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O Pasquim nos anos de chumbo (1969 – 1971): A CHARGE COMO ...

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Lidiana da Silva Betega<br />

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO<br />

O <strong>Pasquim</strong> <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong> (<strong>1969</strong> <strong>–</strong> <strong>1971</strong>): A <strong>CHARGE</strong> <strong>COMO</strong><br />

CRÍTICA AO REGIME MILITAR<br />

Santa Maria, RS<br />

2012<br />

0


Lidiana da Silva Betega<br />

O PASQUIM NOS ANOS DE CHUMBO (<strong>1969</strong> <strong>–</strong> <strong>1971</strong>):<br />

A <strong>CHARGE</strong> <strong>COMO</strong> CRÍTICA AO REGIME MILITAR<br />

Trabalho final <strong>de</strong> graduação apresentado ao Curso <strong>de</strong> Comunicação Social <strong>–</strong> Jornalismo<br />

<strong>–</strong> Área <strong>de</strong> Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial<br />

para obtenção do grau <strong>de</strong> Jornalista <strong>–</strong> Bacharel em Jornalismo.<br />

Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.<br />

Santa Maria, RS<br />

2012<br />

1


Lidiana da Silva Betega<br />

O <strong>Pasquim</strong> <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> CHUMBO (<strong>1969</strong> <strong>–</strong> <strong>1971</strong>): A <strong>CHARGE</strong> <strong>COMO</strong><br />

CRÍTICA AO REGIME MILITAR<br />

Trabalho final <strong>de</strong> graduação apresentado ao Curso <strong>de</strong> Comunicação Social <strong>–</strong> Jornalismo<br />

<strong>–</strong> Área <strong>de</strong> Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial<br />

para obtenção do grau <strong>de</strong> Jornalista <strong>–</strong> Bacharel em Jornalismo.<br />

Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.<br />

_________________________________________________<br />

Prof. Dr. Antônio Fausto Neto <strong>–</strong> Orientador (Unisi<strong>nos</strong>)<br />

________________________________________________<br />

Prof. Carlos Alberto Badke (Unifra)<br />

________________________________________________<br />

Profª. Paula Bolzan Jardim (Unifra)<br />

Aprovado em ____ <strong>de</strong> ________________<strong>de</strong> 2012<br />

2


AGRADECIMENTOS<br />

Acredito que tudo na vida tenha um sentido, e que as coisas não acontecem por<br />

acaso. Durante a minha infância e adolescência, pu<strong>de</strong> acompanhar a rotina <strong>de</strong> meu avô,<br />

Hélio. Ele era um gran<strong>de</strong> pesquisador da língua portuguesa e passava o dia <strong>de</strong>ntro do<br />

seu escritório, em casa, ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> livros, coleção <strong>de</strong> canetas, máquina <strong>de</strong> escrever e<br />

papel, muito papel. Quando eu entrava nesse mundo <strong>de</strong>le, sentia uma gran<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ficar, ler as suas anotações, livros, revistas, enfim, folhear tudo. Meu avô viveu a<br />

Ditadura Militar e pesquisou muito sobre esse período, acumulando diversas anotações<br />

sobre o assunto. Sem possuir computador e internet, ele tinha o livro como seu melhor<br />

companheiro. Eu aprendi a apreciar essa adoração <strong>de</strong>le, tanto pelos livros, como pelos<br />

assuntos e costumes. Já falecido, <strong>de</strong>ixou sauda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>le, eu her<strong>de</strong>i à coleção <strong>de</strong> canetas,<br />

os livros, as anotações, a paixão pela escrita e o gosto pelo passado. Por isso, agra<strong>de</strong>ço a<br />

ele, que mesmo sem saber, me <strong>de</strong>spertou um gran<strong>de</strong> dom e me fez cursar Jornalismo e<br />

me ajudou na escolha do tema <strong>de</strong>sta monografia.<br />

Agra<strong>de</strong>ço a minha família, principalmente ao meu pai, Dagoberto, minha mãe<br />

Vera e minha avó Noemi, pela força e pelo apoio. Obrigada por enten<strong>de</strong>rem minhas<br />

angústias, reclamações e falta <strong>de</strong> tempo.<br />

Também <strong>de</strong>dico este trabalho às minhas amigas e colegas Thays, Fernanda,<br />

Dandara e Luana, que compartilharam <strong>de</strong>sse mesmo sentimento <strong>de</strong> nervosismo e<br />

<strong>de</strong>dicação que o TFG exigiu, mas mesmo assim, <strong>de</strong>dicaram a mim, alguns momentos<br />

dos seus dias com palavras <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e companheirismo.<br />

Por último, o meus sinceros agra<strong>de</strong>cimentos ao orientador Antônio Fausto Neto<br />

que teve paciência e que se <strong>de</strong>dicou a esta monografia, compartilhando comigo a sua<br />

inteligência e experiência. Agra<strong>de</strong>ço pelas palavras <strong>de</strong> compreensão, pelas críticas e<br />

“puxões <strong>de</strong> orelha”, e pelo tempo que <strong>de</strong>dicou ao <strong>nos</strong>so trabalho. Com toda a certeza,<br />

lembrarei sempre <strong>de</strong> seus conselhos e ensinamentos. Muito obrigada!<br />

3


4<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser outro dia<br />

Eu pergunto a você on<strong>de</strong> vai se escon<strong>de</strong>r<br />

Da enorme euforia?<br />

Como vai proibir<br />

Quando o galo insistir em cantar?<br />

Água nova brotando<br />

E a gente se amando sem parar<br />

Apesar <strong>de</strong> você (Chico Buarque)


RESUMO<br />

O objeto <strong>de</strong>sta pesquisa é o jornal O <strong>Pasquim</strong> e seu objetivo é refletir sobre como<br />

tabloi<strong>de</strong> conseguiu através da linguagem das charges, <strong>de</strong>senvolver críticas ao Regime<br />

Militar. Um estudo sobre o funcionamento da imprensa e particularmente da imprensa<br />

alternativa durante esse período <strong>nos</strong> parece importante para a compreensão <strong>de</strong> pelo<br />

me<strong>nos</strong> dois aspectos. De um lado, os mecanismos instituídos pelo ciclo ditatorial, cujo<br />

os principais instrumentos foram os atos institucionais. De outro lado as estratégias<br />

realizadas pelo jornalismo como àquelas feitas em O <strong>Pasquim</strong>, que procuravam produzir<br />

um discurso crítico sobre o Regime pela via do humor segundo o trabalho dos<br />

chargistas. Vários autores <strong>nos</strong> auxiliam para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta pesquisa e para o<br />

trabalho <strong>de</strong> análise da linguagem sobre as charges e do humor <strong>nos</strong> <strong>de</strong>mos da análise<br />

interpretativa dos textos jornalísticos visando <strong>de</strong>screver e compreen<strong>de</strong>r os sentidos<br />

enunciados pelas charges.<br />

O trabalho <strong>de</strong> análise se fará a partir <strong>de</strong> seis edições do jornal O <strong>Pasquim</strong>,<br />

compreendidas entre os a<strong>nos</strong> <strong>1969</strong> a <strong>1971</strong>, período em que o <strong>Pasquim</strong> constrói suas<br />

estratégias <strong>de</strong> driblagem da censura.<br />

Palavras-chave: jornalismo, censura, <strong>Pasquim</strong><br />

ABSTRACT<br />

The object of this research is the newspaper The <strong>Pasquim</strong> and its purpose is to reflect on<br />

how tabloid got through the language of cartoons, <strong>de</strong>velop criticisms of the military<br />

regime. A study on the functioning of the press and particularly the alternative press<br />

during this period seems to be important for the un<strong>de</strong>rstanding of at least two respects.<br />

On one hand, the mechanisms imposed by dictatorial cycle, whose main instruments<br />

were the institutional acts. On the other hand the strategies un<strong>de</strong>rtaken by journalism as<br />

those ma<strong>de</strong> in The <strong>Pasquim</strong>, which sought to produce a critical discourse about the<br />

scheme via the mood according to the work of cartoonists. Several authors help us to<br />

<strong>de</strong>velop this research and analysis work on the language of cartoons and humor gave us<br />

the interpretative analysis of journalistic texts in or<strong>de</strong>r to <strong>de</strong>scribe and un<strong>de</strong>rstand the<br />

directions set by the cartoons. The analysis work will be done from six editions of the<br />

newspaper The <strong>Pasquim</strong>, between the years <strong>1969</strong> to <strong>1971</strong>, during which The <strong>Pasquim</strong><br />

builds its strategies to dribble censorship.<br />

Keywords: journalism, censorship, <strong>Pasquim</strong><br />

5


ABI Associação Brasileira <strong>de</strong> Imprensa<br />

AI-5 Ato Institucional nº5<br />

ARENA Aliança Renovadora Nacional<br />

CIMI Conselho Indigenista Missionário<br />

LISTA DE SIGLAS<br />

DFSP Departamento Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Segurança Pública<br />

DIP Departamento <strong>de</strong> Imprensa e Propaganda<br />

DOI-CODI Destacamento <strong>de</strong> Operações e Informações e Centro <strong>de</strong> Operações <strong>de</strong><br />

Defesa Interna<br />

DOPS Delegacia <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social<br />

MDB Movimento Democrático Brasileiro<br />

SCDP Serviço <strong>de</strong> Censura e Diversões Públicas<br />

TFG Trabalho Final <strong>de</strong> Graduação<br />

TCDPs Turmas <strong>de</strong> Censura <strong>de</strong> Diversões Públicas<br />

TV Televisão<br />

UDN União Democrática Nacional<br />

UNIFRA Centro Universitário Franciscano<br />

6


LISTA DE FIGURAS<br />

Figura 1 - Quadro <strong>de</strong> datas importantes da história institucional e legal da censura......33<br />

Figura 2 - Quadro dos segmentos culturais inspecionados e censurados.......................34<br />

Figura 3 - Gráfico dos jornais alternativos por tempo <strong>de</strong> duração................................. 46<br />

Figura 4 - Primeiro exemplar <strong>de</strong> O <strong>Pasquim</strong>, veiculado em 26/06/<strong>1969</strong>......................60<br />

Figura 5 - Mascote do <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> Ratinho Sig...............................................................88<br />

Figura 6 - Ratinho Sig por Henfil..................................................................................110<br />

Figura 7 <strong>–</strong> Ratinho Sig por Jaguar................................................................................110<br />

Figura A - A autocensura <strong>de</strong> Millôr................................................................................97<br />

Figura B - Parodiando Drummond................................................................................100<br />

Figura C - Plágio à In<strong>de</strong>pendência................................................................................104<br />

Figura D - Um jornal sem jornalistas............................................................................107<br />

Figura E - A saída !! On<strong>de</strong> fica a saída?........................................................................109<br />

Figura F <strong>–</strong> E agora?.......................................................................................................112<br />

7


SUMÁRIO<br />

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................9<br />

2. VESTÍGIOS DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE.................13<br />

2.1. O Golpe Militar e as liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> expressão.........................................19<br />

2.2. Os fundamentos da censura......................................................................27<br />

3. EMERGÊNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA............................36<br />

3.1 Causas do surgimento dos jornais alternativos.......................................40<br />

3.2 Perfil dos jornais alternativos <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong>................................43<br />

4. CHEGADA DO PASQUIM......................................................................49<br />

4.1 Como nasceu o <strong>Pasquim</strong>..........................................................................55<br />

4.2 História do <strong>Pasquim</strong> face à política.........................................................62<br />

5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA.................................................66<br />

5.1 Humor como linguagem <strong>de</strong> comunicação...............................................73<br />

5.2 A resistência através do humor................................................................81<br />

5.3 Humor no <strong>Pasquim</strong>: resistindo a censura................................................84<br />

5.3.1 Uma breve <strong>de</strong>scrição contextual das charges..............................90<br />

5.3.2 A gran<strong>de</strong> sacada............................................................................95<br />

6. CONCLUSÃO..........................................................................................115<br />

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................118<br />

ANEXOS.......................................................................................................126<br />

8


1. INTRODUÇÃO<br />

Este trabalho preten<strong>de</strong> analisar a utilização das charges humorísticas no jornal O<br />

<strong>Pasquim</strong>, visando compreen<strong>de</strong>r as estratégias envolvidas pelo jornal para resistir as<br />

formas <strong>de</strong> censura impostas aos jornais durante o período <strong>de</strong> vigência do ato<br />

institucional no contexto da Ditadura Militar. Visa também construir modos <strong>de</strong><br />

aproximação com o leitor, usadas pelos cartunistas e jornalistas que faziam parte da<br />

equipe do semanário no período do Regime Militar do Brasil (1964 <strong>–</strong> 1985).<br />

O tema foi escolhido a partir da paixão pelo jornalismo, em primeiro lugar, e<br />

logo, a paixão pelo jornalismo alternativo, que nasceu dos frutos <strong>de</strong> uma geração<br />

insatisfeita com o governo, um jornalismo que por si só, se tornou subversivo, baseado<br />

em lutas, movimentos e protestos, almejando sempre a <strong>de</strong>mocracia no país e uma<br />

revolução no modo <strong>de</strong> informar.<br />

Esta pesquisa é importante para que possamos enten<strong>de</strong>r, i<strong>de</strong>ntificar e<br />

compreen<strong>de</strong>r como o jornalismo alternativo do Brasil e como uso das charges no jornal<br />

O <strong>Pasquim</strong> transformou o jornalismo.<br />

Um estudo sobre o período em que a Ditadura Militar se instaurou no país é<br />

fundamental para enten<strong>de</strong>rmos como foi a atuação ditatorial do governo que marcou<br />

uma época, e como o jornal, um dos mais importantes meios <strong>de</strong> comunicação e <strong>de</strong> maior<br />

expressão da imprensa atuou nesse período. Portanto, consi<strong>de</strong>ra-se que este estudo<br />

po<strong>de</strong>rá contribuir com o resgate histórico do jornalismo e colaborar para o entendimento<br />

<strong>de</strong> fatos do passado, complementando os registros já existentes sobre o assunto.<br />

O objetivo geral da presente pesquisa é analisar as charges enquanto linguagem<br />

em O <strong>Pasquim</strong>. Como elas driblaram a barreira da censura no país, produzindo leituras,<br />

conquistando uma legião <strong>de</strong> leitores e marcando a geração do jornalismo dos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>chumbo</strong>.<br />

Entre os objetivos específicos, preten<strong>de</strong>mos realizar um estudo que preten<strong>de</strong><br />

contemplar o jornalismo alternativo no período da Ditadura Militar do Brasil (1964 <strong>–</strong><br />

1985), bem como, estudar o histórico do jornal O <strong>Pasquim</strong>, um dos principais e mais<br />

influente jornal alternativo do país e usar leitura interpretativa dos textos jornalísticos<br />

9


(charges) enquanto linguagem no período <strong>de</strong> <strong>1969</strong> até <strong>1971</strong>, a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> intensa repressão<br />

política e censura.<br />

Para <strong>de</strong>senvolver esta monografia, estruturamos a sua realização através <strong>de</strong> um<br />

sumário, cujos capítulos estão assim organizados: Na introdução apresentamos os<br />

objetivos, justificativa e a estrutura do trabalho. No segundo capítulo <strong>de</strong>screvemos a<br />

situação política do país, contemporânea á ditadura, bem como, analisamos os fatores<br />

que contribuíram para que esse período prosseguisse durante tantos a<strong>nos</strong>. No capítulo 3,<br />

abordamos o surgimento dos jornais alternativos no país, que nasceram na efervescência<br />

<strong>de</strong> um período conturbado do Regime Militar, assim como, quais foram as causas <strong>de</strong>ssa<br />

emergência e o perfil <strong>de</strong>sses tablói<strong>de</strong>s. Ou seja, quais foram os fatores que contribuíram<br />

para a sua ascensão, seus propósitos e quais foram às contribuições que essa imprensa<br />

trouxe para a história do jornalismo e do país. No capítulo 4, o aparecimento do<br />

<strong>Pasquim</strong>, jornal alternativo que nasceu nessa época, adquiriu uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que se<br />

tornou tão marcante e como o semanário enfrentou a situação política atual do país.<br />

Enfatizamos <strong>de</strong>ntre outros aspectos, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do semanário, bem como a história do<br />

<strong>Pasquim</strong> face à política.<br />

No capítulo 5, elege-se a questão da censura, apresentando uma relação entre ela<br />

e o semanário O <strong>Pasquim</strong> que, através do humor, <strong>de</strong>nunciou um período <strong>de</strong> severa<br />

repressão produzida pela Ditadura Militar. Para isso, precisamos contextualizar o humor<br />

enquanto linguagem <strong>de</strong> comunicação e esse capítulo <strong>nos</strong> dará um melhor embasamento<br />

sobre a proposta, uma vez que o humor é a estratégia usada pelo semanário para<br />

enfrentar os a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong>. Ainda nesse capítulo, faremos a análise <strong>de</strong> seis imagens<br />

que foram publicadas entre os a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> 1970 e <strong>1971</strong>. Além disso, <strong>de</strong> que forma suas<br />

capas e charges ganharam impacto diante dos tantos olhos se<strong>de</strong>ntos por liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão.<br />

Chamamos atenção particularmente para o papel que a charge tem para discorrer<br />

sobre a crise política através <strong>de</strong> recursos e expedientes cujo sentido nem sempre se<br />

manifesta <strong>de</strong> forma latente.<br />

O corte temporal da pesquisa concentra-se a <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>1969</strong> até <strong>1971</strong> quando<br />

os meios <strong>de</strong> comunicação sofriam intensa repressão e O <strong>Pasquim</strong> é diretamente<br />

atingido. A escolha do semanário dá-se por seu contexto histórico e a importância no<br />

jornalismo do país, atuando diretamente com uma linguagem ímpar a favor da mudança,<br />

marcando uma geração e consagrando-se em na história do jornalismo alternativo<br />

durante o período da ditadura militar.<br />

10


O momento político que retrata o corte temporal da pesquisa aborda a essência<br />

dos a<strong>nos</strong> 60 e 70, período referente a uma intensa repressão para as representações<br />

culturais e jornalísticas. Retrataremos na pesquisa os fatos que o jornal O <strong>Pasquim</strong><br />

viveu e que o levou a tomar outros rumos como as leis, a censura, a política, a<br />

economia, entre outros.<br />

Através <strong>de</strong> suas charges, o jornal O <strong>Pasquim</strong> dizia, nas entrelinhas, o que queria<br />

manifestar, o que muitos queriam dizer e calavam. Enfim, o <strong>Pasquim</strong> enfrentou a<br />

censura com humor e leveza, conquistando uma legião <strong>de</strong> fãs na época e muitos que o<br />

admiram até os dias <strong>de</strong> hoje, entre eles artistas, jornalistas e intelectuais.<br />

No capítulo <strong>de</strong> análise, escolhemos charges que ilustraram o momento em que o<br />

jornal vivia. As imagens esclarecem a situação em que o tabloi<strong>de</strong> se encontrava. A<br />

imagem A, <strong>de</strong> 12 a 18 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1970, <strong>de</strong> Millôr Fernan<strong>de</strong>s é uma charge feita<br />

antes da prisão da equipe do <strong>Pasquim</strong>, que acontecem em 1º <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1970. A<br />

imagem B, <strong>de</strong> 2 a 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1970 mostra uma charge <strong>de</strong> Jaguar, que contrasta a<br />

campanha <strong>de</strong> Médici com a conquista do tricampeonato brasileiro ao ilustrar uma<br />

família <strong>de</strong> favelados e os versos <strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Já na imagem C,<br />

Jaguar cria uma fotomontagem que gerou a prisão <strong>de</strong> praticamente toda a equipe do<br />

<strong>Pasquim</strong>. A imagem mostra a cavalaria <strong>de</strong> Dom Pedro I no Grito da In<strong>de</strong>pendência do<br />

Brasil. Jaguar para caçoar, colocou um balão na imagem <strong>de</strong> Dom Pedro com a frase “Eu<br />

quero é mocotó”, trecho <strong>de</strong> uma música <strong>de</strong> Jorge Ben Jor, bastante conhecida <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong><br />

70.<br />

A imagem D, <strong>de</strong> 11 a 17 <strong>de</strong> novembro ilustra a ausência da equipe do jornal, em<br />

um momento ímpar na trajetória do tablói<strong>de</strong>, no qual os jornalistas e cartunistas que<br />

“sobraram”, entre eles Miguel Paiva, Henfil e Millôr Fernan<strong>de</strong>s, tiveram que produzir o<br />

<strong>Pasquim</strong>, continuar com seus editoriais, charges, entrevistas e o pior, sem po<strong>de</strong>r noticiar<br />

ao gran<strong>de</strong> público que sua equipe havia sido presa. Na frase do editorial <strong>de</strong>sta edição, a<br />

explicação sobre a situação da redação: “O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> o jornal com algo me<strong>nos</strong>”. O<br />

<strong>Pasquim</strong> se refere à prisão como uma “gripe” que assolou a equipe do jornal.<br />

Na imagem E, <strong>de</strong> 18 a 24 <strong>de</strong> novembro, na semana seguinte à capa anterior, a<br />

equipe já conta com colaboradores. Jornalistas, artistas, intelectuais e <strong>de</strong>mais pessoas do<br />

meio público se solidarizaram com a equipe do <strong>Pasquim</strong> e resolveram colaborar na<br />

produção <strong>de</strong> conteúdo do semanário. Por último, na imagem F, apresentamos a capa <strong>de</strong><br />

O <strong>Pasquim</strong>, da semana <strong>de</strong> 21 a 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> <strong>1971</strong> que simboliza a saída da equipe<br />

11


prisão e o início <strong>de</strong> uma nova fase no semanário, agora sem o seu diretor, Tarso <strong>de</strong><br />

Castro.<br />

12


2. VESTÍGIOS DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE<br />

O paradoxal é que tudo já foi escrito. As palavras se gastaram até a última<br />

resistência. No entanto, tudo po<strong>de</strong> ser refeito, revisto, se sonhamos. As<br />

palavras então, são meninas no quintal do vento. O texto, <strong>de</strong> tão antigo, se<br />

tornou criança. Entre figueiras e metáforas. O leitor é que o acorda. E o<br />

texto sabe reconhecê-lo. Como um terneiro sem dono.<br />

13<br />

Carlos Nejar<br />

Estudar o passado é uma enorme responsabilida<strong>de</strong>, afinal, estamos pesquisando<br />

sobre a história <strong>de</strong> um país, seus problemas, acontecimentos e marcos. O Brasil teve<br />

gran<strong>de</strong>s mudanças em sua política na década <strong>de</strong> 60 e isso afetou diretamente o<br />

jornalismo, como veremos mais adiante.<br />

Neste capítulo vamos englobar os aspectos políticos que anteciparam e estiveram<br />

presentes na Ditadura Militar do Brasil (1964 <strong>–</strong> 1985), os presi<strong>de</strong>ntes da república que<br />

passaram pelos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong> e os que suce<strong>de</strong>ram esse período, já na <strong>de</strong>mocracia,<br />

para assim, contextualizarmos por que a ditadura foi tão massacrante e chegou a atingir<br />

os meios <strong>de</strong> comunicação.<br />

Para enten<strong>de</strong>rmos então, esse momento histórico difícil, vivido pelo Brasil, é<br />

necessário resgatarmos alguns acontecimentos da política brasileira, que teve início a<br />

partir da renúncia <strong>de</strong> Jânio Quadros em 1961. Jânio da Silva Quadros foi o primeiro<br />

presi<strong>de</strong>nte a tomar posse em Brasília, em janeiro <strong>de</strong> 1961. Sua renúncia em agosto do<br />

mesmo ano foi consi<strong>de</strong>rada uma traição pelos eleitores.<br />

De acordo com Koifman (2002), no livro Os presi<strong>de</strong>ntes do Brasil, o governo<br />

Quadros percorreu um período marcado pela ameaça <strong>de</strong> grave crise econômica, pela<br />

diversificação dos movimentos sociais, Ligas Camponesas, mudança do sindicalismo<br />

populista urbano, greves, entre outros marcos, além da crescente interferência na cena<br />

política, tanto <strong>de</strong> militares quanto da Igreja.<br />

Durante seu governo, Jânio enfrentou não somente os problemas <strong>de</strong>correntes da<br />

crise econômica herdada <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek. Durante os sete meses <strong>de</strong> mandato,<br />

Jânio continuou a política internacional que teve início no mandato <strong>de</strong> Getúlio Vargas e<br />

se aprofundou no governo JK, além disso, criou as primeiras reservas indígenas, <strong>de</strong>ntre<br />

elas o Parque Nacional do Xingu e os primeiros parques ecológicos nacionais, entre


outros feitos. Para renunciar, Jânio alegou que “forças terríveis” o levaram a tomar esta<br />

<strong>de</strong>cisão. A ação, que abriu caminho para o Golpe Militar <strong>de</strong> 1964, fez com que Jânio se<br />

tornasse uma das figuras mais complexas da política brasileira.<br />

O fim do governo <strong>de</strong> Jânio <strong>de</strong>ixou marcas no cenário político e sua renúncia<br />

provocou intensa transformação na política, como a citação abaixo, retirada do livro<br />

sobre o governo <strong>de</strong> Jânio, explica.<br />

14<br />

Além dos assuntos já referidos, e da própria evidência da renúncia, em toda a<br />

discussão em torno do governo Quadros, transparece uma questão típica do<br />

autoritarismo personalista do governo Quadros: o <strong>de</strong>sprezo do presi<strong>de</strong>nte<br />

pelas instituições, sobretudo pelo Congresso, em favor <strong>de</strong> um significativo<br />

respeito pelo papel dos militares. Estes se tornariam "sacerdotes <strong>de</strong> uma santa<br />

inquisição, cada vez mais convencidos <strong>de</strong> que uma corja <strong>de</strong> trêfegos<br />

assaltantes civis enlameava a purida<strong>de</strong> nacional.” (BENEVIDES, O governo<br />

Jânio Quadros, Ed. Brasiliense, 1982, p. 5).<br />

O estilo <strong>de</strong> Jânio e sua renúncia colaboraram, também, para a <strong>de</strong>smoralização do<br />

processo eleitoral, reduzindo nas pessoas a fé que tinham em relação à situação política<br />

do Brasil. Com isso, se adquiriu uma percepção negativa dos direitos políticos, ou seja,<br />

se meu voto não vale nada, por que vou votar?<br />

Logo após esse período tumultuoso da política, o vice-presi<strong>de</strong>nte assume. João<br />

Belchior Marques Goulart, nascido em São Borja. Jango, como era conhecido, governou<br />

o país <strong>de</strong> 1961 a 1964. Em seu mandato, ocorreu um gran<strong>de</strong> aumento quanto às lutas<br />

populares no país. Seu governo ficou conhecido por ser reformista. Através da chamada<br />

“reforma <strong>de</strong> base” (medidas econômicas e sociais que previam uma maior intervenção<br />

do Estado na economia), <strong>de</strong>fendia-se o direito do voto para os analfabetos e para os<br />

militares <strong>de</strong> patentes menores, além <strong>de</strong> reformas bancárias, urbanas, fiscais, eleitorais,<br />

agrárias e educacionais.<br />

Em março <strong>de</strong> 1964, o governo é marcado por inci<strong>de</strong>ntes e ações radicalizadas.<br />

Pelo lado da Esquerda, o Comício da Central do Brasil foi um momento importante e<br />

<strong>de</strong>terminante ara a situação política do momento.<br />

Já no lado da Direita, o governo <strong>de</strong> Jango estava muito longe <strong>de</strong> ser uma<br />

unanimida<strong>de</strong> e a prova disso foi a Marcha da Família com Deus pela Liberda<strong>de</strong>, que<br />

consistiu em uma série <strong>de</strong> manifestações públicas organizadas por setores conservadores<br />

da socieda<strong>de</strong> brasileira em resposta ao Comício da Central do Brasil. Devido a esse<br />

longo mês <strong>de</strong> março com intensas manifestações, <strong>de</strong> Esquerda e <strong>de</strong> Direita. João<br />

Goulart, sem <strong>de</strong>monstrar resistência, se auto exilou no Uruguai. Como resultado <strong>de</strong>ssa<br />

instabilida<strong>de</strong> política e social que se instaurou no Brasil, em 1º <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1964, João


Goulart é <strong>de</strong>stituído. Forças politico-militares reagiram diante <strong>de</strong>ssa instabilida<strong>de</strong> e<br />

aproveitaram o momento <strong>de</strong> fraqueza <strong>de</strong> Jango para dar o famoso Golpe Militar.<br />

Segundo Skidmore (1988), os civis a favor do Golpe estavam convencidos, na<br />

década <strong>de</strong> 1960, <strong>de</strong> que Goulart pretendia tornar o país um estado socialista, o que iria<br />

eliminar os valores e tradições institucionais do Brasil. Nesse período, o Brasil passa<br />

por severas mudanças com o Golpe Militar em 1964 que <strong>de</strong>u origem a Ditadura Civil.<br />

Com ela, as medidas autoritárias foram “legitimadas” por meio <strong>de</strong> atos institucionais<br />

que enumeravam <strong>de</strong>cretos.<br />

O Golpe estabeleceu um Regime alinhado ao dos Estados Unidos e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou<br />

gran<strong>de</strong>s transformações na política. Todos os próximos cinco presi<strong>de</strong>ntes que vieram<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Jango foram a favor da Ditadura Militar e continuaram a governar o país com<br />

atos severos <strong>de</strong> repressão, como Castelo Branco, Costa e Silva, Emilio Garrastazu<br />

Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Após Figueiredo em 1985, a Ditadura Militar<br />

acaba e a Nova República se instaura no Brasil. Porém, não restam dúvidas que o<br />

governo <strong>de</strong> Jango foi o mais conturbado <strong>de</strong> toda a experiência <strong>de</strong>mocrática iniciada após<br />

a Era Vargas. Para Clóvis Rossi (1991), o objetivo do Golpe Militar foi atingir a<br />

<strong>de</strong>mocracia, <strong>de</strong>ixando a socieda<strong>de</strong> cada vez mais longe do governo. “Instalou- se no<br />

Po<strong>de</strong>r uma máquina oficial <strong>de</strong> matar, pren<strong>de</strong>r, torturar, fazer <strong>de</strong>saparecer dissi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />

qualquer origem política (ou até sem filiação política)” (ROSSI, 1991, p. 24).<br />

O primeiro militar a governar o Brasil pós Jango, foi o Marechal Humberto <strong>de</strong><br />

Alencar Castelo Branco. Ele governou o país até 1967, sendo substituído pelo General<br />

Costa e Silva que foi eleito pelo Congresso Nacional em 1966. No seu governo, Costa e<br />

Silva aboliu os treze partidos políticos existentes no Brasil através do Ato Institucional<br />

nº 2. Após, foram criados os partidos Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o<br />

Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que se mantiveram únicos até 1979. Entre<br />

os objetivos <strong>de</strong>sse mandato, pretendia-se corrigir os “males sociais” e “políticos”,<br />

combater a “subversão” e a corrupção e impedir que se instaurasse um “Regime<br />

comunista” no Brasil.<br />

Koifman (2002), trata do assunto, no qual afirma que em seu governo, Costa e<br />

Silva instaurou diversas leis e quatro dos cinco atos institucionais que reprimiam as<br />

manifestações contrárias às atitu<strong>de</strong>s do governo. “Entre as repressões que fizeram parte<br />

do governo Costa e Silva, a Lei <strong>de</strong> Imprensa foi um marco na história do jornalismo do<br />

Brasil, no qual o então presi<strong>de</strong>nte restringiu ainda mais a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação”. A Lei da Segurança Nacional, também foi criada em seu<br />

15


governo, que tinha como principal objetivo, proteger o país da subversão buscando<br />

manter a sua or<strong>de</strong>m.<br />

Já o governo <strong>de</strong> Emílio Garrastazu Médici que se instaurou no Brasil <strong>de</strong> <strong>1969</strong> até<br />

1974, caracterizou-se como período <strong>de</strong> intensa repressão da ditadura militar,<br />

fundamentada principalmente no Ato Institucional nº. 5 (AI - 5), <strong>de</strong>creto atribuído em<br />

13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968, fazendo com que esse período seja chamado por parte da<br />

historiografia como “os a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong>”. Os famosos “porões da ditadura” ganhavam<br />

o aval do Estado para promover a tortura e o assassinato no interior <strong>de</strong> <strong>de</strong>legacias e<br />

presídios.<br />

A instauração do AI - 5 marcou o auge das proibições e atingiu o jornalismo,<br />

que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cumprir seus verda<strong>de</strong>iros princípios em função da censura. Esse Regime<br />

Militar durou até 1985, quando o presi<strong>de</strong>nte Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o<br />

primeiro presi<strong>de</strong>nte civil após a ditadura.<br />

A Ditadura Militar (1964 <strong>–</strong> 1985) com seus instrumentos <strong>de</strong> exceção, tais como<br />

a Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional, Lei <strong>de</strong> Imprensa, censura prévia e outros, acabou<br />

excitando um dos fenôme<strong>nos</strong> que marcou a história do jornalismo brasileiro e a história<br />

do país, a chamada Imprensa Alternativa, Popular ou imprensa nanica.<br />

Através da Lei <strong>de</strong> Imprensa <strong>de</strong> 1967, o Regime Militar, podia através do<br />

Ministro da Justiça, <strong>de</strong>terminar a apreensão <strong>de</strong> qualquer jornal ou revista que contivesse<br />

propaganda <strong>de</strong> guerra, promovesse estímulo à subversão da or<strong>de</strong>m social e política e<br />

afrontasse a moral pública e os bons costumes, sendo que o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> advertência foi<br />

reforçado com a Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional, no qual o artigo 16 previa a <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong><br />

até um ano para “o jornalista que divulgar, por qualquer meio <strong>de</strong> comunicação social,<br />

notícia falsa, ten<strong>de</strong>nciosa, ou fato verda<strong>de</strong>iro truncado ou <strong>de</strong>turpado, <strong>de</strong> modo a indispor<br />

o povo com as autorida<strong>de</strong>s constituídas” (BERGER, 2003, p. 58).<br />

Os órgãos responsáveis pela censura preocuparam-se, primeiramente, com os<br />

chamados grupos “subversivos”, que seriam todos que tivessem participação ou<br />

simpatia pelo comunismo. Os meios <strong>de</strong> comunicação viviam um momento<br />

aparentemente esperançoso antes do <strong>de</strong>creto do AI-5. Lentamente, o cenário das<br />

redações dos jornais foi sendo alterado à medida que a censura foi se tornando mais<br />

rígida e centralizada. A repressão modificou as modos <strong>de</strong> produção jornalística e tudo<br />

que fora produzido precisava <strong>de</strong> um “aval” do Regime, para ser publicado. Assim,<br />

foram instituídos novos elementos ao cotidiano das publicações.<br />

16


Como tudo no país estava amordaçado pela ditadura, a única forma da<br />

socieda<strong>de</strong> tomar conhecimento do que estava acontecendo era pela imprensa alternativa,<br />

que noticiava em seus periódicos o que acontecia nas ruas, os crimes que estavam sendo<br />

praticados no Brasil, as mortes <strong>de</strong> presos políticos, torturas, infração dos direitos<br />

huma<strong>nos</strong>, entre outros temas <strong>de</strong> interesse geral da população.<br />

Durante os a<strong>nos</strong> 70, circularam no Brasil inúmeros jornais <strong>de</strong> tamanho tabloi<strong>de</strong>,<br />

que se caracterizaram pela oposição ao Regime militar, ao mo<strong>de</strong>lo econômico, à<br />

violação dos direitos huma<strong>nos</strong> e à censura.<br />

Em um importante levantamento referente à imprensa alternativa, <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> da<br />

Ditadura Militar no Brasil, especialmente no período <strong>de</strong> 1964 a 1980, Kucinski cita que<br />

nessa época nasceram mais <strong>de</strong> 150 periódicos. “Abrigando temáticas diversas (políticos,<br />

<strong>de</strong> humor, feministas, homossexuais, culturais), po<strong>de</strong>mos reconhecê-los pela postura <strong>de</strong><br />

“oposição intransigente ao Regime militar” (KUCINSKI, 1991, p. 10)”.<br />

Ao conceituar, na apresentação <strong>de</strong> seu livro Jornalistas e revolucionários <strong>–</strong> Nos<br />

tempos da imprensa alternativa, Kucinski (1991) argumenta sobre a palavra nanica. O<br />

autor diz que ela foi inspirada no formato tabloi<strong>de</strong> adotado pela maioria dos jornais<br />

alternativos <strong>de</strong>sse período, sendo “difundida principalmente por publicitários (...) que<br />

também vivenciavam uma situação difícil e tinham o mesmo <strong>de</strong>sejo das gerações dos<br />

a<strong>nos</strong> 60 e 70, ou seja, <strong>de</strong> protagonizar as transformações sociais que pregavam”. (1991,<br />

p. 13).<br />

Peruzzo relembra em sua tese, Revisitando os Conceitos <strong>de</strong> Comunicação<br />

Popular, Alternativa e Comunitária, alguns dos jornais importantes no contexto político<br />

e social da época.<br />

17<br />

Entre os segmentos vigilantes à imprensa político-partidária po<strong>de</strong>mos citar os<br />

jornais Voz da Unida<strong>de</strong>, Tribuna da Luta Operária, Companheiros e Em<br />

Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a<br />

Tribuna Metalúrgica e Folha Bancária. (PERUZZO, 2006, p. 8).<br />

De acordo com Peruzzo, o que caracterizava esse tipo <strong>de</strong> jornalismo era a<br />

“opção enquanto fonte <strong>de</strong> informação, por seu conteúdo, tipo <strong>de</strong> abordagem e posição<br />

social e/ou política”. (PERUZZO, 2006, p. 374).<br />

Já Kucinski (1991) analisa a origem <strong>de</strong>ssa imprensa alternativa e o po<strong>de</strong>r<br />

adquirido por ela no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua trajetória da seguinte forma:<br />

A imprensa alternativa surgiu da articulação <strong>de</strong> duas forças igualmente<br />

compulsórias: o <strong>de</strong>sejo dos oposicionistas <strong>de</strong> protagonizar as transformações<br />

institucionais que propunham e a busca por jornalistas e intelectuais, <strong>de</strong>


18<br />

espaços alternativos à gran<strong>de</strong> imprensa”. É nessa dupla oposição ao sistema<br />

representado pelo regime militar e aos limites à produção intelectual<br />

jornalística <strong>de</strong>vido a repressão, que se encontra a lógica <strong>de</strong>ssa união que<br />

movimentou tantas pessoas com os mesmos i<strong>de</strong>ais. (KUCINSKI, 1991: p.<br />

16).<br />

Kucinski foi integrante do movimento jornalístico alternativo dos a<strong>nos</strong> 60 e 70, e<br />

<strong>nos</strong> dias <strong>de</strong> hoje é pesquisador do assunto. Em sua obra, Jornalistas e Revolucionários:<br />

Nos tempos da Imprensa Alternativa, ele ressalta que “esses periódicos foram chamados<br />

<strong>de</strong> imprensa nanica <strong>de</strong>vido ao formado pequeno” (1991, p. 5). A expressão imprensa<br />

alternativa teria sido intitulada por Dines, conforme citado em Kucinski (1991). Leia<br />

abaixo.<br />

O termo ‘alternativa’ contém quatro dos significados que po<strong>de</strong>m explicar<br />

esse tipo <strong>de</strong> imprensa. “o <strong>de</strong> algo que não está ligado a políticas dominantes;<br />

o <strong>de</strong> uma opção entre duas coisas reciprocamente exclu<strong>de</strong>ntes; o <strong>de</strong> única<br />

saída, para uma situação difícil e, finalmente, o do <strong>de</strong>sejo das gerações dos<br />

a<strong>nos</strong> 60 e 70 <strong>de</strong> protagonizar as transformações sociais que pregavam.”<br />

(KUCINSKI, 1991, p. 13).<br />

Jornalista e escritor, Dines lançou diversos jornais e revistas no Brasil e também<br />

em Portugal. Entre os cargos que ocupou, o jornalista foi editor-chefe do Jornal do<br />

Brasil durante doze a<strong>nos</strong>, inclusive no período em que a Ditadura Militar se instaurou<br />

no país.<br />

Voltando aos impressos alternativos, Braga (1991, p. 22), ressalta que “apesar <strong>de</strong><br />

ter caráter militante, os jornais alternativos também são informativos e necessitam<br />

manter-se como empresa para sobreviver, já que não sustentados por um partido”.<br />

Esse entendimento é importante para enfatizar o papel social do jornalismo<br />

alternativo, que engloba o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reunir-se para fazer alguma coisa quanto às<br />

injustiças da ditadura militar e da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social.<br />

Claro, que no meio <strong>de</strong>ssas vertentes, estão muitos outros fatores envolvidos<br />

como a rebeldia <strong>de</strong> uma geração, um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover a<br />

redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s existentes no país e nesse contexto que os jornalistas da<br />

imprensa alternativa se inspiraram e, consequentemente, os jornais, com o seu papel e<br />

trabalho formam as características <strong>de</strong> uma imprensa nanica, porém atraente.<br />

No item que segue, iremos continuar contextualizando a política no Brasil,<br />

porém, <strong>de</strong> um novo e severo ponto <strong>de</strong> vista: o da repressão. Com o Golpe Militar em<br />

1964, inicia-se um longo e difícil período para a população brasileira.


