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LENDAS DE BEJA o Touro e a Cobra e outras lendas ... - joraga

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<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong>...<br />

VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do<br />

MARAVILHOSO<br />

por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar<br />

(img001 - capa – os ciganos o fogo e os astros…)


img002 – silhueta touro e cobra – marca d’água<br />

2


José Penedo<br />

VIAGENS<br />

do Cigano CASTANHO e da Cigana<br />

MARIANA<br />

ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />

por TERRAS do AQUÉM TEJO<br />

I<br />

I<br />

Penedo Gordo – Beja 1988 – 1995/6<br />

Corroios – Seixal 1998/99 e 2008<br />

3


concepção montagem e adaptação de<br />

J 0 S É P E N E D 0<br />

VIAGENS<br />

do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA<br />

ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />

pelas TERRAS do AQUÉM TEJO<br />

1ª JORNADA<br />

<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO I<br />

1ª PARTIDA<br />

lendo<br />

<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO E A COBRA e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong> a ler<br />

nas letras das estrelas<br />

ou<br />

A HUMANIDA<strong>DE</strong> A CRESCER PARA A LIBERDA<strong>DE</strong><br />

ou<br />

o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />

PENEDO GORDO – <strong>BEJA</strong> 1988 – 1995<br />

Corroios – Seixal 1998/99 e 2008<br />

5


FICHA TÉCNICA<br />

título VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do<br />

MARAVILHOSO por Terras do Aquém-Tejo<br />

<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO I<br />

lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO e a COBRA e <strong>outras</strong>...<br />

autor José Penedo<br />

reescrita, introduções, estudos e José Rabaça Gaspar<br />

pistas de leitura<br />

coordenação e montagem<br />

@JORAGA<br />

desenhos e arranjo gráfico JORAGA<br />

@<br />

processamento de texto e 1ª em 1989 - Amstrad PCW 8256 - JORAGA - Penedo Gordo, Beja<br />

impressão 2ª recuperação de texto e desenhos por especial favor de Minerva,<br />

ESE/Beja, c/ Prof. Mantinhas, Grilo, Toucinho e equipa.<br />

3ª revisão em 1994/95 e em 1995/96 a acabar em 2008<br />

Revisões Maria de Fátima da Vinha Borges<br />

local Penedo Gordo - Beja e Amora / Corroios - Seixal<br />

data/s 1988 - 1994/95 e 1995/96 e 1998/99<br />

Assistência técnica e Todos estes trabalhos tiveram a assistência dos técnicos da INFORGÉNESE -<br />

acompanhamento<br />

Amora – Continente, Seixal e depois MMCruz<br />

todos os direitos reservados @ JORAGA – Pentium 200 - WinWord, Hewlett Packard Desk Jet 550C<br />

Penedo Gordo, Beja 1993/94 a 1995/96, com todos os direitos reservados.<br />

Depósito legal nº<br />

nº<br />

Registo<br />

O Cante dos Contos dos quatro cantos do AQUÉM TEJO<br />

Penedo Gordo, Beja, de 1988 - 1995/96<br />

Corroios, Seixal, 1998/99<br />

JORAGA<br />

JORAGA<br />

6<br />

em em viagem...<br />

viagem...<br />

JORAGA


dedicatória<br />

para a Diana, para o David e Beatriz, pela minha falta de arte<br />

para lhes contar histórias<br />

a desgraça de um Povo é ser geralmente<br />

mais conhecido, nos seus defeitos e qualidades,<br />

pelos que os exploram e oprimem<br />

utilizando esses conhecimentos para seu<br />

benefício...<br />

do que por aqueles que têm por missão<br />

aproveitar e encaminhar as suas potencialidades<br />

e características<br />

para o seu <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO e<br />

PROGRESSO imparável...<br />

é preciso, entretanto, reconhecer<br />

que é mais fácil oprimir e explorar em proveito<br />

próprio,<br />

as características latentes<br />

e criar barreiras, paredes e arenas<br />

para domar a fúria do TOURO,<br />

do que aproveitar devidamente<br />

a sua força bruta, a sua fúria indomável e a sua<br />

fecundidade<br />

para uma correcta e eficaz CONSTRUÇÃO do<br />

<strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO...<br />

que, talvez, só seja possível,<br />

através da luta interminável,<br />

entre o TOURO e A COBRA...<br />

aí, o desafio desta aposta e destas <strong>LENDAS</strong><br />

(in)acreditáveis!<br />

7


E R A U M A V E Z N O A L E N T E J O...<br />

introdução<br />

9<br />

apresentação<br />

lendo<br />

<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO E A COBRA<br />

e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong><br />

a ler nas letras das estrelas<br />

ou<br />

A HUMANIDA<strong>DE</strong> A CRESCER PARA A LIBERDA<strong>DE</strong><br />

ou<br />

o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />

a<br />

VIAGENS<br />

do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA<br />

ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />

pelas TERRAS do AQUÉM TEJO<br />

O CANTE: DOS CONTOS DOS 4 CANTOS DO ALENTEJO


0 - em viagem...<br />

«... Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado<br />

alguma coisa do que vi e ouvi. De todas quantas viagens<br />

porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram<br />

11<br />

as VIAGENS NA MINHA TERRA.<br />

Se assim o pensares, leitor benévolo, quem sabe?<br />

pode ser que eu tome outra vez o bordão de romeiro,<br />

e vá peregrinando por esse Portugal fora, em busca<br />

de histórias para te contar.»<br />

Almeida Garrett<br />

in VIAGENS NA MINHA TERRA (§ final)<br />

E foi assim, leitor amigo, que um dia decidi convidar-te para entrar<br />

no mundo do conto encantado da fantasia do ERA UMA VEZ...,<br />

pegando de novo no bordão de romeiro que o ilustre visitante teve de<br />

abandonar e, seguir contigo, apesar de nos escassear a sua arte, e<br />

peregrinar por estas terras e por este Alentejo fora, em busca de<br />

histórias, para te/me (en)co(a)ntar/es.<br />

Vamos seguir pausadamente ao ritmo lento de uma simpática e<br />

irreverente caravana de ciganos que encontrámos errantes por esses<br />

montados.<br />

Se pudermos, nem sequer vamos interferir nas histórias. À medida<br />

que avançarmos devagar, muito devagar, vamos sentar-nos quedos<br />

de espanto, de olhos, ouvidos, nariz e boca e pele, com todos os<br />

sentidos e sensibilidade muito atentos, e deixar falar esses fabulosos,


espantosos contadores de histórias que o tempo vai tragando voraz e<br />

impiedoso.<br />

Aquela história de mil e novecentos que ouvi UMA VEZ..., tinha-me<br />

ficado nos olhos para sempre... Um velho sisudo de barbas brancas e<br />

cabelos ralos, debruçado na sua mesa gasta de velhos escritos, disse-<br />

me lá do alto do seu retrato faiscante, pendurado na parede de um<br />

sujo e perdido café de aldeia, a sua penosa vergonha e atrevimento<br />

de tanto escrever, enquanto tantos homens e mulheres da sua terra<br />

oprimida, sedenta de liberdade, nem sabiam ler, nem escrever...<br />

Mais do que os olhos e os ouvidos, o nariz a boca as mãos, aquele<br />

aviso mudo gritado de outros tempos, ainda não deixou de me<br />

impressionar os sete sentidos...<br />

Angustiado e impotente, de olhos cor de sonho, gastei meio século do<br />

meu tempo a tentar ensinar os outros a ler e a escrever. Pouco fiz.<br />

Menos adiantei...<br />

... até que, UMA VEZ... UMA VEZ descobri o que estava à vista de<br />

toda a gente.<br />

Poucos ainda o tinham descoberto. UMA VEZ descobri, disseram-me,<br />

contaram-me, ouvi dizer que muitos dos que me diziam nem saber<br />

ler nem escrever, liam e escreviam os mais belos contos de encantar<br />

e cantavam dizendo os mais belos cantos capazes de cativar, e afinal,<br />

me seduziam e embalavam, desde a meninice!<br />

Não quis nem acreditar!<br />

Daí, o atrevimento de tentar agarrar essa arte de encantar e metê-la<br />

nesta máquina dos tempos modernos, o sistematizador ou ordenador<br />

que teimam em chamar computador, com a ideia, não de a<br />

12


aprisionar, mas de a recolher como semente que assim há-de ser<br />

fecunda e germinar, mesmo quando os homens loucos e racionais<br />

decidirem criar tudo com máquinas frias e fatais e já não houver mais<br />

espaço para o sonho...<br />

É a aposta do poeta de 1888: «E assim, nas calhas da roda<br />

Gira, a entreter a razão,<br />

Esse comboio de corda<br />

Que se chama coração.»<br />

Venham então daí à cata desses criadores de tesouros da cultura<br />

tradicional que por aí andam pobres e ignorados, votados ao<br />

desprezo, enquanto uns senhores se vão pavoneando e locupletando<br />

com a cultura instituída ganhando bom dinheiro a vociferar do alto do<br />

estrado das suas escolas ou tribunas, sem haver polícia capaz de lhe<br />

dar ordem de prisão, que “...o povo nada inventa, nada cria; antes<br />

deturpa e suja as criações magistrais da cultura e da ciência erudita!”<br />

e publicam, em livros de luxo, os “Tesouros da Literatura Popular<br />

Portuguesa”! Publicam “o lixo”!!! Ganham dinheiro! Não pagam<br />

direitos!!!<br />

Que seria da cultura erudita, se não tivesse raízes?<br />

O convite, pois, é para ir à procura da Cultura Ancestral, aquela que é<br />

em gérmen no Ventre da Terra e corre como o Vento no Útero do<br />

Tempo e fecunda com o seu sémen tudo o que é cultura ciência e<br />

desenvolvimento em todo o Universo.<br />

do ventre da terra é o canto que grita<br />

o grito de vida de um povo oprimido<br />

que dá pão que dá trigo que dá de comer<br />

saído da terra embebida em esperma<br />

que é suor e que é sangue<br />

13


por gente vertido<br />

espremido<br />

exprimido<br />

por violentado povo<br />

que se sente ofendido / fendido / fundido<br />

(com um o no lugar do un)<br />

e contudo cantando regando ceifando<br />

rasgando amanhando cavando mondando<br />

faz nascer das vozes que cantam o canto<br />

o canto da terra que não é ouvido.<br />

esse canto que é cante é cultura profunda<br />

é como as flores que nascem no campo<br />

como a erva que pinta de verde a planície...<br />

todos a vêem , a todos encanta<br />

dão colorido ao mundo universo,<br />

mas fenecem e morrem parecendo infecundas...<br />

vivendo uma vida, num dia fugaz!!!<br />

14


img005 – acampamento dos ciganos<br />

As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão libertando as<br />

azêmolas e formaram em estrela em redor do campo... (p. 18)<br />

15


É como o pensamento de Álvaro de Campos, escrito num livro<br />

abandonado em VIAGEM:<br />

«Venho dos lados de Beja.<br />

Vou para o meio de Lisboa.<br />

Não trago nada e não acharei nada.<br />

Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,<br />

E a saudade que sinto não é nem no passado nem no<br />

futuro.<br />

Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio<br />

morto:<br />

Fui como as ervas e não me arrancaram.»<br />

mas logo florescem no tempo da flor<br />

ao ritmo fecundo das quatro estações<br />

trazendo o feitiço ao pão das espigas<br />

dando embriaguez ao vinho das cepas.<br />

o canto que eles cantam<br />

é canto da terra<br />

esquecido ignorado<br />

para desprezar...<br />

são contos que encantam<br />

como os cantos que eles cantam<br />

em cante que brota do ventre das gentes<br />

ligado em cordão ao ventre da terra.<br />

eles contam eles cantam<br />

co/antos de encantar<br />

mas<br />

nas contas que contam<br />

não têm lugar!<br />

17


Vamos nós, ao menos,<br />

ouvi-los CA/ONTAR...<br />

«não evoluo, VIAJO.» «Navegadores antigos diziam: “Navegar é<br />

preciso: Viver não é preciso”» ⎯ disse-nos ainda Fernando Pessoa.<br />

E foi então que deparei com aquela caravana de ciganos que decidiu<br />

parar as suas carroças e montar arraiais naquele lugar estranho...<br />

Estávamos no ano cinquenta depois de trinta e oito e a deslizar sobre<br />

as quatro rodas do oitenta e oito que nos abria boas perspectivas<br />

para rodar com segurança até ao ano dois mil e trinta e oito...<br />

As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão<br />

libertando as azêmolas e formaram em estrela em redor do campo.<br />

Delas, três ficaram com as baias majestosas erguidas para o céu,<br />

aparecendo-nos, ao pôr-do-sol, como hirtas peças de artilharia,<br />

guardando nobre acampamento de aguerridos senhores. As <strong>outras</strong><br />

afocinhavam no chão verde refazendo-se exaustas da dura<br />

caminhada.<br />

Vindos do fundo dos tempos, das Terras de Santa Maria e todo o<br />

Mundo, o cigano Castanho e a cigana Mariana surpreenderam-se<br />

seduzidos pela monotonia faiscante desta desolada planície<br />

alentejana. Gente sem pátria nem terra que todo o mundo é seu!...<br />

há pedaços de terra que lhes falam mais. Que sentem mais seus.<br />

Do alto do seu trono da trotante carroça ondulando ao sabor dos<br />

cascos troantes que enchiam os campos e os montes, esta terra<br />

vasta, extensa sem fronteiras dizia-lhes mais que as <strong>outras</strong> terras.<br />

Ouviam certamente a flauta encantada do poeta do Orfeu:<br />

«Encho os olhos de terra.<br />

18


No Alentejo há muita e é de graça.<br />

Dou-lhes esta fartura,<br />

Antes que um só torrão na sepultura,<br />

Os encha e satisfaça.» ⎯ (M. Torga in Diário X)<br />

A terra voz ecoava na planície e a magia do canto captava<br />

inconsciente os sons e a voz difusos, seguindo a sugestão do poeta:<br />

... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra... (silêncio alucinante)...<br />

... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra...<br />

E eles a encher a encher os olhos e os sete sentidos o seu ser todo<br />

com o gozo imenso de ninguém os vir proibir, de ninguém os vir<br />

prender por aquele crime de roubar a terra que é sempre dos outros,<br />

porque ali, além “... No Alentejo há muita e é de graça”.<br />

Era a terra a cantar captada pelo Torga transmontano o<br />

médium/druida/, artista/poeta que como ninguém, ouve por dentro<br />

as mensagens que a terra-madre tem para os seus paridos.<br />

In/Tolerados, in/dóceis, in/domáveis, livres e soberbos, irredutíveis,<br />

irreverentes os ciganos, o cigano Castanho e a cigana Mariana, assim<br />

como, por vezes encontram nos intermináveis caminhos do mundo,<br />

sempre diferentes tão iguais, uma terra mais afim, que lhes fala<br />

melhor, que eles entendem melhor, encontram, por vezes ao redor<br />

do mundo, um povo, uns povos irredutíveis soberbos livres<br />

irreverentes, que os entendem melhor.<br />

São gente que os tolera e respeita. Diferentes. Aceita, admira, ao<br />

lado / de longe... e deixa-os ser como são. Defende-se, entrando no<br />

jogo perigoso das suas artes de viver diferente… Enganados,<br />

escorraçam-nos quando eles já partiram para serem acolhidos ali,<br />

logo mais além... para logo entrarem outra vez no jogo...<br />

São os povos da planície do Alentejo, ouvi contar por quem corre com<br />

eles, e os povos, da Estremadura espanhola, que eles mais sentem<br />

19


seus diferentes/semelhantes, onde mais bem se sentem. Províncias<br />

irmãs unidas num espaço que é contínuo, ligadas/cortadas pela fada<br />

Odiana de falas cruzadas, prosódia CONsoante com nomes diferentes,<br />

por nações diferentes, fronteiras cortadas pelas espadas dos senhores<br />

das guerras. com armas diferentes do sentir das gentes...<br />

Naquela noite, à luz da fogueira vermelha do acampamento, de olhos<br />

brilhantes, brasas acesas apesar de cansados, ansiosos semicerrados<br />

abertos de tanto quererem ver... eram já noites e noites depois de<br />

terem atravessado o Tejo!...<br />

⎯ douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...<br />

⎯ douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...<br />

antes que um só torrão na sepultura<br />

os ennnncha e satisfaaaaaaça!!!, ouvia ela, a Mariana, das<br />

profundezas da voz mágica da Terra, e o cigano Castanho explodiu:<br />

⎯ Ei! gente!!! Isto Aquém do Tejo é só montes e montados a perder<br />

de vista...<br />

Terra quente e bravia que nos esturrica com o calor do sol em brasa<br />

e logo nos tolhe e encolhe com o frio de gelo quando o sol se vai...!<br />

Eiiiii! gente! Tanta terra!!! Tanta cor!!! E há quem diga que isto é<br />

uma monotonia!<br />

⎯ Não têm olhos para ver! ⎯ gritou-lhe o poeta das imagens, que<br />

andou a apanhar com a sua caixa de luz as cores da terra e das<br />

paisagens alentejanas...<br />

⎯ Isto é de morrer de pasmo e solidão ⎯ vomitavam, encolhendo os<br />

ombros, os aceleras lá dos nortes e das cidades, que, em grande<br />

velocidade, vão à procura de <strong>outras</strong> paragens, à procura das serras e<br />

das areias do Além-Garbe..., que isto, para os senhores Godos, tudo<br />

abaixo do Tejo é Além... e eles, os donos, é que dão os nomes...<br />

20


⎯ Gente esquisita! esta, plantada como árvores paradas majestosas<br />

à beira da estrada! E o modo como cantam?!!! Aqueles cantes!!!?<br />

Pufff! Não há pachorra!<br />

⎯ Não têm ouvidos para ouvir, ⎯ gritou de longe a cigana Mariana,<br />

tricana ladina, a de olhos meigos, luzeiros de fogo, que andava<br />

encantada duns olhos castanhos do cigano moreno iguais ao seu<br />

nome.<br />

Cigana tricana de olhos de fogo<br />

de corpo marmóreo esguio a dançar<br />

bailava bailava ao redor da fogueira<br />

as tranças desfeitas em cabelos longos<br />

esvoaçando à roda do seu busto firme<br />

suas ancas soltas girando girando<br />

ateando chamas noutros olhos vivos<br />

do cigano trigueiro que chamam Castanho<br />

castanho como os olhos castanhos também!<br />

Mas hoje não bailam. Mudos e que⎯⎯dos. Pararam ali para ouvir. O<br />

quê? Cantar. Contar. A terra a falar. A água a correr. o ar a voar. O<br />

fogo a crepitar. Répteis a deslizar. Grilos e ralos a gritar um grito<br />

estonteante. Gente a murmurar. Grupos a cantar. Grupos de<br />

namorados enlaçados ao luar...<br />

Hoje é noite de abrir os olhos para ouvir. É dia de abrir as janelas do<br />

corpo para admirar. É tempo de abrir todas as portas do ser todo<br />

para o espanto, o deslumbramento!!!<br />

Terra madrasta de miséria, chama-lhe os senhores que vão gastar o<br />

que lhe sugam sem suar, para a cidade de outros prazeres... Terra<br />

para desprezar e esquecer, mentem os tolos apressados, que rasgam<br />

21


estradas lisas e velozes pela planície além e não têm tempo de ver<br />

que estão atravessando a terra com tesouros mais fabulosos que os<br />

das mil noites... e uma, como diz o Borges, o poeta que via por ser<br />

cego! ou das mil e uma noites de encantar, como dizem os poetas<br />

que não sonham a dormir!?<br />

Hoje é a hora de parar para ouvir esta Terra, este Povo cantar.<br />

Contar-nos a vida com artes de encantar. Olha esta neblina de<br />

madrugada! É a Terra a arfar. O campo a falar com sinais de fumo<br />

que esvoaça. O seu corpo a abrir. O sol a penetrar. A Vida a gerar<br />

Vida...<br />

Vamos nós por esses montes e povoados roubar os tesouros que<br />

ficaram desprezados, abandonados esquecidos..., tesouros que os<br />

finaços nem vêem de tanto os olhar... e quando lhos mostramos, !!!,<br />

encolhem os ombros.<br />

⎯ É um segredo sagrado, uma jura secreta... ⎯ ciciou o cigano à<br />

cigana castanha presa nos seus lábios, as cores misturadas, corpos<br />

enlaçados de nomes trocados. ⎯ Nestas Terras do Sado, Tejo e<br />

Odiana, há imensos tesouros que são de pasmar! Não há só galinhas<br />

e gado a roubar... Há tesouros ricos, finos preciosos, dignos de um<br />

Califa para entesourar... Como aquele califa Harun-el-Raschid, aquele<br />

que reinava no reino de Bagdade, aquele califa que os mandava<br />

guardar e escrever em letras douradas, para não se perderem para a<br />

Humanidade.<br />

É isto que agora, e d’ora em diante, vamos, doravante, nós os dois<br />

roubar... para os esbanjar, espalhar ao vento, devolver ao povo que<br />

os soube criar...<br />

22


img006 – a dança da cigana mariana<br />

Cigana tricana de olhos de fogo de corpo marmóreo esguio a dançar<br />

bailava bailava ao redor da fogueira... (p. 21)<br />

23


E assim<br />

em tempos de dor, em tempos de crise, quando tudo à roda é<br />

escuridão negra de terror, e esse terror é de toda a terra o grande<br />

senhor, qual negro dragão, em luta com quem, não há salvação...<br />

quando a vida à roda é só solidão; quando tu estás só mesmo<br />

misturado e envolvido no turbilhão da vida, turbilhão de feira...<br />

quando não há mais resposta para as contradições da vida; quando a<br />

cada resposta tentada, desesperada, te surge logo, sem tempo para<br />

e refazeres, um novo e louco desafio...<br />

quando te pedem só as soluções já feitas..., mesmo sem serem<br />

solução...<br />

quando já não precisam de ti porque já têm outros e lhes fica mais<br />

barato... quando já não precisam, para nada, do teu contributo, antes<br />

pelo contrário, e to vêm dizer delicadamente...<br />

quando, já desesperado dás de borla e nem sequer dão conta que<br />

ofereces um tesouro...<br />

quando os outros, acomodados, já têm as soluções todas..., soluções<br />

mais cómodas...<br />

quando só precisam de ti para as soluções deles... e tu decidires<br />

dizer: JÁ BASTA...<br />

quando pela centésima vez, deres conta que te enganaste no<br />

caminho e voltares atrás, mais uma vez, pela centésima primeira vez,<br />

25


ao princípio, para começar tudo de novo..., e exactamente pelo<br />

caminho diferente dos que te dizem: “vem por aqui...”<br />

quando a prepotência, a arrogância e a imbecilidade diplomada /<br />

instalada / poderosa ⎯ porque no poder - for tão cínica, tão subtil e<br />

capciosa, que já não te deixam uma saída digna...<br />

ENTÃO<br />

a gente perdida sem mais solução , senão a fantasia e a<br />

imaginação...<br />

para exorcizar os medos ⎯ todos os medos ⎯ para renovar energias,<br />

para retomar o seu lugar no ciclo universal qual pulsar ou quartar no<br />

mundo imenso das galáxias que gira em espiral...<br />

para vencer tiranias, para descobrir caminhos que as ciências não<br />

apontam... mas aponta a sabedoria...<br />

então, quando isso acontecer, vai ao cofre da sabedoria ancestral, a<br />

dos saberes profundos imemoriais...<br />

monta o teu cavalo, toma da espada e...<br />

qual cavaleiro andante, príncipe encantado, ou qual mísero viandante<br />

desprezado vagabundo, põe-te a correr mundo... põe-te a cantar /<br />

contar...<br />

ou põe-te a escutar a cantar / contar<br />

OS CONTOS OS CANTOS QUE SÃO <strong>DE</strong> ENCANTAR<br />

e começam todos, mais ou menos assim:<br />

26<br />

ERA UMA VEZ...


E, cada vez que acabar uma história, lembra-te, como nos recorda<br />

Selma Lagerlöf, quando nos fala da morte da sua avó, recordando<br />

aquele seu hábito de se sentar no sofá de canto, no seu quarto, a<br />

contar-nos histórias: “...sempre que terminava uma história,<br />

passava-me a mão pela cabeça e dizia: ⎯ Tudo isto é tão verdadeiro,<br />

como eu estar aqui e tu aí, como vermo-nos uma à outra...”<br />

Quando ela morreu, a avó, “calaram-se as histórias e canções que<br />

embelezavam a nossa casa, encerradas naquele caixão negro, donde<br />

nunca mais voltariam!... qualquer coisa de muito doce nos faltou na<br />

vida. Foi como se nos houvessem expulsado de um mundo<br />

maravilhoso, cujas portas, constantemente abertas para nós, se<br />

tivessem fechado, de súbito, para sempre. E ninguém mais havia que<br />

fosse capaz de as abrir!...”<br />

Felizmente, como a própria Selma nos provou, isso não é verdade.<br />

Quantas portas desse mundo maravilhoso ela nos abriu e continua a<br />

abrir?<br />

Nós, queremos, mesmo sem os seus dons excepcionais, provar que<br />

ainda é possível abrir muitas portas por abrir...<br />

Cada um de nós, através da fantasia e da imaginação, tem dentro de<br />

si a chave do cofre que nos dá acesso ao mundo encantado e<br />

maravilhoso da realidade mais verdadeira que a realidade<br />

aparentemente verdadeira que se abre às janelas dos nossos sentidos<br />

comuns...<br />

Com as suas Histórias Maravilhosas e A maravilhosa Viagem de<br />

NILS HOLGERSON através da Suécia, ela, “a contista épica por<br />

excelência”, como lhe chamaram os que lhe deram o Prémio Nobel da<br />

Literatura, e pela primeira vez a uma mulher, dá-nos, ela própria a<br />

27


prova de que não pode ser verdade que as portas do MUNDO DO<br />

MARAVILHOSO “se tivessem fechado, de súbito, para sempre”...<br />

Basta ouvir uma vez pela milésima vez, o neto pedir: ⎯ “‘Vó conta<br />

aquela da princesa... Conta aquela...”<br />

É por isso que voltamos a parar para<br />

CO/ANTAR<br />

É por isso que voltamos a parar para<br />

ESCUTAR<br />

OS CONTOS E OS CANTOS <strong>DE</strong> ENCANTAR<br />

que começam todos, mais ou menos assim:<br />

28<br />

ERA UMA VEZ...


1ª PARTE – A/s <strong>LENDAS</strong>/s DO<br />

TOURO E DA COBRA<br />

img007 – o touro e a cobra desenhados com letras - separador<br />

29


E R A U M A V E Z ...<br />

<strong>Touro</strong> nobre na peleja<br />

Esculpido na muralha<br />

Lembras ao povo de Beja<br />

A sua maior batalha.<br />

0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s<br />

ou A VISÃO DO VELHO CIGANO CEGO<br />

31<br />

Castelo de Beja<br />

Subindo lá vai<br />

Castelo de Beja<br />

Tu metes inveja<br />

Às águias reais.<br />

(Cancioneiro Popular do Alentejo)<br />

A sua maior batalha<br />

De lutar pela liberdade<br />

Fazer cair a muralha<br />

Que fechava esta cidade.<br />

Beja tem uma lenda. Tem um brasão. Tem um castelo. Águias reais.<br />

Um <strong>Touro</strong>...<br />

Beja é uma legenda.<br />

Rainha da planície. Centro do Baixo Alentejo. Tem no touro - rei da<br />

planície - o símbolo da sua força. Tem nas águias - rainha das alturas<br />

- o símbolo das suas ambições... Tem o castelo - morada de nobres<br />

cavaleiros ao serviço do rei - o símbolo da sua nobreza.<br />

Não tem cobras, nem serpentes, nem répteis que se revolvem no<br />

ventre da terra!


Mas a lenda, as <strong>lendas</strong>, valem, às vezes, talvez, por todos estes<br />

