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DIRETORIA 2003-2006<br />
Presidente<br />
Adriana Giarola Kayama<br />
1 a . Secretária<br />
Helena Jank<br />
2 o . Secretário<br />
José Augusto Mannis<br />
Tesoureira<br />
Denise Garcia<br />
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E<br />
PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA - ANPPOM<br />
Conselho Editorial<br />
Maria Lúcia Pascoal, Editora<br />
(UNICAMP)<br />
AndréCavazzotti (UFMG)<br />
Cristina Tourinho (UFBA)<br />
Fernando Iazzetta (USP)<br />
Conselho Consultivo<br />
Cristina Gerling (UFGRS)<br />
Edson Zanpronha (UNESP)<br />
Maria de Lourdes Sekeff (UNESP)<br />
Regina Marcia Simão Santos (UNIRIO)<br />
Sandra Reis (UFMG)<br />
Luciana Del Ben (UFGRS)<br />
Os resumos dos artigos <strong>da</strong> OPUS 12. estão indexados <strong>em</strong> RILM Abstracts of Music<br />
Literature. New York: Cuny.<br />
Os textos aqui apresentados são de estrita responsabili<strong>da</strong>de de seus autores.<br />
OPUS : Revista <strong>da</strong> Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação <strong>em</strong> Música -<br />
ANPPOM – Ano 12, n. 12 (dez, 2006) - Campinas (SP) : ANPPOM, 2006.<br />
Anual<br />
Versão <strong>impressa</strong> ISSN – 0103-7412 - Versão Eletrônica ISSN 1517-7017<br />
Música – Periódicos. 2. Musicologia. 3. Composição (Música). 4. Música –<br />
Instrução e ensino. 5. Música – Interpretação. I. Associação Nacional de Pesquisa e<br />
Pós-Graduação <strong>em</strong> Música (Brasil)<br />
CDU 78(05)
Editorial<br />
Maria Lúcia Pascoal .......................................................................... 05<br />
Artigos<br />
A pesquisa <strong>em</strong>pírica <strong>em</strong> expressivi<strong>da</strong>de munical: métodos e<br />
modelos de representação e extração de informação de conteúdo<br />
expressivo musical.<br />
Mauricio Alves Loureiro ......................................................................07<br />
O Sentido <strong>da</strong> Análise Musical.<br />
Antenor Ferreira Corrêa .................................................................. 33<br />
Aspectos de transformação t<strong>em</strong>ática no “Noturno” para o III Ato<br />
de Condor de Carlos Gomes.<br />
Marcos Pupo Nogueira .................................................................... 54<br />
Desconstruindo O ursozinho de algodão de Heitor Villa-Lobos.<br />
Marcos Mesquita ............................................................................. 65<br />
Primeiro afeto: como jogar notas ao vento.<br />
Silvio Ferraz ....................................................................................80<br />
Brasili<strong>da</strong>de e S<strong>em</strong>iose Musical.<br />
José Luiz Martinez ..........................................................................114<br />
Conhecedores e amadores na crítica setecentista à música de<br />
Haydn.<br />
Mônica Lucas ..................................................................................132<br />
Breve retrospectiva histórica e desafios do ensino de música na<br />
educação básica brasileira.<br />
Rita de Cássia Fucci Amato ............................................................144<br />
ENTREVISTAS<br />
SUMÁRIO<br />
Uma conversa com Joseph Straus.<br />
Cíntia Macedo Albrecht ...................................................................169<br />
GRUPOS DE TRABALHO ...............................................................181
RESENHAS<br />
Um estudo sobre música do século XX.<br />
Corrêa, Antenor Ferreira. Estruturações Harmônicas Pós-Tonais<br />
Matheus Biondi ................................................................................ 202<br />
SUMÁRIO DOS NÚMEROS ANTERIORES DA OPUS ....................203<br />
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ...................................................... 209
EDITORIAL<br />
Com prazer reconhec<strong>em</strong>os o fato de que a chama<strong>da</strong> <strong>da</strong> revista<br />
OPUS, aumentando o tamanho dos artigos obteve boa<br />
repercussão. O número 12 contém artigos de pesquisas, uma<br />
entrevista com o professor, téorico e analista <strong>da</strong> música do século<br />
XX Joseph Straus e inaugura a nova seção de resenhas.<br />
Abre com a apresentação de pesquisa de Mauricio Loureiro,<br />
que investiga a expressivi<strong>da</strong>de na performance musical, interesse<br />
de intérpretes, musicólogos e cientistas <strong>da</strong> computação, entre<br />
outros. O trabalho revê recentes metodologias a partir <strong>da</strong><br />
informação do próprio som e aí identifica parâmetros acústicos<br />
que possam descrever o conteúdo expressivo.<br />
Uma subdivisão <strong>da</strong> Musicologia ain<strong>da</strong> no início de ativi<strong>da</strong>des no<br />
Brasil, Análise Musical, está representa<strong>da</strong> no artigo de Antenor<br />
Ferreira Corrêa, na reflexão sobre o percurso que a pesquisa<br />
sobre essa ativi<strong>da</strong>de realizou durante o século XX e os<br />
desdobramentos que ampliaram suas perspectivas.<br />
Em uma síntese panorâmica <strong>da</strong> música brasileira, é possível<br />
observar aspectos de análises <strong>da</strong>s composições de Carlos<br />
Gomes, quando Marcos Pupo Nogueira explica as<br />
transformações dos motivos básicos do “Noturno” <strong>da</strong> ópera<br />
Côndor; as experimentações de Villa-Lobos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920,<br />
na pesquisa de Marcos Mesquita sobre a peça “O Ursosinho de<br />
algodão”, <strong>da</strong> Prole do Bebê n. 2. e <strong>da</strong> música do final do século<br />
XX, no trabalho de Silvio Ferraz, que traz trechos de<br />
composições de Marisa Rezende, Willy Correa e Guilherme<br />
Nascimento. A questão <strong>da</strong> brasili<strong>da</strong>de na música segundo a<br />
perspectiva <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iótica é discuti<strong>da</strong> por José Luiz Martinez.
Monica Lucas estu<strong>da</strong> aspectos de Retórica e Estética e observa<br />
como conhecedores e amadores influiram na aceitação <strong>da</strong> música<br />
de Haydn no século XVIII.<br />
Na área <strong>da</strong> Educação Musical, apresenta um estudo de Rita<br />
Fucci Amato, que se detém na ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s escolas de ensino<br />
fun<strong>da</strong>mental e médio no Brasil e procura contextualizar avanços<br />
no ensino de música ao lado <strong>da</strong> discussão de outros probl<strong>em</strong>as.<br />
Dando continui<strong>da</strong>de à seção de Entrevistas que a OPUS realiza<br />
desde o número 10, Cintia Macedo Albrecht elaborou questões<br />
para Joseph Straus, <strong>da</strong> CUNY (EUA). O professor discorre sobre<br />
análise, teoria dos conjuntos e possíveis relacionamentos através<br />
<strong>da</strong> análise.<br />
Em Grupos de Trabalho, uma carta de esclarecimento<br />
relaciona<strong>da</strong> à Opus 11 e o relato dos grupos reunidos no último<br />
Congresso <strong>da</strong> ANPPOM, <strong>em</strong> Brasília.<br />
A nova seção Resenhas traz comentários de Matheus Biondi<br />
sobre a publicação Estruturas harmônicas na música pós-tonal<br />
de Antenor Ferreira Corrêa (Unesp, 2006).<br />
A todos, uma boa leitura!<br />
Maria Lúcia Pascoal
A PESQUISA EMPÍRICA EM EXPRESSIVIDADE<br />
MUSICAL: MÉTODOS E MODELOS DE<br />
REPRESENTAÇÃO E EXTRAÇÃO DE INFORMAÇÃO<br />
DE CONTEÚDO EXPRESSIVO MUSICAL<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
Mauricio Alves Loureiro<br />
Resumo: Este texto busca rever recentes abor<strong>da</strong>gens metodológicas na investigação <strong>da</strong><br />
expressivi<strong>da</strong>de na performance musical a partir <strong>da</strong> extração de informação do próprio som, visando<br />
identificar os parâmetros acústicos capazes de descrever o conteúdo expressivo. Este probl<strong>em</strong>a<br />
v<strong>em</strong> despertando interesse de musicólogos, psicólogos, cientistas de computação, engenheiros<br />
e físicos, há quase duas déca<strong>da</strong>s. Um grande número de pesquisa quantitativa <strong>em</strong> diferentes<br />
aspectos <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de musical v<strong>em</strong> sendo realizado com base <strong>em</strong> medições de parâmetros<br />
acústicos visando identificar e quantificar a correlação entre variações destes parâmetros e as<br />
intenções do intérprete para comunicar ao ouvinte diferentes aspectos <strong>da</strong> música que eles tocam.<br />
Palavras Chave: Expressivi<strong>da</strong>de musical. Extração de informação musical. Análise <strong>em</strong>pírica <strong>da</strong><br />
performance musical.<br />
Abstract: Recent methodological approaches for research in musical expressiveness is here<br />
presented. Starting from music content information extracted from audio recordings of performed<br />
music, this category of investigation seeks to identify the acoustic parameters capable of describing<br />
the expressive content of a musical performance. Since almost two decades, a great number of<br />
quantitative research on different aspects of musical expressiveness has been accomplished by<br />
musicologists, psychologists, computer scientists, engineers and physicists, based on<br />
measur<strong>em</strong>ents of acoustic parameters, in an att<strong>em</strong>pt to identify and to quantify the correlation<br />
between variations of these parameters and the musician’s intentions to communicate to the listener<br />
different aspects of the music they play.<br />
Keywords: Musical Expressiveness. Empirical Analysis of Musical Performance.<br />
Introdução<br />
sDurações, dinâmicas e timbres de uma performance musical variam<br />
consideravelmente entre diferentes intérpretes e mesmo entre duas<br />
performances do mesmo intérprete. Os valores exatos de duração<br />
<strong>da</strong>s notas indicados na partitura nunca são executados, enquanto<br />
que dinâmicas e timbres são especificados subjetivamente por<br />
instruções verbais tais como piano, fortissimo, crescendo,<br />
diminuendo ou adjetivos e locuções relaciona<strong>da</strong>s às intenções<br />
expressivas do compositor. Diferenças entre performances são<br />
percebi<strong>da</strong>s com uma clareza surpreendente, mesmo por ouvintes<br />
7
não especializados, o que faz com que uma performance<br />
tecnicamente perfeita, mas inexpressiva, seja quase s<strong>em</strong>pre menos<br />
aprecia<strong>da</strong> que uma interpretação expressiva <strong>da</strong> mesma partitura,<br />
ain<strong>da</strong> que contenha alguns erros ou imprecisões. Investigar os<br />
fatores determinantes destas características perceptivas tão<br />
evidentes t<strong>em</strong> sido o propósito <strong>da</strong> pesquisa sobre a expressivi<strong>da</strong>de<br />
conduzi<strong>da</strong> ou percebi<strong>da</strong> <strong>em</strong> uma performance musical.<br />
Estudos sobre performance musical estão necessariamente<br />
relacionados à percepção envolvendo questões sobre os<br />
mecanismos de transmissão e percepção de el<strong>em</strong>entos básicos <strong>da</strong><br />
música tais como ritmo, t<strong>em</strong>po, altura, tonali<strong>da</strong>de, intensi<strong>da</strong>de,<br />
timbre, assim como de agrupamento de notas, frases ou estruturas<br />
maiores, ou mesmo mais abstratas tais como expressivi<strong>da</strong>de,<br />
<strong>em</strong>oção e afeto. No final do século XIX, alguns estudos já se<br />
voltavam para esse tipo de probl<strong>em</strong>a, mas foi somente a partir de<br />
meados do século XX que inovações tecnológicas, <strong>em</strong> especial a<br />
computação científica, viabilizaram metodologias de análise musical<br />
que pudess<strong>em</strong> partir do material acústico (sinal de áudio),<br />
oferecendo à musicologia possibili<strong>da</strong>des diferencia<strong>da</strong>s para abor<strong>da</strong>r<br />
probl<strong>em</strong>as mais próximos à percepção <strong>da</strong> música. A possibili<strong>da</strong>de<br />
de extrair diretamente do som categorias de informação de conteúdo<br />
musical nunca antes imagina<strong>da</strong>s há 50 anos atrás, permitiu o avanço<br />
relativamente recente <strong>da</strong> pesquisa volta<strong>da</strong> para a compreensão <strong>da</strong><br />
<strong>em</strong>oção e <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de. A partir de representações que utilizam<br />
sist<strong>em</strong>aticamente processamento digital de sinais, modelag<strong>em</strong><br />
computacional e estatística, esta categoria de pesquisa busca<br />
mapear estruturas expressivas e estabelecer relações com a<br />
informação extraí<strong>da</strong> do “estímulo musical”.<br />
ESTADO DA ARTE DA PESQUISA EM EXPRESSIVIDADE<br />
MUSICAL<br />
Antecedentes<br />
As primeiras pesquisas <strong>em</strong>píricas <strong>em</strong> performance musical foram<br />
8<br />
Revista Opus 12 - 2006
conduzi<strong>da</strong>s por Binet e Courtier (1895) no final do século XIX, que<br />
conseguiram registrar a força de pressionamento <strong>da</strong> tecla do piano,<br />
utilizando um pequeno tubo de borracha posicionado <strong>em</strong>baixo <strong>da</strong>s<br />
teclas. Pulsos de ar eram formados quando o tubo era pressionado,<br />
os quais controlavam uma agulha que registrava a ação <strong>em</strong> um<br />
papel <strong>em</strong> movimento. Este dispositivo possibilitou investigar a<br />
execução de trinados, acentos e variações de dinâmica. O estudo<br />
foi capaz de identificar padrões de ações conduzi<strong>da</strong>s por pianistas<br />
para realizar gestos expressivos, como por ex<strong>em</strong>plo, um acento –<br />
além de imprimir maior tensão na tecla acentua<strong>da</strong>, o intérprete toca<br />
a nota precedente mais destaca<strong>da</strong> e a nota acentua<strong>da</strong> um pouco<br />
alonga<strong>da</strong> e mais liga<strong>da</strong> à nota seguinte (citado <strong>em</strong> Gabrielsson,<br />
1999, p. 525). Dispositivos eletromecânicos foram utilizados por<br />
Ebhardt (1898) para registrar a pressão nas teclas do piano, que<br />
também identificaram alongamentos <strong>em</strong> notas acentua<strong>da</strong>s e por<br />
Sears (1902), que mediu variações na duração de notas de mesmo<br />
valor, na duração de compassos e nas proporções entre durações<br />
de notas de valores distintos toca<strong>da</strong>s por organistas (citado <strong>em</strong><br />
Gabrielsson, 1999, p. 525-526). Um grande número de estudos <strong>em</strong><br />
performance musical foi desenvolvido nas déca<strong>da</strong>s de 1920 e 1930,<br />
destacando-se os trabalhos do grupo de pesquisa <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
de Iowa, liderado por Seashore, os quais registraram um enorme<br />
volume de <strong>da</strong>dos coletados de performances no piano, violino e<br />
canto, publicados <strong>em</strong> vários volumes (Seashore, 1932, 1936, 1937;<br />
Skinner e Seashore, 1937; Seashore, 1938; citado <strong>em</strong> Gabrielsson,<br />
1999, p. 527).<br />
A partir destas primeiras investigações, a pesquisa <strong>em</strong> performance<br />
musical t<strong>em</strong> se desenvolvido <strong>em</strong> direção à compreensão deste<br />
complicado fenômeno que envolve não apenas o comportamento<br />
do instrumentista frente ao texto que interpreta, mas também os<br />
mecanismos de percepção envolvidos na escuta. Um grande número<br />
de pesquisa quantitativa <strong>em</strong> diferentes aspectos <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de<br />
musical d<strong>em</strong>onstraram que músicos comunicam ao ouvinte, uma<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
9
varie<strong>da</strong>de de características <strong>da</strong> música que eles interpretam a partir<br />
de pequenas variações de durações, articulações, intensi<strong>da</strong>des,<br />
alturas e timbres.<br />
Repp (1990) mediu as diferenças entre performances de diferentes<br />
pianistas, mas evidenciou também <strong>em</strong> estudo posterior (Repp, 1992)<br />
inúmeros fatores comuns entre eles, relacionando-os à estrutura<br />
<strong>da</strong> obra interpreta<strong>da</strong>. Sundberg et al. (1991a) buscou identificar<br />
parâmetros acústicos envolvidos <strong>em</strong> uma performance musical, com<br />
a finali<strong>da</strong>de de quantificar “as pequenas e grandes variações de<br />
t<strong>em</strong>po, dinâmica, timbre e afinação, as quais formam a<br />
microestrutura de uma performance e diferenciam performances<br />
distintas <strong>da</strong> mesma partitura” (Palmer, 1997, p. 118). Uma vez<br />
quantifica<strong>da</strong>s estas variações, o passo seguinte seria entender onde<br />
reside o “impacto <strong>em</strong>ocional” de uma performance, e como este<br />
impacto é conduzido, tal como sugerido por Gabrielsson (1995) e<br />
Juslin (1997; 2000). Descrever e reconhecer classes de padrões<br />
que possam eluci<strong>da</strong>r a influência destes parâmetros na<br />
expressivi<strong>da</strong>de percebi<strong>da</strong>, quase s<strong>em</strong>pre se utilizando-se de Análise<br />
Estatística e Modelag<strong>em</strong> Computacional, t<strong>em</strong> sido o foco de um<br />
grande número de estudos <strong>em</strong> performance musical.<br />
Intenção Expressiva do Intérprete<br />
Desvios de t<strong>em</strong>po, dinâmica, articulação e timbre não escritos na<br />
partitura e introduzidos pelo intérprete, variam de acordo com a<br />
obra, com o instrumento e com o intérprete. Alguns estudos<br />
buscaram parametrizar as intenções expressivas individuais de<br />
diferentes intérpretes e verificar se tais intenções são percebi<strong>da</strong>s a<br />
partir <strong>da</strong> mesma codificação (Clarke, 1993; Gabrielsson, 1999).<br />
Seashore já teria sugerido uma possível abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> que examinasse<br />
como o ouvinte extrai do som as intenções do intérprete, afirmando<br />
que “as relações psicofísicas entre o intérprete e o ouvinte são<br />
fun<strong>da</strong>mentais para a compreensão <strong>da</strong>s microestruturas <strong>da</strong><br />
performance musical” (Seashore, 1938). Alguns estudos abor<strong>da</strong>ram<br />
10<br />
Revista Opus 12 - 2006
o probl<strong>em</strong>a por esta via, como por ex<strong>em</strong>plos os trabalhos <strong>em</strong><br />
percepção musical e aspectos <strong>em</strong>ocionais <strong>da</strong> performance de<br />
Slobo<strong>da</strong> (1985), que evidenciaram uma correlação entre as<br />
intenções do intérprete e a percepção dos ouvintes.<br />
Senju e Ohgushi (1987) analisaram 10 performances no violino<br />
realiza<strong>da</strong>s <strong>em</strong> diferentes nuances, especifica<strong>da</strong>s por denominações<br />
subjetivas tais com fraco, poderoso, brilhante, triste, sofisticado,<br />
belo, como um sonho, elegante, simples, profundo e confirmaram<br />
a correlação entre intenção e percepção observa<strong>da</strong> por Slobo<strong>da</strong>. A<br />
capaci<strong>da</strong>de dos ouvintes de identificar claramente determina<strong>da</strong>s<br />
performances como expressivas ou não e de reconhecer<br />
determina<strong>da</strong>s intenções expressivas, permitiu que Repp (1992)<br />
acreditasse na existência de princípios objetivos que determinam<br />
se uma performance é ou não expressiva ou “musical”.<br />
Gabrielsson e Juslin (1996) lograram evidenciar relações<br />
consistentes entre resultados de testes de percepção de intenções<br />
expressivas e parâmetros acústicos de diferentes performances de<br />
nove músicos profissionais, instruídos para tocar <strong>em</strong> diferentes<br />
nuances expressivas a partir dos adjetivos alegre, triste, raivoso,<br />
amedrontado, suave, solene e inexpressivo. Canazza, De Poli et<br />
al. (1997) estu<strong>da</strong>ram também a correlação entre a intenção<br />
percebi<strong>da</strong> e parâmetros acústicos extraídos de sete performances<br />
distintas do Concerto <strong>em</strong> Lá Maior para clarineta e orquestra de<br />
Mozart, diferencia<strong>da</strong>s por adjetivos sensoriais (duro, mole, pesado,<br />
leve, brilhante, escuro), identificando parâmetros acústicos<br />
determinantes de diferenciações específicas entre as execuções,<br />
além de confirmar a correlação entre os <strong>da</strong>dos relacionados às<br />
intenções do intérprete e à percepção dos ouvintes. Uma vali<strong>da</strong>ção<br />
compl<strong>em</strong>entar foi realiza<strong>da</strong> através de performances sintetiza<strong>da</strong>s a<br />
partir dos parâmetros determinados, com resultados bastante<br />
satisfatórios (Canazza, De Poli e Vidolin, 1997).<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
11
Os resultados destes estudos evidenciaram a complexi<strong>da</strong>de do<br />
probl<strong>em</strong>a frente às inúmeras possibili<strong>da</strong>des que o intérprete pode<br />
escolher para transmitir sua intenção expressiva. Diferentes<br />
motivações expressivas são às vezes transmiti<strong>da</strong>s por efeitos<br />
acústicos similares, do mesmo modo que diferentes efeitos acústicos<br />
pod<strong>em</strong> levar à mesma idéia expressiva, dificultando a formalização<br />
do probl<strong>em</strong>a de identificar as causas de características perceptivas<br />
tão evidentes.<br />
Modelos Baseados <strong>em</strong> Aspectos Específicos <strong>da</strong> Performance<br />
Vários estudos se dedicaram à modelag<strong>em</strong> de aspectos específicos<br />
<strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de musical, como por ex<strong>em</strong>plo: as correlações entre<br />
o ritar<strong>da</strong>ndo final e o movimento humano (Kronman e Sundberg,<br />
1987; Todd, 1995; Friberg e Sundberg, 1999; Friberg, Sundberg et<br />
al., 2000; Sundberg, 2000; Honing, 2003); a duração de notas de<br />
appogiaturas (Timmers, Ashley et al., 2002); o vibrato (Desain e<br />
Honing, 1996; Shoonderwaldt e Friberg, 2001); a articulação,<br />
envolvendo quali<strong>da</strong>de de ataque, legato e staccato e suas relações<br />
com o contexto musical local (Dannenberg e Derenyi, 1998; Bresin<br />
e Battel, 2000; Bresin e Widmer, 2000; Bresin, 2001). Sundberg e<br />
Verrillo (1980) identificaram o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de de<br />
segmentação de frases feita por ca<strong>da</strong> intérprete individualmente,<br />
para a mesma partitura e propôs que ca<strong>da</strong> intérprete delimita o<br />
início e final <strong>da</strong>s frases a partir de desvios de t<strong>em</strong>po (rallentando ou<br />
accellerando). Todd propôs um modelo computacional para os<br />
desvios t<strong>em</strong>porais (Todd, 1985) e de intensi<strong>da</strong>de (Todd, 1992) que<br />
enfatizariam a hierarquia <strong>da</strong>s frases musicais. Utilizando equações<br />
<strong>da</strong> cin<strong>em</strong>ática o modelo estabelece relações entre variações de<br />
t<strong>em</strong>po <strong>da</strong> performance e o comportamento de um corpo <strong>em</strong><br />
movimento (Todd, 1995). Clynes (1995) propôs um modelo a partir<br />
<strong>da</strong> obra interpreta<strong>da</strong>, formalizando padrões de variação de t<strong>em</strong>po<br />
relacionados a compositores específicos. Algumas abor<strong>da</strong>gens<br />
utilizaram medições dos gestos físicos do intérprete, como a de<br />
Askenfelt (1986) que mediu o movimento do arco de um violinista<br />
12<br />
Revista Opus 12 - 2006
tocando o concerto de Beethoven uma vez suave e outra vez<br />
agressivo e constatou que a <strong>versão</strong> agressiva foi caracteriza<strong>da</strong> por<br />
uma maior força média do arco sobre a cor<strong>da</strong> e ataques mais<br />
abruptos.<br />
Modelos de Regras Gerativas de Performance.<br />
A idéia de que músicos manipulam parâmetros expressivos de forma<br />
estrutura<strong>da</strong>, previsível e relaciona<strong>da</strong> com a estrutura <strong>da</strong> música,<br />
v<strong>em</strong> sendo investiga<strong>da</strong> desde as pesquisas de Seashore (1938).<br />
Recentes estudos buscam formalizar modelos computacionais com<br />
vistas a possibilitar predições a respeito <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de de uma<br />
performance musical, envolvendo não apenas a especificação<br />
precisa de parâmetros físicos para descrever a performance, mas<br />
também a quantificação <strong>da</strong>s relações entre os valores medidos a<br />
partir <strong>da</strong> formalização de regras. Clarke (Clarke, 1988) apresentou<br />
pela primeira vez um modelo generalizado para a expressivi<strong>da</strong>de<br />
musical, que propunha um conjunto de nove regras gerativas de<br />
estruturas de agrupamento de t<strong>em</strong>pos e intensi<strong>da</strong>des capazes de<br />
predizer aspectos expressivos <strong>da</strong> performance a partir de informação<br />
obti<strong>da</strong> exclusivamente <strong>da</strong> partitura.<br />
Um sist<strong>em</strong>a de regras quantitativas para estu<strong>da</strong>r a performance<br />
musical v<strong>em</strong> sendo desenvolvido no Royal Institute of Technologie<br />
(KTH) de Estocolmo há mais de 20 anos. As regras foram<br />
estabeleci<strong>da</strong>s a partir de determinações dos desvios de valores de<br />
parâmetros <strong>em</strong> relação aos valores nominais <strong>da</strong> partitura. Estes<br />
desvios foram determinados através <strong>da</strong> manipulação de parâmetros<br />
tais como t<strong>em</strong>po, intensi<strong>da</strong>de, afinação e vibrato a partir de valores<br />
teóricos de proporções, tais como entre durações ou intensi<strong>da</strong>des<br />
de notas sucessivas, definidos para um conjunto limitado de classes<br />
de situações musicais, como por ex<strong>em</strong>plo linhas e saltos melódicos,<br />
progressões harmônicas ou estruturas de frases. Este modelo foi<br />
desenvolvido a partir de métodos de análise-síntese envolvendo<br />
músicos profissionais na avaliação de um grande número de tais<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
13
egras apresenta<strong>da</strong>s pelos pesquisadores (Sundberg, Askenfelt et<br />
al., 1983; Sundberg, Frydén et al., 1983; Sundberg, Friberg et al.,<br />
1989; Friberg, 1991b, 1991a; Friberg, Frydén et al., 1991; Sundberg,<br />
Friberg et al., 1991b, 1991a; Sundberg, 1993; Friberg, 1995; Friberg,<br />
Bresin et al., 1998; Sundberg, Friberg et al., 2003). Todd propôs um<br />
modelo de regras baseado <strong>em</strong> uma estrutura de diferentes níveis<br />
expressivos de t<strong>em</strong>po e dinâmica (Clarke, 1985; Shaffer, Clarke et<br />
al., 1985; Todd, 1985; Gabrielsson, 1987; Shaffer e Todd, 1987;<br />
Todd, 1989a, 1989b; Repp, 1992; Todd, 1992).<br />
O grupo de pesquisa liderado por Gehard Widmer, do Instituo de<br />
Pesquisa Österreichisches Forschungsinstitut für Artificial<br />
Intelligence - ÖFAI de Viena, desenvolveu um modelo baseado <strong>em</strong><br />
técnicas de machine learning e <strong>da</strong>ta mining, para o reconhecimento<br />
automático de padrões de parâmetros descritores de expressivi<strong>da</strong>de<br />
<strong>em</strong> um grande volume <strong>da</strong>dos. O modelo foi capaz de reconhecer<br />
performances de artistas tais como Rubisntein, Maria João Pires,<br />
Horowitz e Maurizzio Pollini (Widmer, Dixon et al., 2003; Zanon e<br />
Widmer, 2003; Goebl, Pampalk et al., 2004). A robustez do modelo<br />
na classificação e reconhecimento de interpretações, tanto de<br />
músicos profissionais como estu<strong>da</strong>ntes, d<strong>em</strong>onstrou sua capaci<strong>da</strong>de<br />
de descrever de quantificar uma performance objetivamente<br />
(Widmer, 1995a, 1995b, 1996, 2000, 2001; Stamatatos, 2002;<br />
Stamatatos e Widmer, 2002; Widmer, Dixon et al., 2003; Widmer e<br />
Tobudic, 2003; Zanon e De Poli, 2003; Widmer e Goebl, 2004). Os<br />
pesquisadores desenvolveram uma ferramenta denomina<strong>da</strong><br />
Performance Worm, a partir <strong>da</strong> qual intensi<strong>da</strong>de e duração são<br />
desenha<strong>da</strong>s <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po real, fornecendo uma visualização eficiente<br />
de uma “trajetória expressiva” do intérprete. A Figura 1 mostra um<br />
ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> trajetória obti<strong>da</strong> <strong>da</strong> performance dos 30 primeiros<br />
compassos do Prelúdio op. 23 No. 6 de Rachmaninov, interpretado<br />
por Vladimir Ashkenazy. O eixo vertical mostra o volume <strong>em</strong> sones<br />
e o horizontal, o t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> bati<strong>da</strong>s por minuto, BPM (Goebl, Pampalk<br />
et al., 2004).<br />
14<br />
Revista Opus 12 - 2006
FIG. 1: “Performance Worm” de 30 compassos do Prelúdio op. 23 No. 6 de Rachmaninov,<br />
tocado por Vladimir Ashkenazy: t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> BPM (horiz.); volume <strong>em</strong> sones (vert.) (Goebl,<br />
Pampalk et al., 2004).<br />
Excelentes revisões bibliográficas sobre a pesquisa <strong>em</strong> performance<br />
musical e expressivi<strong>da</strong>de foram elabora<strong>da</strong>s por Palmer (1997) e<br />
Gabrielson (1999; 2003), as quais reún<strong>em</strong> praticamente to<strong>da</strong> a<br />
referência bibliográfica <strong>da</strong> área até o final do século XX.<br />
MODELOS E MÉTODOS DE AQUISIÇÃO DE DADOS.<br />
Medir objetivamente a expressivi<strong>da</strong>de musical, envolve a<br />
identificação e medição de parâmetros físicos que possam<br />
representar os recursos utilizados pelo intérprete para comunicar<br />
sua intenção expressiva. O probl<strong>em</strong>a é formalizado a partir modelos<br />
de representação que buscam quantificar as intenções expressivas<br />
do intérprete através de um conjunto de parâmetros descritores,<br />
definidos e calculados a partir de informação extraí<strong>da</strong> do sinal de<br />
áudio de gravações <strong>da</strong> performance. O primeiro passo é determinar<br />
que tipo de informação será utiliza<strong>da</strong> e como será extraí<strong>da</strong> do sinal,<br />
para <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> definir os parâmetros descritores <strong>da</strong> performance<br />
ou de aspectos dela a ser<strong>em</strong> investigados.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
15
Parâmetros descritores <strong>da</strong> Expressivi<strong>da</strong>de Musical.<br />
Assim como a partitura representa a música por meio de uma<br />
seqüência de notas que especifica a altura, a posição t<strong>em</strong>poral, a<br />
intensi<strong>da</strong>de e a instrumentação de ca<strong>da</strong> uma, a performance pode<br />
também ser considera<strong>da</strong> como uma lista de notas sucessivas,<br />
contendo o mesmo tipo de especificação, porém <strong>em</strong> maiores níveis<br />
de detalhamento e precisão, acompanha<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> de informação<br />
adicional sobre ca<strong>da</strong> nota. Nesta representação, as alturas são<br />
estima<strong>da</strong>s a partir de medições objetivas, ao invés de assumir os<br />
valores quantizados <strong>da</strong>s escalas musicais especificados na partitura.<br />
As durações são extraí<strong>da</strong>s dos instantes de inicio e fim <strong>da</strong> nota,<br />
medidos do envelope de amplitude.<br />
A metodologia de extração <strong>da</strong> informação depende dos aspectos<br />
específicos que se quer investigar e <strong>da</strong> viabili<strong>da</strong>de técnica. No nível<br />
acústico, a informação disponível está normalmente relaciona<strong>da</strong> à<br />
duração, altura e intensi<strong>da</strong>de dos eventos e à disposição seqüencial<br />
destes eventos. Este tipo de informação é facilmente mensurável<br />
<strong>em</strong> instrumentos de teclado, pois correspond<strong>em</strong> exatamente àqueles<br />
parâmetros básicos do protocolo MIDI e pod<strong>em</strong> ser facilmente<br />
obtidos utilizando-se um Disklavier, um piano acústico com<br />
capaci<strong>da</strong>de de registrar os movimentos dos martelos do piano,<br />
fornecendo os instantes de início e fim <strong>da</strong> nota (note-on e note-off),<br />
níveis de intensi<strong>da</strong>de (veloci<strong>da</strong>de do martelo) e instantes de inicio<br />
e fim de pe<strong>da</strong>l <strong>em</strong> formato MIDI. Em instrumentos de sopro, cor<strong>da</strong>s<br />
e voz esta informação só pode ser extraído do sinal de áudio <strong>da</strong><br />
gravação <strong>da</strong> performance e nesse caso, outros tipos de informação<br />
acústica pod<strong>em</strong> ser levados <strong>em</strong> conta, como por ex<strong>em</strong>plo<br />
distribuição espectral, vibrato e afinação (pequenas variações de<br />
altura). No entanto, os procedimentos envolvidos na aquisição de<br />
<strong>da</strong>dos requer<strong>em</strong> metodologias b<strong>em</strong> mais complexas, especialmente<br />
para situações polifônicas.<br />
Uma grande diversi<strong>da</strong>de de métodos de extração e processamento<br />
16<br />
Revista Opus 12 - 2006
de informação de conteúdo musical pode ser encontra<strong>da</strong> na literatura<br />
e a grande divergência de abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> entre eles mostra que não<br />
existe ain<strong>da</strong> um padrão metodológico para este tipo de<br />
procedimento. Dependendo do que se quer medir diferentes<br />
abor<strong>da</strong>gens pod<strong>em</strong> resultar <strong>em</strong> estimações b<strong>em</strong> contrastantes. A<br />
duração do t<strong>em</strong>po de ataque <strong>da</strong> nota, por ex<strong>em</strong>plo, é um parâmetro<br />
importante na descrição <strong>da</strong> articulação e consequent<strong>em</strong>ente<br />
significativo na determinação do perfil expressivo <strong>da</strong> performance.<br />
Valores estimados de duração de ataque, normalmente <strong>da</strong> ord<strong>em</strong><br />
de dezenas de milissegundos, pod<strong>em</strong> variar significativamente<br />
dependendo dos critérios adotados de limiares mínimos de amplitude<br />
na definição de início e fim <strong>da</strong> nota, ou do método de estimação do<br />
envelope <strong>da</strong> nota.<br />
Parâmetros Descritores do Envelope <strong>da</strong> Nota.<br />
O envelope de amplitude corresponde ao contorno de amplitude<br />
de um som, geralmente dividido <strong>em</strong> três seções, o ataque, a parte<br />
sustenta<strong>da</strong> e o decaimento. A estimação do envelope é mais<br />
comumente feita através <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> RMS - root mean square - RMS<br />
(raiz <strong>da</strong> média dos quadrados), que está relaciona<strong>da</strong> com a potência<br />
média de curta duração do sinal. Não existe uma metodologia<br />
padroniza<strong>da</strong> de estimação do envelope de amplitude <strong>da</strong> nota, que<br />
pode variar muito de acordo com o tipo de <strong>da</strong>do do probl<strong>em</strong>a<br />
investigado. O cálculo do envelope a partir do valor de pico de<br />
amplitude, resulta <strong>em</strong> variações muito bruscas do valor <strong>da</strong> amplitude<br />
ao longo de intervalos de t<strong>em</strong>po curtos d<strong>em</strong>ais para que possam<br />
ser percebidos. Por outro lado o valor RMS é perceptualmente mais<br />
relevante, se aproximando mais <strong>da</strong> maneira como perceb<strong>em</strong>os a<br />
intensi<strong>da</strong>de de um som. O valor RMS de um sinal, x é <strong>da</strong>do por:<br />
onde k é o número <strong>da</strong> amostra (instante de t<strong>em</strong>o) e L o tamanho <strong>da</strong><br />
janela de cálculo <strong>da</strong> média, o qual determina a resolução t<strong>em</strong>poral<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
17
do envelope. Janelas mais longas suavizam o envelope e pod<strong>em</strong><br />
dificultar a detecção correta <strong>da</strong> região do ataque. É nesta região<br />
que ocorr<strong>em</strong> grandes flutuações de energia conheci<strong>da</strong>s como<br />
transientes, sendo por isso muito relevante para a estimação de<br />
parâmetros relacionados à articulação <strong>da</strong>s notas. Janelas mais<br />
curtas salientam a região do ataque, mas pod<strong>em</strong> diminuir a precisão<br />
<strong>da</strong> detecção do instante final do ataque e de início <strong>da</strong> parte<br />
sustenta<strong>da</strong>. Uma suavização do envelope através de um filtro passa<br />
baixa de freqüência de corte adequa<strong>da</strong> pode também facilitar a<br />
detecção de ca<strong>da</strong> um dos instantes relevantes do envelope.<br />
Os instantes O(n) e F(n), mostrados na Figura 2, correspondentes<br />
ao início (onset) e ao final de uma nota n, respectivamente, são<br />
extraídos do envelope de amplitude <strong>da</strong> nota, a partir de estimações<br />
de limiares adequados de amplitude. A segmentação de notas<br />
consecutivas pode não ser viável apenas a partir de níveis de<br />
amplitude, como por ex<strong>em</strong>plo de notas liga<strong>da</strong>s, grava<strong>da</strong>s <strong>em</strong><br />
ambiente com reverberação, <strong>em</strong> que o instante de final de nota<br />
pode coincidir com o instante de início <strong>da</strong> nota seguinte. Nesses<br />
casos, há necessi<strong>da</strong>de também de detectar a altura <strong>da</strong> nota, que<br />
pode ser feita por técnicas de autocorrelação ou a partir de<br />
processamento no domínio <strong>da</strong> freqüência.<br />
A Figura 2 mostra também o instante de final de ataque A(n), utilizado<br />
no cálculo de parâmetros descritores relacionados à articulação e<br />
à percepção do timbre <strong>da</strong> nota. Não existe na literatura um método<br />
de medição que possa descrever inequivocamente o ataque (Park,<br />
2004). Em muitas situações, o instante de final de ataque refere-se<br />
ao instante de amplitude máxima <strong>da</strong> nota, mas sua detecção pode<br />
d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>r procedimentos mais complexos, como por ex<strong>em</strong>plo <strong>em</strong><br />
instrumentos não percussivos ou não pinçados como sopros, cor<strong>da</strong>s<br />
e voz, nos quais a amplitude máxima poder ser atingi<strong>da</strong> b<strong>em</strong> depois<br />
do ataque, ao longo <strong>da</strong> parte sustenta<strong>da</strong> <strong>da</strong> nota. Pode-se contornar<br />
o probl<strong>em</strong>a estabelecendo-se um valor adequado de limiar máximo<br />
18<br />
Revista Opus 12 - 2006
de amplitude, mas que pode não apresentar resultados consistentes<br />
para notas mais longas toca<strong>da</strong>s nestes instrumentos. Um método<br />
alternativo é apresentado por Tae Hong Park (2004), que detecta<br />
picos de amplitude a partir de variações bruscas <strong>em</strong> uma <strong>versão</strong> do<br />
envelope RMS suavizado por um filtro passa-baixa. O instante de<br />
final de ataque é definido como o pico de amplitude do envelope<br />
RMS imediatamente anterior ao pico <strong>da</strong> <strong>versão</strong> suaviza<strong>da</strong>, já que<br />
filtros passa-baixa s<strong>em</strong>pre introduz<strong>em</strong> um atraso no sinal.<br />
FIG. 2: Instantes de início de nota (O), de final de nota (F) e de final de ataque (A), intervalo<br />
entre inícios de notas sucessivas (IOI), duração <strong>da</strong> nota (DN) e duração de ataque (DA),<br />
extraídos do envelope de amplitude <strong>da</strong> nota (a<strong>da</strong>ptado de De Poli, 2004).<br />
Alguns parâmetros t<strong>em</strong>porais comumente utilizados na descrição<br />
de diferentes aspectos <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de pod<strong>em</strong> ser facilmente<br />
estimados a partir destes instantes extraídos do envelope de<br />
amplitude <strong>da</strong> nota:<br />
• Duração Local: IOI(n) = O(n+1) - O(n)<br />
Intervalo de t<strong>em</strong>po medido entre os inícios de notas<br />
sucessivas, conhecido como intra-onset-interval (IOI),<br />
correspondente às durações especifica<strong>da</strong>s na partitura. Este<br />
valor é comumente normalizado pelo número de uni<strong>da</strong>des<br />
de t<strong>em</strong>po (bati<strong>da</strong>s) conti<strong>da</strong>s <strong>da</strong> nota. Por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> um<br />
compasso cuja bati<strong>da</strong> é a s<strong>em</strong>ínima, a duração de uma<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
19
20<br />
mínima será dividi<strong>da</strong> por 2 e de uma colcheia multiplica<strong>da</strong><br />
por 2.<br />
• Duração Local Nominal<br />
Valor de duração <strong>da</strong> nota extraído <strong>da</strong> partitura. A duração<br />
local nominal é também normaliza<strong>da</strong> pelo número de<br />
uni<strong>da</strong>des de t<strong>em</strong>po conti<strong>da</strong>s <strong>da</strong> nota.<br />
• Duração <strong>da</strong> Nota: DN(n) = F(n) - O(n)<br />
Intervalo de t<strong>em</strong>po entre o início e o fim <strong>da</strong> nota<br />
• Duração de Ataque: DA(n) = A(n) - O(n)<br />
Intervalo de t<strong>em</strong>po entre o início <strong>da</strong> nota e o final do ataque.<br />
Stephen McA<strong>da</strong>ms e colegas mostraram que o valor do<br />
logaritmo <strong>da</strong> duração do ataque (log[A(n) - O(n)])<br />
corresponde mais à nossa percepção de timbre, sendo<br />
portanto mais adequa<strong>da</strong> quando o foco <strong>da</strong> descrição é a<br />
variação de timbre (McA<strong>da</strong>ms, Winsberg et al., 1995;<br />
Mis<strong>da</strong>riis, Smith et al., 1998).<br />
• Inclinação de Ataque: IA(n)=[Valor de Amplitude <strong>em</strong> A(n)]¸<br />
DA(n)<br />
• T<strong>em</strong>po Médio: MM<br />
Valor médio do metrônomo <strong>em</strong> BPM (bati<strong>da</strong>s por minuto).<br />
• T<strong>em</strong>po Global Principal:<br />
Valor médio do metrônomo <strong>em</strong> BPM, excluindo-se<br />
passagens que contêm variações consistentes de t<strong>em</strong>po,<br />
tais como ritar<strong>da</strong>ndos e accelerandos.<br />
• T<strong>em</strong>po Local: Recíproco de IOI<br />
• Índice de Articulação: AR(n) = DN(n) ¸ IOI(n)<br />
AR(n) é menor ou igual a 1, sendo igual a 1 para notas<br />
liga<strong>da</strong>s.<br />
Simon Dixon (2003), do Centro de Pesquisa ÖFAI, desenvolveu<br />
uma ferramenta denomina<strong>da</strong> BeatRoot, para extrair o envelope de<br />
amplitude a partir de suavização do envelope RMS e técnicas de<br />
regressão linear. A Figura 3 mostra o envelope de amplitude (linha<br />
preta contínua) de um sinal de música polifônica (cinza) e as<br />
Revista Opus 12 - 2006
inclinações dos ataques de ca<strong>da</strong> nota (linha traceja<strong>da</strong>) extraídos<br />
pelo BeatRoot.<br />
FIG. 3: Envelope de amplitude (linha preta contínua) de um sinal de música polifônica<br />
(cinza) e as inclinações dos ataques de ca<strong>da</strong> nota (linha traceja<strong>da</strong>) extraídos pelo BeatRoot<br />
(Dixon, 2003).<br />
Parâmetros Descritores Espectrais.<br />
Variações intencionais do timbre são comumente utiliza<strong>da</strong>s por<br />
intérpretes para transmitir suas intenções expressivas <strong>em</strong> qualquer<br />
instrumento musical. Estas variações são mais salientes <strong>em</strong><br />
instrumentos nos quais a ação do instrumentista participa durante<br />
to<strong>da</strong> a produção do som, como ocorre nos instrumentos de cor<strong>da</strong>s,<br />
de sopros e na voz. Dos parâmetros extraídos do envelope <strong>da</strong> nota<br />
acima mencionados, o índice de articulação, a duração de ataque<br />
e a inclinação de ataque, estão intimamente relacionados com a<br />
quali<strong>da</strong>de sonora. Variações intencionais de timbre pod<strong>em</strong> ser<br />
descritas também por um grande número de parâmetros definidos<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
21
a partir de medi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> distribuição espectral do sinal. Poucos<br />
estudos <strong>em</strong> expressivi<strong>da</strong>de musical focalizaram aspectos<br />
relacionados ao timbre, a maioria deles conduzidos pelos<br />
pesquisadores do Centro di Solnologia Computazionale - CSC, <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de Pádua, Itália (Canazza, De Poli, Rinaldin et al.,<br />
1997; Canazza, De Poli e Vidolin, 1997; De Poli, Rodà et al., 1998;<br />
Canazza, De Poli et al., 2003; De Poli, 2004).<br />
O primeiro passo para a extração deste tipo de informação é<br />
determinar a distribuição espectral do sinal. Em projetos anteriores,<br />
desenvolv<strong>em</strong>os ferramentas robustas para análise espectral a partir<br />
de método de Quatieri e McAuly, e uma metodologia de redução de<br />
<strong>da</strong>dos para uma representação eficiente <strong>da</strong> distribuição espectral<br />
utilizando Análise por Componentes Principais (Loureiro, de Paula<br />
et al., 2004a; 2004b), a qual permite definir e estimar parâmetros<br />
espectrais relevantes.<br />
Uma grande varie<strong>da</strong>de de parâmetros derivados <strong>da</strong> distribuição<br />
espectral para descrever o timbre v<strong>em</strong> sendo recent<strong>em</strong>ente proposta<br />
e testa<strong>da</strong> por vários grupos de pesquisa inseridos <strong>em</strong> áreas tais<br />
como, percepção e cognição musical, psicologia <strong>da</strong> música e<br />
extração e processamento de informação musical (MIR - Music<br />
Information Retrieval). Através de testes subjetivos de similari<strong>da</strong>de,<br />
Stephen McA<strong>da</strong>ms e colaboradores evidenciaram a correlação entre<br />
uma série de parâmetros espectrais e dimensões de espaços<br />
gerados pela percepção de timbre, corroborando a adequação<br />
destes parâmetros para a descrição deste atributo (McA<strong>da</strong>ms,<br />
Winsberg et al., 1995; Haj<strong>da</strong>, Ken<strong>da</strong>ll et al., 1997; Mis<strong>da</strong>riis, Smith<br />
et al., 1998; Loureiro, de Paula et al., 2001). Um deles é o centróide<br />
espectral, conhecido por sua pro<strong>em</strong>inente correlação com o “brilho”<br />
do som, desde as primeiras pesquisas sobre percepção de timbre.<br />
O Centróide Espectral (CE) é calculado como o centro de gravi<strong>da</strong>de<br />
do espectro de amplitude medido para ca<strong>da</strong> quadro de t<strong>em</strong>po, ou<br />
seja:<br />
22<br />
Revista Opus 12 - 2006
Outro parâmetro identificado pelos estudos do grupo de MacA<strong>da</strong>ms<br />
acima mencionados é a irregulari<strong>da</strong>de espectral (IE), medi<strong>da</strong> como<br />
a diferenciação de amplitude (<strong>em</strong> Db) entre 3 harmônicos<br />
adjacentes:<br />
Valores médios de centróide espectral e de irregulari<strong>da</strong>de espectral<br />
pod<strong>em</strong> também ser considerados ao longo de períodos de t<strong>em</strong>po<br />
específicos, como por ex<strong>em</strong>plo a duração de uma nota. Inúmeros<br />
parâmetros descritores de timbre já foram definidos e utilizados <strong>em</strong><br />
estudos envolvendo extração e processamento de informação<br />
musical, principalmente aqueles voltados para o reconhecimento<br />
automático de instrumento, como o trabalho de Tee Hong Park<br />
(2004), que define um vasto elenco deste tipo de parâmetros, entre<br />
eles inarmonici<strong>da</strong>de, expansão/compressão harmônica, inclinação<br />
harmônica, shimmer, jitter, envelope espectral, sincronia harmônica,<br />
tristimulus, espalhamento espectral, decaimento espectral, fase,<br />
achatamento espectral.<br />
FORMALIZAÇÃO DA ANÁLISE DOS DADOS<br />
Segmentação<br />
Uma questão fun<strong>da</strong>mental na análise <strong>da</strong> performance musical é a<br />
definição dos critérios de segmentação do material musical. A nota<br />
não é necessariamente a única uni<strong>da</strong>de de segmentação de análise.<br />
Parâmetros descritores espectrais, por ex<strong>em</strong>plo, pod<strong>em</strong> se referir a<br />
níveis de segmentação de duração igual aos quadros de t<strong>em</strong>po<br />
utilizados para calcular o conteúdo espectral (por ex<strong>em</strong>plo, igual a<br />
23 ms, equivalente à duração de um quadro de 1024 amostras a<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
23
um freqüência de amostrag<strong>em</strong> de 44.100 Hz). Por outro lado, a<br />
análise de alguns parâmetros descritores t<strong>em</strong>porais como t<strong>em</strong>po<br />
local, por ex<strong>em</strong>plo, pode se referir a níveis métricos de segmentação,<br />
que inclu<strong>em</strong> grupos de notas, como por ex<strong>em</strong>plo o nível <strong>da</strong> pulsação<br />
(normalmente igual à uni<strong>da</strong>de de t<strong>em</strong>po do compasso), como<br />
utilizado por Shaffer, Clarke e Todd (1985), ou do compasso, como<br />
utilizado por Todd (1985) e Repp (1992). Timmers, Ashley e<br />
colaboradores (2000) normalizaram vários parâmetros t<strong>em</strong>porais<br />
<strong>em</strong> relação a este nível, sob a suposição de que o intérprete<br />
normalmente “planeja” suas intenções expressivas <strong>em</strong> relação à<br />
pulsação local <strong>da</strong> música.<br />
Análise <strong>da</strong>s Intenções Expressivas.<br />
Uma vez identificados os descritores de uma determina<strong>da</strong><br />
característica expressiva, pod<strong>em</strong>os buscar construir um modelo<br />
estatístico que nos forneça o reconhecimento de ca<strong>da</strong> intenção<br />
expressiva. Para verificar se os parâmetros descritores são capazes<br />
de descrever as diferenças significativas entre as performances e<br />
de classificá-las, uma Estatística simples como Análise de Variância<br />
(ANOVA) pode ser conduzi<strong>da</strong>. O passo seguinte é identificar<br />
regulari<strong>da</strong>des na evolução t<strong>em</strong>poral dos desvios destes parâmetros,<br />
medidos <strong>em</strong> diferentes tipos pré-definidos de performances, e ou<br />
com intérpretes distintos, com o propósito de correlacioná-las com<br />
a estrutura <strong>da</strong> obra interpreta<strong>da</strong> e com as intenções expressivas do<br />
intérprete. Modelagens estatísticas e computacionais mais<br />
complexas são utilizados para a classificação destes parâmetros<br />
descritores e reconhecimento de padrões <strong>da</strong>s variações medi<strong>da</strong>s.<br />
A vali<strong>da</strong>ção destes modelos analíticos é comumente alcança<strong>da</strong><br />
através de testes subjetivos de identificação de estilos interpretativos<br />
ou intérpretes reconheci<strong>da</strong>mente peculiares.<br />
As intenções expressivas são avalia<strong>da</strong>s a partir de performances<br />
distintas <strong>da</strong> mesma partitura. Battel e Fimbianti (1998), Canazza et<br />
al. (1997; 1997; 1998; 2003) e De Poli et al. , obtiveram diferentes<br />
24<br />
Revista Opus 12 - 2006
intenções expressivas solicitando-se aos músicos que executass<strong>em</strong><br />
a partitura inspirados por diferentes adjetivos. Esta metodologia já<br />
foi utiliza<strong>da</strong> satisfatoriamente <strong>em</strong> inúmeros estudos. Várias<br />
categorias de adjetivos v<strong>em</strong> sendo utiliza<strong>da</strong>s, como por ex<strong>em</strong>plo<br />
sensoriais do tipo suave-duro, leve-pesado, claro- escuro, calorosofrio,<br />
ou gra<strong>da</strong>ções de expressivi<strong>da</strong>de tais como s<strong>em</strong> expressão,<br />
pouco expressivo, muito expressivo, exagera<strong>da</strong>mente expressivo,<br />
etc. Uma seleção adequa<strong>da</strong> de um conjunto de adjetivos,<br />
preferivelmente referentes a categorias contrastantes de intenções<br />
expressivas, deve ser selecionado de acordo com os propósitos do<br />
estudo e pode ser definido a partir de testes piloto.<br />
Desvio Expressivo.<br />
Definido um conjunto de parâmetros acústicos capazes de<br />
encapsular a informação do conteúdo expressivo musical, medese<br />
o desvio dos valores destes parâmetros <strong>em</strong> relação a uma<br />
referência ou norma, defini<strong>da</strong> como “plana” ou “s<strong>em</strong> expressão”.<br />
Muito freqüent<strong>em</strong>ente a partitura é usa<strong>da</strong> como referência, por<br />
representar a música no domínio simbólico e por ser de fácil acesso,<br />
mas pode trazer algumas desvantagens para a interpretação de<br />
como os ouvintes julgam a expressivi<strong>da</strong>de, já que a execução<br />
humana de uma partitura nunca é capaz de realizar literalmente o<br />
que está especificado nela, mesmo se a intenção é tocar<br />
mecanicamente s<strong>em</strong> qualquer expressão. Dependendo do probl<strong>em</strong>a<br />
<strong>em</strong> questão, pode ser mais adequado considerar a referência como<br />
sendo uma performance neutra na qual o intérprete é solicitado a<br />
executar os valores exatos <strong>da</strong> partitura, s<strong>em</strong> qualquer intenção<br />
expressiva (Palmer, 1989). Uma performance média, defini<strong>da</strong> como<br />
uma média aritmética entre diferentes performances, t<strong>em</strong> sido<br />
também considera<strong>da</strong> como norma, por ex<strong>em</strong>plo <strong>em</strong> estudos sobre<br />
preferências estilísticas.<br />
Fontes dos Desvios: diversi<strong>da</strong>des e s<strong>em</strong>elhanças.<br />
Baseados <strong>em</strong> estudos de Palmer (1996a; 1996b), De Poli identificou<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
25
duas fontes de motivação que levariam o intérprete a realizar estes<br />
desvios expressivos, com vistas a transmitir suas intenções<br />
expressivas: (1) aspectos estruturais <strong>da</strong> partitura, tais como estrutura<br />
hierárquica de frases, estruturas harmônicas ou melódicas, que são<br />
comuns a to<strong>da</strong>s as performances e traduziriam o conteúdo<br />
expressivo codificado pelo compositor na partitura; (2) intenções<br />
expressivas do intérprete, que são específicas de ca<strong>da</strong> performance<br />
(De Poli, Rodà et al., 1998). O estudo foi capaz de distinguir os<br />
desvios expressivos relacionados a ca<strong>da</strong> uma destas fontes, além<br />
de pontuar também que ca<strong>da</strong> instrumento musical específico t<strong>em</strong><br />
seus próprios recursos expressivos: vibrato nas cor<strong>da</strong>s, respiração<br />
e movimentos <strong>da</strong> língua nos sopros, ataques no piano e percussão,<br />
pinçamento no violão e harpa. A disponibilização destes recursos<br />
<strong>em</strong> ca<strong>da</strong> instrumento especifico está relaciona<strong>da</strong> à escrita idiomática<br />
do instrumento e é determinante na definição dos parâmetros a<br />
ser<strong>em</strong> utilizados.<br />
Bruno Repp (1992) já havia observado que performances distintas<br />
de uma mesma música apresentam consistent<strong>em</strong>ente tanto<br />
s<strong>em</strong>elhanças quanto diversi<strong>da</strong>des nos padrões de variações<br />
t<strong>em</strong>porais. As s<strong>em</strong>elhanças identifica<strong>da</strong>s por Repp, se apresentaram<br />
mais no nível estrutural global do que as diversi<strong>da</strong>des: s<strong>em</strong>elhanças<br />
entre diferentes intérpretes se refer<strong>em</strong> comumente a alongamentos<br />
de finais de frases. As diversi<strong>da</strong>des foram encontra<strong>da</strong>s na condução<br />
expressiva de gestos melódicos de aproxima<strong>da</strong>mente sete notas<br />
de extensão. Timmers (Timmers, Ashley et al., 2000) estudou a<br />
diversi<strong>da</strong>de entre interpretações distintas de um mesmo trecho<br />
musical, a partir de comparações entre to<strong>da</strong>s as descrições<br />
estruturais possíveis do trecho e manipulações de el<strong>em</strong>entos<br />
estruturais específicos, tais como barras de compasso, vozes<br />
individuais e harmonia. O estudo identificou que interpretações<br />
realiza<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> mesma estratégia interpretativa pod<strong>em</strong><br />
apresentar diferenças significativas nos padrões t<strong>em</strong>porais, e que<br />
intérpretes pod<strong>em</strong> também expressar o mesmo perfil interpretativo<br />
ou expressivo a partir de padrões t<strong>em</strong>porais distintos.<br />
26<br />
Revista Opus 12 - 2006
Decomposição <strong>da</strong> Expressivi<strong>da</strong>de.<br />
Mesmo que extraídos individualmente, as intenções expressivas<br />
do intérprete são conduzi<strong>da</strong>s tanto por intermédio <strong>da</strong> variação de<br />
parâmetros distintos quanto a partir <strong>da</strong> interação de um conjunto<br />
deles - para enfatizar uma frase ou uma nota, o músico pode<br />
aumentar a intensi<strong>da</strong>de, ou alongar a duração, ou utilizar uma<br />
articulação específica, ou modificar o timbre, ou manipular uma<br />
combinação destes parâmetros. Clarke e Windsor desenvolveram<br />
métodos para decompor estruturas de padrões expressivos <strong>em</strong><br />
dimensões el<strong>em</strong>entares com a finali<strong>da</strong>de de identificar a contribuição<br />
de ca<strong>da</strong> componente individual para o resultado expressivo final<br />
(Clarke e Windsor, 2000). Utilizando a mesma metodologia Windsor<br />
e colegas partiram <strong>da</strong> hipótese de que se um el<strong>em</strong>ento qualquer de<br />