2.1 O GOLPE MILITAR E AS LIBERDADES DE EXPRESSÃO<br />

A censura tem um histórico maior do que muitos imaginam. Ela já existia antes<br />

do Golpe <strong>de</strong> 1964, porém era camuflada, oculta. Começou <strong>nos</strong> primeiros gover<strong>nos</strong> da<br />

república eleita chegando a prejudicar, agredir e assassinar jornalistas. Até então<br />

ninguém tinha usado a censura prévia como Getúlio Vargas na ditadura do Estado<br />

Novo, criando o Departamento <strong>de</strong> Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como<br />

principal função, controlar a imprensa.<br />

No ano <strong>de</strong> 1964, o general Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional<br />

em 11 <strong>de</strong> abril e <strong>de</strong>veria governar o país até 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1966. Porém,<br />

posteriormente, seu mandato foi prorrogado e foram suspensas as eleições presi<strong>de</strong>nciais<br />

diretas previstas para 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1965. Desse modo, Castelo Branco governou o<br />

Brasil até 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1967, sendo substituído pelo general Costa e Silva, eleito<br />

pelo Congresso Nacional, em 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1966.<br />

O Congresso Nacional, a partir <strong>de</strong> 1964, se formaria apenas <strong>de</strong> pessoas a favor<br />

do novo Regime que se instaurava, isto é, parlamentares <strong>de</strong> direita, apoiadores do<br />

governo e uma pequena oposição chamada "oposição consentida". Os congressistas que<br />

ousassem fazer oposição mais forte po<strong>de</strong>riam ser cassados pelo Ato Institucional nº 1,<br />

que vigorou até 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1967, e que limitava os po<strong>de</strong>res do Po<strong>de</strong>r Legislativo e<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário e também atingiu fortemente os movimentos estudantil, operário e<br />

camponês.<br />

Durante seu governo, Castelo Branco promoveu diversas reformas políticas,<br />

tributárias e econômicas. As medidas aplicadas não atingiram somente o po<strong>de</strong>r<br />

legislativo, mas também todas as organizações consi<strong>de</strong>radas pelo governo militar como<br />

prejudiciais à pátria, à segurança nacional, que pretendia ajustar os males sociais e<br />

políticos, combater a corrupção e a subversão, além <strong>de</strong> impedir que se instaurasse um<br />

Regime comunista no Brasil.<br />

Já Costa e Silva foi quem estabeleceu <strong>de</strong> fato a Ditadura Militar no Brasil, em 13<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968, com o AI-5. Durante os primeiros a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Regime, permaneceu<br />

um falso clima <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. A imprensa ainda era relativamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e os<br />

tribunais prosseguiam em funcionamento. No entanto, logo após o AI-5, a linha dura<br />

ganhava mais espaço no governo.<br />

19


O jornalista Alberto Dines, em uma entrevista concedida ao Jornal da ABI, conta<br />

como recebeu a notícia que a censura seria instaurada no país e como ela <strong>de</strong>struiu com a<br />

esperança <strong>de</strong> uma geração:<br />

20<br />

A esperança era <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>mocracia fosse restaurada logo, mas o AI-5 em<br />

1968 acabou com essa ilusão do modo mais trágico. Quando eu ouvi pelo<br />

rádio, no programa A voz do Brasil, a leitura daquele catatau, disse: “Estamos<br />

ferrados. Vem aí a censura”. (Jornal da ABI - nº375 - 21/02/2012)<br />

Dines trabalhava no Jornal do Brasil nessa época e sofreu intensa repressão por<br />

suas publicações, e como ele mesmo disse na mesma entrevista: “A gente tinha que<br />

tomar <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> extrema gravida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> risco <strong>de</strong> vida no fazer jornalístico”. (DINES,<br />

2012, p. 17).<br />

Marconi (1980) ao se referir à expansão da chamada linha dura, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que “o<br />

motivo para tanta violência era um só: o Regime militar não queria que a imprensa<br />

falasse sobre a política interna”. (MARCONI, 1980, p. 38). O autor ainda acusa a<br />

censura <strong>de</strong> uma manobra escusa, cômoda e ilegítima perante a socieda<strong>de</strong>.<br />

O Golpe Militar no Brasil reprimiu os diversos meios <strong>de</strong> comunicação e<br />

expressão. O ato gerou um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento para a população, que teve que<br />

ficar calada diante <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> barbarida<strong>de</strong>s, como violências e até torturas que a<br />

ditadura militar realizou. O ato <strong>de</strong> informar foi diretamente atingido e os jornais não<br />

podiam informar o que estava acontecendo no país. Skidmore (1998) explica que,<br />

A prisão e tortura <strong>de</strong> jornalistas, as pressões (ou incentivos) sobre os<br />

proprietários dos jornais, juntamente com a censura direta, haviam reduzido<br />

quase toda a mídia, exceto uns poucos semanários <strong>de</strong> pequena circulação, à<br />

condição <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> torcida do governo ou, no mínimo, <strong>de</strong> simples caixas<br />

<strong>de</strong> ressonância das informações geradas no palácio presi<strong>de</strong>ncial<br />

(SKIDMORE, 1988, p. 266).<br />

O ato veio em represália à <strong>de</strong>cisão da Câmara dos Deputados, que se se negou a<br />

prestar autorização para que o <strong>de</strong>putado Márcio Moreira Alves fosse processado por um<br />

discurso on<strong>de</strong> interrogava até quando o Exército abrigaria torturadores.<br />

Entre tantos <strong>de</strong>cretos, a censura prévia que foi instaurada nesse período foi um<br />

dos momentos mais marcantes na história do Brasil e do jornalismo.<br />

Com esse processo, a população sofreu com mudança econômica, a falta <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> e a repressão policial. Foi criado até <strong>de</strong>creto-lei contra as greves dos<br />

trabalhadores. O AI-5 estabeleceu os abusos do po<strong>de</strong>r, conce<strong>de</strong>ndo ao Presi<strong>de</strong>nte da


República inúmeros domínios, como pontua Evaldo Viera em seu livro A república<br />

brasileira 1964-1984:<br />

21<br />

a) fechar o Congresso Nacional, assembleias estaduais e câmaras municipais;<br />

b) cassar mandatos <strong>de</strong> parlamentares; c) suspen<strong>de</strong>r por <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> os direitos<br />

políticos <strong>de</strong> qualquer pessoa;d) <strong>de</strong>mitir, remover, aposentar ou pôr em<br />

disponibilida<strong>de</strong> funcionários fe<strong>de</strong>rais, estaduais e municipais; e) <strong>de</strong>mitir ou<br />

remover juízes; f) suspensão das garantias do Po<strong>de</strong>r Judiciário; g) <strong>de</strong>cretar<br />

estado <strong>de</strong> sítio sem qualquer impedimento; h) confiscar bens como punição<br />

pó corrupção; i) suspensão do habeas-corpus em crimes contra a segurança<br />

nacional; j) julgamento <strong>de</strong> crimes políticos por tribunais militares; k) legislar<br />

por <strong>de</strong>creto e expedir outros atos institucionais ou complementares; l)<br />

proibição <strong>de</strong> exame, pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong> recursos impetrados por<br />

pessoas acusadas por meio do Ato Institucional número 5.” (VIERA, 1985, p.<br />

27)<br />

O AI-5 durou até o governo <strong>de</strong> Ernesto Geisel, que permaneceu no po<strong>de</strong>r até<br />

1979 e o então presi<strong>de</strong>nte Costa e Silva, começou a sentir os primeiros sintomas <strong>de</strong><br />

isquemia, logo falece em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> <strong>1969</strong>. Em 30 <strong>de</strong> outubro do mesmo ano,<br />

Emílio Garrastazu Médici toma posse e continuam vigentes os <strong>de</strong>cretos do po<strong>de</strong>roso AI-<br />

5.<br />

Neste período <strong>de</strong> censura, foram criados jornais como Opinião, Movimento, Em<br />

Tempo, Coojornal, Informação, Amanhã, e O <strong>Pasquim</strong>.<br />

Sanchotene (2008), em sua monografia sobre o humor das charges na política,<br />

reconhece a importância que o <strong>Pasquim</strong> teve no período da ditadura militar. “Em plena<br />

vigência do AI-5, em <strong>1969</strong>, a imprensa brasileira falava baixo. É nesse contexto que<br />

surge no Brasil o jornal mais influente <strong>de</strong> oposição à ditadura militar: O <strong>Pasquim</strong>”. O<br />

jornalista enfatiza sobre a importância que o semanário teve no contexto político e<br />

social do pais, levando-se em conta que o tabloi<strong>de</strong> iniciou sua trajetória em plena<br />

ditadura militar. “A marca <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 200 mil, em meados dos a<strong>nos</strong> 70 tornou O<br />

<strong>Pasquim</strong> um dos maiores fenôme<strong>nos</strong> do mercado editorial brasileiro. Criado a partir <strong>de</strong><br />

um grupo criativo <strong>de</strong> jornalistas, o tabloi<strong>de</strong> era composto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, humor, entrevistas e<br />

discussões”. (SANCHOTENE, 2008, p. 33).<br />

Em Humor e política: a charge como estratégia <strong>de</strong> editorialização do telejornal,<br />

Sanchotene, analisou <strong>de</strong>z charges apresentadas no telejornal O Globo, feitas pelo<br />

cartunista Chico Caruso no período <strong>de</strong> maio a julho <strong>de</strong> 2008. Na pesquisa, Sanchotene<br />

aborda a charge midiatizada no âmbito da informação, no qual a mesma busca<br />

editorializar o telejornal pelo viés da comicida<strong>de</strong>. O autor questiona como o humor se<br />

apresenta e age por meio das charges e <strong>de</strong> que forma o discurso do humor está


epresentado nessas charges. A investigação da pesquisa <strong>de</strong> Sanchotene (2008) abrange<br />

a análise do funcionamento da charge na televisão, no telejornal e as estratégias<br />

humorísticas nelas apresentadas.<br />

Ele analisa imagens mais recentes na <strong>nos</strong>sa memória, imagens que foram<br />

publicadas no ano <strong>de</strong> 2008. Na <strong>nos</strong>sa pesquisa, o enfoque é outro, pois analisamos o<br />

funcionamento discursivo das charges no meio impresso, através <strong>de</strong> imagens que já<br />

foram publicadas há 50 a<strong>nos</strong>, porém, os dois enfoques buscam analisar as charges<br />

enquanto linguagem <strong>de</strong> comunicação através do humor e a contribuição das mesmas<br />

para o jornalismo nesse sentido. Na pesquisa <strong>de</strong> Sanchotene (2008), os resultados<br />

envolvem o fato <strong>de</strong> o som, que as charges reproduzem na televisão, ajuda na<br />

compreensão do seu discurso, auxiliando o expectador a compreen<strong>de</strong>r o que está sendo<br />

dito. o autor também concluiu que a opinião do autor da charge está implícita, assim<br />

como a opinião da i<strong>de</strong>ologia do programa, pois, caso contrário, a mesma não seria<br />

veiculada. A charge é tratada, na pesquisa <strong>de</strong> Sanchotene, como um meio mais suave <strong>de</strong><br />

abordar a opinião política na televisão, usando o humor como estratégia.<br />

Retomando o contexto da pesquisa, todas essas transformações que ocorreram<br />

no jornalismo dos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong>, marcaram diversas mudanças no modo <strong>de</strong> informar,<br />

assim como na rotina jornalística dos meios <strong>de</strong> comunicação. Com essa intensa censura<br />

prévia, matérias foram vetadas e edições chegaram a ser recolhidas, resultando em um<br />

gran<strong>de</strong> no prejuízo financeiro <strong>de</strong> produção dos jornais. Se esten<strong>de</strong>ndo até à imprensa,<br />

música, teatro e cinema, a censura atuou rigidamente a partir <strong>de</strong> 1970, na apreensão <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> 500 filmes, 400 peças teatrais, 200 livros e centenas <strong>de</strong> músicas. A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão, assim como a criativida<strong>de</strong> dos jovens do país, se viam castradas.<br />

Todas as investigações aos oposicionistas ao Regime que ocorreram nesse<br />

período eram feitas pela Delegacia <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social (DOPS), a qual tinha<br />

como finalida<strong>de</strong> investigar os atos tidos como suspeitos e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes po<strong>de</strong>ria estar<br />

intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, professores, ou seja, todos que estivessem<br />

relacionados a movimentos sociais. Os DOPS foram orgãos criados junto à estrutura das<br />

secretarias estaduais <strong>de</strong> segurança pública <strong>de</strong> alguns estados brasileiros. A atribuição<br />

principal dos DOPS era o papel <strong>de</strong> polícia política, uma modalida<strong>de</strong> especial <strong>de</strong> polícia, que<br />

<strong>de</strong>sempenha uma função preventiva e repressiva, “criada para entrever e coibir ativida<strong>de</strong>s<br />

que colocassem em risco a or<strong>de</strong>m e a segurança pública” (XAVIER, 1996, p. 32). Esta<br />

atribuição extraoficial estava ligada à necessida<strong>de</strong> dos gover<strong>nos</strong> quando <strong>de</strong>cidissem vigiar e<br />

22


punir <strong>de</strong>terminados indivíduos, e con<strong>de</strong>nar grupos inteiros, consi<strong>de</strong>rados como ameaças à<br />

or<strong>de</strong>m pública e a tão almejada segurança nacional.<br />

Nesse período <strong>de</strong> intensa repressão, Dines conta para o jornalista Francisco<br />

Ucha, em entrevista ao Jornal da ABI, em fevereiro <strong>de</strong> 2012, que foi alvo dos censores e<br />

sua profissão e posição política atrapalharam a sua participação em eventos. Tudo isso<br />

gerou a sua prisão em 1968, como ele conta:<br />

23<br />

Na sexta-feira seguinte ao AI-5, eu já tinha sido escolhido paraninfo <strong>de</strong> uma<br />

turma da PUC, no Rio. Com o AI-5 eu fiquei mortificado. (...) Aí fiz um<br />

discurso bem contun<strong>de</strong>nte e li esse discurso na cerimônia <strong>de</strong> formatura da<br />

PUC. Marotamente, passei o texto para a Redação e eles escreveram a notícia<br />

<strong>de</strong> que eu era paraninfo da PUC e reproduziram alguns trechos do meu<br />

discurso. Os milicos viram a noticia, avisaram o secretário da Marinha e dois<br />

dias <strong>de</strong>pois fui preso. (Jornal da ABI - nº 375 <strong>–</strong> 21/02/12).<br />

Todo esse clima <strong>de</strong> suspeita sobre os indivíduos e a supressão da liberda<strong>de</strong><br />

atingiu não só o meio jornalístico, mas vários segmentos da socieda<strong>de</strong> como um todo.<br />

Essa censura se transformou em perseguição real e atingiu artistas da música popular<br />

brasileira que além <strong>de</strong> terem suas músicas censuradas, a sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

também foi cerceada. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e<br />

outros artistas que <strong>de</strong>colam em sua carreira nesse momento, passaram a ser vigiados e<br />

logo tiveram que <strong>de</strong>ixar o país, buscando um autoexílio.<br />

Para protestar, as pessoas contrárias ao Regime escolheram uma das ativida<strong>de</strong>s<br />

cujo controle era mais exercido pelos militares: o jornalismo. O jornalismo se tornou<br />

mais do que nunca, o transmissor das vozes <strong>de</strong> uma multidão que clamava por justiça.<br />

Justiça aos seus filhos, amigos, e <strong>de</strong>mais pessoas que foram prejudicadas, ameaçadas e<br />

mortas na Ditadura Militar.<br />

As barreiras que a censura invocou para o jornalismo, buscava repreen<strong>de</strong>r os<br />

chamados subversivos. Ri<strong>de</strong>nti analisa e discute os tipos <strong>de</strong> censuras predominantes na<br />

ditadura militar.<br />

Não houve uma única censura durante o regime militar, mas duas. A censura<br />

mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> diversões públicas existia no Brasil, <strong>de</strong> maneira oficial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1946. Integrava, por exemplo, a rotina profissional do pessoal do teatro, nada<br />

havendo <strong>de</strong> novo (após 1964) na presença <strong>de</strong> um censor, durante o ensaio<br />

geral, nem os atritos entre a classe e a censura moral das peças, com o tempo<br />

também praticada contra o rádio, o cinema, a TV e até mesmo os circos e as<br />

churrascarias com música ao vivo. De fato, todo um ethos próprio animava a<br />

Divisão <strong>de</strong> Censura <strong>de</strong> Diversões Públicas (DCDP), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito antes do<br />

golpe <strong>de</strong> 1964. A Divisão assumia orgulhosamente seu papel na socieda<strong>de</strong><br />

brasileira e supunha realmente expressar a vonta<strong>de</strong> da maioria da população


ao cuidar para que os “atentados à moral e aos bons costumes” fossem<br />

evitados. (RIDENTI, 2004, p. 269)<br />

São diversos os estudos sobre censura no Brasil. Em Minorias Silenciadas, por<br />

exemplo, livro organizado por Carneiro, é possível ver a transformação das limites à<br />

imprensa ao longo da história: do Brasil colonial ao esboço da primeira esfera pública<br />

brasileira, no começo do século XIX, chegando à mais recente experiência <strong>de</strong> censura<br />

institucionalizada no pós-golpe <strong>de</strong> 1964. Nesse contexto, a censura já foi bastante<br />

estudada por Ri<strong>de</strong>nti e por outros autores em teses e publicações.<br />

Trabalhos mais específicos com autores que fazem parte da bibliografia <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa, como Aquino em Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-1978) e Be<br />

Kucinski, em Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa,<br />

exploram a censura militar sob visões distintas, porém com uma abordagem bastante<br />

ampla.<br />

Diversos estudos sobre a censura contemplam e ampliam o embasamento sobre<br />

um dos piores momentos vividos pelo Brasil, no qual o Golpe militar <strong>de</strong>u origem a<br />

outro golpe, à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão. Uma geração se calou aos mandos <strong>de</strong> um<br />

governo, cerceando suas ações, i<strong>de</strong>ais e voz. Porém, um grupo que se uniu para tentar<br />

reverter essa situação e dar ao país um novo sentido para lutar e conquistar seus direitos.<br />

Esse grupo foi composto por estudantes, jornalistas, intelectuais, artistas, entre outros<br />

brasileiros se<strong>de</strong>ntos por justiça.<br />

Com toda a repressão instalada no país, o Regime enxugava as matérias que<br />

seriam publicadas <strong>nos</strong> jornais, liberando apenas as que lhe convinham. Com o tempo, a<br />

censura aos meios <strong>de</strong> comunicação se tornou cada vez mais severa.<br />

De acordo com Gentilli (2004, p. 94), o grupo Frias Cal<strong>de</strong>ira, que produzia os<br />

jornais como a Folha <strong>de</strong> São Paulo, Folha da Tar<strong>de</strong>, Última hora, acatava muito bem<br />

as or<strong>de</strong>ns dos militares. Porém, no auge do governo Médici, um gran<strong>de</strong> jornal como O<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo, com a intensa repressão aos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

enfrentar os militares. Em março <strong>de</strong> 2004, no texto que fez parte do especial Março <strong>de</strong><br />

64, o jornal O Estado <strong>de</strong> São Paulo, conta que a partir <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro houve fortes<br />

intervenções da censura no jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo <strong>–</strong> sendo que entre 1972 e 1975<br />

censores foram instalados diretamente na redação.<br />

Com o AI-5, a censura se fez <strong>de</strong> duas formas: a censura prévia e a autocensura.<br />

Poucos periódicos tiveram coragem <strong>de</strong> criticar as barbarida<strong>de</strong>s que aconteciam no<br />

Regime e passaram pela censura <strong>de</strong> uma maneira severa. A censura prévia segundo<br />

24


Aquino, “era aplicada com censores, bilhetes e revisão da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, geralmente<br />

vivenciada à distância. Já a autocensura consistia em uma linha editorial omissa aos<br />

acontecimentos políticos, que foi um meio utilizado por muitos jornais para não sofrer a<br />

censura prévia”. (AQUINO, 1999: 122-123).<br />

A autocensura se tornou um meio alternativo encontrado pelos jornalistas nesse<br />

período. Assunto trabalhado por Kucinski, a autocensura, por exemplo, participa da tom<br />

da produção das notícias sob censura militar. No livro Síndrome da Antena Parabólica,<br />

ele faz uma referência ao filósofo alemão Friedrich Engels, dizendo que:<br />

25<br />

Os melhores textos jornalísticos são aqueles que possuem sinais <strong>de</strong> censura<br />

prévia, uma vez que as informações que sofrem tipo <strong>de</strong> represália carregam o<br />

fato verídico, por isso, o lugar da autocensura na história da repressão ao<br />

pensamento e à informação durante o regime militar acabou saturado pelos<br />

episódios me<strong>nos</strong> frequentes, porém mais espetaculares <strong>de</strong> censura exógena,<br />

fechamento <strong>de</strong> jornais e prisões <strong>de</strong> jornalistas. (KUCINSKI, 1998, p. 52).<br />

O autor se refere ao po<strong>de</strong>r da autocensura pelo seu caráter transformador, que<br />

através <strong>de</strong> um discurso inteligente, os jornalistas, por julgarem que <strong>de</strong>terminado<br />

conteúdo não po<strong>de</strong>ria ser divulgado, já o aboliam.<br />

Os processos alternativos <strong>de</strong> comunicação, por exemplo, englobam-se como<br />

salienta Benevenuto Jr, num momento difícil na política brasileira, no qual os militares<br />

dirigiam o programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do país, “<strong>de</strong>srespeitando as instituições<br />

políticas e usando a força através <strong>de</strong> torturas para eliminar aqueles que criticavam a<br />

repressão organizada pela Escola Superior <strong>de</strong> Guerra”. Assim, nasce “uma imprensa que<br />

se constitui a partir das organizações sociais e políticas da oposição (...) e tinha um forte<br />

viés cultural, além dos especialistas das áreas social, econômica e política”<br />

(BENEVENUTO JUNIOR, 2007, p. 1).<br />

O gran<strong>de</strong> objetivo da imprensa alternativa era justamente ser <strong>de</strong> maneira<br />

alternativa, ou seja, transformar a situação em que o país se encontrava, <strong>de</strong>nunciar os<br />

crimes que ocorriam, assim como as mortes <strong>de</strong> presos políticos, torturas que aconteciam<br />

no Destacamento <strong>de</strong> Operações e Informações e Centro <strong>de</strong> Operações <strong>de</strong> Defesa Interna<br />

(DOI-CODI), lutar contra a censura e o Regime autoritário, enfim, entre outros<br />

interesses gerais da população.<br />

Autores como Dionísio (2011, p. 6), discorrem sobre assunto e esclarecem que o<br />

DOI-CODI foi um “órgão subordinado do Exército, <strong>de</strong> inteligência e repressão do<br />

governo brasileiro durante o Regime Militar teve sua se<strong>de</strong> em São Paulo e foi


implantado em outros estados do Brasil”. Desse modo, cada estado tinha o seu DOI,<br />

subordinado ao CODI, que era o órgão central. Nos porões da ditadura, como eram<br />

chamados as salas que existiam no interior do DOI-CODI, aconteciam as <strong>de</strong>tenções,<br />

<strong>de</strong>poimentos e torturas. Nessas salas foram realizadas torturas com os mais cruéis<br />

instrumentos <strong>de</strong> repressão, através da violência física e psicológica.<br />

Voltando à censura aos meios <strong>de</strong> comunicação, que foi uma das vítimas do<br />

Regime, passa a sofrer os cortes mais severos. Dessa forma, restringiu-se o acesso da<br />

população aos acontecimentos do momento, ou seja, noticiar as torturas, por exemplo,<br />

Além disso, o Regime autoritário ocasionou também a perseguição intensa a políticos<br />

<strong>de</strong> esquerda, estudantes, artistas e intelectuais, cassação <strong>de</strong> mandatos, medidas<br />

governamentais que afetavam o futuro político, econômico e social do Brasil. O<br />

governo tinha ple<strong>nos</strong> po<strong>de</strong>res sobre os meios <strong>de</strong> comunicação e apenas concordava em<br />

publicar <strong>de</strong>terminadas notícias quando era conveniente aos mesmos, caso contrário, os<br />

fatos eram omitidos, distorcidos ou recriados.<br />

Com o acirramento da repressão durante o Regime Militar, a informação tornou-<br />

se cada vez mais comprometida e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos órgãos do governo e artifícios da<br />

imprensa para transmitir a notícia.<br />

Os a<strong>nos</strong> em que o Brasil esteve submetido à Ditadura Militar significaram um<br />

atraso ao <strong>de</strong>senvolvimento da estrutura social brasileira e também dos modos <strong>de</strong><br />

informar no jornalismo que foi um dos setores mais afetados pelos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong>.<br />

Durante todos esses a<strong>nos</strong>, o país viveu diversas consequências, sofrendo com sua<br />

vida profissional e pessoal <strong>de</strong>vido à censura instaurada no país após o AI-5, como já<br />

vimos neste capítulo, porém, no capítulo que segue, vamos enten<strong>de</strong>r melhor quais foram<br />

os acontecimentos que geraram a censura, e <strong>de</strong> que forma ela atingiu a vida dos<br />

brasileiros.<br />

26


2.2 OS FUNDAMENTOS DA CENSURA<br />

Neste item, vamos situar e refletir os aspectos que <strong>de</strong>ram origem à censura e<br />

qual era sua verda<strong>de</strong>ira função no contexto histórico do país, mais especificamente no<br />

período da Ditadura Militar do Brasil (1964 <strong>–</strong> 1985). Para contextualizar a censura, é<br />

preciso lembrar o seu nascimento, papel e atuação. Para isso, <strong>nos</strong> valemos <strong>de</strong> fontes<br />

autorais como Miliandre Garcia, Gláucio Soares, Carlos Fico, Alexandre Stephanou,<br />

Zuenir Ventura, entre outros.<br />

Vamos analisar, <strong>de</strong> que forma a censura afetou o jornalismo, mas também outros<br />

modos <strong>de</strong> fazer cultural, literatura e também na música. Buscamos compreen<strong>de</strong>r seus<br />

fundamentos e no que ela resultou.<br />

A censura do período, basicamente, instalou-se a partir do Ato institucional nº 5<br />

em 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968. Caracterizado por uma série <strong>de</strong> atos e leis que<br />

amordaçavam a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, a socieda<strong>de</strong> passou a sofrer as consequências<br />

<strong>de</strong> um Regime arbitrário, autoritário e repressivo. Essa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão passou a<br />

ser intensamente combatida pelo governo e os direitos individuais foram abolidos sob o<br />

respaldo da Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional, ao passo que o cidadão brasileiro ficou<br />

vulnerável aos <strong>de</strong>smandos dos militares.<br />

sua abertura:<br />

A abertura do texto do AI-5 mostra os motivos que levaram ao <strong>de</strong>creto. Diz, em<br />

“O presi<strong>de</strong>nte da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, ouvido o Conselho <strong>de</strong><br />

Segurança Nacional, e:<br />

27<br />

Consi<strong>de</strong>rando que a Revolução Brasileira <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1964 teve,<br />

conforme <strong>de</strong>corre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e<br />

propósitos que visavam a dar ao país um regime que, aten<strong>de</strong>ndo as exigências<br />

<strong>de</strong> um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática,<br />

baseada na liberda<strong>de</strong>, no respeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, no combate<br />

à subversão e às i<strong>de</strong>ologias contrárias às tradições <strong>de</strong> <strong>nos</strong>so povo, na luta<br />

contra a corrupção, buscando, <strong>de</strong>ste modo, “os meios indispensáveis à obra<br />

<strong>de</strong> reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, <strong>de</strong> maneira<br />

a po<strong>de</strong>r enfrentar, <strong>de</strong> modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas<br />

<strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a restauração da or<strong>de</strong>m interna e do prestígio internacional da<br />

<strong>nos</strong>sa Pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1 <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1964);<br />

Consi<strong>de</strong>rando que o governo da República, responsável pela execução<br />

daqueles objetivos e pela or<strong>de</strong>m e segurança internas, só não po<strong>de</strong> permitir<br />

que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou<br />

ajam, sob pena <strong>de</strong> estar faltando a compromissos que assumiu com o povo<br />

brasileiro, bem como porque o Po<strong>de</strong>r Revolucionário, ao editar o Ato<br />

Institucional nº 2, afirmou categoricamente, que “não se disse que a<br />

Revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>tido;


Consi<strong>de</strong>rando que esse mesmo Po<strong>de</strong>r Revolucionário, exercido pelo<br />

presi<strong>de</strong>nte da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir,<br />

votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além <strong>de</strong><br />

representar “a institucionalização dos i<strong>de</strong>ais e princípios da Revolução”,<br />

<strong>de</strong>veria “assegurar a continuida<strong>de</strong> da obra revolucionária” (Ato Institucional<br />

nº 4, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1966);<br />

28<br />

Consi<strong>de</strong>rando que, assim, se torna imperiosa a adoção <strong>de</strong> medidas que<br />

impeçam sejam frustrados os i<strong>de</strong>ais superiores da Revolução, preservando a<br />

or<strong>de</strong>m, a segurança, a tranquilida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento econômico e cultural<br />

e a harmonia política e social do País comprometidos por processos<br />

subversivos e <strong>de</strong> guerra revolucionária;<br />

Consi<strong>de</strong>rando que todos esses fatos perturbadores da or<strong>de</strong>m são contrários<br />

aos i<strong>de</strong>ais e à consolidação do Movimento <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1964, obrigando os<br />

que por ele se responsabilizaram e juraram <strong>de</strong>fendê-lo a adotarem as<br />

providências necessárias, que evitem sua <strong>de</strong>struição. (...) (Trecho do AI-5.<br />

Publicado em Brasília, no dia 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968).<br />

Percebemos que a preocupação era, novamente, em relação aos chamados<br />

subversivos. Desse modo, o AI-5 viria para fazer, segundo o Regime, a manutenção da<br />

or<strong>de</strong>m, da segurança, da tranquilida<strong>de</strong>, do <strong>de</strong>senvolvimento e da harmonia da nação.<br />

Porém, parte <strong>de</strong>sse público <strong>de</strong> subversivos, estava preocupado em ocupar uma lacuna<br />

<strong>de</strong>ixada pela imprensa dominante, acrescentando aos jornais consi<strong>de</strong>rados peque<strong>nos</strong>,<br />

nomes importantes ligados ao campo <strong>de</strong> produção cultural do país no momento, como<br />

jornalistas e artistas.<br />

Nesse contexto, notamos que os a<strong>nos</strong> em que o Brasil sofreu com a Ditadura<br />

Militar representou um atraso em diversos segmentos, algo que contribui para retardar o<br />

crescimento e <strong>de</strong>senvolvimento do país, ao contrário do que os militares alegavam<br />

almejar, o <strong>de</strong>senvolvimento e a tão sonhada “or<strong>de</strong>m”, não vingaram.<br />

Com as ameaças e intervenções sobre as liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> expressão, a informação<br />

tornou-se cada vez mais comprometida e os meios <strong>de</strong> comunicação afetados. O modo <strong>de</strong><br />

informar foi duramente afetado por causa do AI-5 <strong>de</strong>ixando muitos reflexos para fases<br />

posteriores sobre as praticas jornalísticas.<br />

Aquino (1999) em seu livro Censura, Imprensa, Estado autoritário (1968 <strong>–</strong><br />

1978), aborda o AI-5 e suas origens, consi<strong>de</strong>ra o episódio envolvendo o Deputado<br />

Márcio Moreira Alves.<br />

O AI-5 foi editado pelo presi<strong>de</strong>nte Costa e Silva, em meio ao rumoroso caso<br />

do <strong>de</strong>putado Márcio Moreira Alves. O <strong>de</strong>putado, por época do 7 <strong>de</strong> setembro<br />

<strong>de</strong> 1968, fez um discurso, na Câmara, em que instava a população a boicotar<br />

a parada militar comemorativa da In<strong>de</strong>pendência e sugeria às mulheres<br />

brasileiras que não namorassem militares envolvidos na repressão. O discurso


29<br />

não teve gran<strong>de</strong> repercussão na imprensa. Entretanto, serviu aos setores<br />

interessados no recru<strong>de</strong>scimento da repressão para exercer pressões sobre o<br />

presi<strong>de</strong>nte, no sentido <strong>de</strong> que tom asse medidas mais drásticas, pois<br />

consi<strong>de</strong>raram o discurso um grave ultraje às Forças Armadas. Foi requerido<br />

por ministros militares, junto ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o julgam en to do<br />

<strong>de</strong>putado por ofensa às Forças Armadas brasileiras. O requerimento, com o<br />

rezava a legislação, foi en caminhado ao Congresso Nacional, que po<strong>de</strong>ria<br />

aceitar a sugestão e levantar a imunida<strong>de</strong> parlamentar <strong>de</strong> Márcio Moreira<br />

Alves, para qu e este pu <strong>de</strong>sse ser processado. Ou então, o Congresso, por<br />

votação, rejeitaria o pedido, impossibilitando qualquer forma <strong>de</strong> punição ao<br />

parlamentar. Em uma sessão conturbada e, por maioria esmagadora, o<br />

Congresso optou pela negação da solicitação <strong>de</strong> punição. A vitória e a<br />

recuperação da dignida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Legislativo, rapidamente transformaramse<br />

em <strong>de</strong>rrota quando, me<strong>nos</strong> <strong>de</strong> 24 horas após a votação, o Executivo<br />

publicou o AI-5, concentrando e conferindo excepcionalida<strong>de</strong> maior ao<br />

presi<strong>de</strong>nte; limitando ou extinguindo liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas e suspen<strong>de</strong>ndo<br />

garantias constitucionais. (AQUINO, 1999, p. 206).<br />

A partir <strong>de</strong> Aquino (1999) e <strong>de</strong> tantos outros autores que estudaram esse período,<br />

o AI-5 se tornou visível por todos os brasileiros, que passaram a ficar nas ré<strong>de</strong>as duras e<br />

repressivas <strong>de</strong> um Regime Ditatorial.<br />

Com a intensa repressão, a censura tomou conta do país, assolando uma geração<br />

que se calou aos militares. Hollanda e Gonçalves (1991, p. 20) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que o Golpe<br />

<strong>de</strong> 64 trouxe consigo a “reor<strong>de</strong>nação dos laços <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência”, e a “regulação<br />

autoritária entre classes e grupos, colocando em vantagem os setores associados ao<br />

capital monopolista ou a eles vinculados”. Após o AI-5, o governo se apoiou nas<br />

doutrinas da segurança nacional, no qual os militares <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o país da<br />

“bagunça dos subversivos”.<br />

Para enten<strong>de</strong>rmos melhor os fundamentos da censura, precisamos fazer uma<br />

breve explicação <strong>de</strong> seu histórico no Brasil. Ainda no governo <strong>de</strong> Getúlio Vargas, em<br />

1944, foi criado um <strong>de</strong>partamento para alterar a <strong>de</strong>nominação da Polícia Civil do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral (atual Polícia Civil do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro) para Departamento<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Segurança Pública (DFSP), por meio <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto-lei. No governo do<br />

presi<strong>de</strong>nte Castelo Branco, foi aprovado o regulamento do DFSP que <strong>de</strong>finia o<br />

organograma da censura. De acordo com Garcia:<br />

na estrutura do Departamento Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Segurança Pública (DFSP) cabia ao<br />

setor da Polícia Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Segurança acompanhar o trabalho do Serviço <strong>de</strong><br />

Censura <strong>de</strong> Diversões Públicas (SCDP), principal órgão da censura fe<strong>de</strong>ral, e<br />

às <strong>de</strong>legacias regionais as Turmas <strong>de</strong> Censura <strong>de</strong> Diversões Públicas<br />

(TCDPs), braços auxiliares do órgão central. O SCDP era constituído por<br />

quatro setores (secretaria, seções <strong>de</strong> censura, seção <strong>de</strong> fiscalização e arquivo)<br />

e respondia pela coor<strong>de</strong>nação das ativida<strong>de</strong>s da censura, pela unificação dos<br />

trâmites burocráticos, pelo cumprimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminações superiores, pela<br />

orientação dos setores regionais e pela sistematização das normas da censura.


30<br />

As TCDPs, por sua vez, eram compostas por duas seções (secretaria e<br />

arquivo), restringiam-se a cumprir instruções superiores, fiscalizar casas <strong>de</strong><br />

espetáculos, estabelecimentos públicos, estações <strong>de</strong> rádio e emissoras <strong>de</strong><br />

televisão, aplicar penas pecuniárias, além <strong>de</strong> elaborar relatórios <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s.<br />

(GARCIA, 2009, p. 23).<br />

Durante o governo do presi<strong>de</strong>nte Jânio Quadros, em maio <strong>de</strong> 1961, foi<br />

concedido aos Estados o direito <strong>de</strong> exercer a censura. Isso ao mesmo tempo em que a<br />

legislação que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1946, dava à Polícia Fe<strong>de</strong>ral a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar a<br />

censura prévia a, peças teatrais, discos, filmes, apresentações <strong>de</strong> grupo s musicais,<br />

cartazes e espetáculos públicos em geral. Já em abril <strong>de</strong> 1965 foi inaugurado um prédio<br />

para ser se<strong>de</strong> do Departamento Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Segurança Pública, on<strong>de</strong> atuaria o Serviço <strong>de</strong><br />

Censura e Diversões Públicas - SCDP, em Brasília. Essa concretização indica o anseio<br />

do governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> centralizar as ativida<strong>de</strong>s censórias, como explica Stephanou<br />

“Legalmente, a censura era jurisdição do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral; na prática,<br />

todos os órgãos militares <strong>de</strong> segurança se achavam no direito <strong>de</strong> proibir”. O autor<br />

salienta que a hierarquia <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res não era bem organizada nesse <strong>de</strong>partamento, pois<br />

“diferentes autorida<strong>de</strong>s, dos mais altos postos ao simples funcionário público, buscavam<br />

vetar produções culturais ou artísticas” (STEPHANOU, 2001, p. 293).<br />

Em 1967, ano que antecedia o AI-5, a Constituição oficializou a centralização da<br />

censura como ativida<strong>de</strong> do Governo Fe<strong>de</strong>ral, em Brasília. Quando o AI-5 foi <strong>de</strong>cretado,<br />

as ações <strong>de</strong> censura já se encontravam centralizadas no Governo Fe<strong>de</strong>ral.<br />

De acordo com Ventura (1988, p. 155), antes do AI-5, duas gran<strong>de</strong>s<br />

manifestações públicas contra as arbitrarieda<strong>de</strong>s do Regime Militar ocorreram no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: a manifestação “Cultura contra Censura”, em fevereiro <strong>de</strong> 1968 que reuniu<br />

membros da classe teatral para manifestarem sua repulsa contra a interdição <strong>de</strong> oito<br />

peças teatrais e, alguns meses mais tar<strong>de</strong>, aquela que ficou conhecida como “A Passeata<br />

dos Cem Mil”, que ocorreu em 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1968.<br />

Dia 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968, o presi<strong>de</strong>nte Costa e Silva, alegando que em nome<br />

da “autêntica or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática, baseada na liberda<strong>de</strong>, no respeito à dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa humana, no combate à subversão e às i<strong>de</strong>ologias contrárias às tradições <strong>de</strong> <strong>nos</strong>so<br />

povo”, concretiza o AI-5. Tal ato dá ple<strong>nos</strong> po<strong>de</strong>res aos militares, que a partir <strong>de</strong>sse<br />

momento po<strong>de</strong>m cassar mandatos, suspen<strong>de</strong>r direitos políticos e garantias individuais,<br />

além <strong>de</strong> criar condições para a censura à divulgação da informação, manifestação <strong>de</strong><br />

opiniões e produções culturais e artísticas. A partir <strong>de</strong>sse momento, se dá início aos


chamados a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong> ou, para usar a nomenclatura utilizada por Gaspari (2003, p.<br />

301): a ditadura escancarada.<br />

O Marechal Costa e Silva explicou através <strong>de</strong> diversas transmissões radiofônicas<br />

e televisivas, o quanto o AI-5 era necessário para a or<strong>de</strong>m e a segurança do país. Porém,<br />

os seus <strong>de</strong>poimentos para a mídia não esclarecem suas ações <strong>de</strong> quinze dias <strong>de</strong>pois, no<br />

qual o governo cassou 38 mandatos legislativos e interrompeu por <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> os direitos<br />

políticos <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, dois senadores e um vereador. Além disso,<br />

<strong>de</strong>terminou a aposentadoria <strong>de</strong> três ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e <strong>de</strong> um do<br />

Supremo Tribunal Militar e suspen<strong>de</strong>u os direitos políticos da diretora do matutino<br />

Correio da Manhã, do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Dois meses se passaram e Costa e Silva assinava<br />

a cassação <strong>de</strong> mais 95 parlamentares.<br />

De acordo com o texto Assim se passaram <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong>, publicado na Revista Visão<br />

em 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1974, página 46: “O ano <strong>de</strong> <strong>1969</strong> foi um ano <strong>de</strong> “cassações em<br />

massa, rígido controle dos movimentos operários e estudantis, recru<strong>de</strong>scimento da<br />

censura, instituição da pena <strong>de</strong> morte e prisão perpétua para crimes políticos e<br />

inauguração, no país, da prática <strong>de</strong> sequestros por parte <strong>de</strong> guerrilheiros urba<strong>nos</strong>. (...) As<br />

ativida<strong>de</strong>s culturais passaram a ser rigorosamente vigiadas e artistas <strong>de</strong> projeção<br />

nacional (...) tiveram <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o país”. Tudo que tivesse a intenção <strong>de</strong> ser publicado,<br />

cantado, divulgado, enfim, <strong>de</strong>veria passar pelas mãos <strong>de</strong> censores e assim, sujeitado à<br />

veto.<br />

Estima-se que centenas <strong>de</strong> pessoas foram efetivamente presas após o AI-5:<br />

“algumas centenas <strong>de</strong> intelectuais, estudantes, artistas, jornalistas (...) recolhidos às<br />

celas do DOPS, da PM e aos vários quartéis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica<br />

em todo o país” (VENTURA, 1988, p. 46).<br />

Soares (1989) explica que com o passar do tempo, a censura teve seus altos e<br />

baixos. Em alguns momentos, foi <strong>de</strong> intensa severida<strong>de</strong>, outros nem tanto. Essa<br />

inconstância se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> acordo com o governo vigente do país e a maneira <strong>de</strong> governar<br />

<strong>de</strong> cada presi<strong>de</strong>nte, seguindo ou não a linha dura.<br />

31<br />

A expansão mais acelerada da ação da censura teve lugar durante o período<br />

mais negro por que o País passou: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o AI-5, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968, no<br />

governo Costa e Silva, até o fim do governo Garrastazu Médici. (...) A partir<br />

<strong>de</strong> 1976, data em que se afirma, o governo Geisel controlou a linha dura,<br />

houve uma clara diminuição <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. (...) Foi somente no final do<br />

governo Geisel e início do governo Figueiredo que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa<br />

foi restaurada no Brasil. (SOARES, 1989, p. 22).