símbolos.<br />

Pode ser até, que o que está oculto, ou só escondido, dê um<br />

significado diferente a tudo o que parece que se vê!...<br />

A sabedoria ancestral, captando as lições da vida ao longo de todo<br />

um tempo que se perde na memória das gerações, em toda a sua<br />

complexidade e contradições, captando do cosmos as leis e os sinais<br />

dos impulsos que governam os astros e toda a vida que se<br />

movimenta nos planetas e nas estrelas ao longo das imensas<br />

infindáveis galáxias, incapaz de a organizar e comunicar através de<br />

um tratado científica e tecnicamente correcto e absoluto, vai<br />

transmitindo essa sabedoria através da complexidade da sua cultura<br />

tradicional, basicamente oral, que permite uma recriação e uma<br />

adaptação constante, infindável, emocionantemente actualizada em<br />

constante reinvenção.<br />

Eu, deixei há muito tempo de ter tempo para perder tempo.<br />

Passei então a perder tempo à procura do tempo. Dos sinais que o<br />

tempo nos deixou. Fico então imenso tempo a ouvir a voz do vento<br />

que atravessa o tempo e nos vai falando através das gerações<br />

redescobrindo sempre o encanto novo dos contos antigos que nunca<br />

ficam velhos porque é sempre nova a arte de os contar.<br />

E para lá do vento o brilho das estrelas. O Fogo. Nelas lemos as letras<br />

das histórias que nunca deixam de encantar, fecundando a terra com<br />

a fertilidade da água que alimenta o nosso corpo e a nossa<br />

imaginação, o nosso sentido de viver. É esta sabedoria que as<br />

comunidades vão transmitindo ao ritmo da vida.<br />

32


Como o contador de “O principezinho”, desde menino que as pessoas<br />

crescidas fizeram tudo para matar em mim o artista que podia/devia<br />

ser... Passaram a ensinar-me a gramática, a geografia, a história, a<br />

matemática e a avaliar-me pelas cotações fabricadas por pessoas<br />

engravatadas que se armaram em donas do tempo e da história...<br />

Então, quando tenho saudades dos tempos em que podia ser tudo, e<br />

me canso de falar de futebol de política e de gravatas como as<br />

pessoas crescidas, volto então a refugiar-me no desenho da jibóia<br />

que engoliu um elefante e “Depois as jibóias ficam sem se poder<br />

mexer e dormem durante os seis meses em que fazem a digestão...”<br />

É um teste. É o meu teste.<br />

Então, as pessoas crescidas, olham lá do alto do seu ar importante e<br />

dizem: - “Então porque é que um chapéu havia de meter medo?” E<br />

encolhem os ombros ou nem sequer se dignam parar para ver...<br />

E eu, como não tenho o poder de as repreender ou reprovar, fico<br />

reprovado, apavorado, e desisto...<br />

Mas o certo é que, nesta terra quente de sol e de noites geladas, de<br />

searas douradas e de pão negro, há muitos muitos anos, que é o<br />

presente dos anos que hão-de vir, houve uma luta de vida e de morte<br />

que ainda há, entre uma serpente e um touro que ficou gravado nas<br />

muralhas da cidade e que em noites de lua cheia se liberta para a<br />

vigiar da serpente sempre sempre pronta para a voltar a atacar ou<br />

para a despertar da letargia em que vive mergulhada? não se sabe ao<br />

certo. Há mesmo quem diga que não é uma luta de inimigos, mas o<br />

cíclico encontro de vida e de morte que é o Amor, e este encontro,<br />

luta de vida e morte entre a serpente e o touro é de facto de morte<br />

porque é condição para a vida ser vivida e constantemente renovada.<br />

Como o Amor.<br />

33


É esta pois a história que vamos contar, para que todos a possam<br />

cantar e cantando se possam encantar e encantados a possam<br />

representar apresentando a ficção que é, afinal, a realidade..., para<br />

que enfim a possam reCRIAR.<br />

E naquela noite os nossos ciganos encontravam-se sentados à roda<br />

da fogueira.<br />

Nesta terra quente, de noites frias como o gelo, o fogo reúne as<br />

pessoas para escutarem os anciãos, que pouco têm a ver com as<br />

pessoas crescidas e pretensiosas que se arvoraram em donos da<br />

cidade com o poder do dinheiro dos cargos e com o poder de ajuizar<br />

os outros e distribuir benesses ou castigos.<br />

Não era esse o cenário.<br />

Enrolados na mesma manta, os rostos e os corpos quase se<br />

confundiam à luz cintilante e incerta do fogo. Os olhos brilhavam na<br />

noite. Os olhos da cigana Mariana reflectiam os olhos acesos do<br />

cigano Castanho.<br />

O velho cigano, já de pele enrugada e de corpo encurvado,<br />

embrulhado na sua manta, reflectia nos olhos que correram muito<br />

mundo, o brilho das estrelas.<br />

A maneira como estava sentado, de fronte do par apaixonado,<br />

permitia que o cigano Castanho e a cigana Mariana vissem, misturado<br />

com o brilho das estrelas, o perfil das muralhas da cidade reflectida<br />

nos seus olhos que não viam...<br />

O velho cigano, então abriu a boca e contou...<br />

Há muitos muitos anos, que eu já não me lembro, era talvez ainda<br />

mais novo do que vós, quando passei aqui pela primeira vez, ouvi<br />

contar uma lenda desta cidade que era uma muralha de pedra<br />

erguida no meio da planície, e não entendi.<br />

Ainda não a entendo.<br />

34


img008 – a dança do fogo e das estrelas… dos astros… dos signos…<br />

... e os olhos do velho viram-na bailar... p. 37<br />

35


Era a lenda do touro e da serpente...<br />

e os olhos do velho viram-na bailar<br />

em redor da fogueira a viram dançar<br />

seu corpo ondulante em voltas girar<br />

ao redor do fogo a serpentear<br />

rodando encantada em círculo-espiral<br />

em dança magia à luz do luar<br />

de mulher serpente a enfeitiçar<br />

os olhos ciganos incréus a olhar<br />

a serpente humana em ondas rodar<br />

seduzir atrair aterrorizar<br />

estacando em pose d 'hipnotizar<br />

que prepara o bote felino mortal<br />

de abraçar o corpo louco a delirar<br />

do cigano vencido por golpe letal<br />

da mulher serpente cigana fatal<br />

que o envolveu por fim no abraço final...<br />

mortal?<br />

vital?<br />

E o cigano vencido, ergueu-se a lutar<br />

com a cigana serpente que o estava a abraçar<br />

em abraço de morte de asfixiar<br />

abraço de vida de ressuscitar...<br />

E ela apertou-o, seus anéis possantes<br />

sua boca aberta pronta a devorar...<br />

Ele atravessou-a, chifres penetrantes<br />

com o peso do corpo, boca a espumar...<br />

E olhos do velho cansados de olhar<br />

37


em redor do mundo, tanto admirar<br />

mudo com o espanto de ver, sem captar,<br />

guerras, mortes, lutas a vida gerar...<br />

olhando as estrelas, olhando o luar<br />

de boca fechada, como a murmurar<br />

incapaz de entender o saber ancestral<br />

que lia nas letras do livro universo<br />

escrito em estrelas em forma de versos<br />

sem saber o quê, como interpretar...<br />

O touro e a cobra?<br />

A serpente e o touro?<br />

O Bem e o Mal?<br />

A Vida e a Morte<br />

Guerra à opressão?<br />

Grito: Liberdade?<br />

Encontro fecundo de macho e de fêmea?<br />

A revolta subtil da mulher escrava?<br />

Encontro vital da vida e da morte?<br />

A precariedade da vida feliz?<br />

A busca sonhada da felicidade<br />

sempre ameaçada?<br />

... ...<br />

Ou será que tudo isto<br />

tem muito a ver afinal<br />

com aquele mito proibido<br />

que vedado, é consentido<br />

no rito da morte risco<br />

que é a tourada ancestral<br />

que<br />

põe frente a frente homem e touro<br />

em combate desigual<br />

38


de macho pra macho impante<br />

donde a mulher está ausente<br />

mas sempre sempre presente<br />

como a história da serpente<br />

ou da cobra da história<br />

que vence o touro na luta<br />

mas ao vencer é vencida...?<br />

e quem vence nestas lides<br />

de touradas e corridas<br />

com capotes e com farpas<br />

e nas faenas com capas<br />

e com espadas mortais<br />

com toureiros e capinhas<br />

campinos e apoderados<br />

com pegadores e forcados<br />

cavalos e cavaleiros<br />

todos artistas de um circo<br />

que uns atrai, outros repele<br />

e excita multidões...<br />

é afinal um escape<br />

um sonho de vida e morte<br />

que o mortal sempre persegue<br />

desde as mais remotas eras<br />

tempos imemoriais<br />

em busca da felicidade<br />

que é imortalidade?<br />

Tantas perguntas, ó Céus<br />

que um simples conto contém<br />

para ver de olhos fechados<br />

quando essa lenda provém<br />

de um saber imemorial<br />

39


que é transmitido oralmente<br />

pelos velhos anciãos<br />

que muito sabem contando<br />

mas têm dificuldade<br />

de explicar com noções claras<br />

ou pouco claras talvez<br />

que são caras à cultura<br />

que por artes ou por manhas<br />

se convencionou chamar<br />

da cultura - a erudita<br />

e que afinal só encobre<br />

<strong>outras</strong> artes, <strong>outras</strong> manhas...!!!<br />

... o velho cigano, deixou de pensar<br />

e mudo falando, com fogo no olhar<br />

o velho ancião começa a contar...<br />

a história esquecida<br />

de todos sabida...<br />

Leitura de letras<br />

escritas nos astros<br />

que podem ser lidas<br />

olhando as estrelas<br />

no céu do Alentejo<br />

amplo e descoberto<br />

por olhos abertos<br />

de poetas sábios<br />

mesmo analfabetos...<br />

que apontam com o dedo<br />

de olhos fechados<br />

a Ursa maior<br />

a Ursa menor<br />

40


a Cassiopeia<br />

o <strong>Touro</strong>, a Serpente<br />

Signos do Zodíaco<br />

sempre em movimento<br />

em luta constante<br />

donde nasce a vida<br />

em mil repartida<br />

pelo cosmos sem fim<br />

onde este planeta<br />

-pra nós o maior!<br />

girando no espaço<br />

em torno do sol<br />

em torno da lua<br />

em torno de si<br />

à velocidade<br />

de trinta quilómetros<br />

num fugaz segundo<br />

é ínfimo mundo<br />

perdido em Galáxias<br />

do imenso Universo.<br />

Eis então, crianças<br />

senhoras, senhores,<br />

meninos, meninas,<br />

a história esquecida<br />

de todos sabida,<br />

do touro e da cobra,<br />

como ele a contou,<br />

de noite ao luar,<br />

o cigano velho<br />

de estrelas no olhar.<br />

41


1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA<br />

img010 – o touro e cobra (em letras de imprensa)<br />

43


1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00<br />

Noutros tempos, há muitos muitos anos que hão-de acontecer de<br />

novo no futuro, havia um reino muito grande e muito belo onde os<br />

habitantes eram todos muito belos e amigos. Viviam, quase podemos<br />

dizer com certeza, muito felizes... Trabalhavam as suas terras. Estas<br />

eram distribuídas em campos imensos que não precisavam de muros<br />

e divisões pois todos respeitavam o que era dos outros para ser mais<br />

de todos. Ajudavam-se uns aos outros, faziam festas, conviviam uns<br />

com os outros... cantavam, dançavam e amavam... Faziam jogos que<br />

muito os divertiam e até os trabalhos mais duros e necessários eram<br />

feitos como se fossem jogos e festas, pois todos se ajudavam a<br />

amanhar as terras, a semear, a regar e mondar, a ceifar e arrecadar<br />

as colheitas, a pascer o gado e a transformar tudo em alimentos e<br />

vestidos coloridos e outros objectos para viver, cantar, tocar e folgar<br />

nas festas da vida... e acudir nas doenças e celebrar as cerimónias<br />

dos que deixavam esta vida... Trocavam as coisas que sobravam uns<br />

com os outros e nomeavam, à vez, os seus reis e rainhas, os seus<br />

príncipes e princesas, isto é, aqueles que os haviam de servir<br />

governando durante certo tempo, o que acontecia com certa<br />

regularidade para não se cansarem nem perderem o encanto... Como<br />

durante esse tempo de serviço, esses não tinham tempo para se<br />

governar, pois governavam os outros, todos os sustentavam e<br />

44


garantiam que nada lhes faltasse, para que não faltasse nada a cada<br />

um de todos os outros... "e assim eram felizes para sempre...” como<br />

costumam acabar todas as histórias.<br />

Era assim, há muitos muitos anos, que se perderam na memória dos<br />

tempos, mas ainda não no coração dos que sonham felicidade,<br />

liberdade e a alegria.<br />

Chegou entretanto um dia em que a alegria e a paz desses habitantes<br />

desse reino começou a ser ameaçada. Ouviu-se dizer, que um grande<br />

monstro rondava as fronteiras do reino. Nos campos, durante a noite,<br />

as sementeiras começavam a aparecer destruídas. As pessoas,<br />

quando, de manhã, chegavam para continuar o trabalho do dia<br />

anterior, ficavam mudas de espanto pois encontravam grandes<br />

estragos e podiam ver enormes sulcos muito estranhos que nenhum<br />

ser vivo, dos que eles conheciam, pessoas ou animais, poderia ter<br />

feito...<br />

O que seria? O que não seria? Quem poderia ter sido?<br />

Começou então a ouvir-se dizer que tudo era devido a uma enorme<br />

serpente que ainda ninguém tinha visto ao vivo, mas todos<br />

suspeitavam já a ter entrevisto a esquivar-se e a esconder-se em<br />

sítios esconsos esquisitos e havia mesmo quem afirmasse que o seu<br />

esconderijo seguro era o poço do monte da cobra...<br />

Esse monte ficava lá para noroeste da cidade principal do reino, num<br />

sítio ermo por onde ninguém se atrevia a passar de noite e, os que se<br />

teriam atrevido a passar, mesmo de dia, nunca ninguém mais alguma<br />

vez soube o que lhes terá acontecido... foram certamente devorados<br />

pelo monstro desconhecido ou levados pela gigantesca cobra para o<br />

45


seu refúgio preferido, e nunca mais ninguém ouvira falar deles,<br />

começando mesmo a duvidar-se se alguma vez teriam existido.<br />

Logo a seguir, começou também a constar, a ouvir-se dizer, a dizer-<br />

se, que o monstro não era somente mau e por isso destruía tudo o<br />

que podia, mas era igualmente um terrível bicho inteligente, pérfido e<br />

ambicioso que tentava descobrir o modo de entrar na cidade principal<br />

do reino, tomar conta da praça principal, e instalar-se no castelo,<br />

donde governaria todo o reino e seria então indiscutivelmente servido<br />

pelo medo, pelo terror e pelo servilismo de todos os seus habitantes.<br />

Entretanto, apareciam cada vez mais sinais de que o monstro<br />

devorava cada vez mais habitantes que se atreviam a andar sós pelos<br />

caminhos e pelos campos.<br />

Para o aplacar da sua fúria devastadora começava-se a exigir que<br />

cada rua, bairro, freguesia ou monte, lhe sacrificasse a donzela mais<br />

bonita e virgem que normalmente era escolhida pelas suas amigas e<br />

vizinhos como a princesa das festas da Primavera em Maio. Eram “as<br />

Maias” coroadas de flores que passariam a ser sacrificadas ao<br />

monstro para que não continuasse a destruir as suas culturas e<br />

deixasse de matar os seus habitantes ou os fizesse desaparecer para<br />

lugares misteriosos donde nunca mais se sabia notícia.<br />

Passaram-se assim, anos e anos de angústia indescritível, de terror<br />

horrível, de mudos medos, de revoltas caladas, de actos de heroísmo<br />

desesperados. Nada parecia acalmar a sanha opressora da serpente<br />

cobra monstro que tudo devorava.<br />

E um dia, sem se saber muito bem como, os habitantes cada vez<br />

mais isolados e fechados nas suas casas para melhor se defenderem<br />

⎯ pensavam eles ⎯ começou a correr de porta em porta a notícia<br />

fatal. A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já<br />

46


estava no meio da cidade. Tomava conta da praça principal. Tinha<br />

feito fugir todos os governantes e defensores que não sabiam o que<br />

fazer e, para tomar conta da cidade e do reino e tudo dominar, a<br />

serpente ⎯ cobra-sinuosa ⎯ monstro lançava gritos horripilantes no<br />

meio da praça, no alto da cidade e dava saltos e urros sibilantes,<br />

torcia-se e retorcia-se nos seus anéis coloridos e viscosos, dava<br />

voltas e reviravoltas descrevendo círculos e oitosssssss e essssssses<br />

endiabrados, numa dança louca, infernal, impossível de contar e<br />

descrever... Só vendo.<br />

47


img011 – a serpente domina a praça da cidade…<br />

A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já estava no meio da<br />

cidade. Tomava conta da praça principal... (p. 46)<br />

49


Os habitantes da cidade, das aldeias, dos lugares, dos montes, dos<br />

bairros e das ruas, estavam aterrados, petrificados de medo e de<br />

espanto. Tal como os governantes, amedrontados e espavoridos, não<br />

sabiam o que fazer. Contavam uns aos outros, para se animarem em<br />

família, histórias de tempos idos muito antigos de que já ninguém se<br />

lembrava muito bem e falavam contudo de esperança e felicidade,<br />

mas não encontravam solução. Desejariam perguntar, ao menos, aos<br />

outros, d<strong>outras</strong> ruas, doutros lados, se valeria a pena fazerem<br />

