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literatura - Wagner Lemos

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“O cavalo prepara-se para o dia da batalha, mas do Senhor<br />

vem a vitória”. (Provérbios de Salomão 21: 31)<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

“NÃO SOMOS NÓS QUE TEMOS TUDO A<br />

ESPERAR DO FUTURO, MAS O FUTURO QUE TEM<br />

TUDO A ESPERAR DE NÓS.”<br />

ROMANTISMO<br />

ROMANTISMO NO BRASIL<br />

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL<br />

(TOBIAS BARRETO)<br />

O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com<br />

a Independência política e suas conseqüências sócio-culturais: o<br />

novo público leitor, as instituições universitárias e, acima de tudo, o<br />

nacionalismo ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os<br />

escritores são os principais intérpretes.<br />

Contribuir para a grandeza da nação através de uma <strong>literatura</strong> que<br />

fosse o espelho do novo mundo e de sua paisagem física e humana,<br />

eis o projeto ideológico da primeira geração romântica. Há um<br />

sentimento de missão: revelar todo o Brasil, criando uma <strong>literatura</strong><br />

autônoma que nos expressasse.<br />

A adaptação de um movimento artístico europeu<br />

Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às exigências<br />

ideológicas dos escritores brasileiros, O Romantismo se opunha à<br />

arte clássica, e Classicismo aqui significava dominação portuguesa.<br />

O Romantismo voltava-se para a natureza, para o exótico; e aqui<br />

havia uma natureza exuberante, etc. Tudo se ajustando para o<br />

desenvolvimento de uma <strong>literatura</strong> ufanista.<br />

O nacionalismo romântico encontrará a sua representação nos<br />

seguintes elementos:<br />

Indianismo<br />

No "bon sauvage" francês sedimenta-se o modelo de um herói que<br />

se deveria se tornar o passado e a tradição de um país desprovido<br />

de sagas exemplares. O nativo - ignorada toda a cultura indígena -<br />

converte-se no herói inteiriço, feito à imagem e semelhança de um<br />

cavaleiro medieval.<br />

Assume-se a imagem exótica que as metrópoles européias tinham<br />

dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo. Acima de tudo, o índio<br />

representa, na sua condição de primitivo habitante, o próprio símbolo<br />

da nacionalidade. Além disso, a imagem positiva do indígena fornece<br />

às elites o orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na<br />

legitimação de seu próprio poder no Brasil posterior à Independência.<br />

Sertanismo ou regionalismo<br />

Resultado da "consciência eufórica de um país novo", o sertanismo<br />

romântico (também discutivelmente chamado de regionalismo)<br />

procura afirmar as particularidades e a identidade das regiões e da<br />

vida rural, na ânsia de tornar literário todo o Brasil. Este registro do<br />

mundo não-urbano permanece na superfície com uma moldura, já<br />

que a intriga romanesca é citadina, ou seja, gira em torno dos<br />

esquemas românticos do folhetim. Além disso, os autores usam<br />

sempre a linguagem culta e literária das cidades e não a fala<br />

particular da região retratada.<br />

Natureza<br />

Além disso, a imagem positiva do indígena fornece às elites o<br />

orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na legitimação de seu<br />

próprio poder no Brasil posterior à Independência.<br />

O SURGIMENTO DO ROMANTISMO<br />

O passo decisivo para a deflagração do movimento é a publicação<br />

da revista Niterói, em Paris, 1836, que trazia como epígrafe: "Tudo<br />

pelo Brasil e para o Brasil". A revista, elaborada por intelectuais que<br />

estudavam na Europa, propunha a investigação "das letras, artes e<br />

ciências brasilienses". No grupo, destaca-se Gonçalves de<br />

Magalhães, que ainda em 1836 lançaria um livro de poemas:<br />

Suspiros poéticos e saudades. Esta obra introduziu o espírito<br />

romântico no Brasil.<br />

O projeto de autonomia dos autores românticos não se realizou<br />

integralmente. Todos os princípios "nacionalistas" que defenderam<br />

estavam, em maior ou menor grau, comprometidos com uma visão<br />

européia de mundo. Além disso, o nacionalismo era feito de<br />

exterioridades, mais paisagem do que substância humana. Aquele<br />

"sentimento íntimo de brasilidade", de que falou Machado de Assis,<br />

não existe nas obras do período.<br />

Por fim, o fato de todos os escritores da primeira geração viverem à<br />

sombra do poder (foram ministros, secretários, embaixadores,<br />

burocratas do alto escalão) comprometeu-os irremediavelmente com<br />

a classe dominante. Fugiram da escravidão e da pobreza,<br />

escamotearam a ferocidade das elites e a miséria das ruas,<br />

ignoraram a violência que se espalhava pelo cotidiano. Em troca,<br />

celebraram o idílio e a natureza, mitificaram as regiões, teatralizaram<br />

o índio, criando assim uma arte conservadora.<br />

A DIVISÃO EM GERAÇÕES<br />

Na lírica romântica brasileira, podem ser delimitados, com algum<br />

rigor, três momentos que se caracterizam por apresentar temas e<br />

visões de mundo diferenciadas. Estes momentos coincidem com a<br />

formação de três gerações (1). Cada geração assume uma<br />

perspectiva própria, embora todas sejam marcadas pelo caráter<br />

romântico. Contudo, os elementos que definem cada uma delas não<br />

são exclusivos. Interpenetrando-se de forma bastante acentuada.<br />

1º Geração<br />

Denominação: nacionalista( ou indianista).<br />

Componentes: Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias.<br />

Temas: o índio; a saudade da pátria; a natureza; a religiosidade; o<br />

amor impossível.<br />

2º Geração<br />

Denominação: Mal do Século ou Byronista.<br />

componentes: Álvares de Azevedo; Casimiro de Abreu; Fagundes<br />

Varela; Junqueira Freire.<br />

Modelos poéticos: Byron e Musset.<br />

Temas: o tédio; a orgia; a dúvida; a morte; a infância; o medo do<br />

amor; o sofrimento;<br />

3º Geração<br />

Denominação: condoreira<br />

Componentes: Castro Alves e Tobias Barreto.<br />

Modelo poético: Victor Hugo<br />

Temas: defesa de causas humanitárias; denúncia da escravidão;<br />

amor erótico.<br />

(1) normalmente atribuía-se a duração média de 15 anos para<br />

cada geração. A partir de meados do século XX, em função da<br />

rapidez da mudança de costumes e valores, reduziu-se este<br />

tempo para 10 anos.<br />

A PRIMEIRA GERAÇÃO (GERAÇÃO NACIONALISTA)<br />

A contribuição dos teóricos europeus, o nacionalismo ufanista pós-<br />

1822 e as viagens para o exterior de uma jovem intelectualidade -<br />

nascendo daí o famoso sentimento do exílio - fornecem o quadro<br />

histórico onde aponta a primeira geração romântica. O apogeu da<br />

mesma ocorre entre 1836 e 1851, quando Gonçalves Dias publica<br />

Últimos cantos, encerrando o período mais fértil e criativo de sua<br />

carreira.<br />

1. GONÇALVES DE MAGALHÃES (1811-1887)<br />

OBRAS: Suspiros Poéticos e Saudades (1836); A Confederação<br />

dos Tamoios (1857).<br />

A Gonçalves de Magalhães coube a precedência cronológica na<br />

elaboração de versos românticos. Suspiros poéticos e saudades é a<br />

materialização lírica de algumas idéias do autor sobre o<br />

Romantismo, encarado como possibilidade de afirmação de uma<br />

<strong>literatura</strong> nacional, na medida em que destruía os artifícios<br />

neoclássicos e propunha a valorização da natureza, do índio e de<br />

uma religiosidade panteísta.<br />

Durante anos, Gonçalves de Magalhães foi considerado o maior<br />

poeta pátrio. Transformou-se em símbolo oficial da <strong>literatura</strong><br />

brasileira, merecendo inclusive grande apreço de D.Pedro II. A<br />

confederação dos tamoios, tentativa de indianismo épico em que a<br />

prolixidade* dissolve o lirismo, significou a crise dessa carreira<br />

triunfante. Submetida à primeira e dura revisão<br />

crítica, com José de Alencar denunciando o<br />

artificialismo de sua composição, a obra de<br />

Magalhães começou a ser relegada a um plano<br />

secundário. Sob pseudônimo, o próprio<br />

Imperador sai em defesa de seu protegido, mas<br />

os argumentos de Alencar eram irrefutáveis.<br />

Restava-lhe a importância histórica, e esta era<br />

incontestável. O Romantismo fora introduzido<br />

por ele.<br />

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1


2. GONÇALVES DIAS (1823-1864)<br />

VIDA: Filho de um comerciante português e de uma mulata que<br />

viviam em concubinato, Antônio de Gonçalves Dias nasceu em<br />

Caxias, no Maranhão. Viajou muito pelas províncias do Norte e pela<br />

Europa, sempre a serviço. Afetado pela tuberculose, tentou a cura na<br />

França. Desenganado pelos médicos, retornou num cargueiro que<br />

naufragaria, já nas costas do Maranhão. A única vítima do naufrágio<br />

foi o poeta, que contava então quarenta e um anos de idade.<br />

OBRAS: Primeiros cantos (1846); Segundos cantos (1848);<br />

Sextilhas de frei Antão (1848); Últimos cantos (1851); Os Timbiras<br />

(1857).<br />

Gonçalves Dias consolidou o Romantismo no Brasil com uma<br />

produção poética de boa qualidade. Entre os autores do período é o<br />

que melhor consegue equilibrar os temas sentimentais, patrióticos e<br />

saudosistas com uma linguagem harmoniosa e de relativa<br />

simplicidade, fugindo tanto da ênfase declamatória como da<br />

vulgaridade. Pode-se dizer que o seu estilo romântico é temperado<br />

por uma certa formação clássica, o que evita os excessos verbais tão<br />

comuns aos poetas que lhe foram contemporâneos.<br />

Sua obra se articula em torno de três assuntos principais:<br />

* O ÍNDIO * A NATUREZA * O AMOR IMPOSSÍVEL<br />

O INDIANISMO<br />

O elogio literário ao índio, como já foi observado, é mais do que uma<br />

convenção poética. Trata-se da reafirmação dos intuitos<br />

nacionalistas da primeira geração romântica, conseqüência direta do<br />

sentimento localista, posterior à Independência.<br />

Em geral, essa <strong>literatura</strong> mescla elementos pitorescos (os habitantes<br />