uma estrutura musical é capaz de ser mapeado <strong>em</strong> uma<br />
performance, o comportamento específico deste el<strong>em</strong>ento será<br />
preservado <strong>em</strong> todos os ex<strong>em</strong>plos <strong>da</strong> mesma estrutura ao longo<br />
desta performance (Windsor, Desain et al., 2006). Os autores<br />
propuseram um sist<strong>em</strong>a intitulado DISSECT (SECT de Structural<br />
Expression Component Theory) para investigar as contribuições<br />
relativas dos vários componentes individuais <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de para<br />
o perfil expressivo global <strong>da</strong> performance.<br />
Conclusão<br />
Em um levantamento exaustivo de to<strong>da</strong> a pesquisa <strong>em</strong> performance<br />
musical conduzi<strong>da</strong> até o final do século XX, Gabrielsson constatou<br />
que os estudos que focalizam a extração e a medição de parâmetros<br />
<strong>da</strong> performance correspond<strong>em</strong> ao grupo mais numeroso deste<br />
levantamento. Mesmo encapsulando estruturas complexas e muitas<br />
vezes não acessíveis, extrair e medir estes parâmetros envolv<strong>em</strong><br />
procedimentos menos complexos. Cresce, no entanto, ca<strong>da</strong> vez<br />
mais o número de trabalhos que buscam interpretar e identificar<br />
princípios gerais que possam estar por trás destes parâmetros<br />
(Gabrielsson, 2003). A análise deste grande volume de <strong>da</strong>dos<br />
obtidos nestes estudos t<strong>em</strong> conduzido à formulação de uma grande<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
27
varie<strong>da</strong>de de modelos, que buscam descrever como e por que o<br />
músico modifica, às vezes inconscient<strong>em</strong>ente, o que é indicado na<br />
partitura. Os resultados destas análises não apenas contribuirão<br />
para a compreensão deste probl<strong>em</strong>a complexo <strong>da</strong> pesquisa<br />
musicológica, mas poderão também possibilitar o surgimento de<br />
novos conceitos de abor<strong>da</strong>gens pe<strong>da</strong>gógicas objetivas para o ensino<br />
<strong>da</strong> música, <strong>em</strong> especial <strong>da</strong> prática instrumental.<br />
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Mauricio Alves Loureiro - É Doutor <strong>em</strong> Música (University of Iowa, USA), onde estudou também<br />
música eletrônica e computação musical. Engenheiro Aeronáutico formado pelo Instituto<br />
Tecnológico de Aeronáutica – ITA. Iniciou seus estudos de clarineta com o Professor Dieter<br />
Klöcker na Staatliche Hochshule für Musik Freiburg, (Al<strong>em</strong>anha), com bolsa de estudos do DAAD<br />
(Serviço Al<strong>em</strong>ão de Intercâmbio Acadêmico), graduando-se <strong>em</strong> 1983. Atuou como clarinetista na<br />
Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e<br />
como solista <strong>da</strong> Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, Orquestra Sinfônica de Minas<br />
Gerais, Orchestergesellschaft Weil am Rhein (Al<strong>em</strong>anha). Foi m<strong>em</strong>bro integrante de vários<br />
conjuntos de música cont<strong>em</strong>porânea: Grupo Nexus de São Paulo, Grupo Experimental de Câmara<br />
de Belo Horizonte, Center For New Music <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Iowa, Grupo de Música<br />
Cont<strong>em</strong>porânea <strong>da</strong> UFMG, do qual é fun<strong>da</strong>dor e coordenador desde 1992. Atualmente é professor<br />
titular na Escola de Música <strong>da</strong> UFMG, onde é coordenador do Programa de Pós-Graduação <strong>em</strong><br />
Música e pesquisador <strong>em</strong> Música e Tecnologia, no âmbito dos Grupos de Pesquisa MÚSICA E<br />
TECNOLOGIA e CEFALA ( Centro de Estudos <strong>da</strong> Fala Acústica Linguag<strong>em</strong> e Música). Atua<br />
como intérprete de música eletroacústica e computacional e é m<strong>em</strong>bro do Comitê Assessor de<br />
Artes no CNPQ.<br />
32<br />
Revista Opus 12 - 2006
Revista Opus 12 - 2006<br />
O SENTIDO DA ANÁLISE MUSICAL<br />
Antenor Ferreira Corrêa<br />
Resumo: Síntese histórico-crítico a respeito <strong>da</strong> Análise Musical com objetivo de descrever e<br />
refletir sobre os rumos tomados por essa disciplina no século XX. Usa<strong>da</strong>, de início, como suporte<br />
para notas de programa, a Análise Musical torna-se, posteriormente, ferramenta do ensino<br />
composicional e subsidiária <strong>da</strong> crítica musical, até consoli<strong>da</strong>r-se enquanto área autônoma do<br />
estudo <strong>da</strong> música. Esse percurso é relatado, interpretado e avaliado permitindo uma melhor<br />
compreensão do sentido percorrido pela Análise Musical e dos desdobramentos ocasionados<br />
sobre a teoria musical como um todo, sobretudo no século XX.<br />
Palavras-chave: Análise musical. Composição musical. Teoria musical<br />
Abstract: Historical and critical summary concerning Musical Analysis. My purpose is to describe<br />
and to reflect upon the course taken by Musical Analysis in the twentieth century. This historical<br />
trajectory is displayed and evaluated in order to make possible a better understanding of the<br />
process undergone by Musical Analysis, and of the development that took place throughout whole<br />
musical theory, mainly in the twentieth century.<br />
Key words: Musical Analysis. Musical composition. Music Theory<br />
Introdução<br />
Análise é entendi<strong>da</strong> como o processo de decomposição <strong>em</strong> partes<br />
dos el<strong>em</strong>entos que integram um todo. Esse fracionamento t<strong>em</strong> como<br />
objetivo permitir o estudo detido <strong>em</strong> separado desses el<strong>em</strong>entos<br />
constituintes, possibilitando entender quais são, como se articulam<br />
e como foram conectados de modo a gerar o todo de que faz<strong>em</strong><br />
parte. Justifica-se esse procedimento por admitir-se que a explicação<br />
do detalhe sobre o conjunto conduz a um melhor entendimento<br />
global. No caso <strong>da</strong> música, o processo pode ser compreendido <strong>em</strong><br />
duas etapas básicas: identificação dos diversos materiais que<br />
compõ<strong>em</strong> a obra <strong>em</strong> questão e definição (constatação e explicação)<br />
<strong>da</strong> maneira como eles interag<strong>em</strong> fazendo a obra “funcionar”.<br />
Em maior ou menor grau, essa definição de análise musical é<br />
encontra<strong>da</strong> nas grandes obras de referência sobre música. Harvard<br />
Dictionary, The New Oxford Companion to Music, Science de La<br />
Musique, Dictionnaire de la Musique, Dizionario Enciclopedico<br />
Uneversale Della Musica e Dei Musicisti, são alguns ex<strong>em</strong>plos de<br />
33
obras que compartilham dessa idéia. Entendimento s<strong>em</strong>elhante<br />
também pode ser encontrado <strong>em</strong> um dos maiores compêndios<br />
existentes sobre música, o Grove’s Dictionary. To<strong>da</strong>via, no Grove<br />
algumas curiosi<strong>da</strong>des pod<strong>em</strong> ser nota<strong>da</strong>s. A primeira publicação<br />
do Grove ocorreu <strong>em</strong> 1878, contudo o verbete sobre análise musical<br />
só foi incluído na sua sexta edição, <strong>em</strong> 1980. Até então, a menção<br />
à análise musical era encontra<strong>da</strong> no verbete distant<strong>em</strong>ente<br />
aparentado “notas de programa”. As notas de programas eram<br />
defini<strong>da</strong>s como “anotações <strong>em</strong> programas de concertos sobre a<br />
música a ser interpreta<strong>da</strong>, também chama<strong>da</strong>s de notas analíticas”<br />
(1954, p.941). A edição de 1980 traz o verbete Análise assinado<br />
por Ian Bent, tópico também presente na <strong>versão</strong> on line de 2001,<br />
mas com ligeiros acréscimos realizados por Anthony Pople.<br />
O entendimento <strong>da</strong> análise musical como apresentado anteriormente<br />
é mantido no verbete original de Bent que, dentre outras<br />
considerações, apresenta a seguinte definição: “decomposição de<br />
uma estrutura musical nos seus el<strong>em</strong>entos constitutivos mais simples<br />
e a investigação desses el<strong>em</strong>entos no interior dessa estrutura”<br />
(1980, p.340). Contudo, na publicação de 2001 o “peso” desse<br />
aspecto <strong>da</strong> definição é minimizado por meio de uma in<strong>versão</strong> de<br />
parágrafos na estruturação do texto.<br />
Geralmente, os verbetes do Grove obedec<strong>em</strong> um esqu<strong>em</strong>a de iniciar<br />
com um parágrafo introdutório contendo uma definição genérica<br />
do termo e depois ampliá-los, realizando um aprofun<strong>da</strong>mento do<br />
assunto. Nesse parágrafo introdutório <strong>da</strong> edição de 1980, Bent<br />
começa com a definição acima cita<strong>da</strong> e termina dizendo que a<br />
análise musical pode comportar a definição ampla de ser a “parte<br />
do estudo <strong>da</strong> música que t<strong>em</strong> como ponto de parti<strong>da</strong> a música <strong>em</strong><br />
si mesma, desvincula<strong>da</strong> de fatores externos” (1980, p.341). Na<br />
edição de 2001, os parágrafos são invertidos, iniciando com a<br />
definição mais geral (estudo <strong>da</strong> música <strong>em</strong> si), o que faz com que<br />
essa idéia adquira maior relevância <strong>em</strong> detrimento <strong>da</strong> definição<br />
anterior <strong>da</strong> decomposição <strong>em</strong> partes.<br />
34<br />
Revista Opus 12 - 2006
Embora possa parecer apenas um pormenor, essa referi<strong>da</strong> in<strong>versão</strong><br />
aponta (proposita<strong>da</strong>mente ou não) para uma <strong>da</strong>s principais<br />
ocorrências presencia<strong>da</strong>s no campo <strong>da</strong> análise musical: sua<br />
<strong>em</strong>ancipação e cristalização enquanto campo autônomo do estudo<br />
<strong>da</strong> música. Os três momentos citados do Grove são sintomáticos<br />
dessa situação: a análise musical, antes simples apêndices <strong>em</strong> notas<br />
de programas, caminha para avaliação <strong>da</strong> obra por meio <strong>da</strong><br />
decomposição de sua estrutura nos seus el<strong>em</strong>entos constituintes<br />
e, finalmente, adquire autonomia suficiente para poder prescindir<br />
dos diversos fatores que compõ<strong>em</strong> o fato musical. Seria esse<br />
percurso reflexo de uma atitude positivista que ascenderia a análise<br />
ao estatuto de “ciência”? Se o fenômeno musical é um produto<br />
cultural, como considerá-lo desvinculado do contexto que o gerou?<br />
Bent deixa claro, pelos desdobramentos observados no seu texto,<br />
que está consciente dessas questões, e eu também sou cônscio<br />
<strong>da</strong> quase impossibili<strong>da</strong>de de realizar uma definição <strong>completa</strong> e<br />
absoluta do conceito de análise musical. To<strong>da</strong>via, objetivo partir <strong>da</strong><br />
síntese conceitual logra<strong>da</strong> por Bent e refletir sobre os fatores que<br />
possibilitaram a elaboração dessa definição. Em que contexto<br />
histórico foi formula<strong>da</strong>? Quanto, atualmente, a análise musical<br />
afastou-se ou não dessa definição? Para tanto, diversos textos de<br />
renomados autores sobre análise musical serão confrontados,<br />
servindo de base para as discussões e especulações aqui trata<strong>da</strong>s<br />
<strong>em</strong> busca desse sentido trilhado e comportado pela análise musical.<br />
Pretendo assim, um melhor entendimento <strong>da</strong>s ocorrências e<br />
desdobramentos que se deram no campo <strong>da</strong> análise musical no<br />
século XX, realizado por meio de um acompanhamento mais detido<br />
sobre alguns escritos sobre esse assunto; porém, tendo as duas<br />
últimas edições do Grove’s Dictionary como eixo condutor deste<br />
artigo.<br />
Três tópicos <strong>em</strong> destaque<br />
Dos três momentos assinalados na Introdução (a passag<strong>em</strong> do uso<br />
<strong>da</strong> análise como auxílio nos programas de concerto, para<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
35
procedimento de segmentação <strong>da</strong> música, e sua posterior<br />
<strong>em</strong>ancipação) os dois primeiros são indicadores de instâncias<br />
específicas e pod<strong>em</strong> ser entendidos como provenientes,<br />
respectivamente, <strong>da</strong>s atitudes crítica (avaliação ou apreciação<br />
estética <strong>da</strong> música) e pe<strong>da</strong>gógica (liga<strong>da</strong> ao ensino <strong>da</strong> composição).<br />
O terceiro passo, entretanto, ao colocar relevo na autonomia <strong>da</strong><br />
análise musical, possui qual intuito ou proveniência? O que a música<br />
t<strong>em</strong> a lucrar com isso? Para tentar obter essas respostas retomarei,<br />
resumi<strong>da</strong>mente, os dois momentos iniciais.<br />
Análise e Crítica<br />
Bent situa os primórdios <strong>da</strong> análise musical na classificação realiza<strong>da</strong><br />
pelo clero Carolíngio, que consistiu na determinação dos diferentes<br />
modos usados na composição <strong>da</strong>s antífonas de seu repertório<br />
litúrgico. Segundo Bent, os grupos de modos também recebiam<br />
uma subclassificação de acordo com sua finali<strong>da</strong>de – as diferentes<br />
aplicações dos tons <strong>da</strong> salmodia. Michel Huglo, autor do verbete<br />
Tonary no próprio Grove, ressalta que a compilação dos tonarius<br />
foi freqüent<strong>em</strong>ente copia<strong>da</strong> <strong>em</strong> outros livros litúrgicos, tais como<br />
antifonários, graduais, tropários, etc., residindo ai a base para o<br />
vocabulário <strong>da</strong> teoria mo<strong>da</strong>l, na qual a descrição padrão dos modos<br />
litúrgicos se desenvolveu (cf: Huglo, 1980, p.55). Vislumbra-se ai, o<br />
primeiro indício de um procedimento analítico fornecendo<br />
fun<strong>da</strong>mentos para uma teoria musical (assunto considerado<br />
adiante).<br />
Dunsby e Whittall (1988) entend<strong>em</strong>, no entanto, que o tratado de<br />
Aristoxenos (século IV a.C.) já possui características que poderiam<br />
ser considera<strong>da</strong>s analíticas. Concor<strong>da</strong>m, porém, que esses marcos<br />
(tratado de Aristoxenos e compilação do clero Carolíngio)<br />
constitu<strong>em</strong>-se de uma forma muito incipiente <strong>da</strong> análise musical. A<br />
orig<strong>em</strong> desta, como a entend<strong>em</strong>os atualmente, residiria na atitude<br />
estética de meados do século XVIII. Assim admiti<strong>da</strong>, a análise<br />
encontrar-se-ia desde sua orig<strong>em</strong> vincula<strong>da</strong> à apreciação crítica de<br />
36<br />
Revista Opus 12 - 2006
obras de arte. É fato, também, que qualquer análise traz um certo<br />
juízo implícito na atitude do analista. Os detalhes e pontos relevantes,<br />
a maneira e a extensão <strong>da</strong> discussão a estes dedicados e sua ord<strong>em</strong><br />
de apresentação, são decisões particulares do analista que<br />
subentend<strong>em</strong> uma atitude crítica.<br />
No final do século XVIII já é possível observar-se uma pequena<br />
expansão <strong>da</strong> análise musical <strong>em</strong> razão <strong>da</strong> multiplicação de jornais<br />
e periódicos e com a aparição dos programas de concertos<br />
comentados. Um certo pioneirismo pode ser atribuído a J. Fr.<br />
Reichardt, um dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Berlim (1783), cujas<br />
notas sobre os concertos já tratavam de aspectos rítmicos,<br />
acompanhamento, melodia, harmonia, modulação, esta, muitas<br />
vezes abor<strong>da</strong><strong>da</strong> sobre os aspectos técnico e psicológico. No início<br />
do período romântico a análise musical continuou a tradição de<br />
Reichardt, atingindo o apogeu nas críticas escritas por Schumann<br />
e Hoffmann. Em seus textos, Hoffmann metodicamente distinguiu<br />
entre análise <strong>da</strong> técnica composicional e interpretação do conteúdo<br />
musical, marcando, assim, o fim <strong>da</strong> doutrina dos afetos. Ele escreveu<br />
para a revista AMZ – Allg<strong>em</strong>eine musikalische Zeitung – de 1809<br />
até 1815. Schumann, cont<strong>em</strong>poraneamente a Hoffmann, enumerou<br />
os quatro pontos sob os quais uma obra deveria ser considera<strong>da</strong>:<br />
forma (conjunto, partes separa<strong>da</strong>s, período, frase); composição<br />
musical (harmonia, melodia, escritura, estilo); de acordo com a idéia<br />
particular que o artista desejou representar; segundo o espírito que<br />
subjaz à forma, ao material e à idéia. Esses são ex<strong>em</strong>plos que<br />
reflet<strong>em</strong> o processo realmente compreendido como analítico, no<br />
qual o analista se debruça sobre uma obra específica e estu<strong>da</strong><br />
seus componentes <strong>em</strong> separado, almejando atingir melhor<br />
compreensão <strong>da</strong> sua íntegra. (Essa atitude reside até hoje, <strong>em</strong>bora<br />
haja certas controvérsias com relação à divisão entre procedimentos<br />
analíticos e teóricos, que serão comentados adiante). Também era<br />
propósito dessa <strong>em</strong>presa analítica determinar que a natureza de<br />
um trabalho completo e a relação entre suas partes pod<strong>em</strong> ser<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
37
aprecia<strong>da</strong>s estética e intelectualmente. Transparece, assim, a idéia<br />
de organici<strong>da</strong>de, <strong>em</strong> voga no período, princípio que preconizava<br />
tratar as obras de arte como organismos, cujas partes constituintes<br />
seriam absolutamente interdependentes e integra<strong>da</strong>s.<br />
Claro está que este intuito crítico, ao usufruir <strong>da</strong> análise, começa a<br />
buscar el<strong>em</strong>entos objetivos para referen<strong>da</strong>r os julgamentos<br />
subjetivos, antecipando a metodologia científica que, <strong>em</strong> meados<br />
do século XX, se pretendeu aplicar à música. É mais que adequado<br />
à música o pensamento manifestado por Jorge Coli ao comentar a<br />
característica presente <strong>em</strong> apontamentos críticos a respeito <strong>da</strong>s<br />
artes <strong>em</strong> geral: “os discursos sobre as artes parec<strong>em</strong>, com<br />
freqüência, ter a nostalgia do rigor científico, a vontade de atingir<br />
uma objetivi<strong>da</strong>de de análise que lhes garanta as conclusões” (Coli,<br />
1984, p.24). Esta atitude analítica também irá revelar a inadequação<br />
do entendimento <strong>da</strong> música <strong>em</strong> si mesma, pois todo o aparato<br />
cultural por ela envolvido é parte preponderante nas apreciações<br />
realiza<strong>da</strong>s. É difícil para um crítico, por ex<strong>em</strong>plo, na análise de uma<br />
obra, não compará-la com outras que a antecederam. Nesse caso<br />
o conhecimento histórico é primordial. A importância <strong>da</strong> mediação<br />
histórica pode ser atesta<strong>da</strong> simplesmente pelo fato de que os juízos<br />
estéticos s<strong>em</strong>pre levam <strong>em</strong> consideração a tradição ou o desvio<br />
desta, avaliando a continuação de um modelo ou a originali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> obra. Nos dizeres de Dahlhaus: “quando a música é subtraí<strong>da</strong><br />
do seu contexto, aspectos como novi<strong>da</strong>de, genuini<strong>da</strong>de,<br />
epigonismo, deixam de existir, e tais critérios são bases para um<br />
julgamento estético” (cf: Dahlhaus, 1977, passim).<br />
O teor polêmico <strong>da</strong> ligação entre análise e crítica se fez sentir, muitas<br />
vezes de um modo não muito educado, há pouco t<strong>em</strong>po atrás, nas<br />
repercussões obti<strong>da</strong>s pelo artigo de Joseph Kerman: How we got<br />
into analysis, and how to get out (1980). Sobretudo após a<br />
reimpressão deste artigo <strong>em</strong> 1994, uma enxurra<strong>da</strong> de “respostas”<br />
e “respostas <strong>da</strong>s respostas” para esse trabalho tomaram conta do<br />
38<br />
Revista Opus 12 - 2006
ambiente acadêmico, principalmente na internet. No seu texto,<br />
Kerman tece considerações sobre a crítica musical como um todo<br />
(O artigo foi primeiramente publicado <strong>em</strong> 1979 sob o título The State<br />
of Acad<strong>em</strong>ic Music Criticism) e conclui que a ativi<strong>da</strong>de de análise é,<br />
per se, uma ativi<strong>da</strong>de crítica. Segundo ele, o que aconteceu é que<br />
os músicos que li<strong>da</strong>m com análise não consideram essa ativi<strong>da</strong>de<br />
como crítica musical por duas razões. A primeira deve-se a uma<br />
espécie de preconceito nutrido contra a crítica jornalística, pois estas,<br />
na visão dos músicos, carec<strong>em</strong> de rigor e de profundi<strong>da</strong>de<br />
intelectual, consistindo somente de um apanhado de impressões<br />
subjetivas. Assim, ao permanecer<strong>em</strong> no plano do juízo de gosto,<br />
pouco acrescentam ao leitor. O segundo motivo é que os analistas<br />
delibera<strong>da</strong>mente evitaram a formulação de juízos de valor (quando<br />
<strong>da</strong> realização de análises) por buscar<strong>em</strong> uma atitude de isenção,<br />
nos moldes <strong>da</strong>s investigações científicas. Kerman aponta que as<br />
análises de músicas compostas, principalmente, a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />
de 50 apresentam-se como “proposições estritamente corrigíveis,<br />
equações mat<strong>em</strong>áticas, formulações <strong>da</strong> teoria dos conjuntos, etc.”<br />
(1980, p.312), indicando um esforço para alcançar um estatuto<br />
científico. Ex<strong>em</strong>plificando essa constatação, r<strong>em</strong>ete ao livro de Allen<br />
Forte The Compositional Matrix, no qual o autor dizia ter<br />
meticulosamente excluído os termos indicativos de quaisquer tipos<br />
de valoração, como bom, ruim, legal, etc. Apesar disto, Kerman<br />
mantém que a análise traz consigo algum tipo de apreciação e<br />
valoração estética.<br />
Contudo, não foi somente pela junção <strong>da</strong> crítica à análise que esse<br />
artigo recebeu contestações. Outrossim, pelo fato de ter adjetivado<br />
alguns métodos de análise como “positivistas” e “reducionistas”,<br />
Kerman provocou indignação nos schenkerianos de plantão, que<br />
por seu turno, viram-se no direito de rebater essa afronta,<br />
promovendo então a dita enxurra<strong>da</strong> de respostas contra Kerman.<br />
Entre as suas objeções, os discípulos de Schenker não queriam<br />
que o método analítico de seu mestre fosse tratado como “uma<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
39
dissecação clínica de uma obra de arte viva que <strong>em</strong>ula a metodologia<br />
<strong>da</strong> ciência racionalista” (Kinton, 2004). Segundo eles, a análise<br />
schenkeriana possui o grande mérito de ater-se a questões<br />
estritamente musicais (passando ao largo de abor<strong>da</strong>gens s<strong>em</strong>ióticas,<br />
sociológicas e metafísicas), característica esta essencial à<br />
compreensão e formulação de uma teoria que d<strong>em</strong>onstre as<br />
conexões existentes entre os planos de uma composição. Embates<br />
à parte, Kerman salienta que os métodos são produtos <strong>da</strong> própria<br />
época <strong>em</strong> que surg<strong>em</strong> e, consequent<strong>em</strong>ente, passíveis de<br />
modificação e atualização no decorrer do t<strong>em</strong>po.<br />
O acordo ou correspondência entre o artista e seu t<strong>em</strong>po permite<br />
aos el<strong>em</strong>entos de sua técnica de composição ser<strong>em</strong> interpretados<br />
como sinais históricos. A leitura de obras de arte enquanto evidências<br />
históricas fez surgir <strong>em</strong> cena mais uma personag<strong>em</strong> do julgamento<br />
estético. De um lado apresenta-se o sujeito fruidor, a qu<strong>em</strong> se<br />
prescinde a existência de um conhecimento técnico prévio, pois<br />
bastam à formulação de juízo estético suas impressões. Na outra<br />
ponta, o julgamento histórico d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> a existência de uma<br />
autori<strong>da</strong>de competente para a avaliação <strong>da</strong> obra de arte, na qual o<br />
conhecimento técnico é indispensável para a realização <strong>da</strong><br />
interpretação dos documentos históricos. Assim, análise e crítica<br />
associam-se. Isso conduziu ao entendimento de que a<br />
argumentação racional poderia modificar uma primeira impressão<br />
estética, o que também implicou <strong>em</strong> admitir que uma análise permite<br />
fun<strong>da</strong>mentar um juízo artístico. Apesar do teor altamente técnico<br />
transparecer uma tendência moderna (especialmente séculos XIX<br />
e XX), a manifestação do juízo estético basea<strong>da</strong> <strong>em</strong> características<br />
internas <strong>da</strong> obra (sua estrutura formal e disposição de el<strong>em</strong>entos<br />
estruturantes) r<strong>em</strong>onta à Antigüi<strong>da</strong>de Clássica com a poética<br />
aristotélica, na qual a poiésis era uma teoria do fazer e do produzir,<br />
atenta, portanto, a questões técnicas e alheia, <strong>em</strong> certo grau, a<br />
metáforas metafísicas e transcendentais. Essa idéia de poiésis será<br />
revivi<strong>da</strong> no século XVIII com a associação, viabiliza<strong>da</strong> pela análise,<br />
40<br />
Revista Opus 12 - 2006
entre estética e produção artística. Nesta época os tipos e gêneros<br />
serviam tanto como parâmetros formais e estéticos, ou seja, a<br />
apreciação e julgamento de uma obra <strong>da</strong>vam-se ao referenciá-la a<br />
um tipo específico. Quanto menos a música se afastasse do modelo,<br />
maior sua adequabili<strong>da</strong>de e melhor sua avaliação. Assim, a<br />
compreensão desses cânones tornava-se fun<strong>da</strong>mental para os<br />
compositores. Dessa maneira a análise passa a ser uma ferramenta<br />
para a prática composicional.<br />
Análise e o ensino <strong>da</strong> composição<br />
“Análise é um procedimento de descoberta (...) é um meio de<br />
responder diretamente à questão ‘como isto funciona’” (Bent, 2001).<br />
As afirmações são claras: o analista trabalha com o produto final<br />
(composição) e centra atenção na exploração <strong>da</strong> técnica<br />
composicional. A análise parte <strong>da</strong> obra e tenta compreender os<br />
artifícios do compositor que permitiram terminar com êxito sua<br />
<strong>em</strong>preita<strong>da</strong>. Pode-se dizer, então, que a análise caminha do<br />
particular para o geral. Da micro estrutura <strong>da</strong> obra são deduzidos<br />
os procedimentos técnico-composicionais utilizados pelo autor. É<br />
possível também afirmar que a coerência interna <strong>da</strong> composição é<br />
desvela<strong>da</strong> pela análise.<br />
Curiosamente, esse entendimento simples também pode ser<br />
invertido, isto é, compreender a análise por meio <strong>da</strong> composição.<br />
Essa é a proposta de Nicholas Cook no seu Analysis Through<br />
Composition. Cook é enfático <strong>em</strong> seu objetivo: “neste livro, não se<br />
pretende ensinar composição, mas planeja-se ensinar análise<br />
através <strong>da</strong> composição. Em outras palavras, composição é o meio<br />
e não o fim dessa proposta de aprendizado” (Cook, 1996, vii). A<br />
intenção didática de Cook baseia-se na sua concepção de que a<br />
análise t<strong>em</strong> recebido uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> d<strong>em</strong>asia<strong>da</strong>mente afasta<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> prática, fazendo com que os “estu<strong>da</strong>ntes, cuja vivência musical<br />
pode ser de fato limita<strong>da</strong>, também adot<strong>em</strong> uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong><br />
supercerebral para com a análise, tendendo a enxergá-la como um<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
41
tipo de ativi<strong>da</strong>de mat<strong>em</strong>ática s<strong>em</strong> vínculos diretos com a experiência<br />
de fazer ou ouvir música” (Cook, 1996, vii). Novamente, é possível<br />
vislumbrar uma in<strong>versão</strong> de papéis no decurso <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />
disciplina análise musical. A análise, que foi de início utiliza<strong>da</strong> como<br />
ferramenta auxiliar <strong>da</strong> composição, vale-se desta para ser mais b<strong>em</strong><br />
compreendi<strong>da</strong>.<br />
A análise consoli<strong>da</strong>-se como estudo disciplinar no momento <strong>em</strong> que<br />
os compositores (professores) foram requisitados a lecionar seu<br />
ofício. Cook descreve esse momento <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />
42<br />
Durante o século XIX tornou-se normal que a composição fosse<br />
ensina<strong>da</strong> <strong>em</strong> classes nas escolas de música, ao invés de lições<br />
particulares como havia até então. Nesse sentido, o ensino <strong>da</strong><br />
composição significou que professores confiass<strong>em</strong> ca<strong>da</strong> vez mais aos<br />
livros a tarefa de guiar os estu<strong>da</strong>ntes nas suas experiências <strong>em</strong><br />
composição. (Cook, 1987, p.10).<br />
Cook assinala, também, que os modelos formais clássicos estavam<br />
contidos nesses livros, o que faz com que a orig<strong>em</strong> desses modelos<br />
formais não pertença primordialmente ao orbe <strong>da</strong> análise musical,<br />
mas sim à história do ensino <strong>da</strong> composição. Com base nos livros,<br />
os alunos eram direcionados a compor de acordo com algum padrão<br />
formal. Da mesma maneira que um estu<strong>da</strong>nte de pintura aprendia<br />
copiando os mestres do passado, o aluno de música também deveria<br />
tentar reproduzir uma obra musical similar à de um grande<br />
compositor. Este sentido <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente aplicado <strong>da</strong> análise a<br />
serviço <strong>da</strong> composição é conservado até hoje, pois a metodologia<br />
de muitos cursos de composição t<strong>em</strong> por base a análise e<br />
reprodução de estilos de outros períodos.<br />
Analisar uma obra musical consistia <strong>em</strong> abor<strong>da</strong>r seus aspectos micro<br />
e macroscópico. O primeiro centrava-se na observação do conteúdo<br />
musical: melodia, harmonia, ritmo, etc. O segundo enfatizava a forma<br />
global <strong>da</strong> obra. A questão <strong>da</strong> forma revestiu-se como núcleo principal<br />
<strong>da</strong> investigação analítica, pois os teóricos partiam do princípio que<br />
Revista Opus 12 - 2006
uma obra musical podia ser segmenta<strong>da</strong> <strong>em</strong> partes, e que essas<br />
divisões se articulariam no todo segundo certas características<br />
comuns. Assim, uma peça musical conteria certos padrões de<br />
construção similares que, depois de descobertos, podiam ser<br />
copiados. A idéia de que a verificação <strong>da</strong> ocorrência de padrões<br />
comuns de artifícios composicionais teria impulsionado a ativi<strong>da</strong>de<br />
analítica sobrevive atualmente, <strong>em</strong>bora autores como Dunsby e<br />
Whittall ponder<strong>em</strong> que a <strong>em</strong>ergência <strong>da</strong> análise enquanto disciplina<br />
r<strong>em</strong>onta ao gradual desenvolvimento <strong>da</strong> composição cria<strong>da</strong> por um<br />
indivíduo, <strong>em</strong>ancipa<strong>da</strong> dos padrões de gêneros e tipos, ou seja,<br />
possuidora de caracteres particulares.<br />
A partir do momento <strong>em</strong> que as técnicas dos compositores<br />
estivess<strong>em</strong> revela<strong>da</strong>s, não haveria necessi<strong>da</strong>de de continuar<br />
analisando, bastaria reproduzi-las como na aplicação de uma receita<br />
de bolo. Porém, o fato <strong>da</strong>s peças apresentar<strong>em</strong> quali<strong>da</strong>des<br />
peculiares exige a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tarefa analítica, pois to<strong>da</strong> nova<br />
obra conteria novas informações a ser<strong>em</strong> descobertas. Ao encontro<br />
desse entendimento junta-se a opinião de Kerman, ao parafrasear<br />
o verbete Analysis do Havard Dictionary, dizendo que o “ver<strong>da</strong>deiro<br />
foco <strong>da</strong> análise é o el<strong>em</strong>ento sintético e a significação funcional do<br />
detalhe musical” (1980, p.313). Essa particulari<strong>da</strong>de, <strong>em</strong> médio<br />
prazo, levou à criação de diversos métodos de trabalho.<br />
Assim, o início de nossa discussão neste tópico pode ser retomado:<br />
a in<strong>versão</strong> de papéis preconiza<strong>da</strong> no método de Cook. É possível<br />
pensar, inicialmente, na análise como ferramenta do ensino <strong>da</strong> teoria<br />
composicional. A metodologia dos professores era comparativa, ou<br />
seja, era solicitado aos alunos que analisass<strong>em</strong> as obras para que,<br />
a partir delas, pudess<strong>em</strong> desven<strong>da</strong>r e reproduzir as técnicas<br />
utiliza<strong>da</strong>s pelos compositores. Com o passar do t<strong>em</strong>po, devido ao<br />
forte caráter pessoal <strong>da</strong>s obras, mas, também, ao constante aumento<br />
<strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de técnica conti<strong>da</strong> nos textos sobre música, a<br />
<strong>em</strong>presa analítica perde esse conteúdo pe<strong>da</strong>gógico, adquire um<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
43
caráter especializado e desvincula-se <strong>da</strong> teoria, tornando-se um<br />
ramo autônomo de estudos.<br />
A autonomia <strong>da</strong> análise musical<br />
Principalmente no século XX, diversas maneiras de se estu<strong>da</strong>r a<br />
estrutura musical foram propostas, originando então várias técnicas<br />
de análise. Dentre as especifica<strong>da</strong>s por Bent, <strong>em</strong> 1980, estão as<br />
análises: schenkeriana, t<strong>em</strong>ática, formal, funcional, <strong>da</strong> estrutura<br />
fraseológica, de categoria, característica, distributiva e teoria <strong>da</strong><br />
informação. Certamente, o método de Schenker foi o mais influente<br />
entre os analistas, sobretudo nos Estados Unidos. Inicialmente<br />
intencionado para tratar de obras <strong>da</strong> prática comum, encontrou<br />
desdobramentos na música cont<strong>em</strong>porânea. Griffiths assinala que<br />
“o pensamento de Schenker afetou até mesmo os compositores <strong>da</strong><br />
música atonal nos EUA, e Babbitt buscou precisa e conscient<strong>em</strong>ente<br />
implantar o modelo dos níveis schenkerianos <strong>em</strong> suas obras, de<br />
modo que, <strong>em</strong> seu caso, a análise antecede a composição” (Griffiths,<br />
1995, p.5). No entanto, o t<strong>em</strong>aticismo de Rudolph Réti e a Teoria<br />
dos Conjuntos de Allen Forte também se tornaram importantes<br />
ferramentas analíticas para a música tonal e pós-tonal.<br />
Dessa proliferação de modelos de análise musical resultaram duas<br />
conseqüências: a ascensão <strong>da</strong> primazia <strong>da</strong> técnica sobre a própria<br />
obra e o definitivo, <strong>em</strong>bora confuso, distanciamento entre teoria e<br />
análise.<br />
Schenker já havia reclamado, quando tratando <strong>da</strong> dissociação entre<br />
prática e teoria, que a teoria <strong>da</strong> harmonia tornara-se tão s<strong>em</strong> efeito<br />
que era ensina<strong>da</strong> com ex<strong>em</strong>plos criados especialmente para<br />
adequar sua proposta. Os analistas, na intenção de desven<strong>da</strong>r os<br />
segredos <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong> obra, não raro centraram mais interesse<br />
no modelo de análise que na própria reali<strong>da</strong>de musical. Ocorrências<br />
desta espécie levaram Cook a lamentar que “o analista v<strong>em</strong> a<br />
acreditar que o propósito de uma peça musical é provar a validez<br />
44<br />
Revista Opus 12 - 2006
do método analítico que aplica, ao invés de crer que a função do<br />
método é esclarecer a música; <strong>em</strong> outras palavras, quando ele tornase<br />
mais interessado na teoria do que na aplicação prática”. (Cook,<br />
1987, p.2). Em outra passag<strong>em</strong> confirmará: “basta <strong>da</strong>r uma olha<strong>da</strong><br />
nos jornais atuais especializados <strong>em</strong> análise para descobrir que a<br />
grande relevância é posta sobre a formulação de modelos analíticos<br />
ca<strong>da</strong> vez mais precisos e incrivelmente sofisticados, mais ou menos<br />
como um fim <strong>em</strong> si mesmos” (id<strong>em</strong>, p.3). Ain<strong>da</strong> com relação à<br />
proliferação de modelos analíticos, Kerman menciona o discurso<br />
de Wallace Berry <strong>em</strong> sua posse na Socie<strong>da</strong>de para Teoria Musical<br />
(1980), no qual reclamava uma mu<strong>da</strong>nça de postura por parte dos<br />
autores de artigos sobre teoria musical, cujo teor havia se convertido<br />
<strong>em</strong> uma ver<strong>da</strong>deira torre de babel, além de assumir<strong>em</strong> um caráter<br />
obscuro e dogmático. Esse estado de coisas ain<strong>da</strong> é notório<br />
atualmente, pois se pode perceber uma persistência entre setores<br />
<strong>da</strong> vanguar<strong>da</strong> <strong>em</strong> dedicar maior ênfase no discurso sobre o método<br />
envolvido na composição do que no próprio produto final. Não raro<br />
me parece que, após ter explanado sobre seu projeto composicional,<br />
o autor dispensa a própria audição <strong>da</strong> peça.<br />
A referi<strong>da</strong> separação de domínios entre teoria e análise pode ser<br />
vista como o último passo na cristalização <strong>da</strong> análise como campo<br />
autônomo dos estudos musicais. Análise seria uma parte <strong>da</strong> teoria<br />
musical? Ou são os procedimentos analíticos viabilizadores <strong>da</strong><br />
edificação de uma teoria? A b<strong>em</strong> <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, as duas coisas<br />
ocorreram durante a história <strong>da</strong> música, <strong>em</strong>bora essa nomenclatura<br />
não seja estritamente correta. Por teoria entende-se, strictu senso,<br />
uma proposição para organização de <strong>da</strong>dos observados, cuja<br />
interpretação permitiria a formulação <strong>da</strong>s leis que regeriam estes<br />
mesmos fatos. Observa-se que <strong>em</strong> se tratando <strong>da</strong> música não há o<br />
estabelecimento de leis, no máximo os estudos revest<strong>em</strong>-se de<br />
caráter descritivo dos fenômenos observados, de modo que a<br />
definição rigorosa de teoria não se aplicaria neste caso. Mesmo<br />
Claude Palisca, no seu verbete para o Grove, ressaltaria que a<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
45
teoria musical constitui-se como o estudo <strong>da</strong>s estruturas <strong>da</strong> música,<br />
o que denota o aspecto não científico <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de musical. To<strong>da</strong>via,<br />
o uso desta terminologia encontra-se por d<strong>em</strong>ais arraigado tanto<br />
ao senso comum quanto <strong>em</strong> setores acadêmicos, de modo que<br />
continuarei a <strong>em</strong>pregá-la, ressalvando que teoria não subentende<br />
explicação, mas apenas compreensão dos fenômenos musicais.<br />
No ano de 1967, Edward Cone publicou na Perspectives of New<br />
Music um artigo intitulado Beyond Analysis. Embora o teor principal<br />
do seu texto versasse sobre as impossibili<strong>da</strong>des inerentes aos<br />
modelos de análise, passagens referentes a concepções sobre a<br />
natureza <strong>da</strong> análise e <strong>da</strong> teoria musical incomo<strong>da</strong>ram alguns<br />
teóricos, especialmente David Lewin, que <strong>em</strong> 1969 publicaria, na<br />
mesma revista, uma resposta ao artigo de Cone, sob o título de<br />
Behind the Beyond. Neste trabalho, Lewin ofereceu uma boa<br />
diferenciação entre os conceitos de análise, teoria e crítica musicais,<br />
delimitando o campo de estudo de ca<strong>da</strong> uma destas áreas, b<strong>em</strong><br />
como, seus pontos de interseção; além de reafirmar o papel<br />
fun<strong>da</strong>mental que teoria e análise têm na didática composicional.<br />
Para Lewin, a análise não pode fun<strong>da</strong>mentar uma apreciação crítica<br />
<strong>em</strong> um sentido quantitativo, mas apenas ampliá-la qualitativamente.<br />
Com relação à diferenciação entre análise e teoria, Lewin atesta<br />
que a teoria musical examina, a princípio, abstrações musicais de<br />
caráter geral. As estruturas considera<strong>da</strong>s pela teoria são anteriores<br />
às obras, exist<strong>em</strong> a priori, independentes até <strong>da</strong> própria<br />
materialização na obra consuma<strong>da</strong>. A análise, por sua vez, trabalha<br />
com composições específicas, com o produto final, investigando<br />
seus componentes e suas articulações. O interesse de um teórico<br />
está direcionado, sobretudo, a conceitualizações genéricas; o<br />
analista, por sua vez, tende ao particular e pontual, ou seja,<br />
compreende as especifici<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> peça <strong>em</strong> questão.<br />
Embora to<strong>da</strong> definição seja passível de correções, o <strong>em</strong>bate entre<br />
esses dois autores conduziu ao estabelecimento dos domínios<br />
46<br />
Revista Opus 12 - 2006
elativos a ca<strong>da</strong> um desses campos de estudo, além de atestar o<br />
que Cook chamaria de profissionalização <strong>da</strong> análise musical ao<br />
sentenciar que “nos últimos vinte anos a análise musical tornou-se<br />
profissionaliza<strong>da</strong>” (Cook, 1987, p.3). Essa profissionalização pode<br />
ser entendi<strong>da</strong>, segundo Kerman, como tendo seu ponto de parti<strong>da</strong><br />
desde a déca<strong>da</strong> de 50, com os avanços <strong>da</strong> indústria eletrônica.<br />
Esses avanços facilitaram o acesso à música de concerto pela sua<br />
disponibilização <strong>em</strong> discos, com isso, houve um aumento geral do<br />
interesse por informações musicais, incentivando o aumento de<br />
publicações especializa<strong>da</strong>s no assunto. Kerman refere-se a uma<br />
“explosão de artigos analíticos” a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60. Esse<br />
incr<strong>em</strong>ento pode ser constatado na bibliografia utiliza<strong>da</strong> por Bent<br />
no seu verbete para o Grove. Como notado por Duprat (1996), o<br />
número de publicações contendo a palavra análise, na referi<strong>da</strong><br />
bibliografia de Bent, contém 18 entra<strong>da</strong>s na déca<strong>da</strong> de 50 e 80<br />
entra<strong>da</strong>s na déca<strong>da</strong> de 60; um acréscimo, de fato, relevante.<br />
Ao lado desses aspectos teóricos, a referi<strong>da</strong> autonomia adquiri<strong>da</strong><br />
pela análise musical é também nota<strong>da</strong> no que diz respeito à<br />
desvinculação do ato analítico para com os aspectos críticos,<br />
composicionais e interpretativos (pois se admitia, e ain<strong>da</strong> admitese,<br />
que a análise é uma importante ferramenta auxiliar <strong>da</strong><br />
performance). Pode-se observar que ca<strong>da</strong> vez mais as análises<br />
apontam aspectos diversos <strong>da</strong>s composições s<strong>em</strong> preocupar-se<br />
com a sua aplicabili<strong>da</strong>de pragmática. Não estou afirmando que o<br />
estudo de qualquer objeto deva ter obrigatoriamente uma utili<strong>da</strong>de<br />
prática. Todo conhecimento é válido <strong>em</strong> si mesmo. To<strong>da</strong>via, é fácil<br />
observar (sobretudo <strong>em</strong> dissertações na área <strong>da</strong> performance<br />
musical) que algumas análises apenas descrev<strong>em</strong> os<br />
acontecimentos, como se fora uma narrativa futebolística (saiu <strong>da</strong><br />
tônica, passou pelo segundo grau, cruzou pela tonali<strong>da</strong>de relativa<br />
e chegou à região <strong>da</strong> dominante), s<strong>em</strong> apresentar posteriores<br />
conclusões a respeito de como aquela análise afetou ou influiu na<br />
maneira de tocar a peça. Ao que parece, faz-se uma análise tendo<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
47
a intenção de descobrir a coerência interna de uma obra que já se<br />
sabia coerente. Este aspecto é comentado por Dahlhaus quando<br />
ele trata de análises do tipo descritiva, ou seja, análises<br />
taxionômicas. Apontando para a inutili<strong>da</strong>de destas tautologias,<br />
argumenta que estas revelam muito acerca <strong>da</strong> teoria e quase na<strong>da</strong><br />
a respeito <strong>da</strong> obra. Segundo ele, não basta apenas isolar (abstrair<br />
de el<strong>em</strong>entos rítmicos, por ex<strong>em</strong>plo) e enumerar os acordes,<br />
outrossim, é preciso que o caráter individual <strong>da</strong> estrutura harmônica<br />
e suas relações seja “expressamente d<strong>em</strong>onstrado e articulado por<br />
uma interpretação <strong>da</strong> análise: uma análise de segun<strong>da</strong> ord<strong>em</strong>”<br />
(1983, p. 9. Grifo meu).<br />
Entretanto, o outro lado <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> pode ser representado pela<br />
vontade dos músicos <strong>em</strong> ater<strong>em</strong>-se a questões musicais, ou seja,<br />
tratar a música primordialmente <strong>em</strong> seus próprios termos, ao invés<br />
de relevar abor<strong>da</strong>gens paralelas. Kinton resume esse estado de<br />
coisas <strong>da</strong> seguinte maneira: “nós t<strong>em</strong>os uma crítica musical<br />
ideológica, uma crítica musical f<strong>em</strong>inista, uma crítica musical<br />
hermenêutica, porém, não t<strong>em</strong>os uma crítica musical musical”<br />
(Kinton, 2004). Mas mesmo esse afã <strong>em</strong> “falar <strong>da</strong> música na música”<br />
conduziria à sobrevalorização <strong>da</strong>s ferramentas analíticas, pois “a<br />
análise parece muito ocupa<strong>da</strong> com suas próprias técnicas internas,<br />
muito fascina<strong>da</strong> pela sua lógica peculiar e extr<strong>em</strong>amente tenta<strong>da</strong><br />
por seus próprios pe<strong>da</strong>ntismos privados para confrontar a obra de<br />
arte sob seus próprios termos estéticos” (Kerman, 1980, p. 312). E<br />
esta constatação pode explicar a cita<strong>da</strong> independência adquiri<strong>da</strong><br />
pela disciplina análise musical.<br />
Existe a música <strong>em</strong> si mesma?<br />
A música considera<strong>da</strong> <strong>em</strong> si mesma refere-se à análise dos<br />
el<strong>em</strong>entos que integram sua estrutura, como motivos, frases,<br />
períodos, seções, escalas, tonali<strong>da</strong>de, modulações, regiões,<br />
aspectos melódicos, harmônicos, polifônicos, texturais, rítmicos,<br />
entre uma série de outros componentes que poderiam também ser<br />
48<br />
Revista Opus 12 - 2006
mencionados. Vale l<strong>em</strong>brar que n<strong>em</strong> todos os el<strong>em</strong>entos pod<strong>em</strong><br />
ser percebidos apenas com a escuta, pois se assim fosse, não<br />
haveria necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> análise. É exatamente a existência de<br />
particulari<strong>da</strong>des ocultas na música e não revela<strong>da</strong>s durante sua<br />
audição que propicia e origina as várias abor<strong>da</strong>gens analíticas. Em<br />
razão disto, a análise não pode tratar-se de um processo intuitivo.<br />
O analista deve basear-se <strong>em</strong> técnicas ou métodos que o permitam<br />
decidir seguramente sobre os parâmetros musicais postos <strong>em</strong> jogo,<br />
b<strong>em</strong> como, as funções que estes adquir<strong>em</strong> no discurso musical.<br />
Deste modo, a análise apresenta-se como uma ativi<strong>da</strong>de<br />
essencialmente intelectual, possibilitando ao analista abster-se de<br />
preocupações de sentimento ou expressão <strong>em</strong> termos<br />
extramusicais.<br />
No entanto, considerações sobre música <strong>em</strong> si mesma necessitam<br />
de um agente externo para interpretar o fenômeno, o analista. Esta<br />
exigência aumenta o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> restrição do processo analítico à<br />
música nela mesma, já que a música age no intelecto do ser humano<br />
que a recebe. Essa característica possibilita a qu<strong>em</strong> interpreta o<br />
fenômeno confrontá-lo de duas maneiras: psico-sensória e<br />
funcionalmente. O aspecto psico-sensório tratará de como a música<br />
é percebi<strong>da</strong> pela mente humana, r<strong>em</strong>etendo a questões cognitivas,<br />
psicológicas, neurológicas, estéticas, entre outras. O funcional<br />
tenderá a tratar de sua utili<strong>da</strong>de e/ou finali<strong>da</strong>de, o que implicaria<br />
<strong>em</strong> acolher estudos ligados à sociologia, história, antropologia,<br />
filosofia, etc. Assim, valeria a questão: a música <strong>em</strong> si é aquela<br />
ouvi<strong>da</strong> por um sujeito ou trata-se <strong>da</strong>quela fabrica<strong>da</strong> pelo compositor<br />
e <strong>impressa</strong> no papel? Consciente dessas implicações, Bent admite<br />
que “a análise musical engloba um amplo número de ativi<strong>da</strong>des<br />
diversas, que representam diferentes visões <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> música,<br />
dificultando uma definição dentro de seus próprios limites” (2001,<br />
p. 1). Essa situação aponta para o paradoxo <strong>da</strong> análise musical:<br />
pretender analisar racional e objetivamente um fenômeno <strong>em</strong>ocional<br />
e subjetivo.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
49
Ao lado destas colocações, vale ressaltar que a música enquanto<br />
manifestação artística está envolta <strong>em</strong> um grande aparato cultural,<br />
compreendendo sua matéria prima, seus meios de produção e<br />
divulgação, sua linguag<strong>em</strong> própria, seus locais de transmissão e/<br />
ou representação, etc. Essa arte é constituí<strong>da</strong>, portanto, por<br />
el<strong>em</strong>entos culturais tão imprescindíveis quanto os próprios<br />
el<strong>em</strong>entos materiais. Nas palavras de Jorge Coli “não há dúvi<strong>da</strong><br />
que o trabalho sobre a matéria, a habili<strong>da</strong>de artesanal, o domínio<br />
sobre o fazer são el<strong>em</strong>entos constitutivos essenciais <strong>da</strong> arte, mas<br />
eles repousam sobre um pressuposto anterior: o <strong>da</strong> transformação<br />
<strong>da</strong> matéria numa expressão cultural específica” (Coli, 1984, p.118).<br />
Some-se a isso o fato de que uma análise será influencia<strong>da</strong> pela<br />
própria característica do analista, quer seja este um musicólogo,<br />
compositor, crítico, intérprete ou historiador, que pod<strong>em</strong> enfatizar<br />
ou minimizar aspectos <strong>da</strong> obra de acordo com seus próprios<br />
interesses. Estas considerações reflet<strong>em</strong> a fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tentativa<br />
de abor<strong>da</strong>r o fenômeno musical desvinculado de fatores externos.<br />
Conclusão<br />
A partir <strong>da</strong>s primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX já pode ser vislumbrado<br />
uma espécie de “fechamento de foco” na objetiva teórica, pois os<br />
estudiosos gra<strong>da</strong>tivamente afastam-se dos assuntos globais e<br />
centram-se <strong>em</strong> questões direciona<strong>da</strong>s aos atributos específicos de<br />
determina<strong>da</strong> composição musical, impondo um elevado grau de<br />
especialização <strong>em</strong> seus estudos <strong>em</strong> detrimento <strong>da</strong> redução <strong>da</strong><br />
abrangência do campo teórico. Conseqüent<strong>em</strong>ente, vê-se a<br />
ascensão <strong>da</strong> análise face ao eclipse <strong>da</strong>s teorias globais, apontando,<br />
a princípio, para um maior interesse <strong>em</strong> assuntos composicionais,<br />
ou seja, no que diz respeito à produção artística. Uma frase<br />
sintomática de Kerman sintetiza este estado de coisas: “quando<br />
chegamos a nos interessar pela arte moderna é necessário o<br />
envolvimento com os probl<strong>em</strong>as ligados à sua criação” (1987). A<br />
inserção de novas propostas de reflexão e de especulação acerca<br />
<strong>da</strong> sintaxe musical, <strong>em</strong> última instância, conduziu à discussão sobre<br />
50<br />
Revista Opus 12 - 2006
os processos norteadores <strong>da</strong> produção musical, seu modus<br />
operandi. A reformulação ou reorganização <strong>da</strong> sintaxe musical<br />
reivindicou por parte dos teóricos e críticos o domínio dos<br />
procedimentos técnicos que se cristalizaram ao longo do século,<br />
fato que além de projetar a necessi<strong>da</strong>de do conhecimento de<br />
processos de análise ampliou o leque de possibili<strong>da</strong>des de<br />
pesquisas sobre a linguag<strong>em</strong> musical. Vislumbra-se, assim, com<br />
esta passag<strong>em</strong> do macro para o microscópico, a gradual primazia<br />
obti<strong>da</strong> pelas ferramentas de análise.<br />
Não obstante, como apontado por Duprat, <strong>em</strong> meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />
de 70 o número de publicações sobre análise decresceu, fato<br />
constatado na observação do número de entra<strong>da</strong>s com a palavra<br />
análise no verbete homônimo do Grove. Contudo, é preciso l<strong>em</strong>brar<br />
que no seu artigo Duprat desconsidera as reedições e publicações<br />
revisa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> literatura anterior. O fato de haver publicações<br />
revisita<strong>da</strong>s de trabalhos anteriores indica a manutenção de interesse<br />
pelo assunto. Essa condição pode ser facilmente constata<strong>da</strong><br />
atualmente. Em uma simples consulta à internet, no sítio <strong>da</strong> livraria<br />
virtual Amazon (www.amazon.com), realiza<strong>da</strong> dia 22 de abril de 2006<br />
às 19:00 horas, indicou a existência de 349 títulos de música com<br />
a palavra análise; destes, mais de 200 foram publicados a partir de<br />
1990. Essa série de novas bibliografias sobre o assunto d<strong>em</strong>onstra<br />
que este mercado continua <strong>em</strong> alta.<br />
Nesse decurso, várias vezes teoria e análise musicais confundiramse<br />
e misturaram seus limites. Kerman, por ex<strong>em</strong>plo, afirma: “teoria<br />
consiste na investigação <strong>da</strong>quilo que faz a música funcionar” (1987,<br />
p.3). Bent irá contrapor: “análise é o meio de responder diretamente<br />
à questão ‘como isto funciona?’” (2001, p.5). Sobre composição<br />
Kerman irá dizer: “o alinhamento mais fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> teoria musical<br />
é com a composição musical” (1987, p.5). E como pode ser<br />
constatado nos expostos anteriores, a composição é aprendi<strong>da</strong> e<br />
investiga<strong>da</strong> principalmente por meio <strong>da</strong> análise.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
51
Por fim, é uma espécie de opinião comum o fato <strong>da</strong> análise musical<br />
ter se revestido de um teor positivista, funcionando como espécie<br />
de comprobatório <strong>da</strong>s pesquisas realiza<strong>da</strong>s no campo musical. Esse<br />
domínio analítico foi visto, por muitos, como uma tentativa de<br />
transferência de um modelo científico para um campo cultural.<br />
Entretanto, vale ressaltar que ao denominar a análise musical como<br />
o lado positivista <strong>da</strong> música, Kerman referia-se a uma atitude<br />
positivista, ao processo de condução de uma apreciação musical.<br />
Isto pode ser inferido, por ex<strong>em</strong>plo, quando ele (argumentando sobre<br />
a separação existente entre análise e crítica musical) rebate a<br />
objeção de que a análise musical li<strong>da</strong> com metodologias objetivas,<br />
enquanto a crítica opera somente com juízos subjetivos, pois na<br />
literatura é possível perceber que os críticos de música (Schenker<br />
e Tovey são por ele mencionados) valeram-se <strong>da</strong> análise enquanto<br />
critério de valoração <strong>da</strong> obra. O que aconteceu é que recent<strong>em</strong>ente<br />
os analistas conscient<strong>em</strong>ente evitaram a <strong>em</strong>issão de juízos de valor<br />
com a intenção de lograr<strong>em</strong> uma análise o mais isenta possível;<br />
consequent<strong>em</strong>ente, o foco principal foi projetado sobre a própria<br />
técnica. Cook, por sua vez, comenta: “pessoalmente eu desaprecio<br />
a tendência <strong>da</strong> análise converter-se <strong>em</strong> uma disciplina quase<br />
científica <strong>em</strong> seu direito próprio, essencialmente independente de<br />
interesses práticos <strong>da</strong> performance, composição ou educação<br />
musicais” (Cook, 1987, p.3). Este estado de coisas pode ser<br />
facilmente verificado observando-se artigos e trabalhos de mestrado<br />
e/ou doutorado na área de música. É raro o trabalho acadêmico,<br />
sobretudo nas áreas de performance e composição, que não<br />
dedique várias páginas a considerações analíticas, e mesmo<br />
