo os chefes todos se desparramaram, porque o barão Caxias<br />

an<strong>da</strong>va na estra<strong>da</strong>, levantando polvadeira.<br />

E brigou-se!<br />

Em São Gabriel, na Vacaria, <strong>em</strong> Ponche Verde, no Rincão dos<br />

Touros. O governo tinha saído do Alegrete e estava outra vez <strong>em</strong> Piratinim;<br />

56 aí por perto peleou-se, e no Arroio Grande, <strong>em</strong> Jaguarão, nas Missões,<br />

sobre o Quaraim, 57 <strong>em</strong> Canguçu, <strong>em</strong> Pai Passo.<br />

Que ano que bebeu sangue, esse!<br />

E quando o exército se amontoou todo, pra 58 lá do Ibicuí e depois<br />

foi estendendo marcha, houve um conselho grande de oficiais; e aí se falou<br />

outra vez na <strong>em</strong>issária, a fulana, aquela <strong>da</strong> carreta, no Alegrete. Aí,<br />

então, os dois galões-largos 59 se contrapontearam outra vez.<br />

A gente como eu é bicho bruto e os graúdos não dão confiança de<br />

explicar as cousas, por isso é que eu não sei muitas delas: 60 tenência não<br />

me faltava; mas como é que eu ia saber as de adentro dos segredos?...<br />

Já sobre o Garupá – vancê não conhece? são os campos mais bonitos<br />

do mundo! – aí os homens se cartearam.<br />

Então já era o ano 44.<br />

O coronel escreveu barbari<strong>da</strong>des; o general respondeu com aquele<br />

jeito dele, sisudo.<br />

E quando foi no dia 27 de fevereiro 61 o general me chamou e mandou<br />

que eu fosse levando pela rédea, para a restinga, os dois cavalos que<br />

estavam atados debaixo de um espinilho; era um picaço grande e um colorado.<br />

Fui an<strong>da</strong>ndo; lá longe ia descendo um vulto, atrás de mim vinha<br />

outro.<br />

E devagarinho, como qu<strong>em</strong> vai mui descansado <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>, os<br />

dois.


Ah! esqueci de dizer a vancê que atravessa<strong>da</strong> debaixo <strong>da</strong> sobrecincha<br />

62 de ca<strong>da</strong> flete, vinha uma espa<strong>da</strong>.<br />

Reparando, vi que as duas eram iguais, de copo fechado e folha<br />

grande, <strong>da</strong>s espa<strong>da</strong>s de roca, que só mesmo pulso de hom<strong>em</strong> podia florear.<br />

E quando parei e os dois vultos se chegaram, conheci que eram o<br />

meu general e o coronel Onofre.<br />

E desarmados, chê!...<br />

Mas como chegaram, ca<strong>da</strong> um despiu a far<strong>da</strong>, que botou <strong>em</strong> cima<br />

dos pelegos, e des<strong>em</strong>bainhou a espa<strong>da</strong> que vinha.<br />

O colorado era do coronel; o picaço, do general.<br />

Então o general deu ord<strong>em</strong>:<br />

– Espera aí com os cavalos!<br />

E o coronel também:<br />

– Bombeia; se 63 chegar alguém, assobia!<br />

E rodearam a restinga, para o outro lado.<br />

Então é que entendi a marosca: eles iam tirar uma tora, dessas que<br />

não se tira duas vezes entre os mesmos ferros...<br />

Maneei os mancarrões e com um olho no padre, outro na missa,<br />

por entre as ramas <strong>da</strong> restinga, fui espiar a peleia. 64<br />

Estavam já, frente a frente, de corpo quadrado.<br />

O sol <strong>da</strong>va a meio, 65 para os dois.<br />

O general Bento Gonçalves era sacudido no jogo <strong>da</strong> espa<strong>da</strong> preta;<br />

maneava o ferro, que chispava na luz, como uma fita de espelho; o coronel<br />

Onofre parava os botes e respondia no t<strong>em</strong>po, mas com tanta força<br />

que a espa<strong>da</strong> assobiava no coriscar.<br />

Nisto o general 66 pulou pra 67 trás, fincou a espa<strong>da</strong> no chão e pegou<br />

a tirar o tacão <strong>da</strong> bota, que se despregara.<br />

O coronel encruzou os braços, e a espa<strong>da</strong> dele ficou dependura<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> mão, como dum prego.<br />

Pra 68 um que quisesse aproveitar... Mas qual... aqueles não eram<br />

gente disso, não!<br />

E cruzaram, de novo. 69 Em cima de minha cabeça um sabiá pegou<br />

a cantar... e era tão desconchavado aquele canto que chora no coração <strong>da</strong><br />

gente, com aqueles talhos que cortavam o ar, que eu, que já tinha lanhado<br />

muito cristão caramuru, eu mesmo, fiquei, s<strong>em</strong> saber como, com os olhos<br />

nos peleadores, os ouvidos no sabiá, mas o pensamento andejando... nos<br />

pagos, no meu padrinho, no Jesu-Cristo do oratório de minha mãe...


Os ferros iam tinindo. E nisto o coronel deu um – ah! – furioso,<br />

caiu-lhe <strong>da</strong> mão a espa<strong>da</strong>... e a sangüeira70 coloreou pelo braço abaixo,<br />

desarmado, entregue!...<br />

Pra71 um que quisesse aproveitar... Mas qual! 72 aqueles não eram<br />

gente disso, não!<br />

O general tornou a cravar a espa<strong>da</strong> na terra e veio ao ferido com<br />

bom jeito.<br />

Pegou o braço, viu o ferimento; e com um lenço grande que levantou<br />

do chão, do lado do chapéu, atilhou o talho para estancar o sangue.<br />

O outro, calado, n<strong>em</strong> g<strong>em</strong>ia.<br />

Depois o general tornou a pegar <strong>da</strong> espa<strong>da</strong>, 73 fez uma inclinação de<br />

cabeça ao coronel e caminhou pra74 cá...<br />

Foi o quanto eu me atirei pra75 trás e me acocrei76 perto dos cavalos.<br />

Vestiu a far<strong>da</strong>, <strong>em</strong>bainhou a espa<strong>da</strong> e montou. Então me disse:<br />

– Agora v<strong>em</strong> gente, que eu vou man<strong>da</strong>r. Não te movas <strong>da</strong>í, antes...<br />

E deu de rédea, a galopito, para o acampamento.<br />

E no silêncio que ficou, só ficou balançando no ar o canto do sabiá,<br />

na restinga: do outro lado, o sangue do coronel pingando nos capins;<br />

deste lado, eu, sabendo, mas não podendo me intrometer...<br />

Agora veja vancê se77 não foi mesmo o fungu <strong>da</strong>quela tal dona –<br />

<strong>em</strong>issária dum dos dois sorros castelhanos – que veio transtornar tanta<br />

78 79<br />

amizade dos farrapos?...<br />

Ela só não pôde foi mu<strong>da</strong>r o preceito de honra80 deles: brigavam,<br />

de morte, mas como guascas de lei: leais, s<strong>em</strong>pre!<br />

Pois não viu, naquelas duas vezes?... Pra81 um que quisesse aproveitar...<br />

E creia vancê, que lhe rezei este rosário s<strong>em</strong> falha de uma conta,<br />

apesar de já sentir a m<strong>em</strong>ória mais esburaca<strong>da</strong> que poncho de calavera...<br />

Pois faz tanto ano!...<br />

82<br />

83


Penar de velhos 1<br />

–––––– 2<br />

Conheci, sim, sr., 4 o Binga Cruz, desde assinzinho. 5<br />

Guri levado <strong>da</strong> casqueira!...<br />

E teve um fim que nunca se soube... Pobrezinho... An<strong>da</strong>ria nos doze<br />

anos. Filho único...<br />

O pai dele, o velho, recebeu de regalo um bagual picaço sãozito<br />

<strong>da</strong>s quatro patas, s<strong>em</strong> uma basteira; e de rédea, um pensamento. E era<br />

mesmo para o an<strong>da</strong>r dele.<br />

Pois, amigo, se lhe 7 conto!...<br />

Um dia, dez<strong>em</strong>bro, 9 sol de rachar, com trovoa<strong>da</strong> arma<strong>da</strong>, an<strong>da</strong>va 10<br />

o guri ninhando numas restingas que havia sobre o fundo <strong>da</strong> roça, por<br />

detrás <strong>da</strong>s casas. O chapéu estava já abarrotado de ovos de tico-tico, de<br />

alma-de-gato, 11 de corrruíras, canarinhos, sabiás...; 12 era um entrevero 13<br />

bonito de cores e de feitios diferentes.<br />

De calcita arregaça<strong>da</strong>, mui espinhado 14 nas canelas e nos braços, o<br />

rosto vermelho e a cabeça ardendo, o diabinho ain<strong>da</strong> gateava um ninho de<br />

tesouras, quando, 15 do outro lado <strong>da</strong> cerca 16 ouviu o assobio <strong>da</strong>s avestruzes,<br />

pastando.<br />

Ouviu, e fura aqui, fura ali, varou a cerca para <strong>da</strong>r fé, b<strong>em</strong> à sua<br />

vontade.<br />

3<br />

6<br />

8


Entre a roça e um braço de banhado, que havia, formava-se uma<br />

rincona<strong>da</strong> mui boa para voltea<strong>da</strong>: e foi nisso que o guri pensou. As avestruzes<br />

seriam umas oito e uma tropilha de filhotes, já <strong>em</strong>plumaditos.<br />

Não se conteve, o miúdo: 17 pulou para o lado de fora, perto <strong>da</strong><br />

ban<strong>da</strong><strong>da</strong>, e já correu sobre ela, de braços abertos, aos pulos, aos gritos: os<br />

bichos se arrolharam, assustados, mas logo o macho do bando ponteou<br />

para o rincão e tudo acompanhou.<br />

Era o que o guri esperava mesmo; 18 ele queria, de por força, pegar<br />

uma, viva; mas só laçando...<br />

Foi quando lhe coriscou na idéia bancar-se no bagual picaço, do<br />

velho.<br />

Se estava 19 tão delgado e lindo... aquilo seria só amagar o corpo,<br />

chupar no beiço e rebolear o laço... N<strong>em</strong> era tento! Num – vá! – era avestruz<br />

no cabresto!<br />

E correndo para o galpão, enfrenou o pingo, atirou-lhe um pelego<br />

no lombo, passou a mão no seu lacito e se foi a arriba!<br />

Espiou para os lados e mui de manso, a passo, saiu, sobre a cacimba,<br />

a encobrir-se numa reboleira de chorões, que fazia uma sombra<br />

fresca, onde as galinhas se rebolcavam, arripiando 21 as penas, assolea<strong>da</strong>s.<br />

Mas tudo isto levou seu t<strong>em</strong>po, de modo que quando ele chegou<br />

ao rincão já as avestruzes haviam-se atirado no banhado e bandeado; apenas,<br />

por descui<strong>da</strong><strong>da</strong> ou mais esfomea<strong>da</strong>, apenas uma se deixou ficar e<br />

agora não atinava com a passag<strong>em</strong>, e quando o Binga 22 gineteando, deu<br />

<strong>em</strong> cima dela, então é que o bicho ficou mesmo atarantado, e começou a<br />

gambetear zonzo, na enrasca<strong>da</strong>.<br />

O guri se esqueceu do mundo!<br />

Tocava o picaço <strong>em</strong> cima do nhandu e atirava o laço... o bicho negaceava,<br />

e o laçador errava o tiro... E vá outro, e outro... mas errando<br />

s<strong>em</strong>pre, só de apurado!<br />

Mas nisto o nhandu deu com a boca do rincão, viu o campo largo,<br />

e fazendo umas gambetas fortes, esparramando as asas, por fim aprumou<br />

o corpo e cravou a unha, num 24 trotão galopeado, de comer quadras!...<br />

Mas o rapazinho estava encanzinado: levantou o picaço no freio e<br />

bateu de atrás!<br />

Amigo! Que dispara<strong>da</strong>! Por tacuruzais e buracama de tuco-tuco,<br />

por cima <strong>da</strong>s panelas de caranguejo, 25 por lançantes <strong>da</strong>s coxilhas e moles<br />

20<br />

23


<strong>da</strong>s canha<strong>da</strong>s, salvando sangas e arrancando no barral <strong>da</strong>s lagoas, tudo era<br />

várzea lisa para aquela alminha de gaúcho!<br />

Despista<strong>da</strong> pela perseguição, a avestruz corria à toa. 26 Corria. Depois<br />

foi mermando; e foi afrouxando, até que se enredou numas macegas<br />

e caiu numa cova de touro. E conforme caiu já o guri estava-lhe <strong>em</strong> cima,<br />

atracado com ela, passando-lhe o laço, maneando-a, vencedor, afinal!<br />

E respirou, aliviado; olhou o campo, silencioso, viu a casa lá longe,<br />

branqueando no verde do arvoredo.<br />

Como diabo ia ele levar a caça, aquela?... E quando estava botando<br />

as suas contas, o nhandu deu <strong>em</strong> patear, a se revirar todo, e mal apanhou<br />

livre uma perna, priscou e se foi a la cria, 28 deixando o caçador no<br />

ora-veja!... 29<br />

Aí o Binga fez um jeito de choro de raiva, e mui desconsolado<br />

montou de novamente.<br />

E voltou para casa, a passo, porque o picaço vinha meio estaqueado,<br />

de quartos duros.<br />

Com mil cui<strong>da</strong>dos, apoveitando ain<strong>da</strong> a hora <strong>da</strong> sesta, tornou a<br />

meter o flete no galpão e mui concho <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> foi para dentro, pedir à<br />

mãe 30 – uma santa senhora, aquela dona! – pedir uma tijela de coalha<strong>da</strong>,<br />

pra 31 refrescar.<br />

Na manhã seguinte o picaço apareceu esticado na estrebaria: derreteu<br />

a graxa dos rins; morreu arreganhado.<br />

O velho ficou buzina!... 32 Qu<strong>em</strong> foi, 33 qu<strong>em</strong> não foi...; afinal o próprio<br />

Binga, meio de orelha murcha mas decidido, relatou a criança<strong>da</strong>,<br />

tintim por tintim. 34<br />

Aí o velho andou mal... ali no mais, à vista <strong>da</strong> peona<strong>da</strong>, quis sovar<br />

o filho... e quando o guri viu o rabo-de-tatu 35 no ar... quebrou o corpo,<br />

disparou e de 36 vere<strong>da</strong> encarapitou-se num matungo que estava de piquete,<br />

encilhado, e abriu campo fora, s<strong>em</strong> rumo certo ao deus-<strong>da</strong>rá... 37 Debalde o<br />

velho gritou-lhe – Pára aí, menino! Pára aí, menino!<br />

Qual! No peito do gauchinho não cabia a vergonha <strong>da</strong>quele guascaço<br />

do rabo-de-tatu, 38 que caía-lhe <strong>em</strong> cima, se ele 39 não foge...<br />

A sia dona 40 não viu na<strong>da</strong> deste passo; an<strong>da</strong>va lá pra 41 dentro, nos<br />

seus arranjos.<br />

Passou o t<strong>em</strong>po.<br />

Nunca mais houve notícias do menino.<br />

42<br />

27


Campeou-se pelo vizindário, saíram chasques a vários rumos e...<br />

na<strong>da</strong>!<br />

O velho foi descui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong>s lavouras; já não ia ao rodeio n<strong>em</strong><br />

montava a cavalo; nas marcações ficava na porteira <strong>da</strong> mangueira, calado;<br />

pitava muito e passava os dias passeando na quinta, na rua <strong>da</strong>s laranjeiras,<br />

de chapéu nos olhos e de mãos atrás <strong>da</strong>s costas.<br />

A peona<strong>da</strong> já n<strong>em</strong> podia arranhar nas violas, porque o velho se enquizilava<br />

e man<strong>da</strong>va logo um piazito dizer lá fora que não queria bochincha<strong>da</strong>s<br />

<strong>em</strong> casa.<br />

Outras vezes <strong>da</strong>va-lhe para arranjar alguma trança; prendia a lonca<br />

e começava a tirar os tentos... e de repente parava, suspirava... e torcia a<br />

mão, cortando ou fazendo entra<strong>da</strong>s no couro, e afinal picava tudo e não<br />

fazia na<strong>da</strong>, n<strong>em</strong> um botão, n<strong>em</strong> um passador qualquer, de cacaracá... 43<br />

Ou ficava horas e horas, com os olhos perdidos naqueles descampados...<br />

olhando, olhando s<strong>em</strong>pre, mas s<strong>em</strong> ver na<strong>da</strong>... n<strong>em</strong> as pontas de<br />

gado n<strong>em</strong> os mesmos an<strong>da</strong>ntes, que às vezes44 chegavam, pedindo pousa<strong>da</strong>...<br />

A velhita, essa, então, <strong>da</strong>va lástima a gente se fixar nela...<br />

Não se riu, nunca mais, aquela senhora dona. 45 Chorar, eu não vi;<br />

mas devia de chorar muito, porque quando vinha pra46 mesa servir os hospes,<br />

47 trazia s<strong>em</strong>pre os olhos vermelhos e algo inchados.<br />

Ajuntou num canto <strong>da</strong> sala to<strong>da</strong>s as cousas do Binga; os aperos, o<br />

laço; umas tamanquinhas já gastas; um carretão de brinquedo, enfia<strong>da</strong>s48 de ovos, uma chuspa cheia de pelotas de barro, argolas e ossinhos de mocotó;<br />

enfim não sei quantas mais bobages de criança... mas que tocavam<br />

no coração quando a gente pensava que o doninho an<strong>da</strong>va por esse mundo,<br />

de gaudério e teatino... como cachorro chimarrão, comendo de esmola<br />

algum soquete ordinário e tinindo de frio, s<strong>em</strong> ao menos um bichará esburacado...<br />

E s<strong>em</strong>pre buenaça: mal chegava um an<strong>da</strong>nte, man<strong>da</strong>va logo um<br />

piá levar-lhe um mate, e ain<strong>da</strong>, à noite, água para os pés; e de manhã,<br />

quando a gente ia agradecer a pousa<strong>da</strong>, lá vinha um naco49 de queijo ou<br />

meia vara de lingüiça, para fiambre50 e outro amargo, pra51 o estribo...<br />

Qu<strong>em</strong> sabia do caso até n<strong>em</strong> falava nele... era tão penaroso o sofrer<br />

<strong>da</strong>queles velhos, que não diziam na<strong>da</strong>, que a gente entendia tudo...<br />

E não havia hospe 53 que tivesse comido <strong>da</strong>quela mesa ou dormido<br />

naquele teto, que não desejasse ser ele que pudesse um dia topar o guri<br />

52


desguaritado e trazê-lo, para o colo que esperava s<strong>em</strong>pre e que rezava<br />

s<strong>em</strong>pre ao Nosso Senhor Jesus-Cristo, 54 que, sendo Deus, morreu perto de<br />

sua mãe...<br />

A velhita finou-se primeiro, e de pura pena foi, por certo. 56<br />

O vizindário <strong>em</strong> peso acudiu ao velório; o enterrro se fez na vila.<br />

Pois desde a estância até o c<strong>em</strong>itério – umas quantas léguas – o<br />

caixão veio s<strong>em</strong>pre a mão. 57 Mas não pesava na<strong>da</strong>. Também – pobrezinha!<br />

– que pecados podia ela ter?...<br />

E quando foi a hora do corpo cair na cova, que ca<strong>da</strong> um atirou um<br />

punhado de terra, e que as crianças – quase to<strong>da</strong>s suas afilha<strong>da</strong>s – e as<br />

mulheres desataram num pranto de choro e até o coveiro se entreparou<br />

entristado, aí vi mais de um gaúcho colmilhudo manoteando nas lágrimas<br />

que dos olhos lhes caíam, grandes e claras, como as gotas de água 58 que<br />

ca<strong>em</strong> dos cartuchos dos caetés...<br />

Meses depois o velho seguiu o mesmo caminho de nós todos; mas<br />

antes de morrer, engambelado por um padre gringo que apareceu aqui<br />

pelos pagos, lá fez uns papéis... e papéis foram que tudo o que era dele<br />

passou para missas e outros engrólios que ninguém sabia o que eram.<br />

N<strong>em</strong> um tambeiro saiu para um afilhado!...<br />

Os parentes meteram d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>... foi um arranca-rabo que durou<br />

anos...<br />

E enquanto isso... vancê sabe o que é casa s<strong>em</strong> dono!... 60<br />

O Binga... qu<strong>em</strong> sabe o que foi feito dele, por esse mundo de<br />

Deus, tão grande!...<br />

Cuê-pucha!... 62 Eu desejava 63 que ele aparecesse, só por causa do<br />

padre gringo!... Que sumanta o guri lhe não havia de encostar!...<br />

E... por Deus e um patacão!... Eu <strong>da</strong>va as guascas e ain<strong>da</strong> aju<strong>da</strong>va<br />

a atar!...<br />

Ora se não!... 64<br />

55<br />

59<br />

61<br />

65<br />

66


Juca Guerra 1<br />

–––––––<br />

2<br />

Vancê leu ont<strong>em</strong> no jornal aquele caso do sujeito que atirou-se à<br />

água <strong>da</strong> beira <strong>da</strong> praia para salvar um fulano que estava-se afogando... 4<br />

quando no aperto chegou um boteiro que levantou os dois... não foi assim?<br />

E o tal ain<strong>da</strong> ganhou uma me<strong>da</strong>lha do governo pela grande áfrica!...<br />

5<br />

Stá 6 direito, 7 não digo que não, que afinal ele ao menos s<strong>em</strong>pre se<br />

l<strong>em</strong>brou de acudir a uma criatura de Deus; mas, lá quanto à hombra<strong>da</strong>, 8<br />

hum!... n<strong>em</strong> por isso!<br />

Olhe, mais, então, merecia o Juquinha Guerra.<br />

Eu conto, conto; vá assuntando.<br />

O Juca Guerra foi muito meu conhecido, desde guri. Já morreu,<br />

coitado, e morreu numa tristura...<br />

Veja vancê!... Um gaúcho <strong>da</strong>queles..., 10 destorcido, bonzão!...<br />

Aquilo, era pra 11 ficar na coxilha, picado de espa<strong>da</strong>, rachado de<br />

lançaços, mas não pra 12 morrer como foi, aperreado <strong>em</strong> cima <strong>da</strong> cama, o<br />

corpo besuntado de unturas e a garganta entupi<strong>da</strong> 13 de melados e pozinhos<br />

dos doutores!...<br />

3<br />

9


Pobre de mim!... stou 14 vendo que hei de morrer do mesmo jeito,<br />

como um pisa-flores <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, como bicho de galinheiro!...<br />

Moreno, alto, delgado; 15 olho preto; nariz de hom<strong>em</strong> man<strong>da</strong>dor;<br />

mãos e pés de moça; tinha força como quatro; bailarino, alegre, campeiraço;<br />

e o coração devia ser-lhe mui grande, devia encher-lhe o peito todo,<br />

de bom que era.<br />

Dessa feita houve rodeio na estância do Pavão; a estância era na<br />

costa de dois rios; e t<strong>em</strong> muitos albardões com mato, que eram a querência<br />

<strong>da</strong> ga<strong>da</strong>ria chucra. 17 Mas, pra 18 chegar lá, havia que atravessar um santafezal<br />

cerrado, tiririca, atoleiros, juncais; um banhado brabo; 19 lá dentro é<br />

que a ga<strong>da</strong>ria alça<strong>da</strong> vivia mistura<strong>da</strong> com os galheiros e os capinchos e os<br />

ratões.<br />

A gritos, a tiro e a cachorro tinha-se conseguido tocar como umas<br />

pra 20 mais de três mil reses.<br />

N<strong>em</strong> lhe falo nas cousas diverti<strong>da</strong>s do serviço, como ro<strong>da</strong><strong>da</strong>s, algum<br />

matungo riscado de aspa de brasino, as compadra<strong>da</strong>s <strong>da</strong> peona<strong>da</strong> e<br />

outras que s<strong>em</strong>pre alegram um campeiro.<br />

E mal que cerrou o rodeio a gente mudou de cavalos, churrasqueou<br />

<strong>em</strong> pé mesmo e começou logo a apartar a toura<strong>da</strong>. E que torunas! Ca<strong>da</strong><br />

bicho pesado, criado na pura grama vermelha, ligeiros como gatos, e malevas,<br />

de acompanhar<strong>em</strong> o laço, quase cabresteando!...<br />

Pois, foi um destes, que um moço chamado Tandão <strong>Lopes</strong> laçou...<br />

e laçou mal, de meia espal<strong>da</strong>: o touro bufou, e depois do tirão já se lhe<br />

veio <strong>em</strong> cima...<br />

O moço estava mui b<strong>em</strong> montado; o pingo era de patas; porém apenas<br />

rocim, mui cosquilhoso; e os arreios já vinham mal e com o tirão a<br />

cincha correu to<strong>da</strong> pras 22 virilhas...<br />

Virge Mãe!... 23<br />

O bagual agachou-se a velhaquear, e, pra 24 peior 25 ain<strong>da</strong>, <strong>em</strong> volta,<br />

enre<strong>da</strong>ndo-se no laço, frouxo; 26 o moço – ginetaço! – fechou as chilenas e<br />

meneou o rebenque, de chapéu do lado, numa pabulag<strong>em</strong> t<strong>em</strong>erária, de<br />

guasca que só a Deus, respeita! 27<br />

Foi nesse apuro, que o touro carregou, e veio, de língua de fora,<br />

berrando surdo... e entreparado, baixou a cabeça, retesando o cogote largo<br />

e ia a levantar a guampa<strong>da</strong>, quando, meio maneado no laço e ladeado por<br />

um sofrenaço de pulso 28 o bagual planchou-se... e o moço Tandão ficou<br />

16<br />

21


também aí caído, preso pela perna, exposto, entregue... O touro recuou<br />

um pouco, escarvou, meio <strong>da</strong>nçando, retesou os lagartos, numa fúria de<br />

força e fez a menção...<br />

A campeira<strong>da</strong> olhava, para<strong>da</strong>, vendo a desgraça vir...<br />

Mas nisto, justo, justo quando o touro, balanceando no ar, pareceu<br />

<strong>da</strong>r o pulo <strong>da</strong> carga, o Juca Guerra esteve-lhe <strong>em</strong> cima! Em cima!<br />

Foi como o trovão e logo o raio... pois como um raio o gaúcho carregou<br />

e atirou a montaria contra o touro!<br />

Oigalé pecha<strong>da</strong> 29 macota!<br />

O tostado arrebentou as duas paletas na encontra<strong>da</strong> e caiu, sacudindo<br />

a cola, os olhos chispeando, de beiço enrugado e subido, de dor...<br />

Caiu, mas o touro, também.<br />

E tanto que atirou o seu pingaço, de pecha<strong>da</strong> feita – e certo de o<br />

escangalhar – contra o touro, escorregou pela garupa, e enquanto os dois<br />

brutos se batiam e enovelavam, o Juca já aliviava o companheiro, que<br />

apenas livre, pulou para o cupinudo, ain<strong>da</strong> meio azonzado do trompaço,<br />

manoteou-lhe nas aspas e torceu-lhe a cabeça, que cravou no chão, num<br />

pronto! O bicho pataleava, puxando a respiração forte, que ondulava, no<br />

arredon<strong>da</strong>do <strong>da</strong> barriga.<br />

Aqueles, sim, eram dois torenas que se valiam!<br />

Só então é que os vedores acudiram... mas foi para agüentar<strong>em</strong><br />

uma tirana de sotretas! comedores de carne! maulas! 30 vasilhas! capões!...<br />

e outros rebencaços de língua, desses que a gente esparrama quando está<br />

de marca quente...<br />

E no meio <strong>da</strong>quele bolo de campeiros, sobre as macegas pisa<strong>da</strong>s,<br />

ao lado do touro arquejando e do cavalo g<strong>em</strong>ente, os dois homens abraçaram-se<br />

e beijaram-se, chamando-se irmãos; e assim juntos chegaram-se<br />

para o cavalo tostado, quebrado dos encontros... fizeram-lhe umas festas<br />

de puro mimo e tristeza... e enquanto o Juca, com a sua própria mão sangrava<br />

o seu confiança, 32 o moço Tandão abraçava a cabeça inteligente do<br />

flete... Correu o sangue, <strong>em</strong> borbotão; e quando, esvaído, o tostado afroxou<br />

a força e a respiração e o garbo, e foi descaindo e ia a tombar, 33 de<br />

vez, os dois amigos, lado a lado, ampararam-lhe a cabeça... e devagarzinho,<br />

como se 34 fosse uma criança dormilona, deitaram-na bran<strong>da</strong>mente<br />

sobre os capins – pro 35 caso – sobre um pé de malmequer branco, ramalhudo,<br />

que florejava ali, como num propósito.<br />

31<br />

36


Coitado do flete!<br />

Mas como deixá-lo viver, assim, arrebentado? Para vê-lo morrer<br />

de dores, inchado, com fome e com sede... e antes disso ser<strong>em</strong>-lhe os olhos<br />

vazados pelos urubus... e os buracos deles, ain<strong>da</strong> vivos, virar<strong>em</strong> tocas<br />

<strong>da</strong>s varejas?!... Não! Um gaúcho de alma não abandona assim o seu cavalo:<br />

antes mata-o, como amigo que não <strong>em</strong>porcalha o seu amigo!<br />

ra?<br />

Vancê assuntou b<strong>em</strong> no conto?<br />

Ora, agora, vamos ao fim; o que merecia , de prêmio, o Juca Guer-<br />

Qual o mais valente? o tal fulano, <strong>da</strong> beira <strong>da</strong> praia, ou este <strong>da</strong> beira...<br />

<strong>da</strong> morte certa?<br />

37


Artigos de fé do gaúcho 1<br />

–––––––– 2<br />

Muita gente an<strong>da</strong> no mundo s<strong>em</strong> saber pra 4 quê: viv<strong>em</strong>, porque vê<strong>em</strong><br />

