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Mensagem Pastor Tarcisio Caixeta na 81ª Assembleia da ...

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Mensagens proferi<strong>da</strong>s durante a <strong>81ª</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> CBM – Julho/2012<br />

Integri<strong>da</strong>de - Um caminho a ser trilhado <strong>Pastor</strong> Tarcísio <strong>Caixeta</strong>*<br />

INTRODUÇÃO<br />

A história de Jó, se representa<strong>da</strong> <strong>na</strong> dramaturgia,<br />

poderia ser pensa<strong>da</strong> em três ou quatro atos. O ato principal<br />

teria como cenário e figurino uma ten<strong>da</strong> empoeira<strong>da</strong>,<br />

cinza, cinco homens orientais assentados <strong>na</strong> terra, descalços,<br />

cabeças cheias de pó, trajando mantos rasgados. Jó ao<br />

centro, Elifaz, Bil<strong>da</strong>de e Zofar em volta, Eliú um pouco<br />

mais afastado. Naturalmente que ca<strong>da</strong> diretor pensaria<br />

um arranjo ideal para o monólogo <strong>da</strong>s cinco perso<strong>na</strong>gens.<br />

Vamos considerar três questões: primeira, ampliar<br />

a compreensão <strong>da</strong> pessoa e integri<strong>da</strong>de de Jó; segun<strong>da</strong>,<br />

verificar a possibili<strong>da</strong>de de manutenção <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de<br />

huma<strong>na</strong> diante de grande provação e, terceira, averiguar<br />

os diferentes pontos de vista apresentados no livro sobre<br />

a pessoa de Jó e seu caráter.<br />

To<strong>da</strong>s as vezes em que li o livro de Jó, o fiz de forma<br />

diacrônica, ou seja, comecei pelo capítulo primeiro e fui<br />

até o 42º de forma linear, ininterrupta. Proponho, para<br />

esta reflexão, uma leitura sincrônica do livro. Oriento<br />

meus alunos que façam diferentes leituras <strong>da</strong> Bíblia. Que<br />

a leiam, em um primeiro momento, de forma diacrônica,<br />

de Gênesis ao Apocalipse. Que após esta importante<br />

leitura <strong>da</strong>s Escrituras, experimentem leituras sincrônicas<br />

<strong>da</strong> Palavra de Deus e, se possível, algumas leituras a<strong>na</strong>crônicas.<br />

Apresento a eles, a título de ilustração, possíveis<br />

leituras <strong>da</strong>s histórias de Elias e Elizeu. Afirmo que poderíamos<br />

ler as histórias de Elias-Elizeu em contado com<br />

reis israelitas, depois Elias-Elizeu em contado com reis<br />

estrangeiros, Elias-Elizeu em contado com autori<strong>da</strong>des,<br />

Elias-Elizeu em contado com indivíduos, Elias-Elizeu em<br />

contado com as comuni<strong>da</strong>des dos profetas, Elias-Elizeu<br />

em contado com seus discípulos particulares, Elias-<br />

Elizeu em contado com Deus, Elias-Elizeu em solidão.<br />

Após ca<strong>da</strong> leitura, recomendo uma comparação entre as<br />

<strong>na</strong>rrativas.<br />

Há inúmeros textos bíblicos que nos permitem uma<br />

leitura sincrônica: Salmos; Samuel com Reis e Crônicas;<br />

Levítico e Números com Deuteronômio; Levítico com<br />

Hebreus; Mateus com Marcos e Lucas; Rute com Ester e<br />

o livro dêutero-canônico de Judite; Esdras com Neemias;<br />

Eclesiastes com Provérbios; Jo<strong>na</strong>s com Naum; Jeremias<br />

com Lamentações entre outros.<br />

Quanto ao livro de Jó, fica fácil lê-lo sincronicamente.<br />

Suas falas estão bem demarca<strong>da</strong>s. Distinguimos<br />

claramente as vozes do <strong>na</strong>rrador, de Deus, de Satã, de Jó,<br />

<strong>da</strong> esposa de Jó, de Elifaz, de Bil<strong>da</strong>de, de Zofar e de Eliú.<br />

As falas <strong>da</strong>s perso<strong>na</strong>gens podem ser mensura<strong>da</strong>s rigorosamente.<br />

Apresento aqui um índice aproximado <strong>da</strong> participação<br />

verbal de ca<strong>da</strong> perso<strong>na</strong>gem:<br />

Em 1º lugar, Jó, com 47,5%<br />

Em 2º lugar, Eliú, com 14%<br />

Em 3º lugar, Deus, com 10%<br />

Em 4º lugar, Elifaz, com 9%<br />

Em 5º lugar, o <strong>na</strong>rrador, com 7,99%<br />

Em 6º lugar, Bil<strong>da</strong>de, com 6%<br />

Em 7º lugar, Zofar, com 5%<br />

Em 8º lugar, Satã, com 0,5%<br />

Em 9º lugar, a esposa de Jó, com 0,1%.<br />

Não discutirei, nesta reflexão, questões liga<strong>da</strong>s a <strong>da</strong>ta<br />

e a autoria do livro, nem mesmo possíveis interpolações.<br />

Não se trata, também, de um estudo sobre a temática do<br />

mal. Proponho um breve exame dos diferentes pontos<br />

de vistas sobre a pessoa e o caráter de Jó. Discutiremos o<br />

ponto de vista do <strong>na</strong>rrador, de Satã, <strong>da</strong> esposa de Jó e dele<br />

próprio a respeito de sua integri<strong>da</strong>de. Veremos também as<br />

falas dos amigos de Jó, de Eliú e do Senhor Deus sobre a<br />

integri<strong>da</strong>de do protagonista do livro.<br />

Pensaremos em Jó como uma perso<strong>na</strong>gem real, de<br />

carne e osso, nossa imagem e semelhança. Evidente que<br />

uma perso<strong>na</strong>gem do quilate de Jó tenha a capaci<strong>da</strong>de de<br />

extrapolar as questões perso<strong>na</strong>listas, individualistas e de<br />

apontar para dramas comunitários, especialmente em se<br />

tratando dos hebreus/israelitas/judeus, a quem o livro se<br />

desti<strong>na</strong> primordialmente.<br />

Para tentar responder às questões sobre a pessoa<br />

de Jó e sua integri<strong>da</strong>de, a possibili<strong>da</strong>de de manutenção<br />

<strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong> diante de grande provação e, os<br />

diferentes pontos de vista apresentados no livro sobre a<br />

pessoa e caráter de Jó, organizei esta reflexão em três partes:<br />

a integri<strong>da</strong>de de Jó, os amigos de Jó e um mensageiro/<br />

intérprete.<br />

Discutiremos a seguir a pessoa e integri<strong>da</strong>de de Jó a<br />

partir do ponto de vista do <strong>na</strong>rrador, de Satã, <strong>da</strong> esposa e<br />

do próprio Jó.<br />

I. INTEGRIDADE DE JÓ<br />

Os termos íntegro e reto usados para caracterizar<br />

Jó significam, respectivamente, completo, certo, normal,<br />

puro; reto, esticado, direito, correto, justo.<br />

Quero deixar claro que apresentar o ponto de vista<br />

<strong>da</strong>s perso<strong>na</strong>gens não é tarefa tão simples. Primeiro, não<br />

foram as perso<strong>na</strong>gens quem escreveram as suas próprias<br />

falas, e não temos acesso às perso<strong>na</strong>gens para confirmar<br />

quaisquer pressuposições. Segundo, as falas podem ter<br />

passado por um ou mais re<strong>da</strong>tores. Terceiro, antes do texto<br />

escrito essa história foi conta<strong>da</strong> inúmeras vezes oralmente.<br />