trabalhos teóricos, estéticos e históricos por vezes apresentam essa<br />
característica.<br />
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________________<br />
Antenor Ferreira - É Mestre <strong>em</strong> Música (Unesp), autor de Estruturações Harmônicas Póstonais<br />
(Edunesp-2006); Bacharel <strong>em</strong> Composição e Regência (Unesp); Percussionista <strong>da</strong><br />
Orquestra Sinfônica de Santos. Sob orientação do Prof. Dr. Amílcar Zani, desenvolve projeto de<br />
Doutorado na ECA-USP, tendo por objetivo a criação de um modelo para a composição pós-tonal<br />
por meio <strong>da</strong> integração de técnicas analíticas.<br />
e-mail: antenorferreira@yahoo.com.br<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
53
54<br />
ASPECTOS DE TRANSFORMAÇÃO TEMÁTICA NO<br />
“NOTURNO” PARA O III ATO DE CONDOR DE<br />
CARLOS GOMES<br />
Marcos Pupo Nogueira<br />
Resumo: O trabalho analisa a estrutura t<strong>em</strong>ática do prelúdio sinfônico que Carlos Gomes escreveu<br />
para o terceiro e último ato, o “Noturno”, <strong>da</strong> ópera “Côndor”. Aponta a tendência do compositor<br />
para uma escrita que integra os t<strong>em</strong>as por meio de transformações de motivos básicos, algo<br />
também presente <strong>em</strong> outras peças orquestrais de suas óperas. A peça <strong>em</strong> questão, <strong>em</strong>bora<br />
breve, se aproxima de um tipo de sinfonismo europeu do final do século XIX, no qual a escrita<br />
t<strong>em</strong>ática é bastante coesa. Gomes, além disso, se afasta de um sinfonismo muito atrelado à mera<br />
vocali<strong>da</strong>de e ao cantabile característicos <strong>da</strong> ópera italiana do final do século XIX.<br />
Palavras chave: Motivos básicos. Ópera. Prelúdio Sinfônico<br />
Abstract: The work analyzes the th<strong>em</strong>atic structure of the symphonic prelude that Carlos Gomes<br />
wrote for the third and last act, the “Noturno”, of his opera “Côndor”. It points the trend of the<br />
composer with respect to a writing that integrates the subjects by means of transformations of a<br />
basic motif, something also present in other orchestra´s parts of its operas. This prelude, even a<br />
little piece, is near to a type of European symphonism of the end of century XIX, in which the<br />
th<strong>em</strong>atic writing is very cohesive. Gomes, moreover, moves away from a very joined symphonism<br />
to the mere characteristic vocalism and cantabile of the Italian opera of the end of century XIX.<br />
Keywords: Basic motives. Opera. Sinfonic prelude.<br />
O conceito principal que permite e fun<strong>da</strong>menta o eixo central deste<br />
trabalho - resultante <strong>da</strong> minha tese de doutorado “Carlos Gomes,<br />
Um Compositor Orquestral”, dedica<strong>da</strong> a estudo t<strong>em</strong>ático e sinfônico<br />
<strong>da</strong>s formas orquestrais <strong>da</strong>s óperas do compositor campineiro - ou<br />
seja, a análise e significado <strong>da</strong> escrita t<strong>em</strong>ática e sinfônica no<br />
“Noturno” para o terceiro ato <strong>da</strong> última ópera de Carlos Gomes, se<br />
forma a partir dos estudos <strong>em</strong>preendidos por Arnold Schoenberg,<br />
“Fun<strong>da</strong>mentals of Musical Composition”, e Rudolf Reti, “Th<strong>em</strong>atic<br />
Process in Music”, sobre a construção t<strong>em</strong>ática na música européia<br />
dos séculos XVIII e XIX. Os dois, ca<strong>da</strong> um a seu modo, se<br />
concentraram <strong>em</strong> uma estética que consideraram central na música<br />
do período clássico, romântico e pós-romântico, e estiveram<br />
ocupados <strong>em</strong> explicitá-la, principalmente nas obras cita<strong>da</strong>s. Essa<br />
tendência se refere exatamente a obras nas quais o aspecto<br />
Revista Opus 12 - 2006
essencial é a coerência t<strong>em</strong>ática do discurso e a uni<strong>da</strong>de é<br />
alcança<strong>da</strong> pelas variações e transformações de motivos básicos,<br />
el<strong>em</strong>entos fort<strong>em</strong>ente presentes <strong>em</strong> muitas criações de<br />
compositores como Haydn, Beethoven, Liszt, Wagner, Brahms, R.<br />
Strauss e Sibelius.<br />
A peça que abre o último ato <strong>da</strong> ópera “Côndor”, chama<strong>da</strong> por Carlos<br />
Gomes de “noturno” por antecipar uma cena noturna lírica, na<strong>da</strong><br />
mais é do que um prelúdio. Trata-se <strong>da</strong> última peça no gênero escrita<br />
por Carlos Gomes. Em resenha crítica dessa produção, publica<strong>da</strong><br />
no dia seguinte à estréia <strong>da</strong> ópera <strong>em</strong> Milão, <strong>em</strong> 1891, o jornal Il<br />
Secolo diz que nenhum compositor naquela época ousaria<br />
“renunciar à prática de antepor um prelúdio ao último ato de uma<br />
ópera, e Gomes foi ver<strong>da</strong>deiramente inspirado nesse que precede<br />
o III Ato do “Côndor” (Carvalho, s.d.). O crítico, que assina sua<br />
resenha apenas com as iniciais A. G., se refere ao grande número<br />
de óperas compostas na Itália, a partir de meados do século XIX,<br />
que possu<strong>em</strong> uma pequena peça orquestral preparando o ato<br />
conclusivo, geralmente já com as cortinas abertas (como no prelúdio<br />
do IV Ato de “Lo Schiavo” e nesse para o III Ato do “Côndor”).<br />
A maioria dos ex<strong>em</strong>plos desse tipo de prelúdio, compostos à época<br />
do “Côndor”, t<strong>em</strong> características intimistas representa<strong>da</strong>s por<br />
an<strong>da</strong>mentos lentos ou moderados, orquestra reduzi<strong>da</strong> e uma certa<br />
tendência para melodias <strong>em</strong> legato, desenvolvi<strong>da</strong>s <strong>em</strong> frases longas<br />
que descrev<strong>em</strong> grandes arcos. Outro ponto <strong>em</strong> comum é o desejo<br />
de criar com essas peças orquestrais um ambiente adequado para<br />
o que se seguiria na cena dramática, algo que entre os críticos<br />
italianos ficou conhecido como ambientismo, uma palavra que quase<br />
s<strong>em</strong>pre se refere às obras considera<strong>da</strong>s veristas. O historiador <strong>da</strong><br />
música David Kimbell define esse termo e sua conotação como um<br />
“desejo de compor o décor <strong>em</strong> música; de evocar o ambiente no<br />
qual o drama era desenvolvido e que se tornou uma <strong>da</strong>s tarefas<br />
mais estimulantes para os compositores” (Kimbell, 1991: 627).<br />
Kimbell vê no ambientismo algo análogo ao que os escritores do<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
55
Verismo procuravam criar também <strong>em</strong> suas produções: “um quadro<br />
vívido <strong>da</strong>s cenas de suas histórias por meio <strong>da</strong> precisa descrição<br />
documental dos mais simples detalhes”. Nesse sentido, um dos<br />
ex<strong>em</strong>plos mais cont<strong>em</strong>porâneos do “Côndor” pode ser encontrado<br />
na ópera “La Wally”, de Catalani, que estreou um ano depois <strong>da</strong><br />
ópera de Gomes, também no Teatro alla Scala, <strong>em</strong> Milão. A ópera<br />
possui um prelúdio escrito para o IV Ato que descreve uma cena<br />
sombria na qual a protagonista cont<strong>em</strong>pla uma paisag<strong>em</strong> devasta<strong>da</strong><br />
pela nevasca. O autor, para descrever a paisag<strong>em</strong> representa<strong>da</strong><br />
no prelúdio, indica entre as linhas <strong>da</strong>s pautas <strong>da</strong> própria<br />
partitura orquestral exatamente que cenário imagina para a<br />
cena, ou seja, um lugar que se “ass<strong>em</strong>elha, no triste e lívido<br />
dez<strong>em</strong>bro, a um c<strong>em</strong>itério com seus túmulos de neve”:<br />
56<br />
Ex.1 - Catalani - La Wally. compassos 3 - 6.<br />
A imensidão branca do gelo é representa<strong>da</strong> pelo pe<strong>da</strong>l nos<br />
contrabaixos, harpa e trompas, enquanto a paisag<strong>em</strong> lúgubre é<br />
caracteriza<strong>da</strong> pelas dissonâncias que o arrastado movimento<br />
melódico de violoncelos, corne-inglês, flauta e piccolo produz<strong>em</strong><br />
contra o pe<strong>da</strong>l sobre a nota fá. O forte caráter descritivo dessa<br />
passag<strong>em</strong> orquestral se <strong>completa</strong> com a representação <strong>da</strong> morte<br />
sugeri<strong>da</strong> pelo compasso e pelo an<strong>da</strong>mento de marcha fúnebre, cuja<br />
função é prenunciar a morte próxima <strong>da</strong> protagonista.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Outros ex<strong>em</strong>plos de formas orquestrais desse tipo, presentes <strong>em</strong><br />
obras cont<strong>em</strong>porâneas ao “Côndor”, são os intermezzi <strong>da</strong> “Cavaleria<br />
Rusticana”, de Piero Mascagni, que estreou <strong>em</strong> Roma <strong>em</strong> 1890, e<br />
de “Manon Lescaut”, de Giacomo Puccini, cuja primeira montag<strong>em</strong><br />
ocorreu <strong>em</strong> Turim, <strong>em</strong> 1893. A ópera de Mascagni é muitas vezes<br />
considera<strong>da</strong> como o marco inicial do Verismo e, mesmo sendo uma<br />
produção <strong>em</strong> Ato único, t<strong>em</strong> no célebre intermezzo uma peça<br />
orquestral com função s<strong>em</strong>elhante ao tipo de prelúdio a que estamos<br />
nos referindo, já que sua pungente melodia não t<strong>em</strong> uma função<br />
claramente descritiva como a peça de Catalani, mas sugere o<br />
desenlace trágico que concluirá a ópera. No entanto, diversamente<br />
do prelúdio de Gomes, o intermezzo de Mascagni não é construído<br />
por recorrências de motivos ou de transformações t<strong>em</strong>áticas, e to<strong>da</strong><br />
sua força dramática é melódica e harmônica, não possuindo relação<br />
t<strong>em</strong>ática com o restante <strong>da</strong> obra. Também o intermezzo entre o II e<br />
III Atos de “Manon Lescaut” t<strong>em</strong> uma função de cunho teatral,<br />
representando o transcurso do t<strong>em</strong>po <strong>da</strong> viag<strong>em</strong> de Manon até o<br />
porto de Havre, de onde partirá rumo ao degredo. Ao contrário <strong>da</strong><br />
peça de Mascagni, o material t<strong>em</strong>ático utilizado por Puccini antecipa<br />
o t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> cena inicial do III Ato de “Manon Lescaut”, algo que ocorre<br />
também com o noturno do “Condor”.<br />
O incr<strong>em</strong>ento <strong>da</strong> tendência, nos últimos anos do século XIX na<br />
Itália, de preceder a parte final de uma ópera por um prelúdio<br />
orquestral pode ser devido à intensa repercussão <strong>em</strong> vários centros<br />
musicais <strong>da</strong> Europa dos prelúdios que Wagner escreveu para o I e<br />
último Ato de “Lohengrin”. Essa obra estreou <strong>em</strong> Weimar <strong>em</strong> 1850<br />
e só foi produzi<strong>da</strong> pela primeira vez na Itália <strong>em</strong> 1871 1 , graças aos<br />
esforços do regente Angelo Mariani, que a conduziu <strong>em</strong> Bologna.<br />
Entretanto, mesmo considerando o grande porte orquestral e a<br />
duração do prelúdio do último Ato do “Lohengrin”, ele não possui<br />
originalmente uma conclusão (quando executado <strong>em</strong> concerto,<br />
alterações têm de ser realiza<strong>da</strong>s para sua finalização), ligando-se,<br />
s<strong>em</strong> interrupção, à passag<strong>em</strong> vocal seguinte. O prelúdio de Wagner<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
57
descreve as festivi<strong>da</strong>des do casamento de Elsa e Lohengrin, e desse<br />
modo também pode ser considerado como uma grande introdução<br />
ao ato final <strong>da</strong> ópera.<br />
Contudo, não se pode esquecer que, mesmo na Itália, muito antes<br />
de Gomes, Catalani, Mascagni e Puccini, Verdi havia escrito para a<br />
“Traviata” — ópera que estreou <strong>em</strong> Veneza <strong>em</strong> 1853, três anos<br />
após o “Lohengrin” — o famoso prelúdio para o I e o último Ato,<br />
cujo t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> seção inicial (Verdi:s.d.:207) é o mesmo do prelúdio<br />
do primeiro (Verdi:s.d.:1). No início <strong>da</strong> cena cita<strong>da</strong> (início do último<br />
ato), Violeta, <strong>em</strong> seu leito de morte, pede a sua cria<strong>da</strong> Anina um<br />
pouco de água e que abra a janela de seu quarto para que entre<br />
um pouco de luz. É exatamente nesse ponto que reaparece,<br />
entrecortando o desolado contexto do diálogo entre Violeta e Anina,<br />
fragmentos do t<strong>em</strong>a principal do prelúdio. Assim, ao antecipar só<br />
com a orquestra essa cena, o prelúdio torna-se parte integrante e<br />
decisiva de um processo que resulta <strong>em</strong> uma <strong>da</strong>s cenas de maior<br />
eficácia dramática entre to<strong>da</strong>s as óperas do compositor italiano.<br />
As cita<strong>da</strong>s óperas de Wagner e Verdi são rigorosamente <strong>da</strong> mesma<br />
época e os seus respectivos prelúdios dev<strong>em</strong> ser entendidos como<br />
modelos para os que se seguiram. Esse fato confere uma<br />
perspectiva menos maniqueísta a esse período <strong>da</strong> história <strong>da</strong> ópera<br />
na Itália — perspectiva esta que se opõe àquela que muito influiu<br />
sobre os críticos ligados ao nacionalismo modernista brasileiro, que<br />
procurava colocar os compositores mais inovadores do final do<br />
século XIX, entre eles Carlos Gomes, na fantasiosa posição de optar<br />
ou pelo melodismo cantabile de Verdi ou pelo “sinfonismo” de<br />
Wagner, expressão que ao ser associa<strong>da</strong> a este último quase<br />
s<strong>em</strong>pre possuía um significado pejorativo. Nesse sentido, vale<br />
l<strong>em</strong>brar que Charles Osborne assinalou s<strong>em</strong>elhanças entre os<br />
prelúdios orquestrais presentes nas óperas cita<strong>da</strong>s de Wagner e<br />
de Verdi, principalmente <strong>em</strong> relação ao <strong>em</strong>prego do “divisi a quatro”<br />
dos violinos nos sete primeiros compassos do prelúdio para o I Ato<br />
58<br />
Revista Opus 12 - 2006
<strong>da</strong> “Traviata” (quase idênticos aos do prelúdio do II Ato), que<br />
evident<strong>em</strong>ente se ass<strong>em</strong>elham ao encontrado no prelúdio para o I<br />
Ato do “Lohengrin”, <strong>em</strong>bora ressalve que “ao t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que estava<br />
compondo a “Traviata”, Verdi não havia ouvido um compasso sequer<br />
<strong>da</strong> música de Wagner” (Osborne,1970: 272). Essa ressalva de<br />
Osborne favorece um tipo de análise mais profun<strong>da</strong> e que leva <strong>em</strong><br />
consideração os complexos processos técnico-estéticos que<br />
predominavam na ópera italiana na segun<strong>da</strong> metade do século XIX,<br />
e que não se restringiam apenas a esses dois compositores.<br />
Em todos os ex<strong>em</strong>plos citados, no entanto, os respectivos prelúdios<br />
possu<strong>em</strong>, ao contrário do de Gomes, pouca autonomia enquanto<br />
forma sinfônica, pois há interesse <strong>em</strong> desenvolver sua estrutura<br />
interna além <strong>da</strong> função de preparar ou ambientar a cena à qual<br />
serv<strong>em</strong> de introdução. Para o prelúdio do III Ato do “Côndor”, Gomes,<br />
<strong>em</strong>bora também prepare e antecipe t<strong>em</strong>aticamente a cena seguinte,<br />
cria uma sóli<strong>da</strong> estrutura t<strong>em</strong>ática interna conferindo-lhe uma<br />
conformação sinfônica autônoma, como ver<strong>em</strong>os a seguir na análise<br />
t<strong>em</strong>ática e motívica dessa peça orquestral.<br />
O caráter de preparação para a cena inicial do último ato do prelúdio<br />
“Côndor” foi reconhecido pela crítica já cita<strong>da</strong> do jornal Il Secolo,<br />
que o definiu como “uma página ver<strong>da</strong>deiramente gentil,<br />
apaixona<strong>da</strong>, de rara elegância instrumental e que prepara muito<br />
b<strong>em</strong> as peripécias que conclu<strong>em</strong> a ópera” (Carvalho,s.d.).<br />
Evident<strong>em</strong>ente, o crítico italiano está se referindo às largas frases<br />
melódicas presentes nessa pequena peça orquestral, que suger<strong>em</strong><br />
o lamento apaixonado de O<strong>da</strong>lea, enquanto espera seu amado<br />
Côndor, e o comentário de seu paj<strong>em</strong> Adin <strong>em</strong> forma de serenata.<br />
A intenção de criar o ambiente <strong>em</strong> que se desenvolverá a cena<br />
também se encontra claramente determina<strong>da</strong> e pode ser observa<strong>da</strong><br />
na indicação cênica para o início desse ato final do “Côndor”, onde<br />
se lê:<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
59
60<br />
“Jardins — terraço — À pouca distância, para além do lago, a ci<strong>da</strong>de.<br />
Noite e o clarão <strong>da</strong> lua” (Gomes,1986e:181).<br />
Essa indicação e o caráter cont<strong>em</strong>plativo do prelúdio suger<strong>em</strong> a<br />
outra denominação com que essa página sinfônica também é<br />
conheci<strong>da</strong>: Noturno. O breve prelúdio escrito <strong>em</strong> SolbM começa<br />
com o t<strong>em</strong>a executado pelo oboé, extraído por Gomes <strong>da</strong> “Serenata<br />
de Adin”:<br />
Ex. 2 - Carlos Gomes - “Noturno”. Côndor. c. 1 - 2. Os colchetes<br />
pontilhados indicam variantes mais distantes <strong>da</strong> configuração inicial<br />
dos motivos.<br />
A idéia musical acima possui duas configurações motívicas<br />
(indica<strong>da</strong>s pelas letras a e b), cujos desdobramentos ou<br />
transformações levam à construção dos d<strong>em</strong>ais t<strong>em</strong>as do prelúdio.<br />
Assim, a configuração indica<strong>da</strong> por a se define diast<strong>em</strong>aticamente<br />
pelo salto ascendente compensado pela desci<strong>da</strong> de segun<strong>da</strong>,<br />
enquanto a configuração indica<strong>da</strong> por b se caracteriza por três notas<br />
<strong>em</strong> grau conjunto, ora ascendente ora descendente (intervalo de<br />
terça), sendo que a primeira é s<strong>em</strong>pre uma nota mais longa (-)<br />
segui<strong>da</strong> por uma curta (È), características motívicas que <strong>da</strong>rão forte<br />
uni<strong>da</strong>de t<strong>em</strong>ática a esse prelúdio.<br />
Outro ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de t<strong>em</strong>ática do prelúdio pode ser observado<br />
na seção seguinte, que possui características s<strong>em</strong>elhantes a um<br />
pequeno desenvolvimento. Gomes, depois <strong>da</strong> cadência sobre a<br />
tônica (SolbM) <strong>da</strong> seção anterior, mu<strong>da</strong> repentinamente para RéM<br />
até alcançar, por meio de uma passag<strong>em</strong> enarmônica, a cadência<br />
suspensiva na tonali<strong>da</strong>de de RébM (V de RébM). A nova idéia<br />
Revista Opus 12 - 2006
t<strong>em</strong>ática deriva, no entanto, <strong>da</strong>s mesmas configurações dos motivos<br />
do t<strong>em</strong>a inicial:<br />
Ex. 3 - Carlos Gomes - “Noturno”. Côndor. c. 10 - 17.<br />
Nota-se, nos quatro compassos iniciais <strong>da</strong> passag<strong>em</strong> transcrita no<br />
Ex. 3, a nova idéia construí<strong>da</strong> pela alternância <strong>da</strong>s duas<br />
configurações dos motivos, sendo que a indica<strong>da</strong> por b está presente<br />
<strong>em</strong> sua derivação ascendente. Nos compassos finais, uma desci<strong>da</strong><br />
melódica to<strong>da</strong> composta por repetições seqüencia<strong>da</strong>s do motivo a,<br />
que leva à cadência suspensiva, não deixa dúvi<strong>da</strong>s quanto à relação<br />
desse material com o t<strong>em</strong>a inicial do prelúdio.<br />
Antes de voltar definitivamente para a tonali<strong>da</strong>de principal, uma<br />
pequena ponte faz o papel de retransição e prepara o retorno, a<br />
partir do RébM <strong>da</strong> seção anterior, para a tonali<strong>da</strong>de principal do<br />
prelúdio, SolbM. Uma sutil variante do t<strong>em</strong>a inicial (motivo b) dá um<br />
caráter t<strong>em</strong>ático a essa passag<strong>em</strong>:<br />
Ex. 4 - Carlos Gomes - “Noturno”. Côndor. c. 18 - 20.<br />
Na seqüência um novo t<strong>em</strong>a confirma o restabelecimento <strong>da</strong><br />
tonali<strong>da</strong>de principal. Na cena <strong>da</strong> ópera essa idéia é exposta pela<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
61
orquestra para, <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, passar para o canto com que O<strong>da</strong>lea<br />
define to<strong>da</strong> a força de seu amor impossível por Côndor: “Febre<br />
fatal, sonho cruel de louca <strong>em</strong>briaguês” (Gomes, 1986: 184). No<br />
prelúdio, constitui a terceira seção <strong>em</strong> que é notável a presença de<br />
uma <strong>da</strong>s características mais recorrentes do estilo t<strong>em</strong>ático de<br />
Gomes, ou seja, a flexibili<strong>da</strong>de com que os motivos, com pequenas<br />
modificações, resultam <strong>em</strong> idéias s<strong>em</strong>pre novas, nas quais o nexo<br />
t<strong>em</strong>ático mostra-se, ao mesmo t<strong>em</strong>po sutil, claramente definido e<br />
s<strong>em</strong> prejuízo de uma vocali<strong>da</strong>de bastante eloqüente:<br />
Ex. 5 - Carlos Gomes - “Noturno”. Côndor. c. 21 - 29.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> menciona<strong>da</strong> flexibili<strong>da</strong>de motívica ocorre nos<br />
compassos 24 e 25, nos quais o motivo a do t<strong>em</strong>a inicial surge<br />
agora <strong>em</strong> sua in<strong>versão</strong>, compondo uma seqüência que prepara o<br />
ponto culminante de todo o prelúdio, e que se realiza no compasso<br />
27. Nesse ponto, Gomes apresenta uma derivação do motivo inicial<br />
no qual mais uma vez estão imbrica<strong>da</strong>s as duas configurações a e b.<br />
A absoluta uni<strong>da</strong>de t<strong>em</strong>ática do prelúdio é <strong>completa</strong><strong>da</strong> pela co<strong>da</strong>.<br />
Ao trazer de volta o t<strong>em</strong>a inicial (solo de oboé), Gomes quebra a<br />
monotonia de uma simples repetição ao acrescentar, após a primeira<br />
frase, uma breve citação do t<strong>em</strong>a anterior a cargo <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s (Ex.<br />
6).<br />
A colag<strong>em</strong> observa<strong>da</strong> apresenta ain<strong>da</strong> outra característica, que é a<br />
justaposição de cunho contrapontístico de duas variantes de<br />
configuração do motivo b, <strong>em</strong> que uma é a in<strong>versão</strong> <strong>da</strong> outra. Ao<br />
interpor o fragmento do t<strong>em</strong>a anterior no t<strong>em</strong>a inicial, Gomes deixa<br />
62<br />
Revista Opus 12 - 2006
explícito o nexo t<strong>em</strong>ático entre essas duas idéias e fecha o prelúdio<br />
<strong>completa</strong>ndo um ciclo <strong>em</strong> que todos os t<strong>em</strong>as se relacionam por<br />
meio de um único motivo <strong>em</strong> suas duas configurações. Essa<br />
particulari<strong>da</strong>de do “Noturno” indica que Gomes prefere criar um forte<br />
nexo t<strong>em</strong>ático entre as melodias do que simplesmente criá-lo com<br />
a função de puro ambientismo, aspecto característico <strong>da</strong>s obras<br />
cita<strong>da</strong>s de seus cont<strong>em</strong>porâneos italianos.<br />
Ex. 6 - Carlos Gomes - “Noturno”. Côndor. c. 30 - 35.<br />
Referências Bibliográficas:<br />
CARVALHO, Í. G. V. Álbum de Recortes. Setor de Música, Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro,<br />
s.d.<br />
CATALANI, A. La Wally (partitura orquestral do prelúdio do IV Ato. Milão: Ricordi. s.d. (cópia<br />
manuscrita)<br />
GOMES, C. Condor (partitura orquestral). s.l., s.d. Fonte: Arquivo do Museu Histórico Nacional -<br />
Rio de Janeiro. (manuscrito autografado)<br />
GOMES, C. Condor. (partitura vocal).s.l.: Ricordi, 1986.<br />
KIMBELL, D. Italian Opera. Cambridge: Cambridge, 1991. 684p<br />
MURICY, A. Côndor. Revista Brasileira de Música. (Rio de Janeiro), Vol. III, fasc.2, p.300- 307,<br />
1936.<br />
NOGUEIRA, M. P. Carlos Gomes, Um compositor Orquestral: os prelúdios e sinfonias de suas<br />
óperas (1861-1891). São Paulo, 2003. 267p. Tese de Doutorado – Facul<strong>da</strong>de de Filosofia, Letras<br />
e Ciências Humanas <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (USP).<br />
OSBORNE, C. The Complete Operas of Verdi. Nova Iorque: Knopf, 1970. 472p.<br />
RETI, R. The Th<strong>em</strong>atic Process In Music. Nova Iorque: Macmilian, 1951. 362p.<br />
SCHÖNBERG, A. Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> Composição Musical. São Paulo: Edusp, 1991.272p.<br />
VERDI, G. La Traviata. Milão: G. Ricordi & C.s.d. 249p. (partitura vocal)<br />
Notas:<br />
1 Segundo Andrade Muricy, Gomes teria assistido a uma outra estréia dessa ópera <strong>em</strong> Milão, no<br />
ano de 1873, e “indignou-se com a patea<strong>da</strong> sofri<strong>da</strong> no Scala pelo drama wagneriano”. (Muricy,<br />
1936: 302).<br />
Marcos Pupo Nogueira - É Mestre <strong>em</strong> Música (Unesp) e Doutor <strong>em</strong> História Social (USP),<br />
com tese sobre a música orquestral de Carlos Gomes. Desde 2004, é docente efetivo do Instituto<br />
de Artes <strong>da</strong> Unesp. Como diretor de orquestra, professor e pesquisador t<strong>em</strong> atuado como maestro<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
63
e coordenador artístico <strong>em</strong> eventos como os Encontros de Orquestra Jovens de Tatuí e Festivais<br />
de Campos do Jordão. Desde 1999, depois de pr<strong>em</strong>iado no concurso de musicografia <strong>da</strong> Orquestra<br />
Sinfônica <strong>da</strong> USP, atua como seu re<strong>da</strong>tor musical, além de colaborar com artigos sobre música<br />
sinfônica <strong>em</strong> periódicos nacionais. É m<strong>em</strong>bro Socie<strong>da</strong>de Brasileira de Musicologia na qual exerce<br />
o cargo de vice-presidente na gestão atual.<br />
E-mail: mpuponogueira@uol.com.br<br />
64<br />
Revista Opus 12 - 2006
DESCONSTRUINDO O URSOZINHO DE ALGODÃO<br />
DE HEITOR VILLA-LOBOS<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
Marcos Mesquita<br />
Resum: O artigo situa a Próle do Bébé nº 2 tanto no contexto <strong>da</strong> criação villalobiana quanto no<br />
cenário mais amplo <strong>da</strong> vanguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920, apontando ain<strong>da</strong> os probl<strong>em</strong>as de <strong>da</strong>tação<br />
de algumas obras do compositor. Em segui<strong>da</strong> é feita uma análise detalha<strong>da</strong> <strong>da</strong> peça “O ursozinho<br />
de algodão”, oitava peça <strong>da</strong> Próle n° 2. Este texto é uma <strong>versão</strong> revisa<strong>da</strong> e amplia<strong>da</strong> de um it<strong>em</strong> do<br />
terceiro capítulo do trabalho de mestrado do autor.<br />
Palavras-chave: Villa-Lobos. Prole do bebé n° 2. Análise.<br />
Abstract: The article situates the Próle do bebé n° 2 in the production of Villa-Lobos and in the<br />
broad context of the vanguard of the decade of 1920, pointing also to the probl<strong>em</strong>s of <strong>da</strong>ting some<br />
of the composer’s works. Thereafter the author presents a detailed analysis of the piece “O ursozinho<br />
de algodão”, the eighth piece of the Próle 2. This article is a revised and enlarged version of a<br />
section from the author’s master thesis.<br />
Keywords: Villa-Lobos. Prole do bebé n° 2. Analysis.<br />
J’essaierai de voir, à travers les œuvres, les mouv<strong>em</strong>ents<br />
multiples qui les ont fait naître et ce qu’elles contiennent<br />
de vie intérieure; n’est-ce pas autr<strong>em</strong>ent intéressant que le jeu<br />
qui consiste à les démonter comme de curieuses montres?<br />
(Debussy, 1971, p. 23)<br />
“O ursozinho de algodão” é a oitava <strong>da</strong>s nove peças <strong>da</strong> Próle do<br />
Bébé nº 2, subtitula<strong>da</strong> Os bichinhos, e <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> pelo compositor <strong>em</strong><br />
1921. É improvável, entretanto, que essa obra tenha sido escrita<br />
nesse ano. Razões estilísticas faz<strong>em</strong> supor uma <strong>da</strong>ta de composição<br />
posterior, muito provavelmente após a primeira esta<strong>da</strong> do compositor<br />
<strong>em</strong> Paris entre 1923 e 1924. A Próle nº 2 foi publica<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1927<br />
pelas Éditions Max Eschig, sendo as outras peças: A baratinha de<br />
papel, O gatinho de papelão, O camundongo de massa, O<br />
cachorrinho de borracha, O cavalinho de páu, O boisinho de chumbo,<br />
O passarinho de panno e O lobosinho de vidro (ortografia original).<br />
O probl<strong>em</strong>a de <strong>da</strong>tação de várias obras de Villa-Lobos já foram<br />
discutidos por outros estudiosos. Carlos Kater argumentou que o<br />
65
Nonetto para coro, conjunto de câmera e percussão foi escrito <strong>em</strong><br />
ano posterior ao alegado 1923 (Kater, 1991, p. 58–63). Paulo Renato<br />
Guérios aponta dúvi<strong>da</strong>s quanto às <strong>da</strong>tas de composição <strong>da</strong>s<br />
seguintes obras: Uirapuru e Amazonas (1917?), Canções típicas<br />
brasileiras (1919?) e Trio para oboé, clarinete e fagote (1921?)<br />
(Guérios, 2003, p. 137–139). Pré-<strong>da</strong>tando suas obras,<br />
especialmente quando de sua primeira esta<strong>da</strong> <strong>em</strong> Paris (1923–<br />
1924), Villa-Lobos provavelmente queria d<strong>em</strong>onstrar para a<br />
vanguar<strong>da</strong> parisiense que ele não era um compositor provinciano<br />
que ain<strong>da</strong> escrevia obras impressionistas, ao “velho” estilo de<br />
Debussy. Não, ele queria provar que já era um “primitivo” ao estilo<br />
de Igor Stravinsky e um “despojado” ao estilo do Grupo dos seis,<br />
mesmo antes de ter chegado à capital francesa. Nesse contexto,<br />
não se pode esquecer a famosa frase atribuí<strong>da</strong> a Villa-Lobos, logo<br />
que chegou a Paris: “Eu não vim aqui para aprender; vim mostrar o<br />
que fiz” (apud Guérios, 2003, p. 128).<br />
Seja como for, com a Próle nº 2 e o Rudepoêma (1923-1926), Villa-<br />
Lobos atinge o ponto máximo <strong>da</strong> exploração sonora e harmônica<br />
<strong>em</strong> sua obra pianística.<br />
N’O ursozinho pod<strong>em</strong> ser constatados dois procedimentos de<br />
elaboração do material t<strong>em</strong>ático:<br />
1) Variação contínua de breves motivos rítmico-melódicos;<br />
2) Reapresentação sucessiva e varia<strong>da</strong> de frases melódicas<br />
um pouco mais extensas.<br />
O primeiro procedimento era uma técnica bastante difundi<strong>da</strong> nas<br />
duas primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX e pode ser detectado, entre<br />
inúmeros ex<strong>em</strong>plos oriundos de diferentes contextos estéticos, no<br />
“Prélude” <strong>da</strong> Suite pour le piano (1901) de Claude Debussy, no 3º<br />
movimento do Quarteto de cor<strong>da</strong>s nº 1 (1908) de Béla Bartók, na<br />
“Dança infernal dos súditos de Kastchei” do Pássaro de fogo (1909–<br />
1910) de Igor Stravinsky, chegando obviamente às várias passagens<br />
“primitivas” e “selvagens” <strong>da</strong> Sagração <strong>da</strong> primavera (1911–1913)<br />
66<br />
Revista Opus 12 - 2006
deste último compositor. Retoma<strong>da</strong> de uma técnica de<br />
desenvolvimento típica do barroco para a qual os al<strong>em</strong>ães usam a<br />
palavra Fortspinnung (tecedura contínua) para diferençar de<br />
Durchführung que designa o desenvolvimento a partir do período<br />
clássico; aproveitamento, na música de concerto, de t<strong>em</strong>as e<br />
técnicas oriundos <strong>da</strong> música étnica e popular urbana. Em qualquer<br />
que seja o contexto estético no qual esse procedimento foi<br />
valorizado, ele d<strong>em</strong>onstra simultaneamente uma reação (não com<br />
a conotação política do termo!) e uma manutenção. Reação aos<br />
grandes arcos melódico-expressivos do romantismo e às técnicas<br />
de desenvolvimento típicas <strong>da</strong> tradição austro-germânica <strong>em</strong> voga<br />
até o início do século XX. Manutenção de conceitos fun<strong>da</strong>dores do<br />
romantismo como, por ex<strong>em</strong>plo, o retorno à natureza, o fascínio<br />
pelo “primitivo” e o interesse renovado pelas tradições populares e<br />
folclóricas. No caso <strong>da</strong> música romântica, o retorno à natureza se<br />
revela tanto na música vocal, especialmente no Lied al<strong>em</strong>ão, e na<br />
assim chama<strong>da</strong> música instrumental descritiva, com seus títulos<br />
sugestivos e evocativos. O interesse pelas tradições populares se<br />
manifesta na citação de melodias folclóricas, na composição de<br />
melodias ao estilo folclórico e, <strong>em</strong> um estágio posterior, no<br />
reaproveitamento de el<strong>em</strong>entos constitutivos <strong>da</strong> música étnica ou<br />
<strong>da</strong> popular, sejam rítmicos, intervalares, tímbricos, formais etc. Todos<br />
os el<strong>em</strong>entos mencionados <strong>da</strong> reação e <strong>da</strong> manutenção pod<strong>em</strong><br />
ser detectados <strong>em</strong> muitas correntes musicais do século XX e ain<strong>da</strong><br />
do século XXI.<br />
Retornando a’O ursozinho, ca<strong>da</strong> seção desta peça será<br />
caracteriza<strong>da</strong> por um dos procedimentos indicados acima. Além<br />
disso, observa-se a predisposição do compositor à justaposição<br />
por contraste: ca<strong>da</strong> seção <strong>da</strong> forma apresenta um material t<strong>em</strong>ático<br />
específico, não ocorrendo reprises no sentido convencional do<br />
termo. A coesão <strong>da</strong> peça é garanti<strong>da</strong> por outras estratégias que<br />
serão comenta<strong>da</strong>s a seguir.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
67
Graças ao procedimento de contraste t<strong>em</strong>ático, as várias seções e<br />
subseções <strong>da</strong> peça pod<strong>em</strong> ser estabeleci<strong>da</strong>s com clareza. Além<br />
disso, as subseções são caracteriza<strong>da</strong>s por um dos processos de<br />
estruturação mencionados anteriormente. Na tabela seguinte, o<br />
algarismo entre parênteses ao lado de ca<strong>da</strong> subseção ou ao lado<br />
<strong>da</strong> co<strong>da</strong> se refere ao procedimentos de elaboração do material<br />
t<strong>em</strong>ático nela utilizado, ou seja, (1) para variação contínua de<br />
pequenos motivos rítmico-melódicos e (2) para reapresentação<br />
sucessiva e varia<strong>da</strong> de frases melódicas um pouco mais extensas.<br />
Tabela 1. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Esqu<strong>em</strong>a formal.<br />
O que garante uma uni<strong>da</strong>de a’O ursozinho com a sua profusão de<br />
idéias t<strong>em</strong>áticas?<br />
Um fator de uni<strong>da</strong>de é a recorrência de determinados procedimentos<br />
de elaboração menos evidentes. Alguns deles poderiam ser<br />
classificados como redes subliminares de informação 1 , <strong>da</strong>s quais<br />
nós não t<strong>em</strong>os uma apreensão consciente e talvez n<strong>em</strong> mesmo o<br />
68<br />
Revista Opus 12 - 2006
compositor se desse conta delas, mas o fato é que essas<br />
informações estão conti<strong>da</strong>s na partitura à espera que sejam<br />
resgata<strong>da</strong>s por uma análise mais detalha<strong>da</strong>.<br />
O primeiro tipo de procedimento recorrente, bastante perceptível,<br />
diz respeito ao encadeamento de várias partes <strong>da</strong> peça: ca<strong>da</strong> nova<br />
parte (seção ou subseção) se inicia com a utilização de um material<br />
que foi exposto ao final <strong>da</strong> parte imediatamente anterior, seja um<br />
acorde, seja um motivo. O ex<strong>em</strong>plo seguinte resume essas<br />
observações:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 1. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Acordes ou motivos que encadeiam<br />
seções ou subseções.<br />
Retornando ao esqu<strong>em</strong>a formal exposto anteriormente, conclui-se<br />
que Villa-Lobos utiliza esse procedimento de encadeamento no<br />
interior <strong>da</strong> primeira seção, a introdução, na qual as idéias t<strong>em</strong>áticas<br />
são mais curtas, <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> para a terceira seção e desta para a<br />
quarta. No interior <strong>da</strong>s segun<strong>da</strong> e terceira seções, ele garante a<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
69
uni<strong>da</strong>de repetindo varia<strong>da</strong>mente frases melódicas mais amplas - o<br />
procedimento de elaboração 2 mencionado anteriormente.<br />
Esse procedimento de encadeamento abran<strong>da</strong> o impacto<br />
perceptivo que seria causado pela exposição abrupta de novo<br />
material t<strong>em</strong>ático. Ele cria elos, conexões fortes no instante <strong>em</strong><br />
que articula duas seções, possibilitando ao ouvinte uma transição<br />
clara e rápi<strong>da</strong> entre o conhecido e o desconhecido, entre o<br />
redun<strong>da</strong>nte e a novi<strong>da</strong>de.<br />
Um segundo procedimento recorrente, não tão perceptível<br />
por parte do ouvinte, mas b<strong>em</strong> evidente para o pianista, diz respeito<br />
à exploração <strong>da</strong>s características anatômicas do teclado,<br />
confrontando teclas brancas e pretas. Tal procedimento pode ser<br />
constatado pelo menos desde 1901 no compasso 72 <strong>da</strong> peça Jeux<br />
d’eau de Maurice Ravel (Schmalzriedt, 2003, p. 43). N’O ursozinho,<br />
<strong>em</strong> várias oportuni<strong>da</strong>des, a mão direita se movimenta pelas teclas<br />
brancas enquanto a esquer<strong>da</strong> pelas pretas, predominant<strong>em</strong>ente.<br />
Daí, resultam várias dissonâncias de segun<strong>da</strong>s, sétimas e nonas,<br />
tanto menores como maiores. O germe dessa exploração já pode<br />
ser encontrado, de fato, no compasso 7:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 2. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Compasso 7.<br />
Percorrendo a peça, pod<strong>em</strong> ser resgata<strong>da</strong>s as ocorrências<br />
desse tipo de procedimento. Entre os compassos 13 e 24, a<br />
superposição de dó maior e ré# menor:<br />
70<br />
Revista Opus 12 - 2006
Ex<strong>em</strong>plo 3. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 13-14.<br />
A escala usa<strong>da</strong> pela linha melódica inferior <strong>da</strong> mão esquer<strong>da</strong> entre<br />
os compassos 24 e 31 apresenta um predomínio de teclas pretas,<br />
superpondo-se às brancas <strong>da</strong> mão direita e <strong>da</strong> linha melódica<br />
superior <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 4. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 24-25.<br />
Na fórmula de ostinato usa<strong>da</strong> a partir do compasso 44 - mão direita<br />
/teclas brancas, mão esquer<strong>da</strong>/teclas pretas, com exceção <strong>da</strong><br />
primeira nota oitava<strong>da</strong>, fá:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 5. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 44.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
71
O mesmo ocorre na transposição nos compassos 61 e 62:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 6. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 61.<br />
Em outros momentos, o encadeamento de acordes na mão<br />
esquer<strong>da</strong> é determinado pelas teclas pretas, ou seja, as notas mais<br />
graves dos acordes percorr<strong>em</strong> as teclas pretas enquanto que a<br />
mão direita prossegue somente com as brancas:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 7. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Resumo harmônico dos compassos<br />
68-72.<br />
Ex<strong>em</strong>plo 8. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 105-112.<br />
O terceiro procedimento diz respeito à recorrência de pequenas<br />
células intervalares, criando várias redes subliminares no decorrer<br />
de to<strong>da</strong> a peça. Nesse contexto, três el<strong>em</strong>entos se destacam devido<br />
a sua recorrência. Percebe-se que essas três células intervalares<br />
permeiam todos os compassos <strong>da</strong> obra e, <strong>em</strong> uma dimensão<br />
72<br />
Revista Opus 12 - 2006
“microscópica”, imprim<strong>em</strong>-lhe um perfil b<strong>em</strong> característico. Ca<strong>da</strong><br />
célula será abor<strong>da</strong><strong>da</strong> separa<strong>da</strong>mente <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>.<br />
A primeira é o intervalo de quarta justa (ocasionalmente quarta<br />
aumenta<strong>da</strong>) que é subdividido por um grau conjunto e uma terça.<br />
Vejamos o primeiro fragmento melódico <strong>da</strong> mão direita no primeiro<br />
compasso:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 9. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 1, célula de quarta justa.<br />
Dele, pod<strong>em</strong>os projetar to<strong>da</strong>s as inúmeras variantes que percorr<strong>em</strong><br />
to<strong>da</strong> a peça. O quadro seguinte resume tais ocorrências:<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
73
Ex<strong>em</strong>plo 10. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Quadro de ocorrências <strong>da</strong> célula de<br />
quarta justa.<br />
Constata-se, também, uma derivação dessa célula a partir dos<br />
compassos 32-33, que é a quarta justa ou aumenta<strong>da</strong> acresci<strong>da</strong> de<br />
um grau conjunto, formando uma quinta diminuta ou justa:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 11. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 32, célula de quarta justa acresci<strong>da</strong><br />
de um grau conjunto.<br />
Essa derivação poderia ser a orig<strong>em</strong> dos acordes de quartas (justas<br />
e/ou aumenta<strong>da</strong>s) e quintas justas, o de quartas ocorrendo<br />
primeiramente no compasso 35 e o de quintas somente no 107,<br />
Ex<strong>em</strong>plo 12. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Acordes baseados na célula de 5ª<br />
justa ou diminuta.<br />
74<br />
Revista Opus 12 - 2006
<strong>em</strong> como de outros diversos movimentos melódicos:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 13. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Quadro de ocorrências melódicas<br />
<strong>da</strong> célula de 5ª justa ou diminuta.<br />
A segun<strong>da</strong> célula intervalar a ser destaca<strong>da</strong> é constituí<strong>da</strong> por dois<br />
graus conjuntos ascendentes ou descendentes. Retornando ao<br />
primeiro compasso, observamos na mão esquer<strong>da</strong>:<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
75
Ex<strong>em</strong>plo 14. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 1, célula de graus conjuntos.<br />
A partir desse material, t<strong>em</strong>os outra rede de inter-relações:<br />
76<br />
Ex<strong>em</strong>plo 15. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Quadro de ocorrências <strong>da</strong><br />
célula <strong>em</strong> graus conjuntos.<br />
Revista Opus 12 - 2006
A terceira e última célula a ser menciona<strong>da</strong> é a repetição de tom<br />
(<strong>em</strong> valores rítmicos idênticos ou não). Mais uma vez, o primeiro<br />
compasso é a fonte geradora. Se subtrairmos as apojaturas <strong>da</strong> mão<br />
direita, t<strong>em</strong>os:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 16.Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. c. 1, célula com repetição de tom.<br />
O que vai nos r<strong>em</strong>eter para mais uma trama de recorrências:<br />
Ex<strong>em</strong>plo 17. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Quadro de<br />
ocorrências <strong>da</strong> célula de tons repetidos.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
77
Pode-se especular que, apesar de ser<strong>em</strong> expostas já no primeiro<br />
compasso, as células 1 (quarta justa subdividi<strong>da</strong> <strong>em</strong> terça e segun<strong>da</strong>)<br />
e 2 (dois graus conjuntos) pod<strong>em</strong> ser oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> própria cantiga<br />
de ro<strong>da</strong> cita<strong>da</strong> na terceira seção <strong>da</strong> peça:<br />
78<br />
Ex<strong>em</strong>plo 18. Início de Carneirinho, Carneirão.<br />
Além disso, os t<strong>em</strong>as, tanto <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> seção como <strong>da</strong> co<strong>da</strong>,<br />
escond<strong>em</strong> s<strong>em</strong>elhanças com a mesma melodia folclórica,<br />
Ex<strong>em</strong>plo 19. Villa - Lobos - O Ursozinho de Algodão. Quadro de relações t<strong>em</strong>áticas.<br />
levando-nos à conclusão que a cantiga de ro<strong>da</strong> b<strong>em</strong> pode ter sido<br />
a fonte geradora tanto <strong>da</strong>s células intervalares como <strong>da</strong>s frases<br />
melódicas mais extensas que são submeti<strong>da</strong>s aos processos de<br />
estruturação 1 e 2 mencionados anteriormente.<br />
Pelo que foi exposto, ficou d<strong>em</strong>onstrado que Villa-Lobos utilizou<br />
nesta peça um pensamento, por assim dizer, ponto-a-ponto, indo<br />
Revista Opus 12 - 2006
de uma idéia a outra ou de uma subseção a outra por analogia<br />
t<strong>em</strong>ática forte ou fraca, concatenando organicamente seu discurso<br />
musical, de certa forma desprezando o mediato <strong>em</strong> benefício do<br />
imediato. O tratamento despretensioso do arco formal convi<strong>da</strong> o<br />
analista a eluci<strong>da</strong>r a microestrutura <strong>da</strong> obra para encontrar o que<br />
imprime à obra um caráter específico, uma coesão t<strong>em</strong>ática.<br />
Referências bibliográficas:<br />
DEBUSSY, Claude. “Le ‘Faust’ de Schumann. – Ouverture pour ‘Le Roi Lear’ d’A. Savard. – Le<br />
troisième acte de ‘Siegfried’. – Une symphonie de Witowski”. In: Monsieur Croche et autres<br />
écrits. Paris: Éditions Gallimard, 1971, p. 23–27.<br />
KATER, Carlos. “Aspectos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de de Villa-Lobos”. In: Em pauta (Revista do curso de<br />
mestrado <strong>em</strong> música <strong>da</strong> UFRGS). Porto Alegre: Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio Grande do Sul,<br />
1991, p. 58–63.<br />
GUÉRIOS, Paulo Renato. Heitor Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Editora Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas,<br />
2003.<br />
SCHMALZRIEDT, Siegfried. “O nascimento do estilo pianístico impressionista: Jeux d’eau de<br />
Maurice Ravel”. In: Revista Acorde n° 1. Rio de Janeiro: Universi<strong>da</strong>de do Estado do Rio de Janeiro,<br />
dez<strong>em</strong>bro de 2003 p. 35–44.<br />
Notas:<br />
1 A rede subliminar é constituí<strong>da</strong> por inter-relações sutis entre t<strong>em</strong>as ou eventos sonoros que não<br />
chegam a ser conscient<strong>em</strong>ente percebi<strong>da</strong>s pelo ouvinte. Obviamente, exist<strong>em</strong> diferenças entre o<br />
que é subliminar para um ouvinte s<strong>em</strong> qualquer instrução musical formal e para um músico<br />
altamente treinado. De forma geral, pode-se dizer que somente através de um trabalho analítico<br />
mais detalhado, tais inter-relações pod<strong>em</strong> ser resgata<strong>da</strong>s <strong>da</strong> partitura e classifica<strong>da</strong>s como uma<br />
rede subliminar. A análise que se segue procura d<strong>em</strong>onstrar isso na peça de Villa-Lobos.<br />
Marcos Mesquita - Mestre, com a dissertação Aspectos <strong>da</strong> articulação t<strong>em</strong>poral na música<br />
instrumental do século XX (UNICAMP). Cursa Doutorado <strong>em</strong> Musicologia na Universi<strong>da</strong>de de<br />
Karlsruhe (Al<strong>em</strong>anha), sob orientação de Siegfried Schmalzriedt. Possui especialização na Escola<br />
Superior de Música (Viena, Austria), onde estudou disciplinas teóricas com Friedrich Neumann.<br />
Com bolsa de estudos do Serviço Al<strong>em</strong>ão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) transferiu-se para<br />
a Escola Superior de Música de Stuttgart (Al<strong>em</strong>anha), participando <strong>da</strong> classe de composição de<br />
Helmut Lachenmann. É compositor, arranjador e flautista. Em 2000, recebeu a Bolsa RIOARTE<br />
para compor a Trilogia de parques sonoros. Possui trabalhos pr<strong>em</strong>iados e publicou vários artigos<br />
e traduções sobre assuntos relacionados especialmente à música do século XX.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
79
PRIMEIRO AFETO: COMO JOGAR NOTAS AO VENTO<br />
80<br />
Silvio Ferraz<br />
Resumo: Este artigo traz resultados de primeira etapa de pesquisa do projeto “Confluências<br />
composicionais <strong>em</strong> estilos musicais distintos” (bolsa CNPQ) e relaciona três obras de compositores<br />
brasileiros de gerações composicionais e tendências bastante distintas, Willy Corrêa de Oliveira,<br />
Marisa Rezende e Guilherme Nascimento. A leitura <strong>da</strong>s três obras é feita tomando por base as<br />
principais invenções <strong>da</strong> música do serialismo weberniano, e as compara a partir de suas<br />
sonori<strong>da</strong>des no modo de utitilização timbrística do piano. A sua principal conclusão é a <strong>da</strong> presença<br />
de uma nova prática comum entre seus processos de geração de alturas.<br />
Palavras chave: Música brasileira. Música cont<strong>em</strong>porânea. Willy Corrêa. Marisa Rezende.<br />
Guilherme Nascimento.<br />
Abstract: this paper brings the first stage result of the research project “Composicional confluences<br />
in diferent musical styles”. It relates three distinct works of Brazilian composers from diferent<br />
generations and trends: Willy Corrêa de Oliveira, Marisa Rezende and Guillerme Nascimento.<br />
The reading of these three works is based on the main inventions of the webernian serialism, and<br />
do a comparative analisys after the sonorities and the use of the piano sonic quality. The main<br />
conclusionof this paper is the presence of a new musical common practice among their pitch<br />
generation processes.<br />
Keywords: Brazilian music. Cont<strong>em</strong>porary music. Willy Corrêa. Marisa Rezende. Guilherme<br />
Nascimento.<br />
Este artigo faz parte de uma série de outros <strong>em</strong> preparação nos<br />
quais analiso obras de compositores brasileiros, buscando linhas<br />
de contágio que possam relacionar suas obras.<br />
As obras escolhi<strong>da</strong>s para as análises são aquelas que, de certa<br />
maneira, também contagiaram minha produção composicional desde<br />
minha formação. Neste primeiro artigo trato do que denominei de<br />
“primeiro afeto” a idéia de compor como jogar notas ao vento,<br />
procedimento que narro <strong>em</strong> obras de Marisa Rezende, Willy Corrêa<br />
de Oliveira e Guilherme Nascimento. Outros artigos tratando de<br />
d<strong>em</strong>ais afetos como o dos “sons dispersos pela sala” e “música<br />
como simples linha” estão <strong>em</strong> vias de preparação compreendendo<br />
obras dos compositores Roberto Victório, Rodolfo Caesar, José<br />
Augusto Mannis, Tato Tabor<strong>da</strong>, Denise Garcia e Tatiana Catanzaro.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Primeira imag<strong>em</strong><br />
Em uma palestra sobre os livros dos Preludios de Debussy, o pianista<br />
Claude Helfer, 1 fez notar que “A <strong>da</strong>nça de Puck”, Prelúdio nº 11,<br />
seria uma espécie de manifestação musical do vento. Quais os<br />
atributos do vento? Ter uma certa força, uma tendência (um sentido)<br />
e veloci<strong>da</strong>de e ter também a potência de alterar de súbito força,<br />
sentido e veloci<strong>da</strong>de. E quais o atributos de Puck, movimentar-se e<br />
transformar-se.<br />
Sab<strong>em</strong>os <strong>da</strong> presença do vento não por ele próprio, mas pelas<br />
formas que toma nas coisas que ficam no seu caminho. Uma roupa<br />
pendura<strong>da</strong> <strong>em</strong> um varal, os galhos de uma árvore ou ain<strong>da</strong> o silvo<br />
<strong>da</strong>s janelas <strong>em</strong> dia de vento forte. Ou seja, sab<strong>em</strong>os do vento por<br />
que ele toma forma <strong>em</strong> outras formas. É isto que Paul Klee chamou<br />
de tornar sensível forças nãosensíveis, ou seja tornar o vento ora<br />
visual, ora sonoro, já que ele seria apenas tátil quando sentimos o<br />
vento no rosto. Desta mesma maneira Debussy estaria <strong>da</strong>ndo forma<br />
ao vento com os movimentos <strong>da</strong>nçantes de Puck. Na sua peça, a<br />
primeira frase é extr<strong>em</strong>amente simples, um leve sinal do vento; vai<br />
de um lado a outro e súbito um golpe de vento forte e rápido quebra<br />
o movimento simples e estável. O vento aparece como aquilo que<br />
faz tr<strong>em</strong>ular uma simples seqüência escalar de alturas.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
EX.1 – Compassos iniciais de “Prelúdio 11” do Livro I de Prelúdios<br />
de Debussy.<br />
81
É neste sentido que penso aqui esta curta apresentação analítica<br />
de três peças para piano de três compositores brasileiros que de<br />
certo modo ressoam entre si. Três maneiras distintas de desenhar<br />
o vento: o ventro tr<strong>em</strong>ulado <strong>em</strong> Ressonâncias de Marisa Rezende,<br />
de 1983; o vento e suas subitas mu<strong>da</strong>nças de direção no Instante 2<br />
de Willy Corrêa de Oliveira, de 1977; e o vento na forma de nuvens<br />
difusas de poeira <strong>em</strong> Abacaxis não voam de Guilherme Nascimento,<br />
de 2001.<br />
Primeiras estratégias<br />
Pensando então no vento, começo por Ressonâncias. O que faz<br />
pensar nesta peça de Marisa Rezende como um punhado de notas<br />
joga<strong>da</strong>s ao vento? Quais as estratégias composicionais de<br />
agenciamento <strong>da</strong>s alturas que faz ouvir as notas como se voass<strong>em</strong><br />
soltas, como se só extivess<strong>em</strong> uni<strong>da</strong>s por um movimento que lhes<br />
é externo e que faz tr<strong>em</strong>ular a linha que as carrega? E é claro, se<br />
penso e ouço notas joga<strong>da</strong>s ao vento é porque vislumbro o vento<br />
<strong>em</strong> algum lugar. Diria então que o compositor faz com que ouçamos<br />
o vento, não o som de vento, mas a força do vento, sua força de<br />
dispersar as notas, de direcioná-las, de <strong>da</strong>r-lhes veloci<strong>da</strong>de.<br />
O que estou pensando aqui a partir desta imag<strong>em</strong> vaga de notas<br />
joga<strong>da</strong>s ao vento traz no seu bojo uma questão simples: se apenas<br />
jogo notas ao vento, o que dá consistência musical à resultante<br />
sonora? Jogar notas ao vento é s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong> uma estratégia pósserial<br />
<strong>em</strong> que o modo de amalgamar as alturas aparenta-se mais a<br />
um jogo aleatório com uma ou outra recorrência provisória, do que<br />
a um campo de uni<strong>da</strong>de totalmente calculado.<br />
Assim sendo, não será uma regra abstrata que manterá as notas<br />
teoricamente reuni<strong>da</strong>s, mas aqueles fatores sonoros, fatores<br />
pertinentes na construção de ca<strong>da</strong> objeto sonoro que a partitura<br />
propõe e seus padrões de modulação (entendi<strong>da</strong> aqui como<br />
metamorfose) e que tenham um operador comum, um operador o<br />
82<br />
Revista Opus 12 - 2006
qual o compositor torna sensível, para o que imaginei aqui a imag<strong>em</strong><br />
do vento. O vento é imaginado aqui como sendo não um el<strong>em</strong>ento,<br />
mas uma força que estaria amalgamando as alturas lança<strong>da</strong>s. Afinal<br />
de contas não é um el<strong>em</strong>entos ou uma norma que dá consistência<br />
à matéria e sim uma força. É como se o vento se fizesse presente,<br />
retirando a escuta musical do campo <strong>da</strong>s alturas, <strong>da</strong>s durações,<br />
<strong>da</strong>s intensi<strong>da</strong>des, dos jogos melódicos, <strong>da</strong>s seqüências harmônicas,<br />
para lançá-la <strong>em</strong> um jogo sonoro <strong>em</strong> que a variável é a veloci<strong>da</strong>de,<br />
a direção e sua amplitude de oscilação. Deixo claro aqui que as<br />
notas não estão representando o vento, nas fazendo ouvir isto que<br />
chamei de vento, para o que noto aqui três afetos do vento: ter uma<br />
direção, uma veloci<strong>da</strong>de e uma força (uma amplitude), como na<br />
estratégia de fazer ouvir o vento na “<strong>da</strong>nça de Puck”. É como na<br />
imag<strong>em</strong> do tecido, do varal, cita<strong>da</strong> acima, no movimento e na leveza,<br />
ou mesmo peso, o vento faz com que outra força se faça presente,<br />
a <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de nas tramas pesa<strong>da</strong>s do tecido. Deste modo também<br />
as notas tornam sensível aqui o que chamei de vento e poderia ter<br />
<strong>da</strong>do outro nome qualquer, não fosse como referência à peça de<br />
Debussy. Apenas uma primeira imag<strong>em</strong> e as estratégias decorrentes<br />
para que ela se torne sensível.<br />
Se disse acima que o vento aparece como estratégia de aglutinar<br />
os sons o disse de um ponto de vista <strong>da</strong> escuta, pois outros fatores<br />