alguma coisa, e se valesse, o quê, e como o haviam de fazer. Mas a<br />

comunicação era impossível. Os mensageiros que tentaram mandar<br />

de uns para os outros lados, começaram também a ser apanhados<br />

pelo monstro que, de vez em quando, suspeitando, saía da praça, e<br />

apanhava os desprevenidos que, para encurtar caminho, se atreviam<br />

a passar pelas imediações...<br />

Foi então que no desespero, inventaram a única maneira que tinham<br />

de comunicar com os de longe, para lhe darem sinal, para se<br />

levantarem, se prepararem, se decidirem enfim, todos em conjunto,<br />

atacar e destruir o monstro, que durante tanto tempo, tanto mal<br />

causara, e agora os aterrorizava e os queria dominar para sempre...<br />

Começaram a cantar as canções que conheciam e o seu estro<br />

produzia sobre os momentos dramáticos que viviam. Logo as<br />

cantavam em coro. Esse coro vinha juntar-se ao grito do alto que<br />

lançava o repto. Ao coro inicial ia-se juntando sempre mais e mais<br />

gente... E o canto de cada rua, cada bairro, cada lugar e cada aldeia,<br />

cantada a plenos pulmões, eram gritos saídos do ventre da terra que<br />

atroavam os ares e cobriam os gritos da serpente monstro. Assim o<br />

som dos cantes começou a ouvir-se por todos os cantos da cidade e<br />

foi o sinal para todos começarem a avançar a fim de se ouvirem<br />

melhor uns aos outros e poderem encontrar, finalmente, um lugar<br />

onde se pudessem juntar. Irresistivelmente, levados pela magia do<br />

51


canto, todos estavam a caminhar para a praça principal que era<br />

ocupada pelo monstro.<br />

Cada grupo que caminhava do seu lado ia arrastando consigo todos<br />

os que encontrava pelo caminho. Começavam enfim a encontrar-se<br />

grupos de ruas e bairros diferentes... Para se saudarem, no<br />

reencontro da alegria, as crianças começaram a trocar as flores com<br />

que se tinham enfeitado para a festa ou para a morte. Os outros<br />

todos, mesmo os que depois de tantas desilusões estavam dispostos<br />

a permanecer indiferentes e alheios, contagiados, e, ou por medo ou<br />

para se mostrarem fortes, ou para vencerem o medo do medo de<br />

enfrentarem a serpente, juntavam-se ao que começava a ser um<br />

povo e cada um levava consigo aquilo que tinha mais à mão. Armas<br />

não. Como era um povo que nunca soubera o que era a guerra, não<br />

tinham armas. Armavam-se com o que tinham. Como era Primavera,<br />

e à semelhança das crianças, a maioria levava flores. Outros levavam<br />

os instrumentos com que trabalhavam em casa e nos campos...<br />

Outros levavam só os símbolos que representavam a sua vontade de<br />

paz, de alegria, de felicidade... eram desenhos e pinturas e sinais e a<br />

sua poesia e as suas canções e os seus gestos e os seus vestidos de<br />

cores de festa... Muitos levavam tralhas velhas de que já não<br />

precisavam em casa, para irem armados com qualquer coisa que<br />

serviria, quem sabe?, de arma de arremesso para atirar para cima do<br />

monstro, para o entulharem e enterrarem se fosse possível, para o<br />

queimarem, para o consumirem e fazerem desaparecer... O<br />

importante é que todos se juntavam, inventando cada um o que lhe<br />

era possível e, o mais importante, é que todos se iam decidindo a<br />

enfrentar unidos a terrível serpente que ameaçava a cidade, todo o<br />

reino e todos os habitantes.<br />

Assim, quando os cantes já tinham circulado por todo o reino e<br />

entrado em todas as ruas e casas onde os habitantes se escondiam<br />

cheios de medo e de terror, os grupos da frente que já tinham mais<br />

52


gente a cantar com eles, começaram a chegar às entradas das ruas<br />

que desembocavam na praça... ao verem a serpente, os primeiros<br />

estacaram tomados pelo espanto. Depois, quebrado o primeiro<br />

choque, queriam fugir, mas os detrás, que queriam ver, não os<br />

deixaram escapar... e, ao mesmo tempo que tinham medo, eram<br />

seduzidos, fascinados pelo monstro que, ao vê-los, se encheu de<br />

nova fúria e tentava atacar todos ao mesmo tempo... Passados os<br />

primeiros momentos de confusão e medo, de cada canto da praça<br />

recomeçaram os cantos e os grupos começaram a avançar e a cantar<br />

cada vez mais forte para se libertarem do medo e do fascínio que a<br />

serpente exercia sobre eles com o seu poder mágico... Pouco a pouco<br />

o canto era já só cante e cada vez mais forte.<br />

Foi então que a serpente-monstro-cobra-réptil, teve um ataque de<br />

raiva, de fúria imparável. Viu que estava perdida. Deu ainda, na<br />

praça, saltos desesperados, mais voltas e reviravoltas e urros<br />

terríveis, mas, perante o cante que gritava sem medo, procurava um<br />

lugar para fugir.<br />

Não era fugir que ela tentava.<br />

Procurava sim escapar-se para o castelo da cidade, onde melhor<br />

poderia defender-se e donde melhor poderia dominar todo o reino e<br />

toda a população!<br />

Fugiu então por uma pequena rua que encontrou livre ludibriando a<br />

multidão e serpenteando por entre a arcaria do açougue.<br />

No primeiro momento, todos ficaram surpreendidos.<br />

Tinham-se esquecido, e ao mesmo tempo consentido que aquela<br />

pequena rua ficasse livre e desimpedida.<br />

Era no entanto um sinal claro de medo do monstro medonho e, logo a<br />

seguir a este sinal, que era o gesto desesperado de tentar tudo por<br />

53


tudo, os habitantes do reino que agora se sentiam cheios de coragem<br />

por se verem todos juntos, animados e encorajados pelos cantos que<br />

cada grupo de cada rua, ou de cada bairro ou de cada aldeia, ou<br />

monte, ou de cada zona, atirava para o ar como gritante cante da<br />

terra, movidos por uma força envolvente que emanava deste cante,<br />

todos caminharam atrás da terrível serpente que tudo e todos<br />

ameaçava.<br />

Temiam-na ainda, mas sentiam que estava próxima a possibilidade<br />

de a vencerem definitivamente...<br />

Foram percebendo que afinal a bicha não fugia mas que se dirigia a<br />

toda a pressa para o castelo. Que faria tudo para nele se instalar,<br />

impedindo-os de entrar, governando então de lá, a seu bel-prazer...<br />

Mas o povo todo junto, nesta altura era uma autêntica multidão... os<br />

cantos-cantes redobravam de energia e de expressão... não havia<br />

hipótese de os da frente terem medo e se deixarem atemorizar,<br />

recuarem ou tentarem fugir... os que vinham detrás empurraram-nos<br />

decididamente para dentro das muralhas do castelo e, os primeiros à<br />

força por temerem o que lhes poderia acontecer, e os outros a seguir,<br />

em catadupas, entraram.<br />

54


img012 – a luta / dança dos touros e cobras no castelo da cidade<br />

Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que podia<br />

acontecer e desejavam ansiosamente. p. 58<br />

55


A serpente procurava, ora refúgio, ora os mais diversos modos de os<br />

intimidar como fizera na praça. A multidão entretanto espalhava-se<br />

pelo terreiro e pelas amuradas do castelo... Ninguém queria arredar<br />

pé. Ninguém se atrevia a enfrentar o monstro... Aspirava-se no ar a<br />

ameaça de uma tremenda luta de vida e de morte dentro das<br />

muralhas do castelo... A serpente soltava silvos arrepiantes e evoluía<br />

em círculos desesperados, em espirais ameaçadoras, desafiando a<br />

multidão que ora se aproximava, ora se afastava na defensiva,<br />

tentando enfrentar a cobra, mas sem êxito.<br />

Foi então que, de súbito, apareceu o TOURO.<br />

Cheio de energia e força, surpreso e generoso, correu a praça<br />

desembolado a farejar os possíveis adversários... Ele que tinha sido,<br />

durante todo o tempo o companheiro e o apoio de todos os<br />

habitantes, nos trabalhos do campo, desde o amanho das terras, às<br />

sementeiras, às colheitas, à recolha e transformação de todos os<br />

produtos, parecia assim, de súbito, fera disposta a defender-se,<br />

atacando qualquer fera ou inimigo que se lhe apresentasse pela<br />

frente.<br />

Após a primeira corrida louca de reconhecimento, vitoriado pela<br />

multidão que entretanto se escudou atrás das barreiras, e ameaçado<br />

pela serpente que o enfrentava medindo-o à distância, o <strong>Touro</strong> parou.<br />

Escavou a terra com fúria desmedida e espumou. Olhou em todas as<br />

direcções como que a medir o tamanho e a força da serpente que se<br />

empinava na sua frente desafiando-o, temendo-o também. Ambos se<br />

olharam com fúria. Parecia iminente a luta. Uma luta de vida e de<br />

morte...<br />

Caiu um silêncio profundo no terreiro do castelo.<br />

Ambos se miravam como hipnotizados.<br />

57


O <strong>Touro</strong>, como que fugindo ao magnetismo que o paralisava, escavou<br />

mais uma vez a terra.<br />

A serpente procurava prender o olhar do toiro e aproximar-se o<br />

suficiente de cabeça erguida para desfechar o bote decisivo que lhe<br />

permitisse envolvê-lo depois, presa derrubada, nos seus anéis<br />

possantes...<br />

Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que<br />

podia acontecer e desejavam ansiosamente. Só não se sabia se<br />

poderia acontecer e quando aconteceria. A multidão movimenta-se.<br />

Do meio da multidão começam a aparecer primeiro um touro, depois<br />

outros, depois muitos touros. Dava a impressão que cada família,<br />

cada grupo, tinha levado, escondido o seu touro secreto, o seu touro<br />

protector, o seu touro indispensável. Mas não era cada um. Cada<br />

grupo de dois ou mais, fazia aparecer um touro, que desde sempre<br />

trazia escondido, repartido em pedaços como que recortado em<br />

puzzle e dentro de cada um uma parte, que ali, de súbito, começava<br />

a aparecer em peças que procuravam e encontravam o seu<br />

complemento, a encaixar-se, a tomar forma... Eram dezenas e<br />

dezenas de touros que apareciam e saltavam da multidão, em menos<br />

tempo do que levamos a contar e se espalharam por todo o terreiro<br />

da arena muralhada do castelo. Eram já centenas. Tornaram-se<br />

milhares... Então, o <strong>Touro</strong> bravo, o grande <strong>Touro</strong>, investiu e todos<br />

com ele...<br />

Logo à primeira investida, todos puderam constatar o que também já<br />

sabiam desde há muito, muito tempo, desde sempre. A cobra-<br />

serpente-bicho horrendo era afinal um grande monstro de papel<br />

ornamentado e enfeitado, disfarçado de fitas e papéis e outros<br />

enfeites coloridos que se fora tornando grande e asqueroso monstro<br />

poderoso e dominador, à medida que crescia e se agigantava com a<br />

força que todos os iludidos que foram engolidos e enganados lhe iam<br />

58


dando... Assim, rompeu-se o monstro logo ao primeiro assalto, e<br />

perante o assédio feroz e a seguir de festa de todos os touros,<br />

começaram a saltar da serpente-cobra-monstro-de-papel todos os<br />

que magicamente a formavam e não passavam, na sua grande<br />

maioria, de crianças e jovens frágeis tímidos e imberbes que assim<br />

juntos e disfarçados foram, tanto tempo, a causa de tantos<br />

infortúnios e tanta miséria, impedindo um povo de caminhar e<br />

construir o seu futuro fortemente enraizado no seu passado ancestral<br />

de partilha com a natureza que os envolvia e gerara...<br />

À medida que todos os enganados e desaparecidos se iam libertando<br />

do monstro fantoche, a cobra-serpente-monstro-de-papel, os restos<br />

que os vestiam foram-se acumulando ao centro do terreiro. Os que<br />

saltavam do monstro, alguns esboçavam ainda gestos de luta, sinais<br />

de agressão, mas logo se transformavam em dança de festa e<br />

encontravam o seu grupo, o seu par, a sua família, o seu povo... A<br />

multidão em júbilo cantou e dançou e foi acumulando, no centro da<br />

praça, todos os disfarces, todas as armas, todos os restos inúteis e<br />

velhos que por ignorância ou por medo, timidez ou ilusão, tinha<br />

acumulado e levado e era o símbolo da dominação e do medo em que<br />

tinham vivido durante tanto tempo...<br />

Finalmente lançaram o fogo à pira e foi uma grande festa.<br />

E todos cantaram e dançaram a alegria incontida.<br />

E inventaram o hino da alegria e da paz que já desde sempre ecoava<br />

no Universo e há milhares de anos se ouvia mas ninguém o<br />

cantava...<br />

Vem, canta, dança a alegria<br />

Canta bem alto o hino à paz...<br />

Canta a poesia deste povo<br />

59


que trabalha o pão...<br />

Vem canta, dança a alegria<br />

conta os teus contos de encantar...<br />

Vem cantar o cante<br />

deste povo que partilha o pão.<br />

Voa como as águias a rainha das alturas – céu...<br />

Percorre a campina onde vive e cresce a vida – o pão...<br />

Voa sobre os montes a planície do Aquém-Tejo – Além<br />

Vê de lá o Mundo a gente que trabalha a Terra – o pão<br />

Luta como o touro em fúria louca contra a tirania<br />

Luta co'a serpente o signo força do que avilta a vida<br />

Vem cantar o cante deste povo que trabalha o pão<br />

Vem cantar o coro deste povo que partilha o pão.<br />

Quando a festa acabou ali naquele lugar, todos partiram e foram<br />

levar a festa espalhando-a pelas ruas, praças e bairros da cidade;<br />

pelas aldeias, lugares e montes de todo o reino. Espalharam as<br />

cinzas, as flores, as pombas e os gestos que eram sinais e símbolos<br />

da paz e da alegria.<br />

Terminou assim a história do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong>.<br />

Ou antes, assim começou uma era nova de trabalho, de alegria e de<br />

paz para todos os habitantes daquele reino...<br />

60


Continua a contar-se, entretanto, ainda agora em longos serões de<br />

Inverno junto à lareira ou em amenas noites de lua cheia carregadas<br />

de mistério, em grupos alegres que se juntam pelos campos, que, na<br />

euforia final, ninguém se lembrou de vasculhar as cinzas quentes da<br />

grande fogueira naquele dia de festa memorável, para verificar se o<br />

fogo tinha, de facto, destruído tudo. Todos tinham visto que os restos<br />

da serpente tinham ficado reduzidos a cinzas e até as tinham<br />

espalhado ao vento. O fogo tinha destruído tudo. Tudo o que se via.<br />

Consta agora, que uma pequena parte da cobra, um pequeno corpo<br />

muito reduzido, teria escapado com vida e com toda a malícia do<br />

monstro. Pequeno e insignificante, ninguém se apercebera disso e,<br />

por sua vez, o bicho-monstro, agora cheio de medo e de terror, teria<br />

fugido discretamente como réptil refinado no mal e fora encontrar<br />

refúgio nas profundezas do poço do monte da cobra que fica lá para<br />

noroeste da cidade principal do reino, donde, como toda a gente do<br />

campo sabe e cantam os poetas e artistas, sopram os ventos de<br />

tempestade que destroem as searas e os rebentos das árvores... e<br />

empurram os habitantes desnorteados para o refúgio dos seus<br />

abrigos nos montes...<br />

Conta-se ainda... Conta quem vive ou passa por aqueles lados... que<br />

em certas noites de luar, se ouvem um rastejar e uns silvos<br />

esquisitos e logo a seguir um restolhar de sons surdos e furiosos que<br />

muito bem podem ser sinais de uma luta feroz e encarniçada de um<br />

<strong>Touro</strong> e uma <strong>Cobra</strong> monstruosa... e tudo isto lá para as redondezas<br />

do poço do monte da cobra...<br />

Alguns que vagueiam tarde pela cidade adormecida, dizem que já<br />

ouviram estes sinais pelas imediações da praça ou do castelo da<br />

cidade... A praça, pode ser a praça principal, mas há quem diga que<br />

é, sim, a praça de touros que durante muito tempo ali fica assim<br />

como um espectro inútil onde não acontece a magia de uma cobra<br />

esguia encarnada num toureiro destemido armado de farpas capas e<br />

61


espada enfrentar o touro, em luta de morte... Há pois quem diga que,<br />

mesmo sem espectadores, ou talvez só para alguns poucos<br />

privilegiados que sonham os sonhos só vividos nos contos e <strong>lendas</strong> de<br />

encantar..., essa luta acontece nas noites de lua cheia.<br />

Conta-se. Canta-se. Ouve-se contar em encontros fortuitos em que<br />

os habitantes se encontram para cantar e também para contar outros<br />

contos de encantar...<br />

Conta-se. Nunca ninguém viu nada de concreto, talvez encantados,<br />

enganados pelo luar ou pelo sortilégio da hora ou da solidão do<br />

lugar...<br />

É talvez bom sinal.<br />

É sinal de que talvez o <strong>Touro</strong> continue a velar pela paz do reino.<br />