Quarto, os pontos de vista apresentados a seguir<br />

são seleções e interpretações de um leitor que está há milhares<br />

de anos afastado <strong>da</strong> história origi<strong>na</strong>l. A nosso favor<br />

temos o texto como o recebemos, a capaci<strong>da</strong>de de lê-lo, o<br />

temor de Deus para buscar uma compreensão mais acura<strong>da</strong><br />

possível do mesmo, a ilumi<strong>na</strong>ção do Santo Espírito do<br />

Senhor e a oração para pedir ao Senhor que não nos deixe<br />

distanciar demais do texto bíblico. Contudo, não podemos<br />

nos esquecer de que somos intérpretes <strong>da</strong> Palavra de<br />

Deus. O intérprete não tem a palavra fi<strong>na</strong>l sobre o texto.<br />

Muita coisa nos escapa. O texto é maior que o intérprete.<br />

Deus é maior que o texto.<br />

A despeito <strong>da</strong> limitação do intérprete, meditemos no<br />

ponto de vista do <strong>na</strong>rrador sobre a pessoa e integri<strong>da</strong>de<br />

de Jó.<br />

A. O ponto de vista do <strong>na</strong>rrador<br />

Segundo o <strong>na</strong>rrador, Jó é homem, é de carne e osso;<br />

tem uma origem, Uz; tem um testemunho: é íntegro, reto,<br />

temente a Deus, desvia-se do mal; tem uma família uni<strong>da</strong>:<br />

esposa, 7 filhos e 3 filhas; é pai presente e preocupado<br />

com a espirituali<strong>da</strong>de dos filhos; é maior que todos os do<br />

oriente em servos, servas e riquezas (1:1-5).<br />

Dos versos 13 a 19 do capítulo primeiro, o <strong>na</strong>rrador<br />

registra o mal que sobreveio a Jó. O verso 13 e a repetição<br />

tríplice <strong>da</strong> expressão: “estando este ain<strong>da</strong> falando,<br />

veio outro, e disse” (1:16,17,18) parece indicar que o mal<br />

atingiu a Jó simultaneamente, ou seja, enquanto seus filhos<br />

e filhas comiam e bebiam, os sabeus roubaram bois<br />

e jumentos e mataram os servos (1:13-15); fogo de Deus<br />

caiu do céu e queimou ovelhas e servos (1:16); os caldeus<br />

tomaram os camelos e mataram os servos (1:17); um grande<br />

vento derrubou a casa e matou os filhos de Jó (1:18,19).<br />

Em nenhum momento o <strong>na</strong>rrador afirma que Satã<br />

tenha sido o responsável direto pela tragédia. O mal, segundo<br />

o <strong>na</strong>rrador, foi provocado pelos sabeus, pelo fogo<br />

de Deus, pelos caldeus e por um grande vento <strong>da</strong>lém do<br />

deserto.<br />

Após a notícia trágica <strong>da</strong> morte dos filhos, Jó se levanta,<br />

rasga o seu manto e raspa a cabeça em si<strong>na</strong>l de dor<br />

e luto. Mesmo profun<strong>da</strong>mente abatido, Jó bendiz aquele<br />

a quem pertence tudo o que ele é e tem (1:22). O <strong>na</strong>rrador<br />

dá testemunho de que Jó não pecou, nem atribuiu a Deus<br />

falta alguma (1:22).<br />

Além de não haver pecado, mesmo em luto, Jó lançou-se<br />

em terra e adorou (1:20), ou mais literalmente, Jó<br />

prostrou-se. Não se trata aqui de prostração emocio<strong>na</strong>l ou<br />

espiritual. Jó humilhou-se perante o Senhor. Jó não teria<br />

entrado em depressão. Seu modo de agir propõe outra direção.<br />

Ele procurou cui<strong>da</strong>r de suas úlceras malig<strong>na</strong>s com<br />

um caco de cerâmica, escolheu a cinza como lugar de repouso<br />

(2:8), a<strong>na</strong>lisou a atitude e sugestão <strong>da</strong> esposa como<br />

estultícia ou tolice [do heb. <strong>na</strong>val: tolo, insensato, doido,<br />

ímpio], manteve a ideia vétero-testamentária de que tudo<br />

vem de Deus: receberíamos o bem de Deus, e não receberíamos<br />

o mal? (2:10) e não pecou com os seus lábios.<br />

Uma pessoa depressiva não teria, provavelmente, um raciocínio<br />

e atitudes tão claras e objetivas quanto às de Jó.<br />

Segundo o <strong>na</strong>rrador, Jó tinha três amigos. Eram amigos<br />

de ver<strong>da</strong>de, companheiros [heb. reeh]. O que aponta<br />

que os três fossem realmente amigos? Primeiro, não duvi<strong>da</strong>ram<br />

de que Jó carecesse de aju<strong>da</strong>. Ouviram e aceitaram<br />

que Jó havia sido alcançado pelo mal; segundo, deixaram<br />

seus afazeres e vieram ca<strong>da</strong> um de um lugar diferente;<br />

terceiro, combi<strong>na</strong>ram condoer-se de Jó [heb. nud = expressar<br />

simpatia/condolências] para consolá-lo. Eram<br />

também amigos entre si. Foram concordes em expressar<br />

simpatia e consolar o amigo necessitado. Ao avistá-lo de<br />

longe, choraram, rasgaram ca<strong>da</strong> um o seu manto, jogaram<br />

terra sobre a cabeça, sentaram-se silentes com ele no pó<br />

por sete dias e sete noites em respeito ao seu luto. Não<br />

podemos nos esquecer que Jó perdera todos os filhos e<br />

filhas. Perdera também seus servos e servas. Os amigos<br />

viram que a dor de Jó aumentara grandemente (2:11-13).<br />

Foram sensíveis.<br />

Jó amaldiçoou o seu dia, ou seja, desprezou o dia em<br />

que <strong>na</strong>scera (3:1).<br />

Deixamos a conclusão do <strong>na</strong>rrador para o fi<strong>na</strong>l desta<br />

reflexão.<br />

B. O ponto de vista de Satã<br />

De acordo com Satã, Jó tinha motivos para temer<br />

o Senhor: Deus o cercara de cui<strong>da</strong>dos, e fizera o mesmo<br />

com sua família e com tudo quanto ele tinha, ou seja, Jó<br />

estava protegido por uma espécie de redoma. Deus abençoou<br />

a obra de suas mãos e, em consequência disso, seu<br />

gado se multiplicara (1:9,10).<br />

Satã admite que Jó era homem honesto e abençoado.<br />

O que ele possuía era fruto de seu trabalho, do seu labor.<br />

Jó não era corrupto nem corruptor. Esse tipo de acusação<br />

não seria acata<strong>da</strong> pelo Grande Juiz. Satã não era tolo para<br />

correr o risco de ser acusado de denunciação caluniosa.<br />

Jó não se enriquecera ilicitamente. Não era estelio<strong>na</strong>tário<br />

como alguns ditos pastores do nosso tempo. O trabalho<br />

de Jó estava aliado à benção divi<strong>na</strong>. Benção do sol e <strong>da</strong><br />

chuva. Benção <strong>da</strong> saúde. Benção <strong>da</strong> fecundi<strong>da</strong>de do rebanho.<br />

Satã estava melhor informado que os amigos de<br />

Jó. Os amigos julgavam pela convicção doutrinária e pela<br />

aparência. Satã julgava pelo conhecimento e por suspeita.<br />

Digamos que ele estava cinquenta por cento certo a respeito<br />

de Jó, e os amigos, noventa por cento errados.<br />

Nisto está o erro de Satã: ele acreditava que a manutenção<br />

do temor e integri<strong>da</strong>de de um servo ou serva de<br />

Deus dependia <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong>s supostas regalias divi<strong>na</strong>s.<br />

Na opinião de Satã Deus se equivocara em seu juízo<br />

sobre Jó. Na ver<strong>da</strong>de, Deus teria comprado a integri<strong>da</strong>de<br />

de Jó. Nesse sentido, só seriam tementes e íntegros aqueles<br />

ou aquelas a quem o Senhor Deus culmi<strong>na</strong>sse de bens.<br />

No verso 11 do capítulo primeiro, Satã expressa a antiga<br />

crença hebraica de que tudo vinha de Deus. Satã não<br />

pede permissão ao Senhor para tocar em Jó. Sugere que o<br />

próprio Senhor se incumba de tocá-lo. A consequência do<br />

toque do Senhor nos bens do servo seria suficiente para<br />

que o mesmo blasfemasse contra o Senhor. Desconfiamos<br />

de que há muitos crentes que seguem o Senhor por aquilo<br />

que o Senhor pode fazer e não por aquilo que o Senhor<br />

é. Esse tipo de crente está sujeito a cair fácil <strong>na</strong> lábia e<br />

ataques de Satã.<br />

Segundo Satã, Jó mantinha a sua sinceri<strong>da</strong>de após a<br />

tragédia <strong>na</strong>rra<strong>da</strong> no capítulo primeiro, porque ele ain<strong>da</strong><br />

tinha saúde (2:4,5). Satã sabe que saúde é algo precioso.<br />

Saúde é benção. Com a benção <strong>da</strong> saúde, Jó poderia recuperar-se.<br />