são colocados <strong>em</strong> jogo na construção dos objetos propostos pelo<br />
compositor. Serão os objetos propostos pelo compositor que farão<br />
aparecer a marca do vento, sua veloci<strong>da</strong>de, força de direção. A<br />
força <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de. E tais fatores são concretos e construídos pelo<br />
compositor de modo que o próprio processo de construção se faça<br />
presente. Propõe-se assim uma escuta de processo mais do que<br />
de el<strong>em</strong>entos que se correspond<strong>em</strong> por uma ou outra recorrência<br />
estrutural ou formal.<br />
É importante ter <strong>em</strong> mente que a ca<strong>da</strong> peça que é composta<br />
constró<strong>em</strong>-se escutas que não existiam anteriormente. Mesmo<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
83
dentro de um sist<strong>em</strong>a de agenciamento de alturas e durações já<br />
compartilhado, como o caso <strong>da</strong> tonali<strong>da</strong>de, mesmo alí o compositor<br />
constrói uma escuta, e é necessário que ele a torne sensível, que<br />
ela torne audível. É assim que <strong>em</strong> Ressonâncias, não se assumindo<br />
uma tonali<strong>da</strong>de ou atonali<strong>da</strong>de, ou mesmo uma pantonali<strong>da</strong>de,<br />
observa-se no lugar delas uma tendência. A peça ensina passo-apasso<br />
as suas estratégias de manter os sons reunidos e de eles<br />
dizer<strong>em</strong>-se numa mesma peça. É assim que certos intervalos são<br />
privilegiados, que algumas seqüências de alturas, alguns gestos,<br />
algumas aglutinações, certas regiões do piano, tudo isto vai<br />
ganhando lentamente lugar dentro do fluxo de sonori<strong>da</strong>des<br />
enquanto articulador deste fluxo. Ou seja, não é um sist<strong>em</strong>a prévio<br />
que me faz ouvir esta música, mas uma forma que nasce e que se<br />
mostra nascendo.<br />
Forma que nasce. Paul Klee nos fala <strong>em</strong> diversos de seus<br />
apontamentos de aula na idéia de mise-en-forme. Liberados dos<br />
sist<strong>em</strong>as tradicionais, liberados <strong>da</strong> referenciali<strong>da</strong>de, o que t<strong>em</strong>os<br />
de proceder são mises-en-forme, estratégias de compor que acab<strong>em</strong><br />
contando a história de sua própria gênese passo-a-passo. 2 Neste<br />
sentido vale adiantar que as estratégias de Ressonâncias<br />
distingu<strong>em</strong>-se <strong>da</strong>quelas de Instantes de Willy Corrêa de Oliveira e<br />
também <strong>da</strong>s utiliza<strong>da</strong>s por Guilherme Nascimento <strong>em</strong> Os abacaxis<br />
não voam que serão analisa<strong>da</strong>s mais adiante. As três peças<br />
possu<strong>em</strong> alguns pontos de encontro, porém ca<strong>da</strong> uma conta um<br />
lugar diferente. Quanto às duas primeiras, apresentam-se numa<br />
seqüência escalar de notas (ora lenta, ora rápi<strong>da</strong>) varrendo grave<br />
agudo, uma imag<strong>em</strong> que Willy Corrêa costuma associar à imag<strong>em</strong><br />
do colar que se arrebenta deixando suas contas correr<strong>em</strong> soltas<br />
pelo chão. Mas veja-se que <strong>em</strong> Willy o que t<strong>em</strong>os não parece<br />
concebido passo-a-passo, apresenta-se de chofre: uma série de<br />
notas encadea<strong>da</strong>s <strong>em</strong> uma métrica isócrona carrega<strong>da</strong>s por uma<br />
seqüência de notas acentu<strong>da</strong><strong>da</strong>s e sustenta<strong>da</strong>s, sobre as quais<br />
estão liga<strong>da</strong>s seqüências escalares, s<strong>em</strong>i-arpeja<strong>da</strong>s, <strong>em</strong> zigue-<br />
84<br />
Revista Opus 12 - 2006
zague, provavelmente deduzi<strong>da</strong>s de um pacote de notas <strong>da</strong>do de<br />
ant<strong>em</strong>ão. Não se trata de uma peça nasci<strong>da</strong> de um improviso passoa-passo<br />
mas ela também se faz contar passo-a-passo. A conexão<br />
entre os el<strong>em</strong>entos está garanti<strong>da</strong> pela isocronia, pelo fluxo contínuo.<br />
Tudo se junta porque estamos <strong>em</strong> um mesmo contínuo de espaçot<strong>em</strong>po.<br />
Diferent<strong>em</strong>ente <strong>da</strong> peça de Marisa <strong>em</strong> que as coisas se<br />
juntam porque estamos <strong>em</strong> um mesmo contínuo operacional; o que<br />
se repete não é uma forma sonora, mas uma estratégia<br />
composicional. Mas nas duas peças pequenas reiterações auxiliam<br />
no modo que amalgamam as notas. Esta situação não se mantém<br />
assim na peças de Guilherme Nascimento, ver<strong>em</strong>os que <strong>em</strong><br />
Abacaxis existe um contínuo de espaço-t<strong>em</strong>po, um contínuo de<br />
textura, ligando coisas aparent<strong>em</strong>ente disparata<strong>da</strong>s <strong>em</strong><br />
contraposição à presença forte <strong>da</strong>s escalas trunca<strong>da</strong>s e arpejos de<br />
Ressonâncias e Instantes2.<br />
Segun<strong>da</strong> imag<strong>em</strong><br />
Em resumo, pode-se ouvir Ressonâncias como uma grande frase<br />
comentário, que nasce de uma nota circun<strong>da</strong><strong>da</strong> e des<strong>em</strong>boca <strong>em</strong><br />
uma seqüência de acordes fortes passando antes por uma primeira<br />
deformação <strong>em</strong> arpejos e pela sua condução pelas regiões do piano.<br />
A frase comentário, termo formulado por Olivier Messiaen <strong>em</strong> seu<br />
Téchniques de mon langage musicale, diz respeito à simples<br />
derivação por reiteração de fragmentos melódicos transpostos ou<br />
não ou ain<strong>da</strong> articulados por concordância de acentuação métrica<br />
(Messiaen, 1940). É assim que ca<strong>da</strong> nova frase, ca<strong>da</strong> novo objeto<br />
sonoro, traz traços do anterior <strong>em</strong>butidos. Seja por uma familiari<strong>da</strong>de<br />
de perfil melódico, seja pela familiari<strong>da</strong>de de componentes<br />
intervalares (intervalo harmônico ou melódico), por vezes a simples<br />
retoma<strong>da</strong> de uma frase prolonga<strong>da</strong> a partir de uma matriz intervalar.<br />
Pode se dizer que tudo <strong>em</strong> Ressonância é bastante simples. A<br />
primeira frase caracteriza-se por uma nota central segui<strong>da</strong> de um<br />
movimento de escapa<strong>da</strong> ziguezagueante, ou melhor, um movimento<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
85
adial: uma nota para baixo, três para cima, duas mais abaixo, duas<br />
mais acima, mais duas ain<strong>da</strong> mais abaixo, vai-se para um nota agu<strong>da</strong><br />
para por fim retornar ao centro desta espiral, espécie de movimento<br />
centrífugo de finalização subita.<br />
86<br />
EX. 2 Início de Ressonâncias de Marisa Rezende, frase de perfil radial centraliza<strong>da</strong><br />
na nota sol. 3<br />
Da segun<strong>da</strong> vez que se anuncia tal movimento o jogo se torna ain<strong>da</strong><br />
mais complexo e um novo centro, uma nova freqüência central é<br />
eleita, pasando assim <strong>da</strong> nota sol para o mi b<strong>em</strong>ol, depois para ré e<br />
para dó. Mas o que vale realçar aqui é esta imag<strong>em</strong>, a do movimento<br />
radial circun<strong>da</strong>ndo uma determina<strong>da</strong> nota, fixa ou mesmo modulante,<br />
que pode passear por diversos centros e serve ao compositor como<br />
articulador que distingue dois el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> seu material: a nota<br />
de parti<strong>da</strong> e chega<strong>da</strong> e as bor<strong>da</strong>duras que se acercam dela.<br />
Mas como esta imag<strong>em</strong> sonora <strong>em</strong> mãos o compositor usa agora<br />
de um fator que lhe é externo: o vento? Pouco a pouco esta primeira<br />
imag<strong>em</strong> sonora vai sendo dilacera<strong>da</strong> pela ação de forças que<br />
alargam o eixo e o uso deste alargamento fazendo com que a peças<br />
encaminhe-se, s<strong>em</strong>pre lentamente, do extr<strong>em</strong>o agudo do piano à<br />
região média e posteriormente ao grave acompanhado s<strong>em</strong>pre deste<br />
alargamento intervalar.<br />
Marisa Rezende realça <strong>em</strong> seu artigo sobre Ressonâncias o caráter<br />
de improviso que impera <strong>em</strong> suas composições. Ain<strong>da</strong>, segundo<br />
ela, <strong>em</strong> informação pessoal, não existe um rascunho, um material<br />
Revista Opus 12 - 2006
pré-composicional, uma escolha de t<strong>em</strong>a, anotados <strong>em</strong> algum lugar.<br />
Tudo nasceu no contato direto com o instrumento e é neste sentido<br />
que busco pensar <strong>em</strong> como é que as coisas aparec<strong>em</strong> ao compositor<br />
enquanto ele compõe. Quais suas estratégias para parar ou<br />
prosseguir, pular ou apenas modular. É talvez por se tratar de<br />
improviso que pood<strong>em</strong>os arriscar a simplici<strong>da</strong>de e o controle não<br />
tão rigoroso no jogo linear de condução para o grave e de<br />
alargamento intervalar e mesmo na seqüência de centros<br />
provisórios. Mas mesmo sob tal olhar há um fio condutor, um jogo<br />
de transições lineareas (agudo para grave, intervalos de segun<strong>da</strong>s<br />
para quartas, pasag<strong>em</strong> de linhas melódicas para acordes), um plano<br />
anterior ou simultâneo que talvez tenha guiado a improvisação e<br />
lhe <strong>da</strong>do uma forma que é diferente <strong>da</strong>quela caracteriza<strong>da</strong> pela<br />
pouca permanência de el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong>s improvisações livres. 4 Seria<br />
assim um relato, um registro de itinerário de improvisação <strong>em</strong> que a<br />
peça conta sua própria gestação. E conta de um modo bastante<br />
simples, valendo-se do recurso <strong>da</strong>s pequenas retoma<strong>da</strong>s.<br />
Outra imag<strong>em</strong><br />
Em 1990 Marisa Rezende publicou nos Cadernos de Estudo: Análise<br />
musical, sob o título “Uni<strong>da</strong>de e diversi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> Ressonâncias”<br />
(Rezende, 1990) uma análise de Ressonâncias. Em sua análise a<br />
compositora localiza cinco momentos que se distribu<strong>em</strong>, como<br />
proponho aqui, <strong>em</strong> dois grandes blocos entr<strong>em</strong>eados de<br />
interpolações, ou ain<strong>da</strong> de três texturas e duas transições. Na<br />
primeira imag<strong>em</strong> de um plano <strong>da</strong> seqüência t<strong>em</strong>os de um lado as<br />
pequenas escalas <strong>em</strong> zigue-zague que nasc<strong>em</strong> de sons extr<strong>em</strong>os<br />
do agudo, e do outro os blocos de acordes provenientes de uma<br />
transição mais complexa que nasceu também de sons de “alturas<br />
indefini<strong>da</strong>s” 5 tocados pelas notas mais graves do piano <strong>em</strong> fortíssimo<br />
e <strong>em</strong>baralha<strong>da</strong>s pelo uso do pe<strong>da</strong>l. É assim que posso então dizer<br />
que ca<strong>da</strong> um dos dois momentos nasce – porque nesta peça tudo<br />
nasce, é gestado <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po real –, nasce de um tipo de sonori<strong>da</strong>de<br />
de alturas diferent<strong>em</strong>ente reconhecíveis: os extr<strong>em</strong>os agudo do<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
87
piano – pedras bati<strong>da</strong>s umas nas outras <strong>em</strong> que, conforme o<br />
instrumento, torna pouco defini<strong>da</strong> a altura – e o movimento arpejado<br />
<strong>em</strong> quartas, quintas e sextas no extr<strong>em</strong>o grave também<br />
<strong>em</strong>baralhados pelo pe<strong>da</strong>l e pela pouca distinção intervalar própria<br />
desta região. 6 Os dois momentos <strong>da</strong> peça nasc<strong>em</strong> então neste<br />
espaço mais textural do que freqüencial dirigindo-se <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> uma<br />
<strong>da</strong>s vezes para uma região de maior definição. Sobre Improvisação<br />
livre ver a tese de O músico como ambiente e meio <strong>da</strong> improvisação<br />
livre, do compositor e instrumentista Rogério Moraes Costa,<br />
defendi<strong>da</strong> na PUCSP. Neste trabalho a questão <strong>da</strong> transitorie<strong>da</strong>de<br />
dos objetos é estu<strong>da</strong><strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s experiências de improvisação<br />
livre do grupo Akronon, formado pelo autor, Edson Ezequiel de<br />
Souza e Sivio Ferraz.<br />
Os dois momentos <strong>da</strong> peça nasc<strong>em</strong> então neste espaço mais<br />
textural do que freqüencial dirigindo-se <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s vezes<br />
para uma região de maior definição dos intervalos. Penso <strong>em</strong> dois<br />
grandes arcos que sa<strong>em</strong> de tramas sonoras e se transformam <strong>em</strong><br />
sons tonais de clara definição de alturas, passag<strong>em</strong> de uma escuta<br />
textural a uma escuta de movimentos melódicos. 7<br />
São pequenos detalhes que vão revelando estratégias sonoras,<br />
melódicas e harmônicas que atravessam a peça muito mais como<br />
detalhes heterogêneos do que como princípios unificadores. Mais<br />
do que unificar, as primeiras frases melódicas (o colar de pedras<br />
que defila no início <strong>da</strong> peça) esta primeira frase de Ressonâncias é<br />
como que um constante reiniciar <strong>da</strong> peça, a ca<strong>da</strong> vez transposta, a<br />
ca<strong>da</strong> vez mais intervalarmente defini<strong>da</strong> e s<strong>em</strong>pre apontando saí<strong>da</strong>s<br />
diferentes. E é neste sentido que observam-se as pequenas elisões,<br />
substituições e acréscimos de notas estranhas àquela primeira linha<br />
melódica.<br />
Segun<strong>da</strong>s estratégias<br />
Em um texto curto sobre a questão <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de musical de um<br />
88<br />
Revista Opus 12 - 2006
concerto, o compositor François Nicolas contrapõe a uni<strong>da</strong>de<br />
decorrente de um contínuo t<strong>em</strong>poral, contínuo de espaço-t<strong>em</strong>po<br />
contíguos, <strong>da</strong>quela uni<strong>da</strong>de abstrata que junta peças disparata<strong>da</strong>s<br />
através de um conceito que as identifique. Claro, dentro <strong>da</strong> tradição<br />
que imperou até a déca<strong>da</strong> de 1970, Nicolas elege a uni<strong>da</strong>de abstrata<br />
como a mais pertinente, relegando aquela nasci<strong>da</strong> do simples<br />
contínuo t<strong>em</strong>poral a um segundo plano e até mesmo tecendo uma<br />
pequena crítica: melhor uma ord<strong>em</strong> abstrata realiza<strong>da</strong> do que um<br />
fato concreto (Nicolas: 1998). Não digo aqui que Nicolas esteja<br />
equivocado, mas que, a partir de sua colocação vale pensar o<br />
inverso, l<strong>em</strong>brando que uma uni<strong>da</strong>de abstrata só é chama<strong>da</strong> a agir<br />
quando uma uni<strong>da</strong>de concreta não se estabelece.<br />
Não é nenhum desses dois casos limítrofes que encontramos ao<br />
analisar Ressonâncias, cujo próprio nome poderia indicar<br />
contigui<strong>da</strong>de, o contínuo de espaço-t<strong>em</strong>po. A peça de Marisa<br />
Rezende nos permite dizer que o que junta ca<strong>da</strong> uma de suas partes<br />
é um contínuo de outra natureza, um contínuo operacional; a<br />
permanência de um tipo de operação de escuta, fun<strong>da</strong>ndo um<br />
pequeno hábito, que é vez ou outra abalado por etratégias de<br />
esquecimento. Talvez decorra tal estratégia do próprio modo de<br />
improvisação. A improvisação é um jogo de d<strong>em</strong>arcar e abandonar<br />
lugares através de contínuos operacionais, no caso de um<br />
instrumento tais contínuos pod<strong>em</strong> converter-se <strong>em</strong> gestos<br />
instrumentais; um intervalo, um perfil melódico; e to<strong>da</strong>s as maneiras<br />
de escapar ou adentrar – percorrer – este material ou terreno<br />
construído. Dar ou retirar a permanência de operações. O método<br />
<strong>em</strong> Ressonâncias é o <strong>da</strong> reiteração de grandes passagens e a<br />
reiteração de certos operadores – a presença constante do jogo de<br />
ampliação e expansão. No primeiro caso aquelas passagens <strong>em</strong><br />
que o compositor simplesmente serve-se <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> de trechos<br />
inteiros transpostos, como se apenas os recopiasse numa outra<br />
oitava, deixando pequenas marcas de irregulari<strong>da</strong>de ao subtrair ou<br />
adicionar uma nota, ou por vezes alterando uma ou outra nota.<br />
To<strong>da</strong> a primeira parte de Ressonâncias é composta desta maneira.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
89
FIG. 3 – passagens diversas de Ressonâncias que d<strong>em</strong>onstram claramente o princípio de<br />
reiterações defectivas.<br />
O segundo caso, <strong>da</strong> reiteração de operadores, diz respeito<br />
justamente à construção destas grandes linhas melódicas que são<br />
retoma<strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong> vez com uma ou mais notas altera<strong>da</strong>s ou<br />
simplesmente elimina<strong>da</strong>s. No nivel do detalhe, o que se t<strong>em</strong> é a<br />
reiteração irregular de movimentos intervalares. O giro do início<br />
circun<strong>da</strong>ndo a nota sol é um ex<strong>em</strong>plo disto; o giro passa a ser uma<br />
espécie de operador que pode gerar uma série de figuras ao longo<br />
<strong>da</strong> peça.<br />
FIG. 4 – modulos de reiteração <strong>em</strong> Ressonâncias.<br />
90<br />
Revista Opus 12 - 2006
E é destes mesmo operadores, reiteracões intervalares, que se<br />
encontra a brecha para a transição <strong>da</strong> primeira textura para a<br />
segun<strong>da</strong> textura, <strong>da</strong>s linhas ao arpejos. Mantendo-se aparent<strong>em</strong>ente<br />
o jogo intervalar, a peça é lentamente conduzi<strong>da</strong> para a região média<br />
do piano por inserção de pequenas alterações – defectivas – que<br />
ora ampliam, ora estreitam, os intervalos. Onde, estatisticamente,<br />
predominavam quartas ou terças segui<strong>da</strong>s de duas ou três segun<strong>da</strong><br />
(menores ou maiores) há uma redução no número de segun<strong>da</strong>s<br />
até que praticamente desapareçam <strong>da</strong>ndo lugar, apenas às quartas,<br />
quintas e terças, para finalmente ouvirmos as sétimas, nonas, uma<br />
oitava entr<strong>em</strong>ea<strong>da</strong>s de algumas poucas terças e quartas antes de<br />
desaguar nos arpejos que desc<strong>em</strong> com terças maiores<br />
descendentes e sob<strong>em</strong> <strong>em</strong> quartas, mas fechando <strong>em</strong> terça – num<br />
estreitamento gradual do intervalo.<br />
FIG. 5 – Quatro amostras <strong>da</strong>s primerias páginas de Ressonâncias realçando densi<strong>da</strong>des<br />
intervalares e condução linear de intervalos pequenos a abertos.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
91
Ressonâncias t<strong>em</strong> assim como jogo d<strong>em</strong>arcar um lugar e transitar<br />
para outros. De contrastes bruscos a transições graduais, digamos<br />
que tais transições sejam um lugar a mais que a compositora tenha<br />
para trabalhar, mas é um lugar de passag<strong>em</strong> que interpola el<strong>em</strong>entos<br />
<strong>da</strong>s duas texturas mais estacionárias que a circun<strong>da</strong>. Mas aqui a<br />
compositora opta s<strong>em</strong>pre pelas transições graduais: novamente a<br />
idéia do vento que toma forma nas imagens variáveis de uma nuv<strong>em</strong>.<br />
Tudo t<strong>em</strong> de ser pensado ao vento, o vento sendo o uso constante<br />
do pe<strong>da</strong>l do piano, com trocas sutis apenas para diminuir a saturação<br />
<strong>da</strong> ressonância do pe<strong>da</strong>l. Neste sentido também aju<strong>da</strong> o t<strong>em</strong>po<br />
“rubato”, cambaleante, que permite vez ou outra pequenos ritenutos<br />
para espera <strong>da</strong> dessaturação <strong>da</strong> ressonância. E a compositora<br />
aparent<strong>em</strong>ente se valeu deste artifício para sua segun<strong>da</strong> transição:<br />
a rarefação gradual dos arpejos.<br />
Os arpejos são conduzidos ao extr<strong>em</strong>os grave do piano, região <strong>em</strong><br />
que não se identificam mais com clareza as freqüências e intervalos<br />
(ain<strong>da</strong> mais com tudo <strong>em</strong>baralhado pelo pe<strong>da</strong>l e pela dinâmica <strong>em</strong><br />
fortíssimo que a partitura pede). É de um jogo de transposição à<br />
oitava e algumas trocas sutis de notas, que o objeto arpejo vai sendo<br />
reiterado até sobressair na região média.<br />
92<br />
FIG. 6 – Sist<strong>em</strong>a de reiteracão modular de Ressonância com modos<br />
defectivos.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Interessante o uso que é feito do pe<strong>da</strong>l <strong>em</strong> concordância com os<br />
sons graves do piano, fazendo com esta passag<strong>em</strong> se ass<strong>em</strong>elhe<br />
a uma filtrag<strong>em</strong> espectral, <strong>em</strong> que a frase se torna mais e mais<br />
defini<strong>da</strong>. Poderíamos citar o uso deste procedimento usado diversas<br />
vezes ao longo do primeiro movimento <strong>da</strong> Sonata Appassionata,<br />
op.57 de Beethoven, ex<strong>em</strong>plos que poderiam ser encontrados <strong>em</strong><br />
outras sonatas do mesmo compositor.<br />
Como já tinha observado antes t<strong>em</strong>os <strong>em</strong> Ressonâncias três texturas<br />
e duas modulações ou transições. Sendo que tais transições tomam<br />
mais o menos espaço: a primeira mais rápi<strong>da</strong>, ampliação de<br />
intervalos que conduz<strong>em</strong> à textura dos arpejos, o que toma apenas<br />
duas linhas <strong>da</strong> partitura (linhas 1 e 2 <strong>da</strong> página 4 <strong>da</strong> partitura<br />
publica<strong>da</strong>); já a segun<strong>da</strong> transição é mais longa, tomando as cinco<br />
linhas <strong>da</strong> página 6, mas esta segun<strong>da</strong> transição é mais radical: sai<br />
dos arpejos, rarefaz o campo sonoro e introduz el<strong>em</strong>entos que<br />
permitam a sonori<strong>da</strong>de dos acordes, fazendo introduzir pouco a<br />
pouco a seqüência textural de acordes a partir de pequenos blocos<br />
isolados de duas notas 8 , até perfazer uma grande linha totalmente<br />
realiza<strong>da</strong> <strong>em</strong> blocos de duas ou mais notas simultâneas e figuração<br />
ritma<strong>da</strong> (alternando breve-longa). Ou seja, de arpejos cambaleantes,<br />
irregulares, mas isócronos (repetição <strong>da</strong> mesma figura, s<strong>em</strong>pre a<br />
s<strong>em</strong>icolcheia), o que se t<strong>em</strong> agora são acordes soltos numa figura<br />
ritma<strong>da</strong>, longa-breve, e que saltam irregularmente pela tessitura do<br />
piano.<br />
Ain<strong>da</strong> uma grande transição para os acordes jogados ao seu éco<br />
simulado pelo pe<strong>da</strong>l ou por repetições oitava<strong>da</strong>s ou não.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
93
94<br />
FIG. 6 – Figura ritma<strong>da</strong> de Ressonância.<br />
(A textura ritma<strong>da</strong> será manti<strong>da</strong> por figuras de notas repeti<strong>da</strong>s<br />
entr<strong>em</strong>ea<strong>da</strong>s nos acordes, por vezes l<strong>em</strong>brando à reiteração <strong>da</strong><br />
nota lá nas Variações Op.27 de Anton Webern.)<br />
Os acordes segu<strong>em</strong> os zigue-zagues <strong>da</strong> linha melódia do início. Ao<br />
longo <strong>da</strong> peça tudo é s<strong>em</strong>pre retomado e, trazendo s<strong>em</strong>pre presente<br />
o aspecto de improvisação, tais recorrências são irregulares, mas<br />
s<strong>em</strong>pre presentes e claras, apresenta<strong>da</strong>s num primeiro plano<br />
auditivo – mesmo quando nota-se claramente que a decisão de<br />
alteração de uma nota por outra se deu no plano <strong>da</strong> escritura e não<br />
<strong>da</strong> concepção do gesto ao piano.<br />
Neste sentido, dos cursos e recursos, estamos s<strong>em</strong>pre no mesmo<br />
lugar, num mesmo ambiente de textura cambiante mas universo<br />
harmônico intervalar fixo. Não é necessário pensar-se aqui <strong>em</strong><br />
uni<strong>da</strong>de ou m<strong>em</strong>ória, aliás, não existe espaço para a m<strong>em</strong>ória, tudo<br />
é s<strong>em</strong>pre presente não é <strong>da</strong>do nenhum afastamento que tornasse<br />
necessários tais recursos abstratos ou sonoros. Contínuo de<br />
operadores conectivos.<br />
Nova imag<strong>em</strong><br />
De certa forma existe ou posso imaginar uma proximi<strong>da</strong>de entre a<br />
idéia de Ressonâncias e o segundo dos Três Instantes para piano<br />
de Willy Corrêa de Oliveira. Dezesses anos distanciam uma obra<br />
Revista Opus 12 - 2006
<strong>da</strong> outra, entre 1977 e 1983 mas ambas respiram as principais<br />
mu<strong>da</strong>nças de tendências composicionais ocorri<strong>da</strong>s entre diversos<br />
compositores europeus <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> música de vanguar<strong>da</strong>, como<br />
o caso de Gÿorgy Ligeti <strong>em</strong> seu primeiro livro de Estudos para piano<br />
de 1982 com o uso de recursos <strong>da</strong> música mo<strong>da</strong>l e tonal e uma<br />
ampliação dos recursos composicionais pós-seriais. Em ambas as<br />
peças, a de Marisa Rezende e de Willy Corrêa, o foco se estabelece<br />
na idéia de um fluxo contínuo e isócrono de notas, <strong>em</strong> movimentos<br />
escalares, arpejados, zigue-zagueantes, mas num primeiro<br />
momento descrevendo o que Willy Corrêa compara ao arrebentar<br />
de um colar de contas ou de pérolas. A rigor, apenas este traço<br />
superficial de textura reverbera entre uma e outra peça. De fato as<br />
duas peças são totalmente diversas, corr<strong>em</strong> para lugares totalmente<br />
diferentes e apontam estratégias composicionais bastante distintas<br />
e é esta distinção dissimula<strong>da</strong> <strong>em</strong> uma textura s<strong>em</strong>elhante que<br />
interessa aqui. Se <strong>em</strong> Ressonância t<strong>em</strong>-se um processo de<br />
composição passo-a-passo, como se a obra ensinasse aquele<br />
percurso pelo qual ela nasceu, <strong>em</strong> Instante 2 t<strong>em</strong>os um contínuo<br />
sonoro claro mas que não mostra a forja de suas componentes. O<br />
compositor também ensina sua harmonia mas é noutra veloci<strong>da</strong>de.<br />
As notas também estão ao vento, mas é outro vento. Porém aqui<br />
v<strong>em</strong> as coincidências, a idéia de um nota <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> qual nasce<br />
uma peça ganha outro corpo <strong>em</strong> Instante 2 e o que se t<strong>em</strong> é uma<br />
série de notas <strong>em</strong> torno <strong>da</strong>s quais serpenteiam figuracões melódicas<br />
totalmente disparata<strong>da</strong>s. Aqui sim pode-se chamar a atenção para<br />
um recurso teórico-abstrato de uni<strong>da</strong>de a partir do qual foram<br />
deduzi<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as notas <strong>da</strong> peça. Alguns padrões melódicos<br />
intervalares permanec<strong>em</strong>, como tinhamos <strong>em</strong> Ressonância, mas é<br />
o contínuo do fluxo de notas que resume tudo <strong>em</strong> um só fato:<br />
contínuo de espaço-t<strong>em</strong>po.<br />
A obra do compositor Willy Corrêa de Oliveira, principalmente a<br />
produzi<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> de 1970 é constant<strong>em</strong>ente associa<strong>da</strong> à teoria<br />
de polarizacões de alturas do francês Edmond Costère (Costère,<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
95
1962). Mas não é necessário o conhecimento de to<strong>da</strong> a teoria de<br />
polarizações de alturas deduzi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> obra do teórico francês<br />
Edmond Costère, n<strong>em</strong> dos modos de referenciali<strong>da</strong>de histórica<br />
<strong>em</strong>butidos nos pacotes de notas que Willy Corrêa usa para compor<br />
o seu colar de pérolas <strong>em</strong> Instantes 2. O amalgama sonoro, a<br />
consistência desta peça, se dá s<strong>em</strong> o auxílio de um plano abstrato<br />
anexo como o desta teoria que especula a respeito de tendências<br />
“naturais” <strong>da</strong>s notas a polarizar<strong>em</strong>-se umas sobre as outras segundo<br />
normas decorrentes <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong>s tradições musicais do<br />
ocidente. Em Instantes 2 as notas antes de mais na<strong>da</strong> colam umas<br />
nas outras por um contínuo de espaço-t<strong>em</strong>po. A principal<br />
consistência nasce assim do fluxo contínuo de notas, de sua<br />
coexistência <strong>em</strong> um campo textural sonoro compacto: o disparo de<br />
uma metralhadora sonora ou o colar de contas. Realçando ain<strong>da</strong><br />
mais o movimento, o compositor incrusta esta pequena peça entre<br />
duas outras praticamente estáticas como três presenças do t<strong>em</strong>po:<br />
o t<strong>em</strong>po estagnado, o t<strong>em</strong>po que flui, e o t<strong>em</strong>po <strong>da</strong> r<strong>em</strong><strong>em</strong>oração.<br />
As três peças estão ordena<strong>da</strong>s como numa moldura do movimento:<br />
as duas peças mais duras, envolv<strong>em</strong> a peça mais maleável e flui<strong>da</strong>.<br />
Bloco e contra-blocos.<br />
Outras estratégias e a imag<strong>em</strong> do cristal<br />
Diferent<strong>em</strong>ente de Ressonâncias onde aponta-se a possibili<strong>da</strong>de<br />
de um contínuo operacional, aqui o que chama a atenção no sentido<br />
de <strong>da</strong>r consistência ao material, é o contínuo de espaço-t<strong>em</strong>po como<br />
modo que agregar passagens diferentes de condução melódica.<br />
Mas mesmo assim não são poucas as coincidências entre uma peça<br />
e outra. As construções intervalares <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>s <strong>em</strong> Willy Corrêa<br />
também têm na reiteração o seu motor principal, isto s<strong>em</strong> contar o<br />
movimento radial que por vezes circun<strong>da</strong> as notas <strong>da</strong> seqüência<br />
principal. Mas digamos que o processo de retoma<strong>da</strong>s aqui refere a<br />
outra imag<strong>em</strong>. Não é mais a <strong>da</strong> improvisação solta, mas o trabalho<br />
de artesanato detalhado de pequenos procedimentos de montag<strong>em</strong><br />
pós-seriais; 9 retoma<strong>da</strong>s literais de algumas frases e de outras com<br />
96<br />
Revista Opus 12 - 2006
pequenas inversões intervalares sendo que uma <strong>da</strong>s frases, a<br />
primeira seqüência intervalar, reaparece diversas vezes ao longo<br />
<strong>da</strong> peça repeti<strong>da</strong> ou transforma<strong>da</strong>.<br />
FIG. 7 – Modelos de reiterações <strong>em</strong> Instante 2 de Três Instantes de Willy Corrêa<br />
de Oliveira.10<br />
É interessante observar que, por razões diversas <strong>da</strong>quelas de<br />
Ressonâncias, aqui também estabelece-se como um lugar<br />
recorrente o princípio radial para a construcão de ca<strong>da</strong> frase e<br />
também <strong>da</strong> seqüência principal: o conductus de 19 notas desta<br />
diferencia. As notas ficam assim dispostas quase que girando <strong>em</strong><br />
torno de dois centros: as notas sol e lá. Não é necesário nenhuma<br />
teoria supl<strong>em</strong>entar para se observar o desenho radial<br />
centrífugocentrípeto que sai <strong>da</strong> nota Sol, repousa<br />
momentaneamente sobre Lá b<strong>em</strong>ol e finaliza <strong>em</strong> Lá natural.<br />
FIG. 8 – Série-eixo de Instante 2 de Três Instantes de W. C. Oliveira.<br />
Como um longo cabideiro, para ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s dezenove notas<br />
correspond<strong>em</strong> pequenas incrustações que soma<strong>da</strong>s formam uma<br />
grande linha melódica circular – o compositor pede que a peças<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
97
seja repeti<strong>da</strong> três vezes consecutivas. E para ca<strong>da</strong> nota, excepto a<br />
décima quarta (o Lá b<strong>em</strong>ol) para a qual não corresponde nenhuma<br />
seqüência melódica, são compostas frases disparata<strong>da</strong>s, umas com<br />
os já citados el<strong>em</strong>entos recorrentes <strong>em</strong> zigue-zague, outras<br />
arpeja<strong>da</strong>s <strong>em</strong> terças ou quartas, movimentos escalares e duas delas<br />
estáticas, girando <strong>em</strong> torno de una nota central. Desenha-se assim<br />
um plano geral deste pequeno cristal detalha<strong>da</strong>mente lapi<strong>da</strong>do sobre<br />
as dezenove notas condutoras:<br />
Retomando estratégias<br />
Claro que n<strong>em</strong> tudo aqui t<strong>em</strong> sua equivalência na primeria obra<br />
que abordei, Ressonâncias. A direcionali<strong>da</strong>de textural <strong>da</strong> obra de<br />
Marisa Rezende não ocorre na obra de Willy Corrêa. Aliás não há<br />
esta preocupação de modulação sonoro-textural <strong>em</strong> Instante 2, e<br />
talvez tal idéia não apareça <strong>em</strong> nenhuma peça do compositor. O<br />
Instante 2 é quase minimalista, um só fluxo repetido integralmente<br />
por três vezes (a ca<strong>da</strong> vez com um uso diferente do pe<strong>da</strong>l). Uma<br />
grande melodia isócrona serpentante. E também é claro que não<br />
há aqui a mão do improvisador. Se houve improviso na gênese <strong>da</strong><br />
peça este está b<strong>em</strong> escondido por procedimentos de transformação<br />
intervalar de um artesanato mais próprio à mesa do que ao teclado.<br />
Mesmo os dedos, que parec<strong>em</strong> sobrepostos ao teclado na peça<br />
<strong>em</strong> Ressonância aqui não marca sua presença.<br />
Muito se fala de uma prática comum que marca a música que<br />
imperou do início ao final do tonalismo, desde as teorias do<br />
98<br />
Revista Opus 12 - 2006
contraponto na renascença até o final do séc.XIX. Mas também<br />
não é difícil atualmente localizar uma nova prática comum. E esta<br />
prática atravessa as duas obras, a de Marisa Rezende e a de Willy<br />
Corrêa no domínio intervalar: os jogos de s<strong>em</strong>i-tom, as seqüências<br />
de terças ou quartas, o jogo de contração e expansão radiais dos<br />
intervalos. Como se uma harmonia do primeiro serialismo<br />
dodecafônico pudesse ser aqui vislumbra<strong>da</strong> como prática comum.<br />
Interessante ver como esta matriz intervalar desdobra-se <strong>em</strong> duas<br />
imagens sonoras totalmente distintas, <strong>em</strong>bora aproximáveis:<br />
Ressonâncias, escalas lança<strong>da</strong>s ao vento e Instante 2, colar de<br />
grandes pérolas intercala<strong>da</strong>s por finas seqüências de pérolas<br />
menores.<br />
Fica assim que para ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s contas grandes do colar segu<strong>em</strong>se<br />
seqüências que dificilmente deixamos de relacionar a gestos<br />
pianísticos <strong>da</strong> tradição ocidental como arpejos e escalas. Claro está<br />
que Willy Corrêa escolhe seqüências que faz<strong>em</strong> r<strong>em</strong>issão à<br />
Segun<strong>da</strong> Escola de Viena – terças maiores e quartas. Porém não é<br />
difícil encontrar gestos <strong>da</strong> música tonal, como aqueles <strong>em</strong> que um<br />
acorde maior ou menor, ou mesmo uma série de oitavas vêm<br />
ornamentados de pequenos cromatismos como acontece nas<br />
seqüências 8 e 12.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
99
FIG. 9 – Dois dos colares de Instantes 2 <strong>em</strong> que pode ser vistas seqüências com<br />
cromatismos intercalados, comuns à música do classcismo e do romantismo.<br />
A imag<strong>em</strong> textura<br />
Mas existe uma imag<strong>em</strong> <strong>em</strong> Instante 2 que distingue um trabalho<br />
meticuloso, o <strong>da</strong>s oitavações ao modo <strong>da</strong>quele <strong>em</strong>pregado por<br />
Olivier Messiaen ao longo <strong>da</strong> “Danse de la foureur, pour les sept<br />
trompettes” de seu Quatuor pour la fin du t<strong>em</strong>ps. Ora as notas são<br />
dobra<strong>da</strong>s por oitavas paralelas, ora por oitavas disjuntas; ora<br />
direcionais, ora ziaguezagueantes. Este procedimento acaba <strong>da</strong>ndo<br />
à peça uma outra dimensão dinâmica, a <strong>da</strong> contração e expansão<br />
<strong>da</strong> textura de pulsação isócrona pela tessitura do instrumento.<br />
Dois ex<strong>em</strong>plos extr<strong>em</strong>os deste tipo de procedimento aparec<strong>em</strong> nas<br />
sequëncias 10 e 19, esta última correspondendo sonoramente às<br />
últimas frases <strong>da</strong> peça de Messiaen (Fig. 10).<br />
A estratégia retoma<strong>da</strong><br />
A principal matriz para se falar aqui <strong>em</strong> uma nova prática comum é<br />
o primeiro atonalismo de Schoenberg e Webern, ou mesmo as<br />
construções de séries <strong>em</strong> suas fases mais maduras: prolongamentos<br />
100<br />
Revista Opus 12 - 2006
FIG. 10 – Diferentes oitavações e âmbito intervalar evidenciando direcionali<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s<br />
aberturas.<br />
e deformações <strong>da</strong> fórmula B-A-C-H como modo de circun<strong>da</strong>r<br />
el<strong>em</strong>entos s<strong>em</strong> incorrer na repetição de alturas, sobretudo s<strong>em</strong><br />
incorrer <strong>em</strong> oitavas.<br />
Esta matriz não atravessa somente a peça de Willy Corrêa mas<br />
também a de Marisa Rezende e, como ver<strong>em</strong>os mais adiante, a do<br />
jov<strong>em</strong> compositor Guilherme Nascimento.<br />
Desde1961 circula no meio musical o que Adorno denominou de<br />
uma música informal. O que seria esta música informal? 11 De um<br />
modo geral uma retoma<strong>da</strong> de diversos dos princípios <strong>da</strong> música<br />
pré-dodecafônica de Schoenberg e Webern e mesmo de el<strong>em</strong>entos<br />
do serialismo de Werbern como o contraponto constante entre o<br />
rigor simétrico e a assimetria ou o uso concomitante de simetrias<br />
disjuntas. No caso de notas joga<strong>da</strong>s ao vento, esta imag<strong>em</strong> que<br />
estive buscando desde o começo deste texto, elas de certo modo<br />
também dev<strong>em</strong> a Werbern e ao preenchimento do espaço de alturas<br />
através <strong>da</strong> sua textura pontilhista. 12<br />
Nos dois casos, no de Marisa e de Willy, sobressai o aspecto de um<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
101
uso do campo <strong>da</strong>s alturas de modo a favorecer o aparecimento de<br />
centros, nódulos harmônicos. Ca<strong>da</strong> um chega por um caminho<br />
diversos: a figuração radial que está fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na idéia de uma nota<br />
central, ponto de parti<strong>da</strong> ou centro deste movimento concentrico<br />
<strong>em</strong> Ressonâncias e a dinâmica <strong>da</strong>s polarizações, que não é menos<br />
radial, de Instante 2. Se na primeira peça esta forma fica clara logo<br />
à primeira frase, o eixo é apresentado na primeira nota toca<strong>da</strong>, <strong>em</strong><br />
Instante 2 esta idéia vai se tornando clara e brota com to<strong>da</strong> sua<br />
força nas seqüências 9 e 13.<br />
Na música do século XX este procedimento de construção radial<br />
de seqüências de alturas aponta uma importante ruptura com os<br />
mecanismos <strong>da</strong> música tonal e mo<strong>da</strong>l. As escalas não obedec<strong>em</strong><br />
simetrias radiais. Na música tonal tal simetria aparece apenas no<br />
séc. XVIII aludi<strong>da</strong> na cadência napolitana, <strong>em</strong> que circun<strong>da</strong>-se uma<br />
nota tônica pelas suas sensíveis conti<strong>da</strong>s na sexta napolitana (meio<br />
tom acima <strong>da</strong> nota <strong>da</strong> tônica) e pela terça <strong>da</strong> dominante (meio tom<br />
abaixo <strong>da</strong> tônica), recurso que traz uma instabili<strong>da</strong>de escalar pois a<br />
sexta b<strong>em</strong>oliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> subdominante não pertence às notas <strong>da</strong> escala<br />
ordinária n<strong>em</strong> no modo menor n<strong>em</strong> no maior. Ex<strong>em</strong>plos marcantes<br />
do uso <strong>da</strong> simetria radial aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> compositores como Edgard<br />
Varèse, <strong>em</strong> suas obras Hyperprism, como fio condutor <strong>da</strong> própria<br />
estruturação desta peça: de fato Hyperprism conta uma pequena<br />
história de simetria radial, saindo de uma nota central, um dó<br />
sustenido que o compositor associava ao apito de barcos<br />
rebocadores, a peça lentamente amplia seu espaço harmônico até<br />
que to<strong>da</strong>s as notas <strong>da</strong> escala cromática estejam envolvi<strong>da</strong>s. 13 No<br />
domínio <strong>da</strong> música dodecafônica a série radial de doze notas contém<br />
to<strong>da</strong>s as notas e todos os intervalos concomitant<strong>em</strong>ente. Na quinta<br />
peça <strong>da</strong>s Seis bagatelas para quarteto de cor<strong>da</strong>s, op. 9 de Anton<br />
Webern, tal qual observa Gÿorgy Ligeti <strong>em</strong> seu artigo sobre o<br />
compositor, se vale deste princípio de simetria radial circun<strong>da</strong>ndo a<br />
nota ré. O mesmo procedimento é usado, talvez de modo mais<br />
explícito, por Béla Bartok no final do primeiro movimento de sua<br />
Música para Cor<strong>da</strong>s Percussão e Celesta.<br />
102<br />
Revista Opus 12 - 2006
Esta espécie de atonali<strong>da</strong>de simétrica predomina <strong>em</strong> praticamente<br />
to<strong>da</strong>s as obras de Webern e a sua forma radial aparece não apenas<br />
no período pré-dodecafônico, mas está claro na primeira e no<br />
segun<strong>da</strong> de suas Variações op. 27. Na primeira variação a série<br />
simétrica t<strong>em</strong> como intervalos centrais uma quarta e um trítono,<br />
com o que o compositor desenha um acorde que serve para articular<br />
outros espelhamentos no plano composicional. Na segun<strong>da</strong> variação<br />
são duas versões <strong>da</strong> série, o original e sua in<strong>versão</strong> que intercala<strong>da</strong>s<br />
têm uma nota <strong>em</strong> comum que, repeti<strong>da</strong>, cumpre o lugar de centro<br />
de aproximação e afastamento.<br />
A simetria atravessa assim não apenas um projeto <strong>da</strong> música não<br />
tonal como estaria envolvido na teoria de Costère adota<strong>da</strong> por Willy<br />
Corrêa de Oliveira. De um modo geral a teoria de Costère consiste<br />
<strong>em</strong> ponderar a força de ca<strong>da</strong> nota dentro de um complexo de notas<br />
tendo por base quatro notas: sensível superior, sensível inferior,<br />
quinta superior, quinta inferior. Esta matriz conduz grande parte do<br />
Instante 2 que trabalha justamente famílias de notas nasci<strong>da</strong>s de<br />
sua relação polar com as notas principais do “colar de pérolas”, as<br />
19 notas que iniciam as seqüências. Claro que não se trata apenas<br />
de afirmar esta nota polar, mas também de contrapor-se a ela, o<br />
que traz a presença marcante do trítono <strong>em</strong> alguns momentos. Mas<br />
a teoria não vive sozinha, ela precisa tornar-se sensível, e aí está o<br />
trabalho do compositor, a forma como a primeira nota de ca<strong>da</strong><br />
seqüência é acentua<strong>da</strong>, o uso do pe<strong>da</strong>l e o movimento constrito<br />
<strong>em</strong> torno <strong>da</strong> nota polar acabam tendo mais força na determinação<br />
deste polo do que uma teoria abstrata como a de Costère. É um<br />
movimento radial similar que está no início de Ressonâncias,<br />
também com uma nota central <strong>em</strong> posição privilegia<strong>da</strong> e de maior<br />
duração. Diríamos assim que existe uma espécie de amálgama<br />
harmônico que atravessa as duas peças (Fig. 11).<br />
Interessante notar que a simetria, esta espécie de matriz <strong>da</strong> música<br />
informal pré-serial e <strong>da</strong> música dodecafônica encontráveis nas duas<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
103
FIG. 11 – evidências de mecanismo de polarizacão <strong>em</strong>pregado por Willy Corrêa de Oliveira<br />
<strong>em</strong> Instante 2.<br />
obras analisa<strong>da</strong>s, de Willy Corrêa e de Marisa Rezende, também<br />
circula pela escrita de outros compositores na mesma época, final<br />
dos anos de 1970 e início dos 80 juntamente a outros el<strong>em</strong>entos,<br />
como o <strong>da</strong> sonori<strong>da</strong>de agu<strong>da</strong> do piano, como o metralhar isócrono<br />
e contínuo, ou mesmo com o uso <strong>da</strong> repetição direta e suas<br />
defectivas para prolongar a primeira idéia que aparece na partitura.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo interessante está logo ao início de L<strong>em</strong>ma-Icon-<br />
Epigram, para piano solo, do compositor inglês Brian Ferneyhough.<br />
Os operadores de Ferneyhough nesta peça são bastante diferentes<br />
<strong>da</strong>queles de Willy Corrêa e Marisa Rezende, mas a mesma matriz<br />
intervalar e de pequenos giros radiais faz as três peças ressoar<strong>em</strong><br />
entre si. 20<br />
FIG. 12 – Compasso inicial de L<strong>em</strong>me-Icon-Epigram de Brian Ferneyhough.<br />
Copyright©Peters Edition Ltd., Londres.<br />
104<br />
Revista Opus 12 - 2006
O que pretendo mostrar com isto é que atravessa essas peças uma<br />
espécie de traço comum do primeiro atonalismo dos vienenses –<br />
se b<strong>em</strong> que tenha <strong>da</strong>do ex<strong>em</strong>plos de Varèse e Bartók e ain<strong>da</strong><br />
pudesse apontá-lo <strong>em</strong> Heitor Villa-Lobos. 14 Ou seja, tanto na<br />
seqüência de notas calcula<strong>da</strong>s pelo mecanismo de polarizações e<br />
pelos jogos de referência histórica, quanto naquela nasci<strong>da</strong> de um<br />
gesto improvisado, imperam sonori<strong>da</strong>des que vinculam uma certa<br />
tradição e que sobrevêm independentes dos procedimentos<br />
composicionais <strong>em</strong>pregados. E é nesta mesma tradição que anos<br />
depois, já no segundo ano do século XXI, advém a peça Abacaxis<br />
não voam, também para piano solo, do jov<strong>em</strong> compositor mineiro<br />
Guilherme Nascimento.<br />
Outra imag<strong>em</strong> - mesmas estratégias<br />
Abacaxis não voam. O título já desperta uma imag<strong>em</strong>, assim como<br />
Só fico louco quando sopra o vento noroeste, título de outra peça<br />
para piano solo de Guilherme Nascimento. Mesmo tendo por trás a<br />
referência a Hamlet: "Eu so fico louco quando o vento sopra de<br />
nor-noroeste. Quando sopra do sul, eu sei distinguir muito b<strong>em</strong> uma<br />
águia de um falcão” é interessante a recorrência <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> do vôo<br />
e do vento, <strong>da</strong> leveza. Talvez assim tenha-se mais uma imag<strong>em</strong><br />
para se vislumbrar uma peça que entr<strong>em</strong>eia notas isola<strong>da</strong>s dispersas<br />
pela tessitura do piano e pequenos aglomerados de notas, também<br />
dispersas – espacializa<strong>da</strong>s –, toca<strong>da</strong>s como grandes apojaturas o<br />
mais rápido possível.<br />
A escala dinâmica <strong>da</strong> peça vai dos sons inaudíveis do 16p ao sffz,<br />
de um exagerado pianíssimo a uma sforzandíssimo. Mas a escala<br />
não é linear, há um salto: saímos do 16p, passando por 16 gra<strong>da</strong>ções<br />
até o p, saltando então ao mf, f, sfz, sffz. Esta gra<strong>da</strong>ção marca o<br />
jogo de contrastes repentinos entre esses dois extr<strong>em</strong>os de escala.<br />
Os 16p causam grande estranhamento ao intérprete. Mas não é à<br />
toa que o compositor se vale de um detalhe aparent<strong>em</strong>ente<br />
irrealizável, e volta a tal recurso <strong>em</strong> outras peças, como <strong>em</strong> Só fico<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
105
louco quando sopra o vento noroeste que é integralmente trabalha<strong>da</strong><br />
entre p e 27p. Esta retoma<strong>da</strong> do recurso mostra o quanto ele é<br />
desejado e sua difícil correspondência com o campo dinâmico do<br />
piano nos deixar claro que se trata de um recurso expressivo mais<br />
do que uma mera indicação de amplitude sonora. Quanto maior o<br />
detalhamento de níveis de pianíssimo maior o grau de tensão do<br />
interprete no <strong>em</strong>bate constante com a sensibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s teclas do<br />
piano, com a presença s<strong>em</strong>pre constante dos pe<strong>da</strong>is solicitados<br />
pelo compositor e com os jogos de veloci<strong>da</strong>de exigidos nas grandes<br />
apojaturas. E não se deve descartar também o predomínio <strong>da</strong><br />
sonori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s teclas do instrumento nesses super pianíssimos.<br />
No que diz respeito ao uso <strong>da</strong>s notas, estas que são joga<strong>da</strong>s ao<br />
vento, elas segu<strong>em</strong> o mesmo padrão intervalar <strong>da</strong>s duas vistas<br />
anteriormente: começa-se enfatizando terças, segun<strong>da</strong>s e<br />
inversões, e lentamente são introduzidos intervalos como os de<br />
quarta, quinta e trítono, sendo ain<strong>da</strong> que ao longo <strong>da</strong> peça apenas<br />
duas oitavas aparec<strong>em</strong>. Trata-se também de um plano linear, de<br />
condução de um dégradé, <strong>da</strong> textura que se transforma, do colorido<br />
que mu<strong>da</strong> aos poucos.<br />
Estratégia informal<br />
Segundo o compositor esta é mais uma de suas peças nasci<strong>da</strong>s de<br />
uma estratégia totalmente livre e informal de composição musical.<br />
Por traz <strong>da</strong> peça não há nenhum plano a priori, nenhuma estrutura<br />
anterior. Na<strong>da</strong> é tomado de ant<strong>em</strong>ão, n<strong>em</strong> sequer um algoritmo,<br />
uma tática. Tudo vai sendo desenhado conforme corre a<br />
composição, mas guar<strong>da</strong>ndo ao mesmo t<strong>em</strong>po uma economia de<br />
recursos como fator de extr<strong>em</strong>a importância. E é por tal razão que<br />
mesmo s<strong>em</strong> um plano prévio a peça acaba por ser extr<strong>em</strong>amente<br />
coesa, um terceiro cristal nesta série de peças analisa<strong>da</strong>s:<br />
Ressonâncias, Instante 2 e Abacaxis não voam.<br />
A imag<strong>em</strong> de notas joga<strong>da</strong>s ao vento está aqui presente o t<strong>em</strong>po<br />
106<br />
Revista Opus 12 - 2006
todo e aqui, mais do que nas outras duas peças esta imag<strong>em</strong><br />
confunde-se com a estratégia composicional. Porque a única<br />
estratégia é a economia de material, e a imag<strong>em</strong> de notas joga<strong>da</strong>s<br />
ao vento é literal.<br />
Coincide com as outras duas peças no uso do pe<strong>da</strong>l s<strong>em</strong>pre<br />
ressonante, mas a economia de material t<strong>em</strong> algumas marcas que<br />
também ressoa as mesmas estratégias <strong>da</strong>s outras duas peças. Na<br />
economia de material, com foco maior no que respeito às alturas,<br />
digamos que exist<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos marcantes: nunca usar graus<br />
conjuntos mais de duas vezes segui<strong>da</strong>s, favorecer saltos e <strong>em</strong>pregar<br />
no mais <strong>da</strong>s vezes os intervalos de terça, segun<strong>da</strong> e suas inversões,<br />
quase nunca usar oitavas apenas a repetição de notas quase como<br />
para desenhar um pe<strong>da</strong>l ou suspensão (ao longo <strong>da</strong> peça o<br />
compositor deixa escapar duas oitavas, quase como que por um<br />
pequeno descuido, afinal de contas não havia um plano prévio, se<br />
b<strong>em</strong> que tais pequenos descuidos cosntintu<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> pequenas<br />
irregulari<strong>da</strong>des que colaboram no plano motor <strong>da</strong> peça, como as<br />
notas troca<strong>da</strong>s <strong>em</strong> Marisa Rezende).<br />
Se há um plano localizável ele é a direcionali<strong>da</strong>de e diz respeito ao<br />
aumento na proporção do uso de alguns intervalos, como a quarta,<br />
a quinta e o trítono. Mas este movimento é recorrente desenhando<br />
a seqüência aumento, diminuição e novo aumento.<br />
Se na peça de Willy Corrêa t<strong>em</strong>os um contínuo de fluxo na métrica<br />
quase homogênea; se na peça de Marisa Rezende distinguimos<br />
três momentos e suas transições; agora t<strong>em</strong>os uma ausência deste<br />
jogo de continui<strong>da</strong>de minimalista ou <strong>da</strong>s transições pós-romanticas<br />
e digamos que música assume mais uma textura weberniana <strong>em</strong><br />
que t<strong>em</strong>po e espaço coincid<strong>em</strong> através <strong>da</strong> distribuição quase igual<br />
<strong>da</strong>s notas na tesssitura. A peça é assim um grande móbile que ora<br />
oscila mais, ora menos, na dependência <strong>da</strong> força do vento. 15<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
107
Olhando as três partituras poder-se-ia dizer que existe um exagero<br />
ao colocar as três peças <strong>em</strong> um mesmo lugar, <strong>em</strong> <strong>da</strong>r sua textura<br />
geral por coincidente. Porém a opção por tal equiparação v<strong>em</strong> mais<br />
do fato de que existe não apenas algumas estratétgias de altura<br />
que perpassam as três peças, mas existe uma sonori<strong>da</strong>de, uma<br />
macro-textura comum. Ou seja, tanto nas notas recita<strong>da</strong>s de<br />
Ressonâncias, quanto no fluxo flúido e incessante de Instante 2,<br />
como nas ilhas de notas soltas de Os abacaxis não voam, existe<br />
uma sonori<strong>da</strong>de ressonante que permanece no uso do pe<strong>da</strong>l e <strong>da</strong>s<br />
reiterações intervalares. Sob tal constante pode-se dizer que existe<br />
sim uma variação de “pressão do t<strong>em</strong>po”, terminologia de Tarkovsky<br />
aplica<strong>da</strong> à música <strong>em</strong> Estratégias e a Forma de Sponton.<br />
O que quer dizer esta idéia de pressão do t<strong>em</strong>po: diz momentos <strong>em</strong><br />
que o espaço t<strong>em</strong>po sofre oscilações de pressão, computa<strong>da</strong> no<br />
número de acontecimentos, na densi<strong>da</strong>de vertical e horizontal, no<br />
âmbito freqüêncial ocupado. Desses o parâmetro mais complexo<br />
talvez seja o de acontecimentos, que mesmo considerado como<br />
subjetivo, pode ser pensado e trabalhado. São acontecimentos<br />
desde o número de vozes atuantes ou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong>de na<br />
passag<strong>em</strong> de um el<strong>em</strong>ento para outro, de uma textura a outra<br />
(imagine-se uma gra<strong>da</strong>ção que vai <strong>da</strong> transição gradual àquela<br />
opera<strong>da</strong> por um corte mais súbito). É assim que pod<strong>em</strong>os,<br />
representando um pequeno gráfico de espaço-t<strong>em</strong>po ter uma<br />
diferença entre as três peças, porém to<strong>da</strong>s mantendo uma mesma<br />
sonori<strong>da</strong>de. Daí que aquilo que chamava antes de vento, de jogar<br />
notas ao vento, talvez não passe de jogar notas <strong>em</strong> um espaço<br />
ressonante.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo desta descompressão do espaço pode ser retirado <strong>da</strong><br />
comparação <strong>da</strong> página 4 e <strong>da</strong> página 5 <strong>da</strong> partitura original de Os<br />
abacaxis. Poderia divisar no mínimo dois blocos na peça: os blocos<br />
de ataques e o espaço de ressonância. A quarta página <strong>da</strong> partitura<br />
traz b<strong>em</strong> clara espacialização dos blocos de ataque no espaço de<br />
108<br />
Revista Opus 12 - 2006
essonância, espaço-t<strong>em</strong>po que logo <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> sofre uma<br />
descontração, de modo que passa-se a um longo momento que<br />
corresponderia ao bloco de ataque descontraído.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
109
110<br />
FIG. 13 – Dois momentos densi<strong>da</strong>des distintas <strong>em</strong> Os abacaxis não voam de<br />
Guilherme Nascimento.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Estratégias coincidentes<br />
Sist<strong>em</strong>a intervalar, sist<strong>em</strong>a de polarizações e economia de intervalos<br />
dispostos <strong>em</strong> dégradé, estes três seriam talvez os modos com que<br />
os três compositores jogaram suas notas ao vento fazendo sensível<br />
formas diferentes de movimento. Ora lento, porém direciona<strong>da</strong>; ora<br />
intenso, e apontando para muitas direções; ora rarefeito, s<strong>em</strong> direção<br />
e desenhando um espaço.<br />
As três peças são construí<strong>da</strong>s à base <strong>da</strong> soma seqüências, sejam<br />
intermitentes, sejam isola<strong>da</strong>s, sejam recorrentes. E tais seqüências<br />
segu<strong>em</strong> a matriz atonal <strong>da</strong> não repetição, do uso restrito <strong>da</strong><br />