5 os outros viver<strong>em</strong>.<br />

Alguns aprend<strong>em</strong> à sua custa, quase s<strong>em</strong>pre já tarde pra 6 um proveito<br />

melhor. Eu sou desses.<br />

Pra 7 não suceder assim a vancê, eu vou ensinar-lhe o que os doutores<br />

nunca hão de ensinar-lhe por mais que queim<strong>em</strong> as pestanas deletreando<br />

nos seus livrões. Vancê note na sua livreta:<br />

8<br />

1º Não cries guacho 9 ; mas cria perto do teu olhar o potrilho pro 10 teu<br />

an<strong>da</strong>r.<br />

2º Doma tu mesmo o teu bagual: não enfrenes na lua nova, que fica babão;<br />

não arrendes na minguante, que te sai lerdo.<br />

3º Não guasqueies 11 s<strong>em</strong> precisão n<strong>em</strong> grites s<strong>em</strong> ocasião; e s<strong>em</strong>pre que<br />

puderes, passa-lhe a mão.<br />

4º Se és 12 maturrango e chasque de namorado, mancas o teu cavalo, mas<br />

chegas; se fores 13 chasque de vi<strong>da</strong> ou morte, matas o teu cavalo e<br />

talvez não chegues.<br />

5º A maior pressa é a que se faz de vagar. 14<br />

6º Se tens 15 viaja<strong>da</strong> larga não faças pular o teu cavalo; sai ao tranco até o<br />

primeiro suor secar; depois ao trote até o segundo; dá-lhe um alce<br />

s<strong>em</strong> terceiro e terás cavalo para o dia inteiro.<br />

3


7º Se queres 16 engor<strong>da</strong>r o teu cavalo tira-lhe um pêlo <strong>da</strong> testa to<strong>da</strong>s as<br />

vezes <strong>da</strong> ração.<br />

8º Fala ao teu cavalo como se fosse 17 a gente. 18<br />

9º Não te fies <strong>em</strong> tobiano, n<strong>em</strong> bragado, n<strong>em</strong> melado; pra 19 água, tordilho;<br />

pra 20 muito, tapado; mas pra 21 tudo, tostado.<br />

10º Se topares 22 um an<strong>da</strong>nte com os arreios às costas, pergunta-lhe – onde<br />

ficou o baio?...<br />

11º Mulher, arma e cavalo do an<strong>da</strong>r, na<strong>da</strong> de <strong>em</strong>prestar.<br />

12º Mulher, de bom gênio; faca, de bom corte; cavalo, de boa boca; onça,<br />

de bom peso.<br />

13º Mulher sardenta e cavalo passarinheiro... alerta, companheiro!...<br />

14º Se correres 23 egua<strong>da</strong> chucra, 24 grita; mas com os homens, apresilha a<br />

língua.<br />

15º Quando dois brincam de mão, o diabo cospe vermelho...<br />

16º Cavalo de olho de porco, cachorro calado e hom<strong>em</strong> de fala fina...<br />

s<strong>em</strong>pre de relancina...<br />

17º Não te apotres, que domadores não faltam...<br />

18º Na guerra não há esse que nunca ouviu as esporas cantar<strong>em</strong> de grilo...<br />

19º Teima, mas não apostes; recebe, e depois assenta; assenta, e depois<br />

paga... 25<br />

20º Quando stiveres 26 pra 27 <strong>em</strong>brabecer, conta três vezes os botões de tua<br />

roupa...<br />

21º Quando falares com hom<strong>em</strong>, olha-lhe para os olhos; quando falares<br />

com mulher, olha-lhe para a boca... e saberás como te haver...<br />

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .<br />

Que foi?... 29<br />

Ah! quebrou-se a ponta do lápis?<br />

Amanhã vancê escreve o resto: olhe que dá para encher um par de<br />

tarcas!...<br />

28


Batendo orelha!... 1<br />

––––– 2<br />

Nasceu o potrilho, lindo e gordo, filho de égua boa leiteira, crioula<br />

de campo de lei.<br />

* 4<br />

O guri era mimoso, dormindo <strong>em</strong> cama limpa e comendo <strong>em</strong> mesa<br />

farta.<br />

–– 5<br />

Já de sobreano 6 fizeram uma recorri<strong>da</strong> grande, sentaram-lhe uns<br />

pealos, 7 apertaram-no pelas orelhas 8 e pela cola e a marca <strong>em</strong> brasa chioulhe<br />

na picanha.<br />

* 9<br />

An<strong>da</strong>ria nos oito anos quando meteram-lhe nas mãos a cartilha <strong>da</strong>s<br />

letras e o mestre-régio 10 começou a inchar-lhe 11 as unhas, de palmatoa<strong>da</strong>s.<br />

* 12<br />

O potrilho couceou na marca. O menino meteu fios de cabelo nos<br />

olhos <strong>da</strong> santa-luzia... 13<br />

* 14<br />

Em potranco acompanhava a mana<strong>da</strong> e retouçava com as potrancas,<br />

s<strong>em</strong> mal nenhum.<br />

* 15<br />

O rapazinho rezava o terço e brincava de esconder com as meninas...<br />

o que custou-lhe uma sapeca de vara de marmeleiro.<br />

3


* 16<br />

Quando o potrilho foi-se enfeitando para repontar, o pastor velho<br />

meteu-lhe os cascos e mais, a dente, botou-o campo fora: fosse rufiar lá<br />

longe!...<br />

* 17<br />

O gurizote, já taludo, quis passar-se de mais com uma prima...; o<br />

tio deu-lhe um chá-de-casca-de-vaca, 18 que saiu cinza e fedeu a rato!...<br />

* 19<br />

O potro an<strong>da</strong>va corrido, farejando... Mas n<strong>em</strong> uma petiça arrastadeira<br />

de água 20 e porongu<strong>da</strong>, achou, para consolo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Té que o caparam.<br />

* 21<br />

O mocito, que era pimpão, foi man<strong>da</strong>do encorporar. 22 Sentaram-lhe<br />

a far<strong>da</strong> no lombo.<br />

* 23<br />

Mal sarou <strong>da</strong> feri<strong>da</strong> o potro foi pegado: corcoveou, berrou; quebraram-lhe<br />

a boca a tirões; dividiram-lhe a barriga com a cincha; quis planchar-se,<br />

e lanharam-lhe as virilhas a rebenque e as paletas a roseta de espora.<br />

24 Tiraram-lhe as cócegas... 25 Ficou redomão.<br />

* 26<br />

O recruta marcou passo, horas, pra 27 aprender; entrou na forma;<br />

agüentou descomposturas; 28 deu umas bofeta<strong>da</strong>s num cabo e gurniu solitária<br />

e guar<strong>da</strong> d<strong>obra</strong><strong>da</strong>, por quinze dias. Cortaram-lhe o cabelo à escovinha<br />

e ficou apontado. Era o faxineiro do esquadrão.<br />

* 29<br />

Houve uns apuros de precisão... 30 O rocim foi vendido <strong>em</strong> lote, para<br />

o regimento.<br />

* 31<br />

Tocou a reunir: era uma ord<strong>em</strong> de marcha, urgente. 32 O faxineiro<br />

recebeu lança, espadão e tercerola.<br />

* 33<br />

Quando a cavalha<strong>da</strong> chegou, 34 o primeiro serviço dos sargentos foi<br />

assinalar os novos; era simples e ligeiro: um talho de faca na orelha, rachando-a.<br />

Bagual, assim, virava reiúno.<br />

* 35


Qundo tocou o bota-sela, o faxineiro estava na porteira, de buçal<br />

na mão, esperando a vez. O laçador laçava, chamava a praça e esta enfrenava...<br />

e ca<strong>da</strong> um roía o osso que lhe tocava.<br />

– Chê! Enfrena!...<br />

Foi o reiúno que caiu pro36 recruta.<br />

––<br />

Aí se juntaram os dois parecidos, o bicho e o hom<strong>em</strong>. E a sorte levou<br />

os dois, de parceria, pelo t<strong>em</strong>po adiante. Curtiam fome, juntos, ca<strong>da</strong><br />

um, do seu comer. E sede. E frio. E cansaço, mataduras e manqueiras;<br />

cheiro de pólvora e respingos de sangue, barulho de músicas, tronar grosso<br />

e pipocar, nas guerrilhas.<br />

* 37<br />

E de saúde, assim, assim... Um teve sarnag<strong>em</strong>, o outro apanhou<br />

muquiranas; se um38 batia a mutuca, o outro coçava39 as pulgas.<br />

Quando, no verão, o reiúno pelechava, também o faxineiro deixava<br />

de sofrer dores de dentes.<br />

* 40<br />

Passados anos41 o mancarrão já n<strong>em</strong> engor<strong>da</strong>va mais, e todo ovado<br />

estava. O fiscal do regimento, s<strong>em</strong> uma palavra de – Deus te pague –<br />

mandou vendê-lo <strong>em</strong> leilão, como um cisco <strong>da</strong> estrebaria. 42 Um carroceiro<br />

comprou-o, por patacão e meio, com as ferraduras.<br />

* 43<br />

Passados anos44 o praça aquele teve baixa, por incapaz, com o bofe<br />

<strong>em</strong> petição de miséria; e saiu <strong>da</strong> fileira s<strong>em</strong> mais família e s<strong>em</strong> saber ofício.<br />

45 Saiu com cinco patacas, de resto do soldo, e s<strong>em</strong> o capote. Foi então<br />

ser carregador de esquina.<br />

* 46<br />

O reiúno apanhava do carroceiro, como boi ladrão!<br />

* 47<br />

O carregador levava dos fregueses descompostura, de criar bicho!<br />

* 48<br />

O reiúno deu <strong>em</strong> <strong>em</strong>pacar.<br />

O carregador pegou a traguear. 50<br />

* 49<br />

* 51


O carroceiro um dia, furioso, meteu o cabo do relho entre as orelhs<br />

do <strong>em</strong>pacador e... matou-o.<br />

* 52<br />

A polícia uma noite prendeu o borrachão, que resistiu, entonado;<br />

apanhou estouros... e foi para o hospital, golfando sangue; e esticou o<br />

molambo.<br />

––<br />

O engraçado é que há gente que se julga muito superior aos reiúnos;<br />

e sabe lá quanto reiúno inveja a sorte <strong>da</strong> gente...


O “Meninho” do presépio<br />

1 *<br />

–––––––– 2<br />

Olhe! Aí está um peão do major Vieira; jogo o pescoço se ele 4 não<br />

lhe traz envite para 5 ir lá, hoje, festejar o Natal, na estância! 6<br />

Eu sei!... Aquele é gauchão buenaço!<br />

Eu, se fosse 7 o patrãozinho, ia. Ia, só pra 8 ver o que é uma gente de<br />

devoção.<br />

E é que o seu major Vieira não era assim, não; pro 9 caso que ele,<br />

<strong>em</strong> moço, até que era um virado, <strong>da</strong> gente se benzer três vezes!<br />

O major Vieira quando era cadete haraganeava muito pela rancheria<br />

dos postos.<br />

A estância era grande, e entre agregados e posteiros havia um povaréu;<br />

o patrão velho, pai dele, era mui esmoleiro e não gostava de, perto<br />

dele, ver ninguém com cara de fome.<br />

Mas o diabo era que o que o velho fazia com as mãos o cadete<br />

desmanchava coos 10 pés...<br />

* Este conto foi publicado pela primeira vez a 25/12/1913, pelo jornal A Opinião Pública, de<br />

Pelotas (anunciado como pertencente a uma 2 ª série de Contos Gauchescos). Só apareceu <strong>em</strong><br />

livro <strong>em</strong> 1949, <strong>em</strong> apêndice de Contos Gauchescos e Len<strong>da</strong>s do Sul, de Aurélio Buarque de<br />

Hollan<strong>da</strong>. Em 1988, foi posto entre os “contos avulsos” <strong>da</strong> edição crítica de Ligia Chiappini (ao<br />

lado de fragmentos de texto e de uma história que, comprova<strong>da</strong>mente, não fora escrita por JS-<br />

LN). Aqui, compl<strong>em</strong>enta os Contos Gauchescos.<br />

3


O mocito era abusador, e mais duma feita saiu ventando de certos<br />

ranchos <strong>da</strong>queles pagos... Sim, que um pai cria uma filha não é pra 11 carniça<br />

de gaudérios!... Por isso é que já os antigos inventaram o casamento.<br />

A divisa <strong>da</strong> estância, no fundo, faz uma quebra<strong>da</strong> forte, assim como<br />

o cotovelo do meu braço; nesta ponta aqui, onde está a minha mão,<br />

fica o lagoão 13 <strong>da</strong>s Lontras, e mais pra 14 cá, passa 15 a estra<strong>da</strong> real.<br />

Em certos t<strong>em</strong>pos 16 a ga<strong>da</strong>ria pegava a costear o lagoão 17 e an<strong>da</strong>ndo,<br />

an<strong>da</strong>ndo, entrava na estra<strong>da</strong> e... adeus!<br />

Assim perdeu-se numa primavera uma ponta de novilhos que se<br />

evaporaram como sereno...<br />

Foi um estafaréu, na estância, por causa disto; o patrão velho ficou<br />

buzina com o capataz, que relaxou os repontes, e quase mandou lonquear<br />

um certo Miguelão, que passava todo o santo dia lagarteando na reversa 18<br />

do rancho , e de noite nunca parava <strong>em</strong> casa...<br />

Parece que eu estou lhe enre<strong>da</strong>ndo o rastro, mas não stou, 19 não;<br />

vancê escuite.<br />

É que este Miguelão não era trigo limpo; 20 e tinha uma filha que<br />

era uma criatura boa como uma santa, morocha lin<strong>da</strong> como uma princesa.<br />

E vai, o desgraçado obrigou a menina a casar-se com um sujeito s<strong>em</strong> eira<br />

n<strong>em</strong> beira 21 e que diziam a boca pequena 22 que era parceiro nas velhaca<strong>da</strong>s<br />

do Miguelão.<br />

Era um mais que mouro 23 e meio corcun<strong>da</strong> 24 e tinha um lanho grande<br />

entre a orelha e a nuca; e mal encarado, era.<br />

Amigo! A quincha dos ranchos esconde tanta cousa como os telhados<br />

do ricos!...<br />

Marido e mulher <strong>da</strong>vam assim uma idéia esquisita: vancê já reparou<br />

quando abre um cacho de flor num jerivá velho, de casca esbranquiça<strong>da</strong>,<br />

cheio de talos secos pendurados e um que outro pendão esfiapado,<br />

que já deu coquinhos?...<br />

O jerivá é uma arve 25 tristonha, mas quando bota um cacho de flor<br />

fica alegre, de enfeita<strong>da</strong>. Aquele pendão amarelo, lá <strong>em</strong> cima, chama os<br />

olhos <strong>da</strong> gente, parece um favo de cera, de tão limpo e dourado; chama as<br />

man<strong>da</strong>çaias, os passarinhos, os mangangás, as joaninhas; dá cheiro e 26 é<br />

doce; é uma boniteza pra todos os viventes.<br />

Assim era aquele casal: ele como o jerivá velho, ela como um cacho<br />

de flor... 27<br />

Ela chamava-se nhã Velin<strong>da</strong>; 28 e chorava muito, às vezes. 29<br />

12


Por quê? 30 Qu<strong>em</strong> sabe lá....<br />

Depois <strong>da</strong>quele sumiço dos novilhos 31 o cadete Vieira passou a recorrer<br />

o campo por aquelas ban<strong>da</strong>s; a bolear avestruzes por aquelas várzeas;<br />

a correr veados por aqueles meios; a caçar mulitas naquela costa, 32 e<br />

até numa noite de breu arranjou uma perdi<strong>da</strong> – magine! 33 mais vaqueano<br />

que sorro! –, 34 mas perdi<strong>da</strong> foi que soube rumbear sobre o rancho do Miguelão...<br />

Cousas de rapaz; que a nhã Velin<strong>da</strong>, essa, era de confiança.<br />

Lá porque era moça, quase uma criança perto do marido, lá por isso,<br />

não era motivo pra 36 qualquer um chegar-se de buçalete <strong>em</strong> mão, como<br />

se faz pra 37 uma redomona, pra 38 amanosear-lhe 39 desde a tábua do pescoço<br />

até as ancas...<br />

Mas o cadete gostava <strong>da</strong> moça numa paixão de ver<strong>da</strong>de, diferente<br />

de quantas calaveira<strong>da</strong>s estava avezado a fazer.<br />

Era uma adoração, quase um medo de ofender a queri<strong>da</strong> do seu coração;<br />

perdia a voz pra 40 falar com ela, enre<strong>da</strong>va-se nas esporas, perdia o<br />

entono de todo o seu jeito, e todo ele vivia só nos olhos quando atentava<br />

na formosura de seu rosto.<br />

Entr<strong>em</strong>entes foi acabando o ano e já era sobre o Natal.<br />

E vai a família do patrão velho armou um presépio na sala grande<br />

<strong>da</strong> estância; e ele mesmo mandou avisar o vizindário todo que a sia dona 41<br />

convi<strong>da</strong>va para se cantar um terço de festa, na noite santa.<br />