Sem saúde, ele seria derrotado e blasfemaria<br />

contra o Senhor.<br />

C. O ponto de vista <strong>da</strong> esposa de Jó<br />

Além de esposa, a mulher de Jó é também mãe. É<br />

uma mãe que acabava de sepultar sete filhos e três filhas<br />

(1:19). Quase dez anos de gestação, dor de parto (a pior<br />

<strong>da</strong>s dores físicas segundo a Bíblia), inúmeros anos de<br />

noites mal dormi<strong>da</strong>s, de carinho, de ensino, e umas míseras<br />

horas de despedi<strong>da</strong>, de adeus. Essa mulher perdera<br />

também o conforto que a riqueza pode oferecer. Deve ser<br />

muito complicado para um rico perder tudo de uma hora<br />

para outra. A mulher de Jó perdera os amigos. Suspeito<br />

que amigo de rico, de modo geral, dura enquanto durar<br />

a riqueza. Passara de esposa de um homem saudável para<br />

esposa de um homem ferido de úlceras malig<strong>na</strong>s (2:7).<br />

Precisaríamos estar <strong>na</strong> pele dessa mulher para tentar<br />

compreendê-la. De modo geral, somos muito incompreensíveis,<br />

intolerantes, impiedosos.<br />

A esposa de Jó coadu<strong>na</strong> com o pensamento de Satã,<br />

apesar de não ter a mínima ideia de que Satã esteja envolvido<br />

<strong>na</strong> trama contra sua família. Assim, ela afirma:<br />

ain<strong>da</strong> reténs a tua sinceri<strong>da</strong>de? Amaldiçoa a Deus, e morre.<br />

(2:9). Há uma curiosi<strong>da</strong>de linguística aqui. O texto<br />

hebraico traz o verbo abençoar em lugar de amaldiçoar.<br />

Ao pé <strong>da</strong> letra leríamos: abençoa a Deus e morre. Pelo<br />

contexto, fica claro que o verbo abençoar foi usado intencio<strong>na</strong>lmente<br />

para amenizar a expressão direcio<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

contra Deus.<br />

D. O ponto de vista de Jó<br />

Os discursos de Jó são em forma de monólogo. Ora<br />

se dirige aos amigos ora a Deus. Contudo, seremos surpreendidos<br />

no fi<strong>na</strong>l do livro.<br />

Jó reconhece que tudo que ele tem e o que não tem<br />

pertence ao Senhor; Jó fala bem <strong>da</strong> fama divi<strong>na</strong>; acredita<br />

que tanto o bem quanto o mal vem de Deus. Jó rejeita<br />

a teoria satânica de que o temor e a sinceri<strong>da</strong>de a Deus<br />

depen<strong>da</strong>m <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de. Ele não amaldiçoa a Deus<br />

conforme sugestão <strong>da</strong> esposa (1:21; 2:8-10). O Mal deve<br />

ser entendido como sofrimento advindo <strong>da</strong>s ações ou <strong>da</strong><br />

aparente inércia do Todo-Poderoso.<br />

Segundo Jó, um aborto teria sido melhor que o<br />

seu <strong>na</strong>scimento (3:11, 16). Assim, ele não existiria. Não<br />

existindo, não passaria por todo aquele sofrimento. Sua<br />

mágoa e miséria seriam mais pesa<strong>da</strong>s do que a areia dos<br />

mares. A palavra hebraica traduzi<strong>da</strong> por mágoa é melhor<br />

traduzi<strong>da</strong> por peso. Há aqui, em 6:2, um jogo de palavras<br />

em hebraico: shaqol ishaqel = o pesar se pesará. Jó está<br />

dizendo que há um peso imenso sobre ele. Esse peso seria<br />

uma contribuição <strong>da</strong>s flechas do Todo-Poderoso (6:4a)<br />

que estavam <strong>na</strong> companhia dele, flechas venenosas. Caso<br />

Deus o matasse, essa seria a sua consolação (6:9,10).<br />

Jó quer saber qual a sua força, qual o seu fim e em<br />

que consiste o seu erro, se é que ele errou (6:11,24). Ele<br />

afirma que as razões do desesperado são como vento<br />

(6:26). Ele é o desesperado.<br />

Jó está aberto ao ensino correto. Ele não se deixa<br />

seduzir por palavras ou discursos elaborados. Jó não se<br />

deixa seduzir por argumentos lógicos. Nem sempre a lógica<br />

eluci<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de. O Deus a quem Jó servia e a quem<br />

servimos não se guia pela lógica huma<strong>na</strong>.<br />

Jó acredita que a transgressão e a iniqui<strong>da</strong>de possam<br />

ser perdoa<strong>da</strong>s (7:20,21). Que Deus perdoa pecados. Conforme<br />

lemos em outras partes <strong>da</strong>s Sagra<strong>da</strong>s Escrituras,<br />

Deus perdoa, esquece, apaga e lança <strong>na</strong>s profundezas do<br />

mar os pecados confessados. Jó apregoa que há esperança<br />

de cura no simples ato de falar. Falar é um ótimo remédio<br />

contra os males <strong>da</strong> alma. Disse Jó: não reprimirei a minha<br />

boca; falarei <strong>na</strong> angústia do meu espírito; queixar-me-ei<br />

<strong>na</strong> amargura <strong>da</strong> minha alma (7:11). Pessoas íntegras estão<br />

sujeitas à angústia e à amargura.<br />

Não há como se justificar diante de Deus (9:2,15),<br />

ain<strong>da</strong> mais quando é o próprio Deus quem multiplica as<br />

minhas chagas sem causa (9:17) e consome ao perfeito e<br />

ao ímpio de igual modo (9:22)<br />

No capítulo 10, Jó pede a Deus que não o condene, e<br />

que lhe mostre o porquê contende contra ele (10:2), uma<br />

vez que não pertence ao rol dos iníquos (10:7).<br />

Não há em Jó qualquer sentimento de inferiori<strong>da</strong>de.<br />

Tal sentimento não procede de Deus. Ele diz aos amigos:<br />

não vos sou inferior (12:3). Ele invoca a Deus e Deus o<br />

responde (12:4). Jó sabe quem ele é e quem Deus é. Entende<br />

que os amigos são inventores de mentiras e médicos<br />

que para <strong>na</strong><strong>da</strong> valem (13:4). Jó quer ouvir consolo,<br />

mas entende que os amigos o estão molestando (16:2).<br />

Ele acredita no poder <strong>da</strong> palavra, que a consolação dos<br />

lábios pode abran<strong>da</strong>r a dor (16:5). Ele afirma: Se eu falar,<br />

a minha dor não cessa, e, calando-me eu, qual é o meu<br />

alívio? (16:6). Falar pode não cessar a dor, mas traz alívio.<br />

Provérbios 15:1 diz que a resposta bran<strong>da</strong> desvia o furor,<br />

mas a palavra dura suscita a ira.<br />

No capítulo 19:4 Jó declara a possibili<strong>da</strong>de de ter<br />

errado. O termo hebraico utilizado para “errar” significa<br />

“cometer um erro involuntário”, pecar inconscientemente.<br />

Se ele pecou, o fez inconscientemente. O que ele tem<br />

consciência é que o Senhor cumprirá o que está orde<strong>na</strong>do<br />

a seu respeito (23:14).<br />

No capítulo 27:3-6 Jó escolhe a integri<strong>da</strong>de, ele a<br />

toma como estilo de vi<strong>da</strong>: não pronunciaria iniqui<strong>da</strong>de/<br />

engano (v.4); não justificaria o amigo em erro e não se<br />

apartaria <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de (v.5); se apegaria à justiça e teria<br />

um coração irrepreensível (v.6), ou seja, uma mente<br />

irrepreensível. O antigo hebreu/israelita/judeu entendia o<br />

coração como a sede <strong>da</strong> razão, e os rins como a sede <strong>da</strong>s<br />

emoções.<br />

Não somente o <strong>na</strong>rrador acredita que Jó fosse íntegro,<br />

reto, temente a Deus e que se desviava do mal. O<br />

próprio Jó acredita e perseguia isso. No capítulo 28:28 Jó<br />

declara que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se<br />

do mal é a inteligência.


Mensagens proferi<strong>da</strong>s durante a <strong>81ª</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> CBM – Julho/2012<br />

Apesar de Jó sentir-se abando<strong>na</strong>do e perseguido<br />

pelo Todo-Poderoso, triste pela ausência dos filhos (29:5;<br />

30:20-23), em estado deplorável (30:26-31), ele apresenta<br />

seu testemunho pessoal <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

1. Não andei em falsi<strong>da</strong>de (31:5);<br />

2. Meus passos não se desviaram do caminho (31:7);<br />

3. Não me deixei seduzir por uma mulher (31:9);<br />

4. Não desprezei o direito do servo e <strong>da</strong> serva (31:13);<br />

5. Não retive o que os pobres ou as viúvas desejavam<br />

(31:16);<br />

6. Reparti o pão com o órfão (31:17; 29:12);<br />

7. Reparti roupa com o necessitado (31:19);<br />

8. Coloquei minha esperança no Senhor e não no ouro<br />

que possuía (31:24);<br />

9. Não me alegrei <strong>na</strong> muita riqueza como se esta tivesse<br />

sido conquista<strong>da</strong> sem a benção divi<strong>na</strong> (31:25);<br />