oitava,dos movimentos de simetria radial.To<strong>da</strong>s operam uma<br />
sonori<strong>da</strong>de próxima, <strong>em</strong>bora singulares, <strong>da</strong> ressonância de pe<strong>da</strong>l<br />
fixo. Traz<strong>em</strong> também este aspecto de simplici<strong>da</strong>de nos recursos,<br />
nas notações, <strong>em</strong>bora ca<strong>da</strong> uma à sua maneira exploram<br />
radicalmente um el<strong>em</strong>ento: o extr<strong>em</strong>os grave lentamente filtrado<br />
<strong>em</strong> Marisa Rezende, os jogos de oitavas disjuntas <strong>em</strong> Willy Corrêa<br />
de Oliveira e os graus de pianíssimo <strong>em</strong> Guilherme Nascimento.<br />
Poderia ter pensado <strong>em</strong> um contágio mútuo não fosse o fato de<br />
que nenhum dos três compositores conheceram as partituras uns<br />
dos outros. A de W.Corrêa cria<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1977 é bastante anterior às<br />
outras duas, mas foi pouquíssimas vezes realiza<strong>da</strong>s no Brasil e<br />
não era de conhecimento de M.Rezende quando ela escreveu<br />
Ressonâncias e nenhuma <strong>da</strong>s duas peças era de conhecimento de<br />
Guilherme Nascimento. De onde viriam então tais traços de<br />
s<strong>em</strong>elhança? Talvez a resposta esteja <strong>em</strong> traços dispersos na obra<br />
de Webern, Berio, Cage, Crumb e sobretudo na tendência por uma<br />
música informal aponta<strong>da</strong> por Adorno <strong>em</strong> 1961. Poderia sintetizar<br />
então tais traços nos jogos de simetria irregular, no uso do pe<strong>da</strong>l<br />
ressonante, nos grandes momentos de continui<strong>da</strong>de e<br />
direcionali<strong>da</strong>de, nas texturas estáticas. Teria assim nessas três<br />
peças ex<strong>em</strong>plos de um afeto <strong>da</strong> música atual: notas joga<strong>da</strong>s ao<br />
vento, colar de pérolas e contas, ressonâncias.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
São Paulo, abril.2006<br />
111
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dissertação de mestrado. Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de São Paulo. 2000.<br />
Notas<br />
1 Palestra apresenta<strong>da</strong> na Facul<strong>da</strong>de Santa Marcelina, 1998.<br />
2 Ver sobretudo “Histoire de l’oeuvre comprise como genese: Lundi, 27 février 1922” (Klee, 1980.<br />
pp. 343 seq).<br />
3 Para a análise e ex<strong>em</strong>plos de Ressonâncias foi utiliza<strong>da</strong> a partitura publica<strong>da</strong> pela Rioarte om<br />
cópia de Alfredo Barros. Exist<strong>em</strong> outras duas versões com pequenas diferenças desta, o<br />
manuscrito de Marisa Rezende e outra, copia<strong>da</strong> deste, publica<strong>da</strong> junto ao artigo <strong>da</strong> compositora<br />
sobre sua peça, <strong>em</strong> Cadernos de Estudo: Análise Musical, com cópia de Silvio Ferraz.<br />
4 Sobre Improvisação livre ver a tese de O músico como ambiente e meio <strong>da</strong> improvisação livre,<br />
do compositor e instrumentista Rogério Moraes Costa, defendi<strong>da</strong> na PUCSP. Neste trabalho a<br />
questão <strong>da</strong> transitorie<strong>da</strong>de dos objetos é estu<strong>da</strong><strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s experiências de improvisação livre<br />
do grupo Akronon, formado pelo autor, Edson Ezequiel de Souza e Sivio Ferraz.<br />
5 Por alturas não defini<strong>da</strong>s estou aqui chamando a atenção para objetos cujo foco não é a altura<br />
n<strong>em</strong> o jogo intervalar mas apenas aspectos de uma escuta textural: distanciamento, densi<strong>da</strong>de,<br />
intensi<strong>da</strong>de, espessura.<br />
6 A este respeito ver escala mel formula<strong>da</strong> a partir de <strong>da</strong>do psicoacústico <strong>em</strong>piríco pelos psicólogos<br />
Stanley Stevens e Edwin Newman, e pelo engenheiros John Volkman <strong>em</strong> 1937.<br />
7 Sobre a escala sons puros,sons tonais, grupos no<strong>da</strong>is, tramas e ruídos, ver Schaeffer: 1966.<br />
8 Pensado a peça como como texturas e transições, uma interpretação deste trecho valeria ser<br />
toca<strong>da</strong> “debussyneanamente” <strong>em</strong> leve staccato com pe<strong>da</strong>l, fazendo assim transitar-se doc<strong>em</strong>ente<br />
de uma sonori<strong>da</strong>de à outra, se b<strong>em</strong> que a <strong>versão</strong> grava<strong>da</strong> tendo a própria Marisa Rezende ao<br />
piano traga uma sonori<strong>da</strong>de mais ríspi<strong>da</strong> para a entra<strong>da</strong> desses blocos soltos de terças (cf. Cd<br />
Marisa Rezende- Música de Câmara. Selo LAMI-005-ECAUSP, 2003 – ID 5)<br />
9 Vale dizer que a obra de Marisa, <strong>em</strong>bora transpareça o jogo de improvisação livre, também t<strong>em</strong><br />
seu artesanato minucioso, mas como que passo-a-passo revisitado ao piano.<br />
112<br />
Revista Opus 12 - 2006
10 Figuras extraí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>versão</strong> publica<strong>da</strong> do manuscrito do compositor pela MCA do Brasil.<br />
11 Adorno: 1959 e Ferneyhough: 1994.<br />
12 ver o artigo “Aspect du langage Musical de Webern” <strong>em</strong> Ligeti : 2001.<br />
13 A este respeito ver Ferraz, 2002, pp.8-30.<br />
14 Sobre a simetria <strong>em</strong> Villa-Lobos ver a tese Processos composicionais de Villa-Lobos: um guia<br />
teórico. (Salles: 2005).<br />
15 Ligeti, <strong>em</strong> seu artigo sobre Webern salienta o quanto a música é espacial a partir desta concepção<br />
particular de dodecafonismo. Ela se dá no espaço então apenas no t<strong>em</strong>po. Esta metáfora do<br />
t<strong>em</strong>po-igualespaço v<strong>em</strong> também apresenta<strong>da</strong> por Ligeti <strong>em</strong> seu artigo “Evolution de la forme<br />
musicale” (Ligeti, 2001) e foi trabalha<strong>da</strong> pelo brasileiro César Sponton <strong>em</strong> sua dissertação de<br />
mestrado As estratégias e a forma: algumas considerações sobre o t<strong>em</strong>po musical, defendi<strong>da</strong> na<br />
Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de São Paulo <strong>em</strong> 2000. Vale também notar que a metáfora surge<br />
do modo bastante <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático <strong>em</strong> Calder Piece de Earl Brown de 1963.<br />
Silvio Ferraz - É Doutor (PUC - SP), compositor (ECA - USP), autor de Música e Repetição:<br />
aspectos <strong>da</strong> diferença na música do séc. XX (São Paulo: Educ) e Livro <strong>da</strong>s Sonori<strong>da</strong>des (Rio de<br />
Janeiro: 7 letras) b<strong>em</strong> como de diversas obras musicais apresenta<strong>da</strong>s <strong>em</strong> festivais nacionais e<br />
internacionais de música cont<strong>em</strong>porânea. Atualmente professor de composição junto ao<br />
departamento de música do Instituto de Artes <strong>da</strong> UNICAMP e pesquisador bolsista do CNPQ.<br />
<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
113
114<br />
BRASILIDADE E SEMIOSE MUSICAL<br />
José Luiz Martinez<br />
Resumo: A música erudita brasileira dos séculos XX e XXI é investiga<strong>da</strong> pela perspectiva <strong>da</strong><br />
s<strong>em</strong>iótica musical (<strong>em</strong> bases peirceanas). Discute-se a questão <strong>da</strong> brasili<strong>da</strong>de na música enquanto<br />
processo de significação, ou seja, s<strong>em</strong>iose. Por meio <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> interação de signos musicais<br />
com signos <strong>da</strong> cultura brasileira <strong>em</strong> seus diferentes matizes e suas possíveis interpretações,<br />
considera-se obras de compositores chamados nacionalistas, os preceitos e algumas obras dos<br />
integrantes dos movimentos Música Viva e Música Nova, concluíndo-se com as gerações mais<br />
recentes.<br />
Palavras chave: Música brasileira. S<strong>em</strong>iótica. Representação. Século XX.<br />
“Tat tvam asi” (“Tu és isso”, Chandogya Upanishad 12.3; 1994: 462)<br />
“It is hard for man to understand this, because he persists in identifying<br />
himself with his will, his power over the animal organism, with brute force.<br />
Now the identity of a man consists in the consistency of what he does<br />
and thinks, and consistency is the intellectual character of a thing; that<br />
is, is its expressing something.” (CP 5.315)<br />
Desde o final do romantismo, a representação musical de el<strong>em</strong>entos<br />
<strong>da</strong> cultura brasileira surgiu <strong>em</strong> obras de diversos compositores, com<br />
procedimentos e técnicas derivados de diversas correntes e estilos<br />
musicais. Críticos e musicólogos abor<strong>da</strong>ram questões sobre o<br />
nacionalismo musical e a vanguar<strong>da</strong> cosmopolita. Manifestos e<br />
cartas foram publicados e discutidos. Até há poucos anos, ain<strong>da</strong> se<br />
fazia presente a oposição ve<strong>em</strong>ente entre esses dois partidos de<br />
militância. Ambos devi<strong>da</strong>mente policiados ideologicamente pelos<br />
parâmetros respectivos de ca<strong>da</strong> corrente. Ao início do século XXI a<br />
querela se dissolveu, talvez diante uma outra questão, o<br />
desinteresse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pela música cont<strong>em</strong>porânea de concerto<br />
(vide Coelho, 2005).<br />
No entanto, num momento <strong>em</strong> que a pesquisa genética pode traçar<br />
o movimento <strong>da</strong> espécie humana <strong>em</strong> suas migrações pelo globo,<br />
creio ser fun<strong>da</strong>mental contrapor a essa o estudo <strong>da</strong> cultura pelo<br />
Revista Opus 12 - 2006
DNA <strong>da</strong>s formas sígnicas. Ain<strong>da</strong> que o nacionalismo musical esteja<br />
atualmente fora de campo, creio que exist<strong>em</strong> questões pertinentes<br />
para a discussão <strong>da</strong> música e <strong>da</strong> cultura brasileira, e creio que a<br />
abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> s<strong>em</strong>iótica pode contribuir com novos paradigmas além<br />
<strong>da</strong> esfera historicista.<br />
Pensar a música com os instrumentos oferecidos pela s<strong>em</strong>iótica<br />
consiste <strong>em</strong> considerar os processos de geração e de interpretação<br />
de signos relativos às linguagens musicais. Tecnicamente, de acordo<br />
com a teoria geral dos signos de Charles Peirce, esses processos<br />
são compreendidos pela idéia de s<strong>em</strong>iose — a contínua<br />
transformação de idéias, ações e sentimentos — que caracteriza<br />
não apenas a relação do ser humano com o mundo, mas também<br />
rege formas de vi<strong>da</strong> animal e vegetal. S<strong>em</strong>iose musical, de acordo<br />
com os paradigmas mais avançados <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iótica <strong>da</strong> música (vide<br />
Martinez 2001, Lidov 2005), abarca os processos perceptivo,<br />
cognitivo, psico-motor, criativo, analítico, crítico, educacional, etc.,<br />
do sentir, fazer e pensar a música.<br />
Um signo musical é principalmente um acontecimento acústico, que<br />
apenas existe e funciona como signo porque uma consciência o<br />
apreende e o tranforma <strong>em</strong> outro signo, signo este que Peirce<br />
denomina interpretante. Interpretantes são portanto signos<br />
processados por uma mente, transformados <strong>em</strong> outros signos. Uma<br />
<strong>da</strong>s classificações de Peirce divide os interpretantes <strong>em</strong> <strong>em</strong>ocionais,<br />
energéticos e lógicos. Assim, um signo musical pode ser interpretado<br />
enquanto uma quali<strong>da</strong>de de sentimento, como a consciência de<br />
um timbre, ou de um intervalo, ou de um cluster. Um signo musical<br />
pode ser uma idéia que é interpreta<strong>da</strong> com um movimento corporal,<br />
ou a ação <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s vocais, ou um gesto sobre cor<strong>da</strong>s tension<strong>da</strong>s,<br />
causando perturbações físicas que geram outros signos acústicos.<br />
Finalmente, um signo musical pode ser interpretado logicamente,<br />
considerado <strong>em</strong> pensamento com relação às suas quali<strong>da</strong>des e<br />
estruturas, suas condições de existência (e identi<strong>da</strong>de), seus<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
115
possíveis significados (a relação do signo com seu objeto). Esses<br />
três interpretantes musicais são aqui ex<strong>em</strong>plos de s<strong>em</strong>iose que<br />
apontam para a complexi<strong>da</strong>de e interrelação de processos<br />
processos perceptivos e cognitivos (escuta musical), <strong>da</strong> execução<br />
musical, <strong>da</strong> composição, <strong>da</strong> improvisação, <strong>da</strong> análise e crítica, <strong>da</strong><br />
educação.<br />
Todos esses processos ocorr<strong>em</strong> no t<strong>em</strong>po e espaço, delimitados<br />
por uma cultura. A música é s<strong>em</strong>pre um fazer humano e é na<br />
consciência e nos corpos de músicos, ouvintes, professores, críticos,<br />
luthiers, produtores, etc., que se instaura a s<strong>em</strong>iose. Sendo assim,<br />
investigar a brasili<strong>da</strong>de musical como formas de s<strong>em</strong>iose consiste<br />
<strong>em</strong> ir muito além de uma mera consideração <strong>da</strong> música como produto<br />
de uma nação. O que me interessa neste artigo é iniciar uma<br />
discussão que focaliza a música brasileira enquanto signos de uma<br />
complexa rede dialógica que abarca não apenas os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong>s<br />
linguagens musicais pratica<strong>da</strong>s neste país, mas um dialogismo mais<br />
amplo, incluindo as intersecções <strong>da</strong> cultura brasileira e sua história<br />
com outras culturas, <strong>da</strong> música brasileira com outras músicas.<br />
Milton Singer <strong>em</strong> Man’s Glassy Essence (1984), adotando o<br />
pragmatismo de Charles Peirce, defende uma antropologia s<strong>em</strong>iótica<br />
onde a concepção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de um hom<strong>em</strong>, de uma cultura ou<br />
de uma socie<strong>da</strong>de pode ser pensa<strong>da</strong> <strong>em</strong> termos dos signos<br />
produzidos e interpretados na forma de sentimentos, ações e<br />
pensamentos. Para Peirce, a “essência vítrea” do hom<strong>em</strong> — sua<br />
consciência, “sobre a qual ele é muito mais ignorante do que supõe”<br />
— é defini<strong>da</strong> nos seguintes termos: <strong>em</strong> primeiro lugar, a consciência<br />
de um sentimento de vi<strong>da</strong> animal; <strong>em</strong> segundo, sua consciência<br />
como índice de sua identi<strong>da</strong>de consigo mesmo; e <strong>em</strong> terceiro, a<br />
consciência como pensamento, “eu penso” (CP 4.585). Estas são<br />
características <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de humana ao nível de espécie.<br />
Redefinindo o foco <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iótica telescópica de Peirce para questão<br />
central deste artigo, essas três categorias são agora identifica<strong>da</strong>s<br />
116<br />
Revista Opus 12 - 2006
no universo <strong>da</strong> cultura. Assim, muito além de um conceito primário<br />
de nação e estado, é a consistência dos sentimentos, ações e<br />
pensamento que define uma identi<strong>da</strong>de (vide CP 5.315, acima).<br />
Peirce usa aqui consistência no sentido de caráter, o qual, <strong>em</strong> última<br />
instância, é s<strong>em</strong>iótico. Isto é, consistência diz respeito a continui<strong>da</strong>de<br />
de um processo de significação.<br />
Portanto, para o estudo que proponho iniciar aqui, cabe estu<strong>da</strong>r as<br />
formas sígnicas referentes à música erudita brasileira <strong>em</strong> seus<br />
aspectos de sentimento, ação e pensamento. Vou proceder de<br />
maneira sintética <strong>em</strong> relação ao sentimento e à ação, e desenvolver<br />
um pouco mais o pensamento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de na assim chama<strong>da</strong><br />
música erudita brasileira. Entre as questões pertinentes, pode-se<br />
destacar: numa obra musical, o que a identifica como brasileira?<br />
Há gestos musicais brasileiros? Quais são os diferentes projetos<br />
estéticos previstos para representar musicalmente o Brasil? Em que<br />
medi<strong>da</strong> uma obra de música absoluta, composta por um(a)<br />
brasileiro(a), pode ser identifica<strong>da</strong> como representando esta cultura?<br />
Há um modo, ou modos particulares de cognição para as músicas<br />
brasileiras? Nas três partes que segu<strong>em</strong>, eu procurarei responder<br />
a algumas dessas questões, outras serão respondi<strong>da</strong>s parcialmente<br />
ou mesmo delega<strong>da</strong>s para futuros estudos.<br />
Signos de quali<strong>da</strong>des de sentimento musicais.<br />
Se há um sentimento de preferência nacional nas representações<br />
musicais de suas várias etnias, ao longo de 500 anos de história,<br />
este sentimento deve ser a sau<strong>da</strong>de. A sau<strong>da</strong>de dos cantos<br />
indígenas <strong>em</strong> não mais poder exercer livr<strong>em</strong>ente sua cultura e viver<br />
livr<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> sua terra. A sau<strong>da</strong>de dos portugueses de ultramar,<br />
expressas <strong>em</strong> suas guitarras de 12 cor<strong>da</strong>s. O banzo dos africanos<br />
escravizados. Segundo Darcy Ribeito, houve no Brasil uma<br />
transfiguração étnica, pela “desindianização força<strong>da</strong> dos índios e<br />
pela desafricanização do negro, se vê<strong>em</strong> condenados a inventar<br />
uma nova etnici<strong>da</strong>de” (1995: 448-9), e esse processo se estende<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
117
no século XX, transfigurando igualmente europeus, árabes,<br />
japoneses e outros imigrantes. É claro que há uma varie<strong>da</strong>de multiqualitativa<br />
nos interpretantes <strong>em</strong>ocionais <strong>da</strong> música brasileira, a<br />
sau<strong>da</strong>de sendo apenas um de seus matizes. Mas para não me<br />
estender muito, eu poderia citar aqui os 12 Choros, repito choros,<br />
de Heitor Villa-Lobos, o nº 5, para piano, sendo a Alma Brasileira<br />
(1926). Um outro ex<strong>em</strong>plo, o segundo movimento do Concerto nº 1<br />
para Piano e Orquestra (1931), de C. Guarnieri, t<strong>em</strong> o caráter<br />
indicado como “saudosamente”. E para aqueles que pensam que a<br />
sau<strong>da</strong>de se limita aos nacionalistas, basta uma referência ao<br />
Sau<strong>da</strong>des do Parque Balneário Hotel (1980), de Gilberto Mendes,<br />
para sax alto e piano.<br />
Gestos musicais: movimento, ação e significado.<br />
Em seus estudos sobre a música popular, Mário de Andrade fala<br />
<strong>em</strong> dinamogenias. Ele identificou diversas formas musicais onde o<br />
movimento corporal é pro<strong>em</strong>inente. Era claro para o poeta e<br />
musicólogo a atuação dos signos <strong>da</strong> ação corporal <strong>em</strong> função de<br />
signos sonoros ou vice-versa. Nos rituais indígenas a dinamogenia<br />
<strong>da</strong>s formas vocais e instrumentais se manifesta nos corpos dos<br />
cantores e instrumentistas, os quais se mov<strong>em</strong> <strong>em</strong> pequenos passos<br />
metricamente precisos ao longo do espaço de ação no centro <strong>da</strong><br />
aldeia. Este signo parece ser tão persistente através de nossa<br />
transfiguração étnica que não nos <strong>da</strong>mos conta ao observarmos as<br />
mesmas estruturas de movimento no carnaval de rua de Salvador,<br />
Recife e Olin<strong>da</strong>, quando a multidão cerra<strong>da</strong> de foliões não dispõe<br />
de espaço físico além do suficiente para um pequeno passo a ca<strong>da</strong><br />
momento. Os gestos afro-brasileiros igualmente integram nosso<br />
repertório. Falo aqui não apenas <strong>da</strong>s <strong>da</strong>nças e dos rituais <strong>da</strong><br />
umban<strong>da</strong> e do candomblé, mas também <strong>da</strong>s dinamogenias musicais<br />
determina<strong>da</strong>s pela força bruta do trabalho forçado. Mário de Andrade<br />
conseguiu resgatar algumas <strong>da</strong>s ancestrais cantigas dos<br />
carregadores de piano (vide Andrade 2002: 235-268). Este tipo de<br />
canção de trabalho — <strong>completa</strong>mente desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong><br />
118<br />
Revista Opus 12 - 2006
do instrumento símbolo <strong>da</strong> música européia, o piano, carregado<br />
sobre os ombros dos ex-escravos — estabelece uma indiciali<strong>da</strong>de<br />
do esforço físico coletivo coordenado pela melodia mo<strong>da</strong>l e seus<br />
acentos, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que o peso do instrumento determina<br />
reciprocamente as estruturas rítmicas dessa música funcional.<br />
Há claramente uma gestuali<strong>da</strong>de musical brasileira, significa<strong>da</strong><br />
sobretudo nas <strong>da</strong>nças, e quantas <strong>da</strong>nças: Cayumba 1 ; Batuque 2 ;<br />
Samba 3 ; Gaúcho, Corta Jaca 4 ; Farrapos, Kankukus, Kankikis 5 ;<br />
Caxinguelê 6 ; Maxixe, Conga<strong>da</strong> 7 , Negrinha 8 ; Jongo 9 ; Lundu 10 ; Coco 11 ;<br />
Maracatu 12 ; Saramba 13 ; Azikirê 14 . T<strong>em</strong>os aqui as <strong>da</strong>nças brasileiras<br />
populares, transfigura<strong>da</strong>s <strong>em</strong> música de concerto. Seria interessante<br />
investigar o quanto <strong>da</strong> gestuali<strong>da</strong>de original dessas formas foram<br />
transplanta<strong>da</strong>s para a partitura, nas gestuali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> música de<br />
concerto, nos corpos de cantores, instrumentistas e regentes. Mas<br />
a gestuali<strong>da</strong>de brasileira também pode ser localiza<strong>da</strong> <strong>em</strong> outras<br />
formas de corporei<strong>da</strong>de musical vincula<strong>da</strong>s à cultura cont<strong>em</strong>porânea<br />
brasileira, evidentes <strong>em</strong> obras como a já menciona<strong>da</strong> Sau<strong>da</strong>des do<br />
Parque Balneário Hotel, de Gilberto Mendes. Naquele hotel, que já<br />
foi d<strong>em</strong>olido, bigbands e outras formações apresentavam <strong>em</strong> Santos<br />
música para a <strong>da</strong>nça de salão aprecia<strong>da</strong>s nos anos 40 pela<br />
juventude urbana. Além dessa, Gilberto Mendes representa<br />
musicalmente outras formas de corporei<strong>da</strong>de musical vincula<strong>da</strong>s à<br />
cultura cont<strong>em</strong>porânea brasileira, evidente <strong>em</strong> obras como Ulysses<br />
<strong>em</strong> Copacabana Surfing with James Joyce and Dorothy Lamour<br />
(1988), Il Samba del So<strong>da</strong>to (1991) e O Último Tango <strong>em</strong> Vila Parisi<br />
(1987).<br />
Signos do pensamento musical brasileiro.<br />
O pensamento musical brasileiro se manifestou no século XX como<br />
on<strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> fase apontando identi<strong>da</strong>des e alteri<strong>da</strong>des. Tal como<br />
cristas dessas vagas, documentos específicos faz<strong>em</strong> referência a<br />
quatro principais movimentos, representando as bases que os<br />
sustentaram e os refluxos causados. A S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
119
(1922) e o projeto de uma música brasileira fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na cultura<br />
popular, tal como proposta por Mário de Andrade <strong>em</strong> Ensaio Sobre<br />
a Música Brasileira (1928 [vide Andrade, 1962]) e mais tarde <strong>em</strong> O<br />
Banquete (1944-5 [vide Andrade, 1989]). O movimento Música Viva<br />
(1945-52), fun<strong>da</strong>do por Koellreutter e incluindo compositores como<br />
Cláudio Santoro e Guerra Peixe. A carta aberta de Camargo<br />
Guarnieri (1950), defendendo o nacionalismo contra o<br />
dodecafonismo supostamente apregoado pelo Música Viva. E o<br />
movimento Música Nova (1963), assinado por Damiano Cozzella,<br />
os irmãos Duprat, Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, entre<br />
outros. Música Nova propôs a atualização estética, técnica e<br />
tecnológica <strong>da</strong> música de vanguar<strong>da</strong> brasileira. Em todos esses<br />
movimentos, as questões musicais são vincula<strong>da</strong>s a diferentes<br />
posicionamentos político-sociais defendidos pelos participantes. As<br />
gerações mais recentes têm se manifestado individualmente, ca<strong>da</strong><br />
compositor fala por si. Cabe aqui considerar os signos do<br />
pensamento musical brasileiro, uma vez que os detalhes históricos,<br />
<strong>em</strong> seus aspectos estéticos e políticos, têm sido sist<strong>em</strong>aticamente<br />
estu<strong>da</strong>dos por autores como Wisnik (1983), Kater (2000), Flávia<br />
Toni (1990), Silva (2001), Wolff (2004).<br />
Uma <strong>da</strong>s formas mais critica<strong>da</strong>s de utilização <strong>da</strong> música folclórica<br />
<strong>em</strong> obras eruditas é a a<strong>da</strong>ptação de melodias populares à uma<br />
forma clássica. Um tipo simplista de metalinguag<strong>em</strong> musical que<br />
ignora os princípios do antropofagismo. Mas a questão t<strong>em</strong> várias<br />
faces. Num artigo publicado <strong>em</strong> 1930, o compositor Luciano Gallet<br />
justifica o porquê de suas Canções Populares Brasileiras consistir<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> apenas melodias recolhi<strong>da</strong>s e harmoniza<strong>da</strong>s.<br />
120<br />
Perguntaram-me varias vezes, porque fazia canções «armonisa<strong>da</strong>s»<br />
<strong>em</strong> vez de composição sobre esses têmas. Não há duvi<strong>da</strong> que podia<br />
servir-me desses têmas que colhia aqui e ali e trabalhal-os a meu geito,<br />
Mas, pergunto: sairia brasileiro? E to<strong>da</strong> a minha educação musical<br />
anterior, feita de influencia extrangeira, permitiria que um têma, a<strong>da</strong>ptado<br />
ao meu processo anterior não fugiria ao seu feitio próprio? 15 (Gallet in<br />
Kater, 2000: 206)<br />
Revista Opus 12 - 2006
A questão central aqui é a de autentici<strong>da</strong>de. O pensamento do<br />
nacionalismo musical sustentava que o compositor brasileiro deveria<br />
ser capaz de compor seus próprios t<strong>em</strong>as de inspiração popular e<br />
não deveria recorrer ao folclore diretamente. Mas Gallet, neste artigo,<br />
defende um outro ponto de vista. O sist<strong>em</strong>a de referência musical<br />
<strong>em</strong>pregado pelos compositores nacionalistas é fun<strong>da</strong>mentalmente<br />
europeu. Os recursos oferecidos são os do tonalismo, do<br />
t<strong>em</strong>peramento, <strong>da</strong> instrumentação ocidental, etc. Isto é, esse sist<strong>em</strong>a<br />
consiste de legisignos <strong>da</strong> música erudita européia. A a<strong>da</strong>ptação de<br />
um t<strong>em</strong>a folclórico, ou mesmo sua invenção numa obra de concerto,<br />
será constitui<strong>da</strong> s<strong>em</strong>ioticamente de paráfrases, citações ou alegorias<br />
musicais (vide Martinez 1996, 81-83; 2001: 129-134), as quais<br />
necessariamente geram significados pelo conflito com o sist<strong>em</strong>a<br />
musical e o umwelt 16 cultural <strong>da</strong> música clássica européia. Isto<br />
resultará s<strong>em</strong>pre numa transformação metalingüística, cujos<br />
interpretantes jamais poderiam r<strong>em</strong>eter a significados s<strong>em</strong>elhantes<br />
aos <strong>da</strong> música brasileira ver<strong>da</strong>deiramente popular. A preocupação<br />
de Gallet é a de que a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> música erudita européia<br />
aplica<strong>da</strong> <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a sua força contaminaria as formas populares e<br />
uma música assim composta não poderia ser realmente brasileira.<br />
É difícil concor<strong>da</strong>r com Gallet que a deformação do significado <strong>da</strong><br />
identi<strong>da</strong>de brasileira seria menor se as melodias <strong>da</strong>s canções foss<strong>em</strong><br />
meramente harmoniza<strong>da</strong>s. Mas considerando os paradigmas <strong>da</strong><br />
etnomusicologia, Gallet está certo. Se ele tivesse vivido na segun<strong>da</strong><br />
metade do século XX, talvez afirmasse que para tocar uma mo<strong>da</strong><br />
de viola, um ponteio, seria necessário que a música fosse executa<strong>da</strong><br />
numa viola caipira e não num piano ou por uma orquestra sinfônica.<br />
No entanto, a música brasileira <strong>da</strong> primeira metade do século XX<br />
não estava pauta<strong>da</strong> por uma noção de autentici<strong>da</strong>de, mas sim pelo<br />
programa que visava a absorção do popular na linguag<strong>em</strong> tonal<br />
européia. Paradoxalmente, o objetivo era a renovação <strong>da</strong> música<br />
erudita brasileira pela recusa a um modelo eurocêntrico, adotado<br />
pelos compositores brasileiros s<strong>em</strong> qualquer questionamento até o<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
121
século XIX. Essa renovação não se <strong>da</strong>ria pelo abandono do<br />
tonalismo e <strong>da</strong>s formas clássicas, mas pela prática de uma estética<br />
<strong>da</strong> indiciali<strong>da</strong>de, cujos objetos de referência estavam nas formas<br />
populares. Num segundo momento, essa referenciali<strong>da</strong>de deveria<br />
ter sido absorvi<strong>da</strong> numa música nacional s<strong>em</strong> ser nacionalista. Mário<br />
de Andrade aponta Villa-Lobos como um compositor onde o<br />
amalgama resultou <strong>em</strong> uma nova música de concerto brasileira:<br />
122<br />
[Villa-Lobos] Está criando por isso nesta fase de agora uma musica tão<br />
contundente, tão extra-sonora pela sua predominância de ritmo, pelo<br />
valor absolutamente imprescindível de timbres, que <strong>em</strong> certas obras<br />
dele [...] cria um compromisso imediato entre som e plástica. Não é à<br />
toa que ele fala constant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> ‘blocos sonoros’ (Mário de Andrade,<br />
in Kater, 2000: 32)<br />
De acordo com Carlos Kater, <strong>em</strong> certas obras de Villa-Lobos, “o<br />
timbre <strong>em</strong> si passa a adquirir dessa maneira uma exuberância tal<br />
que, <strong>em</strong> várias obras, se eleva ao primeiro plano <strong>da</strong> composição”<br />
(2000: 34). N<strong>em</strong> todos os compositores, no entanto, foram capazes<br />
de realizar essa síntese. Em O Banquete, Mário de Andrade critica<br />
o uso simplista e indiscriminado de referências às <strong>da</strong>nças brasileiras<br />
pelos compositores eruditos: “mas já está se tornando insuportável,<br />
fatigantíssimo, viciado, recendente de decorativo, o ar de <strong>da</strong>nça,<br />
de batuque mesmo, <strong>da</strong> música brasileira mais complexa, corais,<br />
conjuntos de câmara e sobretudo a obra orquestral, po<strong>em</strong>as<br />
sinfônicos, concertos, suítes” (Andrade, 1989: 151). Aqui ele<br />
expressa claramente seu descontentamento <strong>em</strong> relação ao seu<br />
projeto apresentado anteriormente no Ensaio Sobre a Música<br />
Brasileira. Na déca<strong>da</strong> de 40, <strong>em</strong> O Banquete, ele menciona apenas<br />
Villa-Lobos e Guarnieri como os únicos compositores que teriam<br />
realizado com sucesso esse ideal <strong>da</strong> estética de nacionalização <strong>da</strong><br />
música de concerto. Mário de Andrade conclui afirmando que:<br />
falta universali<strong>da</strong>de a esses compositores, que viv<strong>em</strong> de particularismos<br />
regionalistas, e de sentimentalismos evocativos. Dado mesmo que o<br />
melhor jeito <strong>da</strong> gente se tornar universal, seja se tornando nacional [...]<br />
o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> nacionalização duma arte não reside na repisação do<br />
Revista Opus 12 - 2006
folclore. O probl<strong>em</strong>a ver<strong>da</strong>deiro era ‘expressar’ o Brasil. (Andrade, 1989:<br />
155)<br />
Mário de Andrade deixou essas questões <strong>em</strong> aberto. Um novo<br />
conjunto de signos de alteri<strong>da</strong>de se apresentou na déca<strong>da</strong> de 40.<br />
Questionando a concepção cerra<strong>da</strong> do nacionalismo, um grupo de<br />
jovens músicos e compositores, reunidos <strong>em</strong> torno de Hans-Joachim<br />
Koellreutter (1915-2005), fun<strong>da</strong> o Movimento Música Viva. De acordo<br />
com um dos manifestos do grupo, assinado entre outros por Cláudio<br />
Santoro, Guerra Peixe e Koellreutter:<br />
Musica Viva, divulgando, por meio de concertos, irradiações,<br />
conferências e edições a criação musical hodierna de to<strong>da</strong>s as<br />
tendências, <strong>em</strong> especial do continente americano, pretende mostrar<br />
que <strong>em</strong> nossa época também existe música como expressão do t<strong>em</strong>po,<br />
de um novo estado de inteligência. (Manisfesto Música Viva, 1944, in<br />
Kater, 2000: 54)<br />
O Música Viva tinha sobretudo propósitos artísticos e didáticos (vide<br />
Kater: 2000). Seu leque de atuação era bastante amplo <strong>em</strong> relação<br />
às linguagens musicais do século XX. Mas foi o dodecafonismo,<br />
uma <strong>da</strong>s linguagens cont<strong>em</strong>porâneas introduzi<strong>da</strong>s e ensina<strong>da</strong>s por<br />
Koellreutter, que se tornou um signo <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong>de<br />
musical brasileira. Em 1950, é publica<strong>da</strong> uma carta aberta de<br />
Camargo Guarnieri, questionando o dodecafonismo e indiretamente<br />
os preceitos do grupo Música Viva:<br />
profun<strong>da</strong>mente preocupado com a orientação atual <strong>da</strong> musica dos jovens<br />
compositores que, influenciados por idéias errôneas, se filiam ao<br />
Dodecafonismo — corrente formalista que leva a degenerescência do<br />
caráter nacional de nossa musica — tomei a resolução de escrever<br />
esta carta-aberta aos músicos do Brasil.<br />
[...] outros jovens compositores, entretanto, ain<strong>da</strong> dominados pela<br />
corrente dodecafonista (que desgraça<strong>da</strong>mente recebe o apoio e a<br />
simpatia de muitas pessoas desorienta<strong>da</strong>s), estão sufocando o seu<br />
talento, perdendo contato com a reali<strong>da</strong>de e a cultura brasileiras, e<br />
criando uma musica cerebrina e falaciosa, divorcia<strong>da</strong> de nossas<br />
características nacionais. (7/11/1950, Guarnieri in Kater, 2000: 119-20)<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
123
Entretanto, nenhum dos compositores do Música Viva aderiu de<br />
maneira <strong>completa</strong> ao dodecafonismo, sendo essa apenas uma <strong>da</strong>s<br />
linguagens cont<strong>em</strong>porâneas estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo grupo. O conteúdo <strong>da</strong><br />
carta revela tardiamente posições políticas basea<strong>da</strong>s no realismo<br />
socialista e, de acordo com Carlos Kater, “teria por meta essencial<br />
aglutinar os nacionalistas sob a bandeira <strong>da</strong> orientação stalinista”<br />
(2000: 126). A polêmica prosseguiu ressoando por déca<strong>da</strong>s <strong>em</strong> to<strong>da</strong><br />
a comuni<strong>da</strong>de de músicos brasileiros, sendo apenas desvincula<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> obra de Guarnieri após a sua morte. Atualmente, a obra do<br />
compositor nacionalista foi resgata<strong>da</strong> e publicações enfatizam suas<br />
realizações musicais, as quais receb<strong>em</strong> novas e cui<strong>da</strong>dosas<br />
interpretações.<br />
No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60, outros jovens compositores se<br />
<strong>em</strong>penharam <strong>em</strong> renovar a linguag<strong>em</strong> musical brasileira. O grupo<br />
Música Nova, composto por Damiano Cozzella, Rogério e Régis<br />
Duprat, Julio Me<strong>da</strong>glia, Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira,<br />
entre outros, publica <strong>em</strong> março de 1963 um manifesto cuja tônica<br />
é: “música nova: compromisso total com o mundo cont<strong>em</strong>porâneo”<br />
(in Kater, 2000: 351). Nesta quarta on<strong>da</strong> de pensamento musical, o<br />
compromisso de compositores como Gilberto Mendes e Willy Correia<br />
de Oliveira era com linguagens como o serialismo integral, o<br />
aleatorismo e a música eletroacústica. Todos esses sist<strong>em</strong>as<br />
sígnicos <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong>de, caso os pens<strong>em</strong>os segundo o prisma<br />
nacionalista. Mas essas linguagens, de orig<strong>em</strong> européia e norteamericana,<br />
não caberiam também na cultura brasileira, na medi<strong>da</strong><br />
<strong>em</strong> que a nossa é também uma cultura ocidental, urbana, tecnológica<br />
e não exclusivamente forma<strong>da</strong> pela música folclórica rural?<br />
Os conceitos estéticos e políticos do grupo Música Nova foram a<br />
princípio radicais, vinculados a um policiamento estético que<br />
recusava quaisquer composições que pudess<strong>em</strong> r<strong>em</strong>eter aos signos<br />
consagrados pelo nacionalismo. Mas aos poucos a vigilância foi<br />
cedendo, <strong>em</strong> função de questões mais pre<strong>em</strong>entes, como a ditadura<br />
124<br />
Revista Opus 12 - 2006
militar e os probl<strong>em</strong>as sociais do Brasil. Mais tarde, o domínio <strong>da</strong><br />
cultura de massa reduziu as querelas <strong>da</strong> música cont<strong>em</strong>porânea<br />
aos seus próprios círculos, graças à marginali<strong>da</strong>de crescente desse<br />
tipo de música na socie<strong>da</strong>de ocidental <strong>em</strong> geral.<br />
Os mesmos compositores do Música Nova, duas déca<strong>da</strong>s mais<br />
tarde, se viram diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de atuar socialmente,<br />
conforme as linhas de seus manifestos que defendiam a consciência<br />
crítica <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Dessa forma, suas diversas<br />
composições engaja<strong>da</strong>s na crítica ou na militância se submeteram<br />
aos parâmetros técnicos <strong>da</strong> música funcional, utilizando o tonalismo<br />
ou um atonalismo menos radical, para protestar contra o<br />
autoritarismo, o domínio do capital e a desigual<strong>da</strong>de social. Willy<br />
Corrêa de Oliveira aderiu a essa nova posição, deixou de escrever<br />
obras para concerto, e dedicou-se à música para ações políticosociais.<br />
Gilberto Mendes, apesar de não se considerar um<br />
compositor engajado, participou igualmente com obras como Beba<br />
Coca-Cola (1967), uma ferina e humorística crítica ao consumismo,<br />
tão eficiente que resultou na necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r o título para<br />
Motet <strong>em</strong> Ré Menor, diante <strong>da</strong> pressão <strong>da</strong> <strong>em</strong>presa. Entre suas<br />
obras destaca-se Vila Socó Meu Amor (1984), para coro a capela,<br />
sobre o trágico incêndio numa vila operária <strong>em</strong> Cubatão, assim como<br />
O Último Tango <strong>em</strong> Vila Parisi (1987), outra vila de Cubatão, marca<strong>da</strong><br />
pelo abandono e pela miséria. De um outro modo, o princípio de<br />
utili<strong>da</strong>de pregado por Mário de Andrade (1989: 130) reaparece na<br />
segun<strong>da</strong> metade do século XX, na obra dos compositores que foram<br />
<strong>em</strong> certo momento os mais radicais pela renovação <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong><br />
musical <strong>em</strong> moldes <strong>da</strong> refina<strong>da</strong> cultura de vanguar<strong>da</strong> do primeiro<br />
mundo.<br />
Mas não apenas de crítica se alimentou a música brasileira<br />
cont<strong>em</strong>porânea. Igualmente importante foi o diálogo artístico, muitas<br />
vezes paródico, com a cultura do século XX, realiza<strong>da</strong> agora com<br />
os meios metalingüísticos <strong>da</strong> citação e <strong>da</strong> referência alegórica,<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
125
formas sígnicas complexas que dificilmente poderiam ser<br />
classifica<strong>da</strong>s estritamente na dicotomia identi<strong>da</strong>de/alteri<strong>da</strong>de. É<br />
principalmente na obra de Gilberto Mendes que se encontra esse<br />
pensamento musical. Obras como Viva Villa (1987) e Um Estudo?<br />
Eisler e Webern Caminham nos Mares do Sul (1989) para piano,<br />
Peixinho <strong>da</strong>nse le frevo au Brésil (1999), para saxofones, Rimsky<br />
(2000), para quarteto de cor<strong>da</strong>s e piano, apontam claramente para<br />
uma metalinguag<strong>em</strong> musical pós-moderna, construí<strong>da</strong> com signos<br />
inequívocos de uma brasili<strong>da</strong>de que reflete nossa complexi<strong>da</strong>de<br />
multicultural.<br />
Falar sobre as gerações mais novas implica no duplo risco de, por<br />
um lado, faltar com a perspectiva que um distanciamento histórico<br />
favorece; e, por outro, desconsiderar o próprio acontecimento <strong>da</strong><br />
música cont<strong>em</strong>porânea no século XXI, pois os compositores estão<br />
a ca<strong>da</strong> momento exercendo o fazer de suas obras, assim como<br />
transformando suas concepções a ca<strong>da</strong> nova criação. Mas isso<br />
não deve implicar na ausência de um espírito crítico, o qual Mario<br />
de Andrade ou Koellreutter não teriam dispensado aos seus<br />
cont<strong>em</strong>porâneos. Desse modo, creio ser importante ao menos<br />
mencionar parte dos pensamentos musicais de compositores como<br />
Jorge Antunes, Marisa Resende, Rodolfo Coelho de Souza, Denise<br />
Garcia, Sílvio Ferraz, Flo Menezes, Eduardo Guimarães, Edson<br />
Zampronha, Roberto Vitório, Eduardo Reck Miran<strong>da</strong>, Fernando<br />
Iazzetta e muitos outros. Desses, selecionarei apenas dois, antes<br />
<strong>em</strong> função <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>de de material de pesquisa do que com<br />
base <strong>em</strong> quaisquer outros critérios.<br />
Compositor influenciado pelo pensamento musical de Ferneyhough<br />
e pela filosofia de Deleuze, as obras de Silvio Ferraz apontam para<br />
uma trajetória ca<strong>da</strong> vez mais vincula<strong>da</strong> à música absoluta.<br />
Conferência, para sopros, piano, contrabaixo e fita (DAT), e Trópico<br />
<strong>da</strong>s Repetições, para piano solo, representam estágios dessa linha.<br />
Em Conferência, num <strong>da</strong>do momento, a parte eletroacústica enuncia<br />
126<br />
Revista Opus 12 - 2006
claramente, numa voz masculina e <strong>em</strong> francês, a frase “a<br />
comunicação como um ato de resistência.” Trópico <strong>da</strong>s Repetições<br />
se afasta desse caminho e aponta para o “pensamento contido nos<br />
sons”, de acordo com o compositor. Atualmente, buscando um ideal<br />
de música que se fun<strong>da</strong>menta sobre a sonori<strong>da</strong>de pura, sonori<strong>da</strong>de<br />
esta cuja concepção e escuta reflita uma imprevisibili<strong>da</strong>de, Silvio<br />
Ferraz afirma que: “O diferencial não está na matéria, n<strong>em</strong> na forma,<br />
está sim <strong>em</strong> uma ação, uma ação que é um fator livre, um fator<br />
incontrolado, um fator imprevisível, virtual. Pensar assim é o oposto<br />
de pensar no ciclo de tabus <strong>da</strong> arte do século XX, <strong>em</strong> que ca<strong>da</strong><br />
nova música foi, e ain<strong>da</strong> o é para alguns compositores, um tabu a<br />
ser evitado.” (Ferraz, 2005: 69) A questão que se apresenta aqui é<br />
se a música absoluta ou a sonori<strong>da</strong>de pura, desde que composta<br />
por um brasileiro, pode ser considera<strong>da</strong> pelos parâmetros <strong>da</strong><br />
identi<strong>da</strong>de ou alteri<strong>da</strong>de nacionais.<br />
Em princípio, o projeto estético de uma música absoluta propõe<br />
significados musicais cujos objetos não pod<strong>em</strong> ser analisados <strong>em</strong><br />
termos de nacionali<strong>da</strong>de, pois são objetos puramente acústicos.<br />
As representações desse tipo de música são, portanto, defini<strong>da</strong>s<br />
<strong>em</strong> termos de ícones puros ou de diagramas de idéias musicais. Já<br />
a proposta de uma música que estabelece identi<strong>da</strong>des com a cultura<br />
brasileira, toma como objetos de representação el<strong>em</strong>entos dessa<br />
cultura. Trata-se de outro tipo de projeto estético, tão válido como o<br />
primeiro e possível de ser realizado por diferentes procedimentos<br />
de representação musical. Tanto num como noutro caso, as<br />
representações musicais estabelec<strong>em</strong> redes de significados, teias<br />
s<strong>em</strong>ióticas produzi<strong>da</strong>s pela miríade de interpretantes possíveis<br />
(imediatos) e realizados (dinâmicos), <strong>em</strong> referência aos objetos<br />
estabelecidos pelos signos <strong>da</strong> composição (vide Martinez, 2004).<br />
Mas aqui, cabe considerar um aspecto <strong>da</strong> cognição musical que diz<br />
respeito justamente ao entendimento <strong>da</strong> música e como ela é<br />
habitualmente escuta<strong>da</strong>. Não seria a escuta <strong>da</strong> música absoluta,<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
127
ou mesmo a acusmática, uma forma de cognição determina<strong>da</strong> por<br />
um paradigma cultural? Paradigma esse que representa um modo<br />
cognitivo que pode ser caracterizado como produto de determina<strong>da</strong>s<br />
concepções musicais não necessariamente compartilha<strong>da</strong>s por<br />
outras culturas (ou mesmo grupos dentro de uma mesma cultura)?<br />
Para culturas onde a música é consistent<strong>em</strong>ente pratica<strong>da</strong> e<br />
pensa<strong>da</strong> como formas sígnicas cujos objetos de referência não são<br />
exclusivamente acústicos, o significado veiculado na forma de<br />
sentimentos, fatos <strong>da</strong> natureza, gestuali<strong>da</strong>de e movimento corporal,<br />
el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> mitologia, religião, arte, literatura, etc., são aspectos<br />
indeléveis do fazer musical. Como ex<strong>em</strong>plo, pode-se citar os ragas<br />
<strong>da</strong> música clássica <strong>da</strong> Índia, o gamelan indonésio, to<strong>da</strong> a ópera, a<br />
polska escandinávia, a canção de protesto, o tambor de criola, entre<br />
muitas outras linguagens. Do ponto de vista do signo musical,<br />
qualquer música pode ter como interpretante uma forma de escuta<br />
cuja cognição fará referência apenas aos <strong>da</strong>dos acústicos e<br />
estruturais, portanto absolutos. Mas do ponto de vista <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des de ouvintes, músicos, teóricos de diversas culturas,<br />
a música absoluta é um projeto específico. Em culturas tradicionais,<br />
a escuta <strong>da</strong> música s<strong>em</strong>pre envolve planos de significado cujos<br />
referentes estão além do puro aspecto <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de musical.<br />
Exponho essa argumentação aqui na forma de esboço, mas me<br />
parece que as suas hipóteses justificariam investigações sobre a<br />
existência de um modo específico de cognição <strong>da</strong> música brasileira.<br />
O probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> representação e <strong>da</strong> cognição musical me faz retornar<br />
aqui à obra de Silvio Ferraz. Em No encalço do boi (2002), para<br />
clarinete baixo e percussão, o motivo inicial <strong>da</strong> obra deriva de um<br />
fragmento de música popular, toca<strong>da</strong> por músicos caiçaras e<br />
escuta<strong>da</strong> pelo autor. O fragmento, já transfigurado e praticamente<br />
irreconhecível, é apresentado nos primeiros compassos e logo a<br />
seguir ca<strong>da</strong> vez mais submetido a processos composicionais que<br />
transformam o significado indicial do motivo <strong>em</strong> qualisignos e<br />
legisignos, cuja referência é a pura materiali<strong>da</strong>de acústica <strong>da</strong> forma<br />
128<br />
Revista Opus 12 - 2006
inicial. De acordo com o encarte <strong>da</strong> gravação a intenção de Ferraz<br />
não foi escrever uma obra nacionalista. Tal como um relojoeiro, o<br />
compositor “desmonta um mecanismo para chegar a sua alma”. A<br />
argumentação forte visa orientar o ouvinte a perseguir os rastros<br />
sonoros. Um outro probl<strong>em</strong>a s<strong>em</strong>iótico se apresenta aqui. Na<strong>da</strong><br />
impede que a escuta de uma obra como No encalço do boi, ou<br />
qualquer outra de qualquer projeto composicional, possa ser<br />
escuta<strong>da</strong> como música <strong>em</strong> si mesma. Os modos de geração de<br />
interpretantes são <strong>em</strong> grande medi<strong>da</strong> abertos e dependentes <strong>da</strong>s<br />
redes de referências que um ouvinte pode ou quer estabelecer. A<br />
identi<strong>da</strong>de ou alteri<strong>da</strong>de musical <strong>em</strong> relação a uma cultura ou a um<br />
país, depende fun<strong>da</strong>mentalmente dos modos de percepção e<br />
cognição, pois certas representações musicais apenas são<br />
deflagra<strong>da</strong>s <strong>em</strong> relação a uma determina<strong>da</strong> s<strong>em</strong>iosfera.<br />
Gostaria de concluir com uma outra visão sobre este t<strong>em</strong>a, uma<br />
visão igualmente manifesta<strong>da</strong> por um compositor brasileiro <strong>da</strong><br />
geração nasci<strong>da</strong> nos anos 60. Flo Menezes, influenciado pelas idéias<br />
musicais de Boulez, Pousseur, Berio e Xenakis, t<strong>em</strong> como projeto<br />
composicional o maximalismo, a alta complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> música de<br />
vanguar<strong>da</strong> mais recente. Obras de Menezes como Pan:<br />
Laceramento della Parola (Omaggio a Trotskij) (1987-8) e La<br />
(Dé)marche sur le Grains (1993), constitu<strong>em</strong> diálogos com as<br />
metalinguagens de importantes compositores europeus <strong>da</strong><br />
vanguar<strong>da</strong> e com o pensamento cont<strong>em</strong>porâneo. Signos musicais<br />
que, s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, pod<strong>em</strong> ser identificados com a alteri<strong>da</strong>de, se<br />
seguirmos os cânones do nacionalismo. Segundo Flo Menezes,<br />
“Ain<strong>da</strong> há muita gente sofrendo influências maléficas de uma<br />
concepção nacionalista tacanha, antiga, provinciana, procurando<br />
raízes nacionais, quando deveríamos é alavancar a linguag<strong>em</strong><br />
musical para desterrar to<strong>da</strong>s as raízes, não para negá-las, mas para<br />
arr<strong>em</strong>essá-las na direção do cosmo”. ( in Coelho, 2005: D9) Aqui<br />
Flo Menezes aponta as influências nacionalistas, ain<strong>da</strong> fortes <strong>em</strong><br />
alguns autores, como el<strong>em</strong>ento estagnador.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
129
Mas além disso, o que me parece mais interessante e frutífero é a<br />
imag<strong>em</strong> sugeri<strong>da</strong> pela idéia de “desterrar as raízes e arr<strong>em</strong>essálas<br />
ao cosmo.” Esta permite leituras que considero pertinentes ao<br />
estado <strong>da</strong> questão no início do século XXI, e à qual, como<br />
compositor, eu mesmo assumo. O epigrama de Flo Menezes<br />
possibilita a interpretação que eu proponho aqui. A situação <strong>da</strong><br />
música ao redor do planeta — <strong>em</strong> face dos novos meios tecnológicos<br />
e a interativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s redes de hipermídia — é de uma alta<br />
densi<strong>da</strong>de musical e complexi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> suas redes de significação.<br />
Não se admira a importância que a s<strong>em</strong>iótica <strong>da</strong> música v<strong>em</strong><br />
adquirindo nas últimas déca<strong>da</strong>s. Diante de tal varie<strong>da</strong>de de<br />
tradições, vanguar<strong>da</strong>s e códigos musicais, como se poderia<br />
considerar a questão <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des culturais e seus sist<strong>em</strong>as de<br />
signos sonoros (não verbais)? Do ponto de vista <strong>da</strong> análise e do<br />
pensamento crítico, o papel <strong>da</strong>s diversas teorias s<strong>em</strong>ióticas <strong>da</strong><br />
música é evidente. Do ponto de vista <strong>da</strong> livre criação (repito, livre),<br />
esta complexi<strong>da</strong>de de identi<strong>da</strong>des e alteri<strong>da</strong>des indica a<br />
possibili<strong>da</strong>de de se trabalhar com as raízes musicais de forma<br />
inventiva, onde o confronto de culturas não se torne conflito, mas<br />
metáforas brilhantes de uma nova consciência planetária, que é ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po cosmopolita, consciente e respeitosa <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de<br />
local <strong>da</strong>s raízes. Raízes no plural, eu acrescentaria, pois na<strong>da</strong><br />
impede compositores brasileiros de deglutir antropofagicamente e<br />
de transformar <strong>em</strong> obras de invenção signos de outras culturas ao<br />
redor do globo, frutos de outras raízes.<br />
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Notas:<br />
1 Carlos Gomes.<br />
2 Alberto Nepomuceno.<br />
3 Alexandre Levy.<br />
4 Francisca Gonzaga.<br />
5 Villa-Lobos.<br />
6 Luciano Gallet.<br />
7 Francisco Mignone.<br />
8 Frutuoso Viana.<br />
9 Lorenzo Fernandez.<br />
10 Camargo Guarnieri.<br />
11 Francisco Casabona.<br />
12 Hil<strong>da</strong> Pires dos Reis.<br />
13 Guarnieri.<br />
14 Al<strong>da</strong> Oliveira.<br />
15 A ortografia original foi manti<strong>da</strong>.<br />
16 Ambiente s<strong>em</strong>iótico de um organismo, conforme J. v. Uexküll. Vide Nöth, 1990:128.<br />
José Luiz Martinez - É Doctor of Philosophy <strong>em</strong> Musicologia (Universi<strong>da</strong>de de Helsinki, Finlandia),<br />
com a tese S<strong>em</strong>iosis in Hindustani Music. S<strong>em</strong>ioticista <strong>da</strong> música e compositor, suas principais<br />
áreas de pesquisas inclu<strong>em</strong> s<strong>em</strong>iótica musical peirceana, música clássica <strong>da</strong> Índia e música<br />
cont<strong>em</strong>porânea ocidental. Em festivais de música cont<strong>em</strong>porânea t<strong>em</strong> apresentado suas<br />
composições para <strong>da</strong>nça e criado esculturas musicais. Atua como professor no Departamento<br />
de Linguagens do Corpo, Facul<strong>da</strong>de de Comunicação e Filosofia <strong>da</strong> PUC-SP; coordenador <strong>da</strong><br />
Rede Interdisciplinar de S<strong>em</strong>iótica <strong>da</strong> Música e <strong>da</strong> lista de discussão Musikeion - fórum internacional<br />
sobre significação musical. Website http://www.pucsp.br/pos/cos/rism<br />
E-mail: martinez@pucsp.br<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
131
132<br />
CONHECEDORES E AMADORES NA CRÍTICA<br />
SETECENTISTA À MÚSICA DE HAYDN<br />
Mônica Lucas<br />
Resumo: O presente artigo recobra a trajetória de aceitação <strong>da</strong> música de Haydn no século<br />
XVIII, através <strong>da</strong> leitura de artigos setecentistas de jornal e revista. Neles, percebe-se o<br />
enfraquecimento do ideal retórico do decoro, que norteou a produção musical entre os séculos<br />
XV e XVIII, <strong>em</strong> prol de um julgamento artístico mais centrado na percepção sensorial <strong>da</strong> Beleza<br />
(objeto de estudo <strong>da</strong> Estética, então nascente). Essa mu<strong>da</strong>nça se reflete na duali<strong>da</strong>de proposta<br />
pela crítica entre ouvintes conhecedores (dos critérios retóricos) e amadores (que sent<strong>em</strong> a<br />
Beleza). A música de Haydn, ti<strong>da</strong> como prazerosa tanto para conhecedores quanto para amadores,<br />
pode ser compreendi<strong>da</strong> como um equilíbrio único entre paradigmas teóricos distintos no final do<br />
século XVIII.<br />
Palavras-chave: Retórica. Estética. Música Setecentista.<br />
Abstract: This article recovers the process of acceptance of Haydn´s music in the Eighteenth<br />
Century, from the perspective of newspaper and magazine articles published in that time. It is<br />
possible to notice that in these articles the rhetorical notion of decorum, which oriented music<br />
between the Sixteenth and the Eighteenth Centuries tends to be substituted by the idea of Beauty<br />
as a sensorial perception (object of the Aesthetic). This change is reflected in the duality<br />
connoisseurs (the ones who knows the rethoric principles of art) – amateurs (the ones who only<br />
sense Beauty). Haydn´s music, perceived as agreeable to connoisseurs and to amateurs, can be<br />
understood as a unique harmony between different theoretical paradigms in the end of the Eighteenth<br />
Century.<br />
Keywords: Rhetoric. Aesthetic. Seventeenth-Century Music.<br />
Haydn foi um compositor de grande êxito <strong>em</strong> seu t<strong>em</strong>po; o processo<br />
de aceitação de sua música foi vastamente documentado <strong>em</strong> fontes<br />