E veio tudo, velha<strong>da</strong> e crianças, moça<strong>da</strong>, namorados, e até alguns<br />

an<strong>da</strong>ntes, que estavam de pouso, ficaram, todos 42 pra 43 louvar a Deus na<br />

noite mais pequena do ano.<br />

O cadete an<strong>da</strong>va no meio do povo caçoísta, <strong>da</strong>nçarino e pisaflores,<br />

45 mas no que chegou a gente do Miguelão já se foi pondo como um<br />

céu amontoado, <strong>em</strong>burrado, de <strong>da</strong>r nas vistas.<br />

Houve jantarola e doçaria, na sombra <strong>da</strong>s figueiras.<br />

Escureceu; a sala grande estava fecha<strong>da</strong> e as moças <strong>da</strong> estância lá<br />

dentro, preparando as luminárias; enquanto o velho e a sia dona 46 pauteavam<br />

com a gente sisu<strong>da</strong>, <strong>em</strong>baixo <strong>da</strong> rama<strong>da</strong> grande, <strong>em</strong> frente <strong>da</strong> casa, a<br />

guriza<strong>da</strong> corria na pega dos vaga-lumes, 47 ro<strong>da</strong>ndo por cima dos cachorros<br />

ou fazendo provas de burlantins, nos cabeçalhos <strong>da</strong>s carretas; do galpão<br />

vinha o zunzum 48 <strong>da</strong> peona<strong>da</strong>; na sombra do campo não se via na<strong>da</strong>, mas<br />

35<br />

44


de lá vinham relinchos e mugidos, CRACRÁS 49 <strong>da</strong>s corujas 50 e UAIS!... 51 dos<br />

graxains... 52<br />

E no ar, como uma cerração que não se via, an<strong>da</strong>va o fartum dos<br />

churrascos.<br />

Por um segredo do destino a sia dona 53 mandou o cadete ver se as 54<br />

luminárias estavam ou não prendi<strong>da</strong>s e vai, o moço, no entrar a porta,<br />

topou de cara a cara com a nhã Velin<strong>da</strong> que saía, justamente para vir<br />

chamar os donos <strong>da</strong> casa; toparam-se as criaturas e miraram-se, num clarão<br />

que só eles viram...<br />

As mãos se encontraram... e num redepente, 55 num silêncio, num<br />

tirão <strong>da</strong>s suas almas, na pressa e no lusco-fusco, perto <strong>da</strong> gentama, numa<br />

relancina de corisco, as duas bocas famintas se encontraram 56 s<strong>em</strong> mermar<br />

um no 57 (...) e um beijo 58 um beijo, que jurou pelos dois, para to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>,<br />

um beijo só derrubou to<strong>da</strong>s as negaças, como uma represa de açude aluí<strong>da</strong><br />

é derruba<strong>da</strong> por uma muita desci<strong>da</strong> de águas...<br />

Vê vancê, 59 a gente sabe falar, dizer muitas enredices adocica<strong>da</strong>s,<br />

mas às vezes 60 a palavra n<strong>em</strong> dá pra 61 partir... e caladito no mais, um simples<br />

beijo, largado de tronco, chega ao laço, folheirito, de rebenque alçado!<br />

Uma bicota, é perigo de respeito!... 62<br />

Pobres! Nesse passo cruzou na mesma porta o Miguelão e bispou<br />

o caso 63 e decerto já lo foi xeretear ao genro 64 e atossicá-lo, mussitando-lhe<br />

mal<strong>da</strong>des...<br />

Mas logo escancaram 66 as janelas e a clari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sala alumiou o<br />

terreiro; foi um alarido de contentamento, todos se ajuntaram e a sia dona<br />

67 puxando a ponta 68 entrou, para principiar o rosário. E aquele bandão<br />

de gente entrou e foi-se acomo<strong>da</strong>ndo, olhando com ar de riso pasmado,<br />

to<strong>da</strong> só dizendo: o presépio! o presépio! o presépio! 69<br />

Fazia a modo uma rama<strong>da</strong> no alto de uns cerritos, e fingindo grotas<br />

e sangões e umas reboleiras; havia esparramados uns ALIMAIS 71 entre<br />

boizinhos e ovelhas, 72 de brinquedo e outros enfeites, 73 e mais uns figurões<br />

mui calamistrados, de coroa, que pareciam reis e pro 74 caso um, que era<br />

negro retinto, era o mais <strong>em</strong>pacholado. E perto destes, sobre a ponta do<br />

presépio 75 estava então a Senhora Virg<strong>em</strong> e o Senhor São José, e entre<br />

eles, acamado numas palhinhas de milhã e uns musgos e umas penugens 76<br />

estava o Menininho Jesus, ruivito e rosado, nuzinho <strong>em</strong> pêlo, pro 77 caso<br />

70<br />

65


como uma criancinha que não t<strong>em</strong> pecado por mostrar as vergoinhas do<br />

seu corpinho de inocente.<br />

Todos se ajoelharam de ro<strong>da</strong>, mas foi nessa ponta do presépio que<br />

a nhã Velin<strong>da</strong> ajoelhou-se; e no costado dela, como um precipício ou como<br />

um encorrentado, 78 aí amoitou-se o cadete Vieira, talvez até para <strong>da</strong>r<br />

ao seu peito o resguardo <strong>da</strong>lgum perigo... 79<br />

Não lhe conto na<strong>da</strong>!... Quando pegou a cantoria do rosário e no<br />

cantante <strong>da</strong> reza a gente se foi enquarteando e <strong>em</strong>parelhando as vozes,<br />

que era uma boniteza de se ouvir, 81 por aí os olhos dela estavam como<br />

amarrados no presépio, mas olhos dele estavam no rosto dela como se aí 82<br />

estivesse o próprio presépio, com suas velinhas e prateados e bichinhos<br />

mimosos...; era até um pecado do inferno, aquela maneira de adorar gente,<br />

ali assim, nas barbas dos santos e <strong>da</strong> Senhora Virg<strong>em</strong> e do seu Menino!...<br />

Mas porém, lá <strong>da</strong> porta, outro olhar 84 raiado de sangue 85 estava<br />

vendo tudo; por certo que alguma loucura de cabeça atacou aquele cristão<br />

velho, porque, num soflagrante, s<strong>em</strong> um – Deus te salve! – 86 o aflito aquele<br />

meneou 87 os passos, derrubando gente, e logo o facão relampeou na<br />

direitura do coração de nhã Velin<strong>da</strong>!...<br />

Houve um grito de espanto 88 pro mode 89 o desaforo do desatinado.<br />

– Jesus!..., 90 foi o grito de to<strong>da</strong>s as bocas. 91<br />

Ah! patrãozinho!... Olhe que às vezes, na luz <strong>da</strong>s velas bentas 92 se<br />

passam cousas de deixar um golpeado qualquer mais aplastado 93 que mancarrão<br />

reiúno <strong>em</strong> mãos de recruta...<br />

Quando a ponta do ferro matador estava a uma 95 mão travessa... 96 a<br />

quatro 97 dedos só <strong>da</strong> carne macia, aí 98 – credo! louvado seja Deus! –, 99 aí 100<br />

rolou <strong>da</strong> sua caminha de milhã... rolou e caiu no boleado do seio <strong>da</strong> moça,<br />

na canhadita dos dois, caiu no regaço de nhã Velin<strong>da</strong> o Menino Jesus,<br />

como uma defesa... e aí 101 no regaço delicado ficou, como um dono na sua<br />

casa...<br />

E o facão matador sentou, tironeando... depois recuando, MINUIN-<br />

DO, 102 caiu mermado, malseguro 103 na mão s<strong>em</strong> força, do braço s<strong>em</strong> vontade,<br />

e o cuerudo aquele deu costas e se botou porta fora, e o Miguelão com<br />

ele, boquejando.<br />

80<br />

83<br />

94


T<strong>em</strong>pos depois se soube que lo mataram num entrevero, numa bochincha<strong>da</strong><br />

de carreiras.<br />

Jerivá torto não dá ripa!...<br />

Os velhos lá ouviram do cadete e de nhã 105 Velin<strong>da</strong> o que havia, e<br />

lá arrumaram as cousas.<br />

O que le conto é que o seu major Vieira, ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> cadete, se casou<br />

com a nhã Velin<strong>da</strong> e que aquele tal Menininho Jesus ain<strong>da</strong> hoje é o figurão<br />

do oratório e é o mesmíssimo do presépio que, há mais de cinqüenta<br />

anos, se arma s<strong>em</strong>pre na estância, no festo do Natal.<br />

Não lhe parece que houve um milagre? Claro! Foi por causa do<br />

Menininho que... Se o 107 diabinho é tão milagroso!... 108<br />

104<br />

106<br />

109<br />

110


Contos Gauchescos<br />

1<br />

P: / S: <br />

2<br />

S, A: não inclu<strong>em</strong> este subtítulo<br />

3<br />

S: deixa cerca de cinco linhas entre e , no terço<br />

intermediário <strong>da</strong> página / A: põe a dedicatória <strong>em</strong> itálico e deixa uma linha entre e , na metade superior <strong>da</strong> página / L: deixa uma linha<br />

entre e , no centro <strong>da</strong> página<br />

4<br />

A: (com capitular ) /L: (com minúsculas)<br />

5<br />

P, S, A, L: <strong>em</strong>pregam travessões na abertura dos cinco parágrafos que compõ<strong>em</strong> o<br />

trecho a seguir (C: não inclui tais sinais, porque qu<strong>em</strong> fala é s<strong>em</strong>pre JSLN; contudo,<br />

os travessões – surgidos <strong>em</strong> P – repet<strong>em</strong>-se nas edições seguintes)<br />

6<br />

C, S: P: <br />

7<br />

C: <br />

8<br />

C: <br />

9<br />

C: <br />

10<br />

C, P, S: <br />

11<br />

C: <br />

12<br />

C: <br />

13<br />

C: / P, S: / A, L: <br />

14<br />

C: <br />

15<br />

P, S, A, L: abr<strong>em</strong> o parágrafo seguinte com travessão<br />

16<br />

S: <br />

17<br />

A: (como JSLN – <strong>em</strong> C e P – prefiro a forma , s<strong>em</strong> o tr<strong>em</strong>a,<br />

por melhor corresponder à proncúncia predominante na campanha gaúcha)<br />

18<br />

C, P, S: <br />

19<br />

C: <br />

20<br />

P, S, A, L: abr<strong>em</strong> o parágrafo seguinte com travessão<br />

21<br />

P: <br />

22<br />

P, S, A, L: abr<strong>em</strong> o parágrafo seguinte com travessão<br />

23<br />

P, S, A, L: abr<strong>em</strong> o parágrafo seguinte com travessão<br />

24<br />

S: <br />

25<br />

C: / P, S, A, L: <br />

26 C:


27<br />

C: (s<strong>em</strong> o travessão posterior, usado por JSLN de forma muito pessoal,<br />

como no final deste trecho, para indicar quebra na narrativa)<br />

28<br />

P, S: <br />

29<br />

P, S, L: <br />

30<br />

S: / A: <br />

(este trecho – < do trotar sobre tantíssimos rumos:> não está <strong>em</strong> Educação Cívica, ao<br />

contrário do que se afirma <strong>em</strong> L)<br />

31<br />

P: / S: <br />

32<br />

S: não inclui esta linha <strong>em</strong> branco<br />

Trezentas onças<br />

1<br />

J, A, L: TREZENTAS ONÇAS (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P, inclusive este)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4<br />

S: <br />

5<br />

J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo (o <strong>em</strong>prego, injustificado,<br />

por não haver mu<strong>da</strong>nça de interlocutor, é repetido <strong>em</strong> três parágrafos seguintes – o<br />

3º, o 8º e o 12º – e <strong>em</strong> outros dois, mais adiante)<br />

6<br />

J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

7 J, P: <br />

8 J, P, S: <br />

9 J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

10 J, P, S: <br />

11 S: <br />

12 J: <br />

13 J: /A, L: ( constitui fórmula de<br />

sau<strong>da</strong>ção usa<strong>da</strong> à tarde e que não pode ser confundi<strong>da</strong> com o substantivo correspondente,<br />

apesar dos dicionários)<br />

14 J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

15 J, P, S, A, L: (a ausência <strong>da</strong> vírgula mu<strong>da</strong> o sentido <strong>da</strong> interroga-<br />

ção)<br />

16 J: <br />

17 J: / S: <br />

18 J: <br />

19 S: <br />

20 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

21 A: <br />

22 S: <br />

23 J: <br />

24 J, P, S: / A, L: ( é palavra composta,<br />

registra<strong>da</strong> pelo VABL e que se escreve com hífen)


25 J, P, S, L: <br />

26 J, P: / S: <br />

27 S: <br />

28 J, P, S: <br />

29 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

30 P: <br />

31 S: <br />

32 S: <br />

33 S: <br />

34 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

35 J, P, S, A, L: não abr<strong>em</strong> parágrafo: o trecho seguinte é separado deste apenas por um<br />

travessão (que usam, igualmente de modo injustificado, <strong>em</strong> , a<br />

seguir)<br />

36 S: <br />

37 A: <br />

38 J, P, A, L: <br />

39 J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

40 P: alinha esta quadrinha pela marg<strong>em</strong> esquer<strong>da</strong> / A: centraliza a quadrinha na página,<br />

usando tipos menores / L: usa tipos menores (JSLN divulgou estes versos, originalmente,<br />

<strong>em</strong> 1910, incluindo-os na terceira parte, denomina<strong>da</strong> “Quadras – Descantes e<br />

desafios”, <strong>da</strong> 1ª edição do seu Cancioneiro Guasca, publica<strong>da</strong> pela Livraria Universal,<br />

<strong>em</strong> Pelotas)<br />

41 P, L: <br />

42 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

43 P, S: <br />

44 S: <br />

45 S: <br />

46 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

47 J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

48 J, P, S: <br />

49 J, P, S, A, L: não abr<strong>em</strong> parágrafo: o trecho seguinte é separado deste apenas por um<br />

travessão<br />

50 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

51 J, P, S, L: <br />

52 J, P, L: <br />

53 S: <br />

54 J, P, S, A, L: <br />

55 J, P, A, L: <br />

56 J: <br />

57 J, P, S, A, L: (aqui não se trata de acuar – perseguir, intimi<strong>da</strong>r; mas de<br />

acoar – latir)<br />

58 A, L: (< boa noite!> constitui fórmula de sau<strong>da</strong>ção usa<strong>da</strong> à noite; e que<br />

não pode ser confundi<strong>da</strong> com o substantivo correspondente, apesar dos dicionários)<br />

59 S:


60<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

61<br />

J: / P, S: <br />

62<br />

A, L: <br />

63<br />

S: <br />

64<br />

S: <br />

65<br />

A: <br />

66<br />

J: inclui aqui (junto à marg<strong>em</strong> direita); e (duas linhas abaixo)<br />