10. Não me envolvi com a idolatria (31:26);<br />

11. Jamais me alegrei <strong>da</strong> desgraça alheia, ain<strong>da</strong> que fosse<br />

a desgraça <strong>da</strong>queles que me odiavam (31:29);<br />

12. Diferente de Adão, reconheci os meus pecados. Declarei<br />

minhas transgressões ao Senhor (31:32);<br />

13. Não comi os frutos <strong>da</strong> terra sem que trabalhasse por<br />

adquiri-los (31:29).<br />

No capítulo 40:4 Jó declara-se vil e impotente perante<br />

o Senhor. O termo vil se traduz melhor por insignificante.<br />

Não há como se considerar grande perante o<br />

Todo-Poderoso. O profeta Isaías, por exemplo, considerou-se<br />

um homem de lábios impuros perante o Rei do<br />

universo. Na condição de insignificante, Jó afirma ter<br />

relatado o que não entendia (42:3), porque, até aquele<br />

momento ape<strong>na</strong>s ouvira falar <strong>da</strong>s grandezas de Deus, mas<br />

que <strong>na</strong>quele momento seus olhos o viam (42:5). Diante <strong>da</strong><br />

visão de Deus, não lhe restava outra coisa senão se abomi<strong>na</strong>r<br />

e se arrepender no pó e <strong>na</strong> cinza (42:6). Abomi<strong>na</strong>r e<br />

arrepender-se, nesse contexto, significa, respectivamente,<br />

rejeitar-se, repudiar-se e buscar consolo no pó e <strong>na</strong> cinza.<br />

Jó não somente se afastava do mal. Ele praticava o<br />

bem. Lembro-me aqui do Novo Testamento. O apóstolo<br />

Paulo ensi<strong>na</strong> em sua carta aos efésios o princípio <strong>da</strong><br />

transmutação alquímica, ou seja, a transformação de algo<br />

sem valor em algo precioso, a transformação de uma coisa<br />

negativa em algo positivo. De acordo com a Carta aos<br />

Efésios, entendemos que não basta alguém desviar-se do<br />

mal. É preciso atacar o mal com o bem. É preciso <strong>da</strong>r um<br />

safanão no mal. É preciso transmutá-lo. Por exemplo, se<br />

por algum motivo, cairmos num poço de lama, não basta<br />

sair <strong>da</strong>li. É preciso tomar um bom banho.<br />

Vejamos a proposta pauli<strong>na</strong> sobre o princípio <strong>da</strong><br />

transmutação alquímica contra o mal:<br />

O negativo O positivo A transmutação<br />

Despojar-se do Vestir-se do novo homem (Ef<br />

O velho homem<br />

velho homem 4:22,24)<br />

A mentira Deixar a mentira Falar a ver<strong>da</strong>de (Ef 4:25)<br />

Trabalhar, fazendo com as mãos o que<br />

é bom, para ter com que<br />

O furto Não furtar mais<br />

repartir com o que tiver necessi<strong>da</strong>de<br />

(Ef 4:28)<br />

Não sair palavra Somente palavra edificante (Ef<br />

Palavra torpe<br />

torpe <strong>da</strong> boca 4:29)<br />

Amargura, ira,<br />

Retirar amargura,<br />

cólera, gritaria,<br />

Ser benigno, misericordioso,<br />

ira, cólera, gritaria,<br />

blasfêmia e<br />

perdoador (Ef 4:31,32)<br />

blasfêmia e malícia<br />

malícia<br />

Comunicação Não se comunicar<br />

Conde<strong>na</strong>r as obras <strong>da</strong>s trevas<br />

com as obras com as obras <strong>da</strong>s<br />

(Ef 5:11)<br />

<strong>da</strong>s trevas trevas<br />

Não se embriagar Embriagar-se com o Espírito<br />

Embriaguês<br />

com vinho (Ef 5:18).<br />

Passemos agora a a<strong>na</strong>lisar o que os amigos de Jó pensam<br />

dele e de sua integri<strong>da</strong>de.<br />

II. OS AMIGOS DE JÓ<br />

Os amigos de Jó têm certeza que ele está em pecado.<br />

Nossa convicção, após ler todo o texto é esta: nem sempre<br />

a ver<strong>da</strong>de está <strong>na</strong> certeza <strong>da</strong>s coisas. A ver<strong>da</strong>de pode estar<br />

<strong>na</strong> dúvi<strong>da</strong> sincera. A dúvi<strong>da</strong> de Jó era mais certa do que a<br />

certeza dos amigos.<br />

Segundo Champlin (2001), Elifaz habitava em Temã,<br />

Edom; Bil<strong>da</strong>de estava provavelmente associado aos nômades<br />

arameus, e Zofar seria originário do noroeste <strong>da</strong><br />

Arábia. O significado dos nomes dos amigos de Jó, segundo<br />

Benjamin Davidson (1997) é, provavelmente, o seguinte:<br />

Elifaz, Deus é força ou Deus é precioso; Bil<strong>da</strong>de,<br />

filho do conflito e Zofar, retorno.<br />

A. O ponto de vista de Elifaz<br />

Elifaz elogia as ações antigas de Jó (4:2-4), mas acredita<br />

que Jó não seja nem inocente, nem sincero (4:7). Ele<br />

e seus amigos acreditam <strong>na</strong> lei <strong>da</strong> semeadura: quem semeia<br />

o mal, colhe o mal. Crê também que o ser humano<br />

<strong>na</strong>sce para a tribulação, ou seja, para a canseira, a labuta,<br />

o infortúnio (5:7). Jó estaria desprezando a correção do<br />

Todo-Poderoso (5:17), Porque ele [o Todo-Poderoso] faz a<br />

chaga, e ele mesmo à liga; ele fere, e as suas mãos curam<br />

(5:18).<br />

No capítulo 15, Elifaz afirma que as palavras de Jó<br />

o conde<strong>na</strong>m (15:6), que as palavras de Elifaz e de seus<br />

dois amigos eram suaves (15:11), que não havia puro ou<br />

justo entre os humanos (15:14), que Jó teria estendido a<br />

sua mão contra Deus e confiado <strong>na</strong> vai<strong>da</strong>de, ou seja, nos<br />

ídolos (15:25,31).<br />

No capítulo 22, Elifaz argumenta que o Senhor não<br />

teria prazer <strong>na</strong> justiça de Jó ou em seus caminhos perfeitos<br />

(22:3), que a malícia e iniqui<strong>da</strong>des de Jó seriam<br />

grandes (22:5), acusa Jó de uma série de possíveis pecados<br />

(22:6-9), que Jó não aceitara a instrução do Senhor (22:22)<br />

e por isso, estaria afastado do Todo-Poderoso, por ter escolhido<br />

os tesouros e não ao Senhor (22:23-25) e, por fim,<br />

que Jó não teria pago os seus votos (22:27).<br />

B. O ponto de vista de Bil<strong>da</strong>de<br />

Segundo Bil<strong>da</strong>de, os filhos de Jó teriam morrido por<br />

causa de suas transgressões (8:4), Jó não seria nem puro,<br />

nem reto (8:6,20; 25:4). Jó teria se esquecido de Deus<br />

(8:13).<br />

Nos capítulos 18 e 25, Bil<strong>da</strong>de afirma que Jó teria<br />

caído numa rede pelos seus próprios pés (18:8,14), porque<br />

estaria firmado <strong>na</strong> sua própria confiança, ou seja, Jó<br />

seria o único responsável pelo seu estado lastimável; fosse<br />

ele perverso, sua memória seria corta<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra (18:17) e<br />

que o ser humano, de modo geral, não passa de um verme<br />

(25:6).<br />

C. O ponto de vista de Zofar<br />

Zofar é bem enfático <strong>na</strong>s suas considerações sobre<br />

Jó e seu caráter. No capítulo 11 e 20, Jó não seria justificado<br />

pelo falar (11:2), seria um mentiroso (11:3), jamais<br />

chegaria à perfeição do Todo-Poderoso (11:7), aconselha<br />

Jó a lançar para longe de si qualquer possível iniqui<strong>da</strong>de<br />

(11:14). Zofar conclui o seguinte: se Jó é ímpio, com certeza<br />

ele oprimiu e desamparou os pobres, praticou roubos,<br />

e em consequência disso, suas riquezas não perdurariam<br />

(20:19,20,28).<br />

A partir de agora averiguaremos o que pensam Eliú<br />

e o Senhor Deus sobre Jó e sua integri<strong>da</strong>de.<br />

III. UM MENSAGEIRO/INTÉRPRETE<br />

A. O ponto de vista de Eliú<br />

O <strong>na</strong>rrador nos apresenta Eliú como filho de Baraquel,<br />

o buzita, e neto de Rão (32:2). Eliú significa Deus é<br />

ele. Eliú é o único nome no livro de Jó cuja descendência<br />

é relata<strong>da</strong>. Baraquel significa o bendito ou o abençoado<br />

de Deus, e Rão, o elevado. O filho e neto do bendito e<br />

do elevado surge inespera<strong>da</strong>mente aos olhos do leitor<br />

para <strong>da</strong>r a sua opinião sobre a pessoa e o estado de Jó. O<br />

<strong>na</strong>rrador justifica a aparição dizendo que as palavras dos<br />

três amigos se acabaram (31:40) e que Eliú, o mais jovem<br />

de to<strong>da</strong>s as perso<strong>na</strong>gens do livro (32:4,6) não falara ain<strong>da</strong><br />