Segundo Garcia entre os a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> 1964 e 1965, várias medidas foram tomadas<br />

para sistematizar o trabalho da mesma, entre as quais ele cita:<br />

32<br />

1) a convocação <strong>de</strong> servidores para avaliar as normas da censura; 2) a<br />

a<strong>de</strong>quação da estrutura ao regulamento policial; 3) a constituição <strong>de</strong><br />

grupos para analisar roteiros <strong>de</strong> filmes, programas <strong>de</strong> televisão e scripts<br />

<strong>de</strong> peças; 4) a criação <strong>de</strong> uma comissão que visava discutir questões<br />

polêmicas e examinar a legislação; e 5) a instituição <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />

trabalho responsável por uniformizar os critérios da censura e assessorar<br />

as <strong>de</strong>legacias regionais no exercício da censura dos filmes que não<br />

ultrapassassem os limites dos estados (GARCIA, 2009, p. 23).<br />

É possível perceber que a censura não afetou apenas o jornalismo, mas todo<br />

sistema informativo, sendo severa e não se importando com as consequências, ela cala a<br />

voz <strong>de</strong> um país, causando medo, mas também revolta.<br />

Na opinião <strong>de</strong> Fico (2002), a censura não se remete apenas ao período ditatorial,<br />

e sim, percorre por diversos períodos da história do Brasil.<br />

A lembrança da censura sempre permanece associada ao último período no<br />

qual ela existiu, sendo compreensível, portanto, que, na imprensa e entre os<br />

mais jovens, a menção ao assunto remeta imediatamente ao regime militar.<br />

Porém, como é sabido, a censura sempre esteve ativa no Brasil, e formas<br />

diferenciadas <strong>de</strong>la persistem mesmo hoje, quando está formalmente abolida.<br />

(FICO, 2002, p. 253).<br />

A censura na imprensa foi o principal alvo após o AI-5. Fico ainda comenta que<br />

a “censura da imprensa sistematizou-se, tornou-se rotineira e passou a obe<strong>de</strong>cer a<br />

instruções especificamente emanadas dos altos escalões do po<strong>de</strong>r” (2002, p. 253). O<br />

autor explica a chamada Operação Limpeza, que tinha por função, censurar tudo aquilo<br />

que atrapalhava a or<strong>de</strong>m do país.<br />

A história do período também po<strong>de</strong> ser lida como a da trajetória do grupo<br />

mais radical entre os militares que tomaram o po<strong>de</strong>r, conhecido como “linha<br />

dura”. De fato, ainda em 1964, com a implantação da “Operação Limpeza”<br />

(prisões, cassações <strong>de</strong> mandatos e suspensões <strong>de</strong> direitos políticos dos<br />

inimigos), um grupo <strong>de</strong> oficiais-superiores foi <strong>de</strong>signado para presidir os<br />

inquéritos policiais militares (IPM) que conduziam às punições mencionadas.<br />

A idéia (que talvez possa ser chamada <strong>de</strong> “utopia autoritária”) era eliminar<br />

todo aquele que dissentisse das ban<strong>de</strong>iras da “Revolução”: combate ao<br />

comunismo, à corrupção e outras diretrizes da retórica política radical <strong>de</strong><br />

direita que, naquele momento, tinha a inspirá-la políticos como Carlos<br />

Lacerda. (FICO, 2002, p. 254).<br />

Carlos Lacerda foi político e jornalista, membro da União Democrática Nacional<br />

(UDN), vereador, <strong>de</strong>putado estadual e governador do estado da Guanabara. Como


jornalista, Lacerda foi proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e em 1965, criador da<br />

editora Nova Fronteira.<br />

Em seu artigo, Fico (2002) enfatiza que a censura da imprensa engloba também<br />

outras controvérsias, sendo uma <strong>de</strong>las o caráter político ou “moral” <strong>de</strong>stas censuras.<br />

Para Soares (1989, p. 34), a DCDP, <strong>de</strong>partamento já citado anteriormente, “não exercia<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> censura política diretamente”, e sim, restringia-se a restringir o que<br />

consi<strong>de</strong>rava impróprio, do ponto <strong>de</strong> vista moral, no teatro, no cinema, na TV, etc. Ainda<br />

sobre os fundamentos da censura, segundo Kushnir (2001, p. 127), toda a censura é um<br />

ato político, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> visar a questões morais ou a temas explicitamente<br />

políticos. Desse modo, é interessante analisar, ainda em Soares (1989, p. 23), a<br />

cronologia da censura no Brasil, partindo <strong>de</strong> 1967, um ano antes do <strong>de</strong>creto do AI-5, até<br />

1978, fim da censura prévia em diversos jornais do país, incluindo O <strong>Pasquim</strong>,<br />

Movimento, Tribuna da Imprensa, entre outros. Confira abaixo:<br />

Figura 1<br />

Analisando o texto acima, é possível perceber que a censura se instaurou no país<br />

durante muitos a<strong>nos</strong> e privou diversos jornais a cumprirem seu verda<strong>de</strong>iro papel. Soares<br />

(1989) examina a duração das proibições e restrições aos meios <strong>de</strong> comunicação, além<br />

dos gover<strong>nos</strong> que a censura percorreu.<br />

33


34<br />

Estas proibições foram muito numerosas durante a ditadura <strong>de</strong> Garrastazu<br />

Médici, mantiveram-se altas durante o primeiro ano <strong>de</strong> Geisel, <strong>de</strong>clinando<br />

rapidamente a partir <strong>de</strong> 1975. Se, por um lado, não há dúvida <strong>de</strong> que a<br />

censura durante a ditadura <strong>de</strong> Geisel foi amena, se comparada com a<br />

existente durante a ditadura <strong>de</strong> Garrastazu Médici, é evi<strong>de</strong>nte que ela<br />

continuou existindo durante todo o seu governo. A censura sobre os meios<br />

eletrônicos continuou, inclusive, durante o governo Figueiredo. (SOARES,<br />

(1989, p. 26).<br />

Soares (1989, p. 30) analisa a censura e os diversos modos <strong>de</strong> sua atuação. O<br />

autor mostra em um quadro, que a censura afetou o cenário jornalístico, assim como<br />

afetou o cenário cultural e literário. Ele conta que “no rádio e na televisão, a censura<br />

atingiu sistematicamente vários artistas cuja oposição à ditadura era conhecida, entre<br />

eles Chico Buarque e Geraldo Vandré”. Veja a figura 2 e analise os segmentos que<br />

foram alvo da censura.<br />

Figura 2<br />

É possível perceber que a censura atacou a cultura do país por diversos lados, e<br />

os livros, campeões <strong>de</strong> vetos, ganham 74 “nãos” dos censores. Segundo Soares (1989, p.<br />

32), “Este total refere-se aos livros levados à atenção da Divisão <strong>de</strong> Censura como<br />

"suspeitos" e, consequentemente, com maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem censurados do que<br />

uma amostra aleatória dos livros publicados”.<br />

Quanto às matérias jornalísticas, foram vetadas mais <strong>de</strong> 1.136, no período <strong>de</strong> 29<br />

<strong>de</strong> março a 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1975, <strong>de</strong> acordo com Aquino (1999, p. 59). Segundo a<br />

autora, os temas mais vetados pelos militares eram: questões políticas, questões<br />

econômicas, críticas <strong>de</strong> oposição, relação Igreja <strong>–</strong> Estado, movimento estudantil, entre<br />

outros.<br />

Em 1988, através <strong>de</strong> Constituição votada pela Assembleia Constituinte, no dia<br />

03 <strong>de</strong> agosto, a censura se extinguiu no país, após os longos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> vigência,


epresentando o fim da tortura e aprovação da liberda<strong>de</strong> intelectual, <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong><br />

imprensa no país. Kushnir aponta trecho da Carta que revelava que:<br />

35<br />

Art. 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a<br />

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer<br />

restrição, observado o disposto nesta Constituição.<br />

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação jornalística em qualquer veículo <strong>de</strong> comunicação<br />

social (...).<br />

§ 2º É vedada toda e qualquer censura <strong>de</strong> natureza política, i<strong>de</strong>ológica e<br />

artística.<br />

§ 3º Compete à lei fe<strong>de</strong>ral: I - regular as diversões e espetáculos públicos,<br />

cabendo ao po<strong>de</strong>r público informar sobre a natureza <strong>de</strong>les, as faixas etárias a<br />

que não se recomen<strong>de</strong>m, locais e horários em que sua apresentação se mostre<br />

ina<strong>de</strong>quada;<br />

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> programas ou programações <strong>de</strong> rádio e<br />

televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda <strong>de</strong><br />

produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos<br />

à saú<strong>de</strong> e ao meio ambiente. (...)<br />

§ 6º A publicação <strong>de</strong> veículo impresso <strong>de</strong> comunicação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> licença<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>. (KUSHNIR, 2004, p. 121).<br />

Os <strong>de</strong>cretos da censura foram muito mais além, porém acima po<strong>de</strong>mos perceber<br />

a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proibições feitas pelo Regime Militar que afetaram a cultura e a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão do país.<br />

Para Soares (1989, p. 39), a censura <strong>de</strong>ixou muitos rastros, tanto no jornalismo<br />

quanto em outros meios <strong>de</strong> informar, como citamos anteriormente. Porém, o autor<br />

sublinha que ela (ao contrário do que os militares pensavam), prejudicou mais o Regime<br />

do que beneficiou. O autor <strong>de</strong>staca que “os objetivos centrais da censura era reduzir a<br />

oposição ao Regime militar. O alvo era a população letrada, no caso da imprensa<br />

escrita, e a população total, no caso do rádio e da televisão”. Para ele, “o fato <strong>de</strong> cumprir<br />

ou não este objetivo passava pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. A interferência<br />

com estes meios levou a reações negativas e, neste sentido, po<strong>de</strong> ter trazido mais<br />

malefícios do que benefícios para o Regime Militar”. Ou seja, a censura contribuiu<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente os opositores ao Regime e não conseguiu atrair aliados, como era o<br />

verda<strong>de</strong>iro intuito dos militares.<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão cerceada, entra em cena um novo<br />

modo <strong>de</strong> informar, com raízes e motivos fortes para trazer a mudança para o jornalismo<br />

e para os modos <strong>de</strong> dizer e informar, o jornalismo alternativo, que vamos contextualizar<br />

no próximo capítulo.


3. A EMERGÊNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA<br />

Neste terceiro capítulo, vamos i<strong>de</strong>ntificar os principais motivos que levaram a<br />

imprensa a inovar a fim <strong>de</strong> transformar o momento em que o país vivia, a Ditadura<br />

Militar. Com o AI-5 e a censura, os modos <strong>de</strong> informar ficaram comprometidos,<br />

trazendo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma mudança, <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> informar que atinja o público<br />

alvo, os chamados <strong>de</strong> esquerda. Neste grupo, se encaixam todos aqueles que eram<br />

contra o Regime, contra os mandos dos militares e a favor da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão.<br />

Durante esse período, as formas <strong>de</strong> resistência encontradas foram inúmeras.<br />

Aparece um novo grupo <strong>de</strong> movimentos sociais, forjados, especialmente a partir <strong>de</strong> uma<br />

esquerda cristã. Quanto aos sindicatos, que criam suas centrais nacionais e grupos <strong>de</strong><br />

intelectuais, militantes políticos e jornalistas, dão vida e cor a essa imprensa alternativa,<br />

também chamada in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e também nanica, que até então, dá seus primeiros<br />

passos rumo ao estrelato.<br />

Em um período <strong>de</strong> repressão, os jornais alternativos visavam justamente achar<br />

brechas neste modo <strong>de</strong> controle (que envolvia censura e direitos abolidos). Esses meios<br />

<strong>de</strong> comunicação transformam a lógica <strong>de</strong> controle pelo po<strong>de</strong>r cultural: se o Regime<br />

Militar queria escon<strong>de</strong>r certas informações, os jornais alternativos tinham como papel,<br />

contar, informar a população. Se o Regime buscava amordaçar o jornalismo, os meios<br />

alternativos buscavam meios para fazer um exercício profissional <strong>de</strong> jornalismo cada<br />

vez mais livre.<br />

O surgimento <strong>de</strong>ssa imprensa alternativa ocorreu justamente como resultado <strong>de</strong><br />

uma comunicação <strong>de</strong> resistência, que existiu mesmo <strong>nos</strong> momentos mais severos da<br />

Ditadura Militar, baseada na música, filmes, leituras e reflexões acadêmicas. A<br />

comunicação <strong>de</strong> resistência, conforme Berger é o indício da acumulação <strong>de</strong> forças pelos<br />

grupos <strong>de</strong> oposição.<br />

Braga (1991) observa o papel <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> imprensa e o momento em que a<br />

mesma se inseriu no país. Ele enfatiza que “um dos objetivos principais da imprensa<br />

alternativa preenche um espaço <strong>de</strong>ixado vago pelas gran<strong>de</strong>s empresas nas condições<br />

políticas dos a<strong>nos</strong> 70, on<strong>de</strong> as maneiras <strong>de</strong> ocupar esse espaço vão caracterizá-la, e<br />

sorna, por sua prática, uma crítica à imprensa indústria”. Desse modo, o autor explica<br />

que:<br />

36


37<br />

os jornais alternativos feitos em pequenas empresas, on<strong>de</strong> não há a um<br />

enfrentamento entre patrão e empregado, se estabelece uma relação pluralista<br />

<strong>de</strong> troca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias entre jornalistas que buscavam procurar as perspectivas<br />

mais globais sobre o social e o político que faz com que se produza uma<br />

visão mais teórica das coisas. Essa visão vai direcionar a construção do<br />

público alvo, geralmente estudantes, jornalistas, professores e profissionais<br />

liberais. (BRAGA, 1991, p. 293).<br />

Berger (1998) analisa a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> lançar uma imprensa alternativa e quais foram<br />

as suas verda<strong>de</strong>iras intenções assim como os seus resultados. “Contribuiu para que<br />

alguns assimilassem as novas possibilida<strong>de</strong>s tecnológicas também (...) para que os<br />

intelectuais olhassem a imprensa como lugar <strong>de</strong> exposição <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias. Mas,<br />

principalmente, serviu como estímulo para o investimento político e cultural em<br />

periódicos” (1998, p. 96).<br />

Na visão <strong>de</strong> Caparelli (1989, p. 96), esses jornais alternativos são como<br />

micromeios <strong>de</strong> oposição: são “jornais <strong>de</strong> pequena tiragem, produzidos por profissionais<br />

que utilizam suas horas <strong>de</strong> lazer na luta por uma i<strong>de</strong>ologia e por isso, sem objetivos <strong>de</strong><br />

lucros pessoais”.<br />

Já Kucinski (2007), discorre sobre a função econômica <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> jornalismo<br />

e <strong>de</strong> que forma ele consegue exercer seu papel <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. “No alternativo,<br />

jornalistas e intelectuais não são pagos para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>ias dos outros, são mal pagos<br />

para dizer exatamente o que pensam”. Ele enfatiza que “no alternativo, a notícia não é<br />

merecedora: é valor <strong>de</strong> uso e não <strong>de</strong> troca. Não há nada mais anticapitalista do que isso,<br />

ainda que o alternativo tenha que pagar alguns salários e aluguéis, usar alguma<br />

publicida<strong>de</strong>” (2007, p. 1). Desse modo, é possível compreen<strong>de</strong>r que esse tipo <strong>de</strong><br />

jornalismo se arriscou em prol <strong>de</strong> sua nação, a fim <strong>de</strong> promover transformações<br />

baseados no talento, inteligência e força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> terceiros, ou seja,<br />

empresas e principalmente dos governantes.<br />

A imprensa alternativa conquistou um importante papel no período do Regime.<br />

Com suas características marcantes e com um forte grupo á seu favor, foi uma gran<strong>de</strong><br />

aliada dos movimentos sociais, principalmente porque nasceu das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças<br />

populares, estudantis, sindicais, jornalistas, intelectuais e ativistas políticos que agiam<br />

pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se engajar em uma causa importante para o país no momento, a<br />

favor <strong>de</strong> uma população que clamava por algum tipo <strong>de</strong> justiça, que tivesse efeito e<br />

conseguisse transformar e dar voz aos que tiveram que se calar.


Kucinski (1991) refere-se a esse jornalismo <strong>de</strong> oposição como “aquele feito no<br />

período <strong>de</strong> 1970 a 1975, quando os jornais alternativos não eram símbolo, mas a própria<br />

resistência tomada face à censura” (1991, p. 15).<br />

Klein (2006, apud Kucinski, 1991), aponta que este fazer jornalístico<br />

empreendido pelos jornais alternativos que alcançaram gran<strong>de</strong> repercussão (e tiragem)<br />

influenciou no surgimento <strong>de</strong> práticas diferenciadas, que se expandiram para inúmeros<br />

jornais. Esse jornalismo está inserido em um panorama mais amplo <strong>de</strong> resistência<br />

cultural: os alternativos tentavam driblar a censura, fugindo das mais variadas formas <strong>de</strong><br />

domínio e contando as histórias sob as formas mais variadas.<br />

Na visão <strong>de</strong> Caparelli, os alternativos geralmente “refletem as i<strong>de</strong>ologias dos<br />

grupos que estão por trás <strong>de</strong>sses projetos” (1989, p. 96). Nesse grupo <strong>de</strong> oposição ao<br />

Regime, faziam parte os chamados subversivos, que faziam parte da imprensa em geral<br />

e eram mais dispersos, logo, mais difíceis <strong>de</strong> serem i<strong>de</strong>ntificados e recriminados. Nota-<br />

se que a censura sobre os jornais e jornalistas <strong>de</strong>ssa imprensa tenha sido mais rígida.<br />

Com isso, a imprensa alternativa não nasce apenas como resultado da repressão política.<br />

A direta pressão econômica dos empresários <strong>de</strong> comunicação também contribuiu na<br />

formação <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> jornalistas (entre redatores, ilustradores, escritores e<br />

fotógrafos) com gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção que, aos poucos foi sendo afastado da<br />

gran<strong>de</strong> imprensa criando outra forma <strong>de</strong> trabalho jornalístico no campo alternativo.<br />

A gran<strong>de</strong> sacada <strong>de</strong>sse novo jornalismo, segundo Klein (2006), se <strong>de</strong>ve as<br />

propostas jornalísticas diferenciadas que ele buscava realizar, as quais “<strong>de</strong>vem aludir<br />

novas angulações para a abordagem do cotidiano (portanto, constituindo uma alternativa<br />

frente ao discurso dominante)”. Assim, a autora enfatiza que “ao mesmo tempo em que,<br />

por traduzir um sentimento <strong>de</strong> mudança e <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> engajamento, estas mesmas<br />

propostas consistem, em si, numa ação específica para chegar à mudança pretendida”.<br />

(2006, p. 69). A autora enfatiza que os jornais alternativos se arriscaram a encontrar<br />

formas novas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> materiais. “Alguns se <strong>de</strong>dicaram a trabalhar com a charge,<br />

<strong>de</strong>senhos, contos, crônicas, histórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> pessoas variadas. Desafiaram-se a<br />

buscar um espaço que estava fechado e, em boa medida, impulsionaram gran<strong>de</strong>s<br />

aberturas”. (2006, p. 76).<br />

A emergência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> imprensa foi fundamental para uma gran<strong>de</strong><br />

transformação no país. Com essa imprensa, nasceram inúmeros jornais que<br />

revolucionaram os modos <strong>de</strong> dizer no jornalismo e alcançaram seus objetivos para com<br />

a socieda<strong>de</strong> e a própria profissão.<br />

38


No item seguinte, iremos contextualizar com ênfase, quais foram as causas do<br />

surgimento <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> jornalismo, que foi tão peculiar e interessante, visto que<br />

nasceu por uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança e conseguiu, através <strong>de</strong> seu engajamento,<br />

transformar o modo <strong>de</strong> informar.<br />

39


3.1 AS CAUSAS DO SURGIMENTO DOS JORNAIS<br />

ALTERNATIVOS<br />

No capítulo anterior, percebemos que o jornalismo alternativo foi criado como<br />

forma <strong>de</strong> resistência, que se encaixa em uma forma <strong>de</strong> controlar informações que<br />

afetavam a construção da realida<strong>de</strong> que está sendo vivida.<br />

Desse modo, pu<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r que a Ditadura Militar não representou,<br />

apenas, um período <strong>de</strong> intenso conservadorismo político, mas, um momento <strong>de</strong> moral e<br />

costumes conservadores. Com ela, o silêncio foi imposto aos opositores do Regime<br />

político e comportamental, e também àqueles que buscavam novos modos <strong>de</strong> expressão<br />

cultural, artística e <strong>de</strong> vida. Para Berger (1991) “é na imprensa alternativa que os<br />

intelectuais e os militares políticos dos partidos vão buscar material para suas análises<br />

<strong>de</strong> conjuntura”. Desse modo, o autor ressalta imprensa se torna “a leitura predileta dos<br />

estudantes <strong>de</strong> ciências sociais e o único espaço <strong>de</strong> trabalho para muitos opositores ao<br />

Regime”. (1991, p. 15).<br />

Nessas vertentes, iremos contextualizar o capítulo atual <strong>nos</strong> baseando em<br />

especialistas no assunto, ou seja, que estudam a imprensa alternativa e suas raízes e<br />

vertentes.<br />

Benvenuto Junior (2007) trata <strong>de</strong>sse assunto em sua pesquisa, e sobre essas<br />

fortes características, traçou o termo como “uma imprensa que se constituiu a partir das<br />

organizações sociais e políticas da oposição”, o autor enfatiza que nesse período se tinha<br />

“um forte viés cultural, ao contar com a colaboração dos intelectuais do teatro, cinema e<br />

da própria televisão, além <strong>de</strong> especialistas da área social, econômica e política” (2007,<br />

p. 1).<br />

De acordo com Festa (1986), a causa <strong>de</strong>ssa imprensa se <strong>de</strong>u “sob o impulso da<br />

promessa da abertura política, rearticulação dos movimentos sociais e sindicais, assim<br />

como na tentativa <strong>de</strong> revelar os pensamentos das diferentes correntes <strong>de</strong> esquerda,<br />

surgiram muitos jornais alternativos no período da Ditadura Militar”. A autora analisa<br />

as origens <strong>de</strong>ssa imprensa, assim como seus verda<strong>de</strong>iros fundamentos:<br />

40<br />

A gran<strong>de</strong> proposta <strong>de</strong>ssa imprensa é construir um modo próprio <strong>de</strong> interpretar<br />

a realida<strong>de</strong>, originário do campo <strong>de</strong> contestação à Ditadura, lançando i<strong>de</strong>ias<br />

para <strong>de</strong>bater, seja através do humor, como o caso do <strong>Pasquim</strong> ou através <strong>de</strong><br />

outras vertentes. “A verda<strong>de</strong>ira tarefa <strong>de</strong> comunicar e relacionar os


acontecimentos ocorridos <strong>nos</strong> círculos do podre, no interior da socieda<strong>de</strong><br />

civil e entre os movimentos populares coube, efetivamente, à imprensa<br />

alternativa e popular” (FESTA, 1986, p. 16).<br />

Já, Pereira (1986) associa a imprensa alternativa à popular e dos partidos<br />

populares afirmando que elas têm “<strong>de</strong> assumir um compromisso básico essencial com<br />

seus leitores, <strong>de</strong> apoiar-se na realida<strong>de</strong> objetiva, na vida concreta que os leitores têm<br />

diante <strong>de</strong> si”. Quanto aos intuitos <strong>de</strong>ssa imprensa, o autor aborda que elas “pretendiam<br />

compreen<strong>de</strong>r para libertar-se, ou seja, a realida<strong>de</strong> objetiva é, e não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, o<br />

ponto <strong>de</strong> partida” (PEREIRA, 1986, p. 75).<br />

Deste modo, os chamados jornalistas-militantes, ou críticos ao Regime, em<br />

parceria com os intelectuais e ativistas políticos, encontraram brechas para agir<br />

politicamente e oferecer novas propostas <strong>de</strong> informação e cultura através <strong>de</strong>ssa<br />

imprensa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Braga (1991, p. 231), ao escrever sua tese <strong>de</strong> doutoramento sobre o jornal O<br />

<strong>Pasquim</strong>, traçou algumas caracterizações sobre os jornais alternativos, <strong>de</strong>stacando que<br />

“a maior parte <strong>de</strong>les é centrada diretamente na política, na análise dos acontecimentos,<br />

ten<strong>de</strong>ndo a privilegiar o ângulo propriamente político”.<br />

Então, é possível perceber que a imprensa nanica que brota neste cenário, tenta,<br />

<strong>de</strong>ntre outras coisas, quebrar justamente com a relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r estabelecido entre<br />

empregados e empregadores em uma redação. Os jornais alternativos permitiam uma<br />

estrutura diferente na rotina <strong>de</strong> produção, ou seja, os próprios jornalistas sendo<br />

proprietários ou sócios da empresa, alguns, em <strong>de</strong>corrência da própria exclusão que<br />

sofreram na gran<strong>de</strong> imprensa dominante.<br />

Após <strong>de</strong>cretada a Lei da Imprensa em 1967, a visão dos jornais alternativos<br />

começou a se transformar, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cutucar o governo e <strong>de</strong>ixar claro que o<br />

jornalismo não estava <strong>de</strong> olhos e ouvidos fechados. Desse modo, os jornalistas <strong>de</strong><br />

esquerda entram em ação. Cansados do autoritarismo, <strong>de</strong>sejavam um novo sistema<br />

social e procuravam informar a população dos temas <strong>de</strong> interesse nacional com um<br />

enfoque crítico e inteligente. Esses jornais alternativos eram vendidos como os outros,<br />

em bancas, por assinatura, nas universida<strong>de</strong>s, centro <strong>de</strong> convenções, entre outros locais.<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do estilo seguido, os jornais da imprensa alternativa eram<br />

dirigidos a certos grupos <strong>de</strong> leitores, especialmente aqueles que se i<strong>de</strong>ntificavam com as<br />

vertentes e i<strong>de</strong>ias do jornal.<br />

41


Os mandos e <strong>de</strong>smandos da censura são vistos como relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na<br />

tentativa <strong>de</strong> controle das mensagens em relação ao Regime, buscando diminuir a força<br />

dos opositores. Kucinski explica:<br />

42<br />

Enquanto a censura exógena do Estado impe<strong>de</strong> o exercício da liberda<strong>de</strong>, sem<br />

necessariamente afetar a dignida<strong>de</strong> do jornalista <strong>–</strong> sua persona <strong>de</strong> homem<br />

livre, - autocensura vai minando a integrida<strong>de</strong> do ser, porque ele aceita a<br />

restrição a sua liberda<strong>de</strong> e se torna ao mesmo tempo agente e objeto da<br />

repressão. (KUCINSKI, 2003, p. 238).<br />

A importância histórica da imprensa vinculada à geração <strong>de</strong> 60 vai além <strong>de</strong> seus<br />

elementos <strong>de</strong> cunho revolucionário. Os jornais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes experimentaram diversas<br />

formas <strong>de</strong> fazer gestão empresarial e <strong>de</strong> conformação e adaptação aos movimentos<br />

restritos e combativos da censura militar. Os mesmos, precisaram se moldar a uma nova<br />

maneira <strong>de</strong> fazer jornalismo, sem per<strong>de</strong>r suas origens e anseios, mesmo com a imensa<br />

repressão que o período ditava.<br />

Trabalhos mais específicos, como <strong>de</strong> Aquino, em Censura, Imprensa e Estado<br />

Autoritário (1968-1978), e Kucinski (1991), em Jornalistas e Revolucionários: Nos<br />

Tempos da Imprensa Alternativa, exploram a censura militar sob visões diferentes,<br />

porém igualmente abertas. A primeira aborda um jornal da chamada gran<strong>de</strong> imprensa e<br />

um da imprensa alternativa. Já Kucinski apresenta um olhar para a história dos jornais<br />

alternativos em uma tentativa <strong>de</strong> guardar a existência das mais passageiras publicações<br />

impressas <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>chumbo</strong>.<br />

Para os jovens e sonhadores jornalistas, acadêmicos, estudantes e profissionais<br />

liberais, este caráter <strong>de</strong> libertação, característica do jornalismo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, gera<br />

prazer e aproximação da realida<strong>de</strong>, tornando esse tipo <strong>de</strong> jornalismo inovador e<br />

transformador por si só.


3.2 PERFIL DOS JORNAIS ALTERNATIVOS NOS ANOS DE<br />

CHUMBO<br />

Neste capítulo, vamos <strong>de</strong>stacar as principais características dos jornais que<br />

surgiram durante os a<strong>nos</strong> 60 e 70 no Brasil. O período, que se refere ao mais intenso da<br />

Ditadura Militar, fez com que os meios <strong>de</strong> comunicação procurassem uma saída para<br />

buscar a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> volta, ou pelo me<strong>nos</strong>, o direito <strong>de</strong> informar. Desse modo, os<br />

jornais alternativos entram nesse cenário para transformar essa situação.<br />

Para enten<strong>de</strong>rmos esse contexto é preciso conceituar a imprensa alternativa e as<br />

funções que esse tipo <strong>de</strong> comunicação tinha nesse período conturbado do Brasil.<br />

Iniciamos a contextualização <strong>de</strong>sses jornais, contemplando a comunicação<br />

popular ou alternativa. A mesma se caracteriza por uma forma <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> lutas<br />

populares por melhores condições <strong>de</strong> vida que se iniciam a partir <strong>de</strong> movimentos sociais<br />

e representam um lugar <strong>de</strong> participação <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> um povo. Peruzzo (2006, p. 9),<br />

conceitua o termo povo como “um conceito dinâmico, que se origina da i<strong>de</strong>ia do<br />

popular-alternativo e se localiza no universo dos movimentos sociais populares e lutas<br />

por direitos <strong>de</strong> cidadania”.<br />

Para Vieira (2005, p. 8), o termo comunicação alternativa, popular ou<br />

comunitária, na forma como vem se <strong>de</strong>senvolvendo <strong>nos</strong> últimos tempos, constitui-se<br />

por ser o canal <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do seu nível<br />

socioeconômico e território), por meio do qual os próprios indivíduos possam<br />

manifestar seus interesses comuns e suas necessida<strong>de</strong>s mais urgentes.<br />

De acordo com Gonçalves (2007, p. 11), os 21 a<strong>nos</strong> da Ditadura Militar foram<br />

marcados pela proliferação e auge da imprensa alternativa. A autora enfatiza que nessa<br />

luta contra o po<strong>de</strong>r, “Raimundo Rodrigues Pereira foi um dos jornalistas mais<br />

importantes e ativos <strong>de</strong>sta fase”. Pereira em Vive a imprensa alternativa. Viva a<br />

imprensa alternativa, publicado no livro “Comunicação popular e alternativa no<br />

Brasil”, o surgimento <strong>de</strong>ssa imprensa se encaixa no contexto do Regime Militar <strong>de</strong>vido<br />

os seus fundamentos. Essa imprensa, vê na censura aos meios <strong>de</strong> comunicação, na<br />

repressão às ativida<strong>de</strong>s culturais e intelectuais, o motor para continuar caminhando, ou<br />

seja, a principal razão para jornalistas, intelectuais e setores da esquerda investir nessa<br />

luta.<br />

43


Abaixo, Peruzzo analisa a origem e a função da comunicação popular ou<br />

alternativa face ao seu público alvo e ao momento em que a mesma se insere na<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira:<br />

44<br />

Sua origem se <strong>de</strong>u entre 1970 e 1980, no Brasil e na América Latina. Possui<br />

caráter mobilizador, com se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança, que visa suprir as necessida<strong>de</strong>s<br />

populares buscando uma inserção maior <strong>de</strong>sse povo na socieda<strong>de</strong>. Esse tipo<br />

<strong>de</strong> comunicação possui conteúdo crítico e reivindicativo e tem o povo como<br />

principal agente, o que a torna um processo justo e educativo. Ela não se<br />

caracteriza como um tipo qualquer <strong>de</strong> mídia, mas como um processo <strong>de</strong><br />

comunicação que emerge da ação dos grupos populares (PERUZZO, 2006, p.<br />

2).<br />

A autora analisou o conceito baseado em seu papel face o contexto. “A<br />

comunicação popular ou alternativa possui conteúdo crítico-emancipador e<br />

reivindicativo, constituindo o “povo” como protagonista principal, o que a torna um<br />

processo <strong>de</strong>mocrático e educativo” (PERUZZO, 2006, p. 4).<br />

Pereira (1986 : 55-56) analisa esse tipo <strong>de</strong> imprensa partindo <strong>de</strong> sua origem,<br />

assim, chegando aos pressupostos <strong>de</strong> seu papel. Diz que “a imprensa alternativa foi<br />

expressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia” Esse tipo <strong>de</strong><br />

imprensa, “<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u os interesses nacionais e populares, portanto, con<strong>de</strong>nava o Regime<br />

Militar”. Desse modo, o que caracteriza o jornal como alternativo é o fato <strong>de</strong> representar<br />

uma opção enquanto fonte <strong>de</strong> informação, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo <strong>de</strong><br />

enfoque.<br />

Kucinski (1991, p. 15) afirma que parte dos veículos <strong>de</strong> comunicação alternativa<br />

<strong>de</strong>sse período possuía jornalistas motivados por i<strong>de</strong>ais políticos <strong>de</strong> esquerda. No livro<br />

Jornalistas e Revolucionários <strong>–</strong> <strong>nos</strong> tempos da imprensa alternativa, ele aponta que<br />

brotaram durante a ditadura, “131 jornais alternativos, sendo que 94 <strong>de</strong>les sobreviveram<br />

me<strong>nos</strong> <strong>de</strong> um ano”. O autor ressalta que apesar <strong>de</strong> ter caráter militante, como lembra<br />

Braga (1991), “os alternativos são também informativos e necessitam se manter como<br />

empresa para sobreviver, já que não são sustentados por um partido”.<br />

Nos a<strong>nos</strong> 60, em uma época em que a maioria dos gran<strong>de</strong>s jornais se alinhava à visão<br />

oficial do governo, por opção político-i<strong>de</strong>ológico ou <strong>de</strong>vido à censura, a imprensa<br />

alternativa representada pelos peque<strong>nos</strong> jornais, em geral com formato tabloi<strong>de</strong>, ousava<br />

avaliar com críticas os acontecimentos da ditadura. São exemplos, o Pif-Paf, lançado<br />

em 1964; o carioca <strong>Pasquim</strong>, que nasceu em <strong>1969</strong>, Pato Macho (<strong>1971</strong>), <strong>de</strong> Porto Alegre<br />

<strong>–</strong> RS ,Opinião (1972), <strong>de</strong> São Paulo. No ano <strong>de</strong> 1975, po<strong>de</strong>mos citar o jornal De fato, <strong>de</strong><br />

Belo Horizonte, Versus e Movimento, <strong>de</strong> São Paulo, além <strong>de</strong> Coojornal <strong>de</strong> Porto Alegre.