O negro Bonifácio<br />

1 R, A, L: (com maiúsculas)<br />

2 P, A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 R, P, S, L: <br />

5 R: <br />

6 R: <br />

7 R, P, S: <br />

8 R: <br />

9 R: <br />

10 L: deixa a seguir uma linha <strong>em</strong> branco<br />

11 R: dispõe (com travessão) à esquer<strong>da</strong>, abrindo parágrafo / S, A: deslocam<br />

para o meio <strong>da</strong> linha<br />

12 R: <br />

13 R: <br />

14 R: <br />

15 R, P, S: <br />

16 R: <br />

17 R: <br />

18 R: centraliza na página e reproduz <strong>em</strong> caracteres menores estes versos (que pertenc<strong>em</strong><br />

ao po<strong>em</strong>a Gaucha<strong>da</strong>s, de Mucio Teixeira), além de pôr entre aspas / P: também centraliza os versos, mas só põe <strong>em</strong> caracteres<br />

reduzidos (s<strong>em</strong> o fechamento<br />

de aspas) / S: usa a redução de caracteres nos dois versos e<br />

, alinhando-os na marg<strong>em</strong> esquer<strong>da</strong> /<br />

L: não reproduz os versos <strong>em</strong> caracteres reduzidos<br />

19 R: <br />

20 R: <br />

21 R: / S: <br />

22 R: não abre parágrafo a seguir<br />

23 R:


24<br />

R: / S: <br />

25<br />

R: <br />

26<br />

S: <br />

27<br />

S, A: <br />

28<br />

R: <br />

29<br />

R: <br />

30<br />

R, P, S: / A, L: <br />

31<br />

R: <br />

32<br />

R: <br />

33<br />

R: <br />

34<br />

S: <br />

35<br />

R: <br />

36<br />

R: <br />

37<br />

P, S, A, L: <br />

38<br />

R: <br />

39<br />

R: <br />

40<br />

R: (não inclui <br />

41<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

42<br />

R: <br />

43<br />

R: < Porque a sia Firmina n<strong>em</strong> parecia que era mãe de filha já moça; ain<strong>da</strong> fazia / S:<br />

<br />

44<br />

R: não abre parágrafo a seguir<br />

45<br />

R: não abre parágrafo a seguir<br />

46<br />

R: dispõe (com travessão) à esquer<strong>da</strong>, abrindo parágrafo / S, A: deslocam<br />

para o meio <strong>da</strong> linha<br />

47<br />

R: <br />

48<br />

S: <br />

49<br />

R: <br />

50<br />

R: <br />

51<br />

S: <br />

52<br />

R: <br />

53<br />

R, S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

54 R: <br />

55 R, S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

56 R: <br />

57 R: não abre parágrafo; n<strong>em</strong> aqui , de onde segue com , n<strong>em</strong><br />

depois desta frase.<br />

58 R: <br />

59 R: não abre parágrafo a seguir<br />

60 R, S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

61 P: <br />

62 R:


63 R: <br />

64 R, P, S, L: <br />

65 R: não inclui este período<br />

66 R> não abre parágrafo a seguir<br />

67 R, S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

68 R: dispõe (com travessão) à esquer<strong>da</strong>, abrindo parágrafo / S, A: deslocam<br />

para o meio <strong>da</strong> linha<br />

69 R: <br />

70 R: <br />

71 R: <br />

72 R: <br />

73 R: <br />

74 R: não inclui o trecho < mas tudo se foi arreglando <strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, porque ninguém foi<br />

capaz de apontar mau jogo.><br />

75 R: não abre parágrafo a seguir<br />

76 R: <br />

77 R: <br />

78 R: abre parágrafo com o trecho a seguir<br />

79 R, P, S, A, L: (com o significado de bodega, ven<strong>da</strong>, pequena casa de comércio,<br />

prefiro pois se trata de vocábulo corrente no linguajar gaúcho sulrio-grandense;<br />

e, como tal, preferível à forma do espanhol platino que lhe deu orig<strong>em</strong><br />

– boliche, registra<strong>da</strong> <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as edições anteriores – mas mais usa<strong>da</strong> no Rio<br />

Grande do Sul para designar o jogo de bolão)<br />

80 R> <br />

81 R: / S: <br />

82 R: <br />

83 R, P, S: <br />

84 R: <br />

85 R: não <strong>em</strong>prega , substituindo-o por <br />

86 R: / P: / S: (com o espaço <strong>da</strong><br />

vírgula <strong>em</strong> branco, indicando provável defeito de impressão)<br />

87 P, S, A, L: (prefiro tal como aparece na<br />

primeira publicação deste conto, <strong>em</strong> R; já as edições críticas e subseqüentes repetiram<br />

a forma <strong>da</strong> 1ªed., de 1912 – de muito menos impacto e de menor significado<br />

para a compreensão <strong>da</strong>s relações entre Tudinha e Bonifácio)<br />

88 R: <br />

89 R: <br />

90 R: <br />

91 R: <br />

92 R: <br />

93 R, A: Virge’ nossa senhora! / P, S: Virge’nossa senhora! / L: <br />

94 R: não abre parágrafo com o trecho seguinte<br />

95 R, S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco


96 R: deixa <strong>em</strong> branco a linha seguinte<br />

97 R: <br />

98 R: <br />

99 R: <br />

100 R, P, S: <br />

101 S: <br />

102 R: / S: <br />

103 R: dispõe < E fechou o salseiro!> à esquer<strong>da</strong> (a seguir, não abre parágrafo) / S, A:<br />

deslocam para o meio <strong>da</strong> linha<br />

104 R: <br />

105 R: <br />

106 S, A: deslocam para o meio <strong>da</strong> linha / R: não inclui esta linha n<strong>em</strong> o texto<br />

correspondente<br />

107 R: <br />

108 R: não abre parágrafo com o trecho seguinte<br />

109 R: <br />

110 R: <br />

111 R, S: <br />

112 R: <br />

113 R: / S: <br />

114 P, S, A, L: (contudo é a forma que deve ser preferi<strong>da</strong> para<br />

esta palavra, ao se fazer a atualização ortográfica, pois corresponde fielmente à pronúncia<br />

ditonga<strong>da</strong> dominante no linguajar gaúcho sul-rio-grandense, além de constar<br />

do VABL<br />

115 R: <br />

116 R: não abre parágrafo com o trecho seguinte<br />

117 R: <br />

118 R: (não inclui o trecho seguinte <br />

119 R: abre parágrafo a seguir, introduzindo o período <br />

que não foi reproduzido nas edições posteriores<br />

120 S: <br />

121 R, P: <br />

122 R: dá a este período outra re<strong>da</strong>ção (< Daí, talvez fosse <strong>obra</strong> d’alguma oração forte,<br />

que ele tinha, cozi<strong>da</strong> no corpo, talvez fosse!...> )<br />

123 R: <br />

124 R: <br />

125 S: <br />

126 S: <br />

127 R: <br />

128 R: <br />

129 R: <br />

130 R, S, A: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

131 R:


132 R, S: <br />

133 R, P, S: <br />

134 R: <br />

135 R: / P, S: <br />

136 R, S: <br />

137 R: <br />

138 R: <br />

139 R: <br />

140 R: <br />

141 R: <br />

142 R: <br />

143 R: / S: <br />

144 R: <br />

145 R: <br />

146 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

147 R: não inclui este parágrafo<br />

148 A: (não se trata de atualização ortográfica, mas de manter o arcaísmo <br />

utilizado por JSLN)<br />

149 R: neste parágrafo registra <br />

150 R: / S: <br />

151 R: <br />

152 R: <br />

153 S: <br />

154 R: / A: <br />

155 R: <br />

156 R: <br />

157 R: não deixa <strong>em</strong> branco esta linha<br />

158 R: <br />

159 R: (não inclui o trecho final do parágrafo)<br />

160 R: <br />

161 R, P, S, A, L: ( é palavra composta, registra<strong>da</strong> pelo<br />

VABL e que se escreve com hífen)<br />

162 R: <br />

163 S: não deixa <strong>em</strong> branco esta linha / R: inclui aqui uma linha pontilha<strong>da</strong><br />

164 R: (<strong>em</strong> razão do significado, talvez pudesse ser e não <br />

como exige a atualização ortográfica) / P, S: / A: <br />

/ L: (Prefiro . JSLN usou este verbo tanto aqui, com o<br />

sentido figurado de possuir sexualmente, como <strong>em</strong> No manantial, <strong>em</strong> sentido literal.<br />

Contudo, a grafia <strong>da</strong> 1ª ed., de 1912 foi corrigi<strong>da</strong> por Aurélio Buarque de Holan<strong>da</strong><br />

(1949) para amanonsiar; e por Lígia Chiappini (1988) para amanonsear. Já no conto<br />

O “Menininho” do Presépio, de 1913, a forma adota<strong>da</strong> foi outra: amanusear (manti<strong>da</strong><br />

por Aurélio e repeti<strong>da</strong> <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as edições posteriores, inclusive a de Lígia, <strong>em</strong>bo-


a não dicionariza<strong>da</strong>). Entendendo que, ao <strong>em</strong>pregar a forma amanusear, JSLN fazia<br />

uma melhor aproximação com manosear e amanosear, do espanhol platino, como já<br />

tentara com amanonciar e amanoncear, adoto aqui e <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a presente edição o platinismo<br />

amanosear, registrado no Dicionário Cont<strong>em</strong>porâneo <strong>da</strong> Língua Portuguesa<br />

Cal<strong>da</strong>s Aulete (e descarto amanusear, cuja forma encobre a orig<strong>em</strong> platina <strong>da</strong> palavra)<br />

165<br />

R: neste parágrafo, registra <br />

166<br />

R: dispõe (com travessão) à esquer<strong>da</strong>, abrindo parágrafo / S, A: deslocam<br />

para o meio <strong>da</strong> linha<br />

167<br />

R: / P: <br />

168<br />

R: abre um parágrafo para ca<strong>da</strong> uma dessas interrogações<br />

169<br />

R: registra, no lugar do parágrafo seguinte: < Que, de qualquer jeito ela vingou-se;<br />

mas... o resto que ela fez no corpo do negro?... Por quê?...><br />

170<br />

A: <br />

171<br />

R: dispõe < Ah! mulheres!> à esquer<strong>da</strong> (a seguir, não abre parágrafo)<br />

172<br />

R: aqui, não dá por terminado o conto, pois abre a seguir um penúltimo parágrafo<br />

(); e conclui a história<br />

com uma pergunta ()<br />

173<br />

R: alinha aqui (à esquer<strong>da</strong>) e (à direita)<br />

No manantial<br />

1<br />

A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P, inclusive este)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> <br />

4<br />

S: <br />

5<br />

J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

6<br />

J, P, S: <br />

7 J, P, S: <br />

8 A: <br />

9 S: <br />

10 J, P, S, L: <br />

11 A: <br />

12 A:


13 S: <br />

14 J, P, S, A, L: (trata-se de , latir, ladrar; e não de , inti-<br />

mi<strong>da</strong>r, perseguir)<br />

15 J, S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

16 A: <br />

17 J, P, S: / A, L: (ao contrário do que se convencionou<br />

e está nos dicionários, <strong>em</strong> não se registra a contração aa<br />

que caracteriza a crase; é que, referindo-se a modo de dizer e de falar, esta expressão<br />

não autoriza o <strong>em</strong>prego de precedi<strong>da</strong> de artigo definido)<br />

18 J, P, S: <br />

19 A, L: <br />

20 J: / P, S: / A: / L: <br />

(adoto aqui , do platinismo amanosear – fazer carinhos com as mãos,<br />

tirando as manhas dos potros <strong>em</strong> doma – registrado no DCLP)<br />

21 S, A: <br />

22 J, P, S, L: <br />

23 P, S, L: <br />

24 J, P, S, L: <br />

25 J, P, S: <br />

26 J, P, S, L: <br />

27 J, P, S, L: <br />

28 J, P, S, L: <br />

29 S: <br />

30 P, S: <br />

31 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

32 J, P, S: <br />

33 S, A: <br />

34 J, S: / P: <br />

35 J, P, S: <br />

36 J, P, L: <br />

37 S: <br />

38 J: <br />

39 S: <br />

40 S: <br />

41 S: <br />

42 A: deixa a seguir uma linha <strong>em</strong> branco<br />

43 J, P, S, L: <br />

44 J: <br />

45 S: <br />

46 S: (a vírgula, depois de , aparece originalmente<br />

<strong>em</strong> J; e só não se vê <strong>em</strong> P devido a evidente defeito de impressão)<br />

47 S: <br />

48 S: <br />

49 S:


50 A: <br />

51 S: <br />

52 A: <br />

53 S, A: <br />

54 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

55 L: <br />

56 J, P, S, L: <br />

57 A: reproduz estes versos <strong>em</strong> caracteres menores / A, L: centralizam os versos na pá-<br />

gina<br />

58 S: <br />

59 P: / S: (J registra , o que<br />

revela que houve erro tipográfico <strong>em</strong> P e erro de revisão <strong>em</strong> S)<br />

60 J, P, S, A, L: (certamente devido a inadvertido erro tipográfico<br />

ou de revisão, desde J e P, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as edições anteriores repete-se <strong>em</strong> vez de – de tacar os dentes, expressão típica do<br />

linguajar gaúcho sul-rio-grandense)<br />

61 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

62 J: <br />

63 J, P, S, A, L: (contudo é a forma que deve ser preferi<strong>da</strong><br />

para esta palavra ao se fazer a atualização ortográfica, pois corresponde fielmente à<br />

pronúncia ditonga<strong>da</strong> dominante no linguajar gaúcho sul-rio-grandense, além de constar<br />

do VABL)<br />

64 J, P, S: <br />

65 L: <br />

66 P, S: (aqui não se trata do s.f. registrado no VABL,<br />

mas <strong>da</strong> loc. adv. , a significar encosta abaixo)<br />

67 J, P, S: <br />

68 J, P, S, A, L: (aqui não se registra a contração aa que caracteriza<br />

a crase; é que esta expressão – que poderia ser, também tocado a relho e espora<br />

– não autoriza o <strong>em</strong>prego de precedi<strong>da</strong> de artigo definido).<br />

69 S: <br />

70 J, P, S: (trata-se de , <strong>da</strong>no, malefício; e não de ,algazarra,<br />

conflito, confusão)<br />

71 J, P, S, L: <br />

72 J, P, S: <br />

73 S, A, L: <br />

74 A: <br />

75 S: <br />

76 J, P, L: <br />

77 S: <br />

78 J: / P, S: <br />

79 J, P, S: <br />

80 P: (parece que aqui há defeito de impressão)<br />

81 S:


82 S: <br />

83 J, S, A, L: <br />

84 J: <br />

85 J: encerra aqui este trecho; e abre parágrafo a seguir, começando com


122 J: abre parágrafo aqui, depois de e continua na linha seguinte com<br />

<br />

123 A: <br />

124 A: <br />

125 S: <br />

126 J, P, S, L: <br />

127 J, P, S, A, L: (a atualização ortográfica do conhecido<br />

platinismo não passa pelo <strong>em</strong>prego de apóstrofo)<br />

128 S: <br />

129 S: <br />

130 S: <br />

131 S: <br />

132 J: <br />

133 J, P, S: <br />

134 S: <br />

135 J: <br />

136 J: <br />

137 A, L: <br />

138 A, L: <br />

139 S: <br />

140 J, P, S: (, <strong>da</strong>nos, malefícios; e não ,algazarras,<br />

conflitos, confusões)<br />

141 S: <br />

142 J: termina aqui o conto, pois não inclui o trecho seguinte<br />

143 J: deixa a próxima linha <strong>em</strong> branco, registrando a seguir o nome do autor (junto à marg<strong>em</strong> direita); e, duas linhas abaixo, a indicação do livro<br />

<strong>em</strong> que o conto seria publicado (alinhado à esquer<strong>da</strong>)<br />

144 P, S: <br />

145 A: reproduz estes versos <strong>em</strong> caracteres menores / A, L: centralizam os versos na pá-<br />

gina<br />

146 P, S, A, L: iniciam o parágrafo seguinte com travessão, como se houvesse mu<strong>da</strong>nça<br />

de interlocutor<br />

147 A: <br />

148 A: reproduz estes versos <strong>em</strong> caracteres menores / A, L: centralizam os versos na pá-<br />

gina<br />

149 S: centraliza o pontilhado seguinte a partir <strong>da</strong> abertura de parágrafo<br />

O mate do <strong>João</strong> Cardoso<br />

1 J: / P: , alinhando à esquer<strong>da</strong>; e <br />

na linha seguinte, à direita / A, L: (com<br />

maiúsculas)