em respeito aos idosos. Os mais jovens, <strong>na</strong>quele tempo,<br />

respeitavam os mais experientes. Antes de <strong>da</strong>r qualquer<br />

palpite, escutavam.<br />

O <strong>na</strong>rrador nos informa que a ira de Eliú acendeu-se<br />

contra Jó e contra os três amigos. Contra Jó, porque este<br />

se justificava a si mesmo, mais do que a Deus (32:2). Contra<br />

os três amigos, porque, não achando que responder,<br />

to<strong>da</strong>via conde<strong>na</strong>vam a Jó (32:3).<br />

Eliú é de algum lugar <strong>da</strong> Arábia. Ele não concor<strong>da</strong><br />

com os três amigos de Jó, de que foi Deus quem o derrubara<br />

(32:13). Eliú acreditava no poder <strong>da</strong> palavra, <strong>na</strong> sua<br />

quali<strong>da</strong>de terapêutica. Sua fala traria alívio a Jó (32:20).<br />

Acreditava também, que Jó não tinha razão para contender<br />

com Deus, porque maior é Deus do que o homem<br />

(33:12). Fica claro, nos versos 19-22 do capítulo 33, que<br />

Eliú reconhece o sofrimento de Jó e se simpatiza com ele.<br />

O verso 23 do capítulo 33 é obscuro. Andersen<br />

(1989) pensa o termo mensageiro/intérprete como referência<br />

a um anjo. Champin (2001) é <strong>da</strong> mesma opinião<br />

de Andersen, mas acrescenta, baseado em Jó 32:8 e 33:6,<br />

que Eliú teria referido-se a si mesmo como enviado de<br />

Deus e que, talvez, houvesse nesses versos a indicação de<br />

que Eliú fosse um anjo mediador. Giuliano Laurentini<br />

in Ballarini (1985) fala de um mediador, mas não discute<br />

quem seria tal perso<strong>na</strong>gem.<br />

Eliú acredita que Deus age segundo a obra ou o comportamento<br />

do ser humano (34:11) e que Deus não sobrecarrega<br />

o homem mais do que é justo (34:23). Eliú quer<br />

comprovar que a justiça de Deus é maior que a justiça de<br />

Jó e que a impie<strong>da</strong>de e a justiça huma<strong>na</strong>s não afetam a<br />

Deus. Elas tem poder de afetar somente aos seres humanos<br />

(35:2,6,8Ao meditar <strong>na</strong>s palavras de Eliú, o vi como<br />

sendo o mensageiro/intérprete para mostrar o caminho a<br />

Jó, sem a necessi<strong>da</strong>de de transformá-lo em anjo. Se o verso<br />

23, do capítulo 33, está ligado ao verso 26, como parece,<br />

então, Eliú está afirmando que o mensageiro/intérprete<br />

orará a Deus em favor de Jó. Se for assim, o mensageiro/<br />

intérprete seria Eliú e não um anjo. Poderíamos até dizer:<br />

o anjo Eliú. Anjo é mensageiro. Um mensageiro de Deus<br />

é um ver<strong>da</strong>deiro anjo, no sentido figurado do termo. Rawlinson<br />

(s.d) afirma categoricamente que nem Eliú nem<br />

qualquer outro humano estaria em foco no texto. O mensageiro/intérprete<br />

seria um anjo. Seja como for, ou um<br />

anjo ou Eliú como mensageiro para declarar a retidão de<br />

Jó, Jó estaria muito bem servido. Eliú é o único dentre<br />

os amigos a não ser reprovado pelo Senhor. Melhor que<br />

qualquer mensageiro, no entanto, é a opinião do próprio<br />

Senhor.<br />

B. O ponto de vista de Deus<br />

Na opinião divi<strong>na</strong>, um servo do Senhor merece ser<br />

observado por Satã. Em consonância com o <strong>na</strong>rrador, o<br />

Senhor afirma que Jó é homem íntegro e reto, temente<br />

a Deus e que se desvia do mal. Servo do quilate de Jó é<br />

rari<strong>da</strong>de, conclui o Senhor, porque ninguém há <strong>na</strong> terra<br />

semelhante a ele (1:8). Numa Convenção de igrejas Batistas,<br />

é possível o Senhor encontrar um servo, uma serva<br />

semelhante a Jó.<br />

No capítulo 2, o Senhor confirma o que havia dito<br />

sobre a integri<strong>da</strong>de de Jó no capítulo primeiro e acrescenta<br />

que Jó retém a sua sinceri<strong>da</strong>de, apesar de Satã ter<br />

incitado o Senhor contra ele, para consumi-lo sem causa.<br />

No verso 6, o Senhor entrega Jó <strong>na</strong> mão de Satã, mas não<br />

o entrega por inteiro. Ordenou o Senhor a Satã em relação<br />

a Jó: “guar<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>”. Esta ordem divi<strong>na</strong> pode<br />

soar estranha para nós hoje, devido ao nosso alto nível<br />

de conhecimento de Satã. Contudo, a concepção de Satã,<br />

<strong>na</strong>quela época, era a de um serviçal do Senhor que cumpria<br />

rigorosamente as suas ordens. Era relator eficiente<br />

<strong>da</strong> comissão para assuntos tenebrosos, <strong>na</strong>useantes. Tem<br />

gente, hoje em dia, que demonstra conhecer muito mais a<br />

Satã do que ao Senhor. As trevas são atraentes, porque são<br />

misteriosas. O mistério é sedutor.<br />

No livro de Jó Satã é o relator e, ao mesmo tempo,<br />

a comissão. A ordem divi<strong>na</strong> extrapola a função satânica.<br />

Além de relator, ele teria que guar<strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> de Jó. Teria<br />

que protegê-lo a qualquer custo. Como serviçal, cabia a<br />

Satã cumprir a ordem do Todo-Poderoso. O Senhor, o<br />

Criador, o Ein Sof, o Sem Fim, tem o direito <strong>da</strong> extrapolação.<br />

Lemos, no Novo Testamento, que nenhuma provação<br />

virá sobre um servo, uma serva de Deus, a qual não<br />

possa suportar. Com a provação o Senhor <strong>da</strong>rá também<br />

o escape. Não há desculpas para nossas que<strong>da</strong>s. Contudo,<br />

se cairmos, o Senhor previu nossa que<strong>da</strong>, ele nos erguerá<br />

com o seu poder, o seu amor, a sua misericórdia, o seu maravilhoso<br />

perdão. Deus não chuta cachorro morto. Ele os<br />

ressuscita, os renova, os recebe. Ser íntegro não é ser perfeito.<br />

Perfeito é só o Senhor. Há em nós incompletudes.<br />

Uma linha de interpretação ju<strong>da</strong>ica declara que o<br />

mundo foi criado perfeito, porém, incompleto. Essa consideração<br />

faz sentido. Eis alguns exemplos de incompletudes<br />

<strong>na</strong> criação: seres sem nomes (Gn 2:19,20) e jardim<br />

por ser lavrado e cui<strong>da</strong>do (Gn 2:5,15). Incompletude<br />

não é sinônimo de imperfeição. Incompletude aponta<br />

para uma parceria que o Criador faz conosco. Somos cocriadores<br />

com o Senhor. Quando digo nós, não me refiro<br />

unicamente aos humanos. A fau<strong>na</strong> e a flora também participam<br />

nesse maravilhoso processo criativo e contínuo.<br />

Gênesis primeiro nos informa que no ato criativo de Deus<br />

há erva que produz semente, há semente que produz nova<br />

erva, há árvore frutífera que dá fruto conforme sua espécie,<br />

fruto que produz nova árvore. Ser humano, imagem e<br />

semelhança do Senhor, que gera outro ser à sua imagem e<br />

semelhança (Gn 5:3).<br />

No verso 12 do capítulo primeiro de Jó, Satã é instrumento<br />

do Senhor. Satã tinha como limite a vi<strong>da</strong> de Jó.<br />

Estava autorizado pelo Senhor a tocar <strong>na</strong>s coisas de Jó,<br />

mas não no seu ser. Coisas vêm e vão. O precioso, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de,<br />

é a vi<strong>da</strong>. Imagi<strong>na</strong>mos que Satã tenha se equivocado,<br />

ao permitir que os filhos de Jó morressem em função do<br />

grande vento <strong>da</strong>lém do deserto. A ordem divi<strong>na</strong> era clara:<br />