do Novo Mundo) com a mitologia romântica européia (a teoria do<br />

bom selvagem), acrescidos de uma a visão idealizada (os índios são<br />

falsos e, às vezes, inverossímeis) e referências etnográficas que<br />

deveriam conferir um tom "verdadeiro" às obras (roupagens, armas,<br />

costumes, etc.). O objetivo era a elaboração de um herói mítico<br />

brasileiro, de um antepassado glorioso do qual a nação pudesse se<br />

orgulhar.<br />

A superioridade do autor maranhense sobre outros escritores<br />

indianistas resulta de três fatores:<br />

* maior conhecimento da vida aborígine;<br />

* uso épico e lírico de um índio ainda não deculturado pelo<br />

homem branco;<br />

* esplêndido domínio estilístico, sobretudo na questão do ritmo<br />

e da estrutura melódica.<br />

Vários de seus poemas, que tratam dos primitivos habitantes,<br />

tornam-se antológicos, entre os quais Marabá, O canto do piaga,<br />

Leito de folhas verdes e, principalmente, I-Juca Pirama.<br />

I-JUCA PIRAMA - Este texto é uma espécie de síntese do<br />

indianismo de Gonçalves Dias seja pela concepção épico-dramática<br />

da bravura e da generosidade de tupis e timbiras, seja pela ruptura,<br />

ainda que momentânea, da convencional coragem guerreira, seja<br />

ainda pelo belíssimo jogo de ritmos que ocorre no texto. I-Juca<br />

Pirama significa "aquele que vai morrer" ou "aquele que é digno de<br />

ser morto". Em sua abertura, o poeta apresenta o cenário onde<br />

transcorrerá a história:<br />

No meio das tabas de amenos verdores,<br />

Cercadas de troncos - cobertos de flores,<br />

Alteiam-se os tetos de altiva nação. (...)<br />

São todos Timbiras, guerreiros valentes!<br />

Seu nome lá voa na boca das gentes,<br />

Condão de prodígios, de glória e terror!<br />

Em seguida, inicia-se um ritual antropofágico: "Em fundos vasos<br />

d'alvacenta argila / ferve o cauim. / Enchem-se as copas, o prazer<br />

começa, / reina o festim." O jovem prisioneiro tupi, que vai ser<br />

devorado, resolve falar antes do desenlace, e com "triste voz" narra a<br />

sua vida desventurada.<br />

Ao metro anterior, de dez sílabas poéticas, plástico e alegre,<br />

sucedem-se os versos de cinco sílabas, curtos, rápidos, sincopados.<br />

Estas variações contínuas indicam que o ritmo varia de uma parte do<br />

poema a outra, traduzindo a multiplicidade de situações do<br />

argumento.<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

Meu canto de morte<br />

Guerreiros, ouvi:<br />

Sou filho das selvas,<br />

Nas selvas cresci;<br />

Guerreiros, descendo<br />

Da tribo tupi<br />

Da tribo pujante,<br />

Que agora anda errante<br />

Por fado inconstante,<br />

Guerreiros, nasci:<br />

Sou bravo, sou forte,<br />

Sou filho do Norte;<br />

Meu canto de morte,<br />

Guerreiros, ouvi.<br />

O índio tupi no seu canto de morte lembra o velho pai, cego e débil,<br />

vagando sozinho, sem amparo pela floresta, e pede para viver:<br />

Deixai-me viver! (...)<br />

Não vil, não ignavo,*<br />

Mas forte, mas bravo,<br />

Serei vosso escravo:<br />

Aqui virei ter.<br />

Guerreiros, não choro;<br />

Do pranto que choro;<br />

Se a vida deploro,<br />

Também sei morrer.<br />

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2<br />

* Ignavo: preguiçoso.<br />

O chefe timbira manda soltá-lo. Não quer "com carne vil enfraquecer<br />

os fortes". Solto, o jovem tupi perambula pela floresta até encontrar o<br />

pai. Este, pelo cheiro das tintas utilizadas no ritual, pelo apalpar do<br />

crânio raspado do filho, e por algumas perguntas sem resposta,<br />

desconfia de uma terrível fraqueza diante dos inimigos. Pede então<br />

que o rapaz o leve até a aldeia timbira. Lá chegando, exige, em<br />

nome da honra tupi, que a cerimônia antropofágica ritual seja<br />

completada e que o filho seja morto. Mas o chefe timbira recusa-se,<br />

acusando o guerreiro tupi de ter chorado covardemente diante de<br />

toda a aldeia. Neste momento, o velho cego amaldiçoa o seu<br />

descendente:<br />

Tu choraste em presença da morte?<br />

Na presença de estranhos choraste?<br />

Não descende o cobarde do forte;<br />

Pois choraste, meu filho não és!<br />

Possas tu, descendente maldito<br />

De uma tribo de nobres guerreiros,<br />

Implorando cruéis forasteiros,<br />

Seres presa de vis Aimorés. (...)<br />

Sê maldito, e sozinho na terra;<br />

Pois que a tanta vileza chegaste,<br />

Que em presença da morte choraste,<br />

Tu, cobarde, meu filho não és.<br />

Mal termina a maldição, o velho escuta o grito de guerra do filho.<br />

Ouvindo o rumor da batalha, os sons de golpes, o pai percebe que o<br />

filho está lutando para manter a honra tupi, até que o chefe timbira<br />

manda seus guerreiros pararem, pois o jovem inimigo se batia com<br />

tamanha coragem que se mostrava digno do ritual antropofágico.<br />

Com lágrimas de alegria o velho tupi exclama: "Este, sim, que é meu<br />

filho muito amado!"<br />

Como chave de ouro do poema, ocorre uma transposição temporal<br />

no seu último canto. O leitor fica sabendo que os acontecimentos<br />

dramáticos vividos pelos dois tupis já tinham ocorrido muito tempo e<br />

que tudo aquilo era matéria evocada pela memória de um velho<br />

timbira:<br />

Um velho timbira, coberto de glória,<br />

guardou a memória<br />

do moço guerreiro, do velho Tupi!<br />

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava<br />

do que ele contava,<br />

Dizia prudente: - Meninos, eu vi!<br />

OS TIMBIRAS - Além desses poemas indianistas, Gonçalves Dias<br />

tenta elaborar uma epopéia intitulada Os Timbiras. Era um projeto<br />

ambicioso: os índios substituindo os heróis gregos, numa Ilíada<br />

brasileira, tropical, com abundantes e coloridas descrições da flora e


da fauna. A narrativa teria<br />

como eixo a formação e dispersão do povo timbira. A obra, contudo,<br />

fica inconclusa e os fragmentos elaborados são inexpressivos.<br />

A NATUREZA<br />

Enquanto poeta da natureza, Gonçalves Dias canta o mar, o céu, os<br />

campos, as florestas, etc. No entanto, a natureza não tem um valor<br />

universal, só merecendo ser celebrada quando simbolizava seu país.<br />

A luz do sol, por exemplo, é sempre a imensa luz do sol brasileiro.<br />

Só aqui, no espaço da pátria, os elementos naturais se manifestam<br />

em sua plena majestade. Significativamente, ele deu a esta parte de<br />

sua obra o título de poesias americanas.<br />

Não é de surpreender também que no espetáculo e nos contornos da<br />

natureza brasileira, o poeta se elevasse até Deus. Assim,<br />

nacionalismo e panteísmo se mesclam em sua lírica.<br />

A celebração da natureza entrelaça-se também com o sentimento<br />

saudosista. Gonçalves Dias é um homem nostálgico que lembra a<br />

infância, os amores idos e vividos e, antes de mais nada, um homem<br />

que, na Europa, sentira-se exilado. Por isso, a memória a todo<br />

momento o arrasta até a terra natal. E a pátria aparece sempre como<br />

natureza: palmeiras, céu, estrelas, várzeas, bosques e o indefectível<br />

sabiá.<br />

Canção do Exílio sintetiza genialmente esta identificação entre o país<br />

e sua expressão física. Desde o seu surgimento, tornou-se o poema<br />

mais conhecido do Brasil e, por derivação, o mais imitado e o mais<br />

parodiado. Talvez seja o nosso verdadeiro hino nacional.<br />

Contudo, se observamos este texto clássico, poderíamos argumentar<br />

que mesmo em Portugal, (onde o poema é escrito, no ano de 1843)<br />

há árvores e aves, bosques e várzeas. Aliás, em todos os países há<br />

uma natureza interessante a ser cantada. Mas, para Gonçalves Dias,<br />

é só na moldura do solo pátrio, que a natureza (brasileira) adquire<br />

um maior valor, um valor que em nenhum outro lugar ela pode ter.<br />

Estamos diante da essência do ufanismo romântico: minha pátria é a<br />

melhor. Por outro lado, trata-se de uma verdade humana definitiva:<br />

qualquer indivíduo no exílio - independente da terra natal ser boa ou<br />

ruim - sempre guardará por ela uma amorosa e obstinada saudade.<br />

Assim, não é de estranhar que Canção do exílio se transformasse no<br />

nosso poema:<br />

Minha terra tem palmeiras,<br />

Onde canta o Sabiá;<br />

As aves, que aqui gorjeiam,<br />

Não gorjeiam como lá.<br />

O AMOR IMPOSSÍVEL<br />

A lírica amorosa de Gonçalves Dias é marcada pelo sofrimento. Em<br />

seus poemas, o amor raramente se realiza, é sempre ilusão perdida,<br />

impossibilidade vital de relacionamento. Entre a esperança e a<br />

vivência, entre a intenção e o gesto estão os abismos da experiência<br />

concreta. E a experiência concreta remete para o fracasso. "Cismar<br />

venturas e só topar friezas", eis a delimitação desse posicionamento.<br />

Em outro de seus versos, um dos mais desencantados, ele<br />

desabafa: "Amor! delírio - engano".<br />

Apaixonar-se é, pois, predispor-se à angústia e à solidão. O poeta<br />

confessa sua afetividade, suplica a paixão da mulher, mas não<br />

obtém resposta. Resta-lhe, pois, o desespero.<br />

A SEGUNDA GERAÇÃO<br />

INDIVIDUALISTA, ULTRA-ROMÂNTICA ou GERAÇÃO DO MAL DO<br />

SÉCULO<br />

Esta geração surgiu na década de 1850, quando o nacionalismo e o<br />

indianismo deixavam de fascinar a juventude e iniciava-se o longo<br />

processo de estabilidade do II Império. Por outro lado, o<br />

desenvolvimento urbano, o nascimento de uma vida acadêmica em<br />

São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife e, até mesmo, uma<br />

relativa sofisticação dos estratos médios e superiores da estrutura<br />

social brasileira possibilitaram a criação de uma lírica voltada quase<br />

que exclusivamente para a confissão e o extravasamento íntimo.<br />

A nova geração foi influenciada pelos poetas inglês Lord Byron e<br />

francês Alfred Musset, autores ultra-românticos que haviam se<br />

tornado os modelos universais de rebeldia moral, de recusa à<br />

insipidez da vida cotidiana e de busca de novas formas de<br />

sensualidade e de afeto. De sua imitação, resultou, quase sempre, o<br />

pastiche. Até sociedades satânicas, a exemplo das existentes na<br />

Europa, foram fundadas. Os adolescentes que as compunham<br />

viviam pretensas orgias e dissipações<br />

fantasiosas, que resultavam da leitura e das<br />

imaginações pervertidas. Na verdade, a<br />

pobreza do meio e a rigidez patriarcal<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

impediam que este satanismo tivesse qualquer importância no<br />

contexto estético e ideológico brasileiro.<br />

Outro fato sempre lembrado desta geração é a dramática<br />

coincidência de quase todos os seus integrantes morrerem na faixa<br />

dos vinte e poucos anos. Versos soltos e alguns poemas parecem<br />

alimentar a suspeita de que esses jovens cultivavam idéias suicidas.<br />

No entanto, todos eles - à parte o caso mais complexo de Álvares de<br />

Azevedo - foram vitimados por doenças então incuráveis e<br />

manifestaram grande horror perante a morte. Não se sustenta,<br />

portanto, a idéia de um suicídio coletivo geracional.<br />

1. ÁLVARES DE AZEVEDO (1831-1852)<br />

VIDA: Nasceu na cidade de São Paulo e era descendente de duas<br />

ilustres famílias. Toda a formação básica e secundária de Manuel<br />

Antônio Álvares de Azevedo foi feita na capital do Império. A leitura<br />

desenfreada dos ultra-românticos, a solidão e o desejo insatisfeito<br />

pareciam deprimi-lo, aproximando-o de inclinações mórbidas. No<br />

início de 1852, a tísica se manifestou. Como disse um de seus<br />

biógrafos: "O infeliz byroniano que durante anos declamara versos<br />

macabros por mero esnobismo via com horror chegar a sua morte."<br />

Neste momento dramático, escreveu alguns de seus poemas mais<br />

desesperados. A tísica destruiu as imunidades de seu organismo.<br />

Poucos dias depois morreu. Era abril de 1852 e faltavam cinco<br />

meses para que completasse vinte e um anos de idade. Nenhum de<br />

seus livros tinha sido publicado. E a "glória que pressinto em meu<br />

futuro" , como ele diz em um de seus poemas, viria após o<br />

falecimento.<br />

OBRAS: Lira dos vinte anos (poemas - 1853), Noite na taverna<br />

(contos - 1855), O conde Lopo (poema - 1886), Macário.<br />

O AMOR<br />

É a parte menos convincente de sua lírica. A máscara satânica que<br />

tenta usar peca pela falsidade. As orgias em que submerge, os vícios<br />

que o escravizam e as dissipações que o arrastam para o lodo hoje<br />

provocam o riso do leitor. E não apenas porque o jovem escritor<br />

tenha ficado, de fato, virgem dessas vivências tresloucadas, mas<br />

porque - em seus poemas de "crimes morais e maldições" - poucos<br />

versos têm poder de persuasão e quase nada inquieta ou<br />

sobressalta. Veja-se o tom falso deste excerto:<br />

E por te amar, por teu desdém, perdi-me...<br />

Tresnoitei-me em orgias, macilento,<br />

Brindei, blasfemo, ao vício, e da minh'alma<br />

Tentei me suicidar, no esquecimento!<br />

AMOR E MEDO<br />

No entanto, como bem observou Mário de Andrade, o autor de Lira<br />

dos vinte anos (esse Dom Juan das aparências) acaba sendo traído<br />

pela própria interioridade. O grande devasso, o amante cínico, revela<br />

inconscientemente um medo obscuro das relações amorosas.<br />

Este medo se traduz, por exemplo, através da imagem da mulher<br />

adormecida. Numa série de poemas, a preparação erótica e a<br />

vontade sexual do adolescente se frustram, pois ele não quer<br />

acordar ("profanar") o objeto de seu desejo:<br />

Ó minha amante, minha doce virgem,<br />

Eu não te profanei, e dormes pura<br />

No sono do mistério, qual na vida,<br />

Podes sonhar ainda na ventura.<br />

Em Soneto, um de seus textos melhor elaborados, Álvares de<br />

Azevedo descreve o sono da amada e cria sutil atmosfera que passa<br />

da idealização à sensualidade:<br />

Pálida à luz da lâmpada sombria,<br />

Sobre o leito de flores reclinada,<br />

Como a lua por noite embalsamada,<br />

Entre nuvens de amor ela dormia!<br />

Era a virgem do mar! na escuma fria<br />

Pela maré das águas embalada...<br />

-- Era um anjo entre nuvens d' alvorada<br />

Que em sonhos se banhava e se esquecia!<br />

Era mais bela! o seio palpitando...<br />

Negros olhos, as pálpebras abrindo...<br />

Formas nuas no leito resvalando...<br />

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3


Diante disso, desse "seio<br />

palpitando", dessas "formas nuas no leito resvalando" o que faz o<br />

poeta? Atira-se sobre a encantadora como um lobo cheio de volúpia?<br />

Não; a timidez entrava o erotismo e ele simplesmente opta por ficar<br />

sorrindo e chorando pelo seu "anjo":<br />

Não te rias de mim, meu anjo lindo!<br />

Por ti - as noites eu velei chorando,<br />

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!<br />

Aliás, em vários momentos, quando o amor parece a ponto de se<br />

concretizar, o escritor prefere dormir, desmaiar ou morrer: "Na tua<br />

cheirosa trança / Quero sonhar e dormir!"; "Ah! volta inda uma vez!<br />

foi só contigo / Que à noite, de ventura eu desmaiava"; "E no teu seio<br />

ser feliz morrendo!"; "E morra no teu seio o meu viver!" No poema<br />

Tereza, chega a confessar explicitamente o seu medo:<br />

Não acordes tão cedo! enquanto dormes<br />

Eu posso dar-te beijos em segredo...<br />

Mas, quando nos teus olhos raia a vida,<br />

Não ouso te fitar...eu tenho medo!<br />

De acordo com Mário de Andrade, algumas das dificuldades de<br />

Álvares de Azevedo com o amor nascem da velha dicotomia entre o<br />

sexo e o sentimento. A impossibilidade de unir alma e carne -<br />

segundo a tradição cultural então vigente - exaspera-o. Não existe<br />

mulher que possa corresponder às duas exigências. Há aquelas para<br />

o amor e há outras para os instintos. As primeiras, donzelas virginais,<br />

são - no dizer do crítico - "inatingíveis". As segundas, anjos caídos<br />

que cedem a pureza de seus corpos, são "desprezíveis". E assim o<br />

poeta permanece dilacerado: à sua timidez soma-se a ausência de<br />

uma mulher capaz de satisfazê-lo física e espiritualmente.<br />

A MORTE<br />

Quando trata da morte - o aspecto mais conhecido de sua obra -<br />

pode-se perceber com clareza as qualidades expressivas do artista.<br />

Ela é um tema constante. O poeta a antevê, a profetiza para si<br />

próprio, não pode esquecê-la. De certa maneira, fez uma opção por<br />

ela - diferentemente de outros companheiros de geração que se<br />

desesperam ao perceber o fim - quis morrer aos vinte anos, entregarse<br />

à "leviana prostituta", como se vê neste fragmento de Hinos do<br />

Profeta:<br />

A morte, leviana prostituta,<br />

Não distingue os amantes!....<br />

Eu, pobre sonhador! eu, terra inculta<br />

Onde não fecundou-se uma semente,<br />

Convosco dormirei...<br />

No poema Lembrança de Morrer, Álvares de Azevedo dá instruções<br />

sobre o seu túmulo e sua lápide:<br />

"Quando em meu peito rebentar-se a fibra,<br />

Que o espírito enlaça à dor vivente,<br />

Não derramem por mim nem uma lágrima<br />

Em pálpebra demente.<br />

E nem desfolhem na matéria impura<br />

A flor do vale que adormece ao vento:<br />

Não quero que uma nota de alegria<br />

Se cale por meu triste passamento. (...)<br />

Descansem o meu leito solitário<br />

Na floresta dos homens esquecida,<br />

À sombra de uma cruz, e escrevam nela<br />

- Foi poeta, sonhou e amou na vida."<br />

O TÉDIO<br />

Na segunda parte de Lira dos vinte anos, as fantasias eróticas, a<br />

avidez pelo amor, os artifícios byronianos e mesmo a obsessão pela<br />

morte, cedem lugar a uma espécie de cansaço existencial, o tédio.<br />

O tédio, ou "mal du siècle", para os românticos europeus, era uma<br />

espécie de cinismo e enfado de quem tudo viveu, tudo experimentou:<br />

sexo, bebidas, ópio, transgressões. Mais tarde, Baudelaire diria que<br />

lera todos os livros, amara todas as mulheres mas que sua carne<br />

permanecia triste. Esta é a definição mais perfeita do mal do século.<br />

Já no caso de Álvares de Azevedo, o tédio resultava da falta de<br />

vivências a que a cidade de São Paulo o condenava. Era uma<br />

cidadezinha provinciana, medíocre, de insípida vida noturna, sem<br />

horizontes para um rapaz sonhador.<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

Quase a pique de "suicidar-se de spleen*", o poeta atenua os<br />

excessos ultra-românticos descendo do sublime, da atmosfera<br />

rarefeita e terrível das grandes paixões, e entrando na verdade de<br />

suas coisas íntimas, expõe a subjetividade sem véus imaginários. .<br />

Poucas vezes, na <strong>literatura</strong> brasileira, as confissões de um<br />

adolescente adquiriram tanto frescor, beleza e emoção. Esta alma<br />

solitária e impotente debateu-se entre o tédio, que o arrastava para a<br />

realidade e os ideais, que precisava para<br />

sobreviver.<br />

2. CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)<br />

VIDA: Filho de um rico comerciante português<br />

e de mãe brasileira, Casimiro de Abreu<br />

nasceu em Barra de São João, no estado do<br />

Rio de Janeiro, tendo passado a infância<br />

numa fazenda, de onde sairia apenas para<br />

realizar seus estudos primários em Nova<br />

Friburgo. Enviado à capital do Império pelo<br />

pai, a fim de praticar o comércio, mostrou-se pouco apto à profissão.<br />

O pai não desistiu e com o mesmo objetivo o enviou para Lisboa.<br />

Casimiro tinha então quatorze anos. Após quatro anos em Portugal,<br />

retornou ao Brasil, entregando-se a uma vida boêmia, sem contudo<br />

largar do comércio. A publicação de Primaveras o consagrou<br />

nacionalmente, um ano antes de sua morte. Já idolatrado pelo<br />

público da época, descobriu que estava tuberculoso, vindo a falecer<br />

quase que imediatamente, antes de completar o seu vigésimosegundo<br />

aniversário.<br />

OBRA: Primaveras (1850).<br />

Subjetivista como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu substitui<br />

as conotações dolorosas que aquele confere à adolescência por uma<br />

visão graciosa e deslumbrada dos tempos juvenis. Se, para o autor<br />

de Lira dos vinte anos, a mocidade é um processo noturno de vigílias<br />

e tensões, se, para ele, "tristes são os destinos deste século", para<br />

Casimiro de Abreu a mesma mocidade é "a primavera da vida",<br />

processo diurno, sempre associado a namoricos, jardins com<br />

bananeiras, borboletas e salões de baile onde se flerta ao som de<br />

valsas langorosas. De certa forma, sua lírica corresponde ao<br />

romance de Joaquim Manuel de Macedo, seja na temática, seja na<br />

simplicidade da linguagem. É uma poesia espontânea. E não raro<br />

esta espontaneidade - reforçada pelo estilo singelo e pela atmosfera<br />

musical - cria o encantamento no leitor, independentemente da<br />

visível superficialidade dos versos. A rigor, o livro Primaveras<br />

articula-se em torno de três temas básicos:<br />

* o lirismo amoroso ; a saudade da pátria e da infância; * A<br />

tristeza da vida<br />

A SAUDADE DA PÁTRIA E DA INFÂNCIA<br />

Vivendo três anos em Portugal, onde elaborou boa parte de<br />

Primaveras, Casimiro de Abreu desenvolveu o sentimento de exílio,<br />

que tanto perseguia os românticos. Inspirado em Gonçalves Dias,<br />

escreveu uma série de poemas impregnados de nostalgia da terra<br />

natal, denominados Canções do exílio. Neles, contudo, não chega a<br />

alcançar o nível de seu modelo.<br />

No entanto, não é apenas a saudade do Brasil e a correspondente<br />

sensação de estar exilado que anima a sua lírica. O que o consagrou<br />

foi a nostalgia (tipicamente romântica) daquelas realidades pessoais<br />

que ficam para trás: a mãe, a irmã, o lar, a infância. Tornou-se, por<br />

excelência, o poeta da "aurora da vida", do tempo perdido, das<br />

emoções da meninice. Mesmo sabendo que a infância não significa o<br />

paraíso, sucumbiu à doçura dessas lembranças. À parte isso, o<br />

poeta atrai o leitor com o ritmo fácil, a singeleza do pensamento, a<br />

ausência de abstrações, o caráter recitativo e o tratamento<br />

sentimental que empresta ao tema, garantindo a eternidade de pelo<br />

menos um poema, Meus oito anos:<br />

Oh! que saudades que tenho<br />

Da aurora da minha vida,<br />

Da minha infância querida<br />

Que os anos não trazem mais!<br />

Que amor, que sonhos, que flores,<br />

Naquelas tardes fagueiras<br />

À sombra das bananeiras,<br />

Debaixo dos laranjais!<br />

A TRISTEZA DA VIDA<br />

No final de uma vida breve, pressentindo a morte, o poeta aprofunda<br />

o sentimento de tristeza - já presente em seus textos saudosistas,<br />

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4


até transformá-lo num<br />

sentimento quase desesperado de impotência perante o destino,<br />

conforme se pode verificar em Livro negro, composto por doze<br />

poemas doloridos. Deles, o mais significativo é Minha alma é triste:<br />

Minha alma é triste como a rola aflita<br />

Que o bosque acorda desde o albor da aurora<br />

E em doce arrulo que o soluço imita<br />

O morto esposo gemedora chora.<br />

E, como rola que perdeu o esposo,<br />

Minh'alma chora as ilusões perdidas<br />

E no seu livro de fanado gozo<br />

Relê as folhas que já foram lidas."<br />

Casimiro escreveu também um texto para teatro, Camões e Jau.<br />

Montada em Lisboa, em 1856, às custas do pai, resultou em grande<br />

malogro, nada acrescentando à sua obra.<br />

3. FAGUNDES VARELA (1841-1875)<br />

VIDA: Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu em Rio Claro, Rio de<br />

Janeiro. Era filho de fazendeiros e viveu um período no ambiente<br />

rural que mais tarde descreveria em seus versos. O pai era<br />

magistrado e político da província e a família teve de mudar-se<br />

muitas vezes. A infância de Fagundes Varela foi marcada por essas<br />

alterações contínuas de domicílio. Bastante jovem, matriculou-se na<br />

Faculdade de Direito, em São Paulo. Lá entrou na vida boêmia,<br />

"como um Byron exasperado", sempre envolvido em bebedeiras,<br />

pequenos escândalos e muitas dificuldades financeiras. Acabou se<br />

casando com uma artista de circo e com ele teve um filho, que logo<br />

morreria e que constituiria a inspiração de Cântico do Calvário.<br />

Fracassando o seu casamento, transferiu-se para o Recife a fim de<br />

continuar seus estudos jurídicos. A morte de sua mulher - que ficara<br />

no Sul - o trouxe de volta para a Faculdade de Direito de São Paulo.<br />

No entanto, nunca acabou o curso. Atormentado pelo álcool e por<br />

problemas emocionais, retornou para a fazenda dos pais. Era visto<br />

nas fazendas próximas, caminhando sem destino, quase sempre<br />

bêbado. Em 1869, casou-se outra vez e passou a morar em Niterói,<br />

sem que tivesse se curado do alcoolismo. Em 1875, foi vitimado por<br />

um derrame. O surpreendente é que nessas condições de vida (no<br />

dizer de um crítico, Varela teve a biografia mais "romântica" de todo<br />

o nosso Romantismo) ele ainda tenha deixado uma obra literária<br />

relativamente significativa.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: Noturnas (1861); Vozes da América (1864);<br />

Cantos e fantasias (1865); Cantos meridionais (1869); Anchieta ou o<br />

Evangelho nas selvas (1875).<br />

A POESIA SERTANEJA<br />

Apesar disso, mesmo os críticos mais implacáveis de Varela<br />

reconhecem os momentos felizes de sua obra. É o caso de alguns<br />

poemas constituídos por pequenos flagrantes da natureza e da vida<br />

campestre, elaborados numa linguagem coloquial e sugestiva. Como<br />

nenhum outro romântico, conheceu a fundo o universo rural<br />

brasileiro. Suas descrições parecem captar as cores, os cheiros e os<br />

sons do cotidiano do interior, como neste fragmento de A Roça:<br />

O balanço da rede, o bom fogo<br />

Sob um teto de humilde sapé;<br />

As palestras, os lundus, a viola,<br />

O cigarro, a modinha, o café;<br />

E depois um sorrir de roceira,<br />

Meigos gestos, requebros de amor;<br />

Seios nus, braços nus, tranças soltas,<br />

Moles falas, idade de flor; (...)<br />

4. JUNQUEIRA FREIRE (1832-1855)<br />

VIDA: Nasceu em Salvador. Seus estudos primários foram<br />

irregulares, por motivos de saúde, e aos dezenove anos<br />

(provavelmente desgostoso com a conduta desregrada do pai)<br />

ingressou no mosteiro de São Bento, na capital baiana. Um ano<br />

depois - e sem verdadeira vocação religiosa - tornou-se noviço, com<br />

o nome de Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire.<br />

Permaneceu no mosteiro até 1854, não escondendo o amargor e o<br />

ressentimento que a vida religiosa lhe despertava. Conseguindo<br />

deixar o seminário, voltou para casa materna. Problemas cardíacos<br />

que vinham desde a infância provocam a sua morte no ano seguinte.<br />

Não completara ainda vinte e três anos de idade.<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

OBRA: Inspirações do claustro (1855)<br />

A poesia de Junqueira Freire é totalmente autobiográfica e talvez<br />

seja isso o que mantenha o interesse pela mesma. Procurando num<br />

mosteiro a saída para os seus problemas pessoais (sobretudo uma<br />

espécie de atração pela morte que o angustiava), o poeta viu<br />

malograrem as suas ilusões. A vida clerical lhe pareceu terrível. A<br />

partir dessa experiência, ele escreveu Inspirações do claustro, cujo<br />

valor reside mais no aspecto documental de uma situação humana<br />

do que, propriamente, no seu significado literário.<br />

A TERCEIRA GERAÇÃO<br />

O fim da década de 60 assinalou o início de uma crise que atingiu a<br />

classe dominante, composta por senhores rurais e grupos de<br />

exportadores. As primeiras indústrias, o encarecimento do escravo<br />

como mão-de-obra e a utilização de imigrantes nas fazendas de café<br />

de São Paulo indicavam mudanças na ordem econômica.<br />

Por esta época, começaram a se manifestar as primeiras fraturas na<br />

até então sólida visão das elites dirigentes. O nacionalismo ufanista<br />

começou a ser questionado. Estudantes de Direito, intelectuais da<br />

classe média urbana, escritores, jornalistas e militares se davam<br />

conta da existência de uma considerável distância entre os<br />

interesses escravocratas e monarquistas dos proprietários de terras<br />

e os interesses do resto da população. Foi então que a <strong>literatura</strong><br />

assumiu uma função crítica.<br />

Antônio de Castro Alves superou o extremado individualismo dos<br />

poetas anteriores, dando ao Romantismo um sentido social e<br />

revolucionário que o aproxima do Realismo. O padrão poético já não<br />

é Chateaubriand ou Byron, mas sim o francês Vitor Hugo, burguês<br />

progressista, cantor da liberdade e do futuro.<br />

1. TOBIAS BARRETO DE MENEZES<br />

(WAGNERLEMOS).<br />

Tobias Barreto de Menezes, poeta, jurista e filósofo, nasceu a 07 de<br />

junho de 1839 em Campos do Rio Real, atual Tobias Barreto, em<br />

Sergipe e faleceu a 26 de junho de 1889, no Recife, Pernambuco,<br />

onde se tornara o chefe da Escola do Recife, na Faculdade de<br />

Direito daquela cidade.De 1871 a 1881, o fundador do condoreirismo<br />

brasileiro e chefe da Escola do Recife, mais importante movimento<br />

intelectual da segunda metade do século XIX, passou em Escada,<br />

Pernambuco, onde possuía uma tipografia com a qual editava<br />

periódicos, como o que redigia em alemão, DEUSTCHER KAMPFER<br />

(O Lutador Alemão).<br />

Foi nesse período da vida do sergipano em que ele se aproximou da<br />

filosofia, cultura e língua alemãs, tendo sido autodidata nesse idioma,<br />

como na maioria dos outros oito que falava. De Escada, Tobias só<br />

saiu para o Recife após ter tido sua casa cercada pelos capangas<br />

dos herdeiros de seu sogro ameaçando-o de morte por ter o poeta<br />

alforriado todos os escravos que pertenciam ao morto e que<br />

correspondiam à sua parcela da herança, como representante de<br />

sua esposa.<br />

Em 1882, o "mestiço de Sergipe", como ele mesmo se declarava<br />

prestou o concurso para professor da Faculdade de Direito do<br />

Recife. Classificou-se em primeiro lugar e adentrou à Academia por<br />

pressão dos alunos, que apaixonados pela retórica do "mulato<br />

desgracioso"- assim descreveria Graça Aranha, que foi aluno de<br />

Tobias e estava dentre esses alunos - em seu livro MEU PRÓPRIO<br />

ROMANCE , forçaram a congregação a admiti-lo, haja vista que esta<br />

punha obstáculos à contratação de Tobias, pelo fato de ele ser<br />

negro.<br />

Na Faculdade, Tobias foi o mais popular e polêmico dos mestres.<br />

Seu modus magistrandi* tornaram-no o mais amado mestre dentre<br />

os alunos, bem como seu espírito dado a polêmicas e discussões e<br />

sua cor o mais questionado e discriminado dentre aqueles que já<br />

tinham ensinado naquela instituição. Dos sete anos que lhe restavam<br />

após a sua admissão na faculdade, ministrou aulas mais<br />

efetivamente nos primeiros cinco anos, nos dois últimos a doença já<br />

o impedia de comparecer com freqüência às aulas.<br />

Em 26 de junho de 1889, morreu Tobias deixando seu nome<br />

marcado na filosofia e romantismo brasileiros. Como diria Graça<br />

Aranha no mesmo livro já citado: VOLTAR A TOBIAS É<br />

PROGREDIR.<br />

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*MODUS MAGISTRANDI:MODO DE ENSINO<br />

OBRA POÉTICA: Dias e Noites. DEMAIS OBRAS: Estudos<br />

Alemães; Monografias em Alemão; Crítica Literária; Crítica da<br />

Religião; entre outras.<br />

Que Mimo!<br />

5


Como a hora do sol posto.<br />

E, no crepúsculo eterno<br />

Que te envolve o lindo rosto,<br />

O céu desfolha canduras<br />

De alvoradas e jasmins,<br />

E passam roçando n´alma<br />

As asas dos querubins...<br />

Teu corpo que tem o cheiro<br />

De cem capelas de rosas,<br />

Que t´enche a roupa de quebros,<br />

De ondulações graciosas,<br />

Teu corpo derrama essências<br />

Como uma campina em flor:<br />

Beijá-lo!... fôra loucura;<br />

Gozá-lo!... morrer de amor... (Tobias Barreto)<br />

2. CASTRO ALVES (1847-1871)<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

Tu és morena e sublime,<br />

VIDA: Descendente de uma família<br />

tradicional e poderosa do interior baiano<br />

- seu pai era médico, formado na<br />

Europa - Antônio de Castro Alves<br />

nasceu na Fazenda das Cabeceiras,<br />

perto da cidade de Curralinho. Quando tinha sete anos, a família<br />

mudou-se para Salvador. Lá estudou no Colégio Abílio, que<br />

revolucionara o ensino brasileiro pela eliminação dos castigos físicos<br />

aplicados aos alunos. Em 1858, morreu-lhe a mãe. Seu irmão mais<br />

velho, José Antônio, ficou muito abalado, suicidando-se alguns anos<br />

depois. Mas já no início de 1862, Castro Alves estava no Recife,<br />

fazendo os preparatórios para a Faculdade de Direito, ainda em<br />

companhia do irmão. Conheceu então a famosa atriz portuguesa<br />

Eugênia Câmara, de quem se tornou amante aos dezenove anos. Na<br />

Faculdade, parecia mais interessado em agitar idéias abolicionistas e<br />

republicanas e produzir versos (que obtinham grande repercussão<br />

entre os colegas) do que propriamente estudar leis.<br />

Após concluir um drama em prosa, Gonzaga, especialmente<br />

composto para Eugênia Câmara, seguiu com a atriz rumo a<br />

Salvador. Ali os dois receberam espetacular consagração com a<br />

estréia da peça no Teatro São João. Estando ele disposto a retornar<br />

ao curso de Direito, viajaram para São Paulo, antes parando dois<br />

meses no Rio de Janeiro, onde foram celebrados por José de<br />

Alencar e Machado de Assis. A temporada paulista durou apenas um<br />

ano. O nome de Castro Alves tornara-se uma legenda: ótimo<br />

declamador de seus próprios poemas, recitou O navio negreiro e<br />

Vozes d'África sob a ovação dos estudantes. Um colega escreveu<br />

que Castro Alves "era grande e belo como um deus de Homero". Sua<br />

vida afetiva, no entanto, entrou em crise pelas constantes traições à<br />

orgulhosa Eugênia Câmara. Ela terminou por abandoná-lo<br />

definitivamente. Para esquecer a ruptura, o poeta começou a se<br />

dedicar à caça, ferindo-se casualmente no pé, que infeccionou.<br />

Levado para o Rio, foi submetido a uma amputação sem anestesia.<br />

Depois disso, debilitado, retornou à Bahia, onde viveu por pouco<br />

mais de um ano, até que sobreveio a tuberculose fatal. Morreu em<br />

fevereiro de 1871, antes de completar vinte e quatro anos.<br />

OBRAS: Espumas Flutuantes (1870); A Cachoeira de Paulo Afonso<br />

(1876); Os Escravos (1883); Gonzaga ou A Revolução de Minas<br />

(drama - 1875).<br />

Sua obra se abre em duas direções:<br />

* Poesia social - causas liberais e humanitárias.<br />

* Poesia lírica - natureza e amor sensual.<br />

POESIA SOCIAL<br />

Castro Alves é um caso típico do intelectual convertido em homem<br />

de ação. Não apenas realizou uma poesia humanitária, como<br />

participou ativamente de toda a propaganda abolicionista e<br />

republicana. Esse engajamento político muitas vezes prejudica a sua<br />

<strong>literatura</strong> - que se torna mais denúncia do que arte - embora tal<br />

problema seja secundário diante da generosidade social do poeta.<br />

O jovem baiano tinha consciência de sua posição e de sua situação<br />

de letrado, e do papel que poderia exercer dentro da sociedade.<br />

Compreendia o significado da educação num país constituído por<br />

analfabetos, e foi o primeiro dos grandes românticos a valorizar a<br />

imprensa, o livro e a instrução, conforme diz no poema O livro e a<br />

América:<br />

Oh! Bendito o que semeia<br />

Livros... livros à mão cheia...<br />

E manda o povo pensar!<br />

O livro caindo n'alma<br />

É germe - que faz a palma,<br />

É chuva - que faz o mar.<br />

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6<br />

Castro Alves cantou<br />

todas as causas<br />

libertárias - a poesia<br />

como arma de combate<br />

a serviço da justiça e da<br />

igualdade - mas o que<br />

ficou na memória<br />

popular são os seus<br />

poemas abolicionistas.<br />

A base econômica da sociedade agrária brasileira, na década de<br />

1860, ainda era o escravo, porém as pressões internacionais,<br />

somadas às críticas das classes urbanas nacionais e à perspicácia<br />

de certos proprietários - que viam a escravidão como anti-econômica<br />

- possibilitaram o surgimento das primeiras vozes contestadoras.<br />

Castro Alves será a encarnação mais retumbante desse protesto.<br />

O CONDOREIRISMO<br />

Os seus poemas sociais são conhecidos também como condoreiros.<br />

"A praça, a praça é do povo, assim como o céu é do condor" -<br />

escreve num de seus primeiros trabalhos. É uma metáfora<br />

exuberante: o condor voa altaneiro e livre por sobre os Andes. Como<br />

exuberantes, indignados e patéticos são parte considerável de seus<br />

versos. Ele quer inebriar os jovens liberais com a força bombástica<br />

de um discurso metrificado. Quer comover e convencer. Por isso,<br />

nem sempre se contenta em dizer o essencial. Acaba caindo na<br />

retórica, provocada pelo excesso verbal, por antíteses e hipérboles*<br />

em demasia e por várias imagens de mau gosto.<br />

É possível, no entanto, compreender que o tom oratório dessas<br />

composições tinham uma finalidade pedagógica: feitas para serem<br />

declamadas em público, elas deviam se parecer a um discurso que<br />

conscientizasse as massas. Daí sua redundância e sua ênfase<br />

emocional. Mesmo assim, em vários textos condoreiros, o poeta<br />

atingiu uma eloqüência pura, vibrátil, "de poderosa sugestão visual e<br />

impressão auditiva".<br />

O Navio Negreiro e Vozes d'África se constituem nos mais soberbos<br />

monumentos de poesia social do século XIX. E ainda que a<br />

escravidão tenha acabado, e este tema não pertença mais a<br />

experiência atual, é impossível ao leitor ficar indiferente diante de<br />

tamanha densidade dramática.<br />

* Hipérbole: figura do exagero<br />

POESIA LÍRICA: O AMOR SENSUAL<br />

O lirismo amoroso de Castro Alves distingue-se das concepções<br />

dominantes na poesia romântica brasileira. Ao contrário de<br />

Gonçalves Dias, não considera o amor como impossível de ser<br />

realizado. Tampouco encobre a sensualidade, como Casimiro de<br />

Abreu. Muito menos apresenta a relação física como perversão<br />

fantasiosa, a exemplo de Álvares de Azevedo. Em Castro Alves, as<br />

ligações sentimentais são apresentadas de uma maneira viril,<br />

sensual e calorosa.<br />

Mário de Andrade observou que tanto o homem quanto o artista<br />

alcançam a plena realização sexual. Disso resulta uma lírica original<br />

por explorar o erotismo sem subterfúgios e sem culpa.<br />

Ninguém como Castro Alves sabe cantar as excelências das uniões<br />

corpóreas, ninguém como ele sabe falar de homens e mulheres<br />

reais. Até mesmo sua linguagem - freqüentemente retórica ao tratar<br />

de temas condoreiros - torna-se simples e coloquial na poesia<br />

amorosa. A partir de um esplêndido domínio da metáfora, o poeta<br />

cria imagens de rara beleza e intenso sentido de plasticidade,<br />

conforme se pode observar em versos como: "Sob a chuva noturna<br />

dos cabelos..." Ou: "Minha Maria é morena / Como as tardes de<br />

verão." Ou ainda, referindo-se a uma de suas amadas: "Lírio do vale<br />

oriental, brilhante! / Estrela vésper do pastor errante!" Encantador e<br />

de singelo erotismo é o poema Adormecida, onde galhos e ramos<br />

assediam amorosamente a jovem que dorme numa rede:<br />

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia<br />

Numa rede encostada molemente...<br />

Quase aberto o roupão...solto o cabelo<br />

E o pé descalço do tapete rente.(...)<br />

De um jasmineiro os galhos encurvados,


Indiscretos entravam pela<br />

sala,<br />

E de leve oscilando ao tom das auras*,<br />

Iam na face trêmulos - beijá-la<br />

Era um quadro celeste!... A cada afago<br />

Mesmo em sonhos a moça estremecia...<br />

Quando ela serenava... a flor beijava-a ...<br />

Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... (...)<br />

* Aura: vento brando.<br />

Castro Alves é, pois, um cantor de mulheres. Em seus ardentes<br />

versos, descreve-as, confessa-lhes a paixão e, não raro, as possui<br />

em clima de delírio. Mas falta alguma coisa, alguma inquietação por<br />

aquilo que transcende ao sexo. Ele não ultrapassa a superfície dos<br />

corpos e nada revela a respeito das verdades mais profundas da<br />

relação amorosa. Simplesmente registra os encontros e os<br />

desencontros físicos dos amantes, com seu inegável estilo sedutor.<br />

No poema Boa-noite, por exemplo, a beleza de algumas metáforas<br />

não impede que se perceba a superficial ligação que o poeta<br />

estabelece entre a amada e várias heroínas da <strong>literatura</strong> ocidental,<br />

numa espécie de ronde de femmes (rodízio de mulheres). O<br />

resultado é atraente, mas desprovido de profundidade:<br />

Boa-noite, Maria - Eu vou-me embora.<br />

A lua nas janelas bate em cheio.<br />

Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...<br />

Não me apertes assim contra teu seio.<br />

Boa noite!... E tu dizes - Boa noite.<br />

Mas não digas assim por entre beijos...<br />

Mas não me digas descobrindo o peito,<br />

Mar de amor onde vagam meus desejos.(...)<br />

O POETA E A MORTE<br />

Antes de sua doença, Castro Alves já experimentara o velho tema<br />

romântico da morte na juventude e o triste lamento que esta intuição<br />

do fim nele despertava.<br />

O abismo entre os seus sonhos e a sombria realidade que impede a<br />

realização dos mesmos aparece em Mocidade e Morte, um de seus<br />

poemas fundamentais e, além de tudo, profético, conforme se pode<br />

ver nas primeiras estrofes:<br />

Oh! Eu quero viver, beber perfumes<br />

Na flor silvestre, que embalsama os ares;<br />

Ver minha alma adejar* pelo infinito,<br />

Qual branca vela n'amplidão dos mares.<br />

No seio da mulher há tanto aroma...<br />

Nos seus beijos de fogo há tanta vida...<br />

- Árabe errante, vou dormir à tarde<br />

À sombra fresca da palmeira erguida.<br />

Mas uma voz responde-me sombria:<br />

Terás o sono sob a lájea* fria.<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