Já em 1976, nasceu o também porto-alegrense Informação. Em 1977, foi a vez <strong>de</strong><br />

Repórter e Em Tempo, ambos <strong>de</strong> São Paulo. Kucinski analisa, que esses jornais, que se<br />

lançaram na Ditadura Militar, “foram quase todos os embriões <strong>de</strong> futuras equipes que<br />

tiveram gran<strong>de</strong> importância no jornalismo". (KUCINSKI, 1998, p. 192). O autor<br />

distingue os grupos <strong>de</strong> jornais alternativos do período <strong>de</strong> 1964 e 1980 em relação à linha<br />

editorial que seguiram. Alguns eram predominantemente políticos, com raízes <strong>nos</strong><br />

i<strong>de</strong>ais marxistas que dominavam o ambiente cultural e estudantil <strong>de</strong>sse período.<br />

Entre os principais jornais dos a<strong>nos</strong> 60, <strong>de</strong>stacam-se Movimento e Opinião. Esses, foram<br />

os únicos, em toda a imprensa brasileira, que conseguiram publicar sistematicamente<br />

<strong>de</strong>núncias políticas sobre as agressões da ditadura, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias econômicas sobre<br />

o crescente endividamento externo do Brasil e as movimentações sociais contra o<br />

sistema. Esses jornais apresentavam e <strong>de</strong>batiam temas clássicos da esquerda, em um<br />

estilo crítico e carregado <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologias marxistas.<br />

Araújo (1998), em Uma história do tempo presente: política, esquerda e<br />

imprensa alternativa no Brasil dos a<strong>nos</strong> 70, sua tese <strong>de</strong> doutorado, engloba os diversos<br />

tipos e abordagens <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> jornalismo.<br />

45<br />

A imprensa alternativa congregava jornais <strong>de</strong> vários tipos: 1)<br />

jornais <strong>de</strong> esquerda que se vinculavam tanto a jornalistas <strong>de</strong> oposição quanto<br />

aos partidos e organizações políticas clan<strong>de</strong>stinas; 2) revistas <strong>de</strong> “contracultura”,<br />

que reuniam e artistas “alternativos” ou “malditos”, que produziam<br />

fora do esquema comercial e 3) publicações <strong>de</strong> movimentos sociais<br />

englobando neste campo o movimento estudantil, os movimentos <strong>de</strong> bairro e<br />

os jornais das chamadas minorias políticas, como a imprensa feminista, a<br />

chamada “imprensa negra”, os jornais <strong>de</strong> grupos homossexuais organizados,<br />

as publicações indígenas, etc. (ARAÚJO, 1998, p. 158-159).<br />

Po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r que o jornalismo alternativo <strong>de</strong>sse período alcançou inúmeros<br />

leitores, dos mais diferentes modos <strong>de</strong> pensar, agir, seus anseios e i<strong>de</strong>ais.·.<br />

As narrativas <strong>de</strong>sses jornais alternativos aproximavam-se dos aspectos literários<br />

e do jornalismo narrativo, entre eles estavam Bondinho, Ex e Versus. Segundo Kucinski<br />

(1991, p. 123), O Bondinho nasceu, em novembro <strong>de</strong> <strong>1971</strong>, como uma revista<br />

tradicional, voltada para a classe média paulistana, produzida por uma empresa<br />

jornalística alternativa, a Arte & Comunicação (A&C), distribuída no maior<br />

conglomerado <strong>de</strong> supermercados do Brasil, o Pão <strong>de</strong> Açúcar.”. Já o Ex, <strong>de</strong> acordo com<br />

Kucinski:<br />

realiza em toda sua plenitu<strong>de</strong> o estilo da equipe <strong>de</strong> Realida<strong>de</strong>, o jornalismo<br />

<strong>de</strong> ruptura, a narrativa forte, uma linguagem sem barreiras à leitura, a


ambição por gran<strong>de</strong>s tiragens. Ex expressa a ansieda<strong>de</strong> do grupo em produzir<br />

um jornalismo contun<strong>de</strong>nte, que vá direto à ferida, sem metáforas, sem<br />

compromissos com a censura. que seja totalmente político sem precisar das<br />

muletas do discurso pedagógico. (KUCINSKI, 1991, p. 127).<br />

O jornal mensal Versus, iniciou sua trajetória <strong>de</strong>svinculado a partidos políticos,<br />

porém com o tempo se tornou partidário. “O jornal passou a atrair ativistas do<br />

movimento clan<strong>de</strong>stino Liga operária, que tornaram-no um jornal organizador <strong>de</strong><br />

partido”. (KUCINSKI, 1991, p. 69).<br />

Ainda discutindo sobre esses alternativos, o mesmo autor diz eles “procuravam<br />

novas categorias explicativas da vida e dos conflitos huma<strong>nos</strong>, que ousaram <strong>de</strong>safiar a<br />

moral pudica dos marxistas ao abrir a discussão sobre a homossexualida<strong>de</strong> e o prazer”<br />

Entre esses jornais, o autor cita Lampião da Esquina, dirigido por Aguinaldo Silva, que<br />

discutia abertamente temas como a homossexualida<strong>de</strong>. Mulherio, Brasil Mulher e Nós<br />

Mulheres, inspirados <strong>nos</strong> movimentos feministas franceses. (KUCINSKI, 1991, p. 72).<br />

Políticos, culturais, literários, humorísticos, todos os alternativos, <strong>de</strong> uma forma<br />

ou outra, sofreram, foram recriminados e vigiados pelo Regime militar. No universo dos<br />

jornais alternativos <strong>de</strong> base filosófica existencialista, <strong>de</strong>staca-se O <strong>Pasquim</strong>. Através do<br />

humor, criticou paradigmas e enfrentou os tabus da moral vigente <strong>–</strong> liberação sexual,<br />

entre outros temas foram levantados e discutidos, suscitando escândalos e provocando<br />

reações apaixonadas. (QUEIROZ, 2004, p. 232). Po<strong>de</strong>mos sintetizar a presença no<br />

tempo e divisão do espaço da imprensa alternativa, estudado por Kucinski (1991),<br />

através do gráfico que segue.<br />

NÚMERO DE JORNAIS ALTERNATIVOS POR TEMPO DE DURAÇÃO (1964-<br />

1980)<br />

Figura 3<br />

Mais <strong>de</strong> 10 a<strong>nos</strong><br />

De 6 a 10 a<strong>nos</strong><br />

De 3 a 5 a<strong>nos</strong><br />

De 1 a 2 a<strong>nos</strong><br />

Jornais efêmeros (me<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

1 ano)<br />

46


Gráfico 01: Elaborado a partir dos dados do livro <strong>de</strong> Bernardo Kucinski, Jornalistas e<br />

Revolucionários <strong>–</strong> Nos Tempos da Imprensa Alternativa. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 1993.<br />

No gráfico, é possível analisar que os jornais <strong>de</strong> cunho in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e<br />

alternativo não tiveram uma vida tão longa assim. O <strong>Pasquim</strong> foi exemplo mais<br />

duradouro da história da imprensa alternativa do país. O tabloi<strong>de</strong> que trazia o humor<br />

como principal munição, é visto como um dos principais jornais alternativos ao lado <strong>de</strong><br />

Movimento e Opinião. No total, o <strong>Pasquim</strong> viveu 22 a<strong>nos</strong>, porém, durante os primeiros<br />

seis a<strong>nos</strong>, foi que o jornal conseguiu transpor <strong>de</strong> forma mais brilhante o seu papel na<br />

socieda<strong>de</strong>. Após o fim da censura prévia para o <strong>Pasquim</strong>, em 1975, o jornal per<strong>de</strong> um<br />

pouco sua vertente.<br />

A imprensa alternativa do Brasil foi uma aliada fundamental dos movimentos<br />

sociais, principalmente por ser feita <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> movimentos populares, ativistas<br />

políticos que agiam na ilegalida<strong>de</strong> por intelectuais que percebiam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

engajarem-se na luta pró-<strong>de</strong>mocratização e que, muitas vezes, fizeram isso pela<br />

comunicação. Foram muitos os casos que, como por exemplo, os jornais Amanhã, Pif-<br />

Paf e Informação, que exerceram influência <strong>de</strong>cisiva <strong>nos</strong> campos da política e do<br />

jornalismo em apenas meia dúzia <strong>de</strong> edições. (KUCINSKI, 1991, p. 24).<br />

Os jornais alternativos se <strong>de</strong>safiaram a encontrar maneiras diferentes <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> materiais. Alguns partiram para o lado do humor e trabalharam com<br />

charges, <strong>de</strong>senhos, outros com contos, crônicas e histórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> pessoas variadas.<br />

Porém, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e o anseio <strong>de</strong> promover a diminuição das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s é<br />

que realmente alimentaram os jornalistas da imprensa alternativa <strong>de</strong>sse período.<br />

Consequentemente, os jornais frutos <strong>de</strong> seu trabalho espelham estas características.<br />

Caparelli (1980) observa que a maioria dos jornais alternativos foi fundada na<br />

passagem do governo Médici para o governo Geisel. Essa difusão no início do governo<br />

Geisel expressou também a esperança vivida pela socieda<strong>de</strong>. As pequenas esperanças<br />

que, por esse tempo, “levaram luz ao ambiente autoritário talvez tivessem sido<br />

impossíveis um ano antes, durante a censura mais feroz do governo Médici” (1980, p.<br />

54).<br />

Desse modo, apesar da intensa resistência aos meios alternativos, os jornais<br />

alternativos entraram na pauta da teoria e dos <strong>de</strong>bates acadêmicos ganhando <strong>de</strong>staque na<br />

luta pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, porém eles não transformaram o mundo. Mas também<br />

é verda<strong>de</strong> que chamaram a atenção da mídia comercial para temáticas que não podiam<br />

47


mais ser <strong>de</strong>sconhecidas ou ignoradas e foram impulsos para discussões importantes e<br />

que visavam o futuro <strong>de</strong> um país.<br />

Em 1979 com o fim do AI-5 não significou o fim da imprensa alternativa no<br />

país. A mesma percorreu outros caminhos, tendo papel fundamental na luta pelo retorno<br />

das eleições diretas, que aconteceu em 1984 com a campanha que ficou conhecida como<br />

Diretas Já. Porém, a imprensa alternativa só per<strong>de</strong>u suas forças com a re<strong>de</strong>mocratização<br />

do país, embora no que se refere à política, os meios <strong>de</strong> comunicação estarão sempre<br />

alertas para contar o que está acontecendo, afinal, este é o papel da imprensa, seja ela<br />

alternativa ou não.<br />

Através <strong>de</strong>sse estudo, consi<strong>de</strong>ramos o quão importante é ressaltar o papel que a<br />

imprensa alternativa teve na história do Brasil ao longo dos a<strong>nos</strong> em que esteve em<br />

vigor o AI-5, embora com a censura sempre ao lado, essa imprensa esteve sempre na<br />

luta pela <strong>de</strong>mocracia e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>nos</strong>so país.<br />

O que se po<strong>de</strong> observar é que o termo imprensa alternativa é bastante amplo,<br />

pois a categoria não só ficou ligada aos peque<strong>nos</strong> jornais que nasceram <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> da<br />

Ditadura Militar como também implica tão somente veículos impressos.<br />

As pesquisas sobre esse tipo <strong>de</strong> imprensa têm sido bastante amplas e diversas,<br />

que buscam novas i<strong>de</strong>ias e perspectivas para se enten<strong>de</strong>r um fenômeno que <strong>de</strong> modo<br />

algum é recente na política e na cultura. Portanto, a leitura <strong>de</strong>sses autores e suas<br />

abordagens, conservados os enfoques e a opinião <strong>de</strong> cada um, se completam e<br />

contribuem para clarear os múltiplos objetos alternativos que se fazem presente na<br />

história do jornalismo brasileiro, na linguagem, na cultura, assim, oferecendo<br />

contribuições para um sistema mais <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> comunicação.<br />

Após contextualizarmos o jornalismo alternativo com suas raízes e fundamentos,<br />

partimos para um próximo capítulo que <strong>nos</strong> apresenta o semanário O <strong>Pasquim</strong> no<br />

âmbito do jornalismo alternativo e <strong>de</strong> sua importância no período da Ditadura Militar<br />

para o jornalismo e os novos modos <strong>de</strong> informar.<br />

48


4. CHEGADA DO PASQUIM<br />

Neste capítulo, vamos tratar do semanário O <strong>Pasquim</strong>, como um dos principais<br />

jornais dos a<strong>nos</strong> 70, e nesse contexto, sendo o mais influente do período. Baseado no<br />

humor, o tabloi<strong>de</strong> conseguiu conquistar uma legião <strong>de</strong> leitores e <strong>de</strong> fãs. Esse jornal foi<br />

escolhido como o tema <strong>de</strong>sta, pelo seu caráter transformador, corajoso, inteligente e<br />

irreverente.<br />

Iniciamos o capítulo com o histórico do tabloi<strong>de</strong> face ao período em que ele se<br />

insere. Ou seja, em plena vigência do AI-5, em <strong>1969</strong>.<br />

Neste período, a imprensa brasileira estava amordaçada, assim como a classe<br />

artística, que usava sua criativida<strong>de</strong> para criar códigos que pu<strong>de</strong>ssem driblar a censura e<br />

alertar a população dos acontecimentos do Regime. O <strong>de</strong>creto do AI-5 foi um marco no<br />

Regime militar. A imprensa, que até então mantinha uma coerente autonomia,<br />

surpreen<strong>de</strong>u-se com os rigorosos mecanismos <strong>de</strong> repressão do governo. É nesse<br />

turbilhão <strong>de</strong> momentos que surge no Brasil o jornal mais influente <strong>de</strong> oposição à<br />

Ditadura Militar: O <strong>Pasquim</strong>.<br />

O nome do jornal carioca foi escolhido por Jaguar, que criou o jornal juntamente<br />

com o Ivan Lessa. Sobre a origem do <strong>Pasquim</strong>,tecemos em seguida algumas noções <strong>de</strong><br />

caráter histórico e linguístico,antes <strong>de</strong> avançar no capítulo. <strong>Pasquim</strong> vem do italiano<br />

‘paschino’ e significa jornal ou panfleto difamador. Porém, a palavra pasquim tem um<br />

histórico que vai além do semanário carioca, e neste sentido, relataremos, um breve<br />

apanhado sobre o aparecimento <strong>de</strong>sta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jornal na imprensa no Brasil.<br />

A noção <strong>de</strong> <strong>Pasquim</strong> teve uma gran<strong>de</strong> importância no contexto histórico do país,<br />

assim como para o jornalismo, pois a partir dos primeiros Pasquins, diversas técnicas <strong>de</strong><br />

escrita revolucionaram os modos <strong>de</strong> informar e até hoje são seguidas pelos jornais e<br />

revistas, como no caso da transcrição das entrevistas estilo pergunta e resposta,<br />

originadas dos Pasquins do século XIX.<br />

Iniciamos a trajetória da imprensa no país, a partir da chegada da Corte ao Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro e do processo que veio a conduzir à In<strong>de</strong>pendência do Brasil. Aliás, já antes<br />

<strong>de</strong>ssa chegada, em 1917, Basílio <strong>de</strong> Magalhães tinha escrito sobre Os Jornalistas da<br />

In<strong>de</strong>pendência, no qual relatou a turbulenta ativida<strong>de</strong> dos jornais pré e pós<br />

In<strong>de</strong>pendência. Ou seja, a imprensa já começa a dar seus primeiros passos.<br />

49


Estudos sobre esse período foram feitos por Mecenas Dourado, por exemplo, em<br />

1957, com a obra Hypólito da Costa e o Correio Brasiliense, que contava a trajetória do<br />

primeiro jornalista brasileiro. Além <strong>de</strong>le, outro autor, <strong>de</strong>dicou-se a escrever sobre a<br />

imprensa no Brasil. Juarez Bahia, por exemplo, em Três Fases da Imprensa Brasileira,<br />

lançado em 1960. Porém, autores portugueses iniciaram seus estudos sobre imprensa e<br />

história do jornalismo, antes, em 1857, ano em que Tito <strong>de</strong> Noronha escreveu Ensaios<br />

Sobre a História da Imprensa. Na obra o autor discute sobre a introdução e evolução da<br />

tipografia em Portugal, no qual são apresentados dados sobre as primeiras folhas<br />

noticiosas bem como sobre os primeiros jornais do país.<br />

Outro importante especialista sobre o assunto é Nelson Werneck Sodré,<br />

historiador brasileiro e autor da obra História da Imprensa Brasileira. Para Sodré, a<br />

imprensa brasileira, “nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu <strong>de</strong>senvolvimento”<br />

(SODRÉ, 1999, p. 10). Esta frase indica o enquadramento materialista que o autor dá à<br />

história da imprensa. O autor discute sobre as tentativas burguesas <strong>de</strong> controle do<br />

jornalismo, ligadas ao <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo:<br />

50<br />

a história da imprensa é a própria história do <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong><br />

capitalista. O controle dos meios <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> informações <strong>–</strong> que<br />

se verifica ao longo do <strong>de</strong>senvolvimento da imprensa, como reflexo do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento capitalista (...) <strong>–</strong> é uma luta em que aparecem organizações<br />

e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspon<strong>de</strong>ndo<br />

a diferenças <strong>de</strong> interesses e aspirações. Ao lado <strong>de</strong>ssas diferenças, e<br />

correspon<strong>de</strong>ndo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação<br />

reguladora da ativida<strong>de</strong> da imprensa (SODRÉ, 1999, p. 1).<br />

O livro <strong>de</strong> Sodré (1999) divi<strong>de</strong>-se em seis capítulos <strong>de</strong>dicados à imprensa<br />

Colonial, à imprensa da In<strong>de</strong>pendência, ao pasquim, à imprensa no Império, à Gran<strong>de</strong><br />

Imprensa e à crise da imprensa. Para esse autor, que estudou a imprensa em sua<br />

profundida<strong>de</strong>, a In<strong>de</strong>pendência do Brasil em 1922, não trouxe liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa ao<br />

país, e sim, a permanência da censura e da repressão: “É na medida em que<br />

compreen<strong>de</strong>m a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> limitar a In<strong>de</strong>pendência que os representantes da classe<br />

dominante colonial opõem restrições à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa” (SODRÉ, 1999: 42 - 45).<br />

Sodré (1999) prossegue, discutindo que a In<strong>de</strong>pendência não nem liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

imprensa nem, muito me<strong>nos</strong>, <strong>de</strong>mocracia, mas <strong>de</strong>ve ser saudado o “período rico (...),<br />

quando aparecem, e proliferam, os periódicos (...) <strong>de</strong> combate, <strong>de</strong> linguagem virulenta,<br />

em que a historiografia oficial tem visto apenas os aspectos negativos, sem sentir neles<br />

o fecundo exemplo (...) <strong>de</strong> avanço no esclarecimento da opinião.” (SODRÉ, 1999, p.<br />

82). O autor discorre que “a historiografia oficial vê sempre a or<strong>de</strong>m, a <strong>de</strong>mocracia, o


<strong>de</strong>senvolvimento, quando, na verda<strong>de</strong>, foi a mais (...) atrasada [época] <strong>de</strong> <strong>nos</strong>sa história”<br />

(SODRÉ, 1999, p. 85).<br />

Após a In<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> 1822, o país vive um avanço liberal que, <strong>de</strong> acordo<br />

com Sodré, permitiram o surgimento do pasquim, “imprensa peculiar, cujos traços <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>za e autenticida<strong>de</strong> são normalmente apresentados como impuros” (SODRÉ,<br />

1999, p. 85). A fase dos pasquins é encarada pelo autor, como a fase <strong>de</strong> propagação do<br />

jornalismo no Brasil, produto <strong>de</strong> iniciativas individuais ou <strong>de</strong> grupos formados,<br />

geralmente <strong>de</strong> liberais, <strong>de</strong> esquerda ou <strong>de</strong> direita. Sodré ainda classifica os pasquins da<br />

seguinte maneira:<br />

Eram vozes (...) bradando em altos termos e combatendo <strong>de</strong>satinadamente<br />

pelo po<strong>de</strong>r que lhes assegurasse condições <strong>de</strong> existência compatíveis ou com<br />

a tradição ou com a necessida<strong>de</strong>. Não encontrando a linguagem precisa (...), a<br />

norma política a<strong>de</strong>quada aos seus anseios, e a forma e organização a isso<br />

necessárias, <strong>de</strong>rivavam para a vala comum da injúria, da difamação (...). Não<br />

podiam fazer uso <strong>de</strong> outro processo porque não o conheciam (...) num meio<br />

em que a educação (...) estava pouquissimamente difundida (...), em que os<br />

que sabiam ler não tinham atingido o nível necessário ao entendimento das<br />

questões públicas e em que os que haviam frequentado escolas superiores se<br />

<strong>de</strong>liciavam em estéril formalismo (...), a única linguagem que todos<br />

compreendiam era mesmo a da injúria. (SODRÉ, 1999, p. 157).<br />

Já Sousa (2008), professor e pesquisador em Jornalismo, estuda sobre os jornais<br />

<strong>de</strong> cunho revolucionário e difamador, como os pasquins. O autor discute sobre o perfil<br />

<strong>de</strong>sses jornais, “que tinham uma periodicida<strong>de</strong> incerta, poucas páginas e que geralmente<br />

eram preenchidas através <strong>de</strong> artigos” (SOUSA, 2008, p. 20). O especialista comenta<br />

sobre a origem e trajetória <strong>de</strong>sses periódicos:<br />

Vários <strong>de</strong>les nasceram no contexto das revoltas liberais e republicanas que<br />

agitaram o Brasil até à estabilização da situação, já no reinado <strong>de</strong> D. Pedro II.<br />

Cada número podia conter um único artigo, sendo que no primeiro número<br />

era, por regra, apresentado um “programa” esclarecedor dos motivos pelos<br />

quais um novo periódico vinha a público. Normalmente, tinham vida curta e<br />

muitos apenas publicaram um número. Eram, com frequência, produto do<br />

trabalho <strong>de</strong> um homem só, mas por isso também eram livres e<br />

<strong>de</strong>sassombrados, sendo por vezes necessário recorrer à força para os<br />

silenciar. (SOUSA, 2008, p. 20).<br />

O autor salienta também, que além <strong>de</strong> artigos, nesse mesmo período, começaram<br />

a surgir novas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pasquins, os humorísticos. (1999:20).<br />

Já Sodré (1999, p. 180) classifica a época <strong>de</strong> 1830-1850 como “o gran<strong>de</strong><br />

momento da imprensa brasileira”, principalmente <strong>de</strong>vido à autenticida<strong>de</strong> e a liberda<strong>de</strong><br />

que adotam os pasquins. E tão gran<strong>de</strong> a admiração que Sodré tem por esse tipo <strong>de</strong><br />

51


jornalismo, que ele sugere que “esse foi o jornalismo mais autêntico e não o industrial e<br />

informativo”. (SODRÉ, 1999: 15 - 16).<br />

Tengarrinha (1989), também historiador brasileiro e pesquisador na área do<br />

jornalismo impresso, classifica os pasquins, antes <strong>de</strong>les se esten<strong>de</strong>rem “aos jornais <strong>de</strong><br />

baixa qualida<strong>de</strong> e pouca moral”, como um “pequeno texto, com mais frequência<br />

manuscrita, contendo acusação direta e simples, sem fundamentação.”<br />

(TENGARRINHA, 1989, p. 75). Desse modo, se traduz que a opinião <strong>de</strong> Tengarrinha,<br />

tem por trás, uma crítica ao estilo dos pasquins, do contrário que escreveu Sodré, no<br />

qual preferiu salientar os traços <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> e o esforço que os pasquins faziam<br />

para alimentar e comandar com liberda<strong>de</strong> as correntes <strong>de</strong> opinião que traziam em suas<br />

páginas e vertentes.<br />

Esses pasquins, que por vezes continham apenas duas folhas, com formato<br />

tabloi<strong>de</strong>. Esse jornaleco, também foi chamado <strong>de</strong> samizdat. Para organizar o conjunto<br />

expressivo <strong>de</strong> publicações recebidas o Centro <strong>de</strong> Imprensa Alternativa e Cultura Popular<br />

elaborou um instrumento <strong>de</strong> pesquisa em que estão relacionados todos os jornais,<br />

revistas, ca<strong>de</strong>r<strong>nos</strong>, boletins, suplementos e folhas, trabalho coor<strong>de</strong>nado por Leila<br />

Miccolis e Marcos Augusto Gonçalves. Neste acervo, o conceito <strong>de</strong> imprensa<br />

alternativa engloba todos aqueles periódicos que contestavam diretamente o regime <strong>de</strong><br />

exceção imposto a partir <strong>de</strong> 1964 e os que constituíam veículos <strong>de</strong> movimentos e<br />

correntes <strong>de</strong> esquerda, que agiam e pensavam <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, que não possuíam<br />

ligação a esquemas governamentais ou econômicos, mas sim, ligados ao<br />

comportamento, linguagem, além <strong>de</strong> uma diagramação arrojada para a época.<br />

Os jornais que se caracterizavam samizdat, tinham por características principais,<br />

folha, tamanho ofício, grampeada, variando o número <strong>de</strong> páginas <strong>de</strong> duas a vinte, com<br />

distribuição em São Paulo. Continha esquema <strong>de</strong> assinaturas, <strong>de</strong>senhos e textos. De<br />

acordo com Miccolis (1986, p. 148), esses tabloi<strong>de</strong>s se caracterizavam por ser “um<br />

jornalzinho <strong>de</strong> linha sem linha.” Leila Miccolis é escritora, editora e professora <strong>de</strong><br />

roteiro em televisão.<br />

Retomando ao jornal O <strong>Pasquim</strong>, <strong>nos</strong>so objeto <strong>de</strong> pesquisa, após fazer um uma<br />

breve explicação sobre a origem da palavra pasquim, seus significados, assim como as<br />

suas funções <strong>de</strong>ntro do jornalismo. Constatamos, que o jornal O <strong>Pasquim</strong> foi criado<br />

justamente pelos mesmos embasamentos que o restante dos pasquins. Procurava<br />

transformar, movimentar e acima <strong>de</strong> tudo informar, seja <strong>de</strong> forma clan<strong>de</strong>stina ou não.<br />

Para isso, <strong>nos</strong>so objeto <strong>de</strong> pesquisa usou o humor, que foi muito bem aceito pelos<br />

52


leitores mais críticos ao regime e até hoje é lembrado e estudado <strong>de</strong>vido sua<br />

contribuição para o jornalismo.<br />

Enquanto o Regime militar gerou o estabelecimento <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> medo para<br />

extinguir atos <strong>de</strong> oposição, o humor foi usado pelo <strong>Pasquim</strong> como ferramenta <strong>de</strong><br />

divulgação <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento.<br />

53<br />

A imprensa inteira mudou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> O <strong>Pasquim</strong>. Era difícil você lê uma<br />

entrevista <strong>de</strong>spojada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> jornal. O <strong>Pasquim</strong> trouxe um<br />

frescor maior ao jornalismo. (Angeli <strong>–</strong> cartunista. Documentário: O <strong>Pasquim</strong>,<br />

a subversão do humor, 1999).<br />

De acordo com o documentário, O <strong>Pasquim</strong> entra no cenário jornalístico,<br />

reunindo alguns dos mais brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época para<br />

satirizar o opressivo e <strong>de</strong>sconjuntado dia-a-dia nacional. O tabloi<strong>de</strong> surgiu em junho <strong>de</strong><br />

<strong>1969</strong> como um jornal <strong>de</strong> bairro. Em especial, <strong>de</strong> um bairro da Zona Sul da cida<strong>de</strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, Ipanema. Nem todos seus jornalistas eram cariocas, mas em suas<br />

trajetórias distintas constituíram um jornal a partir das referências da realida<strong>de</strong> do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> Ipanema, lugar no qual a maioria residia. “Ele foi produzido por Jaguar,<br />

Tarso <strong>de</strong> Castro, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr Fernan<strong>de</strong>s, Claudius Ceccon e Carlos<br />

Prosperi que executou o projeto gráfico. Aos poucos, outros profissionais do humor<br />

foram se juntando a estes, formando assim a chamada patota d’O <strong>Pasquim</strong>” (A<br />

subversão do humor, TV Câmara, 1999).<br />

Até mesmo o mineiro Ziraldo, membro da patota, que não nasceu nesse<br />

ambiente carioca, mas o incorporou em seu cotidiano, <strong>de</strong>clarou que “O <strong>Pasquim</strong> foi<br />

feito pra Ipanema. Naquela época Ipanema significava o Olimpo. O <strong>Pasquim</strong> vai<br />

divulgar esse modus vivendi”. (ZIRALDO apud STEFANELLI, 2004).<br />

Entre os cargos, o fundador, Jaguar ocupou o cargo <strong>de</strong> editor <strong>de</strong> humor, os<br />

jornalistas Tarso <strong>de</strong> Castro (editor chefe), Sérgio Cabral (editor <strong>de</strong> texto), Carlos<br />

Prosperi (editor gráfico) além dos cartunistas Ziraldo, Henfil e Millôr Fernan<strong>de</strong>s, Ivan<br />

Lessa, Miguel Paiva, Claudius, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel. Aos poucos, a<br />

equipe aumenta e chega Sérgio Augusto, Caetano Veloso, Vinícius <strong>de</strong> Moraes, Glauber<br />

Rocha, entre outros.<br />

O projeto inicial do jornal era não possuir i<strong>de</strong>ologia nenhuma, e sim, apenas<br />

fazer humor, mas com o tempo foi impossível não tomar partido do que acontecia na<br />

época. Com uma linguagem informal foi um periódico que <strong>de</strong>u voz a jornalistas, artistas


e intelectuais e sua primeira edição contava com textos da atriz O<strong>de</strong>te Lara, que se<br />

encontrava no festival <strong>de</strong> Cannes, e do cantor e compositor Chico Buarque, direto <strong>de</strong><br />

Roma.<br />

A equipe do <strong>Pasquim</strong>, sem saber no que ia resultar essa união, tinha um<br />

pensamento <strong>de</strong> realmente manter o jornal <strong>de</strong>svinculado da política, porém com o passar<br />

do tempo, a patota se tornou assumidamente engajada na luta contra o Regime, usando<br />

o humor como principal arma.<br />

54


4.1 <strong>COMO</strong> NASCEU O PASQUIM<br />

Neste capítulo, vamos voltar no tempo, mais precisamente no ano <strong>de</strong> <strong>1969</strong>,<br />

quando foi o criado o jornal semanário que contribuiu substancialmente para modificar<br />

o modo <strong>de</strong> informar no jornalismo e que através do humor como linguagem <strong>de</strong><br />

comunicação, levou a informação a uma geração que sofria com os <strong>de</strong>smandos <strong>de</strong> um<br />

governo ditatorial.<br />

Po<strong>de</strong>ria parecer loucura, criar um jornal <strong>de</strong> humor, logo após o AI-5, <strong>de</strong>creto que<br />

limitava a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão no país. Porém, o tabloi<strong>de</strong> conseguiu, com<br />

inteligência e sutileza, ser o emissor <strong>de</strong> tantas informações sobre o país, através do<br />

humor.<br />

Jaguar no documentário O <strong>Pasquim</strong>, a revolução pelo cartum (1999), conta que<br />

foi no bar Janga<strong>de</strong>iros, em Ipanema, que ele e Tarso <strong>de</strong> Castro reuniram-se para discutir<br />

a abertura <strong>de</strong> um novo jornal. Este mesmo bar, além <strong>de</strong> outros do mesmo ambiente<br />

carioca, tornou-se ponto <strong>de</strong> encontro intelectuais, ligados à vida boêmia, bebida<br />

alcoólica, bares e madrugadas. Os principais frequentadores eram artistas, jornalistas,<br />

escritores, enfim, pessoas vinculadas ao campo <strong>de</strong> produção cultural e alternativa da<br />

época. Segundo Flores,<br />

Para os lados do Leblon e Ipanema, tanto as esquerdas quanto as direitas<br />

estariam tão próximas <strong>nos</strong> botecos, na praia, nas redações que a situação<br />

parecia estimular um paradoxo. [...] Tanto o humor reacionário quanto o<br />

humor pasquiniano [saíram] dos redutos elitizados da zona sul carioca e, não<br />

raras às vezes, se [cruzaram] <strong>nos</strong> calçadões das praias, nas redações dos<br />

jornais e <strong>nos</strong> botequins do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ainda capital cultural e i<strong>de</strong>ológica<br />

da República. (FLORES, 2002, p. 170-171).<br />

Desse modo, o <strong>Pasquim</strong> chega às bancas com uma forma simples: humor, ironia<br />

e entrevistas que formava a principal característica do semanário. Contava com<br />

ilustrações, textos curtos e frases que tinham vários sentidos com uma espécie <strong>de</strong> código<br />

secreto que os editores usavam com os leitores. Na primeira edição do tabloi<strong>de</strong>, em um<br />

texto satírico, editado no alto da primeira página, a equipe expunha o seu i<strong>de</strong>al:<br />

55<br />

O <strong>Pasquim</strong> surge com duas vantagens: é um semanário com autocrítica,<br />

planejado e executado só por jornalistas que se consi<strong>de</strong>ram geniais e que,<br />

como os do<strong>nos</strong> dos jornais não conhecessem tal fato em termos financeiros,<br />

resolveram ser empresários. É também um semanário <strong>de</strong>finido, a favor dos<br />

leitores e anunciantes, embora não seja tão radical quanto o antigo PSD. Até<br />

agora o <strong>Pasquim</strong> vai muito bem, pois conseguimos um prazo <strong>de</strong> 30 dias para<br />

pagar as faturas. Este primeiro número é <strong>de</strong>dicado à memória do <strong>nos</strong>so


Sérgio Porto, que hoje <strong>de</strong>veria estar aqui co<strong>nos</strong>co. (O <strong>Pasquim</strong>, 1ª edição em<br />

26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> <strong>1969</strong>).<br />

Na última página, aparecia o expediente: Tarso <strong>de</strong> Castro (editor), Sérgio<br />

Jaguaribe (editor <strong>de</strong> humor), Sérgio Cabral (editor <strong>de</strong> texto), Carlos Prósperi (editor<br />

gráfico), Claudius Ceccon e Murilo Pereira Reis (diretor-responsável).<br />

O único jornal da imprensa alternativa que conseguiu, durante a Ditadura<br />

Militar, passar pelos diferentes momentos e formas <strong>de</strong> censura foi o <strong>Pasquim</strong>. Baseado<br />

em um discurso humorístico e subjetivo, o semanário ocupou um espaço <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

acordo com o período e com seu ambiente cultural, tornando-se o porta-voz <strong>de</strong> uma<br />

geração que o moldou, o alimentou e o fortaleceu. Suas 300 primeiras edições,<br />

publicadas entre <strong>1969</strong> e 1975, tornam-se fonte e objeto <strong>de</strong> pesquisa, mostrando os<br />

elementos <strong>de</strong> contestação dos novos grupos culturais daquele momento e as formas <strong>de</strong><br />

repressão em relação ao jornal e aos seus redatores, além <strong>de</strong>, principalmente, comprovar<br />

que o jornal só sobreviveu porque fazia parte <strong>de</strong> um grupo cultural forte e engajado,<br />

disposto a ajudar em sua produção, e porque contava com uma linguagem baseada no<br />

humor.<br />

Para Chinem (1995), “não há jornal brasileiro importante que não tenha sido<br />

influenciado pelo idioma do <strong>Pasquim</strong>, direta ou indiretamente” (CHINEM, 1995, p. 45).<br />

O <strong>Pasquim</strong> conseguiu transpor, <strong>de</strong> forma ímpar, os limites <strong>de</strong> duração e <strong>de</strong><br />

alcance da imprensa alternativa, estabelecendo a linguagem do humor como um<br />

elemento importante nas manifestações <strong>de</strong> oposição durante a Ditadura Militar brasileira<br />

O semanário conquistou uma tiragem <strong>de</strong> 80 mil exemplares já na edição <strong>de</strong><br />

número 16 e chegou a imprimir, em <strong>de</strong>zembro do mesmo ano <strong>de</strong> seu lançamento, 250<br />

mil exemplares semanais, além <strong>de</strong> ter recebido anúncios <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s multinacionais,<br />

como a Shell. O tabloi<strong>de</strong> chegou a ven<strong>de</strong>r mais do que a famosa revista Veja e também<br />

a Manchete, ainda <strong>nos</strong> primeiros a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> lançamento.<br />

Segundo Jaguar conta no documentário O <strong>Pasquim</strong>, a subversão do humor <strong>de</strong><br />

1999, no início da trajetória do jornal, a própria equipe acreditava que o semanário seria<br />

um fracasso e seria apenas um jornal comportamental e humorístico (que falava sobre<br />

sexo, drogas, entre outros assuntos), porém aos poucos foi se tornando politizado e<br />

opositor da Ditadura que assolava o país.<br />

Porém, ao contrário do que pensavam, o <strong>Pasquim</strong> carioca passou a ser o porta<br />

voz da indignação social brasileira sendo uma dos principais jornais <strong>de</strong> resistência à<br />

Ditadura Militar, que através da linguagem do humor contestou e protestou junto com<br />

56


um coro <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentes. Segundo conta o cartunista Cláudius (1999), o jornal fazia um<br />

diálogo com os leitores:<br />

57<br />

Eu acho que o que havia, era uma cumplicida<strong>de</strong> que nós tínhamos com os<br />

leitores, que era absolutamente extraordinária. A gente sabia muito bem que a<br />

gente podia ser hermético que o censor não ia perceber isso, mas, ali adiante,<br />

certamente o leitor ia saber o que a gente estava dizendo. Era uma espécie <strong>de</strong><br />

um código secreto que a gente utilizava com o leitor (Cláudius <strong>–</strong><br />

Documentário O <strong>Pasquim</strong>, a subversão do humor. TV Câmara, 1999).<br />

Kucinski (1991, p. 156) aponta que o <strong>Pasquim</strong> revolucionou a linguagem do<br />

jornalismo brasileiro, instituindo uma oralida<strong>de</strong> que ia além da mera transferência da<br />

linguagem coloquial para a escrita do jornal. Além disso, ele aponta alguns traços que<br />

caracterizariam o jornal por toda a sua existência, <strong>de</strong>ntre os quais a gran<strong>de</strong> entrevista<br />

provocadora e dialogada.<br />

Com essa linguagem inovadora, o jornal conquistou o objetivo <strong>de</strong> toda<br />

comunicação: a expressivida<strong>de</strong>. “O <strong>Pasquim</strong> gerou uma prosódia, no processo <strong>de</strong><br />

retomar a flui<strong>de</strong>z da escrita. Produziu um tom, uma sonorida<strong>de</strong> que o distinguia dos<br />

outros jornais da época”. Assim, o tom pasquiniano apareceu “como se fosse uma<br />

cacoépia, uma pronúncia errada, diferentemente da ortoépia dos outros periódicos”.<br />

Essa distinção entre os jornais já bastava para gerar um efeito humorístico, uma vez que,<br />

ao tomar distância da escrita da imprensa dominante, O <strong>Pasquim</strong> exerceu um efeito <strong>de</strong><br />

sátira sobre as normas costumeiras. (QUEIROZ, apud BRAGA, 2009, p. 308).<br />

O <strong>Pasquim</strong> era representado com uma série <strong>de</strong> especificida<strong>de</strong>s que compunham<br />

suas páginas. Estas reunidas caracterizavam o jornal com uma originalida<strong>de</strong> tamanha, a<br />

qual provocou uma imagem do periódico, enquanto marco do jornalismo no Brasil.<br />

Segundo Queiroz (2008), “se por um lado O <strong>Pasquim</strong> criticava o autoritarismo<br />

do regime que se instalou no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964, e <strong>de</strong>pois com o AI-5, em 1968”, acabou<br />

com as liberda<strong>de</strong>s civis e políticas (...) e <strong>de</strong> acordo com a autora por outro lado, “o<br />

jornal exerceu um autoritarismo ferrenho no que diz respeito a seu comportamento,<br />

principalmente em relação ao bairro <strong>de</strong> Ipanema e à cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro”<br />

(QUEIROZ, 2008, p. 224).<br />

A autora ainda continua a afirmação, relatando que quando se referiam a outros<br />

bairros, em especial os da Zona Norte carioca, os pasquinia<strong>nos</strong> não os incluíam na<br />

memória boêmia do Rio, apesar <strong>de</strong> existirem no jornal, colaboradores vindos <strong>de</strong>ssa<br />

parte da cida<strong>de</strong>, como no caso <strong>de</strong> Aldir Blanc (criado na Vila Isabel) e Millôr


Fernan<strong>de</strong>s, no Méier. Entretanto, Queiroz enfatiza que “na maioria das vezes davam<br />

<strong>de</strong>staque aos bares da Zona Sul, como o Janga<strong>de</strong>iros e o Zeppelin. Além disso,<br />

enfatizavam que, <strong>de</strong> Ipanema, lançavam moda e regras para outras regiões do país”.<br />

Assim, os convencidos da patota, acreditavam que o bairro <strong>de</strong> Ipanema transmitia<br />

hábitos e costumes, os quais eram divididos não só pela socieda<strong>de</strong> carioca, como<br />

também pelo restante do país. A autora explica:<br />

58<br />

A polêmica foi instaurada quando os pasquinia<strong>nos</strong> criticaram abertamente<br />

diversas cida<strong>de</strong>s. Mesmo abrindo espaço para a réplica <strong>de</strong> outros jornalistas<br />

no semanário, prevalecia a opinião <strong>de</strong> seus colaboradores no final do<br />

confronto, pois quando achavam que o assunto já estava esgotado,<br />

encerravam a discussão. O autoritarismo também po<strong>de</strong> ser observado em suas<br />

entrevistas. Quando não concordavam com alguma opinião do entrevistado,<br />

mudavam a pergunta ou acabavam com a entrevista. (QUEIROZ, 2008, p.<br />

224).<br />

Entre os temas abordados, a sátira à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo esteve presente em<br />

diversas edições. O contraponto era feito através da consagração do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Com o intuito <strong>de</strong> acabar a discussão entre cariocas e paulistas, que durou cerca <strong>de</strong> cinco<br />

edições do jornal, Millôr Fernan<strong>de</strong>s escreveu duas crônicas, ambas com o mesmo título:<br />

“Parem com isso, meni<strong>nos</strong>!”. O seu ponto <strong>de</strong> vista, entretanto, não era a <strong>de</strong> acalmar os<br />

ânimos e, sim, promover uma reação autoritária para que o ponto final fosse dado por<br />

eles (<strong>de</strong> São Paulo). A primeira crônica terminava com a seguinte reflexão:<br />

Também é um hábito antigo do paulista se queixar do clima do Rio. E, no<br />

entanto, este se equilibra admiravelmente entre dias infernalmente quentes e<br />

dias <strong>de</strong> calor insuportável. Nem todo mundo po<strong>de</strong> ter aquele clima admirável<br />

<strong>de</strong> São Paulo, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> dias <strong>de</strong> garoa nojenta até noites <strong>de</strong> umida<strong>de</strong><br />

doentia. (O <strong>Pasquim</strong> - nº 14, <strong>1969</strong>, p.: 4-5).<br />

Além <strong>de</strong>sse capacida<strong>de</strong>, que provinha <strong>de</strong> uma equipe extremamente talentosa e<br />

criativa, o tablói<strong>de</strong> conseguiu modificar a linguagem jornalística usada até então,<br />

reproduzindo a linguagem escrita da oral, e isso acabou por influenciar a propaganda,<br />

como também transformou a linguagem coloquial. O <strong>Pasquim</strong> fez uso <strong>de</strong> palavrões, que<br />

ficavam disfarçados através <strong>de</strong> neologismos, que daí em diante po<strong>de</strong>riam ser falados,<br />

publicados e (re) interpretados.<br />

Henfil, integrante da patota, <strong>de</strong>stacou o valor das transformações <strong>de</strong> linguagem,<br />

<strong>de</strong> estilo e <strong>de</strong> conteúdo que o semanário introduziu na cena jornalística. "O <strong>Pasquim</strong> foi<br />

a Lei Áurea da imprensa", avaliaria em <strong>de</strong>poimento a Jorge Ferreira (julho <strong>de</strong> 1976). O


jornal modificou a linguagem. Nele se escrevia como se falava e isso reformulou a<br />

propaganda no Brasil inteiro, libertou todo mundo com o uso <strong>de</strong> palavrões. Por<br />

exemplo, “pô, putisgrila, paca. (...) E outra coisa: a gente podia escrever e <strong>de</strong>senhar <strong>de</strong><br />

uma maneira muito pessoal — foi essa a chave do negócio — e muito irreverente”<br />

(Henfil em entrevista a Jorge Ferreira, 1976).<br />

O discurso através do humor foi visto como uma arma a favor, pelo me<strong>nos</strong> essa<br />

era a versão que se estabelecia em torno dos intelectuais que faziam parte da equipe do<br />

semanário. A ruptura da linguagem e a invenção <strong>de</strong> um novo paradigma textual,<br />

baseados nas artes visuais, foram explicados por Millôr Fernan<strong>de</strong>s, na crônica: Uma<br />

senhora efeméri<strong>de</strong>, publicada em 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1970, no <strong>Pasquim</strong>. O cronista<br />