2 P, A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 J: usa aqui uma linha to<strong>da</strong> pontilha<strong>da</strong>, imediatamente antes <strong>da</strong> abertura do texto / A:<br />

inicia o texto com capitular <strong>em</strong> < – A LA> (com maiúsculas)<br />

4 L: <br />

5 J, P, S, A: abr<strong>em</strong> este parágrafo com travessão<br />

6 S: <br />

7 J, P, S: <br />

8 S: <br />

9 S: <br />

10 J: <br />

11<br />

J, P, S, L: <br />

12<br />

S: <br />

13<br />

S: <br />

14<br />

S:<br />

15<br />

J: <br />

16<br />

S: <br />

17<br />

J, S: <br />

18<br />

S: <br />

19<br />

J, P, S: <br />

20<br />

J, P, L: abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir com <br />

21<br />

J, P, S, L: <br />

22<br />

S: <br />

23<br />

J, P, S, L: <br />

24<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

25<br />

J, P, S: <br />

26<br />

S: <br />

27<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

28<br />

J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco, registrando na seguinte o nome do autor (junto à marg<strong>em</strong> direita); e, duas linhas abaixo, a indicação do livro<br />

<strong>em</strong> que o conto seria publicado (alinha<strong>da</strong> à esquer<strong>da</strong>)<br />

Deve um quieijo!...<br />

1<br />

A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P, inclusive este)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <br />

4<br />

P, S: <br />

5<br />

P, S: <br />

6<br />

S: <br />

7<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

8<br />

0S:


9 A, L: (aqui, qu<strong>em</strong> fala deseja a todos! – utilizando<br />

uma fórmula de sau<strong>da</strong>ção que não pode ser confundi<strong>da</strong> com o substantivo correspondente,<br />

apesar dos dicionários)<br />

10 S, A: deslocam para o meio <strong>da</strong> linha<br />

11 P: / S: (talvez houvesse um ponto-e-vírgula, no original,<br />

<strong>em</strong> vez de dois-pontos; contudo, a repetição deste sinal de P <strong>em</strong> S, mesmo injustifica<strong>da</strong>,<br />

desautoriza aqui o <strong>em</strong>prego <strong>da</strong>quele)<br />

12 P, S: / A, L: <br />

13 P, S: (trata-se de – sim, <strong>em</strong> espanhol)<br />

14 S: <br />

15 P, S, A, L: (<strong>em</strong> Chasque do Imperador JSLN não usa o apóstrofo)<br />

16 S: <br />

17 S: <br />

18 S: <br />

19 S: <br />

20 A, L: (aqui, não se trata de <strong>em</strong>pregar por convite; mas sim ,<br />

do espanhol, por significar oferecimento de uma coisa e, como tal, melhor corresponder<br />

ao sentido e armação do texto)<br />

21 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

22 P, S, L: <br />

23 P, S: (trata-se de – buenaço, <strong>em</strong> espanhol)<br />

24 P, S: (trata-se de – mais, <strong>em</strong> espanhol)<br />

25 P, S, A, L: (a atualização ortográfica não autoriza o <strong>em</strong>prego do apóstrofo<br />

<strong>em</strong> , porque a supressão de uma letra, aqui, não se deve a exigência<br />

<strong>da</strong> metrificação)<br />

26 S: <br />

27<br />

S: <br />

28<br />

P, S: <br />

29<br />

A: (trata-se de – mas, do espanhol)<br />

30<br />

L: <br />

31<br />

P, S, A: (trata-se <strong>da</strong> primeira sílaba de – mas, do espanhol)<br />

32 A: <br />

33 S: <br />

34 P, S: / A, L: (prefiro a forma ,<br />

porque aqui a atualização ortográfica não autoriza o <strong>em</strong>prego do apóstrofo – já que a<br />

supressão <strong>da</strong> vogal <strong>da</strong> preposição de não ocorreria <strong>em</strong> palavra composta e também<br />

não estaria consagra<strong>da</strong> pelo uso)<br />

35 S: <br />

36 P: <br />

37 P, S: <br />

38 P, S: <br />

39 P: / S: / A, L: (aqui há<br />

um equívoco de interpretação quanto ao aparecimento de aspas antes de <strong>em</strong> P<br />

e S, devido a evidente erro de revisão; é mais provável que no texto original constas-


se a conheci<strong>da</strong> expressão arre, maula!, mas na<strong>da</strong> autoriza que se utilize tal expressão<br />

– e muito menos que se imagine tratar-se de corre, maula!, como determina a forma<br />

apostrofa<strong>da</strong> de A e L)<br />

40<br />

S, A: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

41<br />

P, S, L: <br />

42<br />

P: / S: (um provável erro tipográfico no registro <strong>da</strong>s<br />

reticências foi mantido <strong>em</strong> S, mas a disposição <strong>da</strong>s palavras na frase de JSLN não autoriza<br />

aqui o <strong>em</strong>prego de )<br />

O boi velho<br />

1 J, A, L: (com maiúsculas)<br />

2 A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P, inclusive este)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

5 J, P, S, L: <br />

6 S: <br />

7 J, P: <br />

8 A, L: <br />

9 S: <br />

10 S: <br />

11 S: < e as crianças apareciam><br />

12 A, L: <br />

13 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

14 J, P: <br />

15 S, P, L: <br />

16 S: <br />

17 A, L: <br />

18 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

19 J, P: <br />

20 J: < soltava um mugido mui à toa, mas era s<strong>em</strong>pre um mugido...<br />

21 J, P, S: <br />

22 A, L: <br />

23 S: <br />

24 J, P: <br />

25 J: <br />

26 S, A, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco (que está <strong>em</strong> J e não foi observa<strong>da</strong> <strong>em</strong> P,<br />

porque perdeu-se ali entre o último parágrafo <strong>da</strong> página 78 e o primeiro <strong>da</strong> página 79)<br />

27 A, L: <br />

28 J, P, S: <br />

29 S: Não deixa esta linha <strong>em</strong> branco


30<br />

J, P, S, L: <br />

31<br />

J: <br />

32<br />

A: <br />

33<br />

S: <br />

34<br />

J: não abre parágrafo a seguir<br />

35<br />

J: <br />

36<br />

S, A: <br />

37<br />

S: < – “Tome, tabiúna! Nó té!... Nô fá bila, tabiúna!...”><br />

38<br />

J: deixa uma linha <strong>em</strong> branco a seguir<br />

39<br />

J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

40<br />

S: inclui este trecho no parágrafo anterior<br />

41<br />

J: registra nesta linha o nome do autor (junto à marg<strong>em</strong><br />

direita); e, na linha seguinte, faz a indicação do livro <strong>em</strong> que o conto seria publicado<br />

(alinha<strong>da</strong> à esquer<strong>da</strong>)<br />

Correr egua<strong>da</strong><br />

1 J, A, L: (com maiúsculas)<br />

2 A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P, inclusive este)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 J, P, S, L: <br />

5 J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

6 S: <br />

7 J, P: <br />

8 A, L: <br />

9 S: <br />

10 J, P, S: <br />

11 J, P, S, L: <br />

12 S: <br />

13 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> A esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> pági-<br />

na)<br />

14 J, P, S: <br />

15 J, P, S: / L: <br />

16 S, A, L: Não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

17 J, P, A, L: (neste caso,<br />

a vírgula <strong>em</strong> – que aparece <strong>em</strong> S – é indispensável<br />

18 S, L: ( está mal impresso <strong>em</strong> P, parecendo )<br />

19 J, P, S, L: <br />

20 S: <br />

21 J, P, S: <br />

22 J, P, S:


23 J, P, S, A, L: (trata-se de situação <strong>em</strong> que, ao uso de apóstrofo torna-se<br />

preferível o <strong>em</strong>prego de , corruptela usual de , do verbo<br />

compreender)<br />

24 J, P, S, A, L: (contra todos os registros, deve ser preferido , por definir<br />

e acentuar o caráter interrogativo <strong>da</strong> frase)<br />

25 J, P, S: <br />

26 J, P, S: <br />

27 J: / P: / S: (esta anotação destina-se apenas a oferecer<br />

ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de encontra<strong>da</strong> para uniformizar a grafia <strong>da</strong> palavra <br />

desde J e P – ambas de 1912, estando vivo JSLN; até S (de 1926)<br />

28 J, P: <br />

29 J: deixa <strong>em</strong> branco uma linha entre este parágrafo e o seguinte<br />

30 S: <br />

31 S: <br />

32 S: <br />

33 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco (na ver<strong>da</strong>de, não deixa linhas <strong>em</strong> branco <strong>em</strong> todo o<br />

texto do conto; mas, aqui, a linha que estaria <strong>em</strong> branco coincide com o fim <strong>da</strong> página)<br />

34 S: <br />

35 S: <br />

36 J: <br />

37 S, A, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

38 S, A, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

39 S: <br />

40 J, P, S: <br />

41 J, P, S, A: / L: (ia-se s<strong>em</strong>pre , diz o<br />

texto, indicando que se ia a galope acelerado)<br />

42 J: / P: / S: (ver nota 27)<br />

43 J, P, S: <br />

44 J, P, S, A, L: (contra todos os registros, devidos provavelmente a continua<strong>da</strong><br />

reprodução de erro tipográfico, deve ser preferi<strong>da</strong> , do espanhol<br />

platino – como teria escrito JSLN – para poder significar esforço, diligência, ação própria<br />

de um hom<strong>em</strong> valente e esforçado; e não outra palavra espanhola, nombra<strong>da</strong>, de<br />

sentido adjetivo <strong>completa</strong>mente diverso e inaplicável ao texto. O curioso, a respeito,<br />

é que até mesmo Aurélio Buarque de Hollan<strong>da</strong> tenha adotado a forma nombra<strong>da</strong>,<br />

apesar de incluí-la <strong>em</strong> seu “Glossário”, admitindo que se trata de palavra originária<br />

“do esp. hombra<strong>da</strong>, certamente”)<br />

45 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

46 J: <br />

47 S: <br />

48 J, P: / S: <br />

49 J: <br />

50 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

51 J, P, S:


52<br />

J: <br />

53<br />

J: <br />

54<br />

J: P, S: <br />

55<br />

J: / P: / S: (ver notas 27 e 42)<br />

56<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

57<br />

S: <br />

58<br />

J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco; e, na seguinte, alinhando pela direita, indica – o nome do autor do conto)<br />

59<br />

J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco; e, na seguinte, alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia – o livro <strong>em</strong> que se incluirá o conto)<br />

Chasque do Imperador<br />

1<br />

P: (<strong>em</strong> uma linha, alinhando pela esquer<strong>da</strong>); (na linha<br />

seguinte, alinhando pela direita) /A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P, inclusive este)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4<br />

J: <br />

5<br />

J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

6 J, P, S: <br />

7 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

8 L, A: <br />

9 P: A esquer<strong>da</strong> dele,><br />

10 S: <br />

11 J, P, S: <br />

12 J, P, S: <br />

13 S: <br />

14 A, L: <br />

15 S: (observar que, neste mesmo conto e <strong>em</strong> outros textos dos Contos<br />

Gauchescos JSLN usa também a abreviatura )<br />

16 S: <br />

17 P, S, L: <br />

18 P, L: / S: <br />

19 S: <br />

20 J, P, S: <br />

21 S, A: não abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir<br />

22 S: <br />

23 S, A: não abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir<br />

24 J: <br />

25 S:


26 P: <br />

27 S, A: <br />

28 S: <br />

29 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> L esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> página)<br />

30 J, P, S: <br />

31 J, P, S: <br />

32 S: <br />

33 J, P: <br />

34 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

35 J, P, S: <br />

36 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

37 A: não abre parágrafo a seguir<br />

38 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

39 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> A esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> pági-<br />

na)<br />

40 S: <br />

41 J, P, S: <br />

42 S: <br />

43 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> L esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> página)<br />

44 P, S, L, A: (J registra ; tal como J, P, S, A, L <strong>em</strong>pregam<br />

, parágrafos atrás)<br />

45 P, S: não abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir<br />

46 S: <br />

47 S, A: <br />

48 J, P, S: <br />

49 P: <br />

50 S: <br />

51 J, P: <br />

52 J, P, S: / L: <br />

53 P, L: <br />

54 J, P, S: <br />

55 S: <br />

56 S: <br />

57 J, P, S: <br />

58 J, P, S: <br />

59 A: não abre parágrafo a seguir<br />

60 J, P, S: <br />

61 A: não abre parágrafo a seguir<br />

62 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

63 S: <br />

64 S: <br />

65 J, P, S, L: <br />

66 S: <br />

67 J. P, S, L:


68<br />

A: não abre parágrafo a seguir<br />

69<br />

P: <br />

70<br />

S: não inclui esta linha pontilha<strong>da</strong><br />

71<br />

J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco; e, na seguinte, alinhando pela direita, indica – o nome do autor do conto)<br />

72<br />

J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco; e, na seguinte, alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia – o livro <strong>em</strong> que se incluirá o conto)<br />

Os cabelos <strong>da</strong> china<br />

1 J, A, L: (com maiúsculas)<br />

2 P, A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 J: dividiu este parágrafo <strong>em</strong> dois, abrindo o primeiro com ; o<br />

segundo com ; e utilizando travessão na abertura do primeiro<br />

5 J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

6 J, P, S: <br />

7 S, A: <br />

8 S, A: <br />

9 S, A: <br />

10 J: / A, L: (prefiro a forma utiliza<strong>da</strong> por JSLN <strong>em</strong> P e reproduzi<strong>da</strong> <strong>em</strong><br />

S: o platinismo , que corresponde à pronúncia campeira de recado – apero,<br />

arreio de montaria – como registra Tito Saubidet <strong>em</strong> seu Pequeño Vocabulario y Refranero<br />

Criollo, Buenos Aires, Sainte Claire Editora S.R.L., 1988)<br />

11 L: deixa a seguir uma linha <strong>em</strong> branco<br />

12 J, P, S. A, L: (na atualização ortográfica, é preciso reconhecer e respeitar<br />

as limitações existentes no <strong>em</strong>prego do apóstrofo)<br />

13 J, P, S: <br />

14 S: <br />

15 P: <br />

16 J, P, S: o rabo de tatu,><br />

17 S: <br />

18 J, P, S: <br />

19 A e L mantiveram aqui a forma de interrogação direta , também<br />

encontra<strong>da</strong> <strong>em</strong> J, P e S, mas que é incompatível com o sentido e a organização do período<br />

20 J, P, S: <br />

21 J, P, S: <br />

22 Em to<strong>da</strong>s as edições anteriores, aqui aparece a expressão , que contraria<br />

e compromete o sentido do texto. Substituo-a por , certo de que na primeira<br />

publicação terá havido uma simples troca de letras (t por e), na composição tipográfica,<br />

provocando um erro grosseiro, até agora mantido por inadvertência


23 S: <br />

24 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

25 S: <br />

26 A, L: <br />

27 A: <br />

28 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

29 J, P, S: / A, L: (na atualização ortográfica é preciso respeitar as<br />

limitações ao <strong>em</strong>prego do apóstrofo – não autorizado, no caso)<br />