“Eis que tudo quanto ele tem está <strong>na</strong>s tuas mãos”. A<br />

permissão divi<strong>na</strong> se limitava ao ter, às posses. A não ser<br />

que Satã entendesse que os filhos fossem também posse<br />

de Jó. Que os mesmos estariam <strong>na</strong> esfera do ter e não do<br />

ser. Seria Jó um pai possessivo? São os filhos e filhas posse<br />

dos pais? Por outro lado, a morte dos filhos e filhas não<br />

escapara à onisciência, onipresença e onipotência divi<strong>na</strong>s.<br />

A morte tem seus mistérios. A Bíblia diz que o Senhor<br />

não é Deus de mortos, e sim, de vivos. Não há mortos<br />

para o Senhor.<br />

Matar Jó seria um erro metodológico. Seria um tiro<br />

no pé de Satã. Seria a sua derrota. Como testar alguém que<br />

já não pertence ao mundo material? Além do mais, ele<br />

tinha ordem expressa do Senhor para não tocar <strong>na</strong> vi<strong>da</strong><br />

de Jó. Aqui me recordo do belíssimo texto de C. S. Lewis<br />

cartas de um diabo a seu aprendiz. Nas orientações do<br />

experiente Fitafuso (o Coisa Ruim) ao seu sobrinho Vermibile<br />

fica evidenciado que permitir ou causar a morte do<br />

humano em processo de tentação é a derrota do tentador.<br />

O experiente Satã do livro de Jó não cometeria esse erro<br />

fatal. Ele levaria a tentação até o fim.<br />

Na opinião do Senhor, uma pessoa íntegra, reta, temente<br />

a Deus e que se desvia do mal é capaz de suportar<br />

as mais duras provações sem blasfemar contra o Senhor.<br />

O Senhor só volta à ce<strong>na</strong> no capítulo 38. De acordo<br />

com o <strong>na</strong>rrador, o Senhor responde a Jó de um redemoinho<br />

(38:1; 40:6), ou, mais precisamente, de uma tempestade<br />

[heb. seará]. Um redemoinho ou tempestade ilustra<br />

bem a situação conturba<strong>da</strong> pela qual passava Jó. O Senhor<br />

se coloca no lugar de seu servo em sofrimento.<br />

A resposta de Deus vem logo após as palavras de<br />

Eliú. Ele diz que Jó escurece o conselho com palavras<br />

sem conhecimento (38:2), ou seja, Jó não tem conhecimento<br />

<strong>da</strong>s origens <strong>da</strong>s coisas e dos seres (38:3), que ele<br />

não é longevo, não é eterno, não é onisciente (38:21), nem<br />

onipotente (38:33). Jó não é Deus. Integri<strong>da</strong>de não nos<br />

eleva à condição de super crentes, de poderosos, de divinos.<br />

Continuamos humanos. Ele é o Senhor. Nós, os seus<br />

servos. Contender com o Todo-Poderoso e arguir a Deus<br />

não é sábio (40:2).<br />

No capítulo 40 acontece algo inédito no livro. O que<br />

parecia distante tor<strong>na</strong>-se próximo. Deus se aproxima de<br />

Jó e Jó se aproxima de Deus. É a primeira vez no livro que<br />

o monólogo é quebrado e se transforma em diálogo. Do<br />

capítulo 38:2 ao 39:30 só Deus fala. No 40:4 e 5 é a vez de<br />

Jó. De 40:7-41:34 o Senhor retoma a palavra. No capítulo<br />

42:2-6 Jó conclui seu pensamento. O Senhor volta a falar<br />

nos versos 7b e 8 do capítulo 42.<br />

Nesse diálogo entre Deus e Jó, Deus afirma que Jó<br />

é seu servo (por quatro vezes Jó é chamado servo pelo<br />

Senhor) e que ele falara de Deus o que era reto (42:7,8).<br />

Portanto, seria aceito pelo Senhor e oraria pelos amigos.<br />

CONCLUSÃO<br />

Gostaria de propor algumas questões para uma reflexão<br />

futura:<br />

1. Quantos de nós acreditamos de fato <strong>na</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />

de uma vi<strong>da</strong> íntegra?<br />

2. Você já fez, por exemplo, o alvo de não pecar por um<br />

único dia, e se esforçou nesse sentido?<br />

3. Seria satânica a ideia de que o mal é invencível?<br />

4. Quantos acreditamos que é possível não pecar com<br />

os lábios, diante de uma situação extrema?<br />

O <strong>na</strong>rrador do livro de Jó acreditou <strong>na</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />

de alguém não pecar diante de provação extrema e tomou<br />

Jó como exemplo de uma pessoa que venceu o pecado <strong>da</strong><br />

língua maldita.<br />

Aqueles que lutam contra o vício do álcool ou de<br />

outras drogas, procuram seguir um precioso ensino do<br />

Senhor Jesus registrado em Mateus 6:34, que diz: não<br />

vos inquieteis, pois pelo dia de amanhã, porque o dia de<br />

amanhã cui<strong>da</strong>rá de si mesmo. Basta a ca<strong>da</strong> dia o seu mal.<br />

Um único dia sem pecado poderia nos trazer a paz de uma<br />

vi<strong>da</strong> inteira. A vi<strong>da</strong> se vive a ca<strong>da</strong> dia.<br />

No fi<strong>na</strong>l do livro, o <strong>na</strong>rrador conclui que o Senhor<br />

virou o cativeiro de Jó, quando orava pelos amigos<br />

(42:10), reverteu o mal que lhe havia enviado (42:11), o<br />

abençoou ain<strong>da</strong> mais que antes (42:12), de maneira que<br />

Jó viu filhos, netos, bisnetos e trinetos antes de descer à<br />

cova, velho e farto de dias (42:16,17). Que jeito bom de<br />

morrer.<br />

Bibliografia<br />

ANDERSEN, Francis I. Jó: introdução e comentário. São Paulo: Mundo<br />

Cristão, 1989.<br />

CHAMPLIN, Russel Norman. O antigo testamento interpretado: versículo<br />

por versículo. São Paulo: Hagnos, 2001.<br />

DAVIDSON, Benjamin. The a<strong>na</strong>lytical Hebrew and Chaldee lexicon. Peabody,<br />

MA: Hendrickson, 1997.<br />

LAURENTINI, Teodorico. Introdução á Bíblia: com antologia exegética.<br />

III/2. Petrópolis: Vozes, 1985.<br />

RAWLINSON, G. in SPENCE, H. D. M.; EXELL, Joseph S. The pulpit<br />

commentary. New York and London: Funk & Wag<strong>na</strong>lls Company, s.d.


O apóstolo Paulo dizia que ele queria fazer o bem<br />

e não conseguia. Assim também somos nós. O que<br />

temos que fazer é colocar nossa vi<strong>da</strong> <strong>na</strong> academia de<br />

Jesus. Na ci<strong>da</strong>de há muitas academias para malhar<br />

o corpo, mas nós precisamos de academia para<br />

“malhar” a alma. E esperamos que a igreja seja esta<br />

academia. Já temos o método, to<strong>da</strong>s as instruções, mas<br />

ain<strong>da</strong> há muitos que se assemelham aquelas pessoas<br />

que têm o prazer de ver as outras pessoas fazendo<br />

aquilo que elas gostariam de fazer e se satisfazem com<br />

isso. Tem um nome para isso em francês: Voier, espia<br />

o que os outros fazem e tem prazer nisso.<br />

A Bíblia é um livro que carregamos de baixo<br />

do braço, ou agora no celular ou tablet, dizemos<br />

que é a nossa regra de fé e prática. Nos evangelhos,<br />

como sabemos, Jesus aparece deze<strong>na</strong>s de vezes,<br />

principalmente no evangelho de Marcos, ensi<strong>na</strong>ndo<br />

<strong>na</strong>s si<strong>na</strong>gogas e no templo em Jerusalém, pregando<br />

e curando. O ministério de Jesus, contudo, foi o<br />

ministério do ensino. Vejamos Mateus 11.29: “Tome<br />

sobre vocês o meu jugo e apren<strong>da</strong>m (este é o verbo)<br />

de mim, que sou manso e humilde de coração, e<br />

vocês encontrarão descanso para suas almas”. Como<br />

é que se aprende? Como é que aprendemos que Jesus<br />

é manso e humilde de coração? De uma hora para<br />

outra? Não.<br />

A Igreja cristã dos tempos apostólicos tinha,<br />

entre seus oficiais e líderes, um que era o pastor<br />

mestre. É neste contexto que lhe convido então a<br />

saborear a mais instigante, penetrante, profun<strong>da</strong><br />

palavra bíblica, sobre o verbo aprender. Tito 2.11-14<br />

diz: “A graça de Deus se manifestou salvadora a toldos<br />

os Homens. Ela nos ensi<strong>na</strong> a renunciar a impie<strong>da</strong>de,<br />

as paixões mun<strong>da</strong><strong>na</strong>s, e a viver de maneira sensata<br />

e justa nesta era presente, enquanto aguar<strong>da</strong>mos a<br />

bendita esperança, a gloriosa manifestação do nosso<br />

grande Deus e salvador Jesus Cristo. Ele se entregou<br />

por nós a fim de nos remir de to<strong>da</strong> a mal<strong>da</strong>de e<br />

purificar para si mesmo um povo particularmente<br />

seu, dedicando prática de boas obras”. Neste texto<br />

então, temos coloca<strong>da</strong>s quatro dimensões <strong>da</strong> graça:<br />

1ª dimensão – A graça de Deus se manifestou<br />

salvadora. Dimensão, portanto, soteriológica. A graça<br />

é salvadora, não é a única.<br />

2ª dimensão – Ela nos ensi<strong>na</strong> a dimensão<br />

pe<strong>da</strong>gógica. Eu nunca tinha pensado, há uns cinco<br />

anos, que a graça ensi<strong>na</strong>. Em outra versão, educa.<br />

Isso é revolucionário. Não é você que se educa, não<br />

é você que consegue ser santo, é a graça que educa<br />

a mim e a você.<br />

3ª dimensão – É a escatológica. Nós esperamos o<br />

futuro chegar à gloriosa manifestação de nosso grande<br />

Salvador e Senhor Jesus Cristo.<br />

4ª dimensão – E a outra é a Eclesiológica, porque<br />

Deus então quer um povo particularmente seu.<br />

Quero me deter só <strong>na</strong> dimensão pe<strong>da</strong>gógica. O<br />

que é a pe<strong>da</strong>gogia? O pe<strong>da</strong>gogo é aquele que pega a<br />

criança pela mão e conduz essa criança pelo caminho<br />

e vai instruindo-a, grosso modo, para ser gente. A<br />

graça, portanto, nos pega pela mão e nos conduz pela<br />

vi<strong>da</strong>. É isso que o apóstolo Paulo está dizendo neste<br />

texto ao seu mentoriado Tito. Inclui ensino formal,<br />

ensino informal, instrução, correção e discipli<strong>na</strong>,<br />

sempre visando o bem-estar dessa criança ou desse<br />

adolescente ou desse jovem. Aplicado neste contexto,<br />

esta palavra quer dizer o seguinte: é Deus que inicia<br />

e supervisio<strong>na</strong> o nosso crescimento espiritual.<br />

Deus jamais salvaria ca<strong>da</strong> um de nós e nos deixaria<br />

Mensagens proferi<strong>da</strong>s durante a <strong>81ª</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> CBM – Julho/2012<br />

Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> graça <strong>Pastor</strong> Israel Belo<br />

sozinhos <strong>na</strong> antiga vi<strong>da</strong> de pecado e de imaturi<strong>da</strong>de.<br />

Como disse Paulo aos Filipenses, a obra que Ele<br />

começou, Ele continua. Deus vai nos aju<strong>da</strong>r, nos<br />

capacitar e completar esta obra de aperfeiçoamento<br />

em nós.<br />

Um texto em que o apóstolo Paulo nos aju<strong>da</strong><br />

a compreender esta dimensão pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> graça<br />

está em 1 Coríntios 6.9-11. “Vocês não sabem que<br />

os perversos não her<strong>da</strong>rão o reino de Deus? Não se<br />

deixem enga<strong>na</strong>r: nem imorais, nem idólatras, nem<br />

adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos,<br />

nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem<br />

caluniadores, nem trapaceiros her<strong>da</strong>rão o reino de<br />

Deus. Assim foram alguns de vocês, mas agora vocês<br />

foram lavados, santificados e justificados em nome<br />

do senhor Jesus Cristo e do Espírito do nosso Deus”.<br />

Como é que o imoral deixa de ser imoral? Primeiro<br />

a graça nos lava, nos limpa dos pecados, então nos<br />

santifica. Isto é, nos separa para uma vi<strong>da</strong> nova, apaga<br />

a sentença de conde<strong>na</strong>do que havia contra nós. É a<br />

graça, portanto, que nos educa para que o efeito dela<br />

se enraíze em nosso caráter, pois é nosso caráter que<br />

nos define.<br />

Caráter é aquilo que nós fazemos no escuro, é<br />

quando fazemos o bem sem esperar aplausos, é aju<strong>da</strong>r<br />

uma velhinha a atravessar a rua sabendo que do outro<br />

lado não tem um fotógrafo, e mesmo que ela não diga<br />

obriga<strong>da</strong>. Isso é caráter. Caráter é definido por aquilo<br />

que fazemos, não por aquilo que nós dizemos que<br />

fazemos. O caráter formata em nós as decisões que<br />

tomamos, e as decisões que tomamos definem quem<br />

somos. Nosso caráter é formado por nossas heranças,<br />

nossos pais, avós, nossos desejos, nossas experiências,<br />

nossos relacio<strong>na</strong>mentos. É por isso que, muitas vezes,<br />

fazemos aquilo que não aprovamos. Uma pessoa que<br />

estava em uma grande enrasca<strong>da</strong>, <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> de pecado,<br />

com grandes consequências, dizia: ‘Eu não quero<br />

isso. É contra meus princípios, mas eu não consigo’.<br />

A pergunta é: nosso caráter pode ser mu<strong>da</strong>do? O<br />

apóstolo Paulo disse que sim. Várias pessoas, segundo<br />

ele, eram <strong>da</strong>quele modo e agora não são mais. Este é<br />

um tema complexo, que envolve estudo <strong>da</strong>s ciências<br />

<strong>da</strong> psicologia, em particular <strong>da</strong> filosofia. Em nosso<br />

meio, alguns acham que o caráter é mu<strong>da</strong>do quando<br />

nos convertemos. Basta aceitar Jesus como salvador<br />

que seremos transformados. Em certo sentido a Bíblia<br />

diz isso quando fala que quando nós recebemos a<br />

Jesus como Senhor e salvador é impresso em nós<br />

e selo de proprie<strong>da</strong>de Divi<strong>na</strong>. Ilustrando com a<br />

imagem de um quadro: quando nós nos convertemos<br />

a moldura é troca<strong>da</strong> pelo Espírito Santo de Deus,<br />

mas o Espírito Santo continua pintando o quadro.<br />

Nós falhamos to<strong>da</strong>s as vezes que pegamos o pincel<br />

<strong>da</strong> mão do Espírito Santo e fazermos nós mesmos<br />

a pintura. Somos muito complexos para sermos<br />

transformados <strong>da</strong> noite para o dia. Essa visão, então,<br />

é bastante poética. Podemos pensar que quando<br />

nos convertemos nós tiramos as nossas mãos e as<br />

colocamos sob as mãos do pe<strong>da</strong>gogo Jesus Cristo, para<br />

sermos conduzidos por ele e aprendermos como ele<br />

é manso e humilde de coração.<br />

Outros acham que esse negócio de caráter é <strong>da</strong><br />

lei. Nós agora somos <strong>da</strong> graça e <strong>na</strong><strong>da</strong> mais se pede de<br />

nós. Que o caráter é <strong>da</strong> lei não tenho dúvi<strong>da</strong>, mas ele<br />

também é <strong>da</strong> graça. Qual é a diferença? Quando nós<br />

estávamos <strong>na</strong> lei estávamos sozinhos <strong>na</strong> construção<br />

de nosso caráter. O resultado foi fracasso. Mas <strong>na</strong><br />

graça não estamos mais sozinhos, temos o Espírito<br />

Santo que nos forma.<br />

Também há aqueles mais pessimistas que acham<br />

que nosso caráter nunca pode ser mu<strong>da</strong>do. Se alguém<br />

é propenso a isso ou aquilo vai continuar como um<br />

escorpião a morder, desde que aja a oportuni<strong>da</strong>de.<br />

Quando nos lembramos de Paulo falando a Tito, a<br />

graça nos ensi<strong>na</strong> a renunciar a impie<strong>da</strong>de e as paixões<br />

huma<strong>na</strong>s e a viver de modo santo, justo e piedoso<br />

nessa hora presente.<br />

Precisamos orar para que Deus nos sonde<br />

(Salmos 139) diariamente e que, se for necessário, nos<br />

discipline. Precisamos continuar a ouvir o evangelho<br />

todos os dias de nossas vi<strong>da</strong>s, porque somente a<br />

lembrança continua<strong>da</strong> do evangelho <strong>da</strong> graça de<br />

Deus, por meio de Cristo, nos guar<strong>da</strong>rá de falhar.<br />

A cultura huma<strong>na</strong> é a cultura do mérito. Nas<br />

empresas é o mérito de quem bate a meta, por<br />

exemplo. No pensamento popular, Deus aju<strong>da</strong> a quem<br />

cedo madruga. Boa parte dos crentes olha para os<br />

demais crentes <strong>da</strong> sua igreja e pensa: Ah, se nessa igreja<br />

tivesse uns 10 ou 15 como eu! Eu sou bom, eu capricho,<br />

eu leio a Bíblia, eu dou o dizimo, não chego atrasado.<br />

O que foi justificado não foi esse, foi aquele que se<br />

abaixou e disse: Senhor tenha misericórdia de mim, um<br />

pecador. Estamos intoxicados pela cultura do mérito.<br />

A bênção de Deus não depende <strong>da</strong> nossa fideli<strong>da</strong>de.<br />

Nós não merecemos ir para o céu. Se nós<br />

merecêssemos seria outro tipo de religião, não a <strong>da</strong><br />

Graça de Jesus. A graça não é justa, graças a Deus.<br />

Recomendo a leitura de um livro magnífico chamado<br />

‘Maravilhosa Graça’. O autor conta uma história<br />

<strong>da</strong> graça que vamos achar horrível. É a seguinte:<br />

“Dois amigos se encontram e um deles diz: ‘estou<br />

com uma chance de fazer um negócio de ouro, mas<br />

preciso de um milhão de reais. Se você entrar comigo<br />

nesse negócio ficaremos ricos. Vamos ganhar muito<br />

dinheiro’. A pessoa pegou o um milhão e entregou<br />

<strong>na</strong>s mãos do camara<strong>da</strong>. Decorrendo algum tempo, o<br />

negócio não deu certo e o um milhão se perdeu. Aí a<br />

pessoa chegou to<strong>da</strong> humilha<strong>da</strong>: ‘Olha, infelizmente<br />

eu perdi todo aquele um milhão de reais. Agora sou<br />

seu escravo. Faço tudo que você quiser’. O rapaz<br />

disse: Não, não, eu lhe dei o dinheiro. Era seu. Você<br />

não me deve <strong>na</strong><strong>da</strong>.” Essa história meio fantasiosa<br />

é para mostrar o que é a graça. Nós é que <strong>da</strong>mos<br />

volta, que chegamos atrasados <strong>na</strong>s coisas. A graça<br />

é Deus apostando em nós. Ele sabe que não há<br />

bem nenhum em nós, mas assim mesmo continua<br />

apostando em nós.<br />

No magnífico livro ‘Transpondo Muralhas’, o<br />

autor traz um exemplo inesquecível <strong>da</strong> Palavra de<br />

Deus. É a história de Davi, quando ele chega a uma<br />

fazen<strong>da</strong> com o seu bando e pede comi<strong>da</strong>. O fazendeiro<br />

disse: Vai trabalhar vagabundo. Ai Davi responde:<br />

Sabe com quem está falando? Esta vendo aqui meu<br />

exército, você vai ver quem sou eu, você nega comi<strong>da</strong><br />

para o meu povo cansado <strong>da</strong> guerra. E Davi orde<strong>na</strong>:<br />

Pessoal, arrumem-se porque ele vai ver quem somos<br />

nós. Mas vem Abigail, se ajoelha diante de Davi e<br />

diz: Senhor Davi, não faça isso. Ele não sabe o que<br />

está fazendo. E Davi responde: Oh, Deus, eu te dou<br />

graça por esta mulher (com quem se casaria depois),<br />

porque me impediu de derramar sangue. Com<br />

base nessa história, o autor do livro faz a seguinte<br />

aplicação: a agen<strong>da</strong> de nossa vi<strong>da</strong> não pode ser <strong>da</strong><strong>da</strong><br />

pelo outro, ou seja, o que o outro faz de ruim não nos<br />

pode tor<strong>na</strong>r iguais a ele.<br />

Então, “apren<strong>da</strong>m de mim, que sou manso<br />

e humilde de coração”. Preste atenção <strong>na</strong> graça<br />

quando Jesus multiplica os pães. Logo depois os<br />

discípulos começaram uma discussão entre si e Jesus<br />

os repreende, conforme Marcos 8.21: Vocês ain<strong>da</strong><br />

não entendem, ou seja, os discípulos não estavam<br />

prestando atenção <strong>na</strong> graça. Outro exemplo <strong>da</strong> graça:<br />

Jesus foi seguido por uma multidão de pessoas,<br />

multidão que ficou ouvindo o discurso de Jesus, mas<br />

multidão que não se planejou, não se organizou, então<br />

trouxe o seu farnel. Problema de Jesus? Não. Quem<br />

vai num piquenique, vai a uma palestra, providencia.<br />

Por isso os discípulos disseram, mandem embora.<br />

Jesus disse: Vocês ain<strong>da</strong> não entenderam. Jesus não<br />

multiplicou aqueles pães porque aquelas pessoas<br />

mereciam, multiplicou porque tinham fome.<br />

Deseje aprender sobre a graça. Ca<strong>da</strong> vez que eu<br />

conheço mais <strong>da</strong> graça fico com mais raiva de mim.<br />

Mas por que nós nunca sabemos suficientemente<br />

sobre a graça? Pedro nos diz: Cresçam <strong>na</strong> graça. Não<br />

sabemos quase <strong>na</strong><strong>da</strong> sobre a graça. Quem aprende está<br />

<strong>na</strong> companhia de Jesus. O autor aos Hebreus fala que<br />

Jesus, embora sendo filho, aprendeu a obedecer por<br />

meio <strong>da</strong>quilo que sofreu e, aperfeiçoado, tornou-se<br />

a fonte de salvação eter<strong>na</strong> para todos os que lhe<br />

obedecem. Temos que deixar de sermos mestres para<br />

nos tor<strong>na</strong>rmos aprendizes. Hoje ouvimos: A educação<br />

<strong>na</strong> Igreja está em crise. Não me impressio<strong>na</strong>. Houve<br />

um tempo no meio batista em que o número de alunos<br />

<strong>na</strong> escola dominical era maior que nos cultos. Hoje<br />

a quanti<strong>da</strong>des de pessoas no culto é três ou quatro<br />

vezes maior que <strong>na</strong>s escolas bíblicas. Para mim não<br />

é literatura, não é metodologia. O problema é a<br />

autossuficiência dos crentes. Já acham que sabem.<br />

Quem já sabe não precisa aprender. Mas sobre graça<br />

nós estamos no pré-escolar e precisamos colocar<br />

nossa vi<strong>da</strong> <strong>na</strong> academia <strong>da</strong> graça.<br />

Deseje ser envolvido pela atmosfera <strong>da</strong> graça. Ela<br />

é feita de ternura pela liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> culpa, <strong>da</strong> alegria.<br />

Isso quer dizer: julgar menos os outros, pensar menos<br />

nos seus próprios direitos, ser mais confiante em<br />

Deus, ter mais esperança nEle.<br />

Exale a graça, o que é muita responsabili<strong>da</strong>de. É<br />

pelo nosso intermédio que Deus exala em todo o lugar<br />

a fragrância do seu conhecimento. Essa é a vitória do<br />

cristão, exalar a fragrância do cristão.<br />

Deixe-se conduzir em Atos 9.4-8. Temos o relato<br />

<strong>da</strong> conversão de Paulo. Depois dessa experiência ele<br />

foi conduzido por um pe<strong>da</strong>gogo até Damasco para ser<br />

orientado por um homem de Deus chamado A<strong>na</strong>nias.<br />

Ele seria mentoriado por A<strong>na</strong>nias, ou seja, aquela<br />

experiência numerosa, surpreendente, reveladora e<br />

transformadora do apóstolo Paulo não era suficiente.<br />

Paulo precisava ser ensi<strong>na</strong>do. Paulo precisava de uma<br />

pe<strong>da</strong>gogia para sua vi<strong>da</strong>, por isso Deus providenciou<br />

alguém para lhe pegar <strong>na</strong> sua mão. Ain<strong>da</strong> hoje Deus<br />

providencia alguém para tomar você pela mão, para<br />

conduzir você a um lugar de segurança e crescimento,<br />

porque depois <strong>da</strong> revelação vem a instrução e a Igreja<br />

é ou deve ser aquele a qual Deus a propicia para nossa<br />

formação. A igreja é nossa escola, é nossa pe<strong>da</strong>goga,<br />

é aquela que conduz pela mão os aprendizes que<br />

querem aprender de Jesus. Deixe-se conduzir por<br />

Jesus por meio <strong>da</strong> Igreja. Paulo escreve que a graça<br />

se mostrou salvadora para todos os homens e ela nos<br />

ensi<strong>na</strong> a renunciar a impie<strong>da</strong>de e as paixões huma<strong>na</strong>s<br />

e a viver de maneira sensata, justa e piedosa. Vamos<br />

nos matricular <strong>na</strong> escola <strong>da</strong> graça, que a ca<strong>da</strong> dia tem<br />

uma lição nova para que o nosso caráter exale não<br />

a nossa <strong>na</strong>tureza adâmica, mas o perfume do novo<br />

Adão. Jesus Cristo.

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