do século XVIII. Esse material inclui a correspondência pessoal do<br />
compositor, um diário de sua esta<strong>da</strong> na Inglaterra, uma autobiografia,<br />
duas biografias publica<strong>da</strong>s por autores que o conheceram<br />
pessoalmente (August Griesinger e Albert Christoph Dies), relatos<br />
de viajantes que visitaram Viena no século XVIII e inúmeros artigos<br />
de jornais e revistas setecentistas. Dentre esse vasto material, as<br />
críticas de jornal e revista têm relevância particular para a<br />
compreensão do fenômeno de aceitação <strong>da</strong> obra de Haydn no final<br />
do século XVIII. As revistas musicais, então recém surgi<strong>da</strong>s,<br />
representaram o principal meio de divulgação dos ideais românticos<br />
na música al<strong>em</strong>ã. Essas publicações reflet<strong>em</strong> o ideal iluminista de<br />
Revista Opus 12 - 2006
tornar a educação acessível a segmentos ca<strong>da</strong> vez maiores <strong>da</strong><br />
população. Vale l<strong>em</strong>brar que, para Kant, o iluminismo é “a saí<strong>da</strong> do<br />
hom<strong>em</strong> de sua minori<strong>da</strong>de auto-impingi<strong>da</strong>” (KANT, 1921, p. 161). A<br />
primeira revista especializa<strong>da</strong> <strong>em</strong> música, Wöchentliche Nachrichten<br />
an die Musik betreffend [“Notícias Musicais Concernentes à Música”],<br />
começou a ser edita<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1766. Nela, além de comentários sobre<br />
a produção de Haydn, encontram-se outras informações importantes<br />
para o estudo desse compositor: sua autobiografia (revista Das<br />
Gelehrte Österreich [“A Áustria Culta”], 1776) e a biografia publica<strong>da</strong><br />
<strong>em</strong> capítulos por August Griesinger (revista Allg<strong>em</strong>eine Musikalische<br />
Zeitung [“Jornal Musical Geral”], 1809). Na primeira, Haydn busca<br />
se defender de ataques à sua música; a segun<strong>da</strong> é um panegírico.<br />
As diferentes funções desses artigos mostra ter havido uma<br />
mu<strong>da</strong>nça de posição por parte <strong>da</strong> crítica <strong>em</strong> relação à música do<br />
compositor vienense.<br />
No final do século XVIII, Haydn é visto como o principal representante<br />
do estilo que alguns críticos vituperam como sendo cômico ou <strong>da</strong><br />
mo<strong>da</strong>. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, outros autores o elogiam, qualificando<br />
sua produção como original e humorística (LUCAS, 2003, p. 105-<br />
116). Nas críticas setecentistas de jornal e revista, sejam elas<br />
negativas ou positivas, Haydn é considerado um <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>a do estilo<br />
de composição instrumental <strong>em</strong> voga no final do século XVIII. Nesse<br />
sentido, o estudo <strong>da</strong> aceitação de Haydn através <strong>da</strong>s críticas<br />
setecentistas de jornal e revista pode trazer muitas informações<br />
sobre a receptivi<strong>da</strong>de coeva do estilo de composição que<br />
denominamos hoje como “clássico”.<br />
A incompatibili<strong>da</strong>de gera<strong>da</strong> inicialmente pelo sucesso público <strong>da</strong><br />
música de Haydn e as críticas negativas deram lugar a uma<br />
aceitação generaliza<strong>da</strong> de sua produção, que já pode ser<br />
plenamente constata<strong>da</strong> nos artigos de revista e jornal <strong>da</strong> última<br />
déca<strong>da</strong> do século XVIII. Esses escritos abor<strong>da</strong>m freqüent<strong>em</strong>ente a<br />
relação de Haydn com seus ouvintes, apontando para a dicotomia<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
133
entre público conhecedor (Kenner) e amador (Liebhaber). Essa<br />
divisão se fun<strong>da</strong>menta na tópica retórica do decoro, intimamente<br />
relaciona<strong>da</strong> à idéia de música no século XVIII.<br />
O decoro prega s<strong>em</strong>pre a conveniência natural <strong>da</strong> obra de arte,<br />
que se manifesta na adequação entre matéria (res), forma (verbum)<br />
e ocasião/público (occasio). Inversamente, a falta de decoro é vista<br />
como inépcia – seja por afetação ou por ignorância. O dicionário<br />
musical anônimo, publicado <strong>em</strong> capítulos na revista Wöchentliche<br />
Nachrichten an die Musik betreffend [“Notícias S<strong>em</strong>anais<br />
Concernentes à Música”], <strong>em</strong> 1768 e 1769 afirma que:<br />
134<br />
O decoroso [Schicklich, convenable], <strong>em</strong> música, é tudo aquilo que,<br />
determinado pela concordância <strong>da</strong>s partes num todo, não recai no nãonatural<br />
[afetado] ou no ridículo. O compositor deve escolher to<strong>da</strong>s as<br />
partes de uma peça musical com sabedoria e gosto; sejam elas toma<strong>da</strong>s<br />
por si próprias ou <strong>em</strong> conexão, umas com as outras ( “J. S.”, 1769,<br />
343-344). 1<br />
Críticos conservadores, baseando-se no critério retórico do decoro,<br />
são refratários ao novo estilo instrumental praticado por autores<br />
como Haydn. Para eles, esse tipo de escrita apresenta dois<br />
probl<strong>em</strong>as fun<strong>da</strong>mentais: incompatibili<strong>da</strong>de entre matéria alta e<br />
tratamento baixo ou vice-versa e falta de conveniência entre a<br />
representação e o público/ocasião. Por isso, submet<strong>em</strong> as<br />
composições do novo estilo à categoria do cômico, o estilo misto e<br />
baixo por excelência. Para esses críticos, a designação cômica para<br />
obras de Haydn serve para vituperá-las. No entanto, a despeito<br />
dessas opiniões, pode-se constatar o sucesso <strong>da</strong> música de Haydn<br />
junto ao público pelo termo com que os críticos também usam para<br />
desqualificar sua produção e para apontar a boçali<strong>da</strong>de de seus<br />
defensores: música <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>.<br />
A ampla aceitação do gosto <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, para críticos conservadores,<br />
é conseqüência do crescimento de certo tipo de público com<br />
julgamento grosseiro e inepto. A resenha sobre a Storia della Musica,<br />
Revista Opus 12 - 2006
do Padre Martino [Martini], publica<strong>da</strong> no Musikalische Magazin<br />
[“Revista Musical”], <strong>em</strong> 1783, criticando os italianos pelo (mau) gosto<br />
<strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, diz o seguinte:<br />
Os italianos têm orgulho desta obra, e têm tanto mais razão para isso,<br />
pois praticamente a ca<strong>da</strong> dia fica mais evidente que este talvez seja o<br />
único hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a Itália cujo gosto musical ain<strong>da</strong> não foi<br />
contaminado pela nova música <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, e cujos julgamentos são tidos<br />
como seguros, corretos e confiáveis, como é de se esperar <strong>em</strong> um<br />
escritor <strong>da</strong> história de uma arte (CRAMER, 1783, p. 161). 2<br />
Johann Christoph Koch, no artigo Über den Modegeschmack in der<br />
Musik [“Sobre o Gosto <strong>da</strong> Mo<strong>da</strong> na Música”], publicado no Journal<br />
der Tonkunst [“Jornal <strong>da</strong> Música”], <strong>em</strong> 1795, também vincula o<br />
sucesso do gosto <strong>da</strong> mo<strong>da</strong> à diminuição do número de “homens,<br />
que com seu gênio primoroso, tinham não só ver<strong>da</strong>deiro gosto,<br />
mas também, simultaneamente, instrução de espírito”. 3<br />
Nas críticas acima, assim como <strong>em</strong> outras que l<strong>em</strong>os a respeito de<br />
Haydn, o gosto <strong>da</strong> mo<strong>da</strong> opõe-se ao gosto <strong>da</strong>queles que a crítica<br />
qualifica como “homens inteligentes”, “ouvintes de sensibili<strong>da</strong>de<br />
esclareci<strong>da</strong>”, “conhecedores <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira música”, “amantes do<br />
gosto natural e razoável”, “que têm julgamentos seguros, corretos<br />
e confiáveis”, revelando-se, portanto, como o gosto próprio de<br />
homens rudes e ignorantes.<br />
Em seu artigo, Koch dá à mo<strong>da</strong> uma dimensão social, antes de<br />
aplicar o conceito à música. Ele a define como um processo cego<br />
de imitação, s<strong>em</strong> o uso do juízo, próprio de homens rudes<br />
procurando simular distinção. A mo<strong>da</strong> implica uma mu<strong>da</strong>nça<br />
constante, pois este tipo de equiparação é inaceitável para homens<br />
distintos, e a mu<strong>da</strong>nça consiste <strong>em</strong> uma maneira de tentar evitá-la.<br />
Houve, desde s<strong>em</strong>pre, pessoas que gostariam de ser distintas, s<strong>em</strong><br />
possuir, no entanto, méritos para tal. Elas talvez imaginass<strong>em</strong> lograr<br />
seus objetivos mais seguramente imitando pessoas ilustres e<br />
especialmente ricas, para, com isto, <strong>da</strong>r a impressão de que elas foss<strong>em</strong><br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
135
136<br />
tão abasta<strong>da</strong>s quanto aquelas, e ganhar o respeito dos outros; pois ser<br />
rico é, desde s<strong>em</strong>pre, tido como o maior mérito. – S<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, a vai<strong>da</strong>de<br />
de algumas pessoas ilustres ou ricas se viu ofendi<strong>da</strong>, quando elas viram<br />
que pessoas menos ricas e ilustres <strong>em</strong> tudo as queriam imitar; e isto<br />
provavelmente proporcionou a ocasião para a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s formas<br />
nos artigos de luxo. Assim, a forma modifica<strong>da</strong> <strong>da</strong>va uma primeira<br />
impressão de valor, pois substituir [os artigos] era dispendioso. A vai<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>queles que podiam fazer tais substituições s<strong>em</strong> prejuízo a suas<br />
condições domésticas, era necessariamente alimenta<strong>da</strong>, quando estes<br />
viam como outros se esforçavam para imitá-los, <strong>em</strong>bora apenas o<br />
lograss<strong>em</strong> parcialmente ou de maneira pobre (KOCH, 1795, p. 78-79). 4<br />
Nicolai, um viajante que descreve sua passag<strong>em</strong> pela Al<strong>em</strong>anha e<br />
Suíça <strong>em</strong> 1781, atribui o uso do cômico, na música <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>,<br />
exclusivamente à rudeza do público vienense, e não à de Haydn,<br />
autor que admira. Ele considera estes procedimentos como sendo<br />
resultantes <strong>da</strong> intenção de adequar-se a seu público:<br />
A música dos vienenses se conformava inteiramente ao caráter sensual<br />
<strong>da</strong> nação. Cassationes, pequenas canções, minuetos e <strong>da</strong>nças baixas<br />
eram considera<strong>da</strong>s [boas] e aceitas como obras de arte musicais; idéias<br />
sérias e eleva<strong>da</strong>s causavam enfado.(...) Joseph Haydn principiou, como<br />
suas obras mostram, no gosto <strong>da</strong> música popular [com a qual era]<br />
familiar. Ele soube apropriar-se <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des boas destas fontes,<br />
mas rapi<strong>da</strong>mente suplantou-as. Às vezes ele revertia inespera<strong>da</strong>mente<br />
para o estilo baixo, antigamente muito amado, provavelmente para<br />
agra<strong>da</strong>r seu público – uma indulgência desnecessária para tão grande<br />
artista. Ele transformou <strong>em</strong> grande parte o gosto de sua nação, e deveria<br />
lutar para continuar a fazê-lo ain<strong>da</strong> mais. (NICOLAI, 1782, 174). 5<br />
Outras críticas conservadoras, como a do editor do Critischer<br />
Entwurf einer auserlesenen Bibliothek, für den Liebhaber der<br />
Philosophie und der schönen Wissenschaften. [“Esboço Crítico para<br />
uma Excelente Biblioteca para os Amantes <strong>da</strong> Filosofia e <strong>da</strong>s Belas<br />
Artes”] também vinculam o sucesso de Haydn diretamente à rudeza<br />
de seu público:<br />
Agora as peças de Heiden [sic], Toeschin, Cannabich, Filz, Pugnani,<br />
Campioni, chegam a ser excessivas. É preciso ser apenas um meioconhecedor,<br />
para perceber a mistura vazia entre o cômico e o sério, o<br />
jocoso e o <strong>em</strong>ocionante, que predomina <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s elas.<br />
(STOCKHAUSEN, 1758, p. 270). 6<br />
Revista Opus 12 - 2006
Christian Stockhausen, autor <strong>da</strong> crítica acima, ao associar a<br />
receptivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> música de Haydn à atitude dos ignorantes que<br />
não perceb<strong>em</strong> o mau efeito destas obras, menciona uma nova<br />
categoria de apreciadores: os meio-conhecedores, ou amadores,<br />
que se colocam entre os rudes e os conhecedores.<br />
As categorias de público conhecedor e amador se estabelec<strong>em</strong><br />
definitivamente no final do século XVIII. Elas são defini<strong>da</strong>s <strong>em</strong> obras<br />
como os dicionários musicais de Johann Christoph Koch (1801) e a<br />
enciclopédia sobre as artes de Johann Georg Sulzer (1771-74), e<br />
também no dicionário publicado na revista Wöchentliche Nachrichten<br />
an die Musik betreffend [“Notícias S<strong>em</strong>anais concernentes à Música”]<br />
edita<strong>da</strong> por Johann A<strong>da</strong>m Hiller, que estabelece a oposição entre<br />
estas duas categorias de juízes. Nesse dicionário, o conhecedor é<br />
aquele que entende as regras e a técnica <strong>da</strong> arte, enquanto o meioconhecedor,<br />
ou amador, só conhece um destes termos:<br />
Conhecedores <strong>da</strong> música são denominados principalmente 1) aqueles<br />
que não apenas compreend<strong>em</strong> a música de maneira pormenoriza<strong>da</strong>,<br />
mas também sab<strong>em</strong> executá-la. Há, ain<strong>da</strong>, conhecedores no sentido<br />
restrito [meio-conhecedores], que 2) apenas possu<strong>em</strong> a ciência <strong>da</strong><br />
música, s<strong>em</strong> saber executá-la, ou que 3) têm fluência na execução <strong>da</strong><br />
mesma, mas não conhec<strong>em</strong> as regras ou os princípios desta ciência.<br />
Os dois últimos subordinam-se ao primeiro. O terceiro tipo de<br />
conhecedores é preferível ao segundo na execução, e na apreciação,<br />
o segundo é preferível ao terceiro tipo (“J.S.”, 1769, p. 327). 7<br />
No século XVIII, o critério racional do decoro como facultador de<br />
formosura, através <strong>da</strong> harmonia entre matéria (res), forma (verbum)<br />
e ocasião/público (occasio), é suplantado pelo ideal estético <strong>da</strong><br />
Beleza, que considera a percepção sensível – pelos olhos ou pela<br />
audição –como o principal fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> fruição <strong>da</strong> obra de arte.<br />
Na definição de Edmund Burke, a Beleza é “uma quali<strong>da</strong>de dos<br />
corpos que age necessariamente sobre o espírito humano, através<br />
dos sentidos” (BURKE, 1995, III,4). Procurando harmonizar essa<br />
visão estética <strong>da</strong> Beleza com os ideais do decoro, alguns autores,<br />
como Sulzer, se val<strong>em</strong> de idéias propostas inicialmente no El<strong>em</strong>ents<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
137
of Criticism (1761) de Lord Kames, traduzido para o al<strong>em</strong>ão e<br />
publicado <strong>em</strong> 1763 como Grundsatz der Kritik. Esses autores<br />
consideram duas espécies de Beleza, relaciona<strong>da</strong>s entre si. A visão<br />
tradicional, que se refere à idéia de decoro, passa a ser conheci<strong>da</strong><br />
como Beleza útil. A segun<strong>da</strong>, defini<strong>da</strong> como beleza intrínseca,<br />
fun<strong>da</strong>menta-se na simples percepção sensorial do Belo, na<br />
sensação de prazer ou repulsa gera<strong>da</strong> pela visão ou pela audição.<br />
Segundo Sulzer, <strong>em</strong> sua enciclopédia, este tipo de percepção é<br />
próprio do amador:<br />
138<br />
o amador julga a obra de acordo com as impressões impensa<strong>da</strong>s que<br />
ela provoca nele; ele se abandona primeiramente àquilo que ele sente,<br />
e <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> louva o que lhe agradou e vitupera o que lhe desagradou,<br />
s<strong>em</strong> apresentar outras razões disto (SULZER, 2002, p. 572). 8<br />
Koch, <strong>em</strong> seu dicionário, t<strong>em</strong> opinião s<strong>em</strong>elhante à de Sulzer,<br />
definindo amador como aquele que sente e é movido pelo Belo na<br />
arte, s<strong>em</strong> conhecer os princípios técnicos <strong>da</strong> Beleza (KOCH, 2001,<br />
p. 828). 9<br />
Em sua discussão sobre o gosto <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, Koch afirma que os<br />
amadores têm capaci<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> de julgamento, pois têm a<br />
percepção distorci<strong>da</strong> por um conhecimento incompleto. Por isso,<br />
Koch os define como conhecedores falsos, que não compreend<strong>em</strong><br />
o objetivo ver<strong>da</strong>deiro <strong>da</strong> música - a representação <strong>da</strong>s paixões - e,<br />
por isto, julgam segundo critérios viciosos e superficiais, como a<br />
destreza técnica do executante:<br />
Muitos [compositores] tentaram alegrar o público através de ronronar e<br />
de idéias engraça<strong>da</strong>s, pois assim eles esperavam alcançar a<br />
benevolência de maior massa do que através <strong>da</strong> expressão <strong>da</strong>s paixões.<br />
Para a maior parte do público, a qu<strong>em</strong> faltava bom-gosto, tudo isto era<br />
muito b<strong>em</strong>-vindo, pois agora ca<strong>da</strong> m<strong>em</strong>bro deste podia vangloriar-se,<br />
declarando-se também conhecedor e juiz <strong>da</strong> Arte e do Artista, pois<br />
parecia levar-se <strong>em</strong> conta apenas um grau de habili<strong>da</strong>de mecânica<br />
fácil de julgar (KOCH, 1795, p. 88). 10<br />
Para Sulzer, tanto o conhecedor quanto o amador compartilham <strong>da</strong><br />
Revista Opus 12 - 2006
capaci<strong>da</strong>de de perceber o que Kames define como o Belo intrínseco,<br />
mas o conhecedor vai além do amador, e percebe também o<br />
segundo tipo prescrito por Kames, o Belo compreendido pela razão,<br />
qualificado por Kames como útil.<br />
É-se um amador quando se t<strong>em</strong> um sentimento vivo para os objetos<br />
que a arte elabora; um conhecedor, quando, a este sentimento, se<br />
associa um gosto purificado por longa experiência e a compreensão <strong>da</strong><br />
natureza e <strong>da</strong> essência <strong>da</strong> arte (SULZER, 2002, p. 572). 11<br />
Para Sulzer, só o conhecedor julga as artes com critérios racionais,<br />
e pode perceber a adequação <strong>da</strong> matéria a seu gênero e propósito,<br />
fun<strong>da</strong>mentando-se nos critérios do decoro. Com isto, ele chega a<br />
uma conclusão s<strong>em</strong>elhante à de Koch: só o conhecedor pode fazer<br />
um julgamento completo <strong>da</strong> obra de arte, reconhecendo sua<br />
finali<strong>da</strong>de edificadora.<br />
O ver<strong>da</strong>deiro conhecimento se baseia na compreensão correta <strong>da</strong><br />
essência e <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s artes. A partir dela, o conhecedor aprecia<br />
o valor <strong>da</strong> invenção <strong>da</strong> obra de arte, determina <strong>em</strong> que grau ela é<br />
admirável e útil, e se ela é adequa<strong>da</strong> ao t<strong>em</strong>po e ao lugar. Ele não vê<br />
nenhuma obra como objeto de amadorismo, mas como uma obra<br />
destina<strong>da</strong> a um certo fim, e julga até que ponto ela pode ou deve alcançar<br />
seu fim. (...) Por isso, ele deve ser um conhecedor dos homens e dos<br />
hábitos.” (SULZER, 2002, p. 573). 12<br />
Arnold Schering, <strong>em</strong> seu artigo Künstler, Kenner und Liebhaber der<br />
Musik um Zeitalter Haydns und Goethes [“Artistas, Conhecedores<br />
e Amadores <strong>da</strong> Música na Época de Haydn e Goethe”], afirma que<br />
a ênfase iluminista na educação no final do século XVIII propiciou<br />
que, de um lado, na apreciação musical, o amador fosse incentivado<br />
a utilizar a razão, e não apenas suas <strong>em</strong>oções. Inversamente, o<br />
conhecedor insensível também passou a ser considerado inepto<br />
para julgar a música. Segundo Schering, o sucesso de Haydn <strong>em</strong><br />
sua própria época deveu-se, <strong>em</strong> grande parte, à capaci<strong>da</strong>de de<br />
agra<strong>da</strong>r tanto aos amadores, homens sensíveis [Gefühlsmenschen],<br />
quanto aos conhecedores, juízes <strong>da</strong> arte [Kunstrichter], como atesta<br />
a crítica de sua própria época (SCHERING, 1931, p. 18).<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
139
O Galerie der berühmtesten Tonkünstler des 18. und 19.<br />
Jahrhunderts [“Galeria dos mais Famosos Músicos do Século XVIII<br />
e XIX”], <strong>em</strong> 1810, parafraseando a biografia de Haydn, publica<strong>da</strong><br />
<strong>em</strong> 1790 por Ernst Ludwig Gerber, sintetiza esta quali<strong>da</strong>de de nosso<br />
compositor:<br />
140<br />
[Haydn s<strong>em</strong>pre soube] como oferecer o astutamente inaudito sob a<br />
pintura do já conhecido [e por isso] tanto a beleza juvenil quanto o<br />
contrapontista cujos cabelos <strong>em</strong>branqueceram sobre as partituras<br />
ouv<strong>em</strong> suas obras com prazer (GERBER, 1810, p. 610). 13<br />
Esta é uma quali<strong>da</strong>de comumente aponta<strong>da</strong> nas referências à obra<br />
de Haydn, a partir do final do século XVIII. Em 1784, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
o Pressburger Zeitung [“Jornal de Pressburg”], comentando um<br />
concerto público, diz que:<br />
to<strong>da</strong>s as peças foram excelentes. As sinfonias do imortal Hayden [sic]<br />
destacaram-se tão maravilhosamente, que só um ouvido sensível pode<br />
julgar e a pena pode apenas fazer uma descrição páli<strong>da</strong>. – Eleva<strong>da</strong> na<br />
expressão, inesgotável <strong>em</strong> invenção, nova <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> pensamento,<br />
inespera<strong>da</strong>mente surpreendente <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> movimento, esta harmonia<br />
suave derreteu os sentimentos de conhecedores e amadores (PANDI,<br />
1971, 184). 14<br />
No final do século, o ideal <strong>da</strong> Beleza, <strong>em</strong>bora ain<strong>da</strong> vinculado ao<br />
decoro e à razão, passa a priorizar a apreensão sensível e intuitiva<br />
dos olhos e dos ouvidos. Na passag<strong>em</strong> para o ideal romântico <strong>da</strong><br />
Beleza estética e irracional, a obra de Haydn, resumindo a visão<br />
setecentista sobre a música instrumental, é vista como uma síntese<br />
entre razão e sensibili<strong>da</strong>de, retórica e estética. Este é um equilíbrio<br />
único e próprio <strong>da</strong>s composições instrumentais do final do século<br />
XVIII, que Haydn representa <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>aticamente.<br />
Referências bibliográficas:<br />
BEYTRAG zu ein<strong>em</strong> musikalischen Wörterbuche. In: Wöchentliche Nachrichten<br />
an die Musik Betreffend. Leipzig: im Verlag der Zeitungs-Expedition, n.32, p. 245-249, 8. fev.<br />
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mar.1768; n. 39, p. 301-304, 27 mar. 1769; n. 40, p. 307-313, 3 abr. 1769, n. 41, p. 315-322, 10<br />
abr. 1769; n. 42, p. 323-330, 17 abr. 1769; n. 44, p. 339-345, 1 mai. 1769; n. 45, p. 347-354, 8 mai.<br />
1769; n. 46, p. 355-370, 15 mai. 1769.<br />
BURKE, Edmund. Uma investigação Filosófica sobre a Orig<strong>em</strong> de nossas Idéias sobre<br />
Revista Opus 12 - 2006
o Sublime e o Belo (A Philosophical Enquiry into the Origin of our Ideas of the<br />
Sublime and the Beautiful, London, 1757; 1759). Campinas: Papirus, 1993, 181 p.<br />
CRAMER, Carl Friedrich (ed.). Recenzionen, Anzeigen, Ankündigungen. In: Magazin der<br />
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Berlin: Henschel, 1976, 213 p.<br />
GERBER, Ernst Ludwig. Historisch-biographisches Lexicon der Tonkünstler. Leipzig:<br />
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GRIESINGER, Georg August.Biographische Notizen über Joseph Haydn. In: Allg<strong>em</strong>eine<br />
Musikalische Zeitung. Leipzig: Breitkopf & Härtel, n. 41, p. 641-649, 1 jul. 1809;<br />
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737-748, 23 ago. 1809; n. 48, p. 776-781, 1 set. 1809.<br />
HAYDN. Autobiographie. In: Das gelehrte Österreich. Wien, v. 1, n. 3, p. 309, 1776<br />
HOMES, Henry (Lord Kames). El<strong>em</strong>ents of Criticism (Edinburgh, 1761). Honolulu:<br />
University Press of the Pacific, 2002 (fac-simile <strong>da</strong> edição de 1840), 350 p.<br />
KANT, Immanuel. Beantwortung der frage: Was ist Aufklärung?. In: DRIESCHNER,<br />
Rudolf (org.). Immanuel Kants Vermischte Kleine Schriften. Leipzig: Insel,<br />
1969, p. 1-17, 197 p.<br />
KOCH, Johann Christoph. Musikalisches Lexikon (Frankfurt, 1802). Kassel: Bärenreiter,<br />
2001, 1802 p (fac-simile).<br />
__________. Über den Modegeschmack in der Tonkunst. In: Journal der Tonkunst.<br />
Erfurt: Georg A<strong>da</strong>m Keyser, 1795, v.1, p. 63-121, 1795.<br />
LUCAS, Mônica. O Lugar-Comum do Humor <strong>em</strong> Haydn. In: Música Hodie, v.6, n.2, p.<br />
106-115, 2006<br />
NICOLAI, Friedrich. Beschreibung einer Reise durch Deutschland und die Schweiz, im<br />
Jahre 1781. Nebst B<strong>em</strong>erkungen über Gelehrsamkeit, Industrie, Religion und<br />
Sitten. Berlin und Stettin: [s.n],1783, 587 p.<br />
PANDI, Marianne & Franz Schmidt. Musik zor Zeit Haydns dund Beethovens in der<br />
Pressburger Zeitung. In: Haydn-Yearbook. London, v. 8, p. 165-293, 1971<br />
SCHERING, Arnold. Künstler, Kenner und Liebhaber der Musik im Zeitalter Haydns und<br />
Goethes. In: Jahrbuch der Musikbibliothek Peters n. 38, p.9-23, 1931<br />
STOCKHAUSEN, Johann Christian. Critischer Entwurf einer auserlesenen Bibliothek,<br />
für den Liebhaber der Philosophie und der schönen Wissenschaften. Berlin:<br />
Haude u. Spener, 1758, 390 p.<br />
SULZER, Johann Georg. Allg<strong>em</strong>eine Theorie der Schönen Künste in einzeln, nach<br />
alphabetiswceher Ordnung der Kunstwörter auf einander folgenden Artikeln<br />
abgehandelt. (Leipzig, 1771-74). Berlin: Digitale Bibliothek.de, 2002. 1 CD-ROM<br />
Notas:<br />
1 Shicklich (convenable) heisst in der Musik alles <strong>da</strong>sjenige, was die Zusammenstimmung der<br />
Theile zu ein<strong>em</strong> Ganzen so bestimmt, <strong>da</strong>ss es nicht ins Unnatürliche oder ins Lächerliche<br />
verfällt.Alle Parthien einer Tonstück muss der Componist mit Klugheit und Geschmack wählen;<br />
sie mögen nun beziehungsweise oder absonderlich genommen worden.<br />
2 Die Italiäner sind stolz auf dieses Werk, und haben um so vielmehr Ursache <strong>da</strong>zu, <strong>da</strong> es beynahe<br />
von Tage zu Tage einleuchtender wird, <strong>da</strong>ss der Verfasser desselben vielleicht in ganz Italien der<br />
einzige Mann ist, dessen musikalischer Geschmack von der neuen Mod<strong>em</strong>usik noch nicht<br />
angegriffen, dessen Urtheile also mit Recht für so sicher, richtig und zuverlässig zu halten sind,<br />
als man sie bey d<strong>em</strong> Geschichtschreiber einer Kunst fordern kann.<br />
3 Männer, die mit ihr<strong>em</strong> vorzüglichen Genie nicht allein ächten Geschmack, sondern auch zugleich<br />
Bildung des Geistes verbanden, wendeten die Fuge bey keiner andern Gelegenheit an, als <strong>da</strong>, wo<br />
es die Würde des Gegenstandes, den sie bearbeiteten, erlaubte.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
141
4 Es hat von jeher Personen gegeben, die gerne durch etwas ausgezeichnet seyn wollen, die aber<br />
keine auszeichnende Verdienste besassen; vielleicht glaubten sie ihren Entzweck am sichersten<br />
zu erreichen, wenn sie es angesehenen und besonders reichen Personen in all<strong>em</strong> Aeusserlichen<br />
gleich thäten, um sich <strong>da</strong>durch <strong>da</strong>s ansehen zu geben, als wären sie eben so wohlhabend als<br />
jene, und <strong>da</strong>durch die Aufmerksamkeit anderer auf sich zu lenken; denn wohlhabend seyn wurde<br />
auch ehed<strong>em</strong> schon für <strong>da</strong>s grösste Verdienst gehalten. – Ohne Zweifel fand sich die Eitelkeit<br />
mancher angesehenen oder reichen Personen beleidigt, wenn sie sahen, <strong>da</strong>ss es ihnen minder<br />
reiche und angesehene in Allen Stücken gleich thun wollten; und dieses gab wahrscheinlich<br />
Gelegenheit zur Abänderung der Formen bey Gegenständen des Luxus. Schon hierdurch bekam<br />
die abgeänderte Form den ersten Schein eines Werthes, weil Aufwand <strong>da</strong>rzu erfordert wurde, sie<br />
von neu<strong>em</strong> nachzumachen. Nothwendig musste es die Eitelkeit derjenigen schmeicheln, die solche<br />
Veränderungen ohne Nachteil ihrer hauschlichen Umstände machen konnten, wenn sie sahen,<br />
wie sich andere anstrengten, um es ihnen gleich zu thun, und es doch vielleicht nur zum Theil,<br />
oder nur ärmlich thun konnten.<br />
5 The music of the viennese conformed entirely to the sensual character of the nation. Cassations,<br />
little songs, minuets, and Styrian <strong>da</strong>nces passed with high and low for works of musical art;<br />
serious and lofty ideas aroused boredom. (…) Joseph Haydn started out, as his works show, in<br />
the taste of the familiar folk music. He knew how to make the goodness of these sources his own,<br />
but he soon went far beyond these. At times he reverted unexpectedly to the low style, probably to<br />
please his public – an indulgence that such a great artist had no need of. He has in great part<br />
transformed the taste of his nation, and he ought to strive to lead it even further.<br />
10. Jetzt nehmen die Sachen von Heiden, Toeschin, Cannabich, Filz, Pugnani, Campioni sehr<br />
überhand. Man <strong>da</strong>rf aber nur ein halber Kenner seyn, <strong>da</strong>s Leere, die seltsame Mischung vom<br />
comischen und ernsthaften, tändelnden und rührenden, zu merken, welche allenthalben herrscht.<br />
6 Kenner der Musik werden hauptsächlich 1) diejenigen genennt, welche die Tonkunst nicht<br />
allein gründlich verstehen, sonder auch auszuüben wissen. Es giebt aber auch Kenner im<br />
eingeschränkten Verstand, welche entweder 2) nur eine Wissenschaft von der Tonkunst besitzen,<br />
ohne sie auszuüben, oder sich 3) auf die Ausübung derselben beflissen, ohne die Regeln dieser<br />
Wissenschaft oder ihre Grundsätze zu verstehen. Beyde letztern sind den ersten untergeordnet.<br />
Die 3te Art von Kennern ist nur bey der Ausübung der zwoten, so wie bey der Beurtheylung die<br />
zwote der dritten Art vorzuziehen.<br />
7 Der Liebhaber beurtheilt <strong>da</strong>s Werk blos nach den unüberlegten Eindrüken, die es auf ihn macht;<br />
er überläßt sich zuerst d<strong>em</strong>, was er <strong>da</strong>bey <strong>em</strong>pfindet, und denn lobt er <strong>da</strong>s, was ihm gefallen, und<br />
tadelt, was ihm mißfallen hat, ohne weitere Gründe <strong>da</strong>von anzuführen.<br />
8 Kenner, nennet man diejenigen Personen, die <strong>da</strong>s Schöne oder Schlechte, in den Porducten der<br />
Kunst nicht allein richtig <strong>em</strong>pfinden, sondern auch die besondern Ursachen angeben können,<br />
warum dieses oder jenes in denselben schön oder schlecht sey. Man setzt die Kenner oft den<br />
Liebhabern der Kunst entgegen, weil die letztern zwar die Wirkung des Schönen oder Schlechten<br />
<strong>em</strong>pfinden, aber keine Kenntnisse von den Ursachen desselben haben.<br />
9 Viele liessen es <strong>da</strong>bey noch nicht belustigen, weil sie auf dies<strong>em</strong> Wege des Beyfals des grössern<br />
Menge gewisser waren, als durch den Ausdruck der Empfindungen. D<strong>em</strong> grössern Haufen des<br />
Publikums, d<strong>em</strong> es an guten Geschmack fehlte, war alles dieses sehr willkommen, denn nun<br />
konnte sich ein jedes einzelne Glied desselben schmeicheln, auch Kenner und Beurtheiler der<br />
Kunst und Künstlers zu seyn, weil es <strong>da</strong>bey blos auf die, ein<strong>em</strong> jeden leicht zu beurtheilenden<br />
Grade mechanischer Fertigkeit anzukommen schien.<br />
10 Man ist ein Liebhaber, wenn man ein lebhaftes Gefühl für die Gegenstände hat, die die Kunst<br />
bearbeitet; ein Kenner, wenn zu dies<strong>em</strong> Gefühl ein durch lange Uebung und Erfahrung gereinigter<br />
Geschmak, und Einsicht in die Natur und <strong>da</strong>s Wesen der Kunst hinzukommt.<br />
11 Die wahre Kenntnis gründet sich auf richtige Begriffe von d<strong>em</strong> Wesen und der Absicht der<br />
Künste überhaupt; aus diesen urtheilet der Kenner von d<strong>em</strong> Werth der Erfindung des Kunstwerks;<br />
bestimmt, in welch<strong>em</strong> Grad es schäzbar und brauchbar sey, und ob es sich für die Zeit und den<br />
Ort schiket; er sieht kein Werk, als einen Gegenstand der Liebhaberey, sondern als ein zu ein<strong>em</strong><br />
gewissen Zwek bestimmtes Werk an, und beurtheilet <strong>da</strong>her in wiefern es seine Würkung thun<br />
142<br />
Revista Opus 12 - 2006
könne, oder müsse. (...)Darum muß er ein Kenner der Menschen und der Sitten seyn.<br />
12 “[immer verstand Joseph Haydn] schlau unerhörtes unter d<strong>em</strong> Anstrich des allbekannten zu<br />
bieten [weswegen auch] die junge Schöne sowohl, als der bei Partituren grau gewordene<br />
Kontrapuntist seine Werke mit vergnügen [hören].”<br />
13 (...) Alle aufgeführten Stücke waren auserlesen. Die Sinfonien von d<strong>em</strong> unsterblichen Hayden<br />
zeichneten sich so herrlich aus, <strong>da</strong>ss nur ein zörtliches [sic] Ohr <strong>da</strong>von urtheilen und die Feder<br />
nur eine Matte Beschreibung machen kann. – Erhaben im Ausdruck, unerschöpflich in Erfindung,<br />
neu in jed<strong>em</strong> Ge<strong>da</strong>ncken, unerwartend überraschend in jeder Wendung, schmelzte diese sanfte<br />
Harmonie <strong>da</strong>s Gefühl des Kenners und Nichtkenners.<br />
Mônica Lucas - É Doutora <strong>em</strong> Música (Unicamp, 2005), com a tese Humor e Agudeza nos<br />
Quartetos de Cor<strong>da</strong>s op. 33 de Joseph Haydn, sob orientação <strong>da</strong> Profa. Dra. Helena Jank.<br />
Atualmente, pesquisa a influência <strong>da</strong> visão poético-retórica na música instrumental do final do<br />
século XVIII. Bacharel <strong>em</strong> clarinete (ECA-USP), especialista <strong>em</strong> Música Antiga pelo Conservatório<br />
Real de Haia (Holan<strong>da</strong>). Trabalha regularmente com as orquestras barrocas Concerto Köln e<br />
Das Kleine Konzert, com qu<strong>em</strong> realiza gravações anuais para a rádio al<strong>em</strong>ã WDR e para os selos<br />
CPO e Teldec. No Brasil, gravou com as orquestras Novo Horizonte e Armonico Tributo. Participa<br />
do conjunto de sopros Harmoni<strong>em</strong>usik (música do século XVIII <strong>em</strong> instrumentos históricos).<br />
Coordena o Núcleo de Música Antiga <strong>da</strong> ECA-USP (Extensão Cultural). www.monicalucas.mus.br<br />
e-mail: contato@monicalucas.mus.br<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
143
BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA E DESAFIOS<br />
DO ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA<br />
BRASILEIRA<br />
144<br />
Rita de Cássia Fucci Amato<br />
Resumo: O presente artigo procura relatar brev<strong>em</strong>ente a história <strong>da</strong> educação musical nas escolas<br />
de ensino fun<strong>da</strong>mental e médio do Brasil, desde a sua implantação no século XIX até os dias<br />
atuais. Para tal, procurou-se contextualizar os avanços no ensino de música e alguns momentos<br />
históricos <strong>da</strong> educação no país. O estudo também ressaltou a questão <strong>da</strong> defasag<strong>em</strong> cultural e a<br />
discussão <strong>da</strong> (des)qualificação do corpo docente na área de música e abordou alguns aspectos<br />
<strong>da</strong> relação entre a escola e a arte. A investigação, de caráter qualitativo, baseou-se <strong>em</strong> uma<br />
revisão bibliográfica. Concluiu-se, assim, que o ensino de música no ensino fun<strong>da</strong>mental e médio<br />
apresenta-se como um desafio interinstitucional e que sua execução eficaz somente é possível a<br />
partir <strong>da</strong> ação conjunta do Estado e de escolas, profissionais <strong>da</strong> área, pesquisadores, professores<br />
e enti<strong>da</strong>des que congregu<strong>em</strong> esses agentes.<br />
Palavras-chave: Educação musical. Ensino fun<strong>da</strong>mental e médio. Educação brasileira.<br />
Abstract: The objective of this study is to investigate the history of the musical education in the<br />
Brazilian el<strong>em</strong>entary and high schools, from its introduction in the 19 th century to now. In this<br />
sense it has considered the progresses in the musical teaching and some aspects of the education<br />
development in Brazil. The study also stood out the question of the cultural imbalance and the<br />
discussion about the teaching (dis)qualification in the music area and approached some aspects<br />
of the relationship between the school and the art. The research, with a qualitative character, was<br />
based on a bibliographical revision. It concluded that the music teaching in the el<strong>em</strong>entary and<br />
high schools comes as an inter-institutional challenge and that its effective execution only is possible<br />
starting from the joint action of the State and of schools, professionals of the area, researchers,<br />
teachers and entities that congregate those agents.<br />
Keywords: Musical education. El<strong>em</strong>entary and high schools. Brazilian education.<br />
Introdução<br />
Várias surpresas nos são possíveis quando olhamos com interesse<br />
e serie<strong>da</strong>de a um assunto tão cotidianamente superficializado como<br />
o ensino <strong>da</strong> música. Nesse contexto, umas <strong>da</strong>s questões que se<br />
coloca é a dicotomia que foi estabeleci<strong>da</strong> entre ca<strong>da</strong> linguag<strong>em</strong><br />
artística, não fazendo o professor-educador-artista vislumbrar uma<br />
realização mais simples, porém complexa, no ato <strong>da</strong> criação e<br />
expressão artística. Essa dicotomia foi, to<strong>da</strong>via, estabeleci<strong>da</strong> ao<br />
longo do t<strong>em</strong>po e do desenvolvimento do sist<strong>em</strong>a educacional<br />
brasileiro. Assim, faz-se relevante conhecer o passado do ensino<br />
de música nas escolas regulares e a situação <strong>em</strong> que este se<br />
Revista Opus 12 - 2006
encontra atualmente, no intuito de fornecer subsídios para a reflexão<br />
e o debate acerca de novas propostas de ensino musical para a<br />
educação básica, já que, a partir desta, pod<strong>em</strong>-se desenvolver as<br />
habili<strong>da</strong>des artísticas de todos os que têm acesso à escola,<br />
diss<strong>em</strong>inando-as para a comuni<strong>da</strong>de.<br />
Segundo Nóvoa (1992, p. 17): “A escola como objecto autónomo<br />
de estudo <strong>da</strong>s Ciências <strong>da</strong> Educação e como espaço privilegiado<br />
de inovação educacional é um fenómeno relativamente recente”.<br />
Nesse sentido, a investigação histórica acerca de escola revela-se<br />
como um t<strong>em</strong>a que começou a ser estu<strong>da</strong>do ain<strong>da</strong> mais<br />
recent<strong>em</strong>ente, sendo que a pesquisa histórica relativa à educação<br />
musical surgiu há pouco mais de uma déca<strong>da</strong>. Faz-se imprescindível<br />
destacar, por outro lado, que a história de instituições educacionais<br />
v<strong>em</strong> se tornando deveras presente no cenário <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong><br />
educação no Brasil, apesar dos obstáculos frente às fontes <strong>em</strong><br />
precária organização.<br />
Ao comentar as principais linhas de renovação <strong>da</strong> historiografia <strong>da</strong><br />
educação, Magalhães (1998) considera a história <strong>da</strong>s instituições<br />
educativas como um desafio interdisciplinar, ampliando o matiz<br />
investigativo historiográfico: nesse tipo de pesquisa, as análises<br />
sociológicas, organizacionais e curriculares compl<strong>em</strong>entam-se,<br />
gerando uma reconstrução historiográfica de valor. Também nesse<br />
sentido, Schaff (1995) coloca que a investigação historiográfica,<br />
como processo multidisciplinar <strong>em</strong> que conhecimentos diversos se<br />
inter-relacionam, gera conceitos qualitativos na visão <strong>da</strong> história,<br />
apesar de não provocar modificações quantitativas do saber.<br />
Por outro lado, Le Goff (1998) coloca que a tentativa para se<br />
reconstituir o passado ca<strong>da</strong> vez mais analogamente à sua reali<strong>da</strong>de<br />
revela a intensa procura por respostas diante de fatos<br />
cont<strong>em</strong>porâneos. Por isso, a história t<strong>em</strong> um papel formador do<br />
ser, proporcionando-lhe novas reflexões acerca do meio <strong>em</strong> que<br />
vive e interage.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
145
Outra elaboração relevante acerca do estudo <strong>da</strong> educação escolar<br />
é realiza<strong>da</strong> por Nóvoa (1992, p. 42):<br />
146<br />
A análise <strong>da</strong>s instituições escolares só t<strong>em</strong> sentido se for capaz de<br />
perceber seus limites. Mas, hoje, não se pode passar ao lado de uma<br />
reflexão estratégica, centra<strong>da</strong> nos estabelecimentos de ensino e nos<br />
seus projectos, porque é aqui que os desafios começam e importa<br />
agarrá-los com utopia e realismo; dito de outro modo, é preciso olhar<br />
para a escola como uma topia, isto é, como um t<strong>em</strong>po e um espaço<br />
onde pod<strong>em</strong>os exprimir a nossa natureza pessoal e social.<br />
Dessa forma, a presente investigação propõe-se a refletir e a<br />
debater alguns contextos históricos, educacionais e sociais<br />
inerentes ao rito educativo-musical na educação básica, por meio<br />
de uma revisão bibliográfica. Assim, além do desenvolvimento<br />
histórico <strong>da</strong> educação musical, pretende-se discutir os impactos<br />
no contexto educativo-musical provocados pelo desenvolvimento<br />
tecnocientífico e pela defasag<strong>em</strong> cultural, a (des)qualificação<br />
docente na educação básica e o posicionamento <strong>da</strong> escola frente<br />
ao ensino artístico.<br />
As primeiras manifestações musicais e a regulamentação do<br />
ensino de música.<br />
As primeiras informações musicais eruditas foram trazi<strong>da</strong>s ao Brasil<br />
pelos portugueses, por intermédio dos jesuítas. Esses missionários,<br />
dispostos a conquistar novos servos para Deus, encontraram na<br />
arte um meio de sensibilizar os indígenas. A música que os jesuítas<br />
trouxeram era simples e singela, as linhas puras do cantochão,<br />
cujos acentos comoveram os indígenas, que, desde a primeira<br />
missa, deixaram-se enlear por tais melodias.<br />
Com a vin<strong>da</strong> de D. João VI, a música recebeu especial tratamento,<br />
principalmente quando <strong>da</strong> reorganização <strong>da</strong> Capela Real pelo padre<br />
José Maurício Nunes Garcia, que lhe deu grande fulgor, man<strong>da</strong>ndo<br />
vir de Lisboa o organista José do Rosário. A música, porém, não<br />
podia se limitar às igrejas e, <strong>em</strong> 1813, se iniciou a edificação do<br />
Revista Opus 12 - 2006
Teatro São João, uma vez que o velho Teatro de Manuel Luiz não<br />
era mais “digno” <strong>da</strong> corte portuguesa.<br />
Depois do t<strong>em</strong>po de D. João VI, projetou-se larga sombra sobre a<br />
música brasileira. Nesse período, só uma figura zelou pela<br />
conservação do patrimônio musical: Francisco Manuel <strong>da</strong> Silva<br />
(compositor do Hino Nacional), que fundou o Conservatório de<br />
Música do Rio de Janeiro (1841), padrão de to<strong>da</strong>s as instituições<br />
congêneres no Brasil, como relata Almei<strong>da</strong> (1942).<br />
Um decreto federal de 1854 regulamentou o ensino de música no<br />
país e passou a orientar as ativi<strong>da</strong>des docentes, enquanto que, no<br />
ano seguinte, um outro decreto fez exigência de concurso público<br />
para a contratação de professores de música.<br />
Na primeira república, a legislação educacional evoluiu<br />
diversamente <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> estado, fazendo com que <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> região a<br />
estrutura e o funcionamento <strong>da</strong>s escolas adquiriss<strong>em</strong> características<br />
muito específicas. Um ex<strong>em</strong>plo para o entendimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> escolar<br />
naqueles anos faz-se possível na observação <strong>da</strong> organização<br />
escolar paulista (Nagle, 1968).<br />
Basicamente, o ensino primário oficial <strong>em</strong> São Paulo se organizou<br />
<strong>em</strong> dois cursos: o curso preliminar (para crianças entre 07 e 15<br />
anos) e o curso compl<strong>em</strong>entar. O curso preliminar apresentava seis<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des: as escolas preliminares, as escolas intermediárias,<br />
os grupos escolares (reunião de 04 a 10 escolas preliminares), as<br />
escolas provisórias, as escolas noturnas e as escolas ambulantes.<br />
Uma escola preliminar (ou uma classe de 40 alunos) deveria<br />
fornecer ensino primário gratuito e laico, uma “conquista <strong>da</strong><br />
república”. É interessante ressaltar que o governo estadual não se<br />
incumbia <strong>da</strong> construção do prédio escolar, que ficava a cargo dos<br />
recursos do município. A administração do estado se incumbia<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
147
apenas <strong>da</strong> tarefa de pagamento do professor (que deveria ser<br />
normalista ou ter prestado exame na escola normal <strong>da</strong> capital) e do<br />
fornecimento dos livros oficiais (os únicos permitidos). Estes cursos<br />
tinham a duração de quatro anos (Nagle, 1968).<br />
A importância que se destaca para a presente análise é relativa ao<br />
currículo, que abrigava um rol imenso de disciplinas: leitura; escrita<br />
e caligrafia; moral prática; educação cívica; geografia geral;<br />
cosmografia; geografia do Brasil; noções de física; química e história<br />
natural (higiene); história do Brasil e leitura sobre a vi<strong>da</strong> de grandes<br />
homens; leitura de música e canto; exercícios ginásticos e militares;<br />
e trabalhos manuais apropriados à i<strong>da</strong>de e sexo. Nesse sentido,<br />
destaca-se a presença do ensino musical, concebido àquela época<br />
como relevante agente na formação cultural <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
Os exames eram rigorosos e cobravam o conhecimento aos alunos<br />
de forma oral e escrita. Também podiam participar de tais exames<br />
os alunos que eram atendidos por professores particulares: os filhos<br />
<strong>da</strong>s oligarquias e <strong>da</strong> burguesia, especialmente as meninas,<br />
conforme comenta Nagle (1968).<br />
Quanto ao ensino <strong>da</strong> música externamente à escola, um aspecto<br />
relevante tratou-se <strong>da</strong> criação do Conservatório Dramático e Musical<br />
de São Paulo <strong>em</strong> 1906 – instituição basea<strong>da</strong> nos padrões<br />
pe<strong>da</strong>gógicos do Conservatório de Paris –, que se relevou por<br />
estabelecer padrões artístico-pe<strong>da</strong>gógicos para as d<strong>em</strong>ais escolas<br />
especializa<strong>da</strong>s no estado de São Paulo, sendo também um marco<br />
do ensino musical no Brasil.<br />
Transformações e novos ideais na educação brasileira.<br />
No cerne <strong>da</strong>s realizações previamente relata<strong>da</strong>s, está implicitamente<br />
colocado o que foi denominado de entusiasmo pela educação<br />
(primeiro momento significativo <strong>da</strong> primeira república, como comenta<br />
Nagle, 1968), um movimento com idéias, planos e soluções,<br />
148<br />
Revista Opus 12 - 2006
oferecidos ao momento histórico nacional a partir de 1915.<br />
Conforme abor<strong>da</strong> Nagle (1968, p. 262), “Trata-se de um movimento<br />
de ‘republicanização <strong>da</strong> República’ pela difusão do processo<br />
educacional – movimento tipicamente estadual, de matiz<br />
nacionalista e principalmente voltado para a escola primária, a<br />
escola popular”.<br />
Nesse momento, o processo educacional foi fort<strong>em</strong>ente valorizado<br />
e criou muitas expectativas, as quais não teve condições de<br />
responder, uma vez que não faziam parte de seu repertório de<br />
soluções, como as dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> situação econômico-financeira<br />
e as estruturas do poder oligárquico.<br />
Especialmente na déca<strong>da</strong> de vinte, o entusiasmo pela educação<br />
produziu estímulos para despertar constantes discussões, que<br />
foram expandi<strong>da</strong>s para fora do Congresso Nacional, e freqüentes<br />
reformas na escola brasileira, ampliando o espaço de profissionais<br />
atraídos pela probl<strong>em</strong>ática educacional. Fruto importante desta<br />
ampliação foi o surgimento dos profissionais <strong>da</strong> educação. Nagle<br />
(1968) concebe que, adjacente a esse fenômeno, multiplicou-se<br />
também a valorização cultural: nessa época, foram criados serviços<br />
como a Biblioteca de Educação e a Coleção Pe<strong>da</strong>gógica, os<br />
conteúdos de revistas sofreram mu<strong>da</strong>nças qualitativas e<br />
quantitativas e as conferências e congressos, tais como as<br />
Conferências Nacionais <strong>da</strong> Educação, multiplicaram-se pelo<br />
território nacional. Fato de extr<strong>em</strong>a relevância foi, ain<strong>da</strong>, a criação<br />
<strong>da</strong>s primeiras universi<strong>da</strong>des oficiais do país: a Universi<strong>da</strong>de do Rio<br />
de Janeiro (1920) e a Universi<strong>da</strong>de de Minas Gerais (1927). Outro<br />
fator de destaque foi a reorganização <strong>da</strong> escola secundária e<br />
superior (1925) e a reformulação <strong>da</strong> escola profissional (1926). As<br />
reformas na escola primária e normal também se realizaram <strong>em</strong><br />
diversos estados e, conjugando-se a to<strong>da</strong>s as outras<br />
transformações cita<strong>da</strong>s, estabeleceram uma nova organização<br />
educacional no país, influenciando, assim, todo o currículo escolar.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
149
A crença nas virtudes de novos modelos definiu um outro momento<br />
de significação no período <strong>da</strong> Primeira República, que foi<br />
denominado de otimismo pe<strong>da</strong>gógico. A diferenciação entre o<br />
entusiasmo pela educação e o otimismo pe<strong>da</strong>gógico consiste <strong>em</strong><br />
que, enquanto um é caracterizado pela alteração de alguns<br />
aspectos do processo educativo e pelo esforço de difundir a escola<br />
existente, o outro consiste na introdução de um novo modelo<br />
educacional (Nagle, 1968).<br />
Dessa forma, foi somente a partir de 1927 que o otimismo<br />
apresentou um formato mais definido, especialmente com a<br />
introdução sist<strong>em</strong>ática <strong>da</strong>s idéias <strong>da</strong> Escola Nova, com um<br />
pensamento educacional completo, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que compreendia<br />
uma política educacional, uma teoria de educação e de organização<br />
escolar e uma metodologia própria.<br />
Acompanhando a modernização e a urbanização do país na déca<strong>da</strong><br />
de 1920, vários estados brasileiros – sob a batuta de jovens<br />
intelectuais, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço<br />
Filho e Francisco de Campos – promoveram reformas educacionais<br />
inspira<strong>da</strong>s nos princípios <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Nova. O ciclo de reformas<br />
estaduais dos anos vinte, como ficou conhecido tal episódio,<br />
contribuiu para a penetração do escolanovismo no Brasil. Outros<br />
aspectos do desenvolvimento <strong>da</strong> educação durante a Primeira<br />
República são também destacados por Nagle (1968, p.291):<br />
150<br />
Especificando alguns <strong>da</strong>dos, verificam-se estes indicadores: pequena<br />
difusão <strong>da</strong> escola primária; esforço para profissionalizar a escola normal;<br />
escolas técnico-profissionais conservando seu caráter assistencial; uma<br />
escola secundária segrega<strong>da</strong> no sist<strong>em</strong>a, feita parcela<strong>da</strong>mente, e<br />
impossibilita<strong>da</strong> de se constituir numa instituição para a educação <strong>da</strong><br />
adolescência; escolas superiores orienta<strong>da</strong>s exclusivamente para as<br />
carreiras profissionais tradicionais e a universi<strong>da</strong>de significando apenas<br />
reunião de escolas de especialização profissional, com um frouxo<br />
esqu<strong>em</strong>a burocrático.<br />
No intuito de melhor apreensão é que foram realiza<strong>da</strong>s essas<br />
Revista Opus 12 - 2006
elaborações acerca <strong>da</strong> Primeira República, na qual o ensino <strong>da</strong><br />
música <strong>em</strong> diferentes níveis constou dos currículos escolares e<br />
garantiu uma transmissão de saberes específicos, apesar <strong>da</strong>s<br />
diversas incongruências que esse momento histórico gerou no<br />
sist<strong>em</strong>a educacional.<br />
Mu<strong>da</strong>nças na educação musical.<br />
A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920, diversas transformações nos modelos<br />
e nas legislações relativas ao ensino de música ocorreram. Um<br />
fato relevante para a educação musical sucedeu-se no ano de 1923,<br />
quando as escolas públicas paulistas passaram a utilizar o método<br />
“tonic-solfa” como modelo de musicalização. Outro grande avanço<br />
foi a musicalização para crianças, a partir de sua instituição através<br />
de uma lei federal de 1928, a qual criou os jardins de infância com<br />
orientação especializa<strong>da</strong>.<br />
Um dos momentos mais ricos <strong>da</strong> educação musical no Brasil foi o<br />
período que compreendeu as déca<strong>da</strong>s de 1930/ 40, quando se<br />
implantou o ensino de música nas escolas <strong>em</strong> âmbito nacional,<br />
com a criação <strong>da</strong> Superintendência de Educação Musical e Artística<br />
(SEMA) por Villa-Lobos, a qual objetivava a realização <strong>da</strong><br />
orientação, do planejamento e do desenvolvimento do estudo <strong>da</strong><br />
música nas escolas, <strong>em</strong> todos os níveis. A perspectiva pe<strong>da</strong>gógica<br />
<strong>da</strong> SEMA foi instaura<strong>da</strong> de acordo com os princípios: disciplina,<br />
civismo e educação artística (Esperidião, p. 196). Com a evolução<br />
do ensino de canto orfeônico <strong>em</strong> todo o território nacional, foi criado<br />
o Conservatório Brasileiro de Canto Orfeônico (CNCO), <strong>em</strong> 1942,<br />
com a finali<strong>da</strong>de de formar professores capacitados a ministrar tal<br />
matéria, constituindo-se numa notável realização a favor do ensino<br />
<strong>da</strong> música. A docência de canto orfeônico, a partir de 1945, passou<br />
a ser possível somente com o credenciamento fornecido pelo CNCO<br />
ou por outra instituição equivalente.<br />
Durante o período republicano, cabe salientar a importância <strong>da</strong><br />
Reforma Capan<strong>em</strong>a (Leis Orgânicas do Ensino) e suas<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
151
contribuições para o ensino <strong>da</strong> música: nessa concepção de escola,<br />
o canto orfeônico fazia parte do currículo durante quatro anos do<br />
primeiro ciclo e durante os três anos posteriores do segundo ciclo,<br />
com a denominação “música e canto orfeônico” (Xavier, Ribeiro e<br />
Noronha, 1994).<br />
O curso de formação de professores de música foi criado <strong>em</strong> São<br />
Paulo, no ano de 1960, pela Comissão Estadual de Música, liga<strong>da</strong><br />
ao Conselho Federal de Cultura, junto à Secretaria de Estado dos<br />
Negócios do Governo (Fonterra<strong>da</strong>, 1991).<br />
A organização <strong>da</strong> música vocal na rede oficial de ensino,<br />
possibilita<strong>da</strong> pelas iniciativas relata<strong>da</strong>s, permitiu uma maior<br />
veiculação <strong>da</strong> música entre a população brasileira por muitas<br />
gerações, <strong>em</strong> um processo de d<strong>em</strong>ocratização e de valorização<br />
cultural. To<strong>da</strong>via, por meio <strong>da</strong> Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/<br />
61), o Conselho Federal de Educação instituiu a educação musical,<br />
<strong>em</strong> substituição ao canto orfeônico (por meio do Parecer nº 383/62<br />
homologado pela Portaria Ministerial nº 288/62), provocando grande<br />
alteração no cotidiano musical escolar, como b<strong>em</strong> relata Fonterra<strong>da</strong><br />
(1991).<br />
A educação musical transformou-se <strong>em</strong> disciplina curricular até o<br />
início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, quando, com a LDB 5692/71, o Conselho<br />
Federal de Educação instituiu o curso de licenciatura <strong>em</strong> educação<br />
artística (Parecer nº 1284/73), alterando o currículo do curso de<br />