30 A:<br />

31 J, P, S: <br />

32 J, P, S: <br />

33 J, P, S, L: <br />

34 P: <br />

35 J, P, S, L: <br />

36 S: <br />

37 J., P, S, A, L: não abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir, pois mantém aqui a expressão <br />

– <strong>em</strong>bora esta não integre o trecho respectivo, que dá seqüência à fala de Picumã,<br />

assinala<strong>da</strong> com travessão (observar que JSLN, nesta parte do texto, desde , alterna ca<strong>da</strong> fala de Picumã com a indicação de ações correspondentes,<br />

no parágrafo imediato)<br />

38 S, A, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

39 J, P, S: <br />

40 J, P, S: <br />

41 J, P, S, L: <br />

42 J, P, S: <br />

43 S: <br />

44 J, A, L: <br />

45 J, P, S: <br />

46 P, S: <br />

47 J, P, S: <br />

48 J, P, S: <br />

49 P: <br />

50 S: <br />

51 S: <br />

52 J, P, S: <br />

53 L: , como <strong>em</strong> J, P e S<br />

54 J, P: <br />

55 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

56 J, P, S, L: <br />

57 J, P, S: <br />

58 A, L: (a forma , que consta de J, P e S, está registra<strong>da</strong> no Vocabulário<br />

Ortográfico <strong>da</strong> Língua Portuguesa, <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia Brasileira de Letras)<br />

59 J, P, S: <br />

60 J, P, S:


61 J, P, S: <br />

62 J,P, S, L: <br />

63 S: <br />

64 A: <br />

65 S: <br />

66 S: <br />

67 A, L: <br />

68 J, P, S, L: <br />

69 J, P, S, L: abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir, quebrando a seqüência <strong>da</strong> fala <strong>da</strong> sentinela<br />

70 J, P, S: <br />

71 J, P, S: <br />

72 J, P, S, A, L: <br />

73 A, L: <br />

74 J, P, L: <br />

75 P, S: <br />

76 J, P, S, L: abr<strong>em</strong> parágrafo a seguir, quebrando a seqüência <strong>da</strong> fala <strong>da</strong> sentinela<br />

77 S: <br />

78 J, P, S, A, L: <br />

79 S: <br />

80 P, S: <br />

81 J, P, S: <br />

82 S: <br />

83 S: <br />

84 J, P, S: <br />

85 S: <br />

86 S: <br />

87 J, P, S, L: <br />

88 S: <br />

89 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

90 J, P, S: <br />

91 J, P, S, L: <br />

92 S: <br />

93 J, P, S: <br />

94 P, S: / A, L: (observar que não se trata de , ; mas de<br />

, <strong>da</strong> locução , significando – que aparece <strong>em</strong> J<br />

95 J: <br />

96 S, A, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

97 J, P: <br />

98 S: <br />

99 J, P: / S: <br />

100 S: <br />

101 J: abre novo parágrafo a seguir<br />

102 J, P, S: <br />

103 J, P, S:


104<br />

P, S: <br />

105<br />

P, S: <br />

106<br />

J, P, S: <br />

107<br />

J, P, S: <br />

108<br />

J, P, S: <br />

109<br />

A, L: <br />

110<br />

J, P: / S: <br />

111<br />

S, A: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

112<br />

A: <br />

113<br />

J, P, S: p’ra><br />

114<br />

S: <br />

115<br />

J, P, S, A, L: (na atualização ortográfica, não foi utiliza<strong>da</strong> a forma <br />

– que prefiro, por ser característica do falar campeiro e estar registra<strong>da</strong> no<br />

Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong> Língua Portuguesa)<br />

116<br />

S: <br />

117 A, L: <br />

118 S: <br />

119 S: <br />

120 J, P, S: <br />

121 P, S: <br />

122 J, P, S: <br />

123 J, P, A, L: / S: <br />

124 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

125 S: <br />

126 S: <br />

127 S: <br />

128 S: < noite><br />

129 P: <br />

130 P, S: <br />

131 J, P, S: <br />

132 J, P, S, L: <br />

133 P: <br />

134 J, P, S: <br />

135 J, P, S: <br />

136 S: <br />

137 J: <br />

138 J: alinhando pela direita, indica aqui – o nome do autor do<br />

conto<br />

139<br />

J: alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia aqui – o livro <strong>em</strong><br />

que se incluirá o conto<br />

Melancia – Coco Verde


1 P: (<strong>em</strong> uma linha, alinhando pela esquer<strong>da</strong>); (na linha<br />

seguinte, alinhando pela direita) /A: (com maiúsculas)<br />

/ L:


37<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

38<br />

J, P, S: <br />

39<br />

S: <br />

40<br />

J: <br />

41<br />

P: <br />

42<br />

J, P, S: <br />

43<br />

S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

44<br />

J, P, S, A, L: <br />

45<br />

S: <br />

46<br />

J: <br />

47<br />

J: <br />

48<br />

J: abre parágrafo com o trecho seguinte, precedido de travessão<br />

49 S: <br />

50 J, P, S, L: <br />

51 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

52 J, P, S: <br />

53 J: <br />

54 J, P, S, L: <br />

55 J, P, S: <br />

56<br />

J: <br />

57<br />

J: <br />

58<br />

J, P, S, A, L: <br />

59<br />

J, P, S, L: <br />

60<br />

J: / P, S: <br />

61<br />

J: / P, S: <br />

62<br />

J, P, S, L: <br />

63<br />

P: / S: / L: <br />

64<br />

J, P,S: <br />

65<br />

S: <br />

66<br />

J, P, S, A, L:


81 A: não abre parágrafo com o trecho seguinte<br />

82 J: abre parágrafo com o texto a seguir<br />

83 J: / S: <br />

84 J, P, S: <br />

85 J, P, S: <br />

86 J, P, S: <br />

87 S, A: mantém nesta linha o trecho a seguir<br />

88 J, P, S: <br />

89 J, P, S: <br />

90 A, L: (aqui, é preferível manter a forma <strong>em</strong>prega<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1912 – – do que uma palavra estranha ao linguajar campeiro e à reali<strong>da</strong>de pastoril<br />

do Rio Grande do Sul)<br />

91 J, P, S, A, L: (aqui, A e L não perceberam que a forma <strong>em</strong>prega<strong>da</strong> por JSLN<br />

é – porco – platinismo registrado no Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong> Língua<br />

Portuguesa e utilizado justamente na expressão fazer-se de chancho rengo – fingirse;<br />

b<strong>em</strong> como <strong>em</strong> ir-se às chanchas mouras – desaparecer)<br />

92 J, S: / P: <br />

93 J, P, S: <br />

94 J: <br />

95 J, P, S: <br />

96 J, P, S: <br />

97 J: <br />

98 J: <br />

99 J, P, S: <br />

100 A: reproduz esta quadrinha <strong>em</strong> caracteres menores do que os do texto<br />

101 P: <br />

102 S: <br />

103 J: / S: <br />

104 S: <br />

105 J, P, S: <br />

106 A: reproduz esta quadrinha <strong>em</strong> caracteres menores do que os do texto<br />

107 J, P, S: <br />

108 J: / P, S: <br />

109 J, P, S: <br />

110 J, P, S: <br />

111 Aqui, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as edições anteriores há uma linha <strong>em</strong> branco<br />

112 A, L: (aqui, não se trata de , <strong>da</strong>no, prejuízo; mas de ,<br />

conflito, baderna – como <strong>em</strong> J, P, S)<br />

113 J, P, S: <br />

114 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

115 J, P, S: <br />

116 J, P, S: < coco-verde!...> / L: <br />

117 J: alinhando pela direita, indica aqui – o nome do autor do<br />

conto


118<br />

J: alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia aqui – o livro <strong>em</strong> que<br />

se incluirá o conto<br />

O anjo <strong>da</strong> Vitória<br />

1 J, A, L: (com maiúsculas)<br />

2 A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 J, P, S: <br />

5 S, A, L: <br />

6 S: <br />

7 J, P, S, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

8 P, A: / S, L: <br />

9 J, P, S, L: <br />

10 J, P, S, L: <br />

11 J, P, S: <br />

12 S: <br />

13 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

14 P, S, L: <br />

15 S: <br />

16 J, P: <br />

17 J, P, S, L: <br />

18 S: <br />

19 A, L: <br />

20 J, P, S: <br />

21 J, P, S: <br />

22 J, P, S: <br />

23 J, P: <br />

24 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

25 S, L, A: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> P, esta linha coincide com o fim <strong>da</strong><br />

página)<br />

26 J: <br />

27 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

28 J, P, S: <br />

29 S: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

30 S, A, L: (<strong>em</strong> P há o espaço <strong>da</strong> vírgula, registra<strong>da</strong> com clareza <strong>em</strong><br />

J:)<br />

31 A: <br />

32 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

33 J,P, S: <br />

34 S: <br />

35 A, L:


36 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

37 S: <br />

38 A: <br />

39 J, P, S: <br />

40 S: <br />

41 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

42 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

43 J, P, S: <br />

44 S: <br />

45 S: <br />

46 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

47 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

48 S: <br />

49 P: <br />

50 A: <br />

51 S: <br />

52 J, P, S: <br />

53 J: / P: / S: (observar que JSLN, <strong>em</strong> J e P, esteve entre<br />

as formas e – características do desenvolvimento prosódico e<br />

s<strong>em</strong>ântico do vocábulo , mas que hoje tomam significados bastante diferentes)<br />

54 J, P, S: <br />

55 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

56 J: <br />

57 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

58 J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco e, na seguinte, alinhando pela direita, indica – o nome do autor do conto<br />

59 J: deixa esta linha <strong>em</strong> branco e, na seguinte, alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia – o livro <strong>em</strong> que se incluirá o conto<br />

Contrabandista<br />

1<br />

A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4<br />

S: <br />

5<br />

P, L: / S: ( é forma registra<strong>da</strong> no “Vocabulário”<br />

publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul –<br />

nº85, de junho de 1941)<br />

6<br />

P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

7<br />

P: <br />

8<br />

P, S: <br />

9<br />

S:


10<br />

Aqui há uma linha <strong>em</strong> branco (S, contudo, não deixa esta linha <strong>em</strong> branco)<br />

11<br />

P, S, L: <br />

12<br />

P, S: <br />

13<br />

P: <br />

14<br />

P, S: <br />

15<br />

S:<br />

16<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

17<br />

A, L: (atualização ortográfica injustificável, pois a forma ,<br />

utiliza<strong>da</strong> <strong>em</strong> P e S, também está registra<strong>da</strong> no Vocabulário Ortográfico as Língua<br />

Portuguesa)<br />

18<br />

P, S: <br />

19<br />

P, S, L: <br />

20<br />

P: / S: <br />

21<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

22<br />

P, S: / A, L: <br />

23<br />

P, S: <br />

24<br />

Aqui há uma linha <strong>em</strong> branco (S, contudo, não deixa esta linha <strong>em</strong> branco)<br />

25 P, S: <br />

26 P, S: <br />

27 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

28 P, S, L: <br />

29 P, S: <br />

30 P, S: <br />

31 P, S: <br />

32 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

33 P, S: <br />

34 P, S: <br />

35 P, S: <br />

36 P: / S: <br />

37 S: <br />

38 P, A, L: / S: <br />

39 P, S: <br />

40 P, S: <br />

41 S: <br />

42 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> A, esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> página)<br />

43 P: <br />

44 L: (<strong>em</strong> A, está numa linha e segue na outra)<br />

45 S: <br />

46 P, S: <br />

47 P, S, A, L: <br />

48 Aqui há uma linha <strong>em</strong> branco (S, contudo, não deixa esta linha <strong>em</strong> branco)<br />

49 A, L: (, confusões, rolos – como <strong>em</strong> P e S; e não ,<br />

<strong>da</strong>nos, malefícios)<br />

50 S:


51<br />

S: <br />

52<br />

P, S: / A, L: <br />

53<br />

S: <br />

54<br />

A: <br />

55<br />

P: / <br />

56<br />

P, S, L: <br />

57<br />

S: <br />

58<br />

P, S: <br />

59<br />

P, S: <br />

60<br />

P, S: / A, L: (aqui, a atualização ortográfica não autoriza o<br />

<strong>em</strong>prego do substantivo )<br />

61<br />

P, S: / A, L: <br />

62<br />

P, S: / A, L: <br />

63<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> A, esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> página)<br />

64<br />

S: <br />

65<br />

P, S: <br />

66<br />

P, S: <br />

67<br />

P, S: <br />

68<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

69<br />

A, L: (a atualização ortográfica não autoriza o <strong>em</strong>prego desta palavra<br />

composta, não dicionariza<strong>da</strong> e não registra<strong>da</strong> no Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong> Língua<br />

Portuguesa)<br />

70<br />

P: <br />

71<br />

S: <br />

72<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

O jogo do osso<br />

1<br />

A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4<br />

J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

5<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

6<br />

J, P, S: <br />

7<br />

J, P, S, A, L: (aqui impõe-se a forma , bodega, pequena ven<strong>da</strong>;<br />

e não , conflito, rolo – como registram to<strong>da</strong>s as edições, por evidente<br />

erro de revisão de J e P. A referência, no texto, é a uma vendola – pequena ven<strong>da</strong>;<br />

portanto, a um bolicho. Aqui, o que o autor quis dizer e que se pode ler, portanto, é:<br />

“a vendola... ...era um bolicho mui arrebentado.”)<br />

8<br />

J, P, S: <br />

9<br />

J, P, A: / S: <br />

10 J, P, S: <br />

11 S:


12<br />

J, P, S: <br />

13<br />

J, P: / S: <br />

14<br />

P: <br />

15<br />

S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> A, esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> pági-<br />

na)<br />

16 J, P, S,A, L: (aqui, impõe-se a forma , do verbo orear: secou; e não<br />

oriou, como consta de J, P, S – que, por inadvertência, deixou de merecer atualização<br />

ortográfica <strong>em</strong> A e L)<br />

17 J: (alinhando à esquer<strong>da</strong>, na abertura do parágrafo) / S: (no<br />

centro <strong>da</strong> linha) / A: (no centro <strong>da</strong> linha)<br />

18 J, P, S: <br />

19 J, P, S: <br />

20 J, P, S: <br />

21 S: <br />

22 S: <br />

23 J, P, S: <br />

24 J, P, S, L: <br />

25 S: <br />

26 J, P, S: (<strong>em</strong> L, aparece no fim de uma linha e ,<br />

no início <strong>da</strong> linha seguinte)<br />

27 J, P: / L: <br />

28 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

29 S: <br />

30 J, P, R, A, L: (aqui impõe-se a forma , que expressa<br />

desgosto e que corresponde ao platinismo marrajo, matreiro, velhaco – que se aplica<br />

a animal manhoso, difícil de enganar; ou que se usa como interjeição ante coisas,<br />

pessoas ou acontecimentos decepcionantes)<br />

31 J, P, S, L: <br />

32 J, P: <br />

33 S, A: <br />

34 S, A: (esta linha e a anterior aparec<strong>em</strong>, aqui, s<strong>em</strong> ponto final – como<br />

<strong>em</strong> J, P, L; observando-se que, s<strong>em</strong> o ponto, acelera-se a ação narra<strong>da</strong>, marca<strong>da</strong> anteriormente<br />

por reticências e, a seguir, por uma sucessão de exclamações)<br />

35 S: <br />

36 S: <br />

37 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

38 J, P, S, L: <br />

39 J, P, S: <br />

40 S: <br />

41 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

42 S: <br />

43 J, P, S: <br />

44 P: <br />

45 J, P, S:


46 S: <br />

47 J, P, S: <br />

48 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco (aqui, como <strong>em</strong> L, esta linha coincide com o fim <strong>da</strong><br />

página)<br />

49 J, P, S, A, L: <br />

50 S: <br />

51 J, P, S: <br />

52 S, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco (A, esta linha coincide com o fim <strong>da</strong> página)<br />