É talvez sinal de que o touro bravo repartido em pedaços por cada<br />

um dos habitantes, continua a luta interminável com a <strong>Cobra</strong>.<br />

Beja, em 22 de Maio de 1986 ou 1689 ou 9681<br />

e em 11 de Maio de 1988 que pode ser 2001 e Setembro de 2008.<br />

Conto reinventado,<br />

todo dito e contado<br />

como lenda encantada...<br />

já completo encontrado<br />

escrito com letras<br />

no livro brilhante,<br />

do céu cintilante,<br />

pelo velho cigano<br />

à luz das estrelas.<br />

62


0.1.0 - AS <strong>LENDAS</strong> DO TOURO e<br />

da COBRA E OS CONTADORES <strong>DE</strong><br />

HISTÓRIAS<br />

65


0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...”<br />

Inda mal o velho cigano acabara de contar a história, em palavras<br />

mudas que ele ouvira contar imaginadas, nos tempos antigos em que<br />

passara por Beja agarrado às saias da mãe cigana que mendigava<br />

cirandava e rapinava alguma coisinha para sobreviverem enquanto o<br />

pai cigano e os outros, ciganavam pela cidade e imediações e pelas<br />

feiras e mercados...<br />

inda ele, o velho cigano, cego, via, no brilho das estrelas, a luta<br />

perpétua incessante sedutora do touro e da cobra que giravam em<br />

movimentos ovais de espiral...<br />

e já os ecos do atentado soavam pela cidade e punham em alvoroço<br />

os velhos e conceituados contadores de histórias a quem desde há<br />

muito ninguém ligava a mínima importância, por velhos e desligados<br />

da cultura do progresso moderno como se dizia...<br />

- Aqui d’El Rei que nos roubam a magia das nossas<br />

<strong>lendas</strong>...<br />

Alguém estranho, cigano larápio, se atreveu a desvendar<br />

a caverna dos nossos tesouros escondidos e tenta<br />

penetrar nos segredos que nem nós sabemos desvendar<br />

e apropriar-se dos valores que nem nós sabemos<br />

devidamente apreciar e vamos transmitindo em palavras<br />

veladas sibilinamente cantadas de acordo com as<br />

67


circunstâncias e os circunstantes às gerações que nos<br />

ouvem sem nos ouvir e entender...<br />

e logo convocaram um encontro dos mais velhos e sabidos, ali em<br />

lugar discreto e desafogado à sombra das árvores frondosas das<br />

portas de Avis, de olhos abertos para a planície imensa que se<br />

estendia a perder de vista... pelos campos onde teria acontecido a<br />

luta, as lutas, ... do touro e da cobra... os episódios da fonte mouro...<br />

as imorredouras batalhas da morte do Lidador... os movimentos da<br />

revolução de 1383... os campos da família Alcoforado...<br />

Eram a ti Ana Maria do Pelame, o ti Jorge da Cruz da Boavista, o<br />

Jorge das Cantigas, maltês de toda a parte, a ta Isabel Mateus que<br />

viera cos ratinhos e por cá ficara, o Carlos Miúdo do Joaquim<br />

Cardador dos lados de Mombeja que apesar de velho era sempre<br />

Miúdo, a Fátima da Almocreva vinda de Alvalade e que vivia lá para a<br />

Mouraria, o Ti Luís Filipe mais conhecido por Bull o <strong>Touro</strong> e ainda o<br />

Jorge Corujo amante de corridas e touradas rijas...<br />

Eram assim as histórias que contavam...co/cantavam...<br />

68


1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01<br />

69<br />

O <strong>Touro</strong> vence a cobra<br />

e liberta a cidade.<br />

⎯ Não, não é assim que a história se contou... ⎯ Dizia a tia Ana<br />

Maria e ela morava lá para os lados do bairro do Pelame.<br />

⎯ A mim, contaram-me a história assim:<br />

⎯ Há muitos muitos anos, quando Beja nem era ainda uma cidade, e<br />

era uma terra pequena, mais pequena do que é agora, muito mais<br />

pequena, era rodeada de campos de cultivo a toda a volta e, até<br />

muito muito longe, até se perder a vista, havia uma mata muito<br />

grande como se fosse uma floresta onde havia muitos animais<br />

selvagens.<br />

As pessoas viviam do amanho dos campos e iam à floresta para<br />

arranjarem lenha para acenderem as lareiras e cozinharem a comida<br />

e também para caçarem.<br />

A certa altura tiveram de deixar de o fazer.<br />

Os que se atreviam a entrar na floresta nunca mais voltavam e um<br />

que conseguiu escapar falava muito aflito de uma cobra, um bicho<br />

muito grande e muito feio, que ele vira engolir o seu companheiro.


⎯... Saiu assim do mêo das árvores uma coisa a modos que um ramo<br />

muito grosso que mais aparecia um tronco do qu’ium bicho, sem<br />

nada se poder fazeri, aquele braço apanhô o Maneli que lá ficou<br />

apertadinho sem se poder mexeri coitadinho e foi engolido em menos<br />

de um piscar d'olhos. Ê cá na pude fazeri mais nada sanão alargari a<br />

fugiri e escapuli-me o mais depressa que pude...<br />

Nunca mais houve descanso naquela terra. Nem ao campo se podia ir<br />

trabalhar sossegado.<br />

⎯ No tínhemos já avonde co trabalho e mais essas cavandelas todas,<br />

e agora mais esta nos havera de aconteceri.<br />

As pessoas da terra juntaram-se então para ver o que haviam de<br />

fazer.<br />

Lembraram-se de mandar um touro para os lados onde o Manel tinha<br />

sido morto e, passados uns tempos, viram-no voltar muito<br />

maltratado e com sinais de que esmagara a bicha.<br />

Foi uma festa tão grande que o povo passou a pendurar nas paredes<br />

as cabeças dos touros que tinha de matar e quando construíram a<br />

muralha, fizeram uma grande cabeça de touro lavrada numa pedra e<br />

lá a puseram à vista de todos, voltada para fora para meter medo às<br />

cobras que se quisessem atrever a entrar na cidade.<br />

E assim as pessoas puderam viver descansadas.<br />

Vitória, vitória,<br />

acabou-se a história.<br />

E AGORA A TODA A HORA<br />

O TOURO, LÁ NA MURALHA,<br />

GUARDA A CIDA<strong>DE</strong> DA COBRA.<br />

PO<strong>DE</strong>M DORMIR SOSSEGADOS!<br />

70


1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02<br />

71<br />

O touro é engolido pela cobra<br />

mas a população mata-a enquanto o digere<br />

e a cidade é libertada.<br />

⎯ Num ei nada assim camo êla contoi mê sinhori. A stória ei mas ó<br />

menos a mesma mas num há ninhum grovito qui ei um boi de corna<br />

alta quantu mais um gachélo que fique d'impéi numa garreia cuma<br />

bicha desse esbarrunto... Tal é lá isso hen!<br />

Mas isso sân'istórias! que uma bichana dessas num há aqui, nim<br />

nunca overa de haveri, na senhori, mesmo noutros tempos. Ê num<br />

m'interi mas com'ê ovi dzeri é qu'a bicha ficou com'um grifo e o boi<br />

ficou lá todo incorrusquinhado na barriga da cobra qu'era um<br />

esbarrunto da grossura dum êcalitro já bem medrado...<br />

⎯ A história é mais ou menos assim... ⎯ Contou o Ti Jorge da Cruz<br />

da Boavista.<br />

Em tempos passados, houve uma vez uma perigosíssima serpente,<br />

que aterrorizava os habitantes da região de Beja pois destruía muitas<br />

culturas e sementeiras, chegando mesmo a matar algumas pessoas<br />

que apanhava no descampado dos montes.


Certo dia, a população teve de tomar medidas e chegou à conclusão<br />

que só poderia matar uma serpente daquele tamanho pondo-a a lutar<br />

com um animal também de grande envergadura.<br />

Foi então que se lembraram dos touros que utilizavam para os<br />

trabalhos agrícolas e havia, no povoado, alguns que eram de grande<br />

porte.<br />

Escolheram pois um dos maiores e levaram-no até perto da floresta<br />

que naqueles tempos não distava muito da cidade, para um local<br />

onde havia sinais mais recentes dos estragos que a cobra tinha<br />

feito...<br />

Não foi preciso esperar muito tempo. A serpente apareceu. Houve<br />

uma luta de morte. O touro bem lutou enfurecido e raivoso,<br />

espezinhando tudo e tentando furá-la com os chifres, mas a cobra<br />

enrolou-o, apertou-o e depois de o asfixiar engoliu-o todo inteiro.<br />

As pessoas que assistiram ficaram atónitas e desconcertadas perante<br />

aquele espectáculo horrível e choraram a sorte do animal tão nobre e<br />

corajoso.<br />

Passado algum tempo, como descobriram que a bicha não se mexia,<br />

com o peso que tinha na barriga, e souberam que levaria meses a<br />

digerir o touro, juntaram-se os mais corajosos e, com enxadas,<br />

forquilhas, varapaus, foices e gadanhas, foram-se à serpente e<br />

mataram-na.<br />

Abriram-na depois de a cortarem quase toda e trouxeram como<br />

troféu a cabeça do touro que, anos mais tarde, esculpiram em pedra<br />

e meteram-na na muralha que estava em construção na cidade.<br />

A BICHA MATADA.<br />

POVO SOSSEGADO.<br />

TOURO EMURALHADO.<br />

E CONTO ACABADO!<br />

72


1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03<br />

73<br />

A população lança um touro<br />

para ser comido pela cobra<br />

a fim de libertarem a cidade.<br />

⎯ Mas que é que vomecês stão p'raí tarraceando! Ele os intigos num<br />

cuntavam nada assim! Isto é mesmo um esbarrunto ó mal<br />

acomparado é com'ó ôtro que diz: quêm conta um conto, acrescenta<br />

um ponto. Ele há cada paiolo mais taronjo qu'inté a gente já nem fica<br />

esparsido!<br />

⎯ Ora com'ê ovi contar ⎯ era assim que contava o Jorge das<br />

Cantigas ⎯ imbora ê no m'alembre dirêto é assi al modos...<br />

Era uma vez... e Beja ainda nem era uma cidade ... e tinha campos e<br />

matas por tudo quanto era lado, apareceu uma cobra que metia<br />

medo a toda a gente e não havia quem pudesse ir para o campo<br />

trabalhar ou pudesse andar sossegado pelas ruas.<br />

Andando assim o povo muito aflito e sem saber o que fazer,<br />

juntaram-se num grande ajuntamento e discutiram o bom discutir até<br />

resolverem como é que se havia de livrar daquela peste que não<br />

deixava ninguém viver sossegado...<br />

Lembraram-se então de deitarem um touro para que a cobra o<br />

comesse e uma vez que ficava farta, desapareceria e deixava-os em<br />

paz.


E foi assim que fizeram.<br />

Deitaram um touro a monte, lá para os lados onde a bicha rondava e<br />

o touro nunca mais ninguém o viu e da cobra nunca mais ninguém<br />

ouviu falar.<br />

De barriga cheia a serpente ficou por lá meses e meses a dar conta<br />

dele e, ou nunca mais acordou, ou nunca mais se lembrou de vir<br />

inquietar a gente destes lados.<br />

Foi assim que um touro salvou a terra onde viviam as antigas<br />

pessoas de Beja que nem se chamava assim, nem era uma cidade...<br />

e as pessoas puderam voltar a viver em paz... e mais tarde, quando<br />

isto foi uma cidade e teve muralhas, meteram a cabeça esculpida do<br />

touro nelas para toda a gente se lembrar que foi um touro que a<br />

livrou ...<br />

e assim é que foi<br />

a história do touro<br />

a história do boi<br />

e assim é que fica<br />

e assim se livra<br />

a cidade da bicha<br />

e isso foi obra<br />

maior que um tesouro<br />

livrar-se da cobra<br />

a terra do touro.<br />

Novelo enrolado...<br />

e conto acabado...<br />

Vamos pois deitar<br />

p'ra cedo acordar<br />

e cada um lidar<br />

bem no seu lugar...<br />

74


1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04<br />

75<br />

A cobra é envenenada<br />

com um touro a que tinham dado veneno<br />

e assim é libertada a cidade<br />

Mas a ta Isabel Mateus é que no stava a modos...⎯ Que é qu'eles<br />

stão p'raí tarraceando que num dizem uma cum duas... o conto é<br />

mais ó menos esse mas o certo é que a cobra foi morta cum veneno<br />

que há pra matar as cobras e um homem de cá que tinha andado por<br />

muitos lados é que sabia...<br />

Algum dia, há anos muitos anos, quando Beja era rodeada de uma<br />

floresta cheia de animais selvagens e nem tinha este nome e os<br />

habitantes daqui trabalhavam os campos ao redor, aconteceu que<br />

uma grande cobra apareceu e metia medo a toda a gente e causava<br />

muito mal a tudo e até matava pessoas.<br />

Muito preocupados com o que sucedia, as pessoas juntavam-se para<br />

discutir o que haviam de fazer mas não havia modos de encontrarem<br />

uma solução para tamanho mal.<br />

Um dia, apareceu numa assembleia, um homem que tinha corrido<br />

muito mundo e era um explorador aventureiro que tinha visto e<br />

ouvido de tudo... No meio da barafunda e da altercação em que todos<br />

estavam, pediu para falar e então contou que tinha visto as cobras e<br />

as serpentes matarem gente e outros animais com o veneno mortal<br />

que elas tinham, mas havia sempre um veneno mais venenoso e<br />

mortal para atacar os outros venenos e ele sabia o segredo de um<br />

veneno que até as cobras peçonhentas podia matar e não via outro<br />

modo de se livrarem da cobra que tanto mal fazia a pessoas como a<br />

animais e até aos campos que tanto trabalho davam a cultivar... o<br />

problema era descobrirem o modo como haviam de dar o veneno a<br />

comer à cobra, pois se o engolisse, o certo e que morreria e ficariam<br />

livres da cobra para sempre.