<strong>de</strong>stacaria, <strong>de</strong> forma satírica, o abalo moral que o jornal produziu por ter libertado a<br />

linguagem escrita e falada da República:<br />

59<br />

Hoje, por exemplo, nesta fase, posso escrever indiferentemente, ‘uma<br />

senhora efeméri<strong>de</strong>’ ou ‘uma puta efeméri<strong>de</strong>’. O <strong>Pasquim</strong> acabou com a<br />

diferença <strong>de</strong> classe entre puta e senhora. Como adjetivos, claro. Com relação<br />

aos substantivos o jornal é altamente conservador. Sobre esta observação<br />

po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que o periódico, apesar <strong>de</strong> ter rompido com alguns<br />

paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador,<br />

principalmente, no que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos<br />

homossexuais na socieda<strong>de</strong>. (FERNANDES, 1970).<br />

Sobre a citação po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que o periódico, apesar <strong>de</strong> ter rompido com<br />

alguns paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador, principalmente, no<br />

que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos homossexuais na socieda<strong>de</strong>.<br />

Desse modo, o semanário <strong>Pasquim</strong> foi um gerador <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s mudanças,<br />

<strong>de</strong>vido, não só <strong>de</strong> suas influências <strong>nos</strong> meios <strong>de</strong> comunicação, como também no<br />

cotidiano da socieda<strong>de</strong>, que introduziu uma espécie <strong>de</strong> novo vocabulário, uma nova fala<br />

pasquiniana. E, diante disso, é importante ressaltar que todos aqueles que fizeram parte<br />

do periódico, colaboradores ou leitores, marcaram a história do jornalismo no Brasil<br />

como a geração <strong>Pasquim</strong>.<br />

A linguagem não foi a única estratégia que o <strong>Pasquim</strong> usou para conviver com a<br />

censura. A relação com os censores é, também, cheia <strong>de</strong> particularida<strong>de</strong>s. A conhecida<br />

censora Dona Marina (Marina Brum Duarte) tornou-se parceira <strong>de</strong> uísque da dos<br />

redatores; o general Juarez Paz Pinto censurava parte do material nas areias da praia.<br />

Sérgio Augusto, que também participou do <strong>Pasquim</strong> e recentemente organizou a<br />

coleção O Melhor do <strong>Pasquim</strong>, juntamente com Jaguar, <strong>de</strong>fine no livro que o semanário<br />

era um “jornal sem patrão”:


“Suas reuniões <strong>de</strong> pauta, quando havia, eram uma festa <strong>–</strong> ou, melhor, uma<br />

ebúrnea. Ainda mais zoneadas eram as entrevista, sempre coletivas e regadas a<br />

Buchanan´s, e cujo inusitado clima <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontração outros tentaram em vão imitar”. (O<br />

Melhor do <strong>Pasquim</strong>, Ed. Desi<strong>de</strong>rata, 2005).<br />

A edição nº1 sintetiza vários elementos que foram constantes nas capas<br />

seguintes do seminário, sob as diferentes formas <strong>de</strong> censura, como é o caso do ratinho<br />

Sig, do humor, da frase-editorial e, principalmente, a participação <strong>de</strong> dois<br />

colaboradores: Chico Buarque e O<strong>de</strong>te Lara. A capa da edição número 01 chama a<br />

atenção, primeiramente, por uma escolha gráfica, intencional ou não, <strong>de</strong> posicionar o<br />

logotipo do jornal, juntamente com o cabeçalho e a frase-editorial, quase ao centro da<br />

página, não acima, como os periódicos faziam naquela época e fazem até os dias <strong>de</strong><br />

hoje, conforme se vê na figura 4.<br />

Figura 4<br />

Primeiro exemplar <strong>de</strong> O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> <strong>1969</strong><br />

O ponto <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque nesta primeira edição e que se tornaria um elemento<br />

diferencial do <strong>Pasquim</strong> foi a entrevista principal realizada com Ibrahim Sued, badalado<br />

e polêmico colunista social.<br />

Já sob o rigor do AI-5, o primeiro entrevistado do <strong>Pasquim</strong>, na edição número 1,<br />

Ibrahim Sued, forneceu um furo jornalístico que atraiu os olhos do público para o novo<br />

60


semanário. O colunista revelou que Garrastazu Médici seria o próximo general a<br />

governar o Brasil.<br />

O <strong>Pasquim</strong> aumentou sua popularida<strong>de</strong> e começou a se tornar conhecido <strong>nos</strong><br />

círculos culturais cariocas e do país. Um dos principais motivos que levou a este feito<br />

foi o <strong>de</strong>sconhecimento técnico <strong>de</strong> Jaguar. Ou seja, Jaguar por não ser jornalista,<br />

<strong>de</strong>sconhecia as técnicas <strong>de</strong> escrita e edição das matérias. Desse modo, as matérias <strong>de</strong><br />

Jaguar logo eram reconhecidas pelo improviso na transcrição das entrevistas. Jaguar,<br />

que só queria fazer um jornal <strong>de</strong> humor, apresentou essa novida<strong>de</strong>. Jaguar usou a técnica<br />

<strong>de</strong> transcrever as entrevistas no estilo pergunta e resposta, algo que <strong>de</strong>pois foi repetido<br />

pela gran<strong>de</strong> mídia impressa, com vários entrevistadores ao mesmo tempo. Portanto, a<br />

prática foi adotada por vários meios <strong>de</strong> comunicação até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

O número <strong>de</strong> páginas e o espaço ocupado pelos anúncios no jornal ao longo dos<br />

diferentes períodos da censura mostram a variação das condições <strong>de</strong> produção do<br />

<strong>Pasquim</strong>. Depois do número 20, o espaço <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> começou a acrescer<br />

significativamente, chegando a ter 25% do jornal, com 17 anunciantes; alguns,<br />

inclusive, <strong>de</strong> página inteira. A partir do número 40, a publicida<strong>de</strong> ocupa um terço do<br />

jornal. O tamanho do jornal também variou bastante. A média entre as primeiras edições<br />

foi <strong>de</strong> 30 páginas, <strong>de</strong>pois se estabilizando em 26.<br />

Consi<strong>de</strong>raremos três fases temporais, <strong>de</strong>terminados a partir do tipo <strong>de</strong> censura<br />

sobre o semanário, para examinarmos as maneiras com que o jornal respon<strong>de</strong>u à<br />

repressão, sendo classificado como subversivo pelos militares. Assim como as<br />

mensagens que <strong>de</strong>monstram a repressão que sofreu e a colaboração que teve da geração<br />

<strong>de</strong> 60: Desse modo: (1) a censura pontual na fase inicial do <strong>Pasquim</strong>, da primeira à 71ª<br />

edição, quando os seus principais redatores são presos; (2) os quatro a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> censura no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1970 a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1973, com uma relação próxima e<br />

pessoal com os censores e (3), <strong>de</strong>vido às 1.072 edições publicadas durante mais <strong>de</strong> 22<br />

a<strong>nos</strong>, sendo mais <strong>de</strong> cinco <strong>de</strong>las sob censura direta, seja em <strong>de</strong>corrência da<br />

administração ingênua e nada profissional da empresa, ou <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> interesse dos<br />

anunciantes, o jornal consegue passar por proibições e diferentes formas <strong>de</strong> censura.<br />

61


4.2 A HISTÓRIA DO PASQUIM FACE À POLÍTICA<br />

Como já apresentado anteriormente, com o Golpe Militar em 1964, e com a<br />

chegada do AI-5 em 1968, o Brasil sofreu intensas transformações. Os meios <strong>de</strong><br />

comunicação foram um dos alvos nesse processo <strong>de</strong> mudança política. Os veículos <strong>de</strong><br />

comunicação mudaram seus modos <strong>de</strong> produção assim como os modos <strong>de</strong> informar.<br />

Com os diversos <strong>de</strong>cretos-leis que privavam os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> divulgar<br />

notícias sobre o Regime, mediante veto da censura. Desse modo, os jornais <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong><br />

exercer o seu verda<strong>de</strong>iro papel.<br />

Em função <strong>de</strong>stes aspectos, neste capítulo vamos analisar como o semanário<br />

<strong>Pasquim</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu nascimento, conseguiu percorrer a trajetória política do período<br />

mais conturbado dos últimos tempos, a Ditadura Militar.<br />

Para iniciarmos esse raciocínio, é necessário voltar no tempo para enten<strong>de</strong>r o<br />

contexto político e como o semanário se insere.<br />

Este período po<strong>de</strong> ser suprimido, sob a justificativa <strong>de</strong> uma suposta ameaça<br />

comunista, que promoveria a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m do país, a geração dos a<strong>nos</strong> 60 e 70 foram<br />

submetidas a mais longa e violenta ditadura da história. Com isso, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão ficou intensamente comprometida. O governo <strong>de</strong>teve o controle dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação e passou a permitir a publicação <strong>de</strong> notícias que eram convenientes ao<br />

Regime.<br />

Para iniciarmos esse raciocínio, é necessário voltar no tempo para enten<strong>de</strong>r o<br />

contexto político, em que semanário se insere.<br />

O jornal O <strong>Pasquim</strong> caminhou junto com três gover<strong>nos</strong> militares no período <strong>de</strong><br />

censura, que alteraram as formas <strong>de</strong> produção no campo cultural e jornalístico. Os<br />

jornalistas ratificaram as formas <strong>de</strong> criação e sobrevivência <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

construída em torno e em nome do tabloi<strong>de</strong> carioca. Lançado em 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> <strong>1969</strong>,<br />

apenas seis meses após a publicação do AI-5, que limitava os direitos e liberda<strong>de</strong>s do<br />

cidadão brasileiro, o <strong>Pasquim</strong> nasceu e se fortaleceu durante o endurecimento das<br />

formas ditatoriais: na mutação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre a saída do marechal Arthur da Costa e<br />

Silva (1967 - <strong>1969</strong>) e o início da linha severa do general Emílio Garrastazu Médici<br />

(outubro <strong>1969</strong>-1974). O último governo militar a intervir mais diretamente no jornal, e<br />

que <strong>de</strong>terminou o fim da censura prévia à imprensa, foi do general Ernesto Geisel.<br />

62


Gaspari (2002), em A Ditadura Escancarada, ao analisar a ditadura <strong>de</strong> Médici,<br />

consi<strong>de</strong>rada a mais violenta, compara com os outros militares a quem foi atribuído o<br />

posto, utilizando a única entrevista concedida pelo general:<br />

A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma<br />

conveniência. Para Médici, um favor neutro, instrumento da ação burocrática,<br />

fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> força. Não só se orgulhou <strong>de</strong> ter namorado o AI-<br />

5 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> sua edição, como sempre viu nele um verda<strong>de</strong>iro elixir: “Eu<br />

tenho o AI-5 nas mãos e, com ele posso tudo”, disse certa vez a um <strong>de</strong> seus<br />

ministros. “Eu tinha o AI-5, podia tudo”, rememorou na única entrevista que<br />

conce<strong>de</strong>u. Teve uma relação natural com a censura, como se ela fizesse parte<br />

<strong>de</strong> um manual <strong>de</strong> instrução. (GASPARI, 2002, p. 133).<br />

Desse modo, classificado como imprensa ten<strong>de</strong>nciosa, o <strong>Pasquim</strong> foi<br />

consi<strong>de</strong>rado, <strong>nos</strong> documentos do presi<strong>de</strong>nte Geisel, assim como os jornais Movimento,<br />

Opinião, Crítica e Ex, como uma imprensa ten<strong>de</strong>nciosa que influenciava na formação<br />

dos jovens.<br />

Durante os a<strong>nos</strong> em que o país esteve no comando dos militares, po<strong>de</strong>mos<br />

mencionar dois tipos <strong>de</strong> censura: a censura prévia e a autocensura.<br />

Vaucher (2012, p. 4), classifica que “a censura prévia <strong>de</strong>terminava que tudo que<br />

o que fosse preparado por um jornal seria examinado pela polícia antes da sua<br />

divulgação”. Desse modo, os censores analisavam todo o material que estava sendo<br />

produzido. “Liberavam, vetavam ou liberavam com restrições, chegando ao ponto <strong>de</strong><br />

algumas vezes os cortes eram tão drásticos que praticamente inviabilizava a<br />

publicação”. O autor enfatiza que esse tipo <strong>de</strong> censura “causou gran<strong>de</strong>s prejuízos à<br />

imprensa, por muitas razões muitos jornais <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> existir e outros per<strong>de</strong>ram<br />

força”. Esse fato se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido a intensa repressão aos meios <strong>de</strong> comunicação, que sem<br />

po<strong>de</strong>r exercer o seu papel, não via mais fundamento em continuar seu ofício.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter sido um dos alvos da censura “O <strong>Pasquim</strong> permaneceu atuante,<br />

mesmo com gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua equipe sendo presa, por conta da ajuda <strong>de</strong> seus<br />

colaboradores”. (VAUCHER, 2012, p. 4). Além do <strong>Pasquim</strong>, outros jornais sofreram<br />

com a censura prévia, como o Estado <strong>de</strong> São Paulo, Tribuna <strong>de</strong> Imprensa, Movimento,<br />

entre outros. De acordo com WEBER (2000, p. 185), essa censura era realizada <strong>de</strong><br />

várias maneiras: através <strong>de</strong> bilhetes, com ou sem assinatura, por telefone, audiência e<br />

gravação, ou diretamente na redação dos veículos.<br />

Retomando aos conceitos <strong>de</strong> Vaucher (2012), em 1º <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1970, a<br />

censura e a repressão chegaram à redação <strong>de</strong> O <strong>Pasquim</strong>. Parte dos jornalistas e<br />

cartunistas do jornal foi presa. Apesar disso, o tabloi<strong>de</strong> não saiu <strong>de</strong> circulação, com o<br />

63


auxilio dos que não haviam sido presos e <strong>de</strong> outros colaboradores. O <strong>Pasquim</strong> retomou<br />

os trabalhos sem que os seus leitores soubessem o que havia acontecido. “Com a<br />

criativida<strong>de</strong> que lhes era peculiar, os membros da patota fizeram com que os leitores<br />

soubessem da prisão <strong>de</strong> uma forma que só O <strong>Pasquim</strong> po<strong>de</strong>ria fazer, por intermédio do<br />

humor, referindo-se a prisão como um surto <strong>de</strong> gripe” (VAUCHER, 2012, p. 8).<br />

A repercussão da prisão foi gran<strong>de</strong>, e o jornal passou por diversos momentos <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>s, tanto <strong>de</strong>vido à repressão e censura quanto financeira.<br />

Os atos institucionais assinados nesse período, principalmente o nº5, foram tão<br />

severos quanto à censura. Jornais <strong>de</strong> esquerda e jornais consi<strong>de</strong>rados pró João Goulart,<br />

como Politika, Folha da Semana e O Semanário, foram invadidos e <strong>de</strong>struídos pelos<br />

militares. Jornais respeitados como o Última hora e Correio da Manhã, tiveram suas<br />

redações <strong>de</strong>struídas da mesma forma. Nota-se que o Regime não se importava com o<br />

nome e prestígio do veículo. Tudo isso aconteceu <strong>nos</strong> gover<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Castelo Branco e<br />

Costa e Silva, porém, em comparação à censura que estava por vir, esse momento não<br />

foi consi<strong>de</strong>rado o mais severo.<br />

Apesar <strong>de</strong> toda essa repressão, a cultura e a oposição à Ditadura Militar parecem<br />

constituir um grupo que mantinha os cariocas unidos. Instigados pela criativida<strong>de</strong> e pelo<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mudança, constitui-se uma geração que tentou negar e, assim, criticar a<br />

violência das repressões culturais com uma receita natural: “viver essa liberda<strong>de</strong><br />

cotidiana em um vínculo indissociável com a experiência completa, total, inteira.<br />

Inevitavelmente, as obras <strong>de</strong>stes inovadores culturais retratam, <strong>de</strong> alguma forma, esse<br />

sentimento” (BUZALAF, 2009, p. 42).<br />

O <strong>Pasquim</strong> conseguiu transmitir esse pensamento e ao mesmo tempo cumprir<br />

uma espécie <strong>de</strong> semi-papel. Já que não conseguia informar a população com total<br />

liberda<strong>de</strong>, tentava fazer o máximo possível para informar usando o humor como<br />

principal arma. O semanário queria informar ao Regime, que estava ven<strong>de</strong>ndo e que<br />

seus leitores eram fiéis, como explica Buzalaf.<br />

64<br />

A frase-editorial da edição 70, publicada em 1970, <strong>de</strong>monstra, com exagero e<br />

ironia, o momento <strong>de</strong> crescimento das vendas do jornal: “Milhões <strong>de</strong> leitores<br />

seguram este <strong>Pasquim</strong>”. Em outros números, seus redatores utilizaram a capa<br />

para mostrar a importância dos leitores no vínculo com o jornal. Na edição<br />

90, publicada em <strong>1971</strong>, a frase recorreu ao recurso bastante utilizado da<br />

autopromoção do jornal, diz: “Na terra <strong>de</strong> cego, quem lê O <strong>Pasquim</strong> é rei”.<br />

(BUZALAF, 2009, p. 42).<br />

Ao ler o <strong>Pasquim</strong>, se tornava simples <strong>de</strong> perceber que ali, continha uma equipe<br />

<strong>de</strong> muito talento e criativida<strong>de</strong>. Seria impossível que os militares não <strong>de</strong>tectassem


claramente a existência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboradores que alimentavam essa imprensa<br />

nesse momento. Apesar <strong>de</strong> todas as barreiras, o semanário conseguiu marcar seu<br />

território nesse momento conturbado, e sendo ou não <strong>de</strong> sua origem ou intenção, ele já<br />

nasceu alternativo por si só, e se tornou subversivo por necessida<strong>de</strong>.<br />

65


5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA<br />

66<br />

Como beber <strong>de</strong>ssa bebida amarga<br />

Tragar a dor, engolir a labuta<br />

Mesmo calada a boca, resta o peito<br />

Silêncio na cida<strong>de</strong> não se escuta<br />

De que me vale ser filho da santa<br />

Melhor seria ser filho da outra<br />

Outra realida<strong>de</strong> me<strong>nos</strong> morta<br />

Tanta mentira, tanta força bruta<br />

Como é difícil acordar calado<br />

Se na calada da noite eu me dano<br />

Quero lançar um grito <strong>de</strong>sumano<br />

Que é uma maneira <strong>de</strong> ser escutado<br />

Esse silêncio todo me atordoa<br />

Atordoado eu permaneço atento<br />

Na arquibancada pra a qualquer momento<br />

Ver emergir o monstro da lagoa<br />

De muito gorda a porca já não anda<br />

De muito usada a faca já não corta<br />

Como é difícil, pai, abrir a porta<br />

Essa palavra presa na garganta<br />

Esse pileque homérico no mundo<br />

De que adianta ter boa vonta<strong>de</strong><br />

Mesmo calado o peito, resta a cuca<br />

Dos bêbados do centro da cida<strong>de</strong><br />

Talvez o mundo não seja pequeno<br />

Nem seja a vida um fato consumado<br />

Quero inventar o meu próprio pecado<br />

Quero morrer do meu próprio veneno<br />

Quero per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vez tua cabeça<br />

Minha cabeça per<strong>de</strong>r teu juízo<br />

Quero cheirar fumaça <strong>de</strong> óleo diesel<br />

Me embriagar até que alguém me esqueça<br />

Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice<br />

Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice<br />

Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice<br />

De vinho tinto <strong>de</strong> sangue.<br />

Chico Buarque, “Cálice” (1973)<br />

Chico Buarque compôs diversas músicas no período da Ditadura Militar,<br />

buscando driblar a censura através <strong>de</strong> seus versos e ao mesmo tempo, protestar contra o<br />

Regime Militar. Entre as músicas <strong>de</strong> Chico no período <strong>de</strong> 1964 a 1980, citamos Cálice<br />

logo na introdução do capítulo <strong>de</strong>vido sua importância nesse contexto. A letra, feita por<br />

Chico Buarque, contém em seus versos, pensamentos <strong>de</strong> revolta sobre o Regime, sendo<br />

que a palavra Cálice, está associada foneticamente a outra palavra: Cale-se. Chico refere<br />

à censura, que queria calar a voz <strong>de</strong> uma geração. Ele argumenta que o silêncio<br />

predominava naquele momento do país.


Além <strong>de</strong> Cálice, Apesar <strong>de</strong> você, Acorda amor, Deus lhe pague, Quando o<br />

carnaval chegar, Rosa dos ventos, são outras canções <strong>de</strong> Chico que trazem em suas<br />

letras, versos <strong>de</strong> protesto nas entrelinhas. .<br />

A relação da música Cálice com o capítulo presente visa lembrar a amiza<strong>de</strong> do<br />

compositor Chico Buarque com os jornalistas e cartunistas da equipe. Chico, sempre<br />

ofereceu sua colaboração ao jornal, através <strong>de</strong> artigos, mas também colaborou com o<br />

jornal e ajudou a equipe a passar por um momento difícil, como o episódio da prisão da<br />

patota em <strong>1969</strong>.<br />

Poeta, cantor, compositor (que viria a ser dramaturgo), Chico Buarque <strong>de</strong><br />

Hollanda era filho do sociólogo Sérgio Buarque e da pianista amadora Maria Amélia.<br />

Chico Buarque nasceu e cresceu em um ambiente propício à criação artística, musical e<br />

é visto como um intelectual <strong>de</strong> alma sensível.<br />

Apesar <strong>de</strong> a produção cultural durante a ditadura ter sido influenciada pela<br />

censura, ocorreu a busca por novas linguagens, novas formas <strong>de</strong> criação que envolveram<br />

vários campos, temáticas e estilos. Temas políticos e sociais estiveram presentes em<br />

quase toda produção cultural da época. As produções artísticas, musicais, literárias,<br />

cinema e teatro tentavam buscar diferentes caminhos para a construção <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> mais justa.<br />

Porém, o Golpe Militar, além <strong>de</strong> prejudicar a produção cultural do país,<br />

estimulou outras alterações na configuração da socieda<strong>de</strong> como a mobilização <strong>de</strong><br />

pessoas, maiorias jovens, com i<strong>de</strong>ias novas, com um caráter revolucionário e que se<br />

resistiam ao sistema repressivo, O humor, a subjetivida<strong>de</strong>, a coloquialida<strong>de</strong> e o<br />

constante <strong>de</strong>boche aos costumes do período po<strong>de</strong>riam ser percebidos pelos censores que<br />

lidavam diretamente com os jornalistas, como a arma do crime naquele momento. As<br />

provocações do <strong>Pasquim</strong> não eram nada discretas. Pelo contrário. Estavam espalhadas<br />

por todas as páginas do semanário: nas manchetes, nas frases-editoriais, nas fotos<br />

provocativas, nas ilustrações <strong>de</strong>bochadas e nas constantes referências ao sexo e à<br />

boemia.<br />

Desse modo, os meios visuais e textuais parecem ter funcionado, em alguns<br />

momentos, como uma saída da chamada patota para <strong>de</strong>sviar a censura. Outros veículos<br />

<strong>de</strong> comunicação que circularam durante aquele mesmo momento, também alternativos,<br />

da gran<strong>de</strong> imprensa ou das emissoras públicas, foram mais incisivamente e rapidamente<br />

repreendidos do que o <strong>Pasquim</strong>, consi<strong>de</strong>rado o gran<strong>de</strong> provocador.<br />

67


Como na primeira edição que foi às bancas <strong>de</strong>pois da prisão dos jornalistas, em<br />

março <strong>de</strong> 70. A frase <strong>de</strong>monstrava a ironia da situação e, talvez, um alerta para os<br />

leitores do semanário: “Uma coisa é certa: lá <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ve estar muito mais engraçado<br />

do que aqui fora”. A prisão é um marco na história do <strong>Pasquim</strong> porque é, a partir <strong>de</strong>la,<br />

que uma parte da geração <strong>de</strong> 60 se mobiliza física e intelectualmente para ajudar o<br />

jornal e é justamente neste sentido que este acontecimento é utilizado, nesta pesquisa,<br />

como um divisor entre duas fases da censura sobre o semanário.<br />

O ano <strong>de</strong> 1970 estava sendo <strong>de</strong> crescimento do espaço do <strong>Pasquim</strong>: as vendas<br />

aumentavam significativamente e o jornal <strong>de</strong>ixava, aos poucos, <strong>de</strong> ser limitado ao Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro e à Ipanema e passa a ser aceito em São Paulo, que era objeto <strong>de</strong> piada para<br />

os redatores cariocas. Em vários exemplares, e em vários textos, o jornal não cansava <strong>de</strong><br />

repetir, em vários tons, a sua máxima, “<strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> um ponto <strong>de</strong> vista carioca”.<br />

Os dois últimos meses do ano, porém, mudaram o rumo dos acontecimentos no<br />

semanário. No final <strong>de</strong> outubro, Jaguar publica uma fotomontagem do quadro <strong>de</strong> Pedro<br />

Américo, “O Grito do Ipiranga”, também conhecido como “In<strong>de</strong>pendência ou Morte”.<br />

O cartunista adicionou à imagem <strong>de</strong> Dom Pedro I um balãozinho com a frase extraída<br />

da música <strong>de</strong> Jorge Ben: “EU QUERO MOCOTÓ!”, como mostra a figura 6. (ver<br />

Análise da imagem no capitulo 5 em item especifico)<br />

Devido essa charge, os principais jornalistas do <strong>Pasquim</strong>, exceto Millôr<br />

Fernan<strong>de</strong>s e Henfil, foram presos no início <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1970, e foram liberados<br />

dois meses <strong>de</strong>pois. A <strong>de</strong>tenção dos redatores, apesar <strong>de</strong> não ser acompanhada <strong>de</strong><br />

nenhuma forma <strong>de</strong> tortura, foi uma maneira <strong>de</strong> silenciar o jornal, que continuou<br />

utilizando o riso para <strong>de</strong>monstrar a prisão dos redatores e as condições <strong>de</strong> produção nas<br />

quais o jornal estava inserido.<br />

Para justificar, <strong>de</strong> alguma maneira, o motivos dos jornalistas do <strong>Pasquim</strong> não<br />

estarem na redação, na edição <strong>de</strong> número 73 (ver imagem em capítulo 5.3.2), a capa<br />

anunciava um “surto <strong>de</strong> gripe na redação do <strong>Pasquim</strong>”, ou seja, o <strong>Pasquim</strong> sem os seus<br />

componentes, em evi<strong>de</strong>nte ironia à não-presença <strong>de</strong> Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel,<br />

Tarso <strong>de</strong> Castro, Paulo Francis, Sérgio Cabral e Fortuna. Mesmo assim, Paiva foi<br />

responsável por imitar o traço dos ilustradores presos. Além <strong>de</strong> Miguel Paiva, Millôr e<br />

Henfil, que não haviam sido presos, passaram à produzir material suficiente para<br />

conseguir publicar o jornal semanalmente.<br />

A prisão dos jornalistas foi publicada pelo jornal New York Times no dia 20 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 1970, pouco mais <strong>de</strong> duas semanas após o ocorrido. O jornal norte-<br />

68


americano publicou cinco A primeira matéria <strong>de</strong>fine o <strong>Pasquim</strong> como um jornal crítico<br />

em relação ao governo ditatorial e satírico em relação aos tabus da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

Também menciona o sucesso do semanário, que atingia, naquele momento, a venda <strong>de</strong><br />

200 mil exemplares.<br />

Neste momento, entra em cena uma manifestação <strong>de</strong> apoio ao semanário, que<br />

talvez só a imprensa alternativa tinha: a colaboração <strong>de</strong> outros intelectuais cariocas da<br />

mesma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. É possível dizer que a cultura e a própria censura<br />

pareciam ser pontos <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong>sta geração. A essa colaboração intensa para<br />

manter o jornal em produção, o próprio <strong>Pasquim</strong> <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> Rush da Solidarieda<strong>de</strong>.<br />

Por i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com os jornalistas do semanário, vários artistas e intelectuais <strong>de</strong><br />

outras áreas agregaram-se ao <strong>Pasquim</strong>. Martha Alencar, jornalista e companheira da<br />

turma do <strong>Pasquim</strong>, conta que, na manhã seguinte da prisão dos redatores, Chico<br />

Buarque foi até a redação do jornal. Deixou um bilhete na porta, mesmo correndo o<br />

risco <strong>de</strong> ser reprimido, avisando que soube da prisão e estaria disposto a colaborar com<br />

o jornal. A partir daí, outros compositores, <strong>de</strong>ste mesmo grupo social, começaram a se<br />

responsabilizar pelo fechamento <strong>de</strong> algumas páginas do <strong>Pasquim</strong>.<br />

Na área cinematográfica, uma das mais importantes participações foi <strong>de</strong> Glauber<br />

Rocha, porta-voz do conceitual e experimental cinema novo. Quando soube da prisão<br />

dos jornalistas, o cineasta foi à redação do <strong>Pasquim</strong> e, esbravejando, segundo conta<br />

Martha Alencar, mostrou sua repulsa em relação ao episódio e começou a colaborar<br />

com o jornal sistematicamente.<br />

A re<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboradores que se uniu para manter o <strong>Pasquim</strong> conseguiu imprimir<br />

várias edições do jornal apesar <strong>de</strong> outras limitações que a censura impôs ao semanário.<br />

A polícia fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro suspen<strong>de</strong>u algumas vezes, sem or<strong>de</strong>m judicial, a<br />

publicação do <strong>Pasquim</strong>, e grampearam o telefone da redação.<br />

Ao contrário da violência que predominou os diferentes períodos <strong>de</strong> censura no<br />

Brasil, os jornalistas do <strong>Pasquim</strong> acabaram tendo momentos <strong>de</strong> relacionamento próximo<br />

com os militares mesmo quando presos. Sérgio Cabral lembra, no documentário O<br />

<strong>Pasquim</strong> e a subversão do humor, <strong>de</strong> 1999, que um militar, em um sábado à noite, foi<br />

conversar com ele e com Ziraldo, abriu a cela, pediu para trazerem cerveja e um violão.<br />

O gran<strong>de</strong> questionamento dos oficiais, entretanto, era em relação aos vínculos<br />

dos redatores com a esquerda. Segundo Maciel conta, os interrogatórios vinham sempre<br />

acompanhados <strong>de</strong> uma lista dos envolvimentos <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les com a esquerda e com<br />

69


os grupos revolucionários, assinatura <strong>de</strong> listas e abaixo-assinados e participação em<br />

ativida<strong>de</strong>s culturais e estudantis.<br />

A censura não assustou o grupo <strong>de</strong> colaboradores do jornal, que po<strong>de</strong>ria ter<br />

optado por manter-se afastado para não ser associado aos subversivos jornalistas presos.<br />

Pelo contrário, aproximou e fortaleceu as interações entre os membros da geração do<br />

<strong>Pasquim</strong>, que, neste momento, sentem-se parte do jornal. O termo patota, por mais<br />

generalista que seja, é harmônico com esse sentimento e foi impresso diversas vezes nas<br />

edições do tabloi<strong>de</strong>. Também fica claro que o momento que dividiu o <strong>Pasquim</strong> e as<br />

circunstâncias da publicação do jornal durante a prisão dos jornalistas consolidou a<br />

linguagem e o estilo do jornal.<br />

A mudança da censura do <strong>Pasquim</strong> para Brasília, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1973, esvazia<br />

o espaço <strong>de</strong> relações e possibilida<strong>de</strong>s que foi criado quando os redatores entregavam e<br />

buscavam pessoalmente o material vetado. Ali, em alguns momentos, como vimos,<br />

existiu uma interação que, mesmo quando não limitava a ação do censor, possibilitava<br />

um entendimento maior <strong>de</strong> como a censura interpretava os textos e ilustrações<br />

produzidas.<br />

Com vários intelectuais no exterior, exilados ou auto-exilados, a redação do<br />

jornal toma um novo ritmo <strong>de</strong> produção. O <strong>Pasquim</strong> passa por modificações que,<br />

ampliadas, revelam momentos <strong>de</strong> silêncio, como edições sem frases-editoriais, na<br />

tentativa <strong>de</strong> manter o jornal sob o mesmo ritmo.<br />

Quando os jornalistas foram soltos, a censura prévia voltou, mas continuava<br />

sendo executada no Rio <strong>de</strong> Janeiro. O censor mencionado pelos jornalistas do <strong>Pasquim</strong>,<br />

em suas memórias, era o General Juarez Paz Pinto, pai da Garota <strong>de</strong> Ipanema, Helô<br />

Pinheiro, que também teve um relacionamento interessante com os jornalistas. Não que<br />

ele fosse companheiro <strong>de</strong> uísque, mas existia uma situação que se afasta, e muito, do<br />

que se imagina como um ambiente <strong>de</strong> censura. A relação com o general, como recorda o<br />

jornalista Sérgio Augusto em um documentário sobre o <strong>Pasquim</strong> mostra as<br />

particularida<strong>de</strong>s e condições do cotidiano do jornal e dos censores cariocas:<br />

70<br />

Um dia da semana, o Ivan Lessa ia com o Jaguar lá, para ver os cortes e fazer<br />

uma troca <strong>de</strong> favores. Ai o general dizia: Tem certeza <strong>de</strong> que não tem<br />

nenhuma sacanagem aí, não? (...). Os textos do Francis que chegavam por<br />

último, que vinham <strong>de</strong> avião pela Varig, ele lia na praia. Ele ficava ali no<br />

Posto 6, jogando biriba com os amigos <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>pois ele ia à redação do<br />

<strong>Pasquim</strong> <strong>de</strong> calção, toalhinha, pé sujo <strong>de</strong> areia, entregar. (Documentário O<br />

<strong>Pasquim</strong>, a subversão do humor. TV Câmara, 1999).


A partir do episódio marcante da prisão, a censura tentou corroer, e <strong>de</strong> fato<br />

restringiu, não apenas as mensagens e a criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus jornalistas, mas,<br />

principalmente, o jornal em si, através <strong>de</strong> repressões diretas e indiretas a quem se<br />

envolvia com o jornal (principalmente as bancas <strong>de</strong> jornal e os anunciantes) e da crise<br />

financeira que, naturalmente, foi vivenciada pelo <strong>Pasquim</strong> e por gran<strong>de</strong> parte da<br />

imprensa, na medida em que havia atraso na produção e distribuição do jornal.<br />

O artigo <strong>de</strong> Millôr Fernan<strong>de</strong>s, Réquiem para um Jornal Humorístico, abaixo<br />

<strong>de</strong>scrito, na edição <strong>de</strong> número 200, veiculada em junho <strong>de</strong> 1973, aponta a gravida<strong>de</strong> do<br />

confronto com os censores e a ameaça constante <strong>de</strong> fechamento do <strong>de</strong>bochado jornal<br />

carioca:<br />

71<br />

Sob as mais variadas pressões, realmente violentas e sempre parecendo<br />

invencíveis, escrevi alguns artigos sobre a vida do <strong>Pasquim</strong>. Este, dramático,<br />

tinha sua razão <strong>de</strong> ser; o jornal estava, mais uma vez, pra ser fechado. Assim,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quatro a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> muitas e gargalhantes pelejas, algumas das quais<br />

foram acompanhadas alegremente pelo leitor, e outras das quais o leitor nem<br />

po<strong>de</strong> tomar conhecimento, O <strong>Pasquim</strong> chega ao número 200. Chega, não<br />

passa. Este é o último número do <strong>nos</strong>so jocoso semanário. (...) Como todo o<br />

mundo viu, cresceu, diminuiu e cresceu <strong>de</strong> novo, sempre castigando os<br />

mores, e hoje morre, rindo às ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>spregadas. Pois morre ven<strong>de</strong>ndo<br />

saú<strong>de</strong> (100.000 exemplares). Morre atropelado. Uma força <strong>de</strong> alguns milhões<br />

<strong>de</strong> toneladas, uma teia <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> restrições e impedimentos, uma<br />

incalculável massa <strong>de</strong> obrigações e imposições, tornaram irrespirável a <strong>nos</strong>sa<br />

já mo<strong>de</strong>sta ração <strong>de</strong> ar.<br />

Dos seus quatro a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> hilariante vida, este zombeteiro hebdomadário po<strong>de</strong><br />

contabilizar a glória <strong>de</strong> ter modificado fundamentalmente a linguagem dos<br />

outros jornais e ter influído muito na expressão falada da juventu<strong>de</strong> e no<br />

estilo da comunicação publicitária. Durante quatro a<strong>nos</strong>, este risonho jornal<br />

cuja maioria <strong>de</strong> sorri<strong>de</strong>ntes redatores não é ligada a nenhum grupo político,<br />

econômico, religioso, nacional ou estrangeiro, que tem como único objetivo o<br />

exercício <strong>de</strong> uma crítica geral e <strong>de</strong>mocrática a tudo e a todos (os po<strong>de</strong>rosos e<br />

estabelecidos sendo, naturalmente, os mais criticados, pois, não há graça<br />

nenhuma em criticar os caídos), foi combatido pela maioria dos gran<strong>de</strong>s<br />

órgãos <strong>de</strong> imprensa brasileira e por todos os <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> algum po<strong>de</strong>r,<br />

inconformados com um veículo que não tinha preço <strong>de</strong> venda a não ser o da<br />

banca e era dirigido por intelectuais inatacáveis porque sem fichas pregressas<br />

que os situassem em qualquer esquema <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> ou qualquer espécie <strong>de</strong><br />

criminalida<strong>de</strong>, mesmo fiscal.<br />

Chegando a circular com um máximo <strong>de</strong> 64 e um mínimo <strong>de</strong> 16 páginas, o<br />

risonho <strong>Pasquim</strong> conseguiu sobreviver a tudo, até mesmo à prisão <strong>de</strong> todos<br />

seus redatores, provada inútil pelas próprias autorida<strong>de</strong>s num processo que<br />

foi a consagração <strong>de</strong>ste grupo <strong>de</strong> profissionais, pois <strong>de</strong>monstrou que eles<br />

tinham como único e total objetivo <strong>de</strong> vida o exercício <strong>de</strong> sua apaixonante<br />

profissão.<br />

A coação física não impossibilitou a saída do jornal. Durante dois meses, ele<br />

circulou sem a colaboração <strong>de</strong> qualquer dos seus redatores habituais.<br />

Sobreviveu graças à solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inúmeros colegas. Saiu fraco e<br />

sobreviveu mal. Mas sobreviveu com a barriga doendo <strong>de</strong> tanto rir.<br />

Agora, porém, temos que <strong>nos</strong> ren<strong>de</strong>r e afirmamos, humil<strong>de</strong>mente, a <strong>nos</strong>sa<br />

<strong>de</strong>rrota, diante da única coação irresistível, a coação intelectual, hoje<br />

absoluta. Uma censura inconstitucional - a Constituição vigente é explícita<br />

quanto à liberda<strong>de</strong> plena <strong>de</strong> jornais e revistas circularem sem qualquer


72<br />

censura, os responsáveis respon<strong>de</strong>ndo, naturalmente, diante da lei, pelos<br />

<strong>de</strong>smandos que cometerem - já vinha sendo exercida <strong>de</strong> maneira sufocante.<br />

Jornais pobres, como este, resistiam <strong>de</strong>bilmente, gastando 20 horas para<br />

refazer um trabalho anteriormente feito em 10 e tendo o dobro e, às vezes, o<br />

triplo <strong>de</strong> gastos para a confecção do material <strong>de</strong> suas folhas. Coincidindo com<br />

o número 200, atingimos o limite das <strong>nos</strong>sas possibilida<strong>de</strong>s, fronteira natural<br />

<strong>de</strong> <strong>nos</strong>sas ilimitadas impossibilida<strong>de</strong>s. As poucas normas que ainda havia<br />

foram substituídas por um <strong>de</strong>svairo total das canetas pilotis, em que não há<br />

nem mesmo aquilo que se po<strong>de</strong>ria exigir como último direito do cidadão <strong>–</strong> o<br />

respeito ao seu trabalho. Nosso trabalho, mesmo os <strong>nos</strong>sos piores adversários<br />

reconhecem que o fazemos com conhecimento e serieda<strong>de</strong>. Trabalho <strong>de</strong><br />

criação, único, pois artigos e <strong>de</strong>senhos humorísticos não po<strong>de</strong>m ser<br />

substituídos <strong>de</strong> um momento para o outro como se fossem simples<br />

reproduções <strong>de</strong> discursos ou resenhas <strong>de</strong> acontecimentos sociais. (MILLÔR<br />

FERNANDES, Réquiem para um Jornal Humorístico, 1973).<br />

Millôr havia assumido a diretoria do jornal em outubro <strong>de</strong> 1972. Apesar do<br />

episódio, o jornal continua a circular mantendo a mesma linha editorial baseada no<br />

humor e no <strong>de</strong>boche, o que fica claro nas capas publicadas nesse período. Millôr (1999)<br />

conta que a equipe do jornal foi sempre muito unida. “Todos <strong>nos</strong> éramos bons<br />

companheiros <strong>de</strong> certa maneira, apesar <strong>de</strong> todas as divergências que pu<strong>de</strong>sse haver,<br />

todos os humoristas sempre se <strong>de</strong>ram bem”. (Documentário Humor com gosto <strong>de</strong><br />

<strong>Pasquim</strong>, SESC TV, 1999).<br />

A importância do <strong>Pasquim</strong> na história da imprensa brasileira está registrada em<br />

suas imagens. Até seus textos eram imagéticos, na medida em que eram repletos <strong>de</strong><br />

símbolos gráficos e compunham as páginas como um quadro, sem muita concordância<br />

ou sentido. O jornal foi publicado durante mais <strong>de</strong> 20 a<strong>nos</strong>, em diferentes condições <strong>de</strong><br />

produção e suas capas se tornaram históricas, polêmicas e até enigmáticas, no qual<br />

mostraram a participação <strong>de</strong> uma geração que ajudou a fazer o semanário <strong>–</strong> seja como<br />

personagens ou colaboração direta nas edições. São imagens que, ainda hoje,<br />

surpreen<strong>de</strong>m os olhos acostumados com o jornalismo politicamente e graficamente<br />

correto. Com improviso e falta <strong>de</strong> padronização, o jornal ajudou a posicionar a<br />

naturalida<strong>de</strong> da oralida<strong>de</strong> e das gírias no papel impresso pela primeira vez no<br />

jornalismo.