educação musical. Esse currículo passou a compor-se de quatro<br />
áreas artísticas distintas: música, artes plásticas, artes cênicas e<br />
desenho. Assim, a educação artística foi instituí<strong>da</strong> como ativi<strong>da</strong>de<br />
obrigatória no currículo escolar do 1º e 2º graus (ensino fun<strong>da</strong>mental<br />
e médio), <strong>em</strong> substituição às disciplinas artes industriais, música e<br />
desenho, e passando a ser um componente <strong>da</strong> área de<br />
comunicação e expressão, a qual trabalharia as linguagens plástica,<br />
musical e cênica (São Paulo, 1991). Essas transformações também<br />
152<br />
Revista Opus 12 - 2006
abrangeram os currículos dos cursos superiores <strong>em</strong> música, que<br />
passaram a ter duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des: licenciatura <strong>em</strong> educação<br />
artística (habilitação <strong>em</strong> música, artes plásticas, artes cênicas ou<br />
desenho) e bacharelado <strong>em</strong> música (habilitação <strong>em</strong> instrumento,<br />
canto, regência e/ ou composição).<br />
Na elaboração tanto <strong>da</strong> lei 5540/ 68 (reforma do ensino superior)<br />
quanto <strong>da</strong> lei 5692/ 71 (reforma do ensino de primeiro e segundo<br />
graus), algumas influências passaram a ficar nota<strong>da</strong>mente<br />
perceptíveis, como a dependência entre educação e mercado de<br />
trabalho, a racionalização do (mercado) sist<strong>em</strong>a educacional, o<br />
ensino pago, a profissionalização do ensino médio e a reciclag<strong>em</strong><br />
para atender à flexibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mão de obra.<br />
Cinco anos mais tarde, com a implantação <strong>da</strong>s diretrizes conti<strong>da</strong>s<br />
na lei 5692/71, as escolas <strong>da</strong> rede estadual de ensino passaram a<br />
compor sua estrutura curricular com um dos componentes<br />
relacionados no artigo 7º <strong>da</strong>quele dispositivo legal, voltado<br />
exclusivamente para o ensino de educação artística (São Paulo,<br />
1992).<br />
Diante desse quadro, a Secretaria <strong>da</strong> Educação de São Paulo,<br />
como ex<strong>em</strong>plo, elaborou um único documento (o guia curricular) a<br />
fim de orientar o trabalho docente, já que o número de professores<br />
formados <strong>em</strong> educação artística era muito inferior ao grande número<br />
de aulas, e encontrou uma solução provisória para tal questão,<br />
conferindo o direito de atuar na área aos antigos professores de<br />
desenho, música e artes industriais. Esse guia, porém, não<br />
fun<strong>da</strong>mentava filosófica, pe<strong>da</strong>gógica e psicologicamente o ensino<br />
<strong>da</strong> arte na escola e n<strong>em</strong> apresentava uma linha metodológica que<br />
o orientasse; tampouco sugeria uma bibliografia de apoio aos<br />
professores.<br />
Em 1986 iniciou-se o processo de construção <strong>da</strong> Proposta Curricular<br />
para o Ensino <strong>da</strong> Educação Artística (pela mesma Secretaria <strong>da</strong><br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
153
Educação), <strong>em</strong> uma <strong>versão</strong> mais elabora<strong>da</strong> e na tentativa <strong>da</strong><br />
superação <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des de um des<strong>em</strong>penho competente por<br />
parte dos docentes (São Paulo, 1991; 1992). Entretanto, essas<br />
ações não permitiram a viabilização do desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />
capaci<strong>da</strong>des artísticas dos alunos desprovidos de capital cultural,<br />
aqueles que já não eram incentivados no ambiente familiar a adquirir<br />
conhecimentos sobre arte.<br />
Porém, a transformação de maior relevância na atuali<strong>da</strong>de consistiuse<br />
na LDB 9.394/96 – que estabeleceu o ensino <strong>da</strong> disciplina arte<br />
na educação básica –, sobre a qual Penna (2004, p. 23) comenta:<br />
154<br />
A atual LDB, estabelecendo que “o ensino <strong>da</strong> arte constituirá<br />
componente curricular obrigatório, nos diversos níveis <strong>da</strong> educação<br />
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”<br />
(Lei 9.394/96 – art. 26, parágrafo 2º), garante um espaço para a(s)<br />
arte(s) na escola, como já estabelecido <strong>em</strong> 1971, com a inclusão <strong>da</strong><br />
Educação Artística no currículo pleno. E continuam a persistir a<br />
indefinição e ambigüi<strong>da</strong>de que permit<strong>em</strong> a multiplici<strong>da</strong>de, uma vez que<br />
a expressão “ensino de arte” pode ter diferentes interpretações, sendo<br />
necessário defini-la com maior precisão.<br />
Também alude-se ao fato de que os Parâmetros Curriculares<br />
Nacionais (PCN), elaborados pelo Ministério <strong>da</strong> Educação como<br />
propostas pe<strong>da</strong>gógicas, também não contribu<strong>em</strong> para uma<br />
definição concreta sobre como a música deve ser trabalha<strong>da</strong> <strong>em</strong><br />
sala de aula e não defin<strong>em</strong> se o professor de arte deve ter uma<br />
formação geral, com o conhecimento <strong>da</strong>s várias linguagens<br />
artísticas, ou se deve ser especializado <strong>em</strong> uma só mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />
(teatro, <strong>da</strong>nça, música ou artes visuais), conforme comentam Penna<br />
(2004) e Arroyo (2004). A tudo isso se soma a defasag<strong>em</strong> cultural<br />
<strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, dificultando uma compreensão para um ensino<br />
<strong>da</strong> arte eficaz e global.<br />
A defasag<strong>em</strong> cultural.<br />
Nos nossos dias, estabeleceu-se uma grande defasag<strong>em</strong> cultural,<br />
que se manifesta nas formas mais varia<strong>da</strong>s, muitas vezes<br />
Revista Opus 12 - 2006
imperceptíveis, desde a mu<strong>da</strong>nça de hábitos alimentares até a<br />
alteração de preferências musicais, <strong>em</strong> uma redundância<br />
predominant<strong>em</strong>ente televisiva, que invade “com nossa permissão”<br />
as nossas casas. Em relação à educação, essa probl<strong>em</strong>ática nos<br />
apresenta como desafio a superação <strong>da</strong> defasag<strong>em</strong> que se instalou<br />
na formação escolar frente ao desenvolvimento tecnocientífico e,<br />
como objeto de estudo, apresenta múltiplos aspectos de<br />
investigação no que se refere ao impacto que ela causa na<br />
identi<strong>da</strong>de cultural de todos os povos. Assim:<br />
A necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça <strong>em</strong> educação surge a partir de vários<br />
quadrantes, alguns dos quais como o desenvolvimento tecnológico e<br />
as mu<strong>da</strong>nças d<strong>em</strong>ográficas reflect<strong>em</strong> factores sociais e económicos<br />
mais vastos, enquanto outros resultam de decisões políticas, de acções<br />
administrativas ou de desenvolvimentos profissionais. (GLATTER, 1992,<br />
p. 158).<br />
Um dos aspectos desses impactos particulariza-se pela<br />
desorientação e desestruturação dos conceitos no mundo moderno,<br />
o que dificulta a compreensão e assimilação de tudo que nos cerca.<br />
Nesse sentido, convém questionar o sentido de música que<br />
predomina na atuali<strong>da</strong>de, quando ao tratar, por ex<strong>em</strong>plo, de uma<br />
obra produzi<strong>da</strong> no sist<strong>em</strong>a tonal, somos levados por caminhos<br />
conhecidos de resoluções do desenvolvimento musical sobre a<br />
tônica; no entanto, com o sist<strong>em</strong>a dodecafônico, o campo de<br />
probabili<strong>da</strong>des é outro, permitindo a organização de novos tipos de<br />
discurso e, por conseguinte, de novos significados musicais, o que<br />
não permite, a priori, estabelecer um julgamento de valor estético<br />
por esta ou aquela concepção de linguag<strong>em</strong> musical.<br />
Outra questão <strong>em</strong> relação ao conceito de música diz respeito ao<br />
fator popular, que recebe tratamentos variados por músicos de<br />
diferentes formações e concepções teóricas e estéticas, dentro do<br />
nacionalismo, do vanguardismo e de outras correntes, e, por outro<br />
lado, a música industrializa<strong>da</strong> ou dita comercial, que absorve<br />
el<strong>em</strong>entos de construção sonora nas mais varia<strong>da</strong>s fontes, tendo<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
155
como principal objetivo o simples e imediato retorno financeiro, s<strong>em</strong><br />
questionar o valor intrínseco <strong>da</strong> obra de quali<strong>da</strong>de ou não. Dessa<br />
forma, o docente que atua no ensino de música na educação básica<br />
vive um processo de desorientação, sendo que se somou à<br />
defasag<strong>em</strong> cultural e à dicotomização <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> educação a<br />
probl<strong>em</strong>ática <strong>da</strong> (des)qualificação de tais profissionais.<br />
A questão <strong>da</strong> (des)qualificação docente.<br />
A formação dos educadores musicais para a prática de ensino na<br />
educação básica t<strong>em</strong> sido um assunto bastante discutido. Segundo<br />
Figueiredo (2005), as conclusões dos debates acerca desse t<strong>em</strong>a<br />
apontam para uma formação ca<strong>da</strong> vez mais associa<strong>da</strong> às reali<strong>da</strong>des<br />
sociais escolares, preparando os futuros educadores musicais para<br />
uma prática de ensino condizente com o cotidiano <strong>da</strong> escola.<br />
Esse reconhecimento de múltiplas e distintas reali<strong>da</strong>des sociais<br />
acrescenta para os cursos formadores uma probl<strong>em</strong>ática<br />
extr<strong>em</strong>amente complexa. Se no passado a ênfase estava na busca<br />
do equilíbrio entre a formação musical e a formação pe<strong>da</strong>gógica do<br />
educador musical, hoje é necessário que se some a essa já<br />
complexa tarefa a questão do contexto para o qual diferentes ações<br />
educativo-musicais serão apresenta<strong>da</strong>s. (Figueiredo, 2005, p. 22)<br />
To<strong>da</strong>via, ao contrário do desejado, várias investigações indicam a<br />
falta de qualificação dos professores de música na educação básica<br />
como uma questão com grande presença na escola regular. Santos<br />
(2005), por ex<strong>em</strong>plo, coloca que a ausência de docentes<br />
capacitados acentua-se nas séries do ensino fun<strong>da</strong>mental, onde a<br />
iniciação musical é <strong>em</strong>preendi<strong>da</strong> por indivíduos que apreciam a<br />
música, porém, desprovidos de uma adequa<strong>da</strong> formação musical.<br />
Em pesquisa realiza<strong>da</strong> junto a oito escolas estaduais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />
São Carlos-SP (Fucci Amato, 2006), foi detectado que o ensino de<br />
música é curricular <strong>em</strong> apenas uma escola. Com a exceção de<br />
156<br />
Revista Opus 12 - 2006
duas instâncias investiga<strong>da</strong>s – uma, onde a professora possui<br />
graduação <strong>em</strong> educação artística e é forma<strong>da</strong> <strong>em</strong> canto orfeônico,<br />
e a outra, onde o docente possui formação <strong>em</strong> educação artística,<br />
com habilitação <strong>em</strong> desenho e música –, nas outras escolas<br />
pesquisa<strong>da</strong>s a formação profissional predominante entre os<br />
docentes é a <strong>da</strong> graduação <strong>em</strong> educação artística, com habilitação<br />
<strong>em</strong> desenho e artes plásticas. Salienta-se também o fato de que,<br />
na maioria dos casos analisados, os profissionais possu<strong>em</strong> apenas<br />
habilitação referente ao ensino fun<strong>da</strong>mental. Porém, devido à<br />
escassez de docentes capacitados na área, muitos deles ministram<br />
aulas de arte no ensino médio, s<strong>em</strong> possuír<strong>em</strong> formação adequa<strong>da</strong><br />
para tal. O caso mais surpreendente <strong>da</strong> amostrag<strong>em</strong> realiza<strong>da</strong><br />
refere-se àquele <strong>em</strong> que um docente s<strong>em</strong> formação <strong>em</strong> educação<br />
artística (ou qualquer outra equivalente) foi autorizado a ministrar<br />
aulas de arte, o que revela um certo descaso para com o ensino de<br />
tal disciplina (Fucci Amato, 2006).<br />
Outras pesquisas também apontam para o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> qualificação<br />
docente. Spanavello e Bellochio (2005, p. 97), por ex<strong>em</strong>plo, relatam:<br />
Revisando e refletindo os objetivos que nortearam a pesquisa, foi possível<br />
constatar que a formação profissional (formal) dos unidocentes investigados<br />
aconteceu, <strong>em</strong> sua maioria, <strong>em</strong> cursos de magistério e cursos superiores<br />
(concluídos ou <strong>em</strong> curso), geralmente <strong>em</strong> habilitações como Pe<strong>da</strong>gogia –<br />
Administração Escolar ou Supervisão, Filosofia, Estudos Sociais, História,<br />
entre outros. A respeito <strong>da</strong> formação específica <strong>em</strong> educação musical,<br />
percebeu-se uma certa carência curricular formal, <strong>em</strong> termos de disciplinas<br />
específicas de educação musical. Grande parte dos professores relataram<br />
que tiveram, ao longo de seus cursos de formação inicial, experiências<br />
musicais diluí<strong>da</strong>s <strong>em</strong> outras disciplinas, geralmente atrela<strong>da</strong>s à idéia de<br />
adorno ou compl<strong>em</strong>entação metodológica para estas últimas.<br />
Penna (2002), ao analisar a questão dos professores de arte nas<br />
escolas regulares de educação básica, concluiu que, enquanto há<br />
um elevado número de professores formados <strong>em</strong> educação artística,<br />
é restrito o número de educadores habilitados <strong>em</strong> música.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
157
Salienta-se, desse modo, que o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> qualificação<br />
profissional/ musical é denso, pois<br />
158<br />
o professor-educador que não é capaz de li<strong>da</strong>r internamente e <strong>em</strong><br />
profundi<strong>da</strong>de consigo mesmo não se encontra aparelhado para<br />
proporcionar experiência s<strong>em</strong>elhante a uma outra pessoa humana; não<br />
será capaz de proporcionar ao educando uma experiência de implicação<br />
consigo próprio que não foi capaz de experimentá-la <strong>em</strong> si. (Barbosa,<br />
1998, p. 9)<br />
Também cabe reforçar que,<br />
sendo a música uma disciplina complexa, que abrange teoria e prática<br />
de execução, deve ser ensina<strong>da</strong> por pessoas qualifica<strong>da</strong>s para isso.<br />
S<strong>em</strong> concessões. Não permitiríamos que alguém que tivesse<br />
freqüentado um curso de verão <strong>em</strong> Física ensinasse a matéria <strong>em</strong><br />
nossas escolas. Por que haveríamos de tolerar essa situação com<br />
respeito à Música? Por acaso ela está menos vincula<strong>da</strong> a atos<br />
complexos de discernimento? Não. (Shafer, 1991, p. 303)<br />
Com essa falta de vivência e especialização musical que se instala<br />
atualmente entre os docentes de arte nas escolas, os inúmeros<br />
aspectos musicais que poderiam ser trabalhados, as vivências<br />
estéticas e sonoras e o universo de recursos expressivos de<br />
comunicação e produção artística, comentados por Visconti e<br />
Biagioni (2002), não são instaurados. Para Hutmacher (1992, p.<br />
47-8), “não é suficiente que a escola transmita conhecimentos,<br />
devendo também estimular o desenvolvimento de um conjunto de<br />
disposições e atitudes [...] Assim, o domínio operacional de várias<br />
línguas e linguagens é indispensável para todos [...]”. Também se<br />
referindo aos efeitos gerados a partir <strong>da</strong> musicalização, Snyders<br />
(1992) avalia que, através desta, as habili<strong>da</strong>des e a sensibili<strong>da</strong>de<br />
dos educandos pod<strong>em</strong> ser reconheci<strong>da</strong>s e revela<strong>da</strong>s. O autor<br />
também alude que:<br />
O ensino <strong>da</strong> música pode <strong>da</strong>r um impulso ex<strong>em</strong>plar à<br />
interdisciplinari<strong>da</strong>de, fazendo vibrar o belo <strong>em</strong> áreas escolares ca<strong>da</strong><br />
vez mais extensas e que [...] para alguns alunos é a partir <strong>da</strong> beleza <strong>da</strong><br />
música, <strong>da</strong> alegria proporciona<strong>da</strong> pela beleza musical, tão<br />
Revista Opus 12 - 2006
freqüent<strong>em</strong>ente presente <strong>em</strong> suas vi<strong>da</strong>s de uma outra forma, que<br />
chegarão a sentir a beleza na literatura, o misto de beleza e ver<strong>da</strong>de<br />
existente na mat<strong>em</strong>ática, o misto de beleza e eficácia que há nas ciências<br />
e nas técnicas. (Snyders, 1992, p. 135)<br />
Assim, diante do perfil profissional destes educadores musicais,<br />
vale ressaltar a importância do desenvolvimento de projetos de<br />
capacitação, por meio de treinamentos que possibilit<strong>em</strong> a aquisição<br />
de conhecimentos nas áreas de música e educação e do<br />
acompanhamento contínuo <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s por esses<br />
agentes nas suas práticas musicais, possibilitando o aprimoramento<br />
<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des que já vêm sendo exerci<strong>da</strong>s e a concretização de<br />
novos projetos. Essa iniciativa já v<strong>em</strong> sendo toma<strong>da</strong> por algumas<br />
universi<strong>da</strong>des, que oferec<strong>em</strong> cursos de extensão para professores,<br />
porém ain<strong>da</strong> merece maior difusão.<br />
Reflexões sobre a arte e a educação musical na escola.<br />
Um outro caminho de entendimento na criação, na constituição e<br />
no desenvolvimento do ensino <strong>da</strong> música é clareado pelas<br />
condições reais que a escola tradicional colocou diante <strong>da</strong>s artes.<br />
A preocupação pe<strong>da</strong>gógica com as outras matérias, não-artísticas,<br />
fez sucumbir o afloramento de certas habili<strong>da</strong>des específicas não<br />
utiliza<strong>da</strong>s no cotidiano escolar.<br />
Elaborando sobre a educação musical nas escolas <strong>da</strong> educação<br />
básica e nas universi<strong>da</strong>des, Loureiro (2004, p. 65) coloca:<br />
A educação musical que hoje é pratica<strong>da</strong> <strong>em</strong> nossas escolas mostrase<br />
como um complexo heterogêneo onde encontramos a convivência<br />
de diversas práticas e discursos. Evidencia-se, entretanto, o<br />
distanciamento <strong>da</strong> prática, presente nas salas de aulas, e a teoria,<br />
produzi<strong>da</strong> e circunscrita à acad<strong>em</strong>ia.<br />
Reflexões nesta direção também foram feitas por Verger (1982) e<br />
d<strong>em</strong>onstram a universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> postura <strong>da</strong> instituição escolar frente<br />
ao conjunto de disciplinas ministra<strong>da</strong>s e a importância classificatória<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
159
de ca<strong>da</strong> uma delas: nos boletins, por ex<strong>em</strong>plo, as “matérias<br />
importantes” são coloca<strong>da</strong>s acima <strong>da</strong>s “matérias secundárias”.<br />
A escola estabelece, portanto, uma linha divisória que repercute<br />
nos diferentes níveis socioeconômicos e culturais de seus alunos<br />
e de suas famílias, desenhando uma fronteira entre as<br />
aprendizagens que exig<strong>em</strong> concentração (m<strong>em</strong>ória, raciocínio<br />
dedutivo, organização de idéias) e aquelas <strong>em</strong> que a expressão do<br />
saber pode ser realiza<strong>da</strong> com maior liber<strong>da</strong>de (textos livres,<br />
desenhos livres etc.). Essa oposição entre a concentração e a<br />
liber<strong>da</strong>de faz com que, por ex<strong>em</strong>plo, as ativi<strong>da</strong>des considera<strong>da</strong>s<br />
intelectuais sejam, no caso pesquisado por Verger (1982),<br />
agrupa<strong>da</strong>s pela manhã (pois nesse período há mais concentração),<br />
enquanto que as disciplinas que privilegiam a liber<strong>da</strong>de possam<br />
ser pratica<strong>da</strong>s à tarde. O par concentração/ liber<strong>da</strong>de é, s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>,<br />
a tradução atenua<strong>da</strong> <strong>da</strong> oposição trabalho/ ociosi<strong>da</strong>de, que é<br />
expressa na distinção entre “matérias principais” e “matérias<br />
secundárias”: logo, conclui-se que os sist<strong>em</strong>as de valores mantidos<br />
nas escolas não priorizam a arte.<br />
A introspecção dessa dicotomia recebe respostas varia<strong>da</strong>s e<br />
excludentes:<br />
160<br />
No momento que, dentro <strong>da</strong>s famílias, o capital cultural é satisfatório,<br />
ou seja, na classe dominante e numa parte <strong>da</strong>s classes médias, o<br />
julgamento é <strong>em</strong> geral mais favorável: a música, o desenho vêm somar<br />
à escolari<strong>da</strong>de seu “supl<strong>em</strong>ento <strong>da</strong> alma”, que se traduzirá mais tarde<br />
<strong>em</strong> lucros simbólicos não desprezíveis, permitindo até um certo<br />
diletantismo. Em compensação, os m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong>s classes populares,<br />
cujas crianças acumulam dificul<strong>da</strong>des de primeiros níveis, un<strong>em</strong>-se<br />
espontaneamente aos educadores para desvalorizar as ativi<strong>da</strong>des<br />
considera<strong>da</strong>s como lúdicas e inúteis <strong>em</strong> proveito <strong>da</strong>quelas que são<br />
ti<strong>da</strong>s como rentáveis. (Verger, 1982, p. 26)<br />
Bourdieu (1998a; 1998b) também reitera a questão, colocando que<br />
a escola, inseri<strong>da</strong> na relação exclusiva entre o nível de instrução e<br />
a prática cultural, somente consegue atingir os seus objetivos de<br />
Revista Opus 12 - 2006
educação artística <strong>em</strong> indivíduos que já possu<strong>em</strong> familiari<strong>da</strong>de com<br />
o mundo <strong>da</strong> arte. Como l<strong>em</strong>bram Good e Weinstein (1992, p. 79),<br />
a eficácia do ensino “depende de processos internos às escolas<br />
ou pode ser inteiramente explica<strong>da</strong> pelas diferenças entre as<br />
características dos alunos (por ex<strong>em</strong>plo, diferenças de aptidão)”.<br />
A divisão entre teoria e prática é outra evidência no cotidiano escolar,<br />
refletindo-se como um paradigma a ser substituído.<br />
Nas escolas (que no caso serão ex<strong>em</strong>plos) – é fácil identificar – s<strong>em</strong>pre<br />
há um lugar específico para a teoria e um outro (generaliza<strong>da</strong>mente é<br />
um outro) que se reserva para a prática. [...] <strong>em</strong> alguns momentos,<br />
“estu<strong>da</strong>-se”, <strong>em</strong> outros, “pratica-se”. [...] o primeiro é o <strong>da</strong>s salas de<br />
aula, o segundo é o dos laboratórios, oficinas, o dos estágios<br />
supervisionados... O importante é que, via de regra, eles são distintos,<br />
como se foss<strong>em</strong> opostos, quase antagônicos. Dicotômicos, certamente.<br />
(Bochniak, 1992, p. 21)<br />
Figueiredo (2005), por sua vez, também ressalta a questão de que<br />
os sist<strong>em</strong>as educacionais não são preparados e dão pouca<br />
importância ao ensino <strong>da</strong> arte. O autor ain<strong>da</strong> coloca que os PCN,<br />
as diretrizes de estados e municípios e outros documentos <strong>em</strong>itidos<br />
pelas autori<strong>da</strong>des educacionais não apresentam contribuições para<br />
o desenvolvimento de um sist<strong>em</strong>a educacional mais associado à<br />
reali<strong>da</strong>de escolar. Analisa, ain<strong>da</strong>, que o fato <strong>da</strong> LDB conter um<br />
parágrafo instituindo o ensino <strong>da</strong> arte na educação básica é um<br />
claro ex<strong>em</strong>plo de que a legislação não contribui para o<br />
desenvolvimento de um sist<strong>em</strong>a educativo-musical eficiente.<br />
Considerações finais.<br />
Ao longo <strong>da</strong> história, a educação musical escolar no Brasil (instituí<strong>da</strong><br />
<strong>em</strong> 1854) proporcionou a diversas gerações uma vivência musical<br />
intensa, que culminou com a criação de escolas especializa<strong>da</strong>s,<br />
responsáveis pela formação de músicos consagrados e pela difusão<br />
do gosto musical na socie<strong>da</strong>de.<br />
Entretanto, a reali<strong>da</strong>de não é mais a mesma, e atualmente o ensino<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
161
de música nas escolas regulares é escasso, o que nos leva a refletir<br />
que a educação musical dentro <strong>da</strong> disciplina arte faz parte<br />
meramente de manuais e propostas curriculares veicula<strong>da</strong>s por<br />
órgãos governamentais. Apesar de a educação musical estar<br />
implícita na disciplina arte, componente obrigatório <strong>da</strong> educação<br />
básica, ela sobrevive muitas vezes de forma oculta, <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des<br />
extracurriculares e <strong>em</strong> projetos comunitários, como b<strong>em</strong> ressalta<br />
Álvares (2005). Assim, é importante colocar que, <strong>em</strong> alguns casos,<br />
principalmente <strong>em</strong> instituições educativas priva<strong>da</strong>s, ela ain<strong>da</strong> é<br />
pratica<strong>da</strong>. Porém, isso não é suficiente, uma vez que na maioria<br />
dos casos a musicalização não é conduzi<strong>da</strong> de uma maneira<br />
sist<strong>em</strong>ática, tendo como objetivo o desenvolvimento cognitivo<br />
musical.<br />
Espera-se, portanto, que o debate acerca <strong>da</strong> educação musical<br />
nas escolas possa gerar subsídios para uma prática de ensino mais<br />
eficiente a para uma melhor qualificação dos docentes. Machado<br />
(2004) propõe que as competências necessárias para a prática<br />
pe<strong>da</strong>gógico-musical no ensino fun<strong>da</strong>mental e médio, na visão dos<br />
professores de música, pod<strong>em</strong> ser concretiza<strong>da</strong>s no<br />
desenvolvimento <strong>da</strong>s seguintes capaci<strong>da</strong>des: elaborar e<br />
desenvolver propostas de ensino musical no contexto escolar;<br />
organizar e dirigir situações de aprendizag<strong>em</strong> musical<br />
“interessantes” aos alunos; administrar a progressão de<br />
aprendizagens musicais dos alunos; administrar os recursos que a<br />
escola dispõe para a realização do ensino de música; conquistar a<br />
valorização do ensino musical no contexto escolar; relacionar-se<br />
afetivamente com os alunos, estipulando e mantendo limites; e<br />
manter-se <strong>em</strong> continuado processo de formação profissional.<br />
Também se acrescenta a essas habili<strong>da</strong>des a capaci<strong>da</strong>de essencial<br />
de<br />
162<br />
romper barreiras (entre teoria e prática, obrigação e satisfação, grupos<br />
homogêneos e heterogêneos, especiali<strong>da</strong>des e generali<strong>da</strong>de,<br />
Revista Opus 12 - 2006
eprodução e produção de conhecimento) que não são exclusivas <strong>da</strong><br />
escola e/ ou de um curso, mas passíveis de ocorrer <strong>em</strong> todo e qualquer<br />
contexto social e/ ou currículo escolar. (Bochniak, 1992, p.19)<br />
Estas reflexões buscam revelar a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s instituições<br />
escolares, com seus valores explícitos e implícitos e com suas<br />
repercussões profun<strong>da</strong>s na vi<strong>da</strong> de to<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que as cerca,<br />
responsabilizando-se pela transmissão de valores culturais e<br />
artísticos à socie<strong>da</strong>de.<br />
Tais questões precisam de novas e imediatas providências no<br />
sentido de inseri-las <strong>em</strong> uma probl<strong>em</strong>ática maior, caracteriza<strong>da</strong> pela<br />
falta de conceitos do mundo cont<strong>em</strong>porâneo e pela desorientação<br />
que toma conta de muitos educadores-artistas, que atuam, via-deregra,<br />
<strong>em</strong> uma caótica harmonia superficial. Nesse sentido, o<br />
desafio <strong>da</strong> educação musical na escola regular apresenta-se como<br />
uma probl<strong>em</strong>ática a ser discuti<strong>da</strong> e transforma<strong>da</strong> pela sinergia de<br />
diversos agentes sociais: o Estado, a escola, profissionais <strong>da</strong> área,<br />
pesquisadores, professores e enti<strong>da</strong>des que congregu<strong>em</strong> esses<br />
agentes, tais como a Associação Brasileira de Educação Musical<br />
(ABEM) e a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação<br />
<strong>em</strong> Música (ANPPOM).<br />
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164<br />
Revista Opus 12 - 2006
VISCONTI, Márcia; BIAGIONI, Maria Zei. Guia para educação e prática musical <strong>em</strong> escolas.<br />
São Paulo: Ab<strong>em</strong>úsica, 2002.<br />
Rita de Cássia Fucci Amato - É Doutora e Mestra <strong>em</strong> Educação (UFSCar), especialista <strong>em</strong><br />
Fonoaudiologia (EPM-Unifesp) e bacharel <strong>em</strong> Música com habilitação <strong>em</strong> Regência (Unicamp).<br />
Aperfeiçoou-se com Lutero Rodrigues (regência) e Leilah Farah (canto lírico). Possui experiência<br />
profissional como regente, professora de técnica vocal/ voz canta<strong>da</strong> e cantora lírica. É docente <strong>da</strong><br />
Facul<strong>da</strong>de de Música Carlos Gomes e do Departamento de Música do Instituto de Artes <strong>da</strong> Unesp.<br />
Autora de artigos publicados <strong>em</strong> periódicos e anais de eventos nacionais e internacionais, nas<br />
áreas de música, educação e filosofia.<br />
e-mail: fucciamato@terra.com.br<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
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166<br />
Revista Opus 12 - 2006
Revista Opus 12 - 2006<br />
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168<br />
Revista Opus 12 - 2006
UMA CONVERSA COM JOSEPH STRAUS<br />
Cíntia Albrecht: How did the 3 Sonatinas for piano solo by Almei<strong>da</strong><br />
Prado impact you for the first time?<br />
Tradução: Qual foi a sua impressão <strong>da</strong>s 3 Sonatinas para piano<br />
solo de Almei<strong>da</strong> Prado pela primeira vez que as ouviu?<br />
Joseph Straus: They se<strong>em</strong>ed very attractive and interesting pieces.<br />
I was happy to have th<strong>em</strong> brought to my attention and glad that we<br />
had the chance to study th<strong>em</strong> together.<br />
Tradução: Elas pareceram peças muito interessantes e atraentes.<br />
Eu fiquei muito feliz por elas ter<strong>em</strong> sido trazi<strong>da</strong>s à minha atenção e<br />
por termos tido a chance de estudá-las juntos.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
Cíntia Macedo Albrecht<br />
Resumo: Esta entrevista faz parte <strong>da</strong> tese de Doutorado intitula<strong>da</strong> “Um estudo analítico <strong>da</strong>s<br />
Sonatinas para piano solo de Almei<strong>da</strong> Prado, visando a sua performance”. Após realizar uma fase<br />
de sua pesquisa durante o Doutorado Sandwich orientado por Joseph Straus <strong>em</strong> Nova Iorque, a<br />
pesquisadora elaborou questões para que esse importante analista musical desse seu parecer<br />
sobre a aplicação <strong>da</strong> Teoria dos Conjuntos de Sons no estudo <strong>da</strong>s Sonatinas e seu aproveitamento<br />
para a performance. Além de d<strong>em</strong>onstrar grande apreciação sobre as obras estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, Straus<br />
também proporciona ricas informações sobre a recepção dessa teoria de análise <strong>em</strong> diferentes<br />
partes do mundo.<br />
Palavras chave: Joseph Straus. Teoria dos Conjuntos de Sons. Sonatinas para piano. Almei<strong>da</strong><br />
Prado.<br />
Abstract: This interview is part of the Doctoral Thesis entitled “The Sonatinas for piano solo by<br />
Almei<strong>da</strong> Prado: a study of analysis and performance.” With the accomplishment of part of this<br />
research during the Doctoral Sandwich Program under the advising of Joseph Straus in New<br />
York, questions were raised to obtain his opinion about the application of Pitch-Set Class Theory<br />
on the Sonatinas and its contribution to performance. Besides his appreciation for the works,<br />
Straus also gives rich information on the reception of this analysis’ theory in different parts of the<br />
world.<br />
Keywords: Joseph Straus. Pitch-Set Class Theory. Sonatinas for piano. Almei<strong>da</strong> Prado.<br />
169
Cíntia Albrecht: Do you think that they were an innovation of the<br />
traditional sonatinas or are they still very close to th<strong>em</strong>?<br />
Tradução: O senhor acha que elas foram uma inovação <strong>da</strong>s<br />
sonatinas anteriores ou ain<strong>da</strong> são b<strong>em</strong> pareci<strong>da</strong>s?<br />
Joseph Straus: Sonatinas do not have any absolute definitive form<br />
in any case, they just mean small piano pieces. So, it wasn’t so<br />
much that they were innovative formally as they were appealing<br />
musically and appealing particularly in the way in which that they<br />
combine traditional sounding el<strong>em</strong>ents with more typical and<br />
idiomatic post-tonal kinds of musical attributes. That was apparent<br />
on the first hearing and it turned out to be one of the central issues<br />
that you ended up discussing, namely the ways in which he uses<br />
traditional materials, folk materials, mo<strong>da</strong>l things in a context and in<br />
a way that makes it very clear that these are cont<strong>em</strong>porary<br />
compositions.<br />
Tradução: Sonatinas não t<strong>em</strong> uma forma absoluta e definitiva; de<br />
qualquer maneira, elas representam peças pianísticas mais curtas.<br />
Então, não é que tenham sido tanto uma inovação quanto ao<br />
aspecto formal, e sim, quanto à sua atração musical e<br />
particularmente na maneira como são combinados el<strong>em</strong>entos que<br />
soam tradicionais aos tipos de atributos mais típicos e idiomáticos<br />
<strong>da</strong> música pós-tonal. Isso foi perceptivel na primeira escuta se<br />
transformando <strong>em</strong> um dos assuntos centrais que você acabou<br />
discutindo, os caminhos pelos quais ele usa materiais tradicionais,<br />
el<strong>em</strong>entos mo<strong>da</strong>is <strong>em</strong> um contexto que se torna bastante claro<br />
que são obras <strong>da</strong> música cont<strong>em</strong>porânea.<br />
Cíntia Albrecht: What is your opinion about the results gotten from<br />
the analysis applied to the Sonatinas?<br />
170<br />
Revista Opus 12 - 2006
Tradução: Qual é a sua opinião sobre os resultados obtidos <strong>da</strong>s<br />
análises aplica<strong>da</strong>s às Sonatinas?<br />
Joseph Straus: I think that the analysis was quite successful and<br />
that it has worked very well because it proceeded on two separate<br />
tracks that ended up intertwining in very effective ways. The first<br />
track was a typically post-tonal approach based on pitch class sets<br />
and twelve tone series and things of that kind and at the same time<br />
you did a kind of mo<strong>da</strong>l analysis based on diatonic collections. And<br />
those are reasonably separate theoretical traditions but you<br />
managed to show intersections among th<strong>em</strong> within the music. And<br />
I think that that is your principal analytical and theoretical<br />
achiev<strong>em</strong>ent: you show how these two distinctive kinds of music<br />
interact with each other in the Sonatinas.<br />
Tradução: Eu acho que a análise teve sucesso e funcionou muito<br />
b<strong>em</strong> pois procedeu <strong>em</strong> dois caminhos separados que terminaram<br />
se encontrando de formas bastante efetivas. O primeiro caminho<br />
foi tipicamente pós-tonal, tendo como base conjuntos de classes<br />
de alturas e a série de doze sons e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, você fez<br />
uma análise mo<strong>da</strong>l com base nas coleções diatônicas. Essas são<br />
tradições teóricas diferencia<strong>da</strong>s, entretanto, você conseguiu mostrar<br />
interseções entre elas dentro <strong>da</strong> música. Eu acho que essa foi sua<br />
principal conquista analítica e teórica, mostrando como esses dois<br />
tipos diferentes de música se interag<strong>em</strong> nas Sonatinas.<br />
Cíntia Albrecht: There is a question that I have had for quite a<br />
while now and it has to do with something that I had already noticed<br />
in Brazil and had it confirmed when we were in Belgium: the<br />
controversy between the European and the North-American<br />
approach to analysis and also about the resistance of Europeans<br />
to use pitch-class set theory.<br />
I liked when you gave the example of Schoenberg´s Piano Piece<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
171
Op.11, n.1, showing the value of the Pitch-set class theory to the<br />
analysis of its beginning se<strong>em</strong>s to be a challenge for the analysts.<br />
Tradução: Há algum t<strong>em</strong>po tenho uma dúvi<strong>da</strong> com relação a algo<br />
que percebi no Brasil e que foi confirmado quando estiv<strong>em</strong>os na<br />
Bélgica 1 : sobre a controvérsia entre a maneira de analisar Européia<br />
e a Norte Americana e também sobre a resistência dos europeus<br />
<strong>em</strong> usar a Teoria dos Conjuntos de Sons.<br />
Eu gostei de quando o senhor deu o ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> “Piano Piece<br />
Op.11, n.1” de Schoenberg, mostrando o valor <strong>da</strong> Teoria dos<br />
Conjuntos de Sons para analisar o início <strong>da</strong> peça, um trecho<br />
desafiador para os analistas.<br />
Joseph Straus: You are talking about different analysis of<br />
Schoenberg’s Piano Piece Op.11 n.1 and there are a number of<br />
published analysis that try to understand that piece as being in a<br />
particular key, and I have no probl<strong>em</strong> with this in principle. I mean,<br />
the piece was written in 1908 so the idea that it might be tonal in<br />
some sense would be perfectly logical historically. The probl<strong>em</strong> turns<br />
out to be an analytical one, namely that no two people se<strong>em</strong> to able<br />
to agree on what key it is in. They all think it is in a key, but they<br />
don’t know on what key it is in, and they have a lot of contradictory<br />
ideas about in what key it is in. So, one guesses that it’s in G major<br />
and one says that it’s F# major, and well, they really can’t both be<br />
right because those are absolutely contradictory ideas. So at that<br />
point we might want to say that perhaps there is a fleeting sense of<br />
key in these atonal pieces but it’s terribly hard to pin it down and if<br />
your goal is to offer a more comprehensive understanding of how<br />
these pieces are put together maybe the concept of key is not going<br />
to be a particularly useful one. And this really se<strong>em</strong>s to be true in<br />
the case of Schoenberg’s Op.11 n.1. So, while I would not say in<br />
advance that you are not allowed to talk about key let’s give a try<br />
and see what happens. In that particular case the results were not<br />
impressive. So we then have to try something else.<br />
172<br />
Revista Opus 12 - 2006
You also raised the question about the approach of Pitch-Class Set<br />
Theory. I guess my feeling is the same, which is instead of saying in<br />
advance that it is invalid in some way, because of those numbers or<br />
it’s invalid because the composers didn’t have a concept of the<br />
pitch-class set in some conscious way, instead of judging in advance,<br />
I would say let’s take a look at the analytical results and see what<br />
kinds of things that approach can tell us about the pieces. Then<br />
again in the case of Op.11 n.1 it se<strong>em</strong>s to me that an analitycal<br />
approach based on pitch-class sets is actually pretty rewarding!<br />
Now, it is possible to push it too far, and end up talking about musical<br />
structures that are probably not worth talking about. However it does<br />
appear that in Schoenberg’s Op.11, No.1 the openning three notes<br />
are its basic motivic idea which can be repeated, with the octaves<br />
changed, transposed, reordered, all the things that happen to pitchclass<br />
sets. That turns out to be a pretty rewarding way of thinking<br />
about that piece.<br />
Now, you aluded to the fact that pitch-class set theory has a very<br />
different reception history in North America and in other parts of the<br />
world, particularly in Europe, and that’s absolutely true. Do you<br />
r<strong>em</strong><strong>em</strong>ber, the Dutch theorist named Michiel Schuier when we were<br />
in Guent? He just finished his dissertation and I just got a copy of<br />
that and it’s all about the history of the reception of pitch-class set<br />
theory. Basically he starts out by raising the question: why is this<br />
theory considered so worthless and pointless in Europe and yet<br />
considered so central and basic in North America? And he offers<br />
various reasons for it and very interesting historical reasons why<br />
things have unfolded this way. And there are political reasons,<br />
intellectual reasons, institutional reasons (that have to do with the<br />
University), there are all kinds of reasons why it has unfolded this<br />
way. But he shows, I think very clearly and I certainly agree that this<br />
theory does have something to offer and it is worth paying some<br />
attention to. So, if it is rejected in advance it se<strong>em</strong>s rather foolish to<br />
me. I think another basic insight is that it can be useful to count the<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
173
intervals with the s<strong>em</strong>itones, motives can sometimes be repeated<br />
but with the order of the notes changed and the octaves changed.<br />
That’s the basic idea of Pitch-Set Class Theory. Those se<strong>em</strong> like<br />
good ideas to me. In the case of your Prado analysis sometimes I<br />
think you got some pretty good results that way.<br />
Tradução: Você está falando sobre análises diferentes <strong>da</strong> “Piano<br />
Piece Op.11, n.1” de Schoenberg e há várias análises publica<strong>da</strong>s<br />
que tentam entender essa peça como se estivesse <strong>em</strong> uma<br />
tonali<strong>da</strong>de específica. Eu não tenho nenhum probl<strong>em</strong>a com isso a<br />
princípio. Isso porque a obra foi composta <strong>em</strong> 1908, então a idéia<br />
sobre ser tonal de algum modo é perfeitamente lógica<br />
historicamente. O probl<strong>em</strong>a passa a ser analítico, uma vez que<br />
n<strong>em</strong> mesmo duas pessoas consegu<strong>em</strong> concor<strong>da</strong>r sobre <strong>em</strong> que<br />
tonali<strong>da</strong>de a obra está. Todos acham que está <strong>em</strong> alguma<br />
tonali<strong>da</strong>de, mas não sab<strong>em</strong> <strong>em</strong> qual e têm várias idéias<br />
contraditórias. Um acha que está <strong>em</strong> Sol Maior, outro <strong>em</strong> Fá# Maior<br />
e dessa maneira nenhum pode estar certo pois as duas idéias são<br />
totalmente contraditórias. Com isso poderíamos sugerir que talvez<br />
haja um sentido flutuante de tonali<strong>da</strong>de nessas peças atonais, mas<br />
é muito difícil determiná-lo e se o objetivo é oferecer um melhor<br />
entendimento de como essas peças foram construí<strong>da</strong>s talvez o<br />
conceito de tonali<strong>da</strong>de não tenha utili<strong>da</strong>de. Esse parece ser o caso<br />
<strong>da</strong> Op.11 n.1 de Schoenberg. Enquanto eu não me precipitaria <strong>em</strong><br />
dizer que não é permitido falar <strong>em</strong> tonali<strong>da</strong>de eu diria: vamos fazer<br />
uma tentativa e ver o que acontece. Nesse caso <strong>em</strong> particular, os<br />
resultados não impressionaram. Vamos experimentar outra coisa.<br />
Você levantou a questão sobre o uso <strong>da</strong> Teoria dos Conjuntos de<br />
Sons. Eu acho que meu sentimento é o mesmo, ao invés de invalidála<br />
antecipa<strong>da</strong>mente devido aos números, ou porque os<br />
compositores não tinham o conceito dos conjuntos de classes de<br />
alturas conscient<strong>em</strong>ente, ao invés de julgar precipita<strong>da</strong>mente, eu<br />
diria, vamos ver nos resultados <strong>da</strong> análise o que elas puderam nos<br />
174<br />
Revista Opus 12 - 2006
dizer sobre a obra. No caso <strong>da</strong> Op.11, n.1 me pareceu que o princípio<br />
analítico pelos conjuntos foi na ver<strong>da</strong>de muito proveitoso! Agora, é<br />
também possível passar dos limites e falar de estruturas musicais<br />
que não vale a pena ser<strong>em</strong> cita<strong>da</strong>s. Entretanto, parece que nessa<br />
obra de Schoenberg, as primeiras três notas representam sua idéia<br />
motívica básica que pode ser repeti<strong>da</strong> com as oitavas modifica<strong>da</strong>s,<br />
transpostas, reorganiza<strong>da</strong>s, tudo o que acontece com os conjuntos<br />
de classes de alturas. Essa é uma maneira muito recompensadora<br />
de pensar sobre essa obra.<br />
Você comentou sobre o fato de que a Teoria dos Conjuntos de<br />
Sons t<strong>em</strong> uma história de aceitação b<strong>em</strong> diferente na América do<br />
Norte <strong>em</strong> relação a outras partes do mundo, particularmente na<br />
Europa. E isso é ver<strong>da</strong>de. Você se l<strong>em</strong>bra de um teórico holandês<br />
chamado Michiel Schuier quando estávamos <strong>em</strong> Guent? Ele<br />
terminou sua dissertação e eu acabei de recebê-la. Ela é sobre a<br />
história <strong>da</strong> recepção <strong>da</strong> Teoria dos Conjuntos de Sons. Basicamente,<br />
ele a inicia com a pergunta: porque essa teoria é considera<strong>da</strong> tão<br />
s<strong>em</strong> valor e insignificante na Europa, enquanto que na América do<br />
Norte é básica e central? Ele oferece várias razões, sendo as<br />
históricas as responsáveis para desencadear a situação. Há também<br />
razões políticas, intelectuais e institucionais (relaciona<strong>da</strong>s à<br />
universi<strong>da</strong>de). Mas ele mostra de maneira b<strong>em</strong> clara e concordo<br />
que essa teoria t<strong>em</strong> sim algo a oferecer e vale a pena <strong>da</strong>r-lhe<br />
atenção. Rejeitá-la antecipa<strong>da</strong>mente me parece uma bobag<strong>em</strong>.<br />
Outra observação básica é que ela pode ser útil quanto a<br />
representação dos intervalos por s<strong>em</strong>itons, os motivos pod<strong>em</strong> ser<br />
às vezes repetidos com a ord<strong>em</strong> <strong>da</strong>s alturas troca<strong>da</strong> e as oitavas<br />
modifica<strong>da</strong>s. Essa é a idéia básica <strong>da</strong> Teoria dos Conjuntos de<br />
Sons. Essas me parec<strong>em</strong> boas idéias. No caso de sua análise <strong>da</strong>s<br />
obras de Almei<strong>da</strong> Prado, algumas vezes acho que você conseguiu<br />
resultados muito bons por esse caminho.<br />
Cíntia Albrecht: What do you think about analysis for performance?<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
175
Tradução: O que o senhor acha <strong>da</strong> análise para a performance?<br />
Joseph Straus: It is a really hard question. I would say that there<br />
are certain kinds of analytical observations that are interesting to<br />
people like me as theorists that in truth have no implications<br />
whatsoever with the performance. Here is an example: I have just<br />
been looking at Bartók’s “Third String Quartet”. At the beginning of<br />
that piece the lower three instruments play a chord and the first<br />
violin plays a melody that contains all of the notes excluded by the<br />
chord. So, altogether you got an aggregate of all twelve pitch<br />
classes. Some notes are in the chord and the r<strong>em</strong>aining notes are<br />
in the melody. That se<strong>em</strong>s really interesting to me. It is certainly an<br />
observation worth making as part of the compositional process and<br />
it’s very interesting analytically. But does it help the first violinist’s<br />
performance to know that all the notes from the melody are different<br />
from the notes being sustained by the second violin, viola and cello?<br />
I don’t see how it would help th<strong>em</strong> at all! Would he play th<strong>em</strong> louder,<br />
or softer or faster? It’s not going to help him.<br />
At the other extr<strong>em</strong>e I can imagine a whole set of analytical<br />
observations that potentially have a huge impact on performance.<br />
One of the basic things you do in analysis is that you group things<br />
together, then you say, well, this note belongs in this grouping over<br />
here, but doesn’t belong on that grouping over there. Grouping<br />
implications like that have tr<strong>em</strong>endous implications for performance<br />
because one of the things that performance is also about is grouping<br />
things together. You phrase things so you have to decide for<br />
example, does this B flat come at the end of that previous gesture<br />
or is it at the beginning of the next gesture? Where does the B flat<br />
belong? One of the things that analysis is about is making decisions<br />
like that, and that has direct implications for performance, so there<br />
are many things that analysis does that can be very directly helpful<br />
for and bear directly on performance and there is much that is in<br />
between those two extr<strong>em</strong>es. So the relationship between analysis<br />
176<br />
Revista Opus 12 - 2006
and performance is an extr<strong>em</strong>ely complicated one. I wouldn’t ever<br />
want to say that the only valid form of analysis is the one that has<br />
implications for performance, because I think that there are many<br />
kinds of good analysis that does not have anything to do with<br />
performance. But I do think that there is a lot of analysis that does<br />
bear on performance.<br />
Now, as for your particular project I guess some of the things that<br />
you came up with do and some of th<strong>em</strong> don’t have implications for<br />
performance. Some of the things that you talked about have to do<br />
with grouping, the different collections for example. You were able<br />
to show whether in a given collection a particular note is a structural<br />
note or an <strong>em</strong>bellishing note. And you were able to show that at<br />
certain points the collection changes. Well I think that that will have<br />
influence on how you would shape phrases and that kind of thing.<br />
Other kinds of observations you made: the good interesting<br />
discussion that we had about the twelve-tone diatonization, at the<br />
Sonatina n.2. I thought that was fascinating theoretically. How would<br />
that have an impact on your performance? I doubt it would have<br />
any impact, or perhaps at best a very general impact. The very<br />
least an analysis can do is help you to grasp the piece as a whole<br />
and to m<strong>em</strong>orize it. In this case, when you know that the second<br />
repetition shifts to A major, the three sharp collection, well I think it<br />
will help you r<strong>em</strong><strong>em</strong>ber it! That’s the very least the analysis can do<br />
for you.<br />
Tradução: Essa é uma pergunta muito difícil. Eu diria que alguns<br />
tipos de observações analíticas são interessantes para teóricos<br />
como eu e que na ver<strong>da</strong>de não têm aplicações para a performance.<br />
Aqui está um ex<strong>em</strong>plo: observe-se o “Third String Quartet” de Bartók.<br />
Ao início dessa peça, os três instrumentos mais graves tocam um<br />
acorde e o primeiro violino toca um melodia que contém to<strong>da</strong>s as<br />
notas excluí<strong>da</strong>s do acorde. Somando tudo, t<strong>em</strong>os um agregado de<br />
to<strong>da</strong>s as doze classes de alturas. Algumas delas estão no acorde<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
177
e as r<strong>em</strong>anescentes na melodia. Eu achei isso realmente<br />
interessante. É uma observação que certamente vale a pena fazer<br />
como parte do processo composicional e também é interessante<br />
analiticamente. Mas isso aju<strong>da</strong> a performance do primeiro violinista,<br />
saber que to<strong>da</strong>s as notas <strong>da</strong> melodia são diferentes <strong>da</strong>s sustenta<strong>da</strong>s<br />
pelo segundo violino, viola e cello? Eu não sei como isso poderia<br />
aju<strong>da</strong>r! Ele as tocaria mais forte ou mais fraco ou mais rápido? Não<br />
irá ajudá-lo.<br />
Por outro lado eu posso imaginar várias observações analíticas<br />
que têm um grande impacto para a performance. Uma <strong>da</strong>s coisas<br />
básicas que se faz na análise é agrupar, dizendo depois, b<strong>em</strong>,<br />
essa nota pertence a esse grupo aqui, mas não pertence àquele<br />
grupo lá. Implicações de grupos contribu<strong>em</strong> fort<strong>em</strong>ente para a<br />
performance pois uma <strong>da</strong>s características <strong>da</strong> performance é<br />
exatamente agrupar. Ao frasear você t<strong>em</strong> que decidir, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
se o “Si b<strong>em</strong>ol” v<strong>em</strong> ao final <strong>da</strong>quele gesto anterior ou se faz parte<br />
do início do próximo gesto. Uma <strong>da</strong>s funções <strong>da</strong> análise é fazer<br />
decisões como essa e isso t<strong>em</strong> implicação direta à performance.<br />
Dessa maneira, há várias coisas que a análise faz que pod<strong>em</strong> ser<br />
diretamente úteis para a peformance e há também muito entre os<br />
dois extr<strong>em</strong>os. Então a relação entre análise e performance é<br />
extr<strong>em</strong>amente complica<strong>da</strong>. Eu nunca diria que a única forma váli<strong>da</strong><br />
de análise é a que t<strong>em</strong> implicações para a performance, pois eu<br />
acho que há muitas boas análises que não t<strong>em</strong> na<strong>da</strong> a ver com<br />
performance. Mas acho que há muitas análises que t<strong>em</strong> o que dizer<br />
à performance.<br />
Agora, sobre o seu projeto <strong>em</strong> particular, acho que algumas coisas<br />
que você descobriu t<strong>em</strong> a ver e outras não t<strong>em</strong> implicações para a<br />
performance. Algumas coisas sobre as quais você falou t<strong>em</strong> a ver<br />
com agrupar, sendo as diferentes coleções um ex<strong>em</strong>plo. Você pode<br />
mostrar se uma nota <strong>em</strong> particular era decorativa ou fazia parte <strong>da</strong><br />
estrutura dentro de uma coleção e que <strong>em</strong> certos pontos a coleção<br />
178<br />
Revista Opus 12 - 2006
mu<strong>da</strong>. Penso que isso terá influência <strong>em</strong> como você interpreta<br />
fraseados e el<strong>em</strong>entos desse tipo. Outros tipos de observação que<br />
você fez: a interessante discussão que tiv<strong>em</strong>os sobre a diatonização<br />
<strong>da</strong> série de doze sons, na Sonatina n. 2. Achei isso fascinante<br />
teoricamente. Como isso poderia impactar a sua performance? Acho<br />
que não teria um impacto, talvez um mais geral. O mínimo que<br />
uma análise pode fazer é ajudá-la a entender a peça como um<br />
todo e a m<strong>em</strong>orizar. Nesse caso, quando você sabe que a segun<strong>da</strong><br />
repetição mu<strong>da</strong> para Lá Maior, a coleção de três sustenidos, b<strong>em</strong>,<br />
eu acho que você irá se l<strong>em</strong>brar disso! Isso é o mínimo que a análise<br />
pode fazer por você.<br />
Notas:<br />
1 Cíntia Albrecht encontrou o Professor Joseph Straus pela primeira vez no “Orpheus Institute in<br />
Music Theory” <strong>em</strong> Guent, na Bélgica, 2003.<br />
Cíntia Macedo Albrecht - é Doutora <strong>em</strong> Música (Unicamp, 2005), sob orientação do Prof. Dr.<br />
Rafael dos Santos, com bolsa CAPES e CNPQ - Brasil-EUA. Em 2005, foi pesquisadora visitante<br />
na CUNY, City University of New York trabalhando sob orientação de Joseph Straus. T<strong>em</strong> se<br />
apresentado <strong>em</strong> congressos e realizado recitais e concertos de música brasileira <strong>em</strong> eventos<br />
nacionais e internacionais, entre os quais ANPPOM, “3rd International Chamber Music Acad<strong>em</strong>y”<br />
(Al<strong>em</strong>anha), “The Piano Institute” (Maine, EUA) e “Orpheus Institute” (Ghent, Bélgica).<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
179
Revista Opus 12 - 2006<br />
181
Revista Opus 12 - 2006<br />
NOTA DE RETIFICAÇÃO<br />
“No que se refere ao relatório publicado pela OPUS 11 do GT<br />
Sigismund Neukomm durante o XV Congresso <strong>da</strong> ANPPOM no Rio<br />
de Janeiro <strong>em</strong> julho de 2005, Luciane Beduschi retifica que o<br />
Professor Paulo Castanha, assim como o seu orientando Adriano<br />
de Castro Meyer, são vinculados à Unesp, e não à USP. A autora se<br />
desculpa pela confusão imperdoável entre estas prestigia<strong>da</strong>s<br />
instituições do Estado de São Paulo.”<br />
lucianebeduschi@hotmail.com<br />
183
GT MÚSICA E MÍDIA: RELATÓRIO DAS ATIVIDADES<br />
NO XVI CONGRESSO NACIONAL DA ANPPOM<br />
184<br />