53 J: alinhando pela direita, indica aqui – o nome do autor do<br />

conto<br />

54 J: alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia aqui – o livro <strong>em</strong><br />

que se incluirá o conto<br />

Duelo de Farrapos<br />

1 A, L: (com maiúsculas)<br />

2 A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 A: <br />

5 S: <br />

6 J, P, S: <br />

7 J, P, S: <br />

8 J, P, S: <br />

9 S: <br />

10 J, P, S: <br />

11 S: <br />

12 J: / P: / S: / L: / A: <br />

13 S: <br />

14 S: <br />

15 S: <br />

16 J, P, S, L: <br />

17 S, A: reproduz<strong>em</strong> esta quadrinha <strong>em</strong> caracteres menores que os do texto<br />

18 S: <br />

19 J, P, S, L: <br />

20 S: <br />

21 S: <br />

22 S: <br />

23 J, P, S, L: <br />

24 J, P, S, A, L: iniciam este parágrafo com travessão (como se houvesse mu<strong>da</strong>nça de<br />

interlocutor, num diálogo><br />

25 J: / P, A, L: <br />

26 S:


27 J, P, S, A, L: <br />

28 S: <br />

29 J, P, S: <br />

30 J, P, S: <br />

31 J, P, S, A, L: iniciam este parágrafo com travessão (como se houvesse mu<strong>da</strong>nça de<br />

interlocutor, num diálogo><br />

32 J, P, S: <br />

33 J, P, S: <br />

34 S: <br />

35 S: <br />

36 A, L: <br />

37 J, P, S: <br />

38 S: <br />

39 J, P, S: <br />

40 J, P, S: <br />

41 J, P, S, L: <br />

42 P: <br />

43 L: não abre parágrafo com o trecho a seguir<br />

44 J, P: / S: <br />

45 J, P, S: <br />

46 J: / P, S: <br />

47 S: <br />

48 A, L: (aqui, a preferência deve ser pela preservação <strong>da</strong> forma utiliza<strong>da</strong><br />

<strong>em</strong> J, P, S – – que também é admiti<strong>da</strong> pelo Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong><br />

Língua Portuguesa)<br />

49 J, P, S: <br />

50<br />

A: <br />

51<br />

J, P, S: <br />

52<br />

J, P, S, L: <br />

53<br />

J, P, S, L: <br />

54<br />

J, P, S: <br />

55<br />

J, P: / S: <br />

56<br />

S: <br />

57<br />

S: <br />

58<br />

J, P, S: <br />

59<br />

J, P, S: <br />

60<br />

J, S: <br />

61<br />

S: <br />

62<br />

J, P, S: <br />

63<br />

J, P, S, L: <br />

64<br />

J, P, S, L: <br />

65<br />

S: <br />

66<br />

P: <br />

67<br />

J, P, S:


68 J, P, S: <br />

69 J, S: <br />

70 S, A, L: (por ser própria do falar campeiro, a forma ditonga<strong>da</strong> <br />

deve ser preferi<strong>da</strong>; mas, aqui, confirma-se como opção de JSLN <strong>em</strong> J e P)<br />

71 J, P, S: <br />

72 S: <br />

73 S: <br />

74 J, P, S: <br />

75 J, P, S: <br />

76 J, P, S, L, A: <br />

77 J, P, S, L: <br />

78 P: <br />

79 J, P, S, A, L: iniciam este parágrafo com travessão (como se houvesse mu<strong>da</strong>nça de<br />

interlocutor, num diálogo><br />

80 S: <br />

81 J, P, S: <br />

82 J: alinhando pela direita, indica aqui – o nome do autor do<br />

conto<br />

83 J: alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia aqui – o livro <strong>em</strong><br />

que se incluirá o conto<br />

Penar de velhos<br />

1<br />

S: / A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3<br />

A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4<br />

S: <br />

5<br />

J, P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

6<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

7<br />

J, P, S, L: <br />

8<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

9<br />

S: <br />

10<br />

A: <br />

11<br />

J, P, S: <br />

12<br />

J, P: <br />

13<br />

J, P, S: <br />

14<br />

S: <br />

15<br />

J, S: (<strong>em</strong> P, a vírgula parece um ponto: )<br />

16<br />

A: <br />

17<br />

S: conteve o miúdo:><br />

18<br />

S: <br />

19<br />

J, P, S, L: <br />

20<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco


21 A: (aqui, a preferência deve ser pela preservação <strong>da</strong> forma utiliza<strong>da</strong> por<br />

JSLN <strong>em</strong> J, P – – que também é admiti<strong>da</strong> pelo Vocabulário Ortográfico<br />

<strong>da</strong> Língua Portuguesa)<br />

22 A: <br />

23 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

24 S: <br />

25 J, P, S: <br />

26 J, P, S: <br />

27 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

28 J, P: <br />

29 J, P, S: <br />

30 S: <br />

31 J, P, S: <br />

32 P: <br />

33 J, P, S, L: (certamente, erro tipográfico mantido por descuido de revi-<br />

são)<br />

34 J, P, S: <br />

35 J, P, S: <br />

36 S: <br />

37 J, P, S: <br />

38 J, P, S: <br />

39 J, P, S, L: <br />

40 A, L: <br />

41 J, P, S: <br />

42 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

43 S: <br />

44 J, P: <br />

45 A, L: <br />

46 J, S: / P: <br />

47 J, P: / S: <br />

48 S: <br />

49 S: <br />

50 A: <br />

51 J, P, S: <br />

52 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

53 S: <br />

54 J: / P, S: <br />

55 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

56 J, A: <br />

57 J, P, S: / A, L: (aqui, só a preposição a precede a palavra ,<br />

de modo que não há a ocorrência de crase)<br />

58 J, P, S: / A, L: <br />

59 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

60 J: deixa uma linha <strong>em</strong> branco, a seguir


61<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

62<br />

P: <br />

63<br />

S: <br />

64<br />

J, P, S, L: <br />

65<br />

J: alinhando pela direita, indica aqui – o nome do autor do<br />

conto<br />

66<br />

J: alinhando pela esquer<strong>da</strong>, anuncia aqui – o livro <strong>em</strong><br />

que se incluirá o conto<br />

Juca Guerra<br />

1 A, L: (com maiúsculas)<br />

2 A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 S: <br />

5 P, S, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

6 A, L: <br />

7 A: (não se percebe a impressão do i <strong>da</strong> palavra )<br />

8 P, S, A, L: (trata-se certamente de , heroísmo, rasgo de<br />

corag<strong>em</strong> – platinismo grafado aqui com a troca de h por n)<br />

9 S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

10 S, A: <br />

11 P: / S: <br />

12<br />

P, S: <br />

13<br />

P, S, L: <br />

14<br />

P, S, A, L: <br />

15<br />

S: <br />

16<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

17<br />

A, L: <br />

18<br />

P, S: <br />

19<br />

P: <br />

20<br />

P, S: <br />

21<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

22<br />

P, S: <br />

23<br />

P: / S, A: Virge’ Mãe!... (mais ao centro linha) / L: <br />

24<br />

P, S: <br />

25<br />

A: (aqui, a não se manter o latinismo utilizado por JSLN <strong>em</strong> 1912, caberia<br />

antes o <strong>em</strong>prego <strong>da</strong> forma <br />

26<br />

S: <br />

27 S: <br />

28 A: <br />

29 L: (<strong>em</strong> P, o d de está meio apagado)<br />

30 L: (<strong>em</strong> P, o l de está apagado)


31<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

32<br />

A: (não se percebe a impressão do i <strong>da</strong> palavra )<br />

33<br />

S: <br />

34<br />

P, L: <br />

35<br />

P: / S: <br />

36<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

37<br />

S: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

Artigos de fé do gaúcho<br />

1 P: (numa linha, alinhando pela esquer<strong>da</strong>); (na linha<br />

seguinte, alinhando pela direita) / A, L: (com<br />

maiúsculas)<br />

2 A, L: não apresentam aqui este traço (que <strong>em</strong> S aparece sob os títulos de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s; e está, também, <strong>em</strong> vários contos de P)<br />

3 A: inicia o texto com capitular <strong>em</strong> (com maiúsculas)<br />

4 P, S: <br />

5 P, S: <br />

6 P, S: <br />

7 P, S: <br />

8 S, A: apresentam, na enumeração a seguir: o número de ca<strong>da</strong> artigo junto à marg<strong>em</strong><br />

esquer<strong>da</strong>; e alinham, com acentuado recuo à direita, todo o texto respectivo / L: abre<br />

parágrafo no registro de ca<strong>da</strong> um dos artigos, mantendo o formato do conto, desde<br />

seu início<br />

9 A, L: (respeitando a grafia posta por JSLN <strong>em</strong> P e que está, também, <strong>em</strong> S,<br />

o certo aqui é , do espanhol platino guacho, aquele que sobrevive s<strong>em</strong> a<br />

mãe ou s<strong>em</strong> o leite materno – forma admiti<strong>da</strong> pelo Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia<br />

Brasileira de Letras)<br />

10 P, S: <br />

11 P, L: / S: <br />

12 P, S, L: <br />

13 P, S, L: <br />

14 A, L: (aqui, deve-se respeitar a forma utiliza<strong>da</strong> por JSLN <strong>em</strong> P e confirma<strong>da</strong><br />

<strong>em</strong> S: , locução adverbial admiti<strong>da</strong> e dicionariza<strong>da</strong> na época<br />

15 P, S, L: <br />

16 P, S, L: <br />

17 P, S, L: <br />

18 P, S: / L: <br />

19 P, S: <br />

20 P, S: <br />

21 P, S: <br />

22 P, S, L: <br />

23 P, S, L: <br />

24 A, L:


25 S: <br />

26 P, S, A, L: <br />

27 P, S: <br />

28 S, A, L: não deixam esta linha <strong>em</strong> branco<br />

29 S: , no meio <strong>da</strong> linha / A: < * > no meio <strong>da</strong> linha<br />

6 P, S: <br />

7 S: (observar que e também são formas admiti<strong>da</strong>s pelo<br />

Vocabulário Ortográfico <strong>da</strong> Língua Portuguesa; e que hoje são usa<strong>da</strong>s com preferência<br />

sobre e )<br />

8 S: <br />

9 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

10 P, S: (observar que a palavra composta não está di-<br />

cionariza<strong>da</strong>)<br />

11 A: <br />

12 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

13 P, S: <br />

14 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

15 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

16 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

17 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

18 P, S: <br />

19 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

20 P, S, A, L: <br />

21 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

22 A, L: (não há justificativa para substituir por outra a forma ,<br />

utiliza<strong>da</strong> por JSLN <strong>em</strong> P, repeti<strong>da</strong> <strong>em</strong> S, e igualmente admiti<strong>da</strong> pelo Vocabulário<br />

Ortográfico <strong>da</strong> Língua Portuguesa)<br />

23 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha (<strong>em</strong> P não há qualquer sinal, porque esta linha coincide<br />

com o fim <strong>da</strong> página)<br />

24 S: <br />

25 P: <br />

26 S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

27 P, S:


28<br />

S: <br />

29<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

30<br />

P: <br />

31<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

32<br />

S: <br />

33<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

34<br />

S: <br />

35<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha (<strong>em</strong> P não há qualquer sinal, porque esta linha coincide<br />

com o fim <strong>da</strong> página)<br />

36<br />

P, S: <br />

37<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

38<br />

P, S, L: <br />

39<br />

S: <br />

40<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

41<br />

S: <br />

42<br />

P: <br />

43<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

44<br />

S: <br />

45<br />

S: <br />

46<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

47<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

48<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

49<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

50<br />

P: <br />

51<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha<br />

52<br />

S: < * * >, no meio <strong>da</strong> linha (<strong>em</strong> P não há qualquer sinal, porque esta linha coincide<br />

com o fim <strong>da</strong> página)<br />

O “Menininho” do presépio<br />

1<br />

A, L: (com maiúsculas)<br />

2<br />

A, L: não apresentam aqui este traço (que está <strong>em</strong> J e aparece sob o título de todos os<br />

contos e <strong>da</strong>s principais len<strong>da</strong>s publicados <strong>em</strong> S)<br />

3<br />

J, A: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

4<br />

J, L: <br />

5<br />

A, L: <br />

6<br />

A, L: <br />

7<br />

J, L: <br />

8<br />

J> <br />

9<br />

J: <br />

10<br />

J: <br />

11<br />

J: <br />

12<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

13<br />

A, L:


14 J: <br />

15 A: <br />

16 A: <br />

17 A: <br />

18 A, L: (evident<strong>em</strong>ente é , como se lê<br />

<strong>em</strong> J, e não como A e L registraram por equívoco – pois quer<br />

dizer na parte posterior, nos fundos do rancho; enquanto é<br />

expressão que aqui não faz sentido)<br />

19 J, A, L: <br />

20 J: <br />

21 A: <br />

22 J, A, L: <br />

23 A: <br />

24 A: <br />

25 J: / A, L:


53<br />

J: <br />

54<br />

J, L: <br />

55<br />

A, L: (inexplicavelmente, aqui, <strong>em</strong>prega-se expressão estranha ao<br />

texto de JSLN, num esforço equivocado de atualização ortográfica; contudo, <strong>em</strong> A Salamanca<br />

do Jarau, A e L respeitaram a forma utiliza<strong>da</strong> originalmente pelo autor)<br />

56<br />

A, L: (a seguir, não reproduz<strong>em</strong> o trecho <br />

57<br />

A, L: suprimiram, aqui, , trecho incompleto e de difícil entendimento<br />

(Ligia Chappini admite que falte a palavra outro).<br />

58<br />

A, L: <br />

59<br />

J, L: (abr<strong>em</strong> o parágrafo com travessão)<br />

60<br />

J: <br />

61<br />

J: <br />

62<br />

A: suprime do final do parágrafo o trecho <br />

63<br />

A: <br />

64<br />

A: <br />

65<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

66<br />

A, L: <br />

67<br />

A: / L: <br />

68<br />

A: <br />

69<br />

L: <br />

70<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

71<br />

A: <br />

72<br />

A: <br />

73<br />

A: <br />

74<br />

J: / A: <br />

75<br />

A: <br />

76<br />

A: <br />

77<br />

J: <br />

78<br />

A: <br />

79<br />

J: <br />

80<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

81<br />

A: <br />

82<br />

J, L: <br />

83<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

84<br />

A: <br />

85<br />

A: <br />

86<br />

J: / A: / L: (fica claro que JSLN aqui quis destacar a expressão , colocando-a<br />

entre travessões, na forma como ela é manifesta<strong>da</strong>)<br />

87<br />

A, L: <br />

88<br />

J, A, L: <br />

89<br />

J: <br />

90<br />

J: / A, L:


91<br />

L: deixa a seguir uma linha <strong>em</strong> branco (<strong>em</strong> J não há propriamente tal linha <strong>em</strong> branco,<br />

mas mais espaçamento entre este parágrafo e o seguinte)<br />

92<br />

A: <br />

93<br />

A: <br />

94<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

95<br />

J: <br />

96<br />

A: <br />

97<br />

J: <br />

98<br />

J: <br />

99<br />

A: <br />

100<br />

J: <br />

101<br />

J: <br />

102<br />

A: <br />

103<br />

J, A, L: <br />

104<br />

A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

105 J: <br />

106 A: não deixa esta linha <strong>em</strong> branco<br />

107 J, L: <br />

108 J, A, L: usaram travessão na abertura deste parágrafo<br />

109 J: inclui aqui o nome do autor (junto à marg<strong>em</strong> direita)<br />

110 ª<br />

J: indica aqui o livro <strong>em</strong> que o conto seria publicado<br />

(junto à marg<strong>em</strong> esquer<strong>da</strong>)

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