Adejar: esvoaçar Lájea: pedra do túmulo<br />

2. SOUSÂNDRADE (1833-1902)<br />

VIDA: Joaquim de Sousa Andrade nasceu em Alcântara, Maranhão.<br />

De família abonada, viajou muito desde jovem, percorrendo inúmeros<br />

países europeus. Formou-se em Letras pela Sorbonne. Depois faz o<br />

curso de Engenharia. Em 1870, conheceu várias repúblicas latinoamericanas.<br />

A partir de 1871, fixou residência em Nova Iorque, onde<br />

mandou imprimir suas Obras poéticas. .... Em 1884, lançou a versão<br />

definitiva de seu O Guesa, obra radical e renovadora. Morreu<br />

abandonado e com fama de louco.<br />

OBRAS: Obras poéticas e O Guesa<br />

O GUESA<br />

Sua obra mais perturbadora é O Guesa, poema em treze cantos, dos<br />

quais quatro ficaram inacabados. A base do poema é a lenda<br />

indígena do Guesa Errante. O personagem Guesa é uma criança<br />

roubada aos pais pelo deus do Sol e educado no templo da<br />

divindade até os 10 anos, sendo sacrificado aos 15 anos, após longa<br />

peregrinação pela "estrada do Suna".<br />

Na condição de poeta maldito, Sousândrade identifica seu destino<br />

pessoal com o do jovem índio. Porém, no plano histórico-social, o<br />

poeta vê no drama de Guesa o mesmo dos povos aborígenes da<br />

América, condenando as formas de opressão dos colonialistas e<br />

defendendo uma república utópica.<br />

Cosmopolita, o escritor deixou quadros curiosos como a descrição do<br />

Inferno de Wall Street, onde vê o capitalismo como doença.<br />

Observe-se, por outro lado, que os seus achados poéticos mais<br />

felizes coexistem com trechos ininteligíveis, retóricos e pretensiosos.<br />

O ROMANCE ROMÂNTICO<br />

I - ORIGENS<br />

Os romances dos autores românticos europeus como Victor Hugo,<br />

Alexandre Dumas, Walter Scott e outros tornaram-se populares no<br />

Brasil através de sua publicação em jornais, depois de 1830, criando<br />

no público o gosto por um gênero ainda desconhecido entre nós.<br />

Tanto na Europa quanto nas traduções brasileiras, essas narrativas<br />

eram primeiramente publicadas na imprensa, na forma de capítulos<br />

diários ou semanais, aumentando de maneira extraordinária a<br />

tiragem dos periódicos. Os leitores não escondiam seu entusiasmo<br />

pelo desenvolvimento das histórias, seduzidos pela sucessão de<br />

acontecimentos trepidantes, pelas emoções desenfreadas, pela<br />

linguagem acessível e pela ausência de qualquer abstração<br />

intelectual.<br />

Tais romances receberam o nome de folhetins. Ao escrever um<br />

folhetim, o artista submetia-se às exigências do público leitor e dos<br />

diretores de jornais. O francês Eugène Sue chegou a ressuscitar um<br />

personagem porque os leitores não haviam se conformado com sua<br />

morte. Ou seja, o que determinava o desenvolvimento e o desfecho<br />

de uma narrativa era o gosto popular. Desta forma, ao criar um<br />

folhetim o escritor se sujeitava aos valores culturais e ideológicos do<br />

público, que desejava histórias melodramáticas e alienadas da<br />

realidade.<br />

Por razões econômicas, quase todos os ficcionistas do período<br />

passaram a produzir primeiro para a imprensa. Mesmo alguns dos<br />

maiores novelistas do século XIX, como Dostoievski e Machado de<br />

Assis, se viram compelidos a lançar suas obras em fascículos.<br />

Todavia, eles não aceitavam a concepção folhetinesca da narrativa,<br />

mantendo sua independência estética. Outros, mais interessados na<br />

venda e na popularidade subordinavam seus textos à estrutura típica<br />

do folhetim, que é a seguinte:<br />

Harmonia<br />

· felicidade<br />

· ordem social burguesa<br />

Desarmonia<br />

· conflito<br />

· desordem<br />

· crise da sociedade burguesa<br />

Harmonia final<br />

· reestabelecimento da felicidade<br />

· reordenação definitiva da sociedade burguesa, com o triunfo de<br />

seus valores<br />

Com o tempo, os ficcionistas passaram a utilizar uma série de<br />

truques narrativos, repetidos até a exaustão. Exemplo disso são os<br />

conflitos mais óbvios e recorrentes, vividos pelos protagonistas, e<br />

suas soluções quase sempre idênticas:<br />

· a falta de dinheiro - o pobre casa com a rica e vice-versa, movido<br />

apenas pelo amor; ou um deles recebe grande herança de parente<br />

desconhecido, etc.<br />

· a ausência de identidade - aparecem amuletos, retratos, objetos ou<br />

sinais corporais que provam o que se deseja provar, geralmente a<br />

origem nobre ou burguesa de um plebeu.<br />

· a inexistência de testemunhos - surgem personagens, muitas vezes<br />

vindos das sombras, que ouvem conversações secretas ou recebem<br />

confissões proibidas, e que então confirmam uma identidade perdida<br />

ou inculpam alguém por um crime cometido.<br />

Como regra geral, no último capítulo, após intensos tormentos,<br />

maldade e desolação, os obstáculos são removidos e o amor vence.<br />

Em vários romances, contudo, a ordem social é mais forte que a<br />

paixão e os amantes acabam destruídos pelas conveniências e pelos<br />

preconceitos. De qualquer maneira, o final de um folhetim tem<br />

sempre um caráter apoteótico e desmedido, seja na felicidade, seja<br />

na dor.<br />

II - O SURGIMENTO NO BRASIL<br />

O sucesso do folhetim europeu, em jornais brasileiros, foi resultado<br />

da emergência de um novo público leitor, composto basicamente por<br />

estudantes e mulheres. Era um público urbano, mas não raro<br />

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procedente do campo: em<br />

geral, filhos e esposas de senhores rurais que haviam se<br />

estabelecido na Corte, depois da Independência.<br />

As mensagens sentimentais libertadoras dos folhetins serviram como<br />

uma luva às necessidades daquela gente asfixiada pelas regras<br />

intolerantes de uma sociedade economicamente agrária e<br />

culturalmente arcaica. E isso estimulou o aparecimento de vulgares<br />

adaptações dos relatos românticos, feitas por escritores de segunda<br />

categoria. Teixeira e Sousa, em 1843, publicou O FILHO DO<br />

PESCADOR, tornando-se o pioneiro desse subgênero. No entanto, em<br />

1844, veio à luz A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. Pelo<br />

enredo melhor articulado, pelo registro do ambiente carioca e pela<br />

sutil harmonização entre amor juvenil e preceitos conservadores,<br />

esta narrativa ultrapassava a dimensão de simples cópia de folhetins<br />

europeus. Sob certos aspectos, estava nascendo o romance<br />

brasileiro.<br />

III - OS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS<br />

1. JOAQUIM MANUEL DE MACEDO<br />

(1820-1882)<br />

VIDA: Nasceu em Itaboraí (RJ), filho de<br />

uma família de posses. Jovem ainda,<br />

formou-se em Medicina, a qual não<br />

praticaria, seduzido pela carreira literária, pelo magistério (foi<br />

preceptor dos filhos da princesa Isabel e professor de História no<br />

colégio Pedro II) e pela política (tornou-se deputado pelo Partido<br />

Liberal em várias legislaturas), além de fazer constantes incursões<br />

pelo jornalismo. Foi o primeiro escritor brasileiro a conhecer grande<br />

popularidade, deixando uma obra bastante vasta de mais de<br />

quarenta títulos. Morreu no Rio de Janeiro.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: A Moreninha (1844); O moço loiro (1845);<br />

Memórias do Sobrinho de Meu Tio(1867); A Luneta Mágica (1869).<br />

A importância de Joaquim Manuel de Macedo resulta de uma<br />

percepção do próprio escritor: o público leitor nacional, centralizado<br />

na capital federal e devorador de folhetins europeus, estava disposto<br />

a aceitar um romance adaptado a cenários brasileiros, desde que a<br />

conservado o modelo de enredo das narrativas inglesas e francesas.<br />

Além disso, o escritor deu-se conta de que precisava vencer a<br />

barreira moral - imposta pela estrutura patriarcalista - que não via<br />

com bons olhos a explosão de sentimentos naquelas histórias que<br />

afirmavam o direito da paixão sobre a obediência e sobre a<br />

hierarquia social. A adaptação que Macedo fez, portanto, era uma<br />

necessidade, podendo ser assim resumida:<br />

ROMANCE BRASILEIRO =<br />

(ROMANCE ROMÂNTICO EUROPEU + CENÁRIOS BRASILEIROS<br />

+ VALORES PATRIARCAIS)<br />

O produto desse esforço foram relatos desprovidos de grande valor<br />

artístico, mas que possibilitavam ao leitor várias identificações.<br />

Tropeçava-se a todo instante em ruas, praças, praias e outras<br />

paisagens conhecidas. Aqui e ali, sob algum disfarce, topava-se com<br />

uma figura típica da sociedade carioca (fluminense, se dizia então).<br />

Um nome era lembrado, um costume coletivo evidenciado, de tal<br />

forma que a alegria do reconhecimento tornava-se contínua - como<br />

se, atualmente, alguém descobrisse o seu mundo e a si próprio num<br />

filme ou numa telenovela.<br />

Macedo parece ceder "a um irresistível impulso de tagarelice".<br />

Tagarelice comprovada na quantidade de sua produção: em pouco<br />

mais de trinta anos de carreira, escreveu dezoito romances, quinze<br />

peças de teatro, dois livros de poemas e sete volumes de<br />

variedades. Mesmo assim, forneceu as bases para a criação do<br />

romance brasileiro. Ao focalizar os costumes patriarcais, inventariou<br />

as dificuldades e os fuxicos próprios dos afetos juvenis,<br />

invariavelmente centrados no namoro e na promessa de casamento,<br />

e acabou mostrando (sem teor crítico), a pequenez de nossa vida<br />

urbana. Acima de tudo, a sua importância na história literária advém<br />

do fato de conquistar os leitores para uma ficção voltada para temas<br />

e cenários locais, abrindo caminho a escritores de maior significado.<br />

A Moreninha até hoje é a sua obra mais conhecida. Apesar da<br />

superficialidade da trama, há no texto um tom alegre e<br />

descompromissado que ainda diverte.<br />

2. JOSÉ DE ALENCAR (1829-1877)<br />

VIDA: Filho de tradicional família da elite<br />

cearense, José Martiniano de Alencar nasceu em<br />

Mecejana, no interior do Ceará. Seu pai, homem<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

culto, liberal extremado, participou de várias revoluções, como a<br />

chefiada por Frei Caneca, em 1817, e a Confederação do Equador,<br />

em 1824, exercendo também cargos políticos importantes, como o<br />

de senador do Império. O menino viveu, portanto, em um ambiente<br />

familiar intelectualizado e favorável à formação cultural. Tinha nove<br />

anos quando se mudou com os pais para a Corte (Rio de Janeiro),<br />

onde fez seus estudos primários, seguindo depois para São Paulo<br />

com o objetivo de concluir o secundário e matricular-se em Direito,<br />

curso no qual se formou em 1851, com vinte e dois anos de idade.<br />

De volta à Corte, trabalhou como advogado e jornalista. Em 1856,<br />

sob pseudônimo de Ig, teceu duras críticas ao poema “Confederação<br />

dos Tamoios”, de Gonçalves de Magalhães, que, por seu turno, foi<br />

defendido pelo próprio Imperador, também sob pseudônimo. No<br />

mesmo ano, Alencar publicou seu romance de estréia, “Cinco<br />

minutos.” Em 1857, lançou no jornal O Diário do Rio de Janeiro, sob<br />

a forma de capítulos, o folhetim “O guarani”, que teve uma<br />

repercussão jamais conhecida por qualquer outro escritor até então<br />

no país. Com trinta e cinco anos, casou-se com a sobrinha do<br />

Almirante Cochrane, herói da Independência. O casal teve quatro<br />

filhos.<br />

OBRAS PRINCIPAIS:<br />

Romances urbanos: Cinco minutos (1856); A viuvinha (1857);<br />

Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870); Sonhos d'ouro<br />

(1872); Senhora (1875); Encarnação (1877).<br />

Romances regionalistas ou sertanistas: O gaúcho (1870); O<br />

tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875).<br />

Romances históricos: As minas de prata (1862); Alfarrábios (1873);<br />

A guerra dos mascates (1873)<br />

Romances indianistas: O guarani (1857); Iracema (1865); Ubirajara<br />

(1874)<br />

Estas categorias comprovam a amplitude geográfica, histórica e<br />

social do projeto literário de José de Alencar. Sua ambição era<br />

desmedida: cogitou fazer aqui o que Balzac fizera na França, ou<br />

seja, um painel gigantesco dos múltiplos aspectos da realidade<br />

nacional. Quis construir o romance brasileiro, a partir de um projeto<br />

que abrangesse a totalidade da nação, tanto na sua diversidade<br />

física-geográfica quanto em seus aspectos sócio-culturais; tanto em<br />

suas origens históricas gloriosas quanto nos mitos dos heróis<br />

fundadores da nacionalidade.<br />

Regiões, história, costumes e mitos: eis a sua fórmula.<br />

A LITERATURA COMO ALMA DA PÁTRIA<br />

Em conseqüência, a idéia chave para a compreensão da obra de<br />

Alencar talvez esteja na sua célebre frase: "A <strong>literatura</strong> nacional que<br />

outra coisa é senão a alma da pátria?" Ou seja, cabe ao texto<br />

literário expressar a nação. Ele é o espelho no qual os brasileiros<br />

devem reconhecer-se como povo e como unidade cultural e<br />

territorial. Nele, os leitores desse país jovem, (que ainda não tivera<br />

nem sua geografia, nem sua alma, nem seus costumes registrados)<br />

poderiam encontrar uma identidade, uma auto-imagem favorável.<br />

UM PAINEL INCOMPLETO DO PAÍS<br />

Na celebração exaltada do nacional está a grandeza, mas também o<br />

principal problema do espelho alencariano. O Brasil que ele mostra<br />

tende à idealização da realidade humana e social. É um espelho<br />

opaco, que não reflete nem as mazelas da escravidão nem a<br />

brutalidade das camadas senhoriais. Reflete quase tão somente as<br />

luzes fulgurantes do trópico, e o destemor, a generosidade e o<br />

altruísmo de sua gente.<br />

Assim, as imagens que aparecem nos romances de Alencar, em<br />

regra, são positivas e idealizadas. Elas transmitem uma certa<br />

sensação de irrealidade e, às vezes, nos parecem retorcidas e<br />

falsas. Correspondem menos aos fundamentos românticos da época<br />

e mais à necessidade das elites letradas apresentarem o país sob<br />

uma ótica benigna e auto-elogiosa. Mesmo assim, em várias obras, o<br />

autor cearense consegue ultrapassar os limites ideológicos que o<br />

aprisionavam à sua época, revelando qualidades de grande<br />

ficcionista.<br />

A IMPORTÂNCIA DE JOSÉ DE ALENCAR<br />

As estruturas do folhetim, o predomínio da ação sobre os caracteres,<br />

o nacionalismo ufanista e a visão idealizada da existência - que<br />

compõem a obra de Alencar - não fascinam mais os leitores. Sob<br />

este ângulo, seus romances pertencem a outra época, desgastaramse<br />

com o passar do tempo e oferecem dificuldades de leitura,<br />

sobretudo aos jovens. Não obstante, por várias razões, o autor<br />

cearense continua tendo uma importância histórica extraordinária:<br />

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* Consolidou o romance<br />