Coordenação: Profa. Dra. Heloísa de A. Duarte Valente<br />
heloisa.valente@unisantos.br - www.unisantos.br/musimid<br />
Colaboração de Profa. Dra. Marília Laboissière Barreto<br />
Introdução<br />
Com duração de cinco horas, a reunião realizou-se no dia 28 de<br />
agosto, nas dependências do Departamento de Música <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de Brasília (UNB), tendo, como objetivo principal a<br />
apresentação e discussão de projetos de pesquisa <strong>em</strong><br />
desenvolvimento e já finalizados, a maioria deles desenvolvidos<br />
junto à Pós-Graduação <strong>em</strong> Música <strong>da</strong> Escola de Artes <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de Goiânia. Agregaram-se à sessão participantesouvintes,<br />
provenientes de diversas instituições: Clayton Rosa<br />
Mamedes, Nádssa Soares Santos, Vivian Deotti Carvalho, Larissa<br />
Camargo Santos, Denise Andrade de Freitas Martins, Alba Cristina<br />
Bonfim Souza, Cristina Tourinho, José Reis Geus, Nilson Casado<br />
Fir<strong>em</strong>an, Gabriel Lourenço.<br />
Dinâmica <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />
Ca<strong>da</strong> texto teve o t<strong>em</strong>po aproximado de 20 minutos para exposição,<br />
seguido de um comentário elaborado previamente por um leitor<br />
selecionado pela coordenação, que se encarregou de receber os<br />
textos e distribuí-los entre os participantes do grupo. Desse modo,<br />
todos os trabalhos passaram por algum tipo de apreciação crítica.<br />
Foram apresentados os seguintes textos:<br />
Eduardo Barbaresco: A relação título-obra-intérprete sob o olhar<br />
<strong>da</strong> s<strong>em</strong>iótica peirceana.<br />
Maria Regiane <strong>da</strong> Silva: Uma proposta de estudo sobre a<br />
significação s<strong>em</strong>iótica peirceana na performance.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Cristiana M. S. e Souza: Contribuição do pensamento deleuziano<br />
para a educação musical na terceira i<strong>da</strong>de.<br />
Sylmara Cintra Pereira: Educação à distância e educação musical<br />
no Brasil: considerações sobre possibili<strong>da</strong>des de aplicação no<br />
ensino <strong>da</strong> performance musical. Este trabalho foi avaliado por Daniel<br />
Gohn que, excepcionalmente, não pôde apresentar trabalho próprio.<br />
João Fortunato S. de Quadros Jr.: O papel <strong>da</strong> mídia nos processos<br />
de transmissão musical na Escola Pracatum<br />
Wellington Diniz: Samba: o diálogo malandro.<br />
Marília L. Barreto: Pelas inter-relações estabeleci<strong>da</strong>s: a música e<br />
sua singulari<strong>da</strong>de significativa.<br />
T<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos<br />
As discussões, de um modo geral, pautaram-se, sobretudo, na<br />
performance e s<strong>em</strong>iose musical. O conceito de performance foi<br />
abor<strong>da</strong>do de diversas maneiras. Destaqu<strong>em</strong>-se algumas delas:<br />
1) suas implicações, relativamente a uma cultura <strong>da</strong>s mídias;<br />
mu<strong>da</strong>nças de sensibili<strong>da</strong>de e cognição;<br />
2) a natureza <strong>da</strong> performance a partir do intérprete: sua<br />
formação intelectual, a importância <strong>da</strong> sua história de vi<strong>da</strong>;<br />
3) o título <strong>da</strong> obra musical engendra planos de significação,<br />
que pod<strong>em</strong> sofrer alterações, de uma interpretação para<br />
outra, <strong>em</strong> virtude <strong>da</strong> formação do executante e do ouvinte;<br />
4) a escuta como el<strong>em</strong>ento constitutivo <strong>da</strong> performance;<br />
5) como se dá a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> performance, a partir do<br />
aprendizado não-presencial (cursos de educação à<br />
distância).<br />
No que tange à significação musical, foram abor<strong>da</strong>dos t<strong>em</strong>as como<br />
a função do título, dedicatória, epígrafe e outros el<strong>em</strong>entos de ord<strong>em</strong><br />
extra-musical como direcionadores de um sentido; foram retoma<strong>da</strong>s<br />
as categorias peirceanas (especialmente a iconici<strong>da</strong>de e o as<br />
variações <strong>da</strong> simbologia musical, <strong>em</strong> vários aspectos; ain<strong>da</strong>,<br />
consideraram-se alguns conceitos deleuziano que atend<strong>em</strong> à<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
185
análise musical (corpo sermúsica, devir). Acrescent<strong>em</strong>-se, ain<strong>da</strong>,<br />
as questões relaciona<strong>da</strong>s ao corpo: como ele se apresenta, na<br />
performance ao vivo; suas cama<strong>da</strong>s de mediatização técnica, sua<br />
transformação ao longo <strong>da</strong> história, <strong>em</strong> virtude <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças na<br />
percepção.<br />
Finalizando as ativi<strong>da</strong>des do dia, Heloísa Valente ofereceu uma<br />
rápi<strong>da</strong> oficina com a finali<strong>da</strong>de de apresentar com mais<br />
detalhamento a linha de pesquisa desenvolvi<strong>da</strong> por este GT (que<br />
se converteu <strong>em</strong> um grupo de pesquisa, o Núcleo de Estudos <strong>em</strong><br />
Música e Mídia – MusiMid). Após a exposição verbal, com apoio de<br />
hiper-texto, foi ofereci<strong>da</strong> aos participantes a experiência de escuta<br />
de uma trilha sonora varia<strong>da</strong>, com o objetivo de probl<strong>em</strong>atizar alguns<br />
dos t<strong>em</strong>as que envolv<strong>em</strong> as relações entre música e mídia, <strong>em</strong><br />
vários contextos: música <strong>da</strong> mídia, para a mídia, na mídia, fora <strong>da</strong><br />
mídia etc. Foram também revisitados os seguintes conceitos:<br />
1) a escuta se dá no t<strong>em</strong>po-espaço; é histórica e a chama<strong>da</strong><br />
escuta arqueológica é impossível, de fato, não passando<br />
de uma aproximação;<br />
2) o conceito de performance, de acordo com Zumthor,<br />
envolve não apenas o <strong>em</strong>issor <strong>da</strong> mensag<strong>em</strong> poética, mas<br />
também o meio de transmissão, as condições de <strong>em</strong>issão e<br />
recepção, o receptor é ativo e t<strong>em</strong> uma função defini<strong>da</strong>;<br />
3) movência (Zumthor), hibridismo (García-Canclini) ou<br />
mestiçag<strong>em</strong> (Laplantine e Nouss): os textos poéticos que<br />
têm capaci<strong>da</strong>de intrínseca de se reconfigurar<br />
formalmente tend<strong>em</strong> a ser mais longevos; a mestiçag<strong>em</strong> é<br />
uma <strong>da</strong>s formas operacionais que realimentam o<br />
fun<strong>da</strong>mento do signo;<br />
4) paisag<strong>em</strong> sonora: de acordo com R. Murray Schafer, o<br />
conceito designa todo e qualquer ambiente acústico, não<br />
importando sua natureza;<br />
5) esquizofonia: segundo o mesmo autor, a proprie<strong>da</strong>de de<br />
separar a produção do som de sua recepção, no t<strong>em</strong>po dos<br />
186<br />
Revista Opus 12 - 2006
textos culturais, cultura sendo entendi<strong>da</strong> como função, no<br />
sentido conferido pela s<strong>em</strong>iótica <strong>da</strong> cultura.<br />
Avaliação <strong>da</strong> atuação do GT dentro <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des do congresso<br />
A sessão, de cinco horas de duração, com brevíssimo intervalo,<br />
permitiu a exposição dos trabalhos acima arrolados (ressalte-se<br />
que havia um número maior de inscritos previamente, que não<br />
puderam comparecer por motivos pessoais ou por falta de<br />
financiamento para a viag<strong>em</strong>). No entanto, o atual modelo pede<br />
aprimoramento, que consiste, basicamente, <strong>em</strong> dois pontos:<br />
1) o desdobramento a sessão <strong>em</strong> dias distintos, de modo a<br />
não sobrecarregar os participantes;<br />
2) a não-simultanei<strong>da</strong>de dos GTs, de modo a possibilitar o<br />
trânsito entre participantes e respectivos t<strong>em</strong>as <strong>em</strong> debates.<br />
Essa distribuição <strong>da</strong> grade horária, já v<strong>em</strong> ocorrendo nos<br />
congressos anteriores, o que implica, a despeito <strong>da</strong>s intenções<br />
contrárias dos coordenadores, numa impossibili<strong>da</strong>de de intercâmbio<br />
na atuação acadêmica. Assim, os GTs ficam impossibilitados de<br />
dialogar entre si e os participantes não têm outra alternativa, senão<br />
optar por acompanhar apenas um.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
187
188<br />
O PORTUGUÊS BRASILEIRO CANTADO<br />
Prof. Dr. Flávio Carvalho<br />
Departamento de Música e Artes Cênicas/ UFU<br />
e-mail: fcarvalho@d<strong>em</strong>ac.ufu.br<br />
www.d<strong>em</strong>ac.ufu.br<br />
Resumo: Este Grupo de Trabalho pretende consoli<strong>da</strong>r os intensos estudos que têm se<br />
desenvolvido nos últimos quatro anos sobre as Normas de Pronuncia do Português Brasileiro<br />
Neutro para o canto erudito, e avançar as pesquisas sobre a utilização do Alfabeto Fonético<br />
Internacional (IPA) e suas variantes na elaboração de tabelas normativas volta<strong>da</strong>s para a prática<br />
do repertório vocal erudito brasileiro. Também se pretende levantar questões e novas pesquisas<br />
relaciona<strong>da</strong>s ao t<strong>em</strong>a e seu contexto interdisciplinar.<br />
Palavras-Chave: Canto. Canto <strong>em</strong> português. Fonética. Dicção do Português brasileiro.<br />
O GT O Português Brasileiro Cantado, foi proposto com o objetivo<br />
de consoli<strong>da</strong>r os intensos estudos que têm se desenvolvido nos<br />
últimos quatro anos sobre as Normas de Pronuncia do Português<br />
Brasileiro Neutro para o canto erudito, e avançar as pesquisas sobre<br />
a utilização do Alfabeto Fonético Internacional (IPA) e suas variantes<br />
na elaboração de tabelas normativas volta<strong>da</strong>s para a prática do<br />
repertório vocal erudito brasileiro, e também levantar questões e<br />
novas pesquisas relaciona<strong>da</strong>s ao t<strong>em</strong>a e seu contexto<br />
interdisciplinar.<br />
O t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> normatização do Português Brasileiro Cantado na canção<br />
erudita brasileira teve como ponto de parti<strong>da</strong> o GT “A Língua<br />
Portuguesa no repertório vocal erudito brasileiro” no XIV Congresso<br />
<strong>da</strong> ANPPOM <strong>em</strong> 2003. As discussões realiza<strong>da</strong>s ali e as pesquisas<br />
subseqüentes deram condições para que fosse criado o Encontro<br />
Brasileiro de Canto – o português brasileiro cantado (São Paulo,<br />
fevereiro de 2005), <strong>em</strong> caráter nacional, com participação de<br />
representantes de grande parte dos estados brasileiros e ain<strong>da</strong> a<br />
participação de cantores e pesquisadores estrangeiros.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> 2005, o GT “O PB cantado – Novas estratégias de<br />
investigação” do XV Congresso <strong>da</strong> ANPPOM foi o palco de<br />
discussões e elaborações <strong>da</strong>s deliberações do Encontro Brasileiro<br />
de Canto, avaliando e consoli<strong>da</strong>ndo as normas estabeleci<strong>da</strong>s ali.<br />
As principais pesquisas desenvolvi<strong>da</strong>s desde o último GT,<br />
apontavam a necessi<strong>da</strong>de de uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> interdisciplinar na<br />
criação e estabelecimento <strong>da</strong> tabela fonética, o que neste ano 2006<br />
foi a principal característica do nosso encontro.<br />
Entre os participantes tiv<strong>em</strong>os a presença <strong>da</strong> Profª Drª Thaïs<br />
Cristófaro (UFMG) Doutora <strong>em</strong> Lingüística pela Universi<strong>da</strong>de de<br />
Londres, Pós Doutora pela Universi<strong>da</strong>de de Newcastle, é professora<br />
adjunta <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Minas<br />
Gerais e pesquisadora do CNPq. Tendo vasta experiência <strong>em</strong><br />
fonética e fonologia do português, pode orientar nossos esforços<br />
<strong>em</strong> direção a modificações técnicas e formais <strong>da</strong> tabela fonética.<br />
Sugestões propostas pelo GT para o texto do documento final<br />
<strong>da</strong>s normas:<br />
• Definir, no texto explicativo <strong>da</strong>s normas, de forma objetiva,<br />
o que se entende por “pronúncia neutra do português<br />
brasileiro para o canto erudito” .<br />
• Sugere o estudo de uma mu<strong>da</strong>nça do termo “pronuncia<br />
neutra do português brasileiro para o canto erudito” para<br />
“pronuncia padrão do português brasileiro para o canto<br />
erudito”.<br />
• Deve ser escrito no texto final do documento que as normas<br />
fornec<strong>em</strong> formato técnico e instrumental para a realização<br />
do canto erudito <strong>em</strong> português.<br />
• Deve ser caracterizado no texto final do documento que<br />
as regras são guias, mas não são categóricas.<br />
• Escrever no texto final do documento que a normatização<br />
não cont<strong>em</strong>pla as regionalizações e regionalismo.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
189
190<br />
• Caracterizar na tabela, como observações, as variações<br />
dialetais que não estarão nas normas do português neutro<br />
cantado.<br />
Sugestões propostas pelo GT para modificações na Tabela<br />
Fonética<br />
Sugeriu-se a alteração na formatação <strong>da</strong> tabela levando-se <strong>em</strong><br />
consideração aspectos técnicos apontados pela fonóloga Profª Drª<br />
Thaïs Cristófaro.<br />
Modificações:<br />
O formato inicial <strong>da</strong> tabela apresentava <strong>em</strong> sua primeira coluna a<br />
descrição fonética relacionado ao som (IPA). A proposta seria de<br />
reorganização <strong>da</strong> tabela no seguinte formato:<br />
Letra Pronúncia (IPA) Descrição do fon<strong>em</strong>a Contexto<br />
Sugestões propostas pelo GT para modificações na<br />
caracterização dos símbolos fonéticos na Tabela Fonética<br />
1) S<strong>em</strong>pre que um ditongo for nasal a proprie<strong>da</strong>de de nasalização,<br />
que é caracteriza<strong>da</strong> pelo símbolo [ ],é entendi<strong>da</strong> como uma<br />
proprie<strong>da</strong>de de todo o ditongo e não apenas <strong>da</strong> vogal marca<strong>da</strong><br />
com o símbolo [ ].<br />
2) O símbolo [ ] representa todos os casos <strong>em</strong> que a s<strong>em</strong>ivogal<br />
posterior ocorre representando o l-vocalizado e os ditongos orais<br />
ou nasais (pau, árdua, tênue, museu, não, ficaram, viu). Contudo,<br />
não cont<strong>em</strong>pla casos <strong>em</strong> que a s<strong>em</strong>ivogal posterior ocorre com<br />
consoantes velares (freqüente, lingüiça). Um único símbolo, ou seja<br />
[ ], poderia ser utilizado para representar todos os casos de<br />
s<strong>em</strong>ivogal posterior.<br />
Revista Opus 12 - 2006
Também o símbolo [ ] representa todos os casos de abran<strong>da</strong>mento<br />
de e, i átono, ditongos crescentes e decrescentes (tomate, pai,<br />
boi, ceita, mãe, põe). Esta proposta de modificação t<strong>em</strong> como base<br />
a citação:<br />
As vogais [ ] e [ ] difer<strong>em</strong> <strong>da</strong>s vogais [ ] e [ ] pelo fato de as primeiras<br />
ser<strong>em</strong> lev<strong>em</strong>ente mais centraliza<strong>da</strong>s e articula<strong>da</strong>s com menor esforço<br />
muscular. As vogais [ , ] são denomina<strong>da</strong>s vogais tensas e as vogais<br />
[ , ] são denomina<strong>da</strong>s vogais frouxas (ou lax). As vogais [ , ] ocorr<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> português não apenas como glides <strong>em</strong> ditongos, mas ocorr<strong>em</strong><br />
também como monotongos <strong>em</strong> posição átona final <strong>em</strong> palavras como<br />
“safári” e “pato” (CHRISTÓFARO SILVA, 1998, p. 74)<br />
Assim sendo, também sugerimos a supressão <strong>da</strong> representação<br />
do símbolo fonético <strong>em</strong> sobrescrito, facilitando a visualização,<br />
anotação e interpretação do fon<strong>em</strong>a.<br />
3) Na representação <strong>da</strong> letra a <strong>em</strong> posição tônica nasal, a tabela<br />
propõe símbolo [ e ]. Sugerimos a mu<strong>da</strong>nça para [ e ] por<br />
entender que o símbolo anterior se refere à vogal <strong>em</strong> posição átona.<br />
4) Com relação aos ditongos nasais considerou-se inadequado o<br />
uso do segmento nasal [ ] pois a consoante nasal é inferível devido<br />
a uma organici<strong>da</strong>de. A articulação do nasal dependerá <strong>da</strong> consoante<br />
seguinte (bomba, tonta, conga, gancho, afinco).<br />
5) Rever, <strong>em</strong> encontros futuros, os casos de epêntese: afta, admirar,<br />
pacto, etc; nota sobre alçamento vocálico<br />
Conclusões<br />
Os trabalhos do GT apontam para a preocupação dos participantes,<br />
vindos de regiões diversas do país, para com a produção de um<br />
texto final <strong>da</strong>s Normas, com vistas a sua publicação e divulgação<br />
para escolas de canto, professores e cantores <strong>em</strong> geral.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
191
Nossas discussões v<strong>em</strong> ao encontro do esforço coletivo de produzir<br />
uma tabela fonética mais alinha<strong>da</strong> aos desenvolvimentos <strong>da</strong><br />
lingüística, e <strong>da</strong>s tendências aponta<strong>da</strong>s por ela, procurando formato<br />
técnico mais apurado visando instrumentalizar o intérprete para a<br />
realização do canto erudito <strong>em</strong> português.<br />
A presença de uma lingüista <strong>em</strong> nossas discussões com uma<br />
experiência <strong>da</strong> Profª Drª Thaïs Cristófaro, levou a um entendimento<br />
interdisciplinar do assunto, tendo como resultado as sugestões que<br />
aqui apresentamos.<br />
Referências Bibliográficas:<br />
CRISTÓFARO SILVA, Thaïs. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia<br />
de exercícios. 1987<br />
192<br />
Revista Opus 12 - 2006
ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DA AÇÃO<br />
MUSICOLÓGICA NO BRASIL<br />
Relatório do Grupo de Trabalho <strong>em</strong> Musicologia Histórica<br />
O GT reuniu-se durante o XVI Congresso <strong>da</strong> Associação Nacional<br />
de Pesquisa e Pós-graduação <strong>em</strong> Música (ANPPOM) no dia 28 de<br />
agosto de 2006, na sala 01 do Departamento de Música <strong>da</strong> UNB,<br />
entre 14:00h e 17:30h. Inicialmente, foram levantados<br />
espontaneamente pelos participantes alguns tópicos (cuja discussão<br />
ficou <strong>em</strong> aberto), com destaque para:<br />
a) A situação <strong>da</strong> subdivisão <strong>da</strong> musicologia <strong>em</strong> musicologia<br />
sist<strong>em</strong>ática, musicologia histórica e etnomusicologia e suas<br />
conseqüências (inter, multi ou transdisciplinares) para a ação<br />
musicológica no Brasil; as dificul<strong>da</strong>des e as divergências; a<br />
possibili<strong>da</strong>de de superação ou transformação do quadro atual.<br />
b) A identi<strong>da</strong>de entre as discussões metodológicas e<br />
epist<strong>em</strong>ológicas ocorri<strong>da</strong>s no campo <strong>da</strong> História, no passado recente<br />
(século XX), e as discussões <strong>em</strong> curso no campo <strong>da</strong> musicologia,<br />
marca<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> musicologia histórica.<br />
Iniciados os trabalhos formais, foi lido o relatório do GT realizado<br />
na ANPPOM 2005, no Rio de Janeiro, a partir do que se passou a<br />
discutir os tópicos propostos.<br />
c) Foi levanta<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de de uma prática de revisão crítica ou<br />
resenha sist<strong>em</strong>ática dos trabalhos publicados no Brasil na área de<br />
musicologia – especialmente na de musicologia histórica – como<br />
forma de estimular o debate acadêmico saudável, a prática <strong>da</strong><br />
divergência harmoniosa, levando ao desenvolvimento <strong>da</strong> área.<br />
d) Discutiu-se a necessi<strong>da</strong>de de publicações de caráter didático<br />
para a área de musicologia histórica, marca<strong>da</strong>mente no que diz<br />
respeito aos aspectos metodológicos.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
193
e) Foi estabelecido um diálogo com a Socie<strong>da</strong>de Brasileira de<br />
Musicologia, através de seu Vice-presidente, Marcos Pupo<br />
Nogueira, no qual se discutiu o grau efetivo de representativi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>quela enti<strong>da</strong>de para o musicólogo <strong>em</strong> âmbito nacional; foram<br />
apresenta<strong>da</strong>s e discuti<strong>da</strong>s alternativas de ação neste sentido, tais<br />
como, por ex<strong>em</strong>plo, a adoção de uma sede itinerante; discutiu-se<br />
também a possibili<strong>da</strong>de, as vantagens e os inconvenientes de se<br />
criar outra enti<strong>da</strong>de congênere no país.<br />
Em segui<strong>da</strong>, passou-se a discutir a “Proposta de Diretrizes para a<br />
conduta ética e profissional do musicólogo brasileiro”, apresenta<strong>da</strong><br />
pela coordenação do GT. Abaixo, resumimos os principais tópicos:<br />
f) Discutiu-se a complexi<strong>da</strong>de dos casos de plágio – <strong>em</strong> suas<br />
diversas gra<strong>da</strong>ções – e a série de probl<strong>em</strong>as que tais casos impõ<strong>em</strong><br />
ao profissional de musicologia, assim como a falta de parâmetros<br />
técnicos e éticos claramente estabelecidos para a solução de tais<br />
probl<strong>em</strong>as entre os pares, de forma institucional e juridicamente<br />
<strong>em</strong>basa<strong>da</strong>.<br />
g) Discutiram-se os diversos probl<strong>em</strong>as relacionados ao acesso às<br />
fontes para a pesquisa musicológica, tanto no que diz respeito à<br />
dificul<strong>da</strong>de do tratamento técnico dos documentos quanto ao<br />
estabelecimento de normas claras para o acesso, consonantes com<br />
os preceitos éticos <strong>da</strong> prática de pesquisa, seja por parte do<br />
profissional ou estu<strong>da</strong>nte, seja por parte <strong>da</strong>s instituições detentoras<br />
de acervos.<br />
h) Da<strong>da</strong> a importância e o amplo escopo dos probl<strong>em</strong>as<br />
cont<strong>em</strong>plados na “Proposta de Diretrizes para a conduta ética e<br />
profissional do musicólogo brasileiro”, discutiu-se a necessi<strong>da</strong>de<br />
de uma instância institucional, como uma enti<strong>da</strong>de de classe (à<br />
maneira dos conselhos de ética de enti<strong>da</strong>des como Ord<strong>em</strong> dos<br />
Advogados do Brasil e Conselho Federal de Medicina), capaz de<br />
conferir credibili<strong>da</strong>de e respeitabili<strong>da</strong>de à classe, assim como de<br />
dirimir questões técnicas que escapam à compreensão de<br />
profissionais de outras áreas, inclusive do próprio sist<strong>em</strong>a judiciário.<br />
194<br />
Revista Opus 12 - 2006
A partir <strong>da</strong> discussão, foram feitos os seguintes encaminhamentos:<br />
1.Como a Biblioteca Alberto Nepomuceno <strong>da</strong> UFRJ foi cita<strong>da</strong> no<br />
debate diversas vezes (sobretudo nas discussões relaciona<strong>da</strong>s ao<br />
tópico g acima) pela importância de seu setor de manuscritos e<br />
pela dificul<strong>da</strong>de de acesso ao mesmo, foi considera<strong>da</strong> como<br />
ex<strong>em</strong>plo agudo <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de uma mobilização coletiva <strong>da</strong><br />
classe musicológica para representar junto àquela instituição os<br />
interesses <strong>da</strong> classe. Neste sentido considerou-se que o caso<br />
merece atenção particulariza<strong>da</strong> por parte <strong>da</strong> ANPPOM, a fim de<br />
contribuir para que a instituição adote uma política transparente de<br />
acesso e um atendimento eficiente aos pesquisadores no referido<br />
setor documental.<br />
2. Pelas razões aponta<strong>da</strong>s nos tópicos f e h acima, decidiu-se<br />
encaminhar à Ass<strong>em</strong>bléia <strong>da</strong> ANPPOM a proposta de constituir<br />
uma Comissão, forma<strong>da</strong> por um m<strong>em</strong>bro de ca<strong>da</strong> subárea <strong>da</strong><br />
Música, para estu<strong>da</strong>r a possibili<strong>da</strong>de de criação de um Conselho<br />
de Ética <strong>da</strong> Associação, capaz de atuar junto a seus associados.<br />
Tal Conselho poderia ser acionado pela Diretoria <strong>da</strong> ANPPOM a<br />
pedido de um (ou mais) associado(s), assim como de instituições,<br />
órgãos ou agentes competentes e/ou do poder público.<br />
3. Em relação ao tópico e, o Vice-presidente <strong>da</strong> SBM propôs-se a<br />
distribuir aos m<strong>em</strong>bros do GT uma cópia dos Estatutos <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de,<br />
para discussão <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de atuação junto à mesma; <strong>em</strong><br />
contraparti<strong>da</strong>, a Coordenação do GT comprometeu-se a enviar para<br />
a SBM uma cópia <strong>da</strong> “Proposta de Diretrizes para a conduta ética e<br />
profissional do musicólogo brasileiro”, para apreciação dos m<strong>em</strong>bros<br />
<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. Nesse sentido, decidiu-se continuar <strong>em</strong> contato com<br />
a SBM para <strong>da</strong>r prosseguimento aos diálogos necessários e<br />
pertinentes.<br />
4. Decidiu-se também que a “Proposta de Diretrizes para a conduta<br />
ética e profissional do musicólogo brasileiro” será distribuí<strong>da</strong> na<br />
Lista de Musicologia Histórica Brasileira L-MHB (http://<br />
br.groups.yahoo.com/group/l-mhb/), para discussão coletiva, com<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
195
a perspectiva de se elaborar uma <strong>versão</strong> aperfeiçoa<strong>da</strong> que possa<br />
ser discuti<strong>da</strong> no GT a se realizar no próximo Congresso <strong>da</strong><br />
ANPPOM.<br />
5. Finalmente, ficou definido que os m<strong>em</strong>bros do GT discutiriam a<br />
<strong>versão</strong> preliminar deste relatório através de e-mail e <strong>da</strong> Lista MHB,<br />
para chegar a uma re<strong>da</strong>ção final a ser publica<strong>da</strong> na OPUS. Esta<br />
discussão concluiu-se no dia 30 de outubro de 2006, resultando<br />
no presente relatório, revisado e r<strong>em</strong>etido aos participantes pela<br />
Coordenação do GT na mesma <strong>da</strong>ta.<br />
Participantes do GT:<br />
1) Adriana Olinto Ballesté – adri@ism.com.br<br />
2) Alberto Pedrosa Dantas Filho – as<strong>da</strong>ntas@terra.com.br<br />
3) André Guerra Cotta – andregc@ufmg.br<br />
4) Beth Alamino – bethalamino@hotmail.com<br />
5) Denise Scarambone – denisescarambone@yahoo.com.br<br />
6) Fausto Borém – fbor<strong>em</strong>@ufmg.br<br />
7) Fernan<strong>da</strong> Pereira – pereirafernan<strong>da</strong>mc@gmail.com<br />
8) Helena Jank – hjank@iar.unicamp.br<br />
9) José Augusto Mannis – jamannis@uol.com.br<br />
10) Karla Aléssio Oliveto – karlaoliveto@yahoo.com.br<br />
11) Lenita W. M. Nogueira – lwmn@iar.unicamp.br<br />
12) Lilia de Oliveira Rosa – liliarosa@iar.unicamp.br<br />
13) Luciano Carôso – lucianocaroso@gmail.com<br />
14) Manuel Veiga – mveiga@ufba.br<br />
15) Marcelo Campos Hazan – hazan55@yahoo.com<br />
16) Marcos Pupo Nogueira – mpuponogueira@uol.com.br<br />
17) Marcos Virmond – mvirmond@ilsl.br<br />
18) Mónica Vermes – mvermes@uol.com.br<br />
19) Pablo Sotuyo Blanco – psotuyo@ufba.br<br />
196<br />
Revista Opus 12 - 2006
Revista Opus 12 - 2006<br />
197
198<br />
Revista Opus 12 - 2006
UM ESTUDO SOBRE MÚSICA DO SÉCULO XX.<br />
CORRÊA, ANTENOR FERREIRA. ESTRUTURAÇÕES<br />
HARMÔNICAS PÓS-TONAIS<br />
Tão numerosas quanto as técnicas harmônicas surgi<strong>da</strong>s no século<br />
XX são as teorias que as tentam explicar. Poucos foram os<br />
compositores que nessa época não se dedicaram a especulações<br />
a respeito de novas formas de relacionar as alturas, <strong>da</strong> geração de<br />
novos acordes, <strong>da</strong> criação de novos campos harmônicos e de<br />
procedimentos para transformá-los e manipulá-los. Também poucos<br />
foram os compositores dentre estes que não publicaram análises<br />
de suas próprias obras, dissecando suas técnicas e procedimentos,<br />
e contribuindo sim para a melhor apreciação destas obras, mas<br />
limitando o leque de interpretações mais distancia<strong>da</strong>s que outros<br />
analistas poderiam oferecer caso não os tivesse silenciado o<br />
veredicto pretensamente definitivo do criador tanto <strong>da</strong> técnica quanto<br />
<strong>da</strong> obra.<br />
Em número ain<strong>da</strong> menor estão aqueles analistas que tentaram<br />
compreender estas técnicas e teorias dentro do contexto <strong>em</strong> que<br />
se inser<strong>em</strong>, levando <strong>em</strong> consideração aspectos além dos técnicomusicais,<br />
como a história e a física. É neste pequeno grupo que se<br />
insere Antenor Ferreira Corrêa, autor de Estruturações Harmônicas<br />
Pós-Tonais, recém-lançado pela Editora Unesp. De forma bastante<br />
didática, o autor se propõe a fornecer parâmetros para a<br />
compreensão <strong>da</strong>s práticas harmônicas vigentes na primeira metade<br />
do século XX, relacionando-as entre si e às teorias e práticas do<br />
passado.<br />
Antes de <strong>da</strong>r início à discussão do t<strong>em</strong>a central, Corrêa traça um<br />
interessante histórico do desenvolvimento <strong>da</strong> teoria harmônica,<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
Matheus Biondi<br />
199
abarcando desde as práticas mo<strong>da</strong>is medievais e renascentistas,<br />
passando pelo período tonal até o advento <strong>da</strong>s novas estéticas do<br />
século XX, quando estas teorias começam a se tornar ineficazes<br />
na descrição dos processos harmônicos. Neste ponto, porém, o<br />
enfoque do autor parece um tanto exagerado ao eleger a tonali<strong>da</strong>de<br />
como objeto central do estudo. Amparado pelas idéias do musicólogo<br />
Rudolph Réti, Corrêa substitui por várias vezes o termo "mo<strong>da</strong>lismo"<br />
por "tonali<strong>da</strong>de melódica", arrastando to<strong>da</strong> a música <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média<br />
e do Renascimento para dentro de um contexto no qual as idéias<br />
de direcionali<strong>da</strong>de e centro tonal têm papel preponderante. Este<br />
ponto de vista se justifica na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que este repertório préclássico<br />
já apresenta uma clara hierarquia entre as alturas, mas<br />
mereceria uma mais ampla discussão, de modo a deixar claras certas<br />
diferenças essenciais que existiriam entre o que seria esta tonali<strong>da</strong>de<br />
melódica e a tonali<strong>da</strong>de harmônica, tradicionalmente assim<br />
intitula<strong>da</strong>. Este capítulo inclui ain<strong>da</strong> uma vasta revisão dos tratados<br />
sobre harmonia, abrangendo desde os históricos até alguns dos<br />
mais recent<strong>em</strong>ente publicados.<br />
Após este panorama histórico, o autor parte para a discussão de<br />
dois tópicos centrais no estudo <strong>da</strong> harmonia tonal: a oposição entre<br />
consonância e dissonância e o conceito de função harmônica. Da<br />
mesma maneira simples e didática, Corrêa recorre novamente à<br />
história para apresentar a trajetória <strong>da</strong> idéia de dissonância, desde<br />
o t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que elas recebiam um tratamento diferenciado nas<br />
composições até sua <strong>em</strong>ancipação na vira<strong>da</strong> do século XIX para o<br />
XX. Fun<strong>da</strong>mentando-se <strong>em</strong> uma vasta bibliografia, o autor analisa<br />
de maneira profun<strong>da</strong> os caminhos que seguiu esta <strong>em</strong>ancipação e<br />
os níveis <strong>em</strong> que ela se deu, não se limitando a repetir como as<br />
notas melódicas se "fixaram" nos acordes, mas também<br />
d<strong>em</strong>onstrando como as relações harmônicas e as modulações a<br />
regiões ca<strong>da</strong> vez mais distantes favoreceram as sonori<strong>da</strong>des<br />
dissonantes e até contribuíram para uma relativização <strong>da</strong>s<br />
consonâncias.<br />
200<br />
Revista Opus 12 - 2006
Ao lado desta visão histórica, a obra traz a discussão acerca <strong>da</strong><br />
dissonância para um terreno físico-acústico, na legítima intenção<br />
de contrapor os fatores culturais que levam o ouvido a perceber<br />
certos intervalos como dissonantes aos fatores físicos. Porém, se o<br />
enfoque histórico se apresenta como um dos pontos altos do<br />
trabalho, o físico peca por uma certa superficiali<strong>da</strong>de.<br />
O segundo tópico abor<strong>da</strong>do, referente ao conceito de função<br />
harmônica, constitui outro mérito <strong>da</strong> obra. Partindo <strong>da</strong> confrontação<br />
entre várias definições pertinentes ao termo (incluí<strong>da</strong> aí a definição<br />
forneci<strong>da</strong> pela mat<strong>em</strong>ática), o autor se aprofun<strong>da</strong> na discussão,<br />
enfocando a funcionali<strong>da</strong>de harmônica à luz de outros parâmetros<br />
musicais <strong>em</strong> reali<strong>da</strong>de indissociáveis <strong>da</strong> harmonia, mas que são<br />
artificialmente desconsiderados <strong>em</strong> grande parte <strong>da</strong> literatura. Deste<br />
modo, Corrêa d<strong>em</strong>onstra a relativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s funções harmônicas<br />
frente a parâmetros como a sintaxe musical, a fraseologia e o t<strong>em</strong>po.<br />
Ao final deste mesmo capítulo, porém, o autor parece pecar pelo<br />
mesmo exagero verificado no capítulo histórico. Ao tratar do<br />
fenômeno <strong>da</strong> refuncionalização, segundo o qual um acorde teria<br />
sua função altera<strong>da</strong> por um determinado contexto, Corrêa parece<br />
novamente querer expandir de forma exagera<strong>da</strong> os limites <strong>da</strong><br />
tonali<strong>da</strong>de, desta vez arrastando todo o repertório pós-tonal para<br />
dentro destes limites. É seguro que o ouvido pode captar diferentes<br />
graus de tensão <strong>em</strong> aglomerados harmônicos não tonais, graus<br />
estes conferidos pela constituição intervalar destes aglomerados.<br />
Também se pode afirmar que estes diferentes graus de tensão são<br />
um el<strong>em</strong>ento comum entre progressões harmônicas tonais e<br />
seqüências de acordes não tonais. To<strong>da</strong>via, verifica-se certo exagero<br />
<strong>da</strong> parte do autor ao apontar de forma categórica sensíveis e suas<br />
"resoluções" <strong>em</strong> seqüências não tonais, desejando conferir uma<br />
direcionali<strong>da</strong>de tipicamente tonal a estas seqüências, o que se<br />
mostra de duvidosa confirmação pelo ouvido quando tocamos os<br />
ex<strong>em</strong>plos fornecidos pela própria obra.<br />
Revista Opus 12 - 2006<br />
201
Contudo, Estruturações Harmônicas Pós-Tonais se apresenta como<br />
uma b<strong>em</strong>-vin<strong>da</strong> contribuição ao estudo <strong>da</strong> harmonia e suas teorias,<br />
não somente neste nebuloso século XX, como também <strong>em</strong> épocas<br />
passa<strong>da</strong>s, e é recomendável não somente para as salas de aula,<br />
mas principalmente para aqueles que já se cansaram dos velhos<br />
livros de harmonia repletos de leis e dogmas.<br />
202<br />
OBRA: ESTRUTURAÇÕES HARMÔNICAS PÓS-TONAIS<br />
AUTOR: ANTENOR FERREIRA CORRÊA<br />
Editora <strong>da</strong> Unesp<br />
ASSUNTO: MÚSICA - harmonia século XX<br />
COLEÇÃO: PROPP<br />
FORMATO: 14 X 21 CM<br />
PÁGINAS: 224<br />
EDIÇÃO: 1ª<br />
ANO: 2006<br />
ACABAMENTO: BROCHURA<br />
PESO: 325 GR<br />
CÓDIGO: 705<br />
CAPA: ANTENOR FERREIRA E DANIELE RIGON<br />
ISBN: 8571396752<br />
Informação e ven<strong>da</strong>s: www.editoraunesp.com.br<br />
Matheus Biondi - É Bacharel <strong>em</strong> Composição e Mestre <strong>em</strong> Análise Musical. (Instituto de Artes<br />
<strong>da</strong> Unesp).<br />
Revista Opus 12 - 2006
SUMÁRIO DOS NÚMEROS ANTERIORES DA OPUS<br />
OPUS 1.<br />
Ano I. n. 1.<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Editor: Raimundo Martins<br />
Porto Alegre: UFRGS, Dez<strong>em</strong>bro 1989<br />
Apresentação. Ilza Nogueira<br />
Execução e Análise Musical. Jonathan Dunsby (tradução: Cristina<br />
Magaldi).<br />
A contribuição de Schenker para a interpretação musical. Cristina<br />
Camparelli Gerling<br />
A evolução <strong>da</strong> historiografia musical brasileira. Regis Duprat<br />
Análise comparativa de duas fugas na obra sacra do Pe. José<br />
Maurício. Denise Frederico<br />
Educação Musical: o experienciar antes do compreender. A criativi<strong>da</strong>de<br />
e o exercício <strong>da</strong> imaginação. Le<strong>da</strong> Osório Mársico<br />
Música: aprendizag<strong>em</strong> ou condicionamento? Algumas evidências e<br />
suas implicações. Raimundo Martins<br />
A orquestra de câmera como experiência didática. Marcello Guerchfeld<br />
A função do ensaio coral: treinamento ou aprendizag<strong>em</strong>? Sérgio Luiz<br />
Ferreira de Figueiredo<br />
Sintetizador MS-80: protótipos de hardware e software. Celso Aguiar<br />
OPUS 2.<br />
Ano II . n. 2.<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Editor: Raimundo Martins<br />
Porto Alegre: UFRGS, Junho 1990<br />
Artigos<br />
Iniciação musical com introdução ao teclado – IMIT. Al<strong>da</strong> de Jesus<br />
Oliveira<br />
Iniciando cor<strong>da</strong>s através do folclore. Anamaria Peixoto<br />
O feitiço decente. Carlos Sandroni<br />
O processo composicional e a notação <strong>da</strong> música cont<strong>em</strong>porânea - um<br />
relacionamento de informação e criativi<strong>da</strong>de. Celso Mojola<br />
Ferramentas computacionais para a música. Eduardo Reck Miran<strong>da</strong><br />
S<strong>em</strong>iologia musical e pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> análise. Jean-Jacques Nattiez<br />
(tradução: Regis Duprat)<br />
O compromisso do intérprete com a música cont<strong>em</strong>porânea. Marcello<br />
Guerchfeld<br />
Ressonâncias - uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> analítica vista comparativamente.<br />
Marisa Rezende<br />
Estilo versus clichê: o paradigma <strong>da</strong> informação na construção do<br />
significado musical. Raimundo Martins<br />
203
OPUS 3.<br />
Ano III. n. 3.<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Editor. Raimundo Martins<br />
Porto Alegre: UFRGS, Set<strong>em</strong>bro 1991<br />
Artigos<br />
Legitimação <strong>da</strong> produção musical. Jamary Oliveira<br />
O conceitual e o aural na construção e na transmissão do significado<br />
<strong>em</strong> música. Raimundo Martins<br />
Tradição / contradição na prática musical de uma escola formadora de<br />
professores. Rosa Fuks<br />
Educação musical: uma perspectiva estruturalista. Al<strong>da</strong> Oliveira<br />
Modelos de iniciação musical na Al<strong>em</strong>anha. Jusamara Vieira Souza<br />
Eunice Katun<strong>da</strong>: Contribuição à pesquisa de fontes primárias. Carlos<br />
Kater<br />
A musicologia histórica brasileira e a preservação <strong>da</strong> produção musical.<br />
José Maria Neves<br />
Traços característicos na música para piano de Bruno Kiefer. Cristina<br />
Caparelli Gerling<br />
Pesquisa e música: motivação e posicionamento. Fred Gerling<br />
OPUS 4.<br />
Ano IV. n. 4.<br />
Editor: Martha Ulhoa<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Rio de Janeiro: Anppom, Agosto 1997<br />
Editorial. Martha Ulhoa<br />
Artigos<br />
Boulez: Improvisação I sobre Mallarmé. Carole Gubernikoff<br />
A música, o corpo e as máquinas. Fernando Iazzetta<br />
Injetando o t<strong>em</strong>po na música, despejando a música no t<strong>em</strong>po. Jorge<br />
Antunes<br />
A imag<strong>em</strong> aural e a m<strong>em</strong>ória do discurso melódico: processos de<br />
construção. Maria Cristina Souza Costa<br />
S<strong>em</strong>iótica Peirceana e música: mais uma aproximação. Silvio Ferraz<br />
Dissertações de Mestrado <strong>em</strong> música até 1996<br />
OPUS 5.<br />
Ano V. n. 5.<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Editor. Martha Ulhôa<br />
Rio de Janeiro: Anppom, Agosto 1998<br />
Artigos<br />
Pelo mundo <strong>da</strong> música viva: 1939 a 1951. Adriana Miana Faria<br />
Debussy versus Schnebel: sobre a <strong>em</strong>ancipação <strong>da</strong> composição e <strong>da</strong><br />
análise no século XX. Didier Guigue<br />
204
Lucípherez de Eduardo Bértola: a colaboração compositor-performer e<br />
a escrita idiomática para contrabaixo. Fausto Borém<br />
Canção do Pastor: encontro entre a tradição culta e a popular. Mércia<br />
Pinto<br />
Por uma sócio-musicologia ancora<strong>da</strong> na s<strong>em</strong>iologia <strong>da</strong> enunciação:<br />
uma alternativa para o estudo do acontecimento musical urbano na<br />
presente moderni<strong>da</strong>de. Regina Márcia Simão Santos<br />
OPUS 6.<br />
Ano 6. n. 6.<br />
eletronic@<br />
Editor: Martha Ulhoa<br />
ISSN - 1517-7017<br />
Rio de Janeiro: Anppom, Agosto 1999<br />
Artigos<br />
O silêncio. Jorge Antunes<br />
Música, S<strong>em</strong>iótica Musical e a classificação <strong>da</strong>s ciências de Charles<br />
Sanders Peirce. José Luiz Martinez<br />
Pesquisa <strong>em</strong> Educação Musical: situação do campo nas dissertações e<br />
teses dos cursos de pós-graduação stricto sensu <strong>em</strong> Educação. José<br />
Nunes Fernandes<br />
Brega,Samba, e Trabalho Acústico: Variações <strong>em</strong> torno de uma contribuição<br />
teórica à etnomusicologia. Samuel Araújo<br />
A produção musical de Eduardo Bértola (1939-96). Sérgio Freire e Avelar<br />
Rodrigues Jr.<br />
A utilização de softwares no processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong> de<br />
instrumentos de teclado. Susana Ester Krüger, Cristina Capparelli Gerling<br />
e Liane Hentschke<br />
A Mágica: um gênero musical esquecido. Van<strong>da</strong> Lima Bellard Freire<br />
OPUS 7.<br />
Ano7. n. 7.<br />
eletronic@<br />
Editor: Silvio Ferraz<br />
ISSN - 1517-7017<br />
São Paulo: Anppom, Outubro 2000<br />
Editorial. Silvio Ferraz<br />
Artigos<br />
Estudo <strong>da</strong> Variação do Timbre <strong>da</strong> Clarineta <strong>em</strong> Performance através de<br />
Análise por Componentes Principais <strong>da</strong> Distribuição Espectral. Mauricio<br />
Loureiro<br />
Sobre a Estética Sonora de Messiaen. Didier Guigue<br />
A escuta como objeto de pesquisa. Rodolfo Caesar<br />
Os giros (do mundo) do disco voz na voz canção. Heloisa Araujo Valente<br />
“música <strong>da</strong>s ruas”: o exercício de uma “escuta nômade”. Fátima<br />
Carneiro dos Santos<br />
O S<strong>em</strong>ant<strong>em</strong>a. Jorge Antunes<br />
As Sonatas para Violino e Piano de M. Camargo Guarnieri: Análise e<br />
205
Classificação dos El<strong>em</strong>entos Técnico-Violinísticos. André Cavazzoti<br />
Possibili<strong>da</strong>de de Aplicação do Modelo Espiral de Desenvolvimento<br />
Musical como Critério de Avaliação no Vestibular <strong>da</strong> Escola de Música<br />
<strong>da</strong> UFMG. Cecíclia Cavalieri<br />
O Campo Sistêmico <strong>da</strong> Canção. Gil Nuno Vaz<br />
OPUS 8.<br />
Ano 8. n. 8.<br />
eletronic@<br />
Editor: Silvio Ferraz<br />
ISSN - 1517-7017<br />
São Paulo: Anppom, Fevereiro 2002<br />
Editorial. Silvio Ferraz<br />
Artigos<br />
As canções dos discos de histórias infantis e a imag<strong>em</strong> <strong>da</strong> criança. Ana<br />
Cristina Fricke Matte<br />
Práticas pe<strong>da</strong>gógico-musicais escolares: concepções e ações de três<br />
professoras de música do ensino fun<strong>da</strong>mental. Luciana Del Ben<br />
Análise <strong>da</strong> obra eletrônica Mutationen III de Cláudio Santoro.<br />
Denise Andrade de Freitas Martins<br />
Escritura Sismográfica: interação entre compositor e suporte digital.<br />
Fábio Parra Furlanete<br />
Jean-Claude Risset’s Sud : an analysis. Giselle Martins dos Santos<br />
Ferreira<br />
Música no espaço escolar e a construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de gênero: um<br />
estudo de caso. Helena Lopes <strong>da</strong> Silva<br />
Ouvidos para o mundo:aprendizado informal de música <strong>em</strong> grupos do<br />
distrito federal. Mércia Pinto<br />
O paradigma do tresillo. Carlos Sandroni<br />
Os sambas-enredo <strong>da</strong> Escola de Samba <strong>da</strong> Capela, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
deAntonina-Pr. Bernadete Zagonel e Guilherme G. Ballande Romanelli<br />
KARE e PARU: análise musical/ ritual/ comparativa do canto de pesca<br />
Bororo na aldeia Córrego Grande – MTl. Roberto Victório<br />
Um resgate <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória musical brasileira:O Projeto Registro<br />
Patrimonial de Manuscritos do Arquivo de Obras Raras <strong>da</strong> Escola de<br />
Música <strong>da</strong> UFRJ. Van<strong>da</strong> Lima Bellard Freire<br />
OPUS 9.<br />
Ano 9. n. 9.<br />
Editor: Maria Lúcia Pascoal<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Campinas: ANPPOM, Dez<strong>em</strong>bro 2003<br />
Editorial. Maria Lúcia Pascoal<br />
Artigos<br />
Homenag<strong>em</strong> a José Maria Neves – Sessão de Abertura <strong>da</strong> ANPPOM.<br />
Salomea Gandelman<br />
Periódicos brasileiros <strong>da</strong> área de música: uma breve cronologia (1983-<br />
2003). André Cavazzoti<br />
206
Produção de conhecimento e políticas para a pesquisa <strong>em</strong> música.<br />
Música & Tecnologia. Rodolfo Caesar<br />
Da produção <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> educação musical à sua apropriação.<br />
Cláudia Ribeiro Bellochio<br />
A produção de conhecimento <strong>em</strong> Educação Musical no Brasil: balanço e<br />
perspectivas. Regina Márcia Simão Santos<br />
Esboço de balanço <strong>da</strong> Etnomusicologia no Brasil. Elizabeth Travassos<br />
Ciência, significação e metalinguag<strong>em</strong>: Le Sacre du print<strong>em</strong>ps. José<br />
Luiz Martinez<br />
Práticas Interpretativas e a Pesquisa <strong>em</strong> Música: dil<strong>em</strong>as e propostas.<br />
Felipe Avellar de Aquino<br />
Pesquisa no Brasil: Balanço e Perspectivas. Lucia Barrenechea<br />
OPUS 10.<br />
Ano 10. n. 10.<br />
Editor: Maria Lúcia Pascoal<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Campinas: ANPPOM, Dez<strong>em</strong>bro 2004<br />
Editorial. Maria Lúcia Pascoal<br />
Artigos<br />
Sist<strong>em</strong>as de Informações Musicais - disponibilização de acervos<br />
musicais via Web. Rosana S. G. Lanzelotte, Martha Tupinambá de Ulhoa,<br />
Música Nova do Brasil para Coro a Capela: comentários analíticos e<br />
interpretativos sobre a obra Rola Mundo de Fernando Cerqueira.<br />
Vladimir Silva<br />
O Idiomático de Camargo Guarnieri nas obras para piano. Alex Sandra<br />
Grossi<br />
O Progresso e a produção musical de Carlos Gomes entre 1879 e 1885.<br />
Lenita W. M. Nogueira<br />
A Conferência Nacional de Pe<strong>da</strong>gogia do Piano como referência para<br />
uma definição <strong>da</strong> área de estudo. Maria Isabel Montandon<br />
Perspectivas musicais de sete compositores brasileiros. Cristina Grossi<br />
Ritornelo: composição passo a passo. Silvio Ferraz<br />
Entrevistas - Flashes de Almei<strong>da</strong> Prado por ele mesmo. Adriana Lopes<br />
<strong>da</strong> Cunha Moreira<br />
OPUS 11.<br />
Ano 11. n. 11.<br />
Editor: Maria Lúcia Pascoal<br />
ISSN - 0103-7412<br />
Campinas: ANPPOM, Dez<strong>em</strong>bro 2005<br />
Editorial. Maria Lúcia Pascoal<br />
Artigos<br />
Beethoven: o significado imaginário. Maria de Lourdes Sekeff<br />
Uma análse <strong>da</strong> fugas para piano de Bruno Kiefer: uma busca por<br />
padrões estilísticos na sua escrita contrapontística. Rafael Liebich<br />
Any Raquel Carvalho, Cristina Capparelli Gerling.<br />
O Conceito de Paradoxo para Ernest Widmer. Leonardo Loureiro Winter<br />
207
Asmathour (1971) - para coro e percussão - de Gilberto Mendes: uma<br />
abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> analítica do uso de contrastes de densi<strong>da</strong>de e de<br />
intensi<strong>da</strong>de. Adriana Francatto<br />
Polinômio: definição de alguns termos relativos aos procedimentos<br />
harmônicos pós-tonais. Antenor Ferreira Corrêa<br />
Jazz, música brasileira e fricção de musicali<strong>da</strong>des. Acácio Tadeu de<br />
Camargo Pie<strong>da</strong>de<br />
Transformação dos processos rítmicos de offbeat timeng e cross<br />
rhythm <strong>em</strong> dois gêneros musicais tradicionais do Brasil. Marcos Bran<strong>da</strong><br />
Lacer<strong>da</strong><br />
A improprie<strong>da</strong>de do raciocínio por análise comparativa entre música e<br />
linguag<strong>em</strong> verbal. Ricardo Gold<strong>em</strong>berg<br />
Crítica Musical no jornal: uma reflexão sobre a cultura brasileira. Liliana<br />
Harb Bollos<br />
ENTREVISTAS - Reflexões, experiências e opiniões do compositor<br />
Cláudio Santoro. Iracele Vera Lívero<br />
GRUPOS DE TRABALHO<br />
SUMÁRIO DOS MÚMEROS ANTERIORES<br />
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO<br />
OPUS 11.<br />
Ano 11. n. 11.<br />
eletronic@<br />
Editor: Maria Lucia Pascoal<br />
ISSN - 1517-7017<br />
São Paulo: Anppom, Dez<strong>em</strong>bro de 2005.<br />
Editorial. Maria Lúcia Pascoal<br />
Artigos<br />
Música Eletroacústica: permanência <strong>da</strong>s sensações e situações de<br />
escuta.Carole Gubermikoff.<br />
Beethoven: o significante imaginário. Maria de Lourdes Sekeff<br />
O “atalaia <strong>da</strong> fé” contra as máculas do século: o missionário músico<br />
Ãngelo de Siqueira. Diósnio Machado Neto<br />
Uma análise <strong>da</strong>s fugas para piano de Bruno Kiefer: uma<br />
busca por padrões estilísticos na sua escrita contrapontística.<br />
Rafael Liebich, Any Raquel Carvalho, Cristina Capparelli Gerling.<br />
O conceito de paradoxo para Ernest Widmer. Leonardo Loureiro Winter.<br />
Asmathour (1971) - para coro e percussão - de Gilberto Mendes: uma<br />
abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> analítica do uso de contrastes de densi<strong>da</strong>de e de intensi<strong>da</strong>de.<br />
Adriana Francato.<br />
Poliônimo: definição de alguns termos relativos aos procedimentos<br />
harmônicos pós-tonais. Antenor Ferreira Corrêa.<br />
Paralelo entre as óperas “Malazerte” e “Pedro Malazarte”. José Fortunato<br />
Fernandes.<br />
Jazz, música brasileira e fricção de musicali<strong>da</strong>des. Acácio Tadeu de<br />
Camargo Pie<strong>da</strong>de.<br />
Transformação dos processos rítmicos de offbe at timing e cross rhythm<br />
<strong>em</strong> dois gêneros musicais tradicionais do Brasil. Marcos Bran<strong>da</strong> Lacer<strong>da</strong>.<br />
Aspectos interculturais <strong>da</strong> transcrição musical: análise de um canto<br />
indígena. Maria Ignez Cruz Mello.<br />
208
“Formas sonoras <strong>em</strong> movimento”: a natureza do belo musical segundo<br />
Hanslick. Mario Videira.<br />
Coesão descursiva nos Estudos op. 25 de Chopin: aspectos de tonali<strong>da</strong>de<br />
e subt<strong>em</strong>atismo. Daniel Bento.<br />
A improprie<strong>da</strong>de do raciocínio por análise comparativa<br />
entre música e linguag<strong>em</strong> verbal. Ricardo Gold<strong>em</strong>berg.<br />
Crítica musical no jornal: uma reflexão sobre a<br />
cultura brasileira. Liliana Harb Bollos.<br />
ENTREVISTAS - Entrevista com Pierre Schaeffer. Bernadete Zagonel.<br />
Reflexões, experiências e opiniões do compositor Claudio Santoro. Iracele<br />
Vera Lívero.<br />
GRUPOS DE TRABALHO<br />
SUMARIO DOS NÚMEROS ANTERIORES<br />
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO<br />
NORMAS DE PUBLICAÇÃO DA OPUS<br />
Os textos para a Revista OPUS poderão apresentados como:<br />
1. Artigos de pesquisa<br />
1.1. - Os trabalhos submetidos para publicação deverão ser inéditos e referentes<br />
a pesquisas já termina<strong>da</strong>s ou <strong>em</strong> an<strong>da</strong>mento; estar <strong>em</strong> MS Word for<br />
Windows (arquivo tipo .doc ou .rtf), fonte Times New Roman tamanho 12;<br />
conter de 2.500 a 10.000 palavras, incluídos aí título/resumo/palavras-chave,<br />
nome do autor, ex<strong>em</strong>plos, notas de ro<strong>da</strong>pé e referências bibliográficas. Os<br />
parágrafos do corpo do texto deverão ser assim configurados: alinhamento<br />
justificado, espaçamento simples. Os textos poderão ser <strong>em</strong> português, inglês,<br />
francês e espanhol.<br />
1.2. - Ex<strong>em</strong>plos musicais (EX.), Tabelas (TAB.), Figuras (FIG.) dev<strong>em</strong> ser localizados<br />
no texto e apresentados <strong>em</strong> arquivos separados como figura (arquivo<br />
tipo .tif ou .jpg), numerados e acompanhados de legen<strong>da</strong> sucinta e clara,<br />
de no máximo 3 linhas (tamanho10, espaço simples, inserido sob a ilustração).<br />
1.3. - Utilizar referências simples para citações no texto: Autor <strong>em</strong> caixa baixa,<br />
<strong>da</strong>ta, página. Utilizar notas de ro<strong>da</strong>pé (fonte Times tamanho 10, espaço simples)<br />
apenas para informações compl<strong>em</strong>entares e comentários. As referências<br />
bibliográficas <strong>completa</strong>s (Times 10, espaço simples) deverão vir somente<br />
no final do artigo, sob o título Referências bibliográficas e estar<strong>em</strong> de acordo<br />
com as Normas <strong>da</strong> ABNT: MORGAN, Robert. Twentieth Century Music. New<br />
York: Norton, 1992.<br />
1.4. – Citações com até três linhas dev<strong>em</strong> ser inseri<strong>da</strong>s no corpo do texto<br />
(entre aspas). As citações com mais de três linhas dev<strong>em</strong> vir separa<strong>da</strong>s como<br />
parágrafo e com recuo à esquer<strong>da</strong> e à direita (tamanho 10, espaço simples).<br />
1.5. - O título (Times 12, negrito), nome do autor (Times 12, itálico), um resumo<br />
do trabalho com cerca de 100 palavras (Times 10, espaço simples) do<br />
209
qual const<strong>em</strong> objetivos, metodologia e conclusões. Cerca de três palavraschave<br />
(Times 10) separa<strong>da</strong>s por ponto. Logo <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, abstract e keywords.<br />
Caso o artigo se subdivi<strong>da</strong> <strong>em</strong> seções, os títulos <strong>da</strong>s mesmas deverão ser <strong>em</strong><br />
negrito, fonte 12.<br />
1.6. - Ao final do artigo, incluir um currículo sucinto do autor, indicando formação,<br />
instituição a que pertence, principais trabalhos realizados, endereço eletrônico<br />
e www. se houver.<br />
1.7. - Direitos autorais: Caso haja reprodução de material detentor de direito<br />
autoral, cabe ao próprio autor a obtenção <strong>da</strong> devi<strong>da</strong> autorização para publicação.<br />
2. Resenhas<br />
Informação e divulgação de publicações recentes. Como it<strong>em</strong> 1.1., contendo<br />
até 1.000 palavras. Indicações bibliográficas do trabalho de resenha.<br />
3. Grupos de Pesquisa<br />
Espaço para artigos que relat<strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s por Grupos de Pesquisa,<br />
constando o nome do coordenador do grupo e os de todos os participantes.<br />
Como it<strong>em</strong> 1. completo.<br />
Os artigos enviados à OPUS serão avaliados por uma equipe de pareceristas<br />
ad-hoc, buscando manter a idonei<strong>da</strong>de do processo de avaliação e o acompanhamento<br />
dos artigos a ser<strong>em</strong> publicados. Não serão aceitos artigos <strong>em</strong><br />
desacordo a estas normas de apresentação.<br />
Endereços: alux@sigmanet.com.br ou akayama@iar.unicamp.br<br />
210<br />
Projeto rojeto Gráfico Gráfico e e Editoração<br />
Editoração<br />
IV IVAN IV AN A AAVELAR<br />
A VELAR<br />
CENTRO CENTRO DE DE PESQUISA PESQUISA PESQUISA EM EM GRA GRAVURA GRA VURA<br />
www www.iar www .iar .iar.unicamp.br/cpgravura<br />
.iar .unicamp.br/cpgravura<br />
Departamento Departamento Departamento de de Artes Artes Artes Plásticas<br />
Plásticas<br />
Instituto Instituto de de Artes Artes Artes - - - Unicamp<br />
Unicamp
211
Categorias de sócios de documentação exigi<strong>da</strong><br />
para inscrição na ANPPOM<br />
1 - Associações Científicas:<br />
a) Estudo <strong>da</strong> Associação;<br />
b) Número de inscrição noCGC<br />
2 - Programas de Pós-Graduação<br />
a) Prova de reconhecimento ou de autorização para<br />
funcionamento.<br />
3 - Pós-Graduados <strong>em</strong> música:<br />
a) Curriculum vitae;<br />
b) Diploma de curso de mais alto nível;<br />
c) Histórico escolar ou equivalente do curso de mais<br />
alto nível.<br />
4 - Pesquisadores<br />
a) Curriculum vitae;<br />
b) Ex<strong>em</strong>plares de ao menos 2 (dois) trabalhos publica<br />
dos <strong>em</strong> periódicos com corpo editorial.<br />
5 - Professores do curso de Pós-Graduação:<br />
a) Curriculum vitae;<br />
b) Diploma do curso de mais alto nível;<br />
c) Atestado de que é professor <strong>em</strong> curso de Mestrado<br />
ou Doutorado <strong>em</strong> música.<br />
6 - Estu<strong>da</strong>ntes<br />
a) Curriculum vitae;<br />
b) Atestado de que é aluno <strong>em</strong> curso de Mestrado ou<br />
Doutorado <strong>em</strong> música.<br />
Obs.: Apenas alunos e professores dos cursos associados à ANPPOM poderão ser<br />
admitidos como Sócios Estu<strong>da</strong>ntes ou Sócios Colaboradores, respectivamente.<br />
212