Família e famílias em Cidade de Deus - Unesp
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Baleia na Re<strong>de</strong> ISSN – 1808 -8473<br />
Revista online do Grupo Pesquisa e Estudos <strong>em</strong> Cin<strong>em</strong>a e Literatura<br />
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Pequeno <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> roubar um ônibus da favela. Era ord<strong>em</strong> dos chefes do tráfico que não<br />
houvesse assaltos que causass<strong>em</strong> dano aos moradores <strong>de</strong> <strong>Cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. O garoto, por<br />
sofrer pressão <strong>de</strong> sua mãe para arrumar dinheiro, não hesitou <strong>em</strong> <strong>de</strong>srespeitar as regras do<br />
local, o que acarretou sua morte.<br />
V<strong>em</strong>os com clareza nas <strong>de</strong>scrições acima a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência das <strong>famílias</strong><br />
pobres, moradoras <strong>de</strong> <strong>Cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. As adversida<strong>de</strong>s acabam favorecendo a ocorrência<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas, realizadas com o intuito <strong>de</strong> se compl<strong>em</strong>entar a renda familiar. A<br />
carência econômica liga-se inseparavelmente à ausência <strong>de</strong> condições estruturantes para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento humano pleno, o que po<strong>de</strong> influenciar na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />
filhos da maneira “a<strong>de</strong>quada” socialmente, segundo os padrões aceitos pela classe média.<br />
O aspecto <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> controle e vigilância dos filhos, concernente à proteção e<br />
socialização das crianças, <strong>de</strong>ntro do quadro da necessida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> trabalhar da<br />
mãe ou mesmo dos pais, é questão comum tanto no romance quanto<br />
cont<strong>em</strong>poraneamente. S<strong>em</strong> dúvida, é fato que influencia e por vezes <strong>de</strong>termina a dinâmica<br />
da estrutura <strong>de</strong> família, mormente nas <strong>famílias</strong> pobres do romance <strong>de</strong> Paulo Lins.<br />
A família <strong>em</strong> crise<br />
Analisando a crise nos valores familiares, cabe também nos <strong>de</strong>bruçar sobre o aspecto<br />
da violência enquanto principal <strong>de</strong>sagregadora da estrutura <strong>de</strong> <strong>famílias</strong>, inseridas na terceira<br />
parte do romance on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>screve a guerra entre Pequeno e Galinha. Violência, a esta altura,<br />
já exacerbadamente gratuita e <strong>de</strong>strutiva. Tal crise é ilustrada na fala <strong>de</strong> Sandro Cenoura,<br />
aliado <strong>de</strong> Galinha, incentivando Cebion a matar seu próprio irmão, <strong>de</strong> 10 anos, que se<br />
associou à quadrilha <strong>de</strong> Pequeno. “– É teu irmão, mas é al<strong>em</strong>ão, cumpádi! Sabe qualé? Não<br />
t<strong>em</strong> essa <strong>de</strong> família, não! T<strong>em</strong> que passar! – Disse Cenoura a Cebion, <strong>de</strong> apenas treze anos”<br />
(LINS, 1997, p.530).<br />
Alexan<strong>de</strong>r foi morto por seu irmão, Cebion, com três tiros. A vida do crime que antes era<br />
mais propícia “àqueles indivíduos menos favorecidos econômica e socialmente”, segundo<br />
a percepção corrente no imaginário <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte dos personagens da ficção, agora não<br />
selecionava mais ninguém, sendo que qualquer um podia a<strong>de</strong>ntrar na criminalida<strong>de</strong>:<br />
Antigamente, comentavam pasmados os moradores, somente os<br />
miseráveis, compelidos por seus infortúnios, se tornavam bandidos.<br />
Agora estava tudo diferente, até os mais providos da favela, os<br />
jovens estudantes <strong>de</strong> <strong>famílias</strong> estáveis, cujos pais eram b<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong>pregados, não bebiam, não espancavam suas esposas, não tinham<br />
nenhum comprometimento com a criminalida<strong>de</strong>, caíram no fascínio<br />
da guerra (LINS, 1997, p. 470).<br />
A guerra já era feita pelos motivos mais diversos, não tendo mais importância a causa<br />
inicial, que foi a violação do seio familiar <strong>de</strong> Mané Galinha por parte <strong>de</strong> Pequeno. Havia<br />
agora outro probl<strong>em</strong>a, os laços familiares rompidos pela guerra viraram motivo para a<br />
Vol. 1, nº 5, Ano V, Nov/2008 91