brasileiro ao escrever movido por um sentimento de missão patriótica<br />

(durante toda a sua carreira, parece que nada mais quis senão<br />

descobrir a essência da nacionalidade.)<br />

* Discutiu incessantemente a questão da autonomia de nossa<br />

<strong>literatura</strong>, procurando eliminar as influências portuguesas sobre a<br />

mesma (ainda que às vezes caísse em padrões franceses e<br />

ingleses).<br />

* Preocupou-se em construir um painel, o mais abrangente possível,<br />

da realidade brasileira. Seu esforço de totalização fracassou, é<br />

verdade. Contudo, a idéia de um romance, ou de um conjunto de<br />

romances, capazes de representar a nação (ou o povo) ainda<br />

encontraria eco nos escritores do século XX, como Mário de<br />

Andrade, Antônio Callado e João Ubaldo Ribeiro, entre outros.<br />

* Foi o primeiro ficcionista a perceber a vastidão e a diversidade do<br />

país, intuindo algumas especificidades regionais e abrindo um filão (a<br />

narrativa de temática rural) que continua presente na ficção<br />

contemporânea.<br />

* Nos momentos mais felizes (Iracema, Senhora e Lucíola), alcançou<br />

a análise psicológica, quase à maneira realista, além de mostrar o<br />

peso da sociedade nas relações pessoais.<br />

* Problematizou a questão da língua brasileira e ele próprio criou<br />

uma linguagem literária original, muitas vezes de grande densidade<br />

poética.<br />

* Em muitos de seus romances demonstrou um esforço estético, uma<br />

"vontade de forma", uma capacidade de elaboração artística que não<br />

encontramos em nenhum outro prosador do período.<br />

Por todos estes motivos, José de Alencar pode ser considerado o<br />

fundador do romance brasileiro.<br />

3. BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)<br />

VIDA: Nasceu em Ouro Preto, onde passou a<br />

infância e os primórdios da adolescência, indo<br />

depois para São Paulo estudar Direito. Foi colega de<br />

Álvares de Azevedo e na faculdade tinha fama de<br />

boêmio e satírico, tendo inclusive produzido uma<br />

lírica (Cantos da solidão) identificada com o<br />

satanismo byroniano e com humorismo. Também escreveu poemas<br />

pornográficos que obtiveram muito sucesso na época Foi nomeado<br />

juiz no interior de Goiás, onde mostrou seu lado boêmio até ser<br />

exonerado da função. Passou rapidamente pelo Rio de Janeiro,<br />

voltou a Ouro Preto, casou-se e se tornou professor secundário. A<br />

publicação de A escrava Isaura, em 1875, garantiu-lhe prestígio<br />

nacional, a ponto do próprio Imperador visitá-lo na antiga capital<br />

mineira. Morreu aos cinqüenta e nove anos.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: O Ermitão do Muquém (1864); O Garimpeiro<br />

(1872); O Seminarista (1872); A Escrava Isaura (1875).<br />

Nenhum autor expressou tão amplamente a tendência sertanista<br />

como Bernardo Guimarães. Vivendo, alguns anos, no interior (oeste<br />

de Minas e sul de Goiás), conheceu-o bem, descrevendo-o com<br />

certa minúcia e com um estilo mais ou menos trivial, pontilhado por<br />

algumas falas pitorescas da região.<br />

A exemplo dos demais ficcionistas de temática rural, suas narrativas<br />

variam entre um modesto realismo e o melodrama romântico mais<br />

inverossímil. Quando a primeira tendência domina, ele escreve um<br />

romance aceitável, O seminarista; quando o folhetim impera, seus<br />

relatos tornam-se risíveis, caso de O garimpeiro e A escrava Isaura.<br />

4 . VISCONDE DE TAUNAY (1843-1899)<br />

VIDA: Alfredo d'Escragnolle-Taunay nasceu no Rio de Janeiro, no<br />

seio de uma família aristocrática e dada às artes. Seu avô paterno,<br />

Nicolau Antônio, viera da França para fundar a Academia de Belas<br />

Artes do Rio de janeiro. Seu pai, o também pintor Félix Taunay,<br />

tornara-se preceptor de d. Pedro II. Induzido pelos familiares a<br />

abraçar a carreira das armas, Alfredo cursou engenharia na Escola<br />

Militar e como segundo tenente participou da expedição que tentou<br />

repelir os paraguaios que dominavam o sul da província de Mato<br />

Grosso. A derrota militar que se seguiu, ocasionada pela falta de<br />

víveres e pelo cólera, seria retratado de forma pungente em A<br />

retirada de Laguna, relato escrito em francês, já que o futuro<br />

visconde era bilíngüe.<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

Finda a Guerra do Paraguai tornou-se professor de geologia da<br />

Escola Militar. Em 1872, publicou Inocência, espécie de Romeu e<br />

Julieta sertanejo, certamente a sua principal obra. Foi nomeado<br />

presidente da província de Santa Catarina e depois presidente do<br />

Paraná. Em 1886, alcançou o Senado, mas por fidelidade ao<br />

Imperador, abandonou a política após a proclamação da República.<br />

Diabético, morreu na capital federal com cinqüenta e seis anos<br />

incompletos.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: A retirada da Laguna (1871); Inocência<br />

(1872).<br />

Visconde de Taunay é o mais interessante dos ficcionistas do<br />

sertanismo romântico, embora tenha publicado apenas um romance<br />

dentro da referida linhagem.<br />

5. FRANKLIN TÁVORA (1842-1888)<br />

VIDA: Nasceu em Baturité, no interior do Ceará. Formou-se em<br />

Direito, na célebre Faculdade do Recife. Em 1874 mudou-se para o<br />

Rio de Janeiro e ingressou na vida burocrática onde desempenhou<br />

funções mais ou menos modestas. O gosto pela história acabou<br />

levando-o ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Morreu na<br />

pobreza aos quarenta e seis anos.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: O Cabeleira (1876); O matuto (1878);<br />

Lourenço (1881).<br />

Em Franklin Távora, o regionalismo mais do que o assunto é<br />

polêmica, conforme se vê no prefácio de O Cabeleira: As letras têm,<br />

como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte, porém,<br />

do que no Sul, abundam os elementos para a formação de uma<br />

<strong>literatura</strong> propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o<br />

Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia<br />

pelo estrangeiro. (...)<br />

Temos o dever de levantar ainda com luta e esforço os nobres foros<br />

dessa região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus<br />

nomes, suas lendas, sua poesias máscula, nova, vívida e louçã...<br />

Os desígnios do romancista não se realizaram, no entanto. No caso<br />

de seu relato mais conhecido, O Cabeleira, a intenção de realismo<br />

esgota-se na reconstituição do ambiente e na escolha de uma<br />

história de cangaço, ocorrida objetivamente no século XVIII. Nem o<br />

assunto nem a distância histórica garantiram verossimilhança à<br />

narrativa, perturbada pela contradição permanente dos sertanistas<br />

românticos: observações realistas dentro de um arcabouço<br />

exagerado e melodramático de folhetim.<br />

TEATRO<br />

Luís Carlos MARTINS PENA<br />

Dramaturgo carioca (1815-1848). Criador da<br />

comédia de costumes no teatro brasileiro e um<br />

dos pioneiros ao retratar o processo de<br />

urbanização no século XIX. É considerado o<br />

primeiro dramaturgo de destaque do país. De<br />

origem humilde, consegue entrar para a carreira<br />

diplomática e trabalha como secretário em Londres e Lisboa.<br />

Utiliza com precisão a linguagem coloquial para satirizar os<br />

desmandos dos políticos dos três poderes: Executivo, Legislativo e<br />

Judiciário. Critica o governo e o funcionamento precário dos<br />

serviços públicos em O Cigano e na Comédia Sem Título. Ironiza o<br />

uso da religião em proveito próprio em O Irmão das Almas e<br />

mostra a ineficiência do Legislativo em O Usuário. Na comédia de<br />

costumes, retrata o contato das pessoas do interior com os<br />

cidadãos urbanos da Corte em O Juiz de Paz da Roça e Um<br />

Sertanejo na Corte. Martins Pena escreve 20 comédias e seis<br />

dramas, entre os 22 anos e os 33 anos, quando morre de<br />

tuberculose. Entre suas obras, temos ainda: Quem Casa Quer<br />

Casa; Judas em Sábado de Aleluia; O Noviço;<br />

REALISMO/NATURALISMO NO BRASIL<br />

ORIGENS<br />

O fim da Guerra do Paraguai (1865-1870) determina o fim da<br />

legitimidade da monarquia brasileira junto a parcelas consideráveis<br />

da população. Nem a vitória militar revigora o regime. Ao contrário,<br />

os oficiais do Exército, em seu retorno, recusam-se a perseguir os<br />

escravos fujões e começam a ser atraídos por idéias positivistas e<br />

republicanas. Na sociedade civil, especialmente a urbana, um forte<br />

sentimento oposicionista toma conta dos setores médios e do público<br />

jovem. No Nordeste, arruinado economicamente, surge a geração<br />

contestadora dos anos de 1870.<br />

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Sílvio Romero, Tobias<br />

Barreto e outros agitam um punhado de novas ideologias. De Comte<br />

a Taine, tudo que é e anti-monárquico, anti-clerical, anti-escravocrata<br />

e anti-romântico encontra eco na rebelde cidade do Recife. Já no<br />

início da década, Sílvio Romero, influenciado por teorias realistas,<br />

passa o atestado de óbito da poesia romântica, acusando-a de<br />

"lirismo retumbante e indianismo decrépito" As mortes de Castro<br />

Alves, em 1871, e a de José de Alencar, em 1877, representam o fim<br />

de um ciclo literário, ainda que tanto o poeta baiano como o<br />

romancista cearense já se aproximassem, no fim de suas vidas, de<br />

uma expressão mais objetiva e menos idealista da realidade. De<br />

qualquer forma, o Romantismo e o II Império tinham estado muito<br />

próximos e agora ambos iriam passar por uma longa agonia, à<br />

espera do último suspiro.<br />

A sociedade, no entanto, continua se movendo, exigindo mudanças.<br />

Em São Paulo, uma nova elite cafeicultora se distingue dos velhos<br />

barões do café, do Vale do Paraíba, por seu ideário modernizador:<br />

preferem imigrantes a escravos em suas lavouras e não são<br />

totalmente hostis à nascente atividade industrial. Levas de imigrantes<br />

chegam, ora para o trabalho assalariado nas fazendas, ora para a<br />

ocupação de pequenas propriedades, no sul do país. Graças a seus<br />

hábitos de poupança e a seus conhecimentos técnicos, muitos deles<br />

migrarão para as cidades, constituindo pequenas indústrias semiartesanais.<br />

O SURGIMENTO NO BRASIL<br />

O Romantismo termina antes do Império. Na década de 1880 ele já<br />

está superado nos meios artísticos, exceto na música.* Neste<br />

momento histórico, a intelectualidade rebela-se contra a pieguice, o<br />

exagero, o nacionalismo ufanista, e exige uma postura crítica diante<br />

da vida. 1881 é o ano decisivo: Machado de Assis lança Memórias<br />

póstumas de Brás Cubas, e Aluísio Azevedo publica O mulato,<br />

inaugurando respectivamente o Realismo e o Naturalismo entre nós.<br />

Advirta-se, contudo, que o realismo machadiano tem pouco a ver<br />

com os princípios europeus do movimento, constituindo-se - como<br />

veremos adiante - num realismo à parte. Também o romance<br />

inaugural da estética naturalista é perturbado por desvios românticos<br />

e melodramáticos, fazendo de O mulato uma obra de estilo<br />

mesclado. Apesar disso, as duas narrativas representam o triunfo do<br />

novo e abrem um período de excepcional brilho em nossa <strong>literatura</strong>.<br />

* Curiosamente, o Romantismo permanece até hoje no gosto popular<br />

como modelo insuperável de um certo tipo de arte emotiva, singela, e<br />

mais ou menos superficial.<br />

MACHADO DE ASSIS (1839-1908).<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

VIDA: Joaquim Maria Machado de Assis<br />

nasceu no Rio de Janeiro, RJ em 21 de junho<br />

de 1839 e passou a infância e a adolescência<br />

no morro do Livramento. Cedo perdeu a mãe<br />

e ficou sob os cuidados da madrasta, Maria<br />

Inês. Fez os estudos primários numa escola<br />

pública do bairro de São Cristóvão e foi aluno<br />

do padre Silveira Sarmento, que o contratou<br />

como sacristão. Interessou-se então pelo<br />

estudo de línguas e aprendeu francês, inglês<br />

e alemão.<br />

Entrou como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, de onde<br />

passou, como revisor de provas, para a tipografia de Paula Brito. Lá<br />

conheceu escritores e jornalistas. A partir desse ano, colaborou no<br />

Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada e<br />

Jornal das Famílias, periódicos onde publicou boa parte de sua obra<br />

inicial. Em 1867 foi nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial e<br />

dois anos mais tarde casou-se com Carolina Augusta Xavier de<br />

Novais, irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais. O<br />

casamento teve importância decisiva na vida de Machado de Assis,<br />

pois os 35 anos de vida conjugal harmoniosa dariam ao escritor a<br />

serenidade necessária à criação de sua obra. Foi intensa a atividade<br />

do escritor na década de 1870. No Jornal das Famílias, entre 1874 e<br />

1876, iniciou a publicação das Histórias românticas, e, depois,<br />

Relíquias de casa velha. Ainda em 1874, começou no jornal O Globo<br />

a publicação, em folhetins, de A mão e a luva.<br />

Em 1880 foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Agricultura;<br />

oito anos mais tarde foi elevado à categoria de oficial da Ordem da<br />

Rosa; e em 1892 ascendeu a diretor-geral da Viação. Paralelamente,<br />

consolidou-se seu prestígio como escritor, já amplamente<br />

reconhecido. Em 1896 fundou, com outros intelectuais, a Academia<br />

Brasileira de Letras, da qual foi eleito presidente no ano seguinte.<br />

Machado de Assis criou uma obra equilibrada que inclui romances,<br />

contos, crônicas, ensaios, poesia e teatro. Mas foi no romance e no<br />

conto que se realizou plenamente como escritor. Como dramaturgo,<br />

limitou-se às comédias ligeiras, na maior parte delas com um único<br />

ato, sem importância em sua produção. Das 13 peças que escreveu,<br />

destacas-se Tu só, tu, puro amor e Lição de botânica. Como poeta,<br />

contemporâneo ainda da segunda geração romântica, Machado<br />

sofreu a influência dessa escola: seus versos -- reveladores de uma<br />

severa perfeição formal -- não possuem, entretanto o mesmo calor<br />

nem a força expressiva dos grandes poetas românticos.<br />

No ensaio, revelou-se prosador correto, elegante e agudo crítico<br />

literário e teatral. Como cronista, é um dos maiores do Brasil: ágil,<br />

espirituoso, sempre atento aos acontecimentos, conseguiu captar e<br />

tratar com humor a alma carioca de sua época.<br />

No conto, Machado de Assis produziu algumas obras-primas. São<br />

contos de observação da vida exterior e de análise psicológica, em<br />

que o autor foi mestre consumado. O conto machadiano é uma arte<br />

de pormenores, de sutilezas, em que há o engaste perfeito da<br />

simplicidade do estilo, do humor e da reflexão.<br />

Já nos primeiros romances, Machado deixa entrever as qualidades<br />

de grande prosador. Brás Cubas é o romance que serve de divisor<br />

de águas da obra machadiana e inaugura a fase de maturidade do<br />

escritor; Dom Casmurro faz voltar o estilo das memórias quasepóstumas,<br />

ao apresentar o relato de Bentinho, que se crê traído pela<br />

mulher e pelo melhor amigo, e relata sua vida quando ambos já<br />

estão mortos. As primeiras obras, embora românticas, já esboçam,<br />

nas entrelinhas das situações insípidas, não apenas o perfil do sóbrio<br />

estilista, mas algumas das linhas mestras que se afirmam em sua<br />

obra a partir de Brás Cubas. Sutil e reticente, Machado examina a<br />

precariedade da condição humana e destila, vagaroso e implacável,<br />

seu fel contra a vida e os homens. A dúvida, a indecisão, o logro e a<br />

loucura são temas característicos de seus romances, a que, se<br />

faltam pujança e paixão, sobram estilo e viva observação<br />

psicológica. O agravamento de sua doença, a epilepsia, mal que,<br />

latente na infância, acentuou-se por volta dos quarenta anos, talvez<br />

determinasse de certa forma seu radical e incurável ceticismo.<br />

Machado de Assis levou vida retirada depois da morte da esposa,<br />

em 1904, e morreu em 29 de setembro de 1908, na casa do Cosme<br />

Velho, no Rio de Janeiro.<br />

1º e 2ª Fases<br />

1ª Fase<br />

A Prosa – Considerados pelo autor como frutos de uma época de fé<br />

ingênua, ingenuidade esta perdida ao seguir novos caminhos: "me<br />

fui a outras e diferentes páginas", ou seja, páginas realistas.<br />

Mas, apesar de romanescos, os romances e contos dessa época já<br />

mostram algumas características que iriam, mais tarde, se consolidar<br />

na obra de Machado: o amor contrariado, o casamento por interesse,<br />

uma ligeira preocupação psicológica e uma leve ironia.<br />

Romance – 1ª fase: Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874);<br />

Helena (1876); Iaiá Garcia (1878).<br />

Machado passou pelo Romantismo e pelo Realismo, assimilando<br />

características de ambos, mas não se pode enquadrá-lo<br />

radicalmente em nenhum desses estilos. Pode-se dizer, grosso<br />

modo, que os romances da primeira fase tendem ao Romantismo e<br />

os da segunda fase ao Realismo.<br />

Porém, nos romances de primeira fase, já se podem notar algumas<br />

novidades. Sendo a principal delas é a criação de personagens que<br />

ambicionam, sobretudo mudar de classe social, ainda que isso lhes<br />

custe sacrificar o amor (excetuando Ressurreição, os outros três<br />

romances dessa fase levam esse tom), bem diferente dos romances<br />

românticos em que os personagens em geral comportam-se de<br />

acordo com aquilo que lhes dita o coração.<br />

2ª Fase<br />

A prosa – A essa fase pertencem verdadeiras obras primas de<br />

Machado. A análise psicológica dos personagens, o egoísmo, o<br />

pessimismo, o negativismo, a linguagem correta, clássica, as frases<br />

curtas, a técnica dos capítulos curtos e da conversa com o leitor são<br />

a principal característica dos textos realistas, ao lado da análise da<br />

sociedade e da crítica aos valores românticos. "Memórias Póstumas<br />

de Brás Cubas", além de ser o primeiro romance realista da <strong>literatura</strong><br />

brasileira, é uma obra inovadora, com uma série de características<br />

que distinguiriam as obras-primas de Machado de Assis. Além de<br />

"Memórias Póstumas de Brás Cubas", podem ser citados outros<br />

importantes romances da segunda fase de Machado: "Quincas<br />

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Borba"; "Dom Casmurro"<br />

(estes dois sendo duas obras-primas); "Esaú e Jacó"; e "Memorial de<br />

Assis" (seu último romance - segundo a crítica teria caráter<br />

autobiográfico, servindo para equilibrar a falta da esposa morta).<br />

Podem ser citados como características de seus romances dessa<br />

fase:<br />

- Quanto à visão do mundo - pessimismo (mostra uma visão trágica<br />

e amarga da existência humana); humor (seria uma válvula de<br />

escape diante da miséria humana); denúncia da hipocrisia e do<br />

egoísmo (no universo de Machado, os bons sentimentos sempre<br />

surgem para esconder uma outra face, egoísta e hipócrita); ironia<br />

(também é uma forma do escritor refletir sobre a vida).<br />

- Quanto aos personagens - seus personagens são homens<br />

comuns, que não podem ser classificados como bons ou maus. O<br />

autor abandona o exterior, indo penetrar na consciência, no mundo<br />

interior de cada personagem, onde encontra: paixão pelo dinheiro;<br />

egoísmo; medo da opinião alheia; dissimulação (principalmente nas<br />

personagens femininas); e vaidade.<br />

- Quanto à narração - sua preocupação é com o caráter, a vida<br />

interior dos personagens, por isso, em suas narrativas há pouca<br />

ação e muita reflexão.<br />

Muitas vezes, o narrador interfere na trama, para conversar com o<br />

leitor, debater, opinar, esclarecer. Graças a essa interferência, ao<br />

final, fica a impressão de que o livro não foi "lido", mas sim "contado"<br />

por alguém (isso se opõe às pretensões naturalistas, para as quais o<br />

leitor teria que "ver" a cena descrita ou narrada).<br />

Machado freqüentemente rompe a narrativa cronológica, linear, ora<br />

começando pelo fim, ora pelo meio, além dos freqüentes cortes.<br />

- Quanto à temática - certos temas aparecem com bastante<br />

freqüência: a relatividade dos conceitos morais; a transitoriedade da<br />

vida; o tédio; a preocupação psicológica está sempre presente, a<br />

fronteira entre a lucidez e a loucura (tema do conto "O Alienista");<br />

predominância do mal sobre o bem; a vaidade; o adultério (tema de<br />

"Dom Casmurro"); a inconstância do ser humano; a contradição entre<br />

aparência e essência.<br />

Romances – 2ª fase: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881);<br />

Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904);<br />

Memorial de Aires (1908).<br />

Diante dessa esquematização, pode-se concluir que na trajetória de<br />

Machado de Assis ocorreu uma mudança brusca, uma verdadeira<br />

ruptura no modo de escrever; mas não é verdade. O que aconteceu<br />

foi o amadurecimento gradual, lento, progressivo, apesar de o<br />

primeiro romance da segunda fase ser revolucionário, não só em<br />

relação aos anteriores, mas também em relação a toda a história da<br />

<strong>literatura</strong> brasileira.<br />

OBRAS:<br />

Poesia: Crisálidas; Falenas; Americanas; Poesias Completas.<br />

Romance: Ressurreição; A Mão e a Luva; Helena; Iaiá Garcia;<br />

Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Do Casmurro;<br />

Esaú e Jacó; Memorial de Aires.<br />

Contos: Contos Fluminenses; Histórias da Meia-Noite; Papéis<br />

Avulsos; Histórias Sem Data; Várias Histórias; Páginas Recolhidas;<br />

Relíquias da Casa Velha.<br />

RAUL POMPÉIA (1863-1895)<br />

VIDA : Nasceu em Angra do Reis, filho de uma família de grandes<br />

proprietários. Teve uma infância bastante reclusa, devido ao<br />

isolamento social de seus pais. No começo da década de 1870, os<br />

Pompéia se mudaram para a Corte e o menino vai estudar no mais<br />

famoso e caro colégio da época, o Colégio Abílio, onde permaneceu<br />

por cinco anos e do qual se vingaria dez anos depois. Concluiu seus<br />

estudos no Colégio D. Pedro II e, mais tarde, bacharelou-se pela<br />

Faculdade de Direito do Recife. Abolicionista e republicano exaltado,<br />

é uma espécie de intelectual de esquerda da época. Ocupou vários<br />

cargos públicos, inclusive a direção da Biblioteca Nacional. Seu<br />

temperamento exaltado despertou ódios e inimizades. Chegou a<br />

marcar um duelo com Olavo Bilac, que acabou não se realizando.<br />

Esta sensibilidade doentia e não resolvida impeliu-o ao suicídio, num<br />

dia de Natal. Contava então trinta e dois anos de idade.<br />

OBRA PRINCIPAL: O Ateneu (1888)<br />

Ainda que tenha escrito poemas (Canções sem metro), uma novela<br />

(Uma tragédia no Amazonas), e deixado obras inéditas, Raul<br />

Pompéia permanece como autor de um romance essencial de nossa<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

<strong>literatura</strong>: O Ateneu, que traz um enganoso subtítulo: Crônica de<br />

saudades.<br />

ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913)<br />

VIDA: Nasceu em São Luís do Maranhão, filho<br />

de uma mulher cheia de ousadia que abandonara<br />

o marido, grosseiro comerciante português, para<br />

ir viver em regime de concubinato com o vicecônsul<br />

de Portugal, com quem teve cinco filhos.<br />

Estimulado pela atmosfera intelectual e artística<br />

que imperava em sua casa, Aluísio revelou<br />

precocemente pendor pelo desenho e pela<br />

pintura. Em 1879, estreou na <strong>literatura</strong> com um<br />

medíocre folhetim, Uma lágrima de mulher. Dedicou-se também ao<br />

jornalismo, editando O pensador, um jornal de combate ao clero e ao<br />

atraso mental de cidade. A culminância de sua rebeldia ocorreu em<br />

1881, quando publicou o romance O mulato. A denúncia da<br />

corrupção do clero e do preconceito racial existentes na burguesia<br />

maranhense irritou os leitores da província, impelindo Aluísio<br />

Azevedo, então com vinte e quatro anos, a retornar ao Rio. Passou a<br />

viver exclusivamente da <strong>literatura</strong>, lançando folhetins românticos de<br />

baixa categoria, entremeados por duas narrativas naturalistas. Em<br />

1895, com quase quarenta anos, ingressou na carreira diplomática.<br />

Como cônsul, percorreu uma série de países estrangeiros. A partir<br />

de então, surpreendentemente, abandonou a produção literária. Os<br />

motivos de sua renúncia ficaram ignorados. Morreu em Buenos<br />

Aires, onde servia e vivia conjugalmente com uma senhora argentina<br />

e dois filhos desta.<br />

OBRAS PRINCIPAIS:<br />

Naturalistas - O mulato (1881); Casa de pensão (1884); O cortiço<br />

(1890)<br />

Folhetins - Girândola de amores (1882); O homem (1894); O livro de<br />

uma sogra (1895).<br />

Aluísio Azevedo é o primeiro caso de escritor no país a decidir-se<br />

pela <strong>literatura</strong> como forma de sobrevivência. Para tanto, precisará<br />

capitular às exigências do mercado que pede melodramas baratos e<br />

de fácil digestão. Sem vergonha aparente, satisfaz o gosto do público<br />

e lhe fornece o esperado. Simultaneamente, acaba encontrando na<br />

estética naturalista, - seja através da obra de Zola, seja através dos<br />

romances de Eça de Queirós - os princípios que lhe permitirão o<br />

desenvolvimento de uma obra adulta. O trabalho como caricaturista e<br />

a vocação para a pintura tinham intensificado o sentido plástico de<br />

seu texto. "Primeiro desenho os meus romances. Depois, redijo-os." -<br />

confessará ele mais tarde. O gosto naturalista pela descrição<br />

minuciosa, pelos painéis abrangentes e pelos costumes coletivos<br />

adequavam-se às tintas carregadas de sua linguagem. Assim como<br />

a ênfase na denúncia social e na patologia correspondiam à sua<br />

visão contestadora e também pessimista da realidade. Nas suas três<br />

obras básicas, ele revolverá temas proibidos (ou escondidos), a<br />

exemplo do racismo, da opressão dos trabalhadores livres, da<br />

sexualidade tropical, das aberrações morais e biológicas de ricos e<br />

pobres, etc.<br />

PARNASIANISMO<br />

CARACTERÍSTICAS<br />

1) OBJETIVISMO E IMPESSOALIDADE<br />

O poeta deve ser neutro diante da realidade, esconder seus<br />

sentimentos, sua vida pessoal. A confissão íntima e o<br />

extravasamento subjetivo, tão caros aos românticos, são vistos como<br />

inimigos da poesia. O Eu precisa se apagar frente do mundo<br />

objetivo, eclipsar-se. O espetáculo humano, cenas da natureza ou<br />

simples objetos são registrados, sem que haja interferências da<br />

interioridade do artista. A exemplo do que ocorrera no Realismo e no<br />

Naturalismo, o escritor é aquele que observa e reproduz as coisas<br />

concretas. Tal postura iria se tornar muito complicada num gênero<br />

literário que, desde a sua fundação, centrara-se na revelação da<br />

alma.<br />

2) ARTE PELA ARTE<br />

Os parnasianos ressuscitam o preceito latino de que a arte é gratuita,<br />

que só vale por si própria. Ela não tem nenhum sentido utilitário,<br />

nenhum tipo de compromisso. É auto-suficiente e justifica-se apenas<br />

por sua beleza formal. Qualquer tipo de investigação do social,<br />

referência ao prosaico, interesse pelas coisas comuns a todos os<br />

homens seria "matéria impura" a comprometer o texto.<br />

Restabelecem, portanto, um esteticismo de fundo conservador que já<br />

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vigora na arte da decadência<br />

romana. A <strong>literatura</strong> passa a ser apenas um jogo frívolo de espíritos<br />

elegantes.<br />

3) CULTO DA FORMA<br />

O resultado da visão descompromissada é a celebração dos<br />

processos formais do poema. A verdade de uma obra de arte passa<br />

a residir apenas em sua beleza. E a beleza é evidenciada pela<br />

elaboração formal. Logo:<br />

VERDADE = BELEZA = FORMA = POESIA<br />

A mitologia da perfeição formal constitui o alvo e a angústia básica<br />

dos parnasianos. A beleza deve ser alcançada a qualquer custo e o<br />

artista sente-se, muitas vezes, impotente para a realização desta<br />

tarefa. Olavo Bilac versa sobre o dilaceramento entre o ideal poético<br />

e a construção do poema em Perfeição, mostrando-a como uma<br />

cidadela inconquistável:<br />

Nunca entrarei jamais no teu recinto;<br />

na sedução e no fulgor que exalas,<br />

ficas vedada, num radiante cinto<br />

de riquezas, de gozos e de galas*.<br />

* Torre de marfim - * Galas - pompas, enfeites luxuosos.<br />

O sentido da forma<br />

Mas, afinal, o que é forma para os parnasianos? Eles consideram<br />

como forma a maneira do poema ser apresentado, seus aspectos<br />

exteriores. Forma seria assim a técnica de construção do poema.<br />

Isso representava uma simplificação primária do fazer poético e do<br />

próprio conceito de forma que passava a ser apenas uma fórmula.<br />

Uma fórmula resumida em alguns itens básicos:<br />

a) Metrificação rigorosa: os versos devem ter o mesmo número de<br />

sílabas poéticas, preferencialmente doze sílabas (versos<br />

alexandrinos), os preferidos na época.<br />

b) Rimas ricas: os poetas devem evitar as rimas pobres, isto é,<br />

aquelas estabelecidas por palavras da mesma classe gramatical,<br />

como substantivo com substantivo, adjetivo com adjetivo, etc. No<br />

período há uma ênfase no tipo de rima ABAB para as estrofes de<br />

quatro versos, isto é o primeiro verso rima com o terceiro, o segundo<br />

com o quarto. Não é incomum, contudo, o uso de rimas ABBA, isto é<br />

o primeiro verso rima com o quarto e o segundo com o terceiro.<br />

c) Preferência pelo soneto: os parnasianos reivindicam a tradição<br />

clássica do soneto, composição poética de quatorze versos -<br />

articulada obrigatoriamente em dois quartetos e dois tercetos - e que<br />

se encerra com uma "chave de ouro", espécie de síntese do poema,<br />

manifesta tão somente no último verso.<br />

d) Descritivismo: eliminando o Eu, a participação pessoal e social, só<br />

resta ao parnasiano uma poética baseada no mundo dos objetos,<br />

objetos mortos: vasos, colares, muros, etc. São pequenos quadros,<br />

fortemente plásticos (visuais), fechados em si mesmos, com grande<br />

precisão vocabular e freqüente superficialidade. O trecho abaixo<br />

pertence ao conhecido Vaso chinês, de Alberto de Oliveira:<br />

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o<br />

Casualmente, uma vez, de um perfumado<br />

Contador sobre o mármore luzidio,<br />

Entre um leque e o começo de um bordado.<br />

4) TEMÁTICA GRECO-ROMANA<br />

Apesar de todo o esforço, os parnasianos não conseguem articular<br />

poemas sem conteúdo e são obrigados a encontrar um assunto<br />

desvinculado no mundo concreto para motivo de suas criações.<br />

Escolhem a Antigüidade Clássica, aspectos de sua história e de sua<br />

mitologia.<br />

Esta matéria poderia render excepcionais reflexões filosóficas e<br />

existenciais, pois integramos o Ocidente, e o nosso jeito de ser, agir<br />

e pensar é profundamente marcado pela civilização grega, e mesmo<br />

pela romana. Mas os poetas do período optam por quadros estáticos.<br />

Nos deparamos então com centenas de textos que falam de deuses,<br />

heróis, personagens históricos, cortesãs, fatos lendários e até<br />

mesmo objetos.<br />

O PARNASIANISMO NO BRASIL<br />

ORIGENS<br />

No Brasil, a adoção do Parnasianismo tem um múltiplo significado:<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

* Representa um desligamento da realidade local no que essa tinha<br />

de pobre, feia e suja. Na adoção de valores europeus, os poetas<br />

fecham suas obras para um mundo grosseiro, feito de horrores,<br />

pestes e exploração, trocando o país concreto pela Antigüidade, pelo<br />

sonho com a cidade-luz, Paris, e pelo nacionalismo ufanista. Nem<br />

todos os parnasianos são conservadores do ponto de vista político,<br />

mas sua arte o é.<br />

* Assinala o triunfo de uma estética rígida que corresponde a uma<br />

sociedade imobilizada. Os princípios da escola tornam-se cânones e<br />

quem os desobedece , não ingressa no reino da poesia. Surgem<br />

vários tratados, ensinando os leitores os preceitos e os truques da<br />

nova poética que acaba caindo no gosto do público. Um público<br />

pequeno: a elite leitora de fins do século XIX chega no máximo a<br />

cinco por cento da população.<br />

* Apresenta uma arte centrada em obviedades escritas com ênfase<br />

retórica. Além das fórmulas fixas de agrado popular, como o soneto,<br />

do refinamento verbal - que distinguia o letrado do semi-analfabeto -<br />

e das regras autoritárias de poesia, os parnasianos produzem<br />

mensagens convencionais, insípidas e, até mesmo, certas reflexões<br />

filosóficas muito próximas da banalidade. Esta tendência ao<br />

convencional e ao lugar-comum consolida-se socialmente porque<br />

não ameaça, não questiona, não põe em xeque as concepções que<br />

as classes dirigentes tinham de si mesmas e do Brasil.<br />

* Domina intelectualmente o país por quarenta anos. De maneira<br />

inesperada, os poetas do período acabam ganhando adeptos não<br />

somente nas elites, mas também nos círculos intelectuais das<br />

nascentes classes médias urbanas. Assim, o Parnasianismo<br />

espalha-se por todo o país, alcançando um número monumental de<br />

seguidores. Seu domínio foi de tal ordem que os organizadores da<br />

Semana de Arte Moderna tiveram como um dos objetivos básicos a<br />

destruição desses modelos parnasianos de poesia e de cultura.<br />

* Coloca a criação literária como resultante do esforço e não da<br />

inspiração. Os românticos haviam expresso uma crença tão<br />

apaixonada na espontaneidade, no "borbulhar do gênio", no instinto<br />

criativo, que todo o trabalho de pesquisa e cuidado formal do artista<br />

parecia supérfluo. Já os parnasianos consideram a poesia como um<br />

processo artesanal de luta com as palavras, de busca do rigor, de<br />

suor e dedicação. Rompem com o amadorismo e a facilidade.<br />

Mostram que a arte, normalmente, não aceita os preguiçosos e<br />

aproximam-se da visão contemporânea sobre a construção do texto<br />

literário e o papel profissional do escritor.<br />

O SURGIMENTO NO BRASIL<br />

A primeira manifestação parnasiana no Brasil data de 1882, ano em<br />

que se publica o medíocre Fanfarras, de Teófilo Dias. Mas o<br />

movimento estrutura-se e ganha prestígio popular com a constituição<br />

da famosa tríade parnasiana: Olavo Bilac, Raimundo Correia e<br />

Alberto de Oliveira.<br />

OS POETAS DO PARNASIANISMO<br />

1) OLAVO BILAC (1865-1918)<br />

VIDA: Nasceu no Rio de Janeiro, numa família<br />

de classe média. Estudou Medicina e depois<br />

Direito, sem se formar em nenhum dos cursos.<br />

Jornalista, funcionário público, inspetor escolar,<br />

secretário do prefeito do Distrito Federal, exerceu<br />

constante atividade republicana e nacionalista,<br />

realizando pregações cívicas em todo o país, inclusive pelo serviço<br />

militar obrigatório. Era um exímio conferencista e representou o país<br />

em vários encontros diplomáticos internacionais. Foi coroado como<br />

"príncipe dos poetas brasileiros", encarnando a liderança do grupo<br />

parnasiano. Por isso, ingressou na Academia de Letras, na condição<br />

de fundador. Paralelamente, teve certas veleidades boêmias e estas<br />

inclinações noturnas não deixaram de escandalizar e, ao mesmo<br />

tempo, fascinar a época.<br />

OBRAS: Poesias (Reunião dos livros Panóplias, Via-láctea e Sarças<br />

de fogo -1888); Tarde (1918)<br />

Podemos indicar os seguintes assuntos como dominantes em sua<br />

poética:<br />

* a Antigüidade greco-romana * o lirismo amoroso * a reflexão<br />

existencial. * o nacionalismo ufanista<br />

O LIRISMO AMOROSO<br />

Bilac trata do amor a partir de dois ângulos distintos: um mais<br />

filosófico e sentencioso; o outro, mais descritivo e sensual. O<br />

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primeiro caso ocorre nos trinta<br />

e cinco sonetos que compõem o livro Via láctea e que lhe<br />

granjearam imensa popularidade.<br />

Escritos em decassílabos*, apresentam reflexões, lembranças,<br />

paixões concretas ou irrealizadas, cogitações sobre o caráter do<br />

afeto, etc., num conjunto de qualidade desigual, oscilando entre o<br />

gosto romântico e o gosto clássico. O soneto XIII tornou-se<br />

antológico:<br />

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo<br />

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,<br />

Que, para ouvi-las, muita vez desperto<br />

E abro as janelas, pálido de espanto...<br />

E conversamos toda a noite, enquanto<br />

A via láctea , como um pálio aberto,<br />

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,<br />

Inda as procuro pelo céu deserto.<br />

Direis agora: "Tresloucado amigo!<br />

Que conversas com elas? Que sentido<br />

Tem o que dizem, quando estão contigo?"<br />

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!<br />

Pois só quem ama pode ter ouvido<br />

Capaz de ouvir e entender estrelas."<br />

*Decassílabos: versos de dez sílabas poéticas<br />

A estes comentários sobre o significado dos sentimentos, o autor vai<br />

preferir, em Sarças de fogo, a celebração dos prazeres corpóreos.<br />

Uma profusão de beijos infinitos, abraços escaldantes, sangue<br />

fervente e atritos libidinosos ajudam a enriquecer aquele erotismo do<br />

fim do século XIX e cuja expressão em nossa pintura é Visconti.<br />

Olavo Bilac tem o olho fremente do voyeur (sujeito que se excita<br />

apenas com a contemplação dos corpos ou do ato sexual) e se<br />

compraz na descrição nem sempre sutil da anatomia feminina. Se<br />

levarmos em conta que a nudez das mulheres era um tabu na<br />

sociedade brasileira, podemos imaginar o frêmito que os seus<br />

poemas causavam então. Em Satânia, a luz do meio-dia cobre de<br />

carícias o seu esplêndido corpo.<br />

Nua, de pé, solto o cabelo às costas,<br />

Sorri. Na alcova perfumada e quente,<br />

Pela janela, como um rio enorme,<br />

Profusamente a luz do meio-dia<br />

Entra e se espalha, palpitante e viva. (...)<br />

Como uma vaga preguiçosa e lenta,<br />

Vem lhe beijar a pequenina ponta<br />

Do pequenino pé macio e branco.<br />

Sobe...Cinge-lhe a perna longamente;<br />

Sobe... - e que volta sensual descreve<br />

Para abranger todo o quadril! - prossegue,<br />

Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,<br />

Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,<br />

Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo<br />

Da axila, acende-lhe o coral da boca.(...)<br />

E aos mornos beijos, às carícias ternas<br />

Da luz, cerrando levemente os cílios,<br />

Satânia os lábios úmidos encurva<br />

E da boca na púrpura sangrenta<br />

Abre um curto sorriso de volúpia...<br />

A REFLEXÃO EXISTENCIAL<br />

Em alguns poemas, contudo, o autor de Tarde consegue mesclar<br />

uma visão sensual da vida com meditações carregadas de<br />

melancolia e desassossego sobre a proximidade da velhice e da<br />

morte. Possivelmente são as suas melhores criações. Não há como<br />

fugir da beleza da primeira estrofe de O Vale, por exemplo:<br />

Sou como um vale, numa tarde fria<br />

Quando as almas dos sinos, de uma em uma,<br />

No soluçoso adeus da ave-maria<br />

Expiram longamente pela bruma.<br />

O NACIONALISMO UFANISTA<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

Olavo Bilac também quebra a impassibilidade parnasiana com o<br />

patriotismo retumbante de seus versos. Transforma-se numa espécie<br />

de poeta oficial da República Velha, fugindo do Brasil problemático e<br />

inventando um Brasil de heróis intrépidos, grandezas infinitas e<br />

símbolos a serem amados.<br />

Bandeirantes ferozes, como Fernão Dias Pais Leme, são<br />

transformados em agentes da civilização ("Violador dos sertões,<br />

plantador de cidades / Dentro do coração da pátria viverás!") A<br />

natureza, a exemplo do Romantismo, vira expressão da<br />

nacionalidade. Crianças são convocadas a amar a pátria com "fé e<br />

orgulho". E a poesia parece diluir-se num manual de civismo.<br />

Um dos seus poemas patrióticos mais conhecidos é Língua<br />

Portuguesa:<br />

Última flor do Lácio*, inculta e bela,<br />

És, a um tempo, esplendor e sepultura:<br />

Ouro nativo, que na ganga* impura<br />

A bruta mina entre os cascalhos vela...<br />

Amo-te assim, desconhecida e obscura.<br />

Tuba* de alto clangor*, lira singela,<br />

Que tens o trom* e o silvo da procela* ,<br />

E o arrolo* da saudade e da ternura!<br />

-<br />

Amo o teu viço agreste e teu aroma<br />

De virgens selvas e de oceano largo!<br />

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,<br />

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"<br />

E em que Camões chorou, no exílio amargo,<br />

O gênio sem ventura e o amor sem brilho!<br />

* Lácio: região que circunda Roma e onde se origina o latim. *<br />

Ganga: resíduo inútil de minério. * Tuba: instrumento de sopro,<br />

similar à trombeta * Clangor: som forte * Trom: som de trovão *<br />

Procela: tempestade * Arrolo: arrulho, acalanto<br />

2) ALBERTO DE OLIVEIRA (1857-1937)<br />

VIDA: Nasceu no interior do Rio de Janeiro e formou-se em<br />

Farmácia. Exerceu várias funções públicas, entre as quais o<br />

magistério e tornou-se um dos fundadores da Academia Brasileira de<br />

Letras. Sua lírica descritivista e convencional lhe garantiu um lugar<br />

no gosto médio da época, substituindo Olavo Bilac na condição de<br />

"príncipe dos poetas brasileiros", em 1924, quando o Parnasianismo<br />

já fora destruído pelas novas elites artísticas do país. Morreu em<br />

Niterói, aos oitenta anos.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: Meridionais (1884); Versos e rimas (1895); O<br />

livro de Ema (1900)<br />

Entre todos os parnasianos é o que mais permanece atado aos<br />

rigorosos padrões do movimento. Manipula os procedimentos<br />

técnicos de sua escola com precisão, mas essa técnica ressalta<br />

ainda mais a pobreza temática, a frieza e a insipidez de uma poesia<br />

hoje ilegível. Alfredo Bosi acentua que o criador de Vaso grego<br />

sonha em desfazer-se de todos os compromissos com a realidade.<br />

Na década de 1920, Mário de Andrade já havia escrito que o único<br />

problema de Alberto de Oliveira era o não ter nada para dizer, e que<br />

uma lágrima de qualquer poema de Goethe possuía mais lirismo que<br />

a obra completa desse parnasiano menor.<br />

Confirmando a justiça desses julgamentos, pouco encontramos em<br />

Alberto de Oliveira além de poemas que reproduzem mecanicamente<br />

a natureza e objetos decorativos. Enfim, uma poesia de rimas exatas<br />

e métrica correta. Uma poesia sobre coisas inanimadas. Uma poesia<br />

tão morta como os objetos descritos.<br />

3) RAIMUNDO CORREIA (1859-1911)<br />

VIDA: Nasceu no Maranhão e formou-se advogado, em São Paulo.<br />

Trabalha no interior do Rio de Janeiro como magistrado e, em Ouro<br />

Preto, como secretário de Finanças. Passa em seguida para a<br />

diplomacia, trabalhando em Lisboa. Volta mais tarde à antiga capital<br />

federal , onde mais uma vez exerce a magistratura. Morre, com<br />

cinqüenta e dois anos, em Paris, onde fazia um tratamento de saúde.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: Sinfonias (1883); Aleluias (1891).<br />

A exemplo dos demais componentes da tríade parnasiana,<br />

Raimundo Correia foi um consumado artesão do verso, dominando<br />

com perfeição as técnicas de montagem e construção do poema.<br />

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13


O PESSIMISMO<br />

FILOSOFANTE<br />

Essa melancolia transforma-se, em outros poemas, numa visão<br />

dolorida da existência. O acento pessimista, a busca de uma<br />

dimensão quase filosófica para o fracasso dos sonhos e certas<br />

emanações sensíveis garantiriam a Raimundo Correia um lugar<br />

especial dentro do Parnasianismo, não fosse a falta de originalidade<br />

de sua inspiração. Poemas que, na rigidez da fórmula de quatorze<br />

versos, apresentam pequenas sínteses morais sobre a condição<br />

humana, numa filosofia bastante próxima da banalidade. Tais<br />

lugares-comuns do pensamento, como já vimos, agradavam ao<br />

público, mas estão longe de constituir fonte profunda de indagação e<br />

questionamento do sentido da vida.<br />

CARACTERÍSTICAS<br />

1) SUBJETIVISMO<br />

Os simbolistas retomam a subjetividade da arte romântica com outro<br />

sentido. Os românticos desvendavam apenas a primeira camada da<br />

vida interior, onde se localizavam vivências quase sempre de ordem<br />

sentimental. Os simbolistas vão mais longe, descendo até os limites<br />

do subconsciente e mesmo do inconsciente. Este fato explica o<br />

caráter ilógico ou o clima de delírio de grande parte de sues poemas,<br />

como no fragmento de Cruz e Sousa:<br />

Cristais diluídos de clarões álacres,<br />

Desejos, vibrações, ânsias, alentos,<br />

Fulvas vitórias, triunfamentos acres,<br />

Os mais estranhos estremecimentos.<br />

2) O EFEITO DE SUGESTÃO<br />

Para os simbolistas, a verdadeira poesia consiste em não-dizer, nãodeclarar,<br />

não designar as coisas pelos seus nomes triviais. A<br />

verdadeira poesia está em insinuar, dizer figuradamente, sugerir.<br />

Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas com<br />

efeito de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturam-se na<br />

exaltação de uma mulher que parece devorar os homens:<br />

3) MUSICALIDADE<br />

Na tentativa de sugerir infinitas sensações aos leitores, os<br />

simbolistas aproximam a poesia da música. Entendamos: não se<br />

trata de poesia com fundo musical, mas poesia com musicalidade em<br />

si mesma, através do manejo especial de ritmos da linguagem,<br />

esquisitas combinações de rimas, repetição intencional de certos<br />

fonemas, sujeição do sentido de um vocábulo a sua sonoridade, etc.<br />

Realiza-se assim a exigência de Verlaine:<br />

"A música antes de qualquer coisa."<br />

A música é obrigatória, como nesta espécie de receita poética de<br />

Cruz e Sousa:<br />

Derrama luz e cânticos e poemas<br />

No verso e torna-o musical e doce<br />

Como se o coração, nessas supremas<br />

Estrofes, puro e diluído fosse.<br />

Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrível<br />

musicalidade:<br />

A música da Morte, a nebulosa,<br />

Estranha, imensa música sombria,<br />

Passa a tremer pela minh'alma e fria<br />

Gela, fica a tremer, maravilhosa...<br />

4) IRRACIONALISMO E MISTÉRIO<br />

No princípio, os simbolistas têm como projeto "revestir as idéias de<br />

uma forma sensível", isto é, traduzi-las para uma linguagem<br />

simbólica e musical. Pouco a pouco, este intelectualismo se converte<br />

numa aventura anti-intelectual, numa negativa à possibilidade de<br />

comunicação lógica entre os homens.<br />

Cruz e Sousa chega a implorar pelo mistério:<br />

Infinitos, espíritos dispersos,<br />

Inefável, edênicos*, aéreos,<br />

Fecundai o Mistério destes versos<br />

Com a chama ideal de todos os mistérios.<br />

*Inefável - indescritível, o que não pode ser expresso.<br />

*Edênicos: que procedem do Éden, do paraíso.<br />

O SIMBOLISMO NO BRASIL<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

CONTEXTO CULTURAL<br />

O Simbolismo no Brasil é um movimento que ocorre à margem do<br />

sistema cultural dominante. Seu próprio desdobramento aponta para<br />

províncias de escassa ressonância: Paraná, Santa Catarina e Rio<br />

Grande do Sul. É como se o gosto dos poetas da escola por neve e<br />

névoas, outonos e longos crepúsculos exigisse regiões frias e<br />

nebulosas.<br />

Há quase um fatalismo geográfico: Alphonsus de Guimaraens produz<br />

seus textos nas cidades montanhosas e fantasmagóricas de Minas<br />

Gerais. No Rio de Janeiro, de grandes sóis e clima tropical, o<br />

agrupamento simbolista, mesmo com o reforço de Cruz e Sousa -<br />

que emigrara da antiga cidade do Desterro (hoje Florianópolis) -<br />

acaba sufocado pela luz, pelo calor e pela onda parnasiana.<br />

Os adeptos da nova estética tornam-se alvo de zombarias, quando<br />

não de desprezo. A maioria dos críticos não os compreende e o<br />

público leitor mostra-se indiferente ou hostil frente aquela poética<br />

aristocrática, complicada, pretensiosa. Somente depois do triunfo<br />

modernista, alguns desses poetas seriam revalorizados.<br />

Não se pense, contudo que a marginalidade simbolista implica numa<br />

mudança das relações de dependência entre os letrados brasileiros e<br />

os valores europeus. A exemplo dos parnasianos - e às vezes é<br />

difícil identificar diferenças poéticas entre ambos - os simbolistas<br />

transplantam uma cultura que pouco tem a ver com a realidade local.<br />

Daí resulta uma poesia freqüentemente distanciada tanto do espaço<br />

social quanto do jeito íntimo de ser brasileiro. Um pastiche dos<br />

"padrões sublimes da civilização".<br />

Outra vez estamos diante do velho sonho colonizado: reproduzir aqui<br />

os modelos recentes da arte européia. A grande exceção neste<br />

contexto parece ser a obra de Cruz e Sousa, embora outros poetas<br />

do período tenham deixado criações isoladas de relativo interesse e<br />

qualidade.<br />

As primeiras experiências de acordo com os novos preceitos são<br />

realizadas por Medeiros e Albuquerque, a partir de 1890. Porém, os<br />

textos que verdadeiramente inauguram o Simbolismo pertencem a<br />

Cruz e Souza que, em 1893, lança duas obras renovadoras:<br />

Broquéis e Missal.<br />

A primeira compõe-se de poemas em versos e a segunda de<br />

poemas em prosa.<br />

AUTORES SIMBOLISTAS<br />

CRUZ E SOUSA (1861 - 1898)<br />

VIDA: João da Cruz e Souza nasceu em<br />

Desterro (hoje Florianópolis), filho de escravos<br />

libertos pelo marechal Guilherme de Souza,<br />

que adotou o menino negro e ofereceu-lhe a<br />

chance de estudar com os melhores<br />

professores de Santa Catarina. Foi seu mestre, inclusive, o sábio<br />

alemão Fritz Müller, correspondente de Darwin. Apesar da morte de<br />

seu protetor, conseguiu terminar o nível intermediário e, com pouco<br />

mais de dezesseis anos, tornou-se professor particular e militante da<br />

imprensa local. Aos vinte anos, seguiu com uma companhia teatral<br />

por todo o Brasil, na condição de "ponto". Durante estas viagens<br />

entregou-se a conferências abolicionistas. Em 1883, foi nomeado<br />

promotor público em Laguna, no sul da província, mas uma rebelião<br />

racista na pequena cidade, impediu-o de assumir o cargo, embora<br />

esta história seja contestada por algumas fontes. Voltou a viajar e a<br />

cada regresso sentia a ampliação do preconceito de cor. Mudou-se<br />

então, definitivamente para o Rio de Janeiro. Lá se casaria com uma<br />

moça negra (Gavita) e conseguiria modesto emprego de arquivista<br />

na Central do Brasil, já no ano de 1893. Às inúmeras dificuldades<br />

financeiras somavam-se o desprezo dos intelectuais da época, que<br />

viam nele apenas um "negro pernóstico", o período de loucura<br />

mansa vivido pela esposa, durante seis meses, e a tuberculose que<br />

atacou toda a sua família: ele, a mulher e os quatro filhos. Numa<br />

carta ao amigo e protetor, Nestor Vítor, deixou registrado seu<br />

infortúnio:<br />

"Há quinze dias tenho uma febre doida... Mas o pior, meu velho, é<br />

que estou numa indigência horrível, sem vintém para remédios, para<br />

leite, para nada! Minha mulher diz que sou um fantasma que anda<br />

pela casa!"<br />

Este mesmo amigo providenciou uma viagem do poeta à região<br />

serrana de Minas Gerais, em busca de paliativo para a doença. Mal<br />

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14


chegando lá, Cruz e Sousa<br />

piorou e faleceu na mais absoluta solidão. Três anos após - já tendo<br />

enterrado dois filhos - Gavina também desapareceria por causa da<br />

tuberculose. O terceiro filho morreria em seguida. O último, vitimado<br />

pela mesma moléstia, desapareceria em 1915. A família estava<br />

extinta numa terrível tragédia humana.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: Broquéis (1893) - Missal (1893) - Evocações<br />

(1899) - Faróis (1900) Últimos sonetos (1905)<br />

A obra de Cruz e Sousa é a mais brasileira de um movimento que foi,<br />

entre nós, essencialmente europeu. Nela opera-se uma tentativa de<br />

síntese entre formas de expressão prestigiadas na Europa e o drama<br />

espiritual de um homem atormentado social e filosoficamente. O<br />

resultado passa, às vezes, por poemas obscuros e verborrágicos<br />

mas, na maioria dos casos, a densidade lírica e dramática do "Cisne<br />

Negro" atinge um nível só comparável ao dos grandes simbolistas<br />

franceses. O primeiro aspecto que percebemos em sua poética é a<br />

linguagem renovadora.<br />

A linguagem metafórica e musical<br />

Ainda que sua formação tenha sido dentro do Parnasianismo - e<br />

desta escola ele guarde o cultivo da perfeição e o gosto pela métrica<br />

e pelo soneto - Cruz e Sousa foge da objetividade lingüística e dos<br />

lugares-comuns verbais de seus antecessores. No seus poemas,<br />

abundam substantivos comuns com iniciais maiúsculas e palavras<br />

raras. A linguagem denotativa quase desaparece na quantidade de<br />

símbolos, aliterações*, sinestesias*, esquisitas harmonias sonoras.<br />

Ao contrário do texto parnasiano, o simbolista exige do leitor um<br />

esforço de decifração, de "tradução" da realidade sugerida para a<br />

realidade concreta. A todo momento, o poeta apela para a linguagem<br />

metafórica:<br />

"O demônio sangrento da luxúria..."<br />

"Punhais de frígidos sarcasmos..."<br />

"Ó negra Monja triste, ó grande soberana." (A lua)<br />

"As luas virgens dos teus seios brancos..."<br />

"O chicote elétrico do vento..."<br />

A musicalidade se dá através de aliterações. Sejam em v:<br />

Vozes veladas, veludosas vozes,<br />

volúpias dos violões, vozes veladas<br />

vagam nos velhos vórtices* velozes<br />

dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas*...<br />

*Sinestesias: correspondência entre as diversas sensações, sons,<br />

olhares e cheiros. *Aliterações: repetição de fonemas no início, meio<br />

ou fim das palavras. *Vórtices: redemoinho, turbilhão. *Vulcanizadas:<br />

ardentes, exaltadas.<br />

Sejam em m:<br />

Mudas epilepsias, mudas, mudas,mudas epilepsias<br />

Os exemplos são infinitos. Em s: "Surdos, soturnos, subterrâneos<br />

desesperos..." Em f: "Finos frascos facetados" E assim por diante,<br />

sempre a "música antes de qualquer coisa." Vale a pena lembrar<br />

também que o escritor não ignorava a sinestesia, utilizando-a com<br />

freqüência: "vozes luminosas" - "aromas mornos e amargos" -<br />

"claridade viscosa" - "vermelhos clarinantes", etc. Da mesma forma,<br />

quando necessitado de novas palavras com sonoridade originais, ele<br />

não tinha vergonha de inventá-las: "purpurejamento - suinice -<br />

tentaculizar - maternizado, etc.<br />

Temas básicos<br />

No entanto, a poética de Cruz e Sousa vai além destes<br />

procedimentos estilísticos inovadores. A junção da linguagem<br />

estranha com três ou quatro temas recorrentes e profundos é que lhe<br />

garantiu o lugar privilegiado em nossa <strong>literatura</strong>. A rigor, os seus<br />

assuntos são limitados:<br />

* A obsessão pela cor branca<br />

* O erotismo e sua sublimação<br />

* O sofrimento da condição negra<br />

* A espiritualização<br />

A obsessão pela cor branca<br />

Roger Bastide desvela nos primeiros livros de Cruz e Sousa uma<br />

imensa nostalgia de se tornar ariano. O poeta parece ocultar as suas<br />

origens numa louvação contínua da cor branca. O branco em seus<br />

diversos tons, o branco da neve, do luar, da neblina, da bruma, do<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

cristal, do marfim, da espuma, da pérola, das luzes e dos brilhos. O<br />

crítico contou em Broquéis cento e sessenta e nove referências a<br />

este universo de brancuras. O primeiro poema do livro, Antífona*, já<br />

é indicativo do que virá depois:<br />

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras<br />

De luares, de neves, de neblinas!<br />

Ó formas alvas, fluidas, cristalinas,<br />

Incensos dos turíbulos* das aras*<br />

Também as mulheres que estimulam sexualmente o poeta, em sua<br />

maioria, são brancas:<br />

Braços nervosos, brancas opulências<br />

Brumais brancuras, fúlgidas brancuras<br />

Alvuras castas, virginais alvuras,<br />

Lactescências das raras lactescências.<br />

Se existe uma vingança de Cruz e Souza contra o preconceito de<br />

cor, ela não se dá exatamente através de uma aproximação com seu<br />

mundo étnico. Ele buscou na aristocratização intelectual, no<br />

hermetismo*, na imitação do dernier cri parisiense e no desprezo<br />

pela vulgaridade, sua diferença em relação aos escritores brancos<br />

vinculados ao Parnasianismo. Como diz Roger Bastide, "criando uma<br />

arte de reticências e sutilezas", ele quis mostrar que o negro não era<br />

um materialista, preso à terra e ao prazer dos sentidos.<br />

Daí também o platonismo* contínuo de sua poesia, na qual o<br />

universo concreto não passa de um reflexo sombrio de Essências e<br />

Idéias supraterrestres. Assim a poesia fica imaculada, limpa das<br />

impurezas da vida. E a obsessão pelo branco ganha uma dimensão<br />

filosófica, que poderia ser representada da seguinte maneira:<br />

MUNDO PLATÔNICO > MUNDO DAS IDÉIAS E FORMAS PURAS > MUNDO<br />

ALVO E NEVOENTO<br />

Este é o mundo ao que o poeta aspira: uma libertação, uma<br />

comunhão. Para tentar atingi-lo, destruirá a concepção parnasiana<br />

onde se formara: as coisas materiais se enevoarão, se diluirão. Os<br />

corpos femininos, no entanto, procurarão puxá-lo para a luxúria da<br />

vida terrena, atrapalhando a sua trajetória rumo às Essências.<br />

*Hermetismo: fechamento, sentido obscuro. *Platonismo: vem da<br />

filosofia de Platão, que afirma ser o nosso mundo uma cópia inferior<br />

de um mundo ideal.<br />

Erotismo e sublimação<br />

As mulheres surgem na obra de Cruz e Sousa como um símbolo de<br />

sensualidade. Mas ao contrário das figuras femininas de Olavo Bilac<br />

- descritas minuciosamente em sua graça corpórea, como esculturas<br />

belas e frias - as mulheres do catarinense aparecem, com<br />

freqüência, sob a forma de "cruéis e demoníacas serpentes"<br />

arrastando o poeta para convulsões, espasmos, anseios e desejos<br />

obscuros. Estamos longe daqueles retratos parnasianos,<br />

emoldurados por um erotismo convencional. Cruz e Sousa prefere<br />

mergulhar nas sensações despertadas pelas "carnes tépidas":<br />

Carnais, sejam carnais tantos anseios,<br />

Palpitações e frêmitos* e enleios*,<br />

Das harpas da emoção tantos arpejos*...<br />

Estes "sentimentos carnais" exasperam o poeta em "febres intensas,<br />

ânsias mortais, angústias palpitantes" impelindo-o a necessidade de<br />

sublimar as "flamejantes atrações do gozo". É necessário transportar<br />

estes espasmos e desejos para o reino sideral e assim<br />

desmaterializá-los:<br />

Para as Estrelas de cristais gelados<br />

as ânsias e os desejos vão subindo,<br />

galgando azuis e siderais noivados<br />

de nuvens brancas a amplidão vestindo.<br />

*Sublimação: Processo inconsciente de desviar a energia da libido<br />

para outras esferas ou atividades.*Frêmitos: vibrações, arrepios.<br />

*Enleios: laços, atrações. *Arpejos: execução rápida e sucessiva de<br />

notas musicais.<br />

O sofrimento da condição negra<br />

Em Faróis e Evocações (poemas confessionais em prosa), Cruz e<br />

Sousa produzirá textos dolorosos e noturnos. A escuridão da noite -<br />

sempre associada à idéia de morte - substituirá o culto do branco e<br />

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15


do erotismo. Estes dois livros<br />

correspondem à época da loucura de sua mulher, das maiores<br />

dificuldades financeiras, do preconceito de cor e do descaso dos<br />

intelectuais por sua obra. Como que lhe traduzindo a agonia interior,<br />

o estilo torna-se mais obscuro e tortuoso do que normalmente. O seu<br />

sentimento dominante é o de opressão. O sofrimento da condição<br />

negra não se transforma em protesto racial, e sim em isolamento,<br />

solidão, aristocratização amarga. O Simbolismo é para ele uma<br />

forma de revolta contra a sociedade e contra suas próprias origens<br />

africanas, pelas quais sente, ao mesmo tempo, orgulho e pesar. O<br />

"emparedado" vinga-se das "paredes" que o asfixiam com a sua<br />

criatividade poética. É uma revolta estética, raramente quebrada pela<br />

denúncia social, a não ser em textos como Litania dos Pobres:<br />

Os miseráveis, os rotos<br />

São as flores dos esgotos<br />

São espectros implacáveis<br />

Os rotos, os miseráveis<br />

São prantos negros de furnas<br />

Caladas, mudas, soturnas (...)<br />

Faróis à noite apagados<br />

Por ventos desesperados(...)<br />

Bandeiras rotas, sem nome,<br />

Das barricadas da fome.<br />

Bandeiras estraçalhadas<br />

Das sangrentas barricadas.<br />

A espiritualização<br />

A tuberculose veio culminar o processo trágico de Cruz e Sousa e<br />

sua família. Os tormentos atingem agora a plenitude, e a morte paira<br />

sobre tudo com sua túnica negra. Em Últimos sonetos, a linguagem<br />

parece se despir dos excessos anteriores e chega à perfeição. O<br />

poeta está diante do grande abismo e procura decifrar seu formidável<br />

mistério. Já não se trata apenas da angústia de um homem proscrito<br />

por causa de sua raça. O sofrimento, de fato, é inerente à condição<br />

humana. E, diante do fim, o artista experimentará sensações<br />

diversas, desde o desejo de dissolução na "Noite redentora" até a<br />

expectativa de ressurreição em outra vida .<br />

Seu processo de espiritualização é difusamente católico: dá a<br />

impressão de que acredita na sobrevivência dos mortos, que estes<br />

serão restituídos a sua "verdadeira pátria", isto é, a pátria das almas<br />

e das essências platônicas.<br />

ALPHONSUS DE GUIMARAENS<br />

(1870-1921)<br />

VIDA: Nasceu em Ouro Preto, filho de um<br />

comerciante português e de uma sobrinha do<br />

escritor romântico, Bernardo Guimarães. Fez<br />

seus estudos preliminares na cidade natal e<br />

depois cursou Direito em São Paulo. Nutre<br />

intensa paixão platônica pela filha do autor de A<br />

escrava Isaura, Constança, que morreria de<br />

tuberculose antes dos dezoito anos e, para quem escreveria muitos<br />

de seus versos. Retornou para Minas Gerais, exercendo a função de<br />

juiz em Conceição do Serro e, mais tarde, em Mariana. Casou-se<br />

com uma jovem de dezessete anos, Zenaide, com quem teve<br />

quatorze filhos e com quem encaramujou-se na vida privada,<br />

ao ponto de morrer praticamente na obscuridade, às vésperas da<br />

Semana de Arte Moderna.<br />

OBRAS PRINCIPAIS: Setenário das dores de Nossa Senhora<br />

(1899), Dona mística (1889), Câmara ardente (1899), Kyriale (1902)<br />

Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e<br />

decadentes da região aurífera, Alphonsus de Guimarães sofreu as<br />

influências ambientais dessas cidades, povoadas apenas, no dizer<br />

de Roger Bastide, "de sons e sinos, de velhas deslizando pelos<br />

becos silenciosos, de vultos que se escondem à sombra das<br />

muralhas. Cidades de brumas, conhecendo as mesmas existências<br />

cinzentas e os mesmos fantasmas noturnos: donzelas solitárias,<br />

vestidas de luar." Sua poesia gira em torno de poucos assuntos:<br />

1) a morte da amada;<br />

2) a religiosidade litúrgica<br />

A morte da amada<br />

É um tema dominante em sua poesia: a morte da noiva amada, a<br />

doce Constança, desaparecida na flor da mocidade.<br />

De certa forma, não conseguirá mais esquecê-la e, assim, os seus<br />

poemas de amor sempre se vincularão à idéias fúnebres. Amor e<br />

morte é uma velha fórmula romântica, mas Alphonsus a tratará de<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

maneira diferente, fugindo do patético e alcançando um tom<br />

elegíaco*, onde predominam a melancolia e a musicalidade.<br />

Nem o casamento, nem o passar do tempo ajudarão o poeta a<br />

atenuar esta tristeza. Em vários momentos, a dor parece mais uma<br />

convenção poética do que propriamente um sentimento real. No<br />

entanto, um soneto como Hão de chorar por ela os cinamomos<br />

guarda forte carga de emoção:<br />

Hão de chorar por ela os cinamomos<br />

Murchando as flores ao tombar do dia<br />

Dos laranjais hão de cair os pomos<br />

Lembrando-se daquela que os colhia.<br />

As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,<br />

Pois ela se morreu silente* e fria..."<br />

E pondo os olhos nela como pomos,<br />

Hão de chorar a irmã que lhes sorria.<br />

A lua que lhe foi mãe carinhosa<br />

Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la<br />

Entre lírios e pétalas de rosa.<br />

Os meus sonhos de amor serão defuntos...<br />

E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,<br />

Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"<br />

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* Silente: silencioso, secreto.<br />

A lembrança do sofrimento nunca o abandona, como se percebe em<br />

Ismália, espécie de balada, onde a loucura, a solidão e a morte se<br />

interpenetram:<br />

Quando Ismália enlouqueceu,<br />

Pôs-se na torre a sonhar...<br />

Viu uma lua no céu,<br />

Viu outra lua no mar.<br />

No sonho em que se perdeu<br />

Banhou-se toda em luar...<br />

Queria subir ao céu,<br />

Queria descer ao mar...<br />

E, no desvario seu<br />

Na torre pôs-se a cantar...<br />

Estava perto do céu,<br />

Estava longe do mar...<br />

E como um anjo pendeu<br />

As asas para voar...<br />

Queria a lua do céu,<br />

Queria a lua do mar...<br />

As asas que Deus lhe deu<br />

Ruflaram de par em par...<br />

Sua alma subiu ao céu,<br />

Seu corpo desceu ao mar<br />

A religiosidade litúrgica<br />

O desaparecimento precoce da noiva associado ao clima místico das<br />

cidades barrocas induzem Alphonsus de Guimaraens à religiosidade.<br />

Ao inverso de Cruz e Sousa cuja espiritualização é angustiada e<br />

filosófica, a do poeta mineiro não tem "arroubos ou iluminações<br />

fulgurantes", como diz Andrade Muricy.<br />

Trata-se de uma religiosidade emotiva, feita de preces e crenças<br />

simples. Nada de abstrações metafísicas. Nada de indagações<br />

exasperadas. Seu catolicismo está mais próximo das fontes<br />

tradicionais da liturgia. Houve quem lhe apontasse um misticismo<br />

exterior e superficial, mas é forçoso reconhecer beleza na série de<br />

orações que dirige à Virgem Maria:<br />

Doce consolação dos infelizes<br />

Primeiro e último amparo de quem chora,<br />

Oh! Dá-me alívio, dá-me cicatrizes<br />

Para estas chagas que te mostro agora.<br />

Aliás, a deificação de Nossa Senhora parece corresponder à<br />

sublimação do amor pela noiva morta. O arrebatamento religioso<br />

pela Mãe de Deus indicaria a troca de uma paixão concreta por uma<br />

devoção católica. O teórico da Literatura, Massaud Moisés, fala em<br />

"platonismo místico" porque, ao encarnar esta paixão na figura da<br />

Virgem, "o poeta transcendentaliza e essencializa a mulher amada,


conferindo-lhe o atributo de<br />

plenitude espiritual válido no contexto católico e de acordo com a sua<br />

sensibilidade cristã."<br />

LITERATURA – WAGNER LEMOS<br />

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