5.1 O HUMOR <strong>COMO</strong> LINGUAGEM DE COMUNICAÇÃO<br />

“O tirano po<strong>de</strong> evitar uma fotografia. jamais po<strong>de</strong>rá impedir uma<br />

caricatura” Millôr Fernan<strong>de</strong>s.<br />

Neste capítulo, antes <strong>de</strong> fazer a análise das estratégias do <strong>Pasquim</strong>, via humor,<br />

estudamos o humor como forma <strong>de</strong> comunicação. vale lembrar que, <strong>de</strong>ntro da formação<br />

<strong>de</strong> estilos <strong>de</strong> oposição durante a Ditadura Militar no Brasil, é notável o uso do elemento<br />

humorístico como instrumento <strong>de</strong> manifestações contra o Regime, e em alguns casos,<br />

como o do jornal O <strong>Pasquim</strong>, no qual a linguagem do humor tornou-se o veículo <strong>de</strong><br />

comunicação entre as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> oposição <strong>de</strong> um pequeno grupo, os humoristas do jornal,<br />

e o público leitor.<br />

A palavra humor <strong>de</strong>riva do latim, e significa liquido, fluido (ZILLES, 2003, p.<br />

1). Para falarmos sobre os recursos <strong>de</strong> linguagem do humor gráfico, a melhor maneira<br />

<strong>de</strong> iniciar essa discussão é justamente sobre esse aspecto fluído que o humor apresenta.<br />

Ao afirmar essa característica, procuramos na verda<strong>de</strong> ressaltar os atributos que fazem<br />

da comicida<strong>de</strong> um meio <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s flexíveis.<br />

Em uma mesma obra que apresente o humor como característica principal, po<strong>de</strong><br />

apresentar uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fins através do uso <strong>de</strong> recursos que se limitam pelo<br />

imaginário, conhecimento prévio e criativida<strong>de</strong> do autor. Apesar <strong>de</strong> tais características<br />

não serem uma exclusivida<strong>de</strong> do humor, estudos como os <strong>de</strong> Freud sobre a natureza do<br />

humor <strong>nos</strong> apontam que o <strong>de</strong>senvolvimento da flui<strong>de</strong>z do efeito cômico, principal<br />

veículo do humor, se dá por meio <strong>de</strong> recursos necessários a esta forma <strong>de</strong> comunicação,<br />

principalmente o humor gráfico.<br />

Partindo do pressuposto que a charge é uma crítica a <strong>de</strong>terminada situação ou<br />

pessoa através do humor, <strong>nos</strong> apoiamos em uma das teorias do jornalismo, a<br />

newsmaking, i<strong>de</strong>ntificando os valores noticia, ou seja, os critérios <strong>de</strong> seleção das<br />

charges, visamos com isso situar o humor <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto jornalístico. Segundo<br />

Wolf (2005, p. 202), esses valores “[...] representam a resposta à seguinte pergunta:<br />

quais acontecimentos são consi<strong>de</strong>rados suficientemente interessantes, significativos,<br />

relevantes para serem transformados em noticia?” Desse modo, é um critério <strong>de</strong><br />

relevância discutido entre os jornalistas ao longo do processo <strong>de</strong> produção. O valor-<br />

notícia ajuda os profissionais <strong>de</strong> imprensa <strong>de</strong>cidir quais notícias serão publicadas.<br />

73


Para Sírio Possenti (2010), no livro Humor, Língua e Discurso, os textos<br />

humorísticos têm cada vez mais surgido no meio jornalístico e também em diversos<br />

campos <strong>de</strong> pesquisa (estudos “culturais”, História, Sociologia, Psicanálise, Psicologia) e<br />

estudos <strong>de</strong> linguagem, classifica a charge como textos humorísticos:<br />

Ele diz que:<br />

Os “textos” humorísticos, embora, evi<strong>de</strong>ntemente, não sejam sempre<br />

“referenciais”, guardam algum tipo <strong>de</strong> relação (a ser explicitada, já que<br />

humor não é Sociologia nem História) com os diversos tipos <strong>de</strong><br />

acontecimento. As charges, por exemplo, são tipicamente relativas a fatos<br />

“do dia”. (POSSENTI, 2010, p. 27).<br />

O autor contempla em seu livro, os sentidos que um texto ou imagem po<strong>de</strong> ter.<br />

74<br />

as técnicas humorísticas fundamentais consistem em permitir a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

outro sentido, <strong>de</strong> preferência inesperado, frequentemente distante daquele que<br />

é o expresso em primeiro plano, e que, até o <strong>de</strong>sfecho da piada, parecia ser o<br />

único possível. (POSSENTI, 2010, p. 61)<br />

É através <strong>de</strong>ssas construções que o humor se remete à raiz <strong>de</strong> seu significado<br />

original, a liqui<strong>de</strong>z, capaz <strong>de</strong> se adaptar a forma do espaço que o contêm, e on<strong>de</strong> coisas<br />

tão distintas quanto uma ofensa e um alento po<strong>de</strong>m misturar-se e provocar risos, e numa<br />

gama <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> expressão tão variadas quanto uma música, um texto ou uma charge.<br />

Possenti analisa o humor como uma esfera, dividida em gêneros, <strong>de</strong>ntre quais as<br />

piadas. Ele explica.<br />

Para caracterizar o humor como uma esfera, creio que o exemplo mais típico<br />

para construir uma analogia é a literatura. Também nessa esfera se trata <strong>de</strong><br />

muitos temas <strong>–</strong> <strong>de</strong> quase tudo <strong>–</strong> e isso se faz por meio <strong>de</strong> muitos gêneros.<br />

Correlativamente, o humor trata <strong>de</strong> quase tudo e também o faz por meio <strong>de</strong><br />

muitos gêneros, da comédia à charge. (POSSENTI, 2010, p. 104).<br />

Englobada no conceito <strong>de</strong> humor, objeto da <strong>nos</strong>sa análise, a charge é uma das<br />

técnicas mais usadas como humor, no qual o <strong>de</strong>senho se torna o gran<strong>de</strong> meio <strong>de</strong><br />

comunicação e informa tanto quanto um texto. Sanchotene apresenta o humor e suas<br />

vias, na monografia Humor e Política: a charge como estratégia <strong>de</strong> editorialização do<br />

telejornal, da seguinte forma. “O primeiro aspecto a abordar quando se fala <strong>de</strong> charge é<br />

procurar <strong>de</strong>fini-la. Isso porque a categoria que engloba o humor gráfico po<strong>de</strong> ser<br />

representada <strong>de</strong> diversas formas”. Desse modo, o autor contempla que “essas <strong>de</strong>finições<br />

são, antes <strong>de</strong> tudo, uma questão <strong>de</strong> categorias distintas do <strong>de</strong>senho gráfico que<br />

compreen<strong>de</strong> o cartum, a história em quadrinhos, a caricatura e a charge”.<br />

(SANCHOTENE, 2008, p. 76).


O autor se refere à charge então, como a técnica que mais ilustra o papel do<br />

humor como linguagem, porém, o autor aborda as <strong>de</strong>mais categorias e seus papéis no<br />

humor gráfico e no jornalismo.<br />

Já Marques <strong>de</strong> Melo afirma que:<br />

As charges, caricaturas e ilustrações editoriais são um meio visual e muito<br />

eloquente <strong>de</strong> expressar opiniões, geralmente pela forma <strong>de</strong> humor. O uso da<br />

imagem como instrumento <strong>de</strong> opinião aten<strong>de</strong>, muitas vezes ao imperativo <strong>de</strong><br />

influenciar um público maior que aquele <strong>de</strong>dicado à leitura atenta dos<br />

gêneros opinativos convencionais: editorial, artigo, crônica etc. (MARQUES<br />

DE MELO, 1985, p. 120).<br />

O mesmo autor <strong>de</strong>fine a caricatura como a “forma <strong>de</strong> expressão artística através<br />

do <strong>de</strong>senho que tem por fim o humor”. (1985, p. 123). Grudzinski, trata a charge<br />

enquanto gênero jornalístico, tão importante quanto os outros gêneros opinativos. Isso<br />

tudo porque a “imagem é um instrumento ainda mais eficaz <strong>de</strong> convencimento, <strong>de</strong>vido à<br />

assimilação que a charge dá ao leitor <strong>de</strong> perceber a opinião expressa” (2009: 3-4).<br />

Desse modo, a linguagem das charges e caricaturas po<strong>de</strong> ser entendida como um<br />

gênero opinativo no jornalismo, <strong>de</strong>vido ao seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> informar tanto quanto um texto.<br />

Elas ocupam um lugar significante <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um jornal, sendo o mesmo espaço do<br />

editorial, comentários e artigos. A riqueza existente em uma charge é tão valiosa quanto<br />

a riqueza <strong>de</strong> um texto, porém é preciso saber interpretá-la. A mensagem crítica que uma<br />

charge po<strong>de</strong> exercer é bastante gran<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> valer por mil palavras. Oliveira e<br />

Almeida (2006), no artigo Gêneros Jornalísticos opinativos do humor: caricaturas e<br />

charges, tratam o humor como uma linguagem <strong>de</strong> comunicação muito po<strong>de</strong>rosa e na<br />

forma <strong>de</strong> charge, consegue transpor mais ainda a sua real intenção.<br />

A charge sentencia e mostra os fatos pelo ângulo da indignação e da ironia.<br />

No <strong>de</strong>senho, as atitu<strong>de</strong>s duvidosas dos do<strong>nos</strong> do po<strong>de</strong>r são divulgadas sem<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> suavização ou <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong>. Esse é o espaço para a<br />

crítica e para os juízos <strong>de</strong> valor. (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2006, p. 78).<br />

Segundo esta perspectiva, observa-se a articulação existente entre texto e humor<br />

para a captação <strong>de</strong> um entendimento ou <strong>de</strong> efeito <strong>de</strong> uma mensagem. Articulação esta,<br />

que reúne comicida<strong>de</strong> e analogia, características da charge, baseados em atos,<br />

acontecimentos e fatos. O sentido a que envolve a charge é aquele que propõe uma<br />

produção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> única através da sua penetração na realida<strong>de</strong> política e social. Na<br />

maior parte <strong>de</strong> seu caminho, a charge interpreta o real <strong>de</strong> maneira combativa, crítica e<br />

atrativa. Combativa por subverter a realida<strong>de</strong> e tomar isso como uma <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong><br />

75


verda<strong>de</strong>; crítica por confrontar o bom-senso e senso comum; e atrativa por se <strong>de</strong>bruçar<br />

sobre a realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>la suscitar novos olhares sobre os acontecimentos.<br />

Através das charges, que <strong>de</strong>sempenharam um papel muito importante na<br />

estratégia do jornal O <strong>Pasquim</strong> (apesar da censura prévia imposta pelo governo Médici),<br />

os humoristas do jornal optaram pela tentativa <strong>de</strong> driblar os censores com seus<br />

instrumentos <strong>de</strong> crítica:o humor e a sátira. Para Bakhtin (1999), o riso popular, por ser<br />

ambivalente expressaria uma opinião sobre o mundo, no qual os que riem estariam<br />

incluídos. O riso popular seria a imagem do “riso carnavalesco, visto que ele é<br />

universal, festivo, e ao mesmo tempo sarcástico e burlador”. (BAKHTIN, 1999: 8-11).<br />

Porém este não seria o caso do humor pasquiniano. Seria mais pru<strong>de</strong>nte creditar aos<br />

cronistas e caricaturistas, que se resistiriam ao moralismo da Ditadura e aos censores<br />

formais e informais, a condição <strong>de</strong> intelectuais que <strong>de</strong>screviam o comportamento das<br />

pessoas reais ou imaginárias <strong>de</strong> modo humorístico. Assim, estas próprias pessoas<br />

representadas não precisariam <strong>de</strong>monstrar humor algum, seriam elas, censores e<br />

representantes do Regime.<br />

Para Nery (1998, p. 39), a charge é uma “interpretação crítica, inteligente e<br />

irônica”. Interpretando a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Nery em seu livro Charge e caricatura na<br />

construção <strong>de</strong> imagens públicas, acrescentamos que a charge é crítica, pois discute e<br />

opina sobre acontecimentos noticiosos, usando a linguagem do <strong>de</strong>senho. É inteligente<br />

porque consegue resumir e criticar no pequeno espaço do <strong>de</strong>senho o que há <strong>de</strong> teor<br />

relevante em um fato, <strong>de</strong> forma que o leitor compreenda do que se trata, e fique<br />

informado sobre algo importante que se passa no seu país ou no mundo naquele dia.<br />

De acordo com Nery (1998, p. 41), “[...] a charge insere-se então a favor dos<br />

grupos ou partidos que editam o jornal e contra seus adversários”. Todavia, o autor<br />

aborda a charge como uma linguagem <strong>de</strong> comunicação que não sobrevive em meio às<br />

ditaduras. Ele acredita que as charges não conseguem exercer seu papel diante <strong>de</strong> um<br />

governo ditatorial baseado em censura. O mesmo autor explica <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>talhada<br />

o assunto:<br />

76<br />

A exarcebação no traço e nas ações que compõem perfil político e<br />

psicológico <strong>de</strong> suas ‘vitimas’, permite a charge expor as peças da<br />

personalida<strong>de</strong>, objetivos, <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> informação que o enfocado queira<br />

manter em segredo. Nas ditaduras, comumente elimina-se a charge e o<br />

incômodo que ela po<strong>de</strong> causar aos ditadores [...] Em socieda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticas, a charge é um importante instrumento <strong>de</strong> expressão da<br />

heterogeneida<strong>de</strong> cultural e <strong>de</strong> pensamentos, pois ridiculariza o<br />

comportamento político dos ‘do<strong>nos</strong> do po<strong>de</strong>r’ e compõe novas cenas no<br />

espetáculo político. (Nery, 1998, p. 187).


Enten<strong>de</strong>-se por exacerbação, um recurso utilizado em caricaturas e charges, no<br />

qual os traços físicos ou i<strong>de</strong>ológicos dos personagens reais apresentados são<br />

propositalmente exagerados e/ou agravados.<br />

Já Bakhtin (1997:31-36 apud MIANI, 2001, p. 6) visualiza um outro ponto <strong>de</strong><br />

discussão e <strong>de</strong> compreensão da imagem. Ele procura enten<strong>de</strong>r a relação entre o traço e o<br />

armamento i<strong>de</strong>ológico que este carrega.<br />

Como vimos, qualquer imagem po<strong>de</strong> comunicar algo tanto quanto um texto<br />

escrito e, portanto po<strong>de</strong> ser classificada como uma forma <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> mensagens.<br />

Não muito diferente é o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> charge, pois comunica, especialmente, um discurso<br />

i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado chargista, que pertence a um veículo <strong>de</strong> comunicação, logo,<br />

aceita e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a linha editorial que pertence.<br />

Basicamente, o chargista encontra no cotidiano os elementos para a construção<br />

do seu discurso, com olhar atento aos problemas sociais, realizando assim, quase um<br />

trabalho artesanal, misturando traços e cores, fazendo com que a crítica, disfarçada no<br />

riso, se torne eficaz.<br />

Nery (1998) ainda explica sobre o grau <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> existente para<br />

compreen<strong>de</strong>r uma charge (1998, p. 71-72), “Para ser <strong>de</strong>codificada, a charge necessita<br />

manter uma relação estreita com o cotidiano e o universo cultural do leitor”. Afirmam<br />

os teóricos que para a compreensão da charge há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o seu contexto<br />

histórico/temporal.<br />

Com o tempo, a charge foi ganhando mais importância, que um estudo realizado<br />

por Agostinho (1993, p. 314) constatou que o público, em reconhecimento, “a vê como<br />

matéria jornalística inserida nas páginas <strong>de</strong> jornais e revistas”. O autor ainda explica que<br />

“a charge se constitui <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> inquestionável no universo da comunicação”, e<br />

um dos seus principais objetivos é “não apenas distrair, mas, ao contrário, alertar,<br />

<strong>de</strong>nunciar, coibir e levar à reflexão” (AGOSTINHO, 1993, p. 229).<br />

Quanto aos elementos estéticos da charge como linguagem, o mesmo autor<br />

analisa que ela é geralmente apresentada em <strong>de</strong>senho, através <strong>de</strong> linhas, o espaços, o<br />

pla<strong>nos</strong>, ponto <strong>de</strong> enfoque, volume, luz, sombra, movimento, narrativa, balões,<br />

onomatopéia e o texto verbal, não aparecendo, necessariamente, todos estes elementos<br />

em todas as charges.<br />

77


78<br />

Enfim, segundo Agostinho, [...] os elementos que estruturam a charge po<strong>de</strong>m<br />

ser materiais - que constituem a estrutura - objeto - ou pertencentes a outros<br />

níveis <strong>de</strong> elementos, tais como: sistema <strong>de</strong> referência ao qual a charg recorre,<br />

ou ainda, aos sistemas <strong>de</strong> reações psicológicas contidas no <strong>de</strong>senho. Estes<br />

níveis po<strong>de</strong>m também se subdividir em tantos outros, como os níveis <strong>de</strong><br />

ritmo, <strong>de</strong> sons, <strong>de</strong> enredo, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia etc (AGOSTINHO, 1993, p. 227).<br />

No ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Nery (1998, p. 189), que discute a charge inserida no<br />

jornalismo, “a imprensa brasileira assimilou a charge como gênero opinativo e inseriu-a<br />

em suas páginas, criando condições para que se estabelecesse o hábito <strong>de</strong> sua leitura<br />

como parte do hábito <strong>de</strong> ler jornal ou revista”.<br />

Desse modo, é importante observarmos a construção <strong>de</strong> uma linguagem do<br />

humor e a presença do ridículo no discurso das obras cômicas. A apropriação do humor<br />

na divulgação ou contestação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, no ataque contra inimigos políticos, por<br />

exemplo, como no caso das charges no período do Regime Militar, tem o ato <strong>de</strong><br />

ridicularizar como um caminho seguro para a produção <strong>de</strong>ssas obras cômicas. Porém, é<br />

necessário enten<strong>de</strong>r que a utilização do humor como instrumento social não implica, é<br />

claro, numa liberda<strong>de</strong> total <strong>de</strong> ação, ou seja, aquilo que produz um efeito cômico para<br />

<strong>de</strong>terminado grupo, po<strong>de</strong> gerar revolta em outros, como aconteceu nesse período do<br />

Regime.<br />

A censura instituída durante a Ditadura Militar tinha, <strong>de</strong>ntre outras obrigações, o<br />

controle dos possíveis excessos que po<strong>de</strong>riam ser cometidos pelo uso do Estado como<br />

alvo <strong>de</strong> produções <strong>de</strong> cunho humorístico. O senso <strong>de</strong> humor do cartunista atribui a sua<br />

obra uma ação capaz <strong>de</strong> gerar uma interpretação diferente da i<strong>de</strong>ia inserida nessa mesma<br />

obra, multiplicando os seus sentidos.<br />

Chartier (1990, p. 19), em A História Cultural <strong>–</strong> Entre Práticas e<br />

Representações, discute a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação dos códigos criados entre<br />

cartunistas e leitores, quando afirma que é vital “consi<strong>de</strong>rar como ‘simbólicos’ todos os<br />

sig<strong>nos</strong>, atos ou objetos, todas as figuras intelectuais ou representações coletivas, graças<br />

aos quais os grupos fornecem uma organização conceptual ao mundo social ou natural”.<br />

Freud mostra, em sua obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”<br />

(1927), os domínios do risível. Para ele, são três as formas <strong>de</strong> manifestação cômica do<br />

inconsciente: o chiste, consi<strong>de</strong>rado piada ou anedota; o cômico, que é a manifestação -<br />

com contrastes - <strong>de</strong> caráter alegre; e, por fim, o humor, que existe quando há<br />

intencionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma leitura sátira <strong>de</strong> fatos negativos. “O humor goza das <strong>nos</strong>sas<br />

dificulda<strong>de</strong>s e ao fazer isso diminui os <strong>nos</strong>sos problemas, e mesmo que sejam alívios<br />

temporários, fazem muito bem para a vida. Porque viver os problemas com bom humor


é sempre viver melhor” (FREUD, 1927, p. 192). O autor ainda distingue o humor tanto<br />

do efeito dos chistes quanto do cômico. O que caracteriza os chistes é serem<br />

manifestações do inconsciente, formas <strong>de</strong> escapar da repressão e do controle. O humor,<br />

ao contrário, embora tenha como os chistes e o cômico algo <strong>de</strong> libertador.<br />

Possui também qualquer coisa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za e elevação, que faltam às outras<br />

duas maneiras <strong>de</strong> obter prazer na ativida<strong>de</strong> intelectual. Essa gran<strong>de</strong>za resi<strong>de</strong><br />

claramente no triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da<br />

invulnerabilida<strong>de</strong> do ego. O ego se recusa a ser afligido pelas provocações da<br />

realida<strong>de</strong>, a permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em que não po<strong>de</strong> ser<br />

afetado pelos traumas do mundo extremo; <strong>de</strong>monstra, na verda<strong>de</strong>, que esses<br />

traumas para ele não passam <strong>de</strong> ocasiões para obter prazer. (Freud,<br />

1974[1927]:190).<br />

A charge, por ter um catater imediatista, expressa a situação do país e do mundo<br />

com os mesmos critérios <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um texto, ou seja, (proximida<strong>de</strong>,<br />

atualida<strong>de</strong>, impacto, conflito, interesse pessoal, entre outros), assim, representa com<br />

humor uma situação, um contexto social ou político. Por ser imediatista, é apresentada<br />

no jornal do dia, e dias <strong>de</strong>pois per<strong>de</strong> seu valor e se torna uma fonte histórica.<br />

Como artista do riso e sujeito politicamente ativo, Henfil assinalou<br />

repetidamente o seu entendimento <strong>de</strong> que todo humor é político. Não como <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas plataformas partidárias, mas como a afirmação <strong>de</strong> uma postura perante os<br />

acontecimentos imediatos. Em suas palavras,<br />

79<br />

É óbvio que a chave para se fazer humor engajado é você estar engajado. Não<br />

há chance <strong>de</strong> você ficar na sua casa vendo os engajamentos lá fora, e<br />

conseguir fazer algo. Esse talvez seja o humor panfletário. É o humor que<br />

você faz <strong>de</strong> fora (...) Você não participa, você não age. Você <strong>de</strong>senha a ação.<br />

(Como se faz humor político. Henfil em <strong>de</strong>poimento a Tarik <strong>de</strong> Souza.<br />

Petrópolis: Vozes, 1984, p. 40).<br />

No <strong>Pasquim</strong>, Henfil encontrou espaço para apresentar <strong>de</strong> forma mais aberta sua<br />

“armadura” tanto contra as práticas políticas e econômicas do Regime, como<br />

jornalísticas e comportamentais. Ao convite <strong>de</strong> Sérgio Cabral que, como Jaguar,<br />

acreditava que o tipo <strong>de</strong> humor produzido por Henfil, humor porrada, se ajustava como<br />

uma luva ao perfil do <strong>Pasquim</strong>.<br />

A manifestação do humor como uma forma <strong>de</strong> oposição <strong>de</strong>ntro do período<br />

ditatorial brasileiro não se estabelece num caráter revolucionário, nem se apresenta<br />

como uma voz universal dos que não apoiavam o Regime. O jornal O <strong>Pasquim</strong>,<br />

principal referência do humor oposicionista, direcionava a sua produção a uma<br />

população boêmia, intelectualizada e <strong>de</strong> classe média do Rio <strong>de</strong> Janeiro, não<br />

representando uma força or<strong>de</strong>nada para a construção <strong>de</strong> uma nova hegemonia.


Essa é uma característica que se apresenta com gran<strong>de</strong> força no humor <strong>de</strong><br />

oposição utilizado no período <strong>de</strong> <strong>1969</strong> até 1974 pelo jornal O <strong>Pasquim</strong>. Além das<br />

críticas através da ridicularização, o riso provocado pelos trabalhos humorísticos<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ava um efeito <strong>de</strong> catarse sobre as pressões e medos <strong>de</strong>senvolvidos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um Regime que passa a utilizar o terror como forma <strong>de</strong> controle.<br />

A utilização do humor na expressão textual, visual e social é bastante explorada<br />

por Bergson (2004) em O Riso, ensaio sobre o significado do cômico. Nesta obra, o<br />

autor busca <strong>de</strong>finir os efeitos do cômico, ou seja, analisa as estratégias através das quais<br />

o cômico é obtido.<br />

O riso, portanto, é formado não apenas como a linha editorial escolhida pelo<br />

<strong>Pasquim</strong>, mas, principalmente, como meio <strong>de</strong> sobrevivência e <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> um<br />

público, além <strong>de</strong> estabelecer uma relação <strong>de</strong> diálogo e não diálogo com a censura<br />

carioca.<br />

Neste capítulo <strong>nos</strong> baseamos em conceitos sobre humor e riso face a censura e o<br />

que realmente esses dois conceitos fazem para <strong>de</strong>ixar nas entrelinhas uma informação<br />

que não po<strong>de</strong> ser percebida. Para isso, procuramos como suporte, conceitos <strong>de</strong> autores<br />

estudiosos do assunto como Sigmund Freud, Henri Bergson, Roger Chartier, Aucione<br />

Agostinho, entre outros.<br />

No capítulo que segue, vamos aprofundar os conceitos <strong>de</strong> censura e humor como<br />

linguagem. Demonstrar como o humor conseguiu estar a serviço <strong>de</strong> práticas<br />

jornalísticas, agindo como uma linguagem militante durante o período militar. Para isso,<br />

<strong>nos</strong> basearemos em autores como Rozinaldo Miani, Luiz Guilherme Teixeira, Gilberto<br />

Maringoni, Marcos Silva, Eloisa Klein, Maria Conceição Pires, Bernardo Kucinski,<br />

entre outros, que <strong>nos</strong> trazem alguns aportes empíricos para a análise que segue no<br />

capítulos abaixo.<br />

80


5.2 A RESISTÊNCIA ATRAVÉS DO HUMOR<br />

Partimos do pressuposto que o humor tratado nessa pesquisa é humor como<br />

forma <strong>de</strong> protesto, como elemento <strong>de</strong> comunicação fundamental no período <strong>de</strong> censura<br />

no país. Esse conceito vem sendo tratado no <strong>de</strong>correr da pesquisa e neste capítulo<br />

damos ao mesmo um enfoque mais específico, <strong>de</strong>stacando o seu modo <strong>de</strong> fazer, ou seja,<br />

como esteve presente na prática do <strong>Pasquim</strong>, enfrentando ou <strong>de</strong>svencilhando-se da<br />

censura que se instaurou no país após o <strong>de</strong>creto do AI-5.<br />

Para apresentarmos tal singularida<strong>de</strong>, lembramos alguns fundamentos sobre o<br />

conceito <strong>de</strong> informação. Segundo Maringoni (1996), a informação por si só não é<br />

totalmente neutra. Ele explica o conceito, alegando que o próprio editor do jornal se<br />

autoposiciona ao escrever a matéria:<br />

Um redator ou um editor, quando escreve uma matéria, já toma diversas<br />

opções subjetivas sobre que aspecto do fato realçar, que ponto reforçar no<br />

título e em que lugar da página colocar a matéria. Estas opções induzem a<br />

uma <strong>de</strong>terminada compreensão do fato narrado. (MARINGONI, 1996, p. 86).<br />

Desse modo, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que a informação não é totalmente imparcial.<br />

Assim, no período da Ditadura Militar, esse jornalismo teve que se adaptar às i<strong>de</strong>ias e<br />

i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> uma população que clamava por justiça. O humor entrou nesse processo, como<br />

peça chave, criando um caráter transformador e importante para o jornalismo da época.<br />

Desse modo, a produção das notícias, além do aparecimento dos jornais<br />

alternativos, foi baseada pelos processos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados a partir da severida<strong>de</strong> da<br />

ditadura e da resistência. Na imprensa, assim como na política, a década <strong>de</strong> 1970 foi<br />

uma época bastante rica, complexa, que <strong>de</strong>finiu os caminhos que o país percorreria no<br />

futuro.<br />

Gentilli (2004) explica que “a imprensa, como uma espécie <strong>de</strong> porta-voz <strong>de</strong> seu<br />

tempo, acompanha as ambivalências do momento”. O autor comenta sobre a<br />

cumplicida<strong>de</strong> do emissor, no caso o <strong>Pasquim</strong>, e o receptor, que seriam os leitores. “Ora<br />

a<strong>de</strong>re ou simplesmente se cala, ora reage, sinalizando para o leitor os acontecimentos, às<br />

vezes buscando sua cumplicida<strong>de</strong>” (GENTILLI, 2004, p. 90-91).<br />

Com os diversos enfoques que o jornalismo alternativo apresentou, abordou<br />

diferentes visões e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u diferentes direitos <strong>de</strong>ntro do contexto político dos a<strong>nos</strong> 60<br />

e 70. Pires (2008), em seu artigo Humor, Participação e Engajamento Político na<br />

Imprensa Alternativa <strong>de</strong>bate o humor como forma <strong>de</strong> resistência no período da Ditadura<br />

81


Militar, e mais especificamente, o mesmo do cartunista Henfil, um dos integrantes do<br />

jornal O <strong>Pasquim</strong>. Pires (2008) <strong>de</strong>staca a importância que o jornalismo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte ou<br />

alternativo, teve nesse período <strong>de</strong> transformações políticas no país:<br />

Durante a ditadura militar brasileira, a imprensa alternativa mostrou-se<br />

fundamental para a viabilização <strong>de</strong> importantes canais <strong>de</strong> expressão para<br />

grupos marginalizados como negros, mulheres e homossexuais, favorecendo,<br />

ao mesmo tempo, a consolidação <strong>de</strong> uma cultura afirmativa e <strong>de</strong> confrontação<br />

ao caráter liberal-conservador do discurso político hegemônico. (PIRES,<br />

2008, p. 1).<br />

Como já foi citado anteriormente, foram inúmeros jornais que nasceram nesse<br />

período, com ou sem uma i<strong>de</strong>ologia, porém com o passar do tempo, foram tomando<br />

forma e enfatizando seus i<strong>de</strong>ais. Entre os diferentes enfoques ainda citamos os jornais<br />

feministas, indígenas, estudantis, entre outros.<br />

Quando se fala em produção humorística em prol <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia ou protesto, os<br />

jornais alternativos buscaram no humor, através <strong>de</strong> linguagens <strong>de</strong> charges e <strong>de</strong> cartuns,<br />

expor suas i<strong>de</strong>ias, mesmo sendo <strong>de</strong> forma subentendida, disfarçada. De acordo com<br />

Oliveira (2011, p. 2972), Henfil, em suas charges no jornal O <strong>Pasquim</strong>, buscou mostrar<br />

através do humor, “a insegurança política que o país viveu tanto na instauração quanto<br />

no momento <strong>de</strong> abertura do Regime Militar”.<br />

Maringoni (1996) aborda que o humor <strong>de</strong>ve seguir uma espécie <strong>de</strong> código, em<br />

cada publicação, para que assim, o seu objetivo seja realmente alcançado:<br />

Para se fazer humor é preciso haver cumplicida<strong>de</strong> com o público. Ninguém ri<br />

da piada que você conta, se não existe um código prévio entre você e seus<br />

ouvintes. Muitas vezes, este código está baseado no mais repugnante dos<br />

preconceitos, mas ele - o vínculo - <strong>de</strong>ve existir. (MARINGONI, 1996, p. 88).<br />

A citação aponta uma das principais características <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> humor: o<br />

humor como forma <strong>de</strong> resistência. O código, que o autor trata, é realmente o diferencial<br />

<strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong> fazer, no qual as charges e cartuns apresentados <strong>nos</strong> jornais do período<br />

ditatorial.<br />

Kucinski (1991) também aborda esse humor, dotado <strong>de</strong> características libertárias<br />

e transformadoras. “Cínicos e libertários, os escritores satíricos e cartunistas<br />

<strong>de</strong>sempenharam um papel central na resistência à ditadura brasileira” (KUCINSKI,<br />

1991, p. 26). De acordo com o autor, nenhuma outra categoria se opôs <strong>de</strong> forma tão<br />

coerente.<br />

82


Kucinski (1991, p. 26) ainda salienta que os humoristas criaram uma imprensa<br />

própria, alternativa e com ela, driblaram o po<strong>de</strong>r, “num exercício lúdico típico <strong>de</strong> seu<br />

ofício”. Porém, para fazer parte <strong>de</strong>ssa imprensa <strong>de</strong> resistência, esses jornalistas e<br />

cartunistas sofreram consequências, como a prisão. O autor ressalta que apesar das<br />

dificulda<strong>de</strong>s, esses jornalistas não <strong>de</strong>sistiram e fizeram do humor brasileiro dos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

1970, “um ato coletivo contra a ditadura, extravasando os limites não confrontacionais<br />

do humor político clássico”.<br />

83


5.3 HUMOR NO PASQUIM: RESISTINDO A CENSURA<br />

Neste capítulo vamos apresentar a análise das charges no jornal O <strong>Pasquim</strong> no<br />

período <strong>de</strong> <strong>1969</strong> até <strong>1971</strong>, formando uma or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> acontecimentos que<br />

marcaram a trajetória do semanário carioca. Dessa forma, vamos examinar as imagens,<br />

em termos <strong>de</strong> forma e <strong>de</strong> conteúdo, alinhando as mesmas na sequência <strong>de</strong> textos, cada<br />

uma <strong>de</strong>las será i<strong>de</strong>ntificada através <strong>de</strong> subtítulos. Para tanto <strong>nos</strong> apoiaremos em alguns<br />

conceitos que foram mapeados no capítulo anterior e que vão <strong>nos</strong> ajudar na leitura dos<br />

materiais.<br />

Nestas condições, o objetivo <strong>de</strong>ste capítulo é analisar algumas aspectos dos<br />

construídos pelos jornalistas e cartunistas, na forma <strong>de</strong> charges, visando, sobretudo<br />

i<strong>de</strong>ntificar os propósitos dos autores, ao fazer uso <strong>de</strong>sta estratégia. Segundo <strong>nos</strong>sa<br />

hipótese, o recurso a esta linguagem visa, <strong>de</strong>ntre outras coisas, apresentar formas <strong>de</strong><br />

resistência à censura. Recor<strong>de</strong>mos que o humor trabalhado conforme vimos acima com<br />

a produção do segundo sentido, ou seja, algo que não está na aparentemente visível, mas<br />

que se explica a partir <strong>de</strong> articulações <strong>de</strong> linguagens e seus protocolos. Iremos fazer a<br />

leitura das imagens para <strong>de</strong>svendar como elas conseguiram informar apesar da censura<br />

imposta.<br />

O jornal O <strong>Pasquim</strong> utilizou esse segundo sentido na construção humorística <strong>de</strong><br />

suas charges, com mensagens implícitas como um mecanismo <strong>de</strong> se fazer enten<strong>de</strong>r<br />

diante da censura. A maneira encontrada pela equipe do jornal foi utilizar largamente<br />

<strong>de</strong>ste recurso <strong>de</strong> linguagem para produzir mensagens nas quais <strong>de</strong>ixava a posição<br />

subentendida, como forma <strong>de</strong> driblar a censura. O humor foi a gran<strong>de</strong> carta da manga,<br />

enquanto estratégia discursiva do <strong>Pasquim</strong>. Muitos termos textuais contidos nas<br />

entrevistas e as jogadas <strong>de</strong> mestre das charges conseguiram passar <strong>de</strong>spercebidos pelos<br />

censores.<br />

No ambiente sufocante em que o país se encontrava, O <strong>Pasquim</strong> cumpriria a<br />

missão <strong>de</strong> produzir novas condições para informar os leitores, reunindo alguns dos mais<br />

brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época. Nomes como Sérgio Cabral,<br />

Tarso <strong>de</strong> Castro, Millôr Fernan<strong>de</strong>s, Jaguar, Ziraldo Alves Pinto, Sérgio Augusto,<br />

Fortuna, Claudius Ceccon, Miguel Paiva, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Martha<br />

Alencar, Ivan Lessa e Henfil.<br />

84


Antes <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>rmos à análise, <strong>de</strong>senvolveremos alguns parágrafos sobre a<br />

pertinência dos conceitos levantados para a análise, <strong>de</strong> um modo breve, uma vez que<br />

voltaremos aos mesmos no exame das charges, procurando localizar a ligação das<br />

mesmas para as charges escolhidas.<br />

O jornal O <strong>Pasquim</strong>, diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> informar que<br />

conseguisse revelar a indignação para com o período em que o país vivia, conseguiu<br />

reunir os elementos humorísticos com caráter oposicionista como nenhum outro jornal.<br />

No documentário sobre o tabloi<strong>de</strong>, os cartunistas analisam a forma <strong>de</strong> humor<br />

apresentada no semanário.<br />

O humor é extremamente transformador. O humor é uma linguagem<br />

subversiva por si só. Ele vai sempre <strong>de</strong>scobrir uma maneira <strong>de</strong> pular aquele<br />

muro que construíram na frente <strong>de</strong>le. Não há maior alimento <strong>de</strong> incentivo ao<br />

humor que a censura. (Miguel Paiva - Documentário: O <strong>Pasquim</strong> - A<br />

Subversão do Humor. TV Câmara, 1999).<br />

Miguel Paiva foi um dos componentes da patota e um dos poucos cartunistas<br />

que não foram presos em 1970.<br />

Além das técnicas criativas para lidar com as pressões vindas da Ditadura<br />

Militar, as histórias sobre o <strong>Pasquim</strong> e seus editores vêm <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> que o humor foi<br />

fundamental na relação com os censores e colaborou na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> quais textos<br />

seriam publicados.<br />

É através do humor que o semanário elege suas rotinas e inicia sua campanha<br />

para mobilizar as pessoas, alertar para a política instaurada no momento e lembrar aos<br />

<strong>de</strong>sinformados, que rir era uma estratégia para não chorar diante do que estava<br />

acontecendo. Ou seja, os jornalistas e cartunistas do <strong>Pasquim</strong>, acreditavam que era<br />

preciso um pouco mais <strong>de</strong> graça e leveza para que a vida seja percebida em certos<br />

<strong>de</strong>talhes incapazes <strong>de</strong> serem notados diante da Ditadura em que o Brasil vivia.<br />

Desse modo, o humor e a geração que criou e alimentou o <strong>Pasquim</strong> parecem ser<br />

elementos fundamentais para enten<strong>de</strong>r a resistência do seu discurso <strong>de</strong> contestação<br />

durante o período da censura e os relacionamentos que permearam as publicações do<br />

jornal. São histórias impressas em frases e imagens que <strong>de</strong>smascaram o silêncio do<br />

Regime.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter o humor como linha editorial, o <strong>Pasquim</strong> comportava diferentes<br />

estilos jornalísticos embora todos os textos e as imagens se enquadravam na categoria.<br />

Maciel, Paulo Francis e Ivan Lessa faziam parte <strong>de</strong>sses espaços que se diferenciavam<br />

85


das páginas fortemente ilustradas, do riso constante e das críticas aos costumes<br />

brasileiros. Os três editavam as páginas geralmente repletas <strong>de</strong> texto, com uma<br />

abordagem mais característica do que o restante do jornal e dos redatores.<br />

Bergson (2004) enfatiza ainda mais a função da comicida<strong>de</strong> quando explica que<br />

“essa <strong>de</strong>ve ser a função do riso. Sempre um pouco humilhante para quem é seu objeto, o<br />

riso é <strong>de</strong> fato uma espécie <strong>de</strong> trote social” (BERGSON, 2004, p. 101). Ele ainda<br />

complementa, enfatizando que quando se trata <strong>de</strong> comicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e movimentos,<br />

certas imagens por mais simples que sejam, são risíveis por si mesmas. Desse modo, o<br />

autor <strong>nos</strong> ajuda a compreen<strong>de</strong>r melhor a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> humor trazida pelo personagem do<br />

ratinho Sig e toda sua autocomicida<strong>de</strong>, caracterizada em seus traços.<br />

O jornal O <strong>Pasquim</strong> trazia bastante <strong>de</strong>ssa comicida<strong>de</strong> em suas páginas. Além do<br />

ratinho Sig, conforme vimos anteriormente, as charges eram o gran<strong>de</strong> carro chefe do<br />

semanário. Braga (1991, p. 162) enfatiza que “as imagens do <strong>de</strong>senho pasquiniano e<br />

suas intenções satíricas levaram, geralmente, a uma integração entre as imagens e seu<br />

texto”. Quanto às editorias, o tablói<strong>de</strong> trazia geralmente surpresas, seja com uma foto<br />

<strong>de</strong> impacto, uma <strong>de</strong>claração chocante ou uma frase logo abaixo do nome do jornal,<br />

chamada por Braga (1991) <strong>de</strong> "frases-lema", que mudavam a cada edição. A chamada<br />

principal do semanário geralmente vinha da entrevista principal. O semanário propunha<br />

uma linguagem visual e textual diferentes que permeavam o jornal inteiro.<br />

Os elementos acima <strong>de</strong>scritos fazem parte do estilo visual e textual do jornal, e<br />

estão diretamente ligados a dois aspectos opostos da vida cotidiana, a repressão e a<br />

cultura alternativa. Ambos fazem parte das principais características que <strong>de</strong>terminaram<br />

a linha editorial do <strong>Pasquim</strong>, o humor.<br />

Outro atrativo do tablói<strong>de</strong> eram as famosas frases-editoriais que examinaremos<br />

mais abaixo. Elas divi<strong>de</strong>m-se pelos diferentes períodos <strong>de</strong> censura sobre o semanário. O<br />

que se percebe é a permanência da estrutura subjetiva do auto-discurso, na construção<br />

da frase <strong>de</strong> capa do jornal seguida <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição.<br />

Braga (1991: 135-136) trata das frases editoriais <strong>de</strong> capa, como uma re<strong>de</strong>finição<br />

semanal por parte do semanário. Ao fazer essa re<strong>de</strong>finição, o jornal “exprime também<br />

uma opinião sobre sua atualida<strong>de</strong> política: que exige <strong>de</strong> um jornal o esforço <strong>de</strong> renascer<br />

(ou não morrer) semanalmente, repensando-se a cada exemplar”. A frase editorial da<br />

edição nº 16, <strong>de</strong> <strong>1969</strong> estampa a frase que explica a afirmação <strong>de</strong> Braga (1991): O<br />

<strong>Pasquim</strong>, um jornal que sente o drama <strong>de</strong> escolher um lema por semana.<br />

86


Três frases-editoriais do período em que a censura estava centralizada em<br />

Brasília contam a dificulda<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> produção do jornal naquele momento: “O<br />

<strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> um jornal que não é editado por seus editores” (edição 261, publicada em<br />

1974); “O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> um jornal que balança, mas não cai” (edição 264, <strong>de</strong> 1974); e<br />

“Cumprimos o doloroso <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar que estamos vivos” (edição 279, <strong>de</strong> 1974).<br />

As campanhas institucionais do período Médici também eram alvo das piadas do<br />

jornal. <strong>Pasquim</strong>: ame-o ou <strong>de</strong>ixe-o, era uma clara menção à propaganda realizada pela<br />

Assessoria Especial <strong>de</strong> Relações Públicas (AERP). Esta assessoria era composta por<br />

jornalistas, psicólogos e sociólogos que <strong>de</strong>terminavam sobre os temas e o enfoque geral,<br />

contratando em seguida, agências <strong>de</strong> propaganda para produzir documentários para a<br />

televisão e o cinema, além <strong>de</strong> matérias para os jornais.<br />

O governo gastava milhões <strong>de</strong> cruzeiros em propagandas <strong>de</strong>stinadas a melhorar<br />

sua imagem junto ao povo. Através do humor, O <strong>Pasquim</strong> usou <strong>de</strong>ssa mesma frase para<br />

ressaltar que o país teria que aguentá-lo, como a frase: <strong>Pasquim</strong>, ame-o ou <strong>de</strong>ixe-o,<br />

fazendo uma espécie <strong>de</strong> releitura da famosa frase citada anteriormente.<br />

Os jornalistas não po<strong>de</strong>riam se arriscar e correr o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o jornal, assim,<br />

mais uma vez a autocensura foi o meio encontrado na frase editorial. Nela eles<br />

<strong>de</strong>monstram que sim, tinham medo <strong>de</strong> tudo que estava acontecendo.<br />

A frase da edição nº 131, <strong>de</strong> 1972 diz: O PASQUIM <strong>–</strong> sai todas as terças, ou<br />

quartas, ou se calhar, quintas, se origina pelo fato <strong>de</strong> o jornal não ter o costume <strong>de</strong><br />

realizar reuniões <strong>de</strong> pauta, e por vezes o material atrasava, pois era necessário que os<br />

censores lessem todo antes <strong>de</strong> ir para a impressão. O <strong>Pasquim</strong> não tinha um dia certo<br />

para ir para as bancas. Geralmente era nas quintas-feiras, mas como nunca se sabia se<br />

tudo ia dar certo com as publicações, a pontualida<strong>de</strong> nunca foi a maior virtu<strong>de</strong> do<br />

semanário.<br />

Outra frase que estampou a capa do <strong>Pasquim</strong> foi: O importante não é vencer, é<br />

sair vivo. O ano <strong>de</strong>sta publicação é 1972, na edição nº 168. Os jornalistas tinham um<br />

humor ímpar para enfrentar a repressão que assolava o país. Devido a tantos “sumiços”,<br />

violências e mortes, o jornal driblava todo esse processo alertando que só queria sair<br />

vivo disso tudo.<br />

O ratinho Sig, uma espécie <strong>de</strong> mascote símbolo do <strong>Pasquim</strong>, estava presente em<br />

todas as edições do semanário estando presente nas charges, entrevistas, capas, tendo<br />

como principal função, ilustrar a opinião do jornal <strong>de</strong> uma forma irônica e engraçada.<br />

87


Na frase editorial <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> corajoso como um rato, os jornalistas se referiram<br />

ao Sig para dizer o quanto estavam amordaçados e ameaçados pela repressão, através <strong>de</strong><br />

balões <strong>de</strong> fala no ratinho. Os traços do mascote criado em homenagem ao psicanalista<br />

Sigmund Freud não incitam nenhuma reação cômica, sendo um conjunto <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e<br />

diálogos representados pelo personagem, para seu grupo <strong>de</strong> leitores, que resi<strong>de</strong> o humor<br />

do mascote do semanário. Os traços do mascote, criado por Jaguar, manteve-se durante<br />

toda a trajetória do tabloi<strong>de</strong>. Em todas as edições ele estava presente, tanto <strong>nos</strong> artigos,<br />

capa, charges, e <strong>de</strong>mais editorias. Visualize a seguir.<br />

Figura 5<br />

Mascote do humor pasquiniano<br />

A interação do ratinho Sig com as entrevistas, fotomontagens e/ou <strong>de</strong> fotos <strong>de</strong><br />

bastidores (recurso raramente usado na época), fica evi<strong>de</strong>nte em várias edições do<br />

periódico.<br />

Um dos atrativos do <strong>Pasquim</strong> também estava relacionado às frases editoriais e<br />

sempre continham uma i<strong>de</strong>ia implícita a ser <strong>de</strong>svendada. A frase editorial Quem é vivo<br />

sempre <strong>de</strong>saparece, que foi publicada na edição nº 174 do ano <strong>de</strong> 1972, referiu-se aos<br />

sumiços na Ditadura Militar. Nesse período houve perseguição à li<strong>de</strong>ranças políticas,<br />

torturas, mortes misteriosas. Ou seja, falar, escrever, <strong>de</strong>senhar e publicar, tornaram-se<br />

atos <strong>de</strong> resistência e por consequência, <strong>de</strong> medo.<br />

O <strong>Pasquim</strong> tirou o formalismo do texto jornalístico utilizando o humor como<br />

linha editorial. E não po<strong>de</strong>ria ser diferente, já que gran<strong>de</strong> parte dos jornalistas que se<br />

juntaram para produzir o semanário já vinha <strong>de</strong> experiências com o jornalismo<br />

humorístico.<br />

O riso do jornal podia ser percebido na ação humorística “direta”, mas<br />

facilmente <strong>de</strong>svendável. Já a “indireta”, na qual <strong>de</strong>stacamos as entrelinhas que, uma vez<br />

88


percebidas pelo leitor, provocavam com o mesmo efeito o riso, e cumpriam como disse<br />

Braga (1999, p. 200), afirmando que “as técnicas do jornal, essencialmente voltadas<br />

para a produção <strong>de</strong> subentendidos (a implicitação humorística), tiveram que chegar a<br />

um nível <strong>de</strong> refinamento muito gran<strong>de</strong>, em consequência da censura”.<br />

Desse modo, O <strong>Pasquim</strong> trabalhou <strong>de</strong> um lado com o explícito, que era o<br />

assunto mesmo tratado e também com o implícito. Não po<strong>de</strong>ndo manifestar uma<br />

posição direta contra o Regime, a linha editorial avaliava, criticava e combatia a sua<br />

lógica <strong>de</strong>ixando a informação subentendida nas entrelinhas.<br />

Os assuntos abordados no tabloi<strong>de</strong>, geralmente envolviam temas polêmicos e<br />

proibidos pela censura, como as ativida<strong>de</strong>s ligadas aos movimentos estudantis e<br />

trabalhistas, críticas à economia, entre outros. Além disso, a censura proibia críticas ao<br />

sistema habitacional, propaganda sobre homossexualida<strong>de</strong> e divulgação das<br />

divergências da Igreja com o Regime. As notícias mais perigosas eram as que faziam<br />

referência aos militares e ao sistema. Qualquer assunto que pu<strong>de</strong>sse causar a bravura nas<br />

Forças Armadas, ou tensão entre os militares, era censurado.<br />

Com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intensificar a repressão, a censura prévia, na qual era<br />

exigido o envio <strong>de</strong> todos os originais dos materiais à Brasília, foi instalada no <strong>Pasquim</strong><br />

e em outros jornais da imprensa alternativa. Contudo, os jornalistas e humoristas do<br />

tablói<strong>de</strong> não podiam evi<strong>de</strong>nciar que o jornal estava sendo censurado. No lugar <strong>de</strong><br />

diversas matérias, a equipe colocava poesias <strong>de</strong> Camões ou as receitas <strong>de</strong> culinária. Isso<br />

se repetiu por diversas edições.<br />

Através da censura prévia, o Regime Militar foi submetendo aos poucos a<br />

imprensa alternativa cada vez mais repressão. Aos censores era recomendado que, na<br />

dúvida, <strong>de</strong>viam cortar a material.<br />

Esse momento marcou consi<strong>de</strong>ravelmente a produção jornalística, que recebeu<br />

inúmeros vetos e tinha suas matérias rabiscadas com um X. Gentilli (2006) analisa a<br />

importância e o papel que a imprensa alternativa teve nesse período. “Ao mesmo tempo<br />

em que, por traduzir um sentimento <strong>de</strong> mudança e <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> engajamento”, as<br />

propostas dos jornais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, tiveram uma “ação específica para chegar à<br />

mudança pretendida”. (GENTILLI, 2006, p. 69).<br />

Nessas propostas, os membros da patota do <strong>Pasquim</strong>, através do humor,<br />

conseguiram transpor o sentimento <strong>de</strong> revolta, sentido por uma geração insatisfeita com<br />

o governo vigente.<br />

89


5.3.1 UMA BREVE DESCRIÇÃO CONTEXTUAL DAS<br />

<strong>CHARGE</strong>S<br />

Nossa análise das charges envolve também um registro <strong>de</strong> contextualização das<br />

mesmas, algo a ser feito <strong>nos</strong> próximos parágrafos. Este capítulo é a peça chave <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa, pois engloba o gran<strong>de</strong> objetivo do trabalho, ou seja, <strong>de</strong>screver as charges<br />

através do humor usado como linguagem e como essas charges ajudaram a disfarçar o<br />

momento <strong>de</strong> repressão vivido pelo país entre os a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> <strong>1969</strong> a 1972. A importância em<br />

tratar <strong>de</strong> um assunto tão <strong>de</strong>licado quanto á censura, está na complexida<strong>de</strong> dos materiais<br />

criados durante o período, no qual tiveram que mudar o seu modo <strong>de</strong> informar para se<br />

adaptar aos mandos do governo.<br />

As charges ilustram os momentos importantes vividos pelo semanário,<br />

<strong>Pasquim</strong>,a <strong>de</strong> que marcaram a geração dos a<strong>nos</strong> 70 e revolucionaram o modo <strong>de</strong><br />

informar, contando com uma equipe cheia <strong>de</strong> talentos, formada por jornalistas e<br />

cartunistas.<br />

A primeira charge, a ser analisada - A autocensura <strong>de</strong> Millôr, é <strong>de</strong> 1970. Ela<br />

aponta a autocensura que Millôr Fernan<strong>de</strong>s faz em relação ao governo. A segunda<br />

charge, nomeada <strong>de</strong> Parodiando Drummond, apresenta uma relação inteligente que o<br />

cartunista Jaguar fez com os versos <strong>de</strong> Drummond e o tricampeonato brasileiro <strong>de</strong><br />

futebol. Já na terceira charge, que recebeu o nome <strong>de</strong> Plágio à in<strong>de</strong>pendência, talvez a<br />

mais importante <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m cronológica que montamos, pelo fato <strong>de</strong>la ser a peça<br />

chave que levou os jornalistas e cartunistas à prisão em 1970. A quarta imagem,<br />

intitulada Um jornal sem jornalistas, foi uma charge produzida enquanto a equipe<br />

estava presa e <strong>de</strong>sconhecemos o autor da mesma. Ressaltamos que apenas Miguel Paiva,<br />

Millôr Fernan<strong>de</strong>s, Martha Alencar e Henfil ficaram livres da prisão. Millôr organiza a<br />

capa da edição nº 73 que ilustra um <strong>de</strong>senho antigo da fábula do lobo e do cor<strong>de</strong>iro, no<br />

qual um balão <strong>de</strong> fala é colocado no personagem do cor<strong>de</strong>iro: Enfim, um <strong>Pasquim</strong><br />

inteiramente automático. Já a frase editorial <strong>de</strong>sta edição dizia: <strong>Pasquim</strong>, um jornal com<br />

algo a me<strong>nos</strong>. A quinta imagem, nomeada <strong>de</strong> A saída !! On<strong>de</strong> fica a saída?, ilustra<br />

outro momento marcante da trajetória do <strong>Pasquim</strong>. O chamado Rush da Solidarieda<strong>de</strong><br />

foi um episódio importante na história do semanário e consistiu na ajuda que o tabloi<strong>de</strong><br />

recebeu quando a maioria <strong>de</strong> seus jornalistas e cartunistas estavam presos. Nesse Rush,<br />

90


estavam presentes jornalistas, artistas, escritores e <strong>de</strong>mais pessoas influentes do cenário<br />

cultural brasileiros dos a<strong>nos</strong> 70. Já na sexta e última imagem, recebeu o nome <strong>de</strong> E<br />

agora?, o ratinho Sig acompanha um alvo centralizado cheio <strong>de</strong> tiros, com o anúncio<br />

TARSO Á SOLTA. A imagem simboliza a liberda<strong>de</strong> dos componentes do jornal, que<br />

haviam sido liberados da prisão há poucos dias, e o nome <strong>de</strong> Tarso foi usado<br />

especialmente, pela sua saída do jornal, logo após perceber que o mesmo encontrava-se<br />

em crise, <strong>de</strong>vido à prisão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> maioria da equipe.<br />

abaixo.<br />

Para a análise das charges, nós voltaremos a alguns conceitos que <strong>de</strong>screveremos<br />

Entre os conceitos que já apresentados nesta pesquisa, <strong>de</strong>stacaremos sempre,<br />

pelo viés do humor, em qualquer um <strong>de</strong>les. É importante retomarmos alguns conceitos<br />

<strong>de</strong> humor, baseados em autores como Freud, Bergson, Possenti, Maringoni, Sanchotene,<br />

além <strong>de</strong> autores que <strong>de</strong>batem o humor, enquanto linguagem <strong>de</strong> comunicação através da<br />

qual se dá a resistência a censura, já que <strong>nos</strong>so enfoque na pesquisa é o período da<br />

Ditadura Militar. Entre esses autores po<strong>de</strong>mos citar, Ferreira, Malachias e Bedin, entre<br />

outros. Também iremos relembrar os conceitos <strong>de</strong> charge, com autores como Arrigoni,<br />

Liebel, Miani, entre outros. Para isso, po<strong>de</strong>remos enten<strong>de</strong>r melhor o que, afinal, o que<br />

provoca o riso?<br />

Para fazer <strong>nos</strong>sa análise, vamos <strong>nos</strong> valer dos conceitos <strong>de</strong> Freud (2004), gran<strong>de</strong><br />

pesquisador do assunto, que contempla o humor em seus pressupostos, ou seja, o que<br />

ele busca e o que ele provoca. Para Freud (2004, p. 99-100) o riso tem significado e<br />

alcance sociais, ou seja, que “a comicida<strong>de</strong> exprime acima <strong>de</strong> tudo, a inadaptação<br />

particular da pessoa à socieda<strong>de</strong>”, o autor complementa que, não há comicida<strong>de</strong> fora do<br />

homem e que o homem é o caráter que é visado em primeiro lugar. O autor contempla o<br />

humor, com a comédia, como o gênero que mais se aproxima da vida real.<br />

A ele se mistura uma segunda intenção que a socieda<strong>de</strong> tem em relação a nós<br />

quando nós mesmos não temos. Mistura-se a intenção inconfessa <strong>de</strong><br />

humilhar, portanto, é verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> corrigir pelo me<strong>nos</strong> exteriormente. Por isso<br />

a comédia está bem mais perto da vida real que o drama. (FREUD, 2004, p.<br />

102).<br />

Desse modo, Freud diz relata que os elementos que contemplam o caráter<br />

cômico serão os mesmos tanto na vida quanto no teatro. Na opinião <strong>de</strong> Firmino (2000,<br />

p. 19), “uma das capacida<strong>de</strong>s que distinguem o ser humano <strong>de</strong> qualquer outra criatura da<br />

91


terra, sem dúvida é o riso”. A autora enfatiza ainda que “alguns filósofos <strong>de</strong>finiram o<br />

Homem como um animal que sabe rir”.<br />

Possenti, (2009), que estudou o humor em mais <strong>de</strong> uma obra, crê que o mesmo é<br />

uma questão <strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong>vido ao seu <strong>de</strong>sconhecimento dos dados, ou seja:<br />

92<br />

no caso do humor há uma manifestação clara <strong>de</strong> seu funcionamento, o riso.<br />

Quando não ocorre, atribuímos esse fato a uma diferença <strong>de</strong> cultura. Mas<br />

creio que confundimos o que é apenas uma manifestação mais ou me<strong>nos</strong><br />

lateral como que seria uma característica <strong>de</strong>finidora. (POSSENTI, 2009, p.<br />

226).<br />

Em outra obra, Possenti (2010) analisa os “ingredientes” dos textos<br />

humorísticos, contrastando sua relação com as questões <strong>de</strong> “or<strong>de</strong>m linguística, em<br />

primeiro lugar, mas também pragmáticas, textuais, discursivas, cognitivas e históricas”.<br />

O autor enfatiza que esse tema tem atraído muitos estudiosos e tem se percebido que o<br />

assunto “trata <strong>de</strong> um corpus privilegiado para uma espécie <strong>de</strong> tese <strong>de</strong> diversas teorias ou<br />

<strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> práticas como a leitura”. Possenti contempla que:<br />

Os textos humorísticos evi<strong>de</strong>ncialmente não sejam sempre referenciais,,<br />

guardam algum tipo <strong>de</strong> relação (a ser explicitada já que humor não é<br />

Sociologia nem História) com os diversos tipos <strong>de</strong> acontecimento. As<br />

charges, por exemplo, são tipicamente relativas aos fatos “do dia”. (2010, p.<br />

27).<br />

Possenti complementa que apesar dos assuntos ligados ao cotidiano, as charges<br />

também abordam temas <strong>de</strong> média duração “como um governo, um regime, o tempo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong>, como um mandato governamental” (2010, p. 28). O<br />

autor contempla nesta mesma obra, chamada Humor, língua e discurso, que as técnicas<br />

humorísticas nem sempre apresentam os todos os que escon<strong>de</strong>m. Ou seja, elas permitem<br />

a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> outro sentido, que é geralmente, inesperado, “frequentemente distante<br />

daquele que é expresso em primeiro plano e que, até o <strong>de</strong>sfecho da piada, parece ser o<br />

único possível”. (2010, p. 61).<br />

As charges, como técnicas humorísticas, analisadas nesta monografia, também<br />

apresentam um duplo sentido, ou seja, mais <strong>de</strong> um discurso, juntamente com o duplo<br />

sentido, quando usadas involuntariamente, po<strong>de</strong>m causar uma gran<strong>de</strong> confusão, porém,<br />

se inseridas intencionalmente, com a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> poucos, po<strong>de</strong>m gerar uma gran<strong>de</strong><br />

gargalhada.


A charge, objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>sta monografia, tem como principal característica,<br />

compreen<strong>de</strong>r a mescla das linguagens verbais e não verbais. Desse modo, essa<br />

construção híbrida aponta que a charge tem uma dupla dimensão: a explícita e a<br />

implícita. Combinando elementos <strong>de</strong> cunho explícito e implícito, segundo Vedovatto<br />

(2000, p. 64), a configuração estratégica <strong>de</strong>corre da instância responsável pelo que é<br />

dito (enunciado) com aquela responsável pelos modos <strong>de</strong> dizer (enunciação).<br />

Para Machado (2006), o discurso em si, não existe por si mesmo, ele só existe<br />

em um espaço entre sujeitos. Ou seja, “se o discurso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos sujeitos para existir,<br />

isso significa que é produzido por esses sujeitos, não apenas pelo autor da fala ou<br />

enunciador, mas também pelo sujeito que lê o discurso” (MACHADO, 2006, p. 3).<br />

Mattos e Teodoro (2006, p. 3) discorrem sobre a função das charges, no qual<br />

afirmam que “as charges têm o objetivo <strong>de</strong> persuadir, influenciar i<strong>de</strong>ologicamente o<br />

imaginário do interlocutor. Assim, elas se mostram como um po<strong>de</strong>roso instrumento <strong>de</strong><br />

crítica”. Diante <strong>de</strong>ssas características, as autoras afirmam que uma é a mais marcante:<br />

“o aspecto irônico e <strong>de</strong>nunciador que tem a charge”. Desse modo, as autoras<br />

complementam se apoiando em Castro (2005) que diz que:<br />

a ironia é um caso típico <strong>de</strong> discurso bivocal. Nela a palavra tem<br />

duplo sentido: volta-se para o objeto do discurso como palavra comum e para<br />

um outro discurso”. Essa <strong>de</strong>finição po<strong>de</strong> ser mais completa se acrescentarmos<br />

que ironia é a afirmação <strong>de</strong> algo diferente do que se <strong>de</strong>seja comunicar,<br />

geralmente contrário, na qual o emissor <strong>de</strong>ixa transparecer a contrarieda<strong>de</strong><br />

por meio do contexto, do discurso ou da entonação. A função da ironia,<br />

geralmente, é criticar, impressionar e provocar humor. (CASTRO, 2005, p.<br />

120)<br />

Entre tantos conceitos <strong>de</strong> humor, duplo sentido, ironia, comicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>mais<br />

teses que <strong>nos</strong> apoiamos para construir esta pesquisa, com esses e outros pressupostos,<br />

vamos dar continuida<strong>de</strong> ao <strong>nos</strong>so intuito neste capítulo, a análise das charges<br />

escolhidas. Ressaltamos que esses conceitos serão vislumbrados adiante.<br />

Para fazermos a análise <strong>de</strong>ssas charges, vamos assim, englobar diversos<br />

conceitos para assim, entendê-las melhor. Ao falarmos <strong>de</strong> interpretação das frases<br />

contidas em charges, por exemplo, po<strong>de</strong>mos contextualizar o enunciado. Caracterizado<br />

como a manifestação das frases, a enunciação se dá através <strong>de</strong> frases, sendo estas,<br />

caracterizadas como partes da língua, portanto o enunciado po<strong>de</strong> ser caracterizado como<br />

uma realida<strong>de</strong> empírica. De acordo com Vedovatto (2000), o enunciado é “um<br />

fragmento do discurso, uma manifestação particular”.<br />

93


Desse modo, <strong>nos</strong> próximos capítulos, discorreremos sobre uma análise<br />

específica <strong>de</strong> seis charges importantes no contexto <strong>de</strong>sse trabalho e do jornalismo<br />

brasileiro dos a<strong>nos</strong> 70.<br />

94


5.3.2 A GRANDE SACADA<br />

Antes <strong>de</strong> começar a análise, façamos alguns esclarecimentos sobre alguns<br />

procedimentos metodológicos que envolvem a leitura das charges. Lembro ao leitor que<br />

a metodologia sobre a qual esta monografia é constituída repousa em inspirações<br />

qualitativas, isto é, reúnem duas orientações, além do recurso obrigatório a<br />

documentação, á história, os arquivos, etc. As duas orientações as quais eu me reporto,<br />

envolvem a importância que tem para esta pesquisa o “estudo <strong>de</strong> caso” e a “análise <strong>de</strong><br />

discurso”. Ou seja, uma vez que o meu objeto esta centrado em uma pesquisa sobre o<br />

<strong>Pasquim</strong> e, particularmente, em uma <strong>de</strong> suas fases, significa dizer que estou trabalhando<br />

com questões relativas a um estudo <strong>de</strong> caso, compreen<strong>de</strong>ndo por este conceito a<br />

seguinte noção.<br />

É um método <strong>de</strong> pesquisa que se concentra em um único caso, e não um<br />

censo <strong>de</strong> população ou numa amostra representativa. Este estudo é útil <strong>nos</strong><br />

primeiros estágios <strong>de</strong> uma pesquisa, quando o objetivo consiste em explorar<br />

i<strong>de</strong>ias, submeter a teste e aperfeiçoar instrumentos <strong>de</strong> medição e<br />

qualificações observacionais, e preparar um estudo com base mais ampla.<br />

(JOHNSON, 1995, p. 32).<br />

Tratando-se <strong>de</strong> uma monografia <strong>de</strong> final <strong>de</strong> graduação, não po<strong>de</strong>ria estudar o<br />

<strong>Pasquim</strong> em sua abrangência, o que envolveria muitos aspectos, histórico, político,<br />

ético, organizacional, etc. Em função <strong>de</strong>sta ampla possibilida<strong>de</strong>, elegemos um aspecto<br />

<strong>de</strong>sse caso, o estudo das charges e para tal fim teria que fazer também uma escolha <strong>de</strong><br />

uma técnica para examiná-las. Neste caso optei também por um certo tipo <strong>de</strong> análise <strong>de</strong><br />

discurso. Ou seja, <strong>de</strong>scrição das características em termos <strong>de</strong> linguagem, <strong>de</strong> um certo<br />

“corpus” <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> discurso jornalístico. Não se trata <strong>de</strong> uma<br />

análise <strong>de</strong> discurso rigidamente aplicando princípios linguísticos e gramaticais, mas <strong>de</strong><br />

uma tentativa <strong>de</strong> interpretação que extraísse dos materiais das charges aqueles<br />

elementos <strong>de</strong> linguagens em torno das quais se manifestaria uma certa produção <strong>de</strong><br />

sentidos. Trata-se <strong>de</strong> uma análise que é <strong>de</strong>safiada pela singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />

texto, no caso, o jornalístico, na forma <strong>de</strong> charge. Estou vendo a charge, mas não é em<br />

qualquer lugar, como em uma pare<strong>de</strong>, televisão outdoor, entre outros. Não. Estou vendo<br />

a charge no jornal, e aí se constitui a sua matéria prima.<br />

Desse modo, a ênfase da minha pesquisa é respon<strong>de</strong>r como o <strong>Pasquim</strong> dribla a<br />

censura, através da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> textos (charges), on<strong>de</strong> o <strong>Pasquim</strong> constrói mensagens<br />

com fim <strong>de</strong> driblar a censura e que são examinadas por mim. Para isso, usaremos a<br />

95


enunciação para enten<strong>de</strong>r melhor o modo <strong>de</strong> dizer <strong>de</strong>ssas mensagens. Para Benveniste<br />

(1970), o termo enunciação envolve diversos aspectos, como a relação do locutor com a<br />

língua <strong>de</strong>terminada, que <strong>de</strong> acordo com a autora, <strong>de</strong>termina os caracteres linguísticos da<br />

enunciação. “O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o<br />

locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação” (BENVENISTE,<br />

1970, p. 83). O autor ainda elenca alguns conceitos sobre o termo.<br />

96<br />

Antes da enunciação, a língua não é senão possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> língua. Depois da<br />

enunciação, a língua é efetuada uma instância <strong>de</strong> discurso, que emana <strong>de</strong> um<br />

locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra<br />

enunciação <strong>de</strong> retorno. Enquanto realização individual, a enunciação po<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>finir, em relação a língua, como um processo <strong>de</strong> apropriação. O locutor se<br />

apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição <strong>de</strong> locutor por<br />

meio <strong>de</strong> índices específicos, <strong>de</strong> um lado e por meio <strong>de</strong> procedimentos<br />

acessórios, <strong>de</strong> outro. Por fim, na enunciação, a língua se acha empregada para<br />

a expressão <strong>de</strong> uma certa relação com o mundo. A condição mesma <strong>de</strong>ssa<br />

mobilização e <strong>de</strong>ssa apropriação da língua é, para o outro, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

co-referir i<strong>de</strong>nticamente, no consenso pragmático que faz <strong>de</strong> cada locutor um<br />

co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação. Seria preciso<br />

também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita. Esta se situa em<br />

dois pla<strong>nos</strong>: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior <strong>de</strong> sua escrita,<br />

ele faz os indivíduos se enunciarem. (BENVENISTE, 1970: 82-90).<br />

Já para os autores do livro Dicionário <strong>de</strong> Linguística, Dubois, Giacomo,<br />

Guespin, Marcelessi e Mevel (1973, p. 218), enunciação “é o ato individual <strong>de</strong><br />

utilização da língua, enquanto enunciado é o resultado <strong>de</strong>sse ato, é o ato <strong>de</strong> criação do<br />

falante”. Desse modo, os autores enfatizam que, “a enunciação é constituída pelo<br />

conjunto dos fatores e dos atos que provocam a produção <strong>de</strong> um enunciado”.<br />

Assim, a partir dos conceitos estudados acima, constituímos um melhor<br />

entendimento <strong>de</strong> algumas ferramentas sobre a metodologia usada nesta monografia.<br />

O espírito <strong>de</strong>ste capítulo que segue, é justamente aprofundar <strong>nos</strong>sos<br />

conhecimentos sobre charge e o po<strong>de</strong>r que o humor como linguagem tem para a<br />

construção da mesma. Assim, vamos analisar seis imagens a partir <strong>de</strong> suas<br />

particularida<strong>de</strong>s, seus <strong>de</strong>talhes e suas ambiguida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro do discurso jornalístico<br />

aplicado no contexto histórico e social em questão. Para aplicarmos essas estratégias<br />

discursivas, iniciamos a análise das charges com a charge A, <strong>de</strong> acordo com explicação<br />

feita no capítulo anterior, no qual iniciamos pela charge <strong>de</strong> Millôr Fernan<strong>de</strong>s.


Charge A - A AUTOCENSURA DE MILLÔR<br />

Figura A<br />

O <strong>Pasquim</strong>, n. 43, 12 a 18 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1970, p. 33.<br />

Feita em 1970, a charge <strong>nos</strong> mostra aparentemente dois homens conversando. O<br />

personagem da esquerda, visivelmente mais jovem que o outro, vestindo uma camiseta<br />

com o símbolo da paz, cabelos compridos, barba por fazer, e com um cigarro na mão<br />

esquerda, apresenta o seguinte balão <strong>de</strong> fala contendo mensagem enviada ao segundo<br />

personagem: Você já ouviu a última contra o governo? O outro personagem,<br />

aparentemente mais velho, com paletó e gravata, e que possivelmente seria um censor<br />

ou algum amigo, também com um balão <strong>de</strong> fala, diz: Cuidado, rapaz; tem gente lendo a<br />

página. A fala diz, indiretamente que <strong>de</strong>vido à censura, <strong>de</strong>veria se ter cuidado com o<br />

que se falava e ou comentava sobre o governo. O alerta do personagem se dá como um<br />

aviso ao jovem.<br />

Po<strong>de</strong>mos perceber que ali existia uma limitação na liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, o que<br />

o período em que a charge foi feita, perfeitamente justifica o fato.<br />

O ano <strong>de</strong> 1970 foi um dos piores a<strong>nos</strong> vividos pelo país, pois marcou o segundo<br />

ano que o Brasil seguia o <strong>de</strong>creto do AI-5, instaurado em 1968. O AI-5 <strong>de</strong>cretou, entre<br />

tantos mandos, que seria proibida qualquer manifestação sobre assuntos <strong>de</strong> natureza<br />

política. A censura foi instaurada no país, afetando a imprensa, a música, o teatro e o<br />

cinema.<br />

97


Desse modo, fica mais fácil enten<strong>de</strong>rmos porque o jovem estava sendo avisado<br />

que suas palavras <strong>de</strong>veriam ser cuidadas naquele momento. Qualquer manifestação<br />

sobre o governo seria punida e os direitos do cidadão prejudicados.<br />

É possível perceber na charge, que os traços que a compõem são fi<strong>nos</strong> e bem<br />

característicos do chargista Millôr Fernan<strong>de</strong>s. Vedovatto fala sobre esta característica:<br />

“A linha fina simboliza leveza, graça, fragilida<strong>de</strong>” (2000, p. 29). A autora contextualiza<br />

também o intuito que o movimento trazido pelo traço, beneficia a charge. “O<br />

movimento potencializa a dinâmica na charge, o que é necessário para que ela traduza<br />

inteiramente a mensagem que se propôs a transmitir” (VEDOVATTO, 2000, p. 46).<br />

Desse modo, na charge A, po<strong>de</strong>mos perceber o movimento das mãos do personagem da<br />

esquerda, que está visivelmente articulando com o outro personagem, e em uma <strong>de</strong> suas<br />

mãos possui um cigarro e a outra complementa a articulação da conversa entre os dois.<br />

Aparentemente, po<strong>de</strong>mos perceber que este personagem está mais animado que o outro,<br />

que aparentemente permanece sério e imóvel.<br />

Quanto à mensagem enviada através das charges, ainda <strong>nos</strong> baseamos em<br />

Vedovatto (2000, p. 3), que contextualiza que “a charge é um texto complexo,<br />

construído a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas estratégias que requerem tanto do produtor quanto<br />

do leitor, uma competência discursiva especial”. Para isso, “os contratos entre emissor e<br />

leitor se concretizem plenamente, é necessário que haja uma cumplicida<strong>de</strong> entre eles”.<br />

Desse modo, enten<strong>de</strong>mos o quão importante é o receptor enten<strong>de</strong>r o que está<br />

sendo dito, para compreen<strong>de</strong>r os diferentes sentidos que a charge po<strong>de</strong> trazer.<br />

Quanto à questão da autocensura suscitada pela imagem, percebemos que ela é<br />

apresentada na fala entre os personagens, no qual um diz euforicamente para o outro,<br />

uma frase que não podia estar sendo dita, ou seja, durante aquele período político do<br />

país, as pessoas não tinham uma manifestação livre, <strong>de</strong>vido à repressão e à censura aos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação, portanto, logo, o outro personagem o alerta: Cuidado rapaz.<br />

Seguindo os elementos característicos das charges, os balões também<br />

i<strong>de</strong>ntificam uma função à imagem. De acordo com Cagnin (1975), a forma mais<br />

aplicada na apresentação verbal da charge é através <strong>de</strong> balões <strong>de</strong> fala. A fala <strong>nos</strong> balões<br />

complemente a imagem e <strong>de</strong>ixa o contexto da charge mais claro.<br />

Millôr Fernan<strong>de</strong>s foi um dos principais integrantes d’O <strong>Pasquim</strong>. Desenhista,<br />

escritor e jornalista, Millôr ironizava constantemente a censura imposta às redações,<br />

assim como a autocensura da gran<strong>de</strong> imprensa.<br />

98


Na charge A, pu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar como o <strong>de</strong>senhista introduz o tema da<br />

autocensura mediante personagem que se atreve a falar contra o governo militar. O<br />

dialogo em questão, cuja alusão diz respeito a conversas entre jornalistas, em ambiente<br />

<strong>de</strong> redação, os quais dialogam sobre as últimas notícias dos jornais, apresenta a<br />

autocensura imposta pelo período político vivido no país.<br />

Nas imagens que virão a seguir, vamos continuar analisando os principais traços,<br />

objetivos, <strong>de</strong>talhes e sentido que as mesmas buscam apresentar ao leitor.<br />

99


Charge B - PARODIANDO DRUMMOND<br />

Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a charge B, vamos contar um pouco sobre a situação política<br />

que o país passava e porque as charges tiveram que constituir uma reação no campo<br />

jornalístico para fazer face à censura.<br />

100<br />

Nos primeiros meses do governo <strong>de</strong> Geisel, em 1974, ocorreram alguns sinais <strong>de</strong><br />

abertura política. A censura prévia foi retirada <strong>de</strong> O Estado <strong>de</strong> São Paulo, Veja, O<br />

<strong>Pasquim</strong>, mas continuou em Tribuna da Imprensa, São Paulo, Opinião. Isto era um<br />

claro aviso aos jornais que não eram mais censurados, pois, apesar da censura recém<br />

abolida, ela po<strong>de</strong>ria voltar a qualquer momento. Esse fato po<strong>de</strong> ser claramente<br />

percebido na primeira edição do <strong>Pasquim</strong> sem censura prévia, o nº 300, que, mesmo<br />

sem censura, foi apreendido. Nesse período, o Brasil foi tomado por uma euforia em<br />

razão da conquista do tricampeonato na Copa do Mundo, em 1970. A equipe da AERP<br />

logo tomou proveito <strong>de</strong>ssa situação, compondo a popular marchinha “Pra frente Brasil”<br />

e criando o slogan “Ninguém segura mais este país”.<br />

Criada por Jaguar, a charge contrasta a campanha que o governo Médici realizou<br />

durante a conquista do tricampeonato <strong>de</strong> futebol, tomando como referência a situação<br />

socioeconômica vivida pela população na época. Conforme vemos a seguir.<br />

Figura B<br />

O <strong>Pasquim</strong>, nº 54, 2 a 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1970, contracapa.


101<br />

Os versos <strong>de</strong> Drummond são apresentados como o texto legenda da imagem<br />

feita por Jaguar que mostra um casal <strong>de</strong> favelados segurando a ban<strong>de</strong>ira do Brasil. Os<br />

versos dizem: “E agora José, a festa acabou, o povo foi embora, a noite esfriou. E<br />

agora, José?”.<br />

O contexto da imagem se dá a partir da prisão <strong>de</strong> Jaguar, juntamente com o<br />

restante dos integrantes do <strong>Pasquim</strong> e no inquérito policial, ele viu que o nome <strong>de</strong><br />

Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> constava da lista das pessoas que iam ser chamadas para<br />

prestar <strong>de</strong>poimento, <strong>de</strong>vido os versos que o escritor publicava no <strong>Pasquim</strong>. “Tive um<br />

trabalho danado para convencer o general da Censura que publiquei o <strong>de</strong>senho sem a<br />

autorização do autor dos versos, no caso, o Drummond”. (JAGUAR, 1981).<br />

A imagem <strong>nos</strong> mostra o traço fino <strong>de</strong> Jaguar ao <strong>de</strong>senhar oito pessoas<br />

aparentemente humil<strong>de</strong>s, com roupas rasgadas e rostos tristes e <strong>de</strong>siludidos. A imagem<br />

mostra um casal com seis filhos e que também possui um cão. A imagem traduz o<br />

fanatismo tradicional que o país possui pelo futebol, no qual apesar das dificulda<strong>de</strong>s<br />

financeiras e sociais, os brasileiros ten<strong>de</strong>m a participar e se engajar esperançosamente<br />

nas competições <strong>de</strong> futebol, no caso <strong>de</strong>ssa charge, a Copa do Mundo. O futebol há<br />

muitos a<strong>nos</strong>, é motivo <strong>de</strong> alegria e orgulho para os brasileiros, que torcem<br />

incansavelmente pelo futebol do Brasil e pelas Copas do Mundo realizadas a cada<br />

quatro a<strong>nos</strong>. Porém, quanto a esse patriotismo em questão, notamos na imagem que o<br />

homem está segurando em sua mão direita, uma ban<strong>de</strong>ira do Brasil, sustentada para<br />

baixo, e na mão esquerda, uma placa com o dizer: Avante seleção! As ban<strong>de</strong>iras<br />

enfatizam mais uma vez a tristeza e o <strong>de</strong>sânimo que a família humil<strong>de</strong> vivia no período,<br />

<strong>de</strong>vido às dificulda<strong>de</strong>s econômicas, porém, se mantinha fiel ao futebol brasileiro.<br />

.Quanto á linguagem usada na charge, Jaguar coloca os versos <strong>de</strong> Drummond<br />

entre aspas, e isso significa dizer que a charge faz uma operação <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> ao<br />

buscar no texto poético, o fragmento que serve <strong>de</strong> construção para a sua mensagem.<br />

Para uma mensagem, em uma charge ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> ilustração,<br />

porém, principalmente na charge, que normalmente aborda um assunto <strong>de</strong> tema atual,<br />

necessita <strong>de</strong> um reconhecimento do leitor sobre o assunto tratado e também à mensagem<br />

implícita que ela contém. Os efeitos <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> uma mensagem, <strong>de</strong> forma estratégica,<br />

necessitam do reconhecimento para assim, o sentido produzir seus efeitos. Na charge, o<br />

efeito é sempre múltiplo <strong>de</strong> acordo com Vedovatto (2000), o efeito é sempre plural, ou<br />

seja, o reconhecimento do contexto ali apresentado.


102<br />

A charge B faz uma recorrência ao momento histórico vivido pelo país <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong><br />

70 e é apresentada em plano médio, uma vez que os personagens aparecem <strong>de</strong> corpo<br />

inteiro, e cenário e os <strong>de</strong>talhes do traço permite que o leitor faça uma projeção do local<br />

da ação e a ligação <strong>de</strong>le com a história. Essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> humor e <strong>de</strong> crítica social e<br />

política até hoje continua incomodando as pessoas públicas pelo efeito que as charges<br />

produzem.<br />

Também é possível perceber a noção <strong>de</strong> perspectiva (frente e fundo) da imagem.<br />

O primeiro plano traz a família, sendo o homem e a mulher (pais da família em questão)<br />

apresentados em tamanho bem maior que as crianças, ganhando um <strong>de</strong>staque nesse<br />

primeiro plano, e a casa da família, aparecem em um segundo plano, com tamanho bem<br />

menor, mostrando que a família está distante da mesma.<br />

A charge apresenta personagens que tem seus <strong>de</strong>talhes exagerados, ou seja,<br />

cabeça gran<strong>de</strong> para um corpo, assim como as barrigas da família, que ganharam um<br />

exagero, referindo-se à situação <strong>de</strong> pobreza que o grupo vivia, sendo a barriga gran<strong>de</strong>,<br />

significado <strong>de</strong> vermes ou <strong>de</strong> algum outro problema ligado á má alimentação ou à<br />

infecções alimentares. O fato <strong>de</strong> o casal possuir seis filhos e aparentemente, a mãe está<br />

grávida na imagem, aponta a ocorrência <strong>de</strong> as famílias pobres brasileiras geralmente<br />

possuíam mais filhos que o comum. Ou seja, mesmo com a falta <strong>de</strong> dinheiro e alimento,<br />

a gravi<strong>de</strong>z ocorre por falta <strong>de</strong> prevenção e <strong>de</strong>mais cuidados, por <strong>de</strong>sinformação ou<br />

qualquer outro motivo.<br />

Quanto ao traço, a charge não apresenta contrastes <strong>de</strong> sobra em sua composição<br />

e também não possui um cenário, no qual os personagens aparecem ao centro, vazios <strong>de</strong><br />

cenário, com apenas a casa ao fundo.<br />

A charge com os versos <strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>¹ entra no contexto da<br />

imagem <strong>de</strong>vido ao papel do enunciado interrogativo: E agora? Ou seja, o Brasil ganhou<br />

a Copa do Mundo <strong>de</strong> futebol, mas e como fica a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social e a pobreza? O<br />

contexto enfatiza que apesar <strong>de</strong>sses paradigmas, o futebol envolve todas as classes<br />

sociais, inclusive os me<strong>nos</strong> favorecidos, como na caso charge em questão, que<br />

continuarão pobres <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa conquista do futebol brasileiro.<br />

O ano <strong>de</strong> 1970 estava sendo <strong>de</strong> crescimento do espaço do <strong>Pasquim</strong>, pois as<br />

vendas aumentavam consi<strong>de</strong>ravelmente, e o jornal <strong>de</strong>ixava, aos poucos, <strong>de</strong> ser limitado<br />

ao Rio <strong>de</strong> Janeiro e ao bairro <strong>de</strong> Ipanema e passa a ser veiculado em São Paulo. Os dois<br />

últimos meses do ano <strong>de</strong> 1970, porém, mudaram o rumo dos acontecimentos no<br />

semanário, conforme já <strong>de</strong>screvemos em capítulos anteriores.


___________________<br />

¹ - Poeta, contista e cronista carioca. Produziu poesias, livros, contos e crônicas, muitas <strong>de</strong>las<br />

Publicadas no jornal Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O <strong>Pasquim</strong>.<br />

103


Charge C <strong>–</strong> PLÁGIO À INDEPENDÊNCIA<br />

104<br />

Como veremos abaixo, a figura C, trata-se <strong>de</strong> mais uma obra <strong>de</strong> Jaguar, que se<br />

arrisca ao ilustrar o quadro <strong>de</strong> Pedro Américo, que leva o nome <strong>de</strong> O grito <strong>de</strong> Ipiranga,<br />

no qual nesta tentativa, Dom Pedro I, ao invés <strong>de</strong> gritar In<strong>de</strong>pendência ou morte,<br />

aparece com o balão e a frase: Eu quero mocotó, verso <strong>de</strong> uma música do cantor Jorge<br />

BenJor. A charge foi consi<strong>de</strong>rada um <strong>de</strong>boche ao espírito nacionalista, do “Brasil, ame-<br />

o ou <strong>de</strong>ixe-o”, tão enfatizado pelos militares. Por causa da charge, Luiz Carlos Maciel,<br />

Paulo Francis, Ziraldo, Sérgio Cabral e Paulo Garcez foram parar prisão, além claro, do<br />

próprio autor da charge. O episódio <strong>de</strong> O <strong>Pasquim</strong> expõe uma das principais<br />

características da charge, a crítica social e política expressa com humor.<br />

Figura C<br />

O <strong>Pasquim</strong> nº 72 <strong>de</strong> 4 a 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1970, pg 14.<br />

Antes <strong>de</strong> prosseguir a análise, <strong>de</strong>ve ser lembrado que a existência <strong>de</strong>sta charge<br />

envolve um fato muito curioso. A primeira censora que frequentou á redação do<br />

<strong>Pasquim</strong>, chamada pela equipe <strong>de</strong> apenas Dona Marina, acabou amiga <strong>de</strong> bebe<strong>de</strong>ira dos<br />

jornalistas e foi <strong>de</strong>mitida por <strong>de</strong>ixar passar esta fotomontagem <strong>de</strong> Jaguar, que na visão<br />

dos militares foi um <strong>de</strong>boche a um quadro tão famoso da História do Brasil, tratando-se<br />

do Grito da In<strong>de</strong>pendência ou Grito do Ipiranga, que ocorreu em 1822.<br />

Dona Marina, responsável por liberar as páginas do <strong>Pasquim</strong>, foi <strong>de</strong>stituída do<br />

cargo logo após o jornal chegar às bancas. Para os que faziam o <strong>Pasquim</strong>, foi tomada<br />

uma <strong>de</strong>cisão radical para silenciar o jornal: em poucos dias, uma vez que, onze<br />

jornalistas do semanário foram presos sem um período <strong>de</strong>terminado. Várias


transformações aconteceram a partir <strong>de</strong>ssa imagem que, na percepção <strong>de</strong> Jaguar, foi<br />

uma brinca<strong>de</strong>ira, apesar da evi<strong>de</strong>nte provocação ao reproduzir e caçoar da pintura que<br />

tem um caráter patriótico.<br />

105<br />

Voltando à questão da análise, é possível analisar, na imagem <strong>de</strong> Jaguar, que ele<br />

manteve os mesmos traços criados pelo pintor Pedro Américo. A charge usa bastante <strong>de</strong><br />

traços grossos e com sombra ao ilustrar a cavalaria <strong>de</strong> Dom Pedro I, dividida entre<br />

cavalos <strong>de</strong> pelagem clara e escura. O balão inserido na imagem, que foi a peça chave,<br />

que honrou o tradicional humor pasquiniano, no qual Jaguar inseriu uma frase <strong>de</strong> fala<br />

em Dom Pedro I: Eu quero mocotó!! A canção que leva o nome <strong>de</strong> Também quero<br />

mocotó, estava em alta na época, fazendo gran<strong>de</strong> sucesso e <strong>de</strong>slanchando a carreira do<br />

cantor Jorge BenJor. A letra da música, porém foi produzida pelo maestro e compositor<br />

Erlon Chaves. A mensagem foi inserida no balão justamente para quebrar protocolos,<br />

ou seja, zombar do patriotismo exagerado que os a<strong>nos</strong> 70 apresentavam.<br />

A palavra mocotó <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma gíria do final do ano <strong>de</strong> <strong>1969</strong>. Devido à moda,<br />

as pernas femininas ganharam <strong>de</strong>staque e as saias das mulheres começaram a ficar mais<br />

curtas, bem acima dos joelhos. Enquanto a minissaia fazia sucesso, o joelho feminino<br />

ganhava um apelido: mocotó. Ou seja, mais uma vez encontramos o duplo sentido <strong>nos</strong><br />

balões das charges <strong>de</strong> O <strong>Pasquim</strong>. No caso da charge C, um único balão <strong>de</strong> fala foi<br />

suficiente para produzir o efeito que os jornalistas buscavam ao ironizar o nacionalismo<br />

exacerbado da época, fazendo um <strong>de</strong>boche com o famoso Dom Pedro I.<br />

Os efeitos <strong>de</strong> sentido que uma charge como esta po<strong>de</strong> surtir, vão <strong>de</strong> uma simples<br />

brinca<strong>de</strong>ira à uma po<strong>de</strong>rosa crítica, como foi o caso, no qual a charge <strong>de</strong> Jaguar ren<strong>de</strong>u à<br />

prisão dos jornalistas e cartunistas do tabloi<strong>de</strong> por dois meses.<br />

Na charge, os <strong>de</strong>talhes são eliminados e as pessoas são i<strong>de</strong>ntificadas apenas por<br />

sua estética óbvia, ou seja, ao vê-la, sabemos quem é o ser humano, quem é o cavalo e<br />

assim por diante. O traço escuro se manifesta na charge, aumentando a dinâmica da<br />

imagem, ou seja, a sua veracida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando-a mais marcada e <strong>de</strong>stacada. O tom<br />

carregado dos elementos os coloca num plano mais próximo do leitor. A imagem<br />

também possui movimento. Ao pôr os olhos na charge, po<strong>de</strong>mos perceber que ela<br />

<strong>de</strong>screve uma cena e realmente a imaginamos em movimento, os cavaleiros e suas<br />

espadas, os cavalos se movimentando, ou seja, a revolução realmente acontecendo.<br />

O espaço da composição é fechado pelos contor<strong>nos</strong> da própria charge, ou seja,<br />

realmente facilita o entendimento do leitor, o aproximando da cena. A cena, constituída<br />

principalmente <strong>de</strong> um primeiro plano, faz com que o leitor tenha a impressão que a


imagem está acontecendo logo ali, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua janela, ou seja, a imagem está na altura<br />

dos olhos do leitor.<br />

106<br />

Ziraldo (1970), um dos integrantes da equipe do semanário e que também foi<br />

preso por causa <strong>de</strong>sta charge, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o humor é coisa séria e tem importantes<br />

funções, ou seja, o autor diz que essas funções são <strong>de</strong>sempenhadas pelo humor graças<br />

ao seu “jeito matreiro <strong>de</strong> quem não quer nada”.<br />

No período da Ditadura Militar especialmente, como estudamos nesta<br />

monografia, o humor ganha mais um sentido: a dissimulação, ou seja, ele era uma forma<br />

<strong>de</strong> trazer informações à gran<strong>de</strong> massa, driblando a censura imposta nas entrelinhas das<br />

charges, como no caso do <strong>Pasquim</strong>.<br />

Sobre a charge C, vale ressaltar que <strong>de</strong> acordo com diversas reportagens já<br />

publicadas até os dias <strong>de</strong> hoje em jornais e revistas, a cena pintada por Pedro Américo<br />

não foi uma cópia exata do acontecido, e o <strong>de</strong>senho do autor partiu <strong>de</strong> sua imaginação e<br />

a partir <strong>de</strong>la, Jaguar <strong>de</strong>u um novo traço, com as cores preto e branco.


Charge D <strong>–</strong> UM JORNAL SEM JORNALISTAS<br />

Dando continuida<strong>de</strong> à análise, chegamos na charge D, que <strong>nos</strong> apresenta uma<br />

imagem <strong>de</strong> capa, do próprio periódico. Com a censura intensificada e a equipe do<br />

<strong>Pasquim</strong> na prisão, foi preciso remo<strong>de</strong>lar a produção gráfica do jornal, porém o fato não<br />

podia ser noticiado e a equipe que escapou da prisão, teve que entrar na linha dos<br />

cartunistas ausentes e continuar com o jornal <strong>de</strong> pé nesse período.<br />

A capa a ser analisada é da semana <strong>de</strong> 11 a 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1970 e estampa a<br />

tradicional fábula do lobo e do cor<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong> Esopo, com adaptação <strong>de</strong> Monteiro Lobato,<br />

no qual o lobo diz: Enfim um <strong>Pasquim</strong> inteiramente automático sem o Ziraldo, sem o<br />

Jaguar, sem o Tarso, sem o Francis, sem o Millôr, sem Flávio, sem o Sérgio, sem o<br />

Fortuna, sem o Garcez, sem a redação, sem a contabilida<strong>de</strong>, sem a gerência e sem<br />

caixa. Millôr Fernan<strong>de</strong>s foi citado entre os que foram presos apenas para disfarçar, pois<br />

na verda<strong>de</strong>, ele foi um dos poucos que não foram para a prisão. Veja imagem abaixo.<br />

Figura D<br />

Nota: Nesta capa, existe um erro no cabeçalho, que está impresso como sendo <strong>de</strong> 11 a 17 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> <strong>1969</strong>, mas, na verda<strong>de</strong>, a edição 73 foi publicada em 1970. (O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> Antologia <strong>–</strong><br />

Vol. I 2006).<br />

107


O tom humorístico do texto contrasta com a representação da censura no<br />

semanário representada na imagem principal da capa e na frase-editorial. Na frase<br />

editorial, a explicação sobre a situação da redação: O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> o jornal com algo a<br />

me<strong>nos</strong>.<br />

108<br />

O jornal, sem po<strong>de</strong>r noticiar a prisão da equipe, produziu uma edição importante<br />

após a prisão, e como disse no próprio balão do lobo: inteiramente automática. A capa<br />

apresenta uma espécie <strong>de</strong> conotação, ou seja, a imagem ilustra algo além do seu<br />

significado literal, que escon<strong>de</strong> o fato da prisão <strong>de</strong> equipe em suas entrelinhas. Um lobo<br />

com a boca aberta, salivando, representaria a repressão através dos militares, já o<br />

cor<strong>de</strong>iro, representaria a equipe do <strong>Pasquim</strong>, acuados e sem saída diante da situação em<br />

que se encontravam. Essa seria a primeira mensagem enviada aos leitores sobre a prisão<br />

dos jornalistas e cartunistas. A mensagem é dada então, através do balão <strong>de</strong> fala que sai<br />

da boca do lobo. A imagem segue traços semelhantes aos do impressionismo, que<br />

buscava em suas pinturas, dar ênfase à luz e ao movimento, utilizando pinceladas e<br />

normalmente as telas eram pintadas ao ar livre para que o pintor pu<strong>de</strong>sse capturar<br />

melhor as variações <strong>de</strong> cores da natureza. Nesse caso, como a impressão gráfica do<br />

tablói<strong>de</strong> era com as cores preto e branco, essas variações <strong>de</strong> cores não são exaltadas.<br />

Millôr foi o responsável pela produção <strong>de</strong>ste número, e a capa traz a imagem <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>senho antigo, já produzido antes, retirado dos materiais do arquivo do tabloi<strong>de</strong>.<br />

Aliás, entre os números 74 até o 80, Martha Alencar, Miguel Paiva, Millôr e Henfil<br />

foram os responsáveis pela produção do jornal.


Charge E <strong>–</strong> A SAÍDA !! ONDE FICA A SAÍDA?<br />

109<br />

Uma semana <strong>de</strong>pois da edição marcante do lobo e do cor<strong>de</strong>iro, o <strong>Pasquim</strong>,<br />

produz mais uma edição, agora com algo a mais. A edição da semana <strong>de</strong> 18 a 24 <strong>de</strong><br />

novembro chega com novida<strong>de</strong>s.<br />

Com os jornalistas e cartunistas presos, a produção editorial do <strong>Pasquim</strong> ganha<br />

uma nova cara. Não mais sozinho, o tablói<strong>de</strong> ganha força através do Rush da<br />

solidarieda<strong>de</strong>. O movimento se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido à ajuda que o semanário recebeu durante o<br />

período da prisão da patota.<br />

Figura E<br />

O <strong>Pasquim</strong> nº 74 <strong>de</strong> 18 a 24 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1970<br />

Segundo a charge E, a edição mostra na capa, inúmeros intelectuais, atores,<br />

escritores, jornalistas, cineastas e compositores que colaboraram na produção do jornal<br />

através do <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um labirinto com o ratinho Sig no meio da página, visivelmente<br />

perdido e graficamente gritando: A saída!! On<strong>de</strong> fica a saída?<br />

Notamos a diferença no traço mais fino do <strong>de</strong>senho do ratinho. Nos<br />

documentários: Henfil <strong>–</strong> Profissão Cartunista e O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> A subversão do humor, é<br />

explicado com clareza, o esquema <strong>de</strong> produção feito a partir da prisão dos principais


edatores do jornal. Henfil era o responsável por imitar o traço <strong>de</strong> Jaguar, criador do<br />

ratinho Sig, enquanto Miguel Paiva imitava as ilustrações <strong>de</strong> Ziraldo. Desse modo, a<br />

situação da redação do <strong>Pasquim</strong> estava clara na capa em dois elementos: na frase-<br />

editorial, O PASQUIM <strong>–</strong> Apesar dos pesares, evi<strong>de</strong>nciando a persistência e a esperança<br />

do jornal diante da situação da prisão <strong>de</strong> sua equipe, e no balãozinho solto no final da<br />

página, aparentemente sem autor, que <strong>de</strong>monstra a perda dos redatores e o ganho <strong>de</strong><br />

uma equipe <strong>de</strong> colaboradores: Ainda com algo me<strong>nos</strong>, mas agora com muito mais.<br />

Cabe ressaltar que após o episódio da prisão, ficou claro para os jornalistas do<br />

<strong>Pasquim</strong> que não era mais possível “brincar” com a Ditadura sem sofrer alguma<br />

represália. Contudo, nem por isso o jornal per<strong>de</strong>u seu tom humorístico ou criativo. Pelo<br />

contrário, a imaginação dos colaboradores passou a ser solicitada <strong>de</strong> forma intensa para<br />

driblar a censura, com os mesmos propósitos: implicitar, subten<strong>de</strong>r e colocar nas<br />

entrelinhas o que queria ser dito. Havia uma gran<strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> nesse processo<br />

criativo dos colaboradores, que ao criar seu material, fixavam uma espécie <strong>de</strong> código<br />

com os leitores, que precisavam enten<strong>de</strong>r a mensagem. Dessa maneira, po<strong>de</strong>mos<br />

perceber que as imagens no <strong>Pasquim</strong> acabavam por melhor <strong>de</strong>spistar a censura e a<br />

crítica, e é através <strong>de</strong>ssa linguagem através <strong>de</strong> metáforas que se evitava o confronto<br />

direto, porém, não me<strong>nos</strong> eficiente, ou até mais eficaz que a crítica nua e crua, através<br />

<strong>de</strong> palavras, textos.<br />

Retomando a charge em referência, percebemos que ela cita diversos nomes.<br />

Essa capa ilustra o Rush <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> citado anteriormente através <strong>de</strong> colaboradores<br />

como o cronista Rubem Braga, o jornalista e dramaturgo Antônio Callado, o cantor e<br />

compositor Chico Buarque, o cineasta Glauber Rocha, a atriz O<strong>de</strong>te Lara, cantor<br />

Roberto Carlos, entre tantos outros. Também po<strong>de</strong>mos perceber na charge, que o traço<br />

do ratinho Sig, imitado por Henfil é visivelmente diferente do ratinho <strong>de</strong>senhado pelo<br />

seu criador, Jaguar.<br />

Figura 6 Figura 7<br />

Ratinho Sig por Henfil Ratinho Sig por Jaguar<br />

110


111<br />

Voltando à análise da charge E, observa-se que o balão na cabeça do mascote,<br />

representa que ele está perdido diante <strong>de</strong> tantos colaboradores, ou seja, o <strong>Pasquim</strong> foi<br />

surpreendido por uma gran<strong>de</strong> procura <strong>de</strong> pessoas interessadas em ajudar, colaborar,<br />

tanto moralmente quanto editorialmente na produção do semanário no momento <strong>de</strong><br />

ausência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da sua equipe. O <strong>Pasquim</strong> se referiu ao episódio da prisão<br />

como um “surte <strong>de</strong> gripe” que numa “reação em ca<strong>de</strong>ia assolou a equipe do jornal”.<br />

(BRAGA, 1991, p. 37).<br />

É visível que a capa conseguiu dizer em sua mensagem que o jornal estava<br />

passando por um momento especial, e que os nomes <strong>de</strong> tantos colaboradores estavam ali<br />

por algum motivo especial também. Os leitores já tinham compreendido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição<br />

72, que o semanário estava passando por dificulda<strong>de</strong>s, e a sequência das imagens <strong>de</strong>sta<br />

análise <strong>nos</strong> apresenta os acontecimentos mais marcantes da trajetória do tablói<strong>de</strong>. No<br />

meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1970, apesar das colaborações dos intelectuais, jornalistas,<br />

cantores e <strong>de</strong>mais influências da cultura do país, o jornal pára <strong>de</strong> funcionar durante duas<br />

semanas, voltando em 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, com o número 78 com a frase editorial: estamos<br />

aqui, ó!<br />

Dando continuida<strong>de</strong> ao contexto da imagem, ao perceber que a censura estava<br />

alimentando O <strong>Pasquim</strong>, o Regime <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> liberar e equipe <strong>de</strong> redatores da prisão.<br />

Em janeiro <strong>de</strong> <strong>1971</strong>, parte da equipe do jornal sai da prisão, mas a fantasia do<br />

milagre começa a se <strong>de</strong>sfazer, já que os índices <strong>de</strong> inflação aumentaram e o próprio<br />

jornal ficou cheio <strong>de</strong> dívidas e conflitos entre seus integrantes. A próxima charge a ser<br />

analisada aponta exatamente essa turbulência na vida dos pasquinia<strong>nos</strong>.


Charge F <strong>–</strong> E AGORA?<br />

112<br />

Quase toda a equipe foi solta, exceto Tarso <strong>de</strong> Castro. A edição 79 diz que os<br />

nove do <strong>Pasquim</strong> agora são um. Tarso ainda permanece na prisão. O número 80 traz na<br />

capa, a foto da equipe, todos com óculos escuros e na manchete dizia: Estes são os<br />

verda<strong>de</strong>iros homens sem visão. A frase queria transpor a ingenuida<strong>de</strong> da equipe ao<br />

contrapor o governo com a charge da edição do número 72. Já o número 81, como<br />

vemos na imagem abaixo, finalmente é o primeiro número com toda a equipe solta,<br />

inclusive Tarso. A charge conclui o episódio da prisão da patota.<br />

Figura F<br />

O <strong>Pasquim</strong>, edição 81, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> <strong>1971</strong><br />

O período mais conturbado da trajetória do jornal chega ao fim. “A inocência se<br />

per<strong>de</strong>ra, a euforia do sucesso econômico também”. (BRAGA, 1991, p. 38).<br />

De acordo com a charge F, o alvo centralizado na capa da charge em questão<br />

está cheio <strong>de</strong> tiros e com o ratinho Sig ao centro, que anuncia: Tarso à solta. A edição<br />

mostra o clima <strong>de</strong> perseguição na linguagem visual (o alvo) e textual (“à solta”). A<br />

edição referida já foi produzida pela equipe que retomou à redação após dois meses <strong>de</strong><br />

prisão. Jaguar volta a <strong>de</strong>senhar o ratinho Sig, sempre companheiro das ilustrações do<br />

semanário. O ratinho ao centro marca a volta <strong>de</strong> Jaguar, o criador e <strong>de</strong>senhista oficial do<br />

mascote. O alvo representaria a equipe que retornou à redação e possivelmente seria


alvo principal do governo, que foi representado pelos tiros na imagem. Após episódio<br />

da prisão, o Regime ficaria alerta e <strong>de</strong> olho na patota. Quanto a frase Tarso à solta, o<br />

<strong>Pasquim</strong> anuncia que o último integrante da equipe saiu da prisão, porém, atrás <strong>de</strong>ssa<br />

mensagem há um <strong>de</strong>sentendimento da equipe com Tarso <strong>de</strong> Castro.<br />

113<br />

Baseado em jornais e livros sobre o tabloi<strong>de</strong>, como a Antologia do <strong>Pasquim</strong>, vol.<br />

I, II e III, Tarso <strong>de</strong> Castro, ao sair da prisão e voltar ao jornal, percebeu que o mesmo<br />

sofria com as dívidas e os problemas <strong>de</strong> atraso nas produções, assim como o fechamento<br />

do jornal ocorrido durante duas semanas no mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1970. A vendagem do<br />

<strong>Pasquim</strong>, durante o período da prisão passou <strong>de</strong> 160 mil exemplares para apenas 60 mil.<br />

Os anunciantes se retraíram, e muitos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> anunciar sua marca no tabloi<strong>de</strong> e a<br />

economia está largamente nas mãos do governo nesse período. Com esses fatores, Tarso<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> abandonar os companheiros e <strong>de</strong>ixa o jornal <strong>de</strong>finitivamente. Ziraldo diz<br />

(Folhetim, 1979): O Tarso é um homem <strong>de</strong> festa. Na hora que o negócio fica preto ele<br />

pula fora. Foi o que aconteceu. Ele viu que tinha que enfrentar uma pedreira <strong>de</strong> dois<br />

a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> trabalho e sem festa... se picou”. (BRAGA, 1991, p. 39).<br />

Após a saída da prisão e a briga com Tarso <strong>de</strong> Castro, o semanário teve que<br />

enfrentar suas dívidas, assim como a bagunça em que a redação do jornal se encontrava<br />

após os longos dois meses atrás das gra<strong>de</strong>s. Além disso, a equipe se encontrava em uma<br />

incerteza, sem saber o que fazer a partir <strong>de</strong>sse episódio.<br />

Com a saída <strong>de</strong> Tarso, a direção do <strong>Pasquim</strong> ficou com Sérgio Cabral, que<br />

permaneceu no cargo até o fim do ano <strong>de</strong> <strong>1971</strong>. No início <strong>de</strong> 1972, Jaguar assume as<br />

ré<strong>de</strong>as do semanário, após Sérgio Cabral abandonar o grupo e ir trabalhar na editora<br />

Abril, em São Paulo. Ziraldo e Henfil ganham os cargos <strong>de</strong> vice presi<strong>de</strong>ntes da empresa.<br />

No <strong>de</strong>correr dos próximos a<strong>nos</strong>, outras mudanças ocorrem entre os cargos e os<br />

companheiros trocam <strong>de</strong> comandos frequentemente.<br />

Porém, apesar <strong>de</strong> todo o episódio da prisão e a queda das vendas, o <strong>Pasquim</strong><br />

mantinha uma relação muito forte com seu público. O número 100, que trouxe uma<br />

entrevista com a atriz Dercy Gonçalves, atingiu 100 mil exemplares vendidos.<br />

Quanto ao conteúdo do tabloi<strong>de</strong> durante esses períodos <strong>de</strong> turbulência emocional<br />

e econômica, com a prisão e a certeza <strong>de</strong> que não se <strong>de</strong>veria mais brincar com o<br />

governo, o jornal não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> transpor sua essência e nem <strong>de</strong> inundar os leitores com<br />

sua criativida<strong>de</strong>. Pelo contrário, a imaginação dos colaboradores no período da prisão,<br />

por exemplo, que <strong>de</strong> forma intensa, tentaram driblar a censura, sugerir, implicitar,<br />

subenten<strong>de</strong>r. A trajetória do <strong>Pasquim</strong> durante os a<strong>nos</strong> 70 praticamente foi toda assim,


criando com inteligência suas mensagens, para que chegassem aos leitores com o<br />

código intencional.<br />

A recuperação econômica do semanário se faz em cerca <strong>de</strong> dois a<strong>nos</strong>. Na forma<br />

gráfica o jornal não sofre gran<strong>de</strong>s modificações. Algumas adaptações na diagramação<br />

são necessárias e frases manuscritas entre as colunas e nas margens, comentam os textos<br />

impressos. A edição <strong>de</strong> número 104, em comemoração ao segundo aniversário do<br />

tabloi<strong>de</strong>, promete: Este jornal vai virar o Brasil <strong>de</strong> pernas pro ar. Millôr Fernan<strong>de</strong>s<br />

também passou pela gerência nesse período <strong>de</strong> transformações. Em setembro <strong>de</strong> 1972<br />

ele consegue <strong>de</strong>ixar a situação administrativa e econômica do tabloi<strong>de</strong>, estável. Porém,<br />

apesar <strong>de</strong> todas as modificações e problemas enfrentados pelo semanário, os leitores<br />

cariocas nunca abandonaram o semanário e as charges e entrevistas sempre<br />

conquistaram o público leitor. Braga (1991:44) diz que “todos os esforços empresariais<br />

e promocionais não levantariam o jornal se ele não fosse sentido como criativo pelo seu<br />

público”.<br />

114<br />

No fim <strong>de</strong> 1973, Henfil <strong>de</strong>ixa o semanário para tentar a profissão <strong>nos</strong> Estados<br />

Unidos, porém, continua ajudando o jornal com colaborações á distância. No início <strong>de</strong><br />

1974, o <strong>Pasquim</strong> já estava recuperado por inteiro, <strong>de</strong> todas as crises que sofreu e<br />

reconstruiu sua linha editorial <strong>de</strong> forma coerente e fiel. A estabilização do jornal pô<strong>de</strong><br />

lhes proporcionar uma se<strong>de</strong> própria, que se tornou oficialmente a redação do <strong>Pasquim</strong>,<br />

localizada na rua Saint Roman, 142, em Copacabana, no Rio. Nota: Para saber mais<br />

sobre a continuida<strong>de</strong> do trabalho do semanário O <strong>Pasquim</strong>², é necessário uma ampliação<br />

<strong>de</strong> sua trajetória.<br />

____________________<br />

² <strong>–</strong> Para se compreen<strong>de</strong>r a fase que envolve O <strong>Pasquim</strong> a partir dos a<strong>nos</strong> que suce<strong>de</strong>ram estes<br />

acontecimentos tradados nesta monografia, indicamos a consulta <strong>de</strong> livros como O <strong>Pasquim</strong> <strong>–</strong> Antologia <strong>–</strong><br />

Vol I, II e III, livros organizado por Jaguar e Sérgio Augusto e publicados pela Editora Desi<strong>de</strong>rata. Além<br />

<strong>de</strong>ssas obras, leia sobre a trajetória do semanário no livro <strong>de</strong> José Luiz Braga O <strong>Pasquim</strong> e os a<strong>nos</strong> 70 <strong>–</strong><br />

mais pra epa que pra oba, publicado pela Editora UNB, entre outras obras que esclarecerão sobre o<br />

tabloi<strong>de</strong> mais revolucionário do jornalismo brasileiro.


6. CONCLUSÃO<br />

115<br />

Durante a realização <strong>de</strong>sta monografia, traçamos caminhos, <strong>nos</strong> valendo <strong>de</strong><br />

diversos conceitos junto aos quais procuramos respon<strong>de</strong>r o <strong>nos</strong>so problema <strong>de</strong> pesquisa<br />

e objetivos <strong>de</strong>sta monografia. Chegando no capítulo da conclusão e nele veremos em<br />

que medida os objetivos foram alcançados segundo a contribuição <strong>de</strong> cada capítulo para<br />

a elucidação do problema <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Para isso, relembramos o <strong>nos</strong>so problema <strong>de</strong> pesquisa, que <strong>nos</strong> fazia a seguinte<br />

pergunta: Como o jornal O <strong>Pasquim</strong>, conseguiu, através <strong>de</strong> suas charges humorísticas,<br />

driblar a censura imposta pelo Regime Militar? Para isso, procuramos conceitos sobre a<br />

charge enquanto linguagem <strong>de</strong> comunicação, encontrando diversos autores que<br />

trabalharam sobre esse assunto em livros ou teses. Dentre os conceitos trabalhados<br />

nesse contexto da charge como linguagem, discorremos também sobre humor, humor<br />

como crítica, humor face à censura, charge, caricatura, entre outros segmentos. Para isso<br />

buscamos embasamento em obras <strong>de</strong> vários especialistas.<br />

Em <strong>nos</strong>sa análise, as charges foram escolhidas estrategicamente em função do<br />

contexto do <strong>nos</strong>so problema <strong>de</strong> pesquisa e também <strong>de</strong> acordo com a importância <strong>de</strong>las<br />

no contexto das estratégias <strong>de</strong>senvolvidas pelo <strong>Pasquim</strong> no seu enfrentamento com a<br />

censura, no dia a dia do período autoritário. Desse modo, as escolhemos <strong>de</strong>vido sua<br />

importância na história vivida pelo tablói<strong>de</strong>, um dos mais importantes jornais do Brasil.<br />

Acreditamos ao escolher a charge para análise, que a contribuição que a mesma<br />

po<strong>de</strong> gerar é curiosamente diferente dos <strong>de</strong>mais gêneros jornalísticos. Através <strong>de</strong> sua<br />

linguagem, a charge <strong>nos</strong> apresentou diversos modos <strong>de</strong> discurso e significado, segundo<br />

modos <strong>de</strong> dizer que estavam associados a um contexto do qual se reportavam <strong>de</strong> modo<br />

alusivo, indireto ou sob reticências... Desse modo, analisamos as seis imagens propostas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do trabalho e em prática, no capítulo da análise.<br />

Através do diálogo dos conceitos com as charges analisadas, conseguimos<br />

compreen<strong>de</strong>r melhor os sentidos que as imagens se propunham a gerar. Ou seja, nem<br />

sempre apresentam um único sentido, po<strong>de</strong>ndo indicar dois ou mais sentidos em suas<br />

entrelinhas, como percebemos na análise em questão. Desse modo, constatamos que o<br />

jornal O <strong>Pasquim</strong>, conseguiu, através <strong>de</strong>ssas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso <strong>–</strong> gráfico e visual<br />

<strong>–</strong> via a utilização <strong>de</strong> charges, driblar a censura através <strong>de</strong> mecanismos humorísticos e<br />

estratégicos. Nas seis charges apresentadas, a equipe do tabloi<strong>de</strong> usa o humor como


principal sacada e <strong>de</strong>sse modo, disfarça a situação em que o país vivia, mantendo uma<br />

espécie <strong>de</strong> código com o seu leitor que recebe a mensagem e a enten<strong>de</strong>.<br />

Particularmente, acreditamos que o papel do humor na realização <strong>de</strong> um discurso<br />

político para enfrentar regimes marcados pela censura, é um gran<strong>de</strong> artifício, pois<br />

através do humor, é possível brincar com tamanha arma, que é a censura, e discorrer<br />

sobre assuntos polêmicos com leveza e graça. A peça chave do <strong>Pasquim</strong> foi com certeza<br />

o humor utilizado em suas charges, principalmente no período analisado nesta<br />

monografia (<strong>1969</strong> <strong>–</strong> <strong>1971</strong>), momento <strong>de</strong> intensa repressão e também o momento que o<br />

tabloi<strong>de</strong> se mostra mais forte e engajado, apoiado sempre em sua vertente: o humor.<br />

116<br />

Em relação às charges analisadas, cada uma <strong>de</strong>las possui características<br />

peculiares <strong>de</strong> seus autores respectivos, assim como o traço e o modo <strong>de</strong> dizer. Elas se<br />

interligam com os acontecimentos relacionados com o tablói<strong>de</strong> no período <strong>de</strong> um ano e<br />

o humor apresentado nas mesmas gera uma relação direta com a situação da época do<br />

semanário. Portanto, com esse humor peculiar po<strong>de</strong>mos perceber e conhecer mais sobre<br />

o imaginário <strong>de</strong> cada cartunista e o que eles queriam dizer nas mensagens dos balões <strong>de</strong><br />

fala, no traço, no modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar, na ênfase da mensagem, entre outras<br />

peculiarida<strong>de</strong>s.<br />

Trabalhar com humor, com certeza <strong>nos</strong> trouxe um maior <strong>de</strong>sejo e curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

investigar, procurar saber por que ele teve esse caráter tão importante para o <strong>Pasquim</strong>, e<br />

como a equipe <strong>de</strong>sse jornal, soube usar com maestria esse recurso em seus materiais. E<br />

a partir <strong>de</strong>sse contexto e dos resultados que pu<strong>de</strong>mos adquirir nesta monografia, entendo<br />

<strong>de</strong> uma forma mais clara o po<strong>de</strong>r que uma imagem tem diante dos olhos do público e<br />

principalmente do público alvo, como aconteceu <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> do Regime Militar. O<br />

<strong>Pasquim</strong>, com inteligência, soube atingir esse público alvo, que permaneceu fiel ao<br />

semanário durante o período <strong>de</strong> repressão, assim como no período da prisão dos<br />

jornalistas.<br />

Rir, nesse período, se tornou algo raro diante <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> um governo,<br />

caracterizada por tantas prisões, mortes, <strong>de</strong>saparecimentos e <strong>de</strong>mais acontecimentos<br />

<strong>de</strong>sse momento político em que o Brasil vivia. Portanto, rir, seja através <strong>de</strong> notícias,<br />

reportagens e textos, ficou mais difícil e o <strong>Pasquim</strong> conseguiu, através das charges,<br />

construir um humor sutil e eficaz, capaz <strong>de</strong> conquistas leitores fiéis que <strong>de</strong>positaram no<br />

semanário toda a esperança <strong>de</strong> uma mudança no modo <strong>de</strong> vida nessa época, através do<br />

riso que o mesmo proporcionava.


Desse modo, achamos que mesmo não vivendo esse período, soubemos <strong>nos</strong><br />

interessar pelos fatos que envolveram a política do <strong>nos</strong>so país, e assim, compreen<strong>de</strong>r<br />

diversos acontecimentos que envolveram o jornalismo e que traçaram o longo caminho<br />

<strong>de</strong> luta <strong>de</strong> sua história e o fizeram chegar aon<strong>de</strong> chegou. Contribuição esta, que se <strong>de</strong>u<br />

através da pesquisa feita para o exercício <strong>de</strong>sta monografia, assim como os capítulos<br />

que escrevemos, que <strong>nos</strong> ajudaram a clarear as i<strong>de</strong>ias sobre como o humor conseguiu na<br />

época, agir com uma eficácia surpreen<strong>de</strong>nte. Além disso, esse estudo trouxe um<br />

entendimento muito mais firme, fazendo uma divisa do que pensávamos enten<strong>de</strong>r sobre<br />

o assunto e o que realmente aconteceu naquela época, trazendo um maior<br />

esclarecimento sobre esse período.<br />

117<br />

No caso da <strong>nos</strong>sa pesquisa, o jornal O <strong>Pasquim</strong> foi o melhor jornal a apresentar<br />

esse humor com tanta leveza aos leitores, em um momento tão difícil da política<br />

brasileira e que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro número, já conquistou inúmeros fãs que não ficaram<br />

restritos apenas aos moradores <strong>de</strong> Ipanema.<br />

Com certeza, a partir <strong>de</strong>sta monografia, pu<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r melhor sobre a<br />

recente história do jornalismo no país e compreen<strong>de</strong>r que ele também viveu a<strong>nos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>chumbo</strong>, junto com o Brasil. A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, peça fundamental para o real<br />

exercício <strong>de</strong>ssa profissão, foi abolida durante a Ditadura Militar e, mesmo assim, foram<br />

buscadas maneiras <strong>de</strong> não se calar e a prova disso foi o nascimento do jornalismo<br />

alternativo, que apren<strong>de</strong>mos a admirar e que significavelmente contribuiu em <strong>nos</strong>sa<br />

formação, tanto profissional quanto intelectual.


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CÂMARA, 1999. 48min. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=8mhzBQN0B1A<br />

125


ANEXOS<br />

IMAGENS DO CAPÍTULO 5.3.2 AMPLIADAS<br />

IMAGEM A<br />

126


IMAGEM B<br />

127


IMAGEM C<br />

128


IMAGEM D<br />

129


IMAGEM E<br />

130


IMAGEM F<br />

131

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