Todos o ouviram com muita atenção e com o respeito que é devido a<br />

uma pessoa que andou por longes terras e sabe de venenos e artes<br />

de outros lados e de outros povos e ali ficaram a ver qual seria a<br />

melhor maneira de poderem usar o saber e inteligência daquele<br />

homem que andara por longe e sabia de cobras e venenos.<br />

Decidiram, pois, acatar a sua opinião.<br />

Perguntaram-lhe então, se esse veneno dado a um animal de grande<br />

porte, o mataria logo, ou se levaria algum tempo a dar efeito.<br />

Ele disse que sim.<br />

Então, todos se lembraram que poderiam dar aquele veneno do<br />

aventureiro ao maior touro que encontrassem nas redondezas e,<br />

depois de o envenenarem, dá-lo-iam a comer à cobra.<br />

Foi assim que fizeram.<br />

O homem aventureiro que andara por longes terras e sabia de<br />

venenos preparou a mezinha. Deram-na a beber ao touro, o que não<br />

foi fácil, pois ele não o queria beber, e lançaram-no para o campo,<br />

para os lados onde havia de encontrar a serpente mais rapidamente.<br />

O touro ainda lutou com ela, mas, envenenado como estava,<br />

sucumbiu.<br />

A cobra engoliu-o. Ficou envenenada e morreu uns tempos depois.<br />

A recordar o sacrifício deste tão nobre animal, esculpiram e<br />

colocaram a cabeça de um touro nas muralhas da cidade, para todos<br />

se lembrarem de um animal tão forte e perigoso, que afinal foi tão<br />

amigo dos habitantes desta cidade...<br />

segredo, segredo,<br />

veneno, veneno...<br />

<strong>Touro</strong> envenenado.<br />

<strong>Cobra</strong> envenenada.<br />

História acabada<br />

Como foi contada.<br />

76


1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05<br />

77<br />

A cobra engole um touro<br />

mas é morta por uma manada de<br />

touros em fúria<br />

e pela população.<br />

Mas Carlos Miúdo que era filho do Joaquim Cardador que morava lá<br />

para os lados da Boavista e lidava com touros e vacas desde que<br />

nascera, ouvira e sabia a história do touro e da cobra duma outra<br />

maneira que passamos a contar.<br />

Em tempos que já lá vão, há muitos muitos anos de que já ninguém<br />

se lembra, a campina toda, aqui à roda do que é agora Beja, era<br />

cheia de árvores grandes e de mato onde havia muitos animais<br />

selvagens e muita caça, e os nossos antepassados guardavam<br />

grandes rebanhos de animais como porcos e ovelhas, mas o melhor<br />

de tudo eram grandes manadas de touros e de vacas, que até


serviam para os ajudar a desbravar as terras e fazer as grandes<br />

sementeiras que eram de pasto para os animais e de pão para os<br />

habitantes de toda a região do Alentejo e dos Algarves que, no fim do<br />

Outono, se trocavam nas feiras de Castro e Alvito.<br />

Viviam todos, cada um como era da sua sorte e não faltava a lenha<br />

para o fogo, nem a carne da caça e dos rebanhos para comer o que<br />

era preciso, nem o pão que havia com fartura para ser cozido todas a<br />

semanas no forno de cada monte, que acenavam de longe, em longe<br />

uns aos outros, com as colunas de fumo branco que saíam do lado<br />

das casas voltadas para nascente.<br />

Nunca, até uma certa altura, se tinha ouvido dizer que os habitantes<br />

desta região tivessem tido medo de alguma coisa ou bicho que os<br />

impedisse de trabalhar a terra deles e de ajudar no amanho das<br />

terras dos outros...<br />

Mas aconteceu um dia, começar-se a ouvir falar de uma enorme<br />

cobra que causava estragos nas terras semeadas e começava até a<br />

fazer fugir os caçadores que nunca tinham tido precisão de fugir de<br />

nada, a não ser quando viam que não valia a pena caçar mais.<br />

Começou de facto essa cobra a fazer estragos de mais e muitos<br />

puderam vê-la de longe a destruir as suas terras, e o medo, e depois<br />

o terror e o medo passaram a dominar o ânimo e as vontades de<br />

todos os habitantes.<br />

Ficaram assim, durante algum tempo paralisados, sem saber o que<br />

haviam de fazer, até que um dia resolveram juntar-se para<br />

conversarem e descobrir em conjunto o que haviam de fazer.<br />

Era evidente que não se atreviam a enfrentar aquela cobra que os<br />

aterrorizava e destruía impunemente todo o trabalho que, apesar de<br />

tudo, iam, persistente e teimosamente, fazendo nos campos,<br />

desbravando, amanhando, cultivando... mas nunca chegavam a ver o<br />

benefício de tantos trabalhos, suores e dores...<br />

Lembraram-se então, de repente, que possuíam, ao menos, grandes<br />

e possantes manadas de touros que os ajudavam no amanho dos<br />

78


campos e lhes forneciam a carne e o leite que os iam mantendo<br />

vivos... Aí estava a solução!... Quem sabe?! Juntariam uma valente<br />

manada de touros e atirá-la-iam contra a cobra maldita... Mesmo que<br />

a bicha adregasse de matar um ou outro, nada poderia fazer contra<br />

uma manada brava e enfurecida que havia de ficar ainda mais brava,<br />

se a danada da cobra conseguisse matar algum deles... Esta ideia foi<br />

acolhida como uma esperança que se mudou em alegria e pouco a<br />

pouco impôs-se a todos como única e desesperada solução. Não<br />

tinham mesmo outra e era a que tinham à mão, usando dos meios<br />

que dispunham. Mesmo correndo o risco de perderem algumas<br />

cabeças de gado, tudo era preferível ao medo e à desgraça contínua<br />

em que viviam permanentemente.<br />

Juntaram então uma manada de touros bem forte e brava e<br />

encaminharam-na para os campos onde há menos tempo tinham<br />

visto a cobra andar à solta e à vontade destruindo tudo o que lhe<br />

apetecia.<br />

Atraída pelo tropel ensurdecedor, a cobra apareceu. Ao avistar aquele<br />

inimigo inesperado, ela enrolou-se e desenrolou-se volteando no ar<br />

sibilou em desafio.<br />

Fssssssst Fichsssssssssst. ...Afinal, desde que aparecera que todos<br />

fugiam de medo, e não era aquela nuvem carregada de pontos<br />

negros que ia fazê-la fugir...<br />

Os touros, que até ali corriam quase em debandada, ao verem a<br />

bicha voltear no ar e a sibilar, investiram direitos ao alvo. Rasgaram<br />

a campina de cabeça em riste prontos a rasgar e esmagar, mas ela<br />

esquiva e rastejante iludiu a sua fúria e deixou-os passar desafiando-<br />

os de novo, altiva e provocante.<br />

Frustrados no ímpeto do primeiro ataque, os possantes animais<br />

pararam surpreendidos e voltaram-se. Lá estava ela, arrogante, toda<br />

empinada no ar segurando-se em pé só apoiada em duas voltas do<br />

seu corpo enorme que a seguravam no chão...<br />

79


Cegos de raiva investiram de novo e, quase ao apanhá-la, a bicha<br />

esquivou-se ao golpe pendurando-se numa árvore que bordeava a<br />

clareira transformada em arena de combate de morte.<br />

Era agora um enorme ramo abanado por inesperada tempestade,<br />

enquanto a toda a volta caía um silêncio de terror e a terra e o ar<br />

parecia terem paralisado de respeito. Era o momento em que os<br />

animais paravam e pareciam desnorteados por falharem o ataque.<br />

Ao descobrirem o grosso ramo diferente dos outros que lhes acenava<br />

em provocação os animais atacaram de novo. Aquele ramo rasava o<br />

chão e parecia, a todo o momento, ir desprender-se.<br />

Investiram com mais fúria e a toda a brida. Não podiam falhar. Não<br />

podiam dar-lhe tempo de se erguer de novo. Quase o conseguiram.<br />

Os primeiros ainda a apanharam de raspão no momento em que ela<br />

se erguia para escapar e outro e outro e outro ainda golpearam-na<br />

com as hastes erguidas nas voltas que a cobra fazia e desfazia para<br />

se poder erguer...<br />

Foi então que um dos últimos touros da manada tropeçou nos da<br />

frente e, dobrando as patas dianteiras, caiu desamparado ao alcance<br />

do braço temível que se desenrolava da árvore e pretendia escapar.<br />

Rápida como um raio a cabeça que se esquivava volteou fulminante e<br />

no momento em que o touro possante intentava levantar-se, a cobra<br />

já o tinha abraçado e desenrolava-se do ramo à medida que se<br />

enrolava mais no touro e o parava nos movimentos desesperados que<br />

o animal fazia torcendo-se e volteando-se para a tentar apanhar e<br />

desenvencilhar-se dela.<br />

Quando os outros, ao fundo do campo aberto, se voltaram para<br />

atacar de novo, já a cobra tinha apertado o boi no seu abraço mortal<br />

de muitas e asfixiantes voltas e, abrindo a enorme bocarra, engoliu-o<br />

de pronto fazendo-o desaparecer no seu enorme corpo.<br />

Estava agora estendida no terreno carregada com o peso da presa<br />

que apanhara.<br />

80


Arrastou-se ainda um bocado para a entrada da floresta, mas não<br />

pôde ir muito longe porque o animal era grande e o peso era muito,<br />

mesmo para um monstro daquela força e tamanho.<br />

Os touros em manada, que já não divisavam a inimiga a desafiá-los,<br />

iam a desistir, mas logo reagiram ao alarido dos pastores e das<br />

gentes que entretanto se tinha juntado para assistir àquela luta<br />

nunca vista e correram direitos à clareira por onde a cobra deixara<br />

rasto...<br />

De longe as pessoas só puderam adivinhar a fúria dos animais a<br />

investir contra a bicha pesada que mal se podia mexer... E, quando<br />

finalmente se puderam aproximar para guiar os touros de volta,<br />

puderam então acabar de abrir a cobra já de todo esmagada e quase<br />

desfeita, e libertar o touro sacrificado que ainda mexia e respirava a<br />

custo.<br />

Trouxeram-no a rojo, que já não podia andar, e, depois de o<br />

matarem por já não poder viver, puseram a cabeça dele no cimo da<br />

casa que era a mais alta e era vista de mais longe e de muitos outros<br />

montes ao redor.<br />

Nunca mais os habitantes destas redondezas esqueceram esta luta e<br />

logo que se ergueu a cidade onde agora é a cidade de Beja,<br />

escavaram numa pedra a cabeça de um toiro e lá ficou nas muralha<br />

como lembrança do sucedido para nunca mais ser esquecido.<br />

E assim...<br />

POR OBRA <strong>DE</strong> UMA MANADA<br />

<strong>DE</strong>U-SE CABO <strong>DE</strong> UMA COBRA<br />

E ACABOU-SE A DANADA...<br />

E ACABOU-SE A HISTÓRIA...<br />

Meada dobada.<br />

história acabada.<br />

81


E ASSIM,<br />

NO FIM DA PELEJA,<br />

COMO A HISTÓRIA NOS DIZ,<br />

OS HABITANTES <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

FORAM,<br />

PRA SEMPRE, FELIZES!<br />

TODOS ELES?<br />

NÃO.<br />

SÓ QUEM QUIS<br />

A FORTUNA BENFAZEJA!...<br />

82


1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06<br />

83<br />

A cidade é livre de um ataque<br />

dum exército de mouros<br />

com a ajuda de uma manada de touros<br />

lançada contra eles.<br />

A Fátima, de olhos azuis e cara morena com um misto de raças que<br />

ninguém poderia julgar compatíveis e misturáveis, que veio dos<br />

montes da Almocreva e mais pequenina ainda viera da herdade de<br />

Alvalade, vive agora ali para a zona da Mouraria, às Portas de Moura,<br />

que também é povoada de ciganos e malteses que pouco a pouco se<br />

fixaram na cidade que agora se chama Beja.


Muito calada e fugidia, quando está num grupo, isola-se numa ponta<br />

ou procura como que esconder-se ao fundo duma sala, e só pelos<br />

olhos se adivinha que está atenta a tudo o que a rodeia e se<br />

emociona e vive, reagindo ao que vai ouvindo e vendo – vivendo.<br />

A lenda do touro e da serpente deixou-a, primeiro, surpresa e depois,<br />

quase em segredo, contou a lenda do TOURO como a tinha ouvido<br />

contar, e era uma lenda do tempo dos mouros, muitos séculos depois<br />

de os romanos se terem ido daqui embora, tempos esses em que se<br />

localizaria a lenda do touro e da serpente que ela ouvia surpresa aos<br />

outros contadores...<br />

Essa Fátima, que traz no nome evocações dos sons árabes da<br />

princesa Alfátima, todos a conheciam por Míriam, nunca ninguém<br />

soube porquê. Talvez porque se chamava Maria de Fátima como tem<br />

que ser com toda a mulher portuguesa que se presa ou era conhecida<br />

por Burrica que era o Má-nome que lhe vinha da família.<br />

Contava assim ela, a história que era lenda...<br />

A lenda do <strong>Touro</strong> passou-se aqui no tempo em que os mouros vinham<br />

de Mirtilis do Sul para conquistar a cidade e com o apoio de muitos<br />

outros mouros que se lhe juntaram no caminho, vindos das terras da<br />

Moura e de Serpes...<br />

Ao ouvirem falar que um grande exército se aproximava desta zona,<br />

os habitantes, dispersos pelos montes e herdades, apressaram-se a<br />

refugiar-se dentro das muralhas da cidade invadindo-a por todas as<br />

portas. Pela porta de Évora e de Avis, pelas portas de Moura e de<br />

Mértola e até alguns pelo arco dos Prazeres que era mais estreita e<br />

rodeada de um jardim de delícias onde se podia cheirar o odor<br />

intenso das laranjeiras floridas misturado com o cheiro do alecrim e<br />

do rosmaninho espalhado pelas barreiras que rodeavam a cidade.<br />

Invadiam assim a cidade pelas suas cinco portas em forma de<br />

estrela, acompanhados pelas famílias e rebanhos mais preciosos dos<br />

84


animais que pretendiam salvar e lhes poderiam valer caso o cerco se<br />

tornasse prolongado.<br />

Era parca a guarnição de homens de armas treinados para defender a<br />

cidade que, naquela confusão medieval, mudava constantemente de<br />

senhores mouros ou cristãos que punham as populações inseguras<br />

em constante sobressalto e mal havia tempo para os senhores<br />

actuais, se preocuparem convenientemente com as fortificações que<br />

mal abraçavam e protegiam o pequeno burgo.<br />

Apesar de tudo, os exércitos que se aproximavam para reivindicar<br />

questões de senhorio que tinham sido usurpados por parentes e<br />

tricas familiares, eram numerosos e vinham dispostos a tudo. As<br />

intenções dos donos da cidade, ninguém as sabia ao certo nem o que<br />

pretendiam defender, até mesmo se eram mais a favor de outros<br />

senhorios mouros ou cristãos, contando muito pouco para isso, os<br />

interesses ou os desejos da população que não tinha lá muitas<br />

preferências pelos deuses únicos e absolutos do crescente ou do<br />

levante... Oriundos talvez de um indefinido e mal conhecido povo<br />

cúneo de cultura avançada e de características diferentes e bastantes<br />

evoluídas que contrastavam com os povos vizinhos, pouco<br />

interessava à população de pastores e agricultores enraizados aqui<br />

desde séculos, que os senhores em guerra adorassem um ou outro<br />

deus único e absoluto... O que sabiam, é que eles pouco ou nada<br />

contavam para esses problemas que eram questões de guerra para<br />

os senhorios da cidade e para os califas e vizires dos exércitos que a<br />

cercavam ...<br />

O cerco já durava há uns tempos e não se via saída possível que não<br />

fosse a rendição pela fome e pelo cansaço ou o assalto que se<br />

tornava iminente pela evidente desproporção de forças em presença.<br />

Uma guarnição pequena e mal armada, perante cinco exércitos<br />

numerosos e bem armados que se espalhavam tranquilamente pelas<br />

campinas que rodeavam a cidade.<br />

85


Mais preocupados que os senhores em resolverem rapidamente o<br />

problema, a população dos que se refugiaram dentro dos muros e via<br />

perderem-se os seus bens e culturas que estavam à mercê dos<br />

invasores, murmurava cada dia mais alto e buscava uma solução<br />

para o conflito que se arrastava indefinidamente.<br />

Foi então que se lembraram duma ideia genial. Sem pastos e<br />

forragens que lhes valessem por muito tempo para aguentarem o<br />

gado que pretendiam salvar, em vez de o verem definhar e morrer à<br />

fome, os pastores-guerreiros lembraram-se de o usar para lançar a<br />

confusão e a morte entre os seus inimigos...<br />

Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente<br />

todas as portas da cidade e, antes que os acampamentos árabes<br />

espalhados pela planície se apercebessem bem do que se passava,<br />

estavam todos invadidos e espezinhados pelas manadas de toiros que<br />

fugiam à frente dos gritos da população e dos poucos soldados que se<br />

tinham distribuído pelas cinco saídas da estrela em que se abria a<br />

cidade... O grosso principal dos sitiados tinha-se concentrado na<br />

saída das portas de Mértola, pois era ali nas cercanias que estava o<br />

acampamento dos principais chefes que comandavam o cerco e a<br />

manada de touros mais valentes e cuidadosamente escolhida foi por<br />

ali que tinha sido ardilosamente conduzida.<br />

86


img013 – os touros rompem o cerco mouro da cidade…<br />

Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente todas as<br />

portas da cidade e,... p. 86<br />

87


O pânico e a confusão foi de tal ordem misturada com a grita de um e<br />

outro lado que, os invasores, convencidos de que se tratava de um<br />

cataclismo do outro mundo e perdidos ou isolados dos seus chefes,<br />

debandaram à frente das manadas em fúria ou eram sumariamente<br />

decapitados ou mortos pela população ou pelos poucos soldados que<br />

vinham atrás, sem terem tempo de se aperceberem do que<br />

realmente se passava.<br />

Foi assim que o <strong>Touro</strong>, símbolo da riqueza e da força duma região,<br />

conquistou o seu lugar nas muralhas com mais um título que nunca<br />

mais as gentes haveriam de esquecer: - o de defensor e libertador<br />

das terras e bens desta população que vive dispersa pelos montes<br />

por muitas léguas em redor...<br />

⎯ E depois?<br />

⎯ Depois?!<br />

Morreram as vacas e ficaram os bois!<br />

Assim ficou<br />

a meada enleada<br />

história acabada,<br />

até ser de novo,<br />

outra vez dobada!<br />

A HISTÓRIA CONTOU:<br />

CO'A AJUDA DOS TOUROS<br />

ASSIM SE LIVROU,<br />

A <strong>BEJA</strong>, DOS MOUROS.<br />

CORRENDO EM MANADA<br />

PELAS CINCO ENTRADAS<br />

89


PELAS CINCO PORTAS<br />

P'LAS PORTAS <strong>DE</strong> MÉRTOLA<br />

P'LO ARCO <strong>DE</strong> AVIS<br />

PELA ENTRADA <strong>DE</strong> ÉVORA<br />

ARCO DOS PRAZERES<br />

ENTRADA <strong>DE</strong> SERPA<br />

FOI A <strong>DE</strong>BANDADA<br />

DOS MOUROS C'OS TOUROS<br />

SEMPRE À <strong>DE</strong>SFILADA.<br />

VITÓRIA ALCANÇADA!<br />

E O POVO ENCONTROU<br />

NA TERRA LIVRADA<br />

IMENSOS TESOUROS<br />

<strong>DE</strong>IXADOS P'LOS MOUROS<br />

NA TERRA LAVRADA!<br />

90


1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07<br />

91<br />

Num dia de tempestade<br />

um <strong>Touro</strong> Azul descobre uma cidade<br />

que muitos anos antes<br />

tinha sido engolida por um terramoto.<br />

...Mas o ti Luís Filipe, que lá na terra era mais conhecido por “Bull - o<br />

<strong>Touro</strong>", retirado lá pró fundo, sentado a um canto com o resto da<br />

plaineta colada no bêço que ia mudando com a língua dum lado pró<br />

outro da boca, já com um trancaço levado dos diabos que até metia<br />

aflição a quem ouvia aquela tosse funda, olhava de soslaio toda<br />

aquela história de estarem para ali a contarem histórias, com o seu<br />

olhar miúdo de ironia e distante silêncio, e ia 1á dizendo para os seus<br />

botões:


⎯ Isto sãn 'stórias de moços piquenos! Já no é nada comós intigos.<br />

Isto é mesmo uma paiolada ó atão a gente é qu'éramos taronjos de<br />

todo, poi'sorte!...<br />

Ora a istória que a gente inventava, a saber, que não podia ser<br />

verdadeira, pois parece que Beja nunca esteve interrada, dizem os<br />

intendidos, mas há muita coisa interrada com'aquela casa romana lá<br />

prós Pisões... e há esta terra toda que cá da banda debaixo do Tejo e<br />

que uns donos disto acoimaram aí de Alentejo sem a gente ter que<br />

ver ou ser tido nem achado e durante muito tempo esteve p'ráqui<br />

mais que interrada e inda stá, ó se stá... é só ver o Alqueva ó as<br />

minas das Neves Corvo se trouxerem algum interesse cá pró povo...<br />

no andam nem um bocadinho até parece um atoco... Ele é comó<br />

cante e comás décimas cá do povo e com’estas <strong>lendas</strong>... só vêm cá<br />

pra fora prós jornais e com letra de forma se for do interesse dos<br />

latinfundiários e dos senhores, qu'isto ele há uns que o são das<br />

agriculturas outros das culturas... isto é assim a modos qu'a gente a<br />

conversar antes que mal pareça...<br />

Ora a stória qu'a gente cá inventou e no pode ser verdadeira e é mais<br />

verdadinha quás <strong>outras</strong> todas é mesmo assim.<br />

92


O TOURO AZUL... que desenterrou Beja...<br />

Há muitos, muitos anos, quando Beja ainda não era uma cidade nem<br />

tinha este nome... teria para aí uns trezentos habitantes..., ouvi<br />

dizer, deu-se um terramoto e aquela povoação ficou completamente<br />

enterrada por areias e calhaus.<br />

Os tempos, aos poucos, foram passando e nunca mais se soube nada<br />

da cidade ou lá o que era aquela terra que aqui havia dantes...<br />

Um certo dia, um maioral que vivia aqui para esta zona, saiu com o<br />

seu gado para pastar.<br />

Andou, andou, andou e não reparou que o tempo se agravava.<br />

Foi então que se desencadeou um grande temporal que mais parecia<br />

um dilúvio.<br />

O gado espantou-se fugindo cada uma das reses para cada lado e<br />

tentando acudir a uns e a outros, armou-se ali uma tal confusão que<br />

o homem acabou por se perder. Ao seu lado, só um <strong>Touro</strong>,<br />

completamente Azul.<br />

O maoiral lá se abrigou como pôde e não tendo mais o que pensar<br />

senão no gado que andaria, sabe Deus por onde, não tirava os olhos<br />

do intrigante <strong>Touro</strong> Azul que o não abandonava e continuava a pastar<br />

como se nada fosse com ele.<br />

Passadas algumas horas, a tempestade foi-se espalhando e, quando<br />

o homem se dispunha a procurar o gado transviado com a ajuda do<br />

<strong>Touro</strong> que lhe restava, o animal não se arredava do sítio onde<br />

pastava e... parece que já não pastava mas tentava escavar...<br />

parecia mesmo que procurava o que quer que fosse... começou<br />

mesmo a escavar com mais força e depois com mais fúria como se<br />

estivesse acossado por alguma coisa estranha... Teria descoberto a<br />

cova de algum bicho ou o buraco de alguma cobra que se esgueirava<br />

agora para o fundo.<br />

93


Tanto escavou, tanto escavou, que começaram a aparecer as pedras<br />

do que mais parecia ter sido uma grande construção sabe-se lá de<br />

uma igreja ou dum castelo e rastos do bicho ou da bicha nunca mais<br />

se viram. Habitava mas era nos restos de um palácio enterrado ou<br />

quem sabe? as ruínas de uma cidade desaparecida.<br />

O maioral, ao ver tal acontecimento, lembrou-se das histórias que<br />

tinha ouvido contar aos que as tinham já ouvido contar há muitos<br />

muitos anos e logo pensou que poderia ser a povoação desaparecida<br />

que ficara enterrada por um terramoto de que já ninguém se<br />

lembrava. Só de ouvir falar, de vez em quando, mas já ninguém<br />

ligava.<br />

Correu então de monte em monte a contar a todos os que encontrava<br />

aquilo que lhe tinha acontecido de mistura com a aflição do gado que<br />

se tinha perdido e a pouco e pouco toda aquela gente foi aparecendo<br />

à medida que a história ia correndo correndo e lá iam desenterrando<br />

a cidade que não era cidade mas tinha castelo e muralhas e igrejas e<br />

ainda bastantes casas.<br />

Passados alguns anos, Beja ou o que agora o é, ficou totalmente<br />

desenterrada e novamente habitada e para recordar o sucedido, os<br />

habitantes resolveram esculpir nas muralhas a cabeça do <strong>Touro</strong> para<br />

que assim ficasse como símbolo da velha cidade de Beja, agora<br />

reconstruída, renascida e renovada.<br />

94


E assim se contou<br />

Assim se cantou<br />

ESTA HISTÓRIA DO TI BULL<br />

QUE METEU UM TOURO AZUL<br />

A <strong>DE</strong>SCOBRIR A CIDA<strong>DE</strong><br />

QUE HÁ MUITO ESTAVA<br />

ENTERRADA<br />

ALI JAZIA IGNORADA<br />

PARA TODA A ETERNIDA<strong>DE</strong><br />

PELOS GRAN<strong>DE</strong>S DA CIDA<strong>DE</strong><br />

P’LOS GRAN<strong>DE</strong>S SENHORES DO<br />

REINO!<br />

E O TOURO ESCAVOU<br />

E <strong>BEJA</strong> ENCONTROU<br />

95<br />

E <strong>BEJA</strong> ENCONTRADA<br />

<strong>DE</strong> NOVO HABITADA<br />

TANTO TRABALHOU<br />

TANTO TRABALHOU<br />

QUE FOI LIBERTADA.<br />

E TANTO LUTOU<br />

QUE SE LIBERTOU<br />

E O MUNDO<br />

ENCANTOU<br />

POR SER TÃO<br />

en/CANTADA!


1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08<br />

A cobra é fechada numa paliçada<br />

96<br />

onde metem um touro bravo<br />

que luta até a morte.<br />

Mas o Jorge Corujo não se deixou convencer por todas estas histórias<br />

de fantasias mal arquitectadas, que não respondiam ao seu sonho de<br />

luta e de liberdade... e vai daí, contou assim...<br />

Há já muitos anos, em que a cidade de Beja cabia ainda dentro das<br />

muralhas, havia uma floresta enorme à sua volta, onde habitava um<br />

monstro terrível que era uma enorme cobra e causava grande medo<br />

e terror a toda a população.<br />

A situação foi-se agravando, porque essa cobra monstruosa destruía<br />

as colheitas dos agricultores, e comia-lhes o gado e deixava-os na<br />

miséria e na fome.<br />

Pior do que a fome, era o medo e o terror em que todos viviam.<br />

Os que governavam a cidade, preparavam e adestravam os seus<br />

soldados mas eram tão poucos, que mal chegavam para calar a<br />

população que se mostrava cada vez mais insatisfeita e revoltada, até<br />

que se convenceram que tinham de encontrar uma solução.


Reuniram-se com os velhos mais sábios da cidade e foi então que<br />

tiveram a ideia de arranjarem maneira de enfrentarem a cobra com<br />

um touro, coisa que até aí ninguém se tinha lembrado, apesar de já<br />

terem perdido muitos animais.<br />

Foram então erguendo uma paliçada, lentamente, à volta da clareira<br />

onde a cobra muitas vezes se refugiava e estendia ao sol para<br />

aquecer o seu corpo frio e viscoso e, um certo dia, que ela ali<br />

dormitava em breve letargia, provavelmente a digerir algum pequeno<br />

animal que devorara, fecharam-lhe o cerco.<br />

Antes que acordasse de todo e se escapasse com as suas artes e<br />

manhas de bicho peçonhento e ardiloso, meteram-lhe dentro o touro<br />

mais possante e bravo que tinham encontrado entre todos os que<br />

tinham.<br />

O touro enfrentou-a e antes que a cobra enorme se pudesse erguer<br />

para o envolver e asfixiar, ele prendeu-a com as suas patas<br />

esmagando-a e com as suas grandes e afiadas armas furou-a lado a<br />

lado, trespassando-a repetidas vezes.<br />

A morte da cobra foi festejada com grandes cantos e festas como<br />

nunca houve memória em toda a cidade.<br />

Mais tarde, alguém se lembrou de esculpir, numa grande pedra, a<br />

cabeça de um touro, e, aquando da reconstrução das muralhas, ela<br />

foi ali encravada de tal modo, que passaria a ser o símbolo da cidade<br />

libertada.<br />

História contada<br />

e nunca acabada!<br />

Sempre REVIVIDA<br />

Sempre RENOVADA<br />

Em cada TOURADA<br />

ELA É REPETIDA...<br />

O TOUREIRO É COBRA<br />

QUE ATACA PRIMEIRO<br />

NESTA LUTA ARMADA<br />

97


DUMA VEZ A SORTE<br />

SAI À ESTACADA<br />

E A COBRA ENTÃO<br />

MORRE<br />

P’LOS CORNOS FURADA<br />

P’LO TOURO ESMAGADA!<br />

<strong>DE</strong> VIDA OU <strong>DE</strong><br />

MORTE.<br />

OU <strong>DE</strong> VIDA E <strong>DE</strong><br />

MORTE?...<br />

98<br />

MAS NOUTRAS<br />

TOURADAS<br />

MUDA A SORTE E MORRE<br />

O TOURO VARADO<br />

PL’O TOUREIRO-COBRA<br />

QUE VIBRA A ESPADA!


1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09<br />

A cidade os touros os mouros...<br />

as cobras e as dobras de ouro...<br />

os mitos de uma idade de ouro...<br />

Afinal, nenhuma destas histórias é verdade! Ou quem sabe?<br />

Talvez todas o sejam à sua maneira... ou seja: a verdade de quem a<br />

conta.<br />

Talvez a sua história seja a sua verdade...<br />

e talvez, quem sabe? Um dia o liberte, e à sua cidade!<br />

ESTE ESPAÇO É SEU, CARO LEITOR.<br />

Aqui o vamos encontrar LENDO ESCREVENDO DIZENDO a sua LENDA<br />

99


100


0.1.1 AS <strong>LENDAS</strong> e os MAGOS da<br />

CLAREIRA ESCONDIDA na<br />

FLORESTA – PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA<br />

E POSSÍVEIS FORMAS <strong>DE</strong> EXPRESSÃO<br />

101


102


E...<br />

0.1.2 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA<br />

CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA<br />

Havia naquele reino uma clareira escondida no meio da floresta que<br />

todos sabiam que existia mas ninguém nunca tinha visto... Nessa<br />

clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns<br />

magos, os sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da<br />

Natureza Humana, mas que nunca sabiam muito bem o que era o<br />

Universo e a Natureza Humana porque eles também eram um bocado<br />

humanos, embora fossem magos e tentassem estar acima das coisas<br />

humanas... Mas fora, não podiam estar, porque senão não podiam<br />

perceber a Natureza Humana e não podiam falar ou comunicar com<br />

as pessoas humanas... E estando dentro, procuravam aquele refúgio<br />

da clareira escondida na floresta, onde estavam sempre a completar<br />

os seus conhecimentos e a adaptar a sua linguagem porque os<br />

conhecimentos da humanidade iam mudando e a linguagem<br />

entendida pelos humanos era, de tempos em tempos, muito diferente<br />

e por vezes tornava-se muito confusa...<br />

É evidente, pelo que dissemos, que esses magos sábios não eram só<br />

sábios magos porque senão não perceberiam nada da Humana<br />

Natureza. Eram também magas e sábias que muitos conheciam por<br />

fadas, por procurarem ter na mão dos seus conhecimentos o poder<br />

de revelar o destino dos homens / da humanidade... Chegou mesmo<br />

a dizer-se que havia também bruxas e feiticeiras à mistura, mas isso<br />

eram influências de <strong>outras</strong> histórias, pelo que, essas, rapidamente<br />

deixavam a clareira escondida na floresta, e fundavam, pelos reinos e<br />

cidades, umas casas, que se pretendiam semelhantes àquelas, mas<br />

não tinham nada a ver com esta história que é de pura e fantástica<br />

103


fantasia verdadeira... acontecia mesmo que, nessa escola secreta<br />

escondida na floresta, os sábios trabalhavam de noite sem fim, que<br />

era o dia, em que havia espaço para caberem todos os sonhos do<br />

mundo, mesmo os que não se podiam realizar e enchiam de alegria o<br />

coração das pessoas, e era assim, na noite, que eram devidamente<br />

semeadas as flores de todos os sonhos e realizações que depois<br />

haviam de crescer sãs e belas, ao calor do sol...<br />

A certa altura, chamavam àquela casa dos magos escondida na<br />

floresta, o Palácio Encantado da Ciência, melhor, da Sabedoria,<br />

porque era habitada por sábios que já faziam a alquimia de muitas<br />

ciências adquiridas e amadurecidas ao longo de muitos séculos...<br />

N<strong>outras</strong> épocas, chamavam-lhe variados e diversos nomes e havia<br />

até quem lhe chamasse a Escola dos Sábios, porque afinal constava<br />

que era uma Escola onde os Sábios daquele reino se juntavam para<br />

aprender e por isso, muitas vezes, vinham Sábios de muitos outros<br />

lugares para investigarem e desvendarem os segredos do Universo e<br />

da Natureza Humana... e, entre <strong>outras</strong> coisas, procuravam descobrir<br />

os segredos destas <strong>lendas</strong> inventadas, des/cobertas, lidas e delidas,<br />

pacientemente elaboradas, ditas e reditas em anos e anos a fio<br />

tecidas em tecidos textos preciosos e, ao longo de séculos,<br />

sedimentadas e transformadas, que por vezes formavam e se<br />

transformavam em minas de oiro e outros materiais preciosos que<br />

era preciso explorar penosamente, minando e escavando e<br />

peneirando, separando-as das misturas de terra, cascalho e lixo, até<br />

chegar ao mineral de valor incalculável...<br />

Mas a confusão era muita, porque passaram também a chamar<br />

escola, e escola de sábios, a muitas <strong>outras</strong> coisas que se podiam<br />

parecer de longe com esta Escola dos Sábios, mas, era tão de longe<br />

aquilo em que se podiam parecer, que não se pareciam mesmo nada.<br />

Podemos mesmo dizer que eram o contrário. Enquanto na Escola dos<br />

104


Sábios, os sábios se juntavam para aprender, nas <strong>outras</strong>, a que<br />

chamavam nomes parecidos por engano, nem se juntavam, nem se<br />

juntavam para aprender, e por isso, não eram sábios... mas<br />

juntavam-se, dizia-se, para ensinar umas coisas que não sabiam bem<br />

se tinham aprendido e diziam que estavam ali para ensinar e ver se<br />

os outros sabiam... Assim, parece que afinal ninguém tinha tempo<br />

nem motivos para aprender nada... uns fingiam que ensinavam, não<br />

se sabe bem o quê...?, e os outros fingiam que aprendiam, mesmo<br />

sem saber o que os outros não sabiam e lá viviam entretidos nessas<br />

casas que alguns confundiam com a Escola dos Sábios, mas não eram<br />

nada - nem Escolas, nem muito menos de Sábios... E, de facto, como<br />

não eram nada, nem nunca existiram, não vale a pena perder tempo<br />

com essas coisas que não existem e alguns, repito, confundem com a<br />

Escola dos Sábios escondida na clareira da Floresta, que era de<br />

magos e fadas e, portanto, eram pura fantasia de verdade.<br />

Em determinada altura, mas isso foi há muitos muitos anos que ainda<br />

estão para acontecer, não se sabe bem quando, chamaram-lhe,<br />

alguns, ESCOLA Superior de Investigação de/para Todos, porque ali<br />

todos tinham de trabalhar e estudar muito, por uma razão muito<br />

simples... como os minerais e os textos tecidos eram muito preciosos<br />

e misturados com muitas coisas que o não pareciam, mas depois se<br />

verificava que o eram, e mesmo muito preciosas, eram precisos<br />

trabalhadores e investigadores e especialistas dos mais variados<br />

quadrantes e ramos, e oriundos das mais diversas origens e<br />

condições... e, todo este trabalho, não era possível, e não tinha<br />

sentido nenhum, sem o trabalho exaustivo e profundo daqueles que,<br />

bem agarrados à terra, afanosamente cavavam e abriam as galerias<br />

e quase desesperadamente carreavam sacos e sacos de terra e a<br />

acumulava em montões e montões de lama, que por vezes mais<br />

parecia esterco, e onde finalmente se podia procurar o mineral<br />

precioso, que era de qualidade e valor diverso, mas muitas vezes<br />

105


quase impossível de distinguir e separar... e havia, enfim, os grandes<br />

depósitos de material precioso, seleccionado, que , então, seria<br />

cuidadosamente escolhido e distribuído para reenriquecimento e<br />

revitalização plural de feliz policromia para aquela terra e para toda a<br />

humanidade...<br />

Muitos agora espantam-se, porque afinal ninguém, destes tempos,<br />

tem tempo para ouvir a voz das <strong>lendas</strong> tecidas de palavras! ou para<br />

entender as mensagens deixadas nas vozes e nos rastos de outros<br />

tempos!!!<br />

Mas, quem é que agora tem tempo para ouvir a voz do vento, ou<br />

para ler as mensagens que cintilam nas estrelas como letras que os<br />

poetas transformam em palavras que voam com o vento? ou ler os<br />

vestígios que se afundaram nos aluviões do tempo? As pessoas<br />

106


img014 – a clareira dos magos escondida na floresta…<br />

Nessa clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns magos, os<br />

sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da Natureza Humana... p. 103<br />

107


108


agora não têm tempo, nem olhos para verem a luz natural e<br />

verdadeira, ofuscados como estão pela luz artificial que as não deixa<br />

ver as estrelas!!!<br />

O segredo, só o detêm os sábios que decidiram ter tempo e espaço<br />

para ouvir a voz do vento e aprender a ler as mensagens do espaço<br />

no original, apreendendo os seus segredos em qualquer língua falada<br />

no Universo... Transmitem-na depois porventura como os poetas e<br />

como os contadores de histórias, numa língua parecida com as<br />

línguas que conhecemos... as palavras e os sons parecem iguais, mas<br />

só as ouvem e entendem, só as captam, os que são capazes de se<br />

perder no caos do espaço para se encontrarem e perceberem e<br />

saberem renascer de novo nos mistérios da vida. Mas só se pode<br />

renascer depois de morrer... Só se pode ser fecundo depois de ser<br />

fecundado... A planta só pode nascer depois de ser semeada no<br />

ventre da terra... Só se pode sustentar, erguido na vida, o que<br />

estiver devidamente mergulhado nas raízes, enterrado e vivo, para<br />

poder crescer, comunicar, ser fecundo, multiplicar-se e povoar a<br />

Terra...<br />

E era assim, que naquela clareira perdida na floresta se juntavam<br />

pessoas vivas que viviam e por isso não estavam lá, e eram<br />

investigadores do saber que era a cultura milenária dos povos, de<br />

todos os povos, e por isso, vinham e estavam em todos os lugares e<br />

tempos, e sabiam das ciências humanas e da sociedade como a<br />

cultura, a política e a economia, e, para conhecerem a vida, a viviam<br />

e sofriam e dela estavam distantes para se poderem pronunciar sobre<br />

ela... eles tinham conhecimentos dos segredos da Natureza e da<br />

Natureza Humana, dos comportamentos, pensamentos e formas de<br />

expressão e de comunicação e intercomunicação, o segredo dos<br />

signos, dos sinais e dos símbolos e ícones de cada geração... coisas<br />

que ao longo dos tempos foram tendo vários nomes como Ciências,<br />

109


Geografia, Língua e Linguística e Filologia, Filosofia e Psicologia com a<br />

Psicolinguística, a Antropologia, a Etnografia... sabiam de <strong>outras</strong> artes<br />

como as Artes que privilegiavam algum dos sentidos, como a Arte<br />

Divina dos Sons, ou a Arte da Magia das Formas e das Cores...<br />

Sabiam também das artes que procuram a comunicação global para<br />

chegarem aos sete sentidos através dos cinco mais conhecidos e<br />

enumerados pelos humanos... Tentavam a Semiótica ou a Ciência das<br />

formas, dos signos e dos símbolos... a Epistemologia ou as bases<br />

científicas de todas as ciências... enfim... a Hermenêutica, a chave de<br />

penetrar em todos os mistérios e perceber a multiplicidade de<br />

mensagens dos múltiplos grupos sociais que foram construindo a<br />

humanidade nas suas diversas e multímodas manifestações... com<br />

aquilo que muitos chamaram, porque tudo precisa de nomes, as<br />

Ciências Sociais...<br />

E, a estes, juntavam-se os que conheciam da vida e da comunicação,<br />

tudo o que era a arte de viver...<br />

E foi assim que começaram a aparecer propostas e pareceres os mais<br />

diversos, e, por outro lado, mais complementares e indispensáveis,<br />

porque só do contributo de todos os campos do saber humano era<br />

possível tentar chegar a algum conhecimento verdadeiramente útil e<br />

eficaz para o desenvolvimento da humanidade a caminho de uma<br />

maior felicidade de vida plenamente vivida...<br />

⎯ Mas afinal, o que fazemos nós aqui? nesta história, perguntaram<br />

os sábios, muitos dos quais também eram fadas, e que não estavam<br />

ali para perder tempo e, muito menos, para resolver tudo com uma<br />

varinha de condão?!...<br />

Para já, esta história, que tenta contar a nossa história, está muito<br />

mal engendrada, diziam alguns, porque nos apresenta dando a<br />

impressão que somos seres diferentes dos outros que existem,<br />

110


quando afinal, nós somos tal e qual os outros que também têm de ser<br />

diferentes para poderem perceber o que são!!!... Pois aí é que está o<br />

problema, diziam <strong>outras</strong> fadas entre as quais havia também sábios,<br />

mas é que temos de parecer diferentes para os outros perceberem<br />

que somos iguais, e eles, os humanos, é que percebem da natureza<br />

humana, porque eles é que são humanos, e portanto eles é que<br />

podem falar do que conhecem, mas como o objecto do conhecimento<br />

tem de estar fora daquele que procura conhecer, de facto eles não se<br />

conhecem a si mesmos se não saírem de si próprios, e nós, como<br />

estamos fora é que os conhecemos, mas não os poderíamos conhecer<br />

se não fossemos humanos, e não podíamos falar-lhes da natureza<br />

humana e dos seus anseios mais profundos, se não fossemos<br />

humanos, porque a não conhecíamos e ninguém pode falar do que<br />

não conhece!!!<br />

Então em que ficamos?<br />

... Tudo isso é muito verdade mas nem todos falam e entendem da<br />

mesma maneira, pelo que tivemos necessidade de inventar uma<br />

maneira de dizer as coisas para os outros as entenderem e nós<br />

entendermos os outros, até que encontrámos uma maneira, que é a<br />

das histórias que fazem de conta, porque é muito difícil explicar tudo<br />

a todos sem fazer de conta e fazendo de conta podemos quase dizer<br />

tudo e entender tudo... Mas as histórias que fazem de conta não são<br />

verdadeiras e por isso não contam a realidade e cá estamos nós a<br />

trair os fundamentos da nossa ciência e da nossa escola que assim<br />

não serve para nada!... Aí é que vocês estão enganados...<br />

gaguejavam outros... mas é que a verdade - realidade é tão<br />

complexa, relativa e interdependente de tantos factores que é difícil<br />

reproduzi-la para a abarcar na sua multímoda pluralidade e aí, com<br />

as <strong>lendas</strong> e os poemas, tentamos as formas de expressão mais<br />

adequadas que permitam ler/ver e comunicar em circular o<br />

omniálogo para que todos cheguem perto da verdade...<br />

111


Bem!, sabiam cada palavra difícil estes sábios, que até diziam<br />

algumas que ainda não existiam... Mas parece que não havia meio de<br />

se entenderem os bons dos sábios e as encantadoras fadas,<br />

encantados como estavam por desejar ter alguma coisa de sólido e<br />

de verdadeiro e de seguro, de ordem, para dar sentido à sua escola<br />

escondida na secreta clareira da floresta onde se reuniam para<br />

desvendarem os segredos do Universo e da Natureza Humana,<br />

quando subitamente repararam que a Ordem do Universo era o que<br />

nós chamamos Caos/Confusão e que Tudo o que tem Vida está em<br />

Movimento, e que a Natureza Humana é tão plurifacetada que é rara<br />

ou inexistente a Pessoa Humana que se conhece a Si Mesma... !!!<br />

Eia, gritaram então!!!... Já temos bases sólidas para o nosso trabalho<br />

sério e científico! É que, afinal, não temos bases sólidas nenhumas,<br />

cavando assim, bem fundo, os alicerces da nossa Ciência e<br />

Investigação... !!!<br />

E foi então, ali, que todos se atiraram ao trabalho com afã!!!.<br />

112


0.1.3 pistas de leitura/s para as <strong>LENDAS</strong> do TOURO e<br />

da COBRA…<br />

Então que me dizeis, caras cofadas e caros comagos, dessa história<br />

de ciganos que viajam em caravanas e percorrem reinos cidades e<br />

povoações e se põem a pilhar o que é dos outros? Não será isso um<br />

atentado às regras da Justiça que devem nortear todos os reinos?<br />

Deveis saber ilustre cosábio que aquilo que muitos deitam fora dá<br />

para muitos viverem, até o lixo... e deveis saber que, no meio do<br />

lixo, as pessoas distraídas com a ordem da vida que às vezes é uma<br />

boa desordem, atiram ao desprezo muitas coisas preciosas e que lhes<br />

fazem muita falta... mas fazem-no por falta de espaço, ou por estar<br />

na moda, ou por exibicionismo e por estatuto social e intelectual<br />

deformado... e, acontece ainda, que muitas vezes só do lado de fora<br />

é que se vê bem e é preciso estar a uma certa distância para se ter a<br />

noção da realidade no seu conjunto, sem contar com a miopia o<br />

estrabismo e o astigmatismo e até <strong>outras</strong> doenças que são frequentes<br />

na humanidade enferma!...<br />

Deixemos então seguir a caravana com os seus utilíssimos roubos<br />

para reciclagem dos produtos... mas o que é lá essa história de pôr o<br />

cigano ceguinho a contar a história mais fantástica e incrível para<br />

parecer mais verdadeira?<br />

É que, já nos tempos da avó da minha avó velhinha, no tempo em<br />

que não havia jornais nem outros meios de comunicar notícias, os<br />

ceguinhos é que tinham por missão, contar o que os outros que viam<br />

não viam e faziam, e lá iam vivendo divulgando e cantando os contos<br />

de terra em terra e as pessoas que viam, agradecidas, pagavam-lhes<br />

para viver e sustentavam-nos... em troca de os ajudarem a ver...<br />

Para mais, eles é que costumam ver o que os outros não vêem. De<br />

113


tanto olharem e de tanto terem para ver, por vezes, parece que os<br />

que vêem é que ficam ceguinhos..., para o que é essencial! “É que o<br />

essencial é invisível para os olhos”, dizia aquele mago que voava nos<br />

aviões dos anos quarenta e punha principezinhos a falar com raposas<br />

em coisas tão banais e corriqueiras e às vezes esquecidas por serem<br />

essenciais!...<br />

Isto discutiam animadamente os comagos e cofadas que eram todos<br />

cosábios, e pouco a pouco, e por vezes, surpreendentemente, lá iam<br />

descobrindo o sentido das coisas, até das que pareciam banais e<br />

desprezíveis...!<br />

Mas têm ao menos alguma arte, algum sