O Fora de Lugar: reflexões sobre direitos humanos, inquietações e ...
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construção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> segregação, <strong>de</strong> prisão, <strong>de</strong> internamento, <strong>de</strong> punição, <strong>de</strong><br />
correção. Paira <strong>sobre</strong> toda esta população, não apenas a ameaça representada pela perda<br />
<strong>de</strong> <strong>direitos</strong>, inclusive aqueles <strong>de</strong>finidos como fundamentais, como a própria suspeita da<br />
inumanida<strong>de</strong> ou da <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>.<br />
Quando os <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong> foram pensados, foram pensados, portanto, o que é<br />
humano e o que é direito, como forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar o mundo, <strong>de</strong> não permitir nada, nem<br />
ninguém fora do lugar, inclusive, que a ninguém fosse permitido ficar fora do tempo,<br />
<strong>de</strong>ste tempo dos <strong>direitos</strong>. A ninguém <strong>de</strong>veria ser permitido ser retardatário, romântico,<br />
anacrônico, reacionário. O tempo do Homem e dos <strong>direitos</strong> que era o presente rompia<br />
<strong>de</strong>finitivamente com o passado e, portanto, o superava na busca <strong>de</strong> um futuro pensado<br />
como o ápice <strong>de</strong> um processo ascensional do humano, como os píncaros da glória <strong>de</strong><br />
uma humanida<strong>de</strong> que caminhava para o alto. Este mundo governado pelo Homem <strong>de</strong><br />
<strong>direitos</strong> fundava uma or<strong>de</strong>m da qual estavam abolidos todas as <strong>inquietações</strong> e <strong>de</strong>safios.<br />
Nada estaria fora do lugar, pois os lugares estariam quadriculados e garantidos pelos<br />
códigos, pelas normas, regras e leis que o Homem resolvera criar e obe<strong>de</strong>cer, gerando a<br />
estabilida<strong>de</strong>, a permanência e a certeza que a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m da Natureza não garantia. Se<br />
abrigar sob a sombra generosa da árvore do direito, não era o mesmo que <strong>de</strong>scansar<br />
preguiçosos à sua sombra, como costumam fazer estas gentes dos vales e das terras do<br />
conto <strong>de</strong> Lightman, mas era trabalhar ardorosa e ininterruptamente para o seu império se<br />
expandir e se estabilizar. Apenas sob o império da lei e da or<strong>de</strong>m evitaríamos a<br />
emergência inesperada e atemorizadora do animal que teima em habitar o humano, em<br />
atormentá-lo, em colocá-lo em risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabamento. Vigiar a fera que habita cada<br />
homem, <strong>de</strong>sentranhá-la, fazê-la falar para <strong>de</strong>la se livrar seria a tarefa entregue não só a<br />
cada homem, mas a certos profissionais preparados para serem domadores <strong>de</strong> bestas, da<br />
besta humana, este oximoro insuportável.<br />
Aos educadores, aos professores caberia nos afastar da condição <strong>de</strong> infantes,<br />
<strong>de</strong>sta inumanida<strong>de</strong> incômoda, aconselhando inclusive as crianças do alto a se manterem<br />
afastadas daquelas que nasceram ou medraram nas regiões mais baixas do social,<br />
selvagens irremediáveis, animais <strong>de</strong>stinados aos reformatórios. A vida seria esta corrida<br />
para longe do inumano, pois se este não tem <strong>direitos</strong> em nossa socieda<strong>de</strong>, se seu único<br />
direito é <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, é renunciar a seu próprio ser, quem vai querer continuar nesta<br />
condição. Embora saibamos que a inumanida<strong>de</strong> nos persegue, nos atormenta, entra ou<br />
sai por todos os orifícios do nosso corpo, se ela se manifesta quando menos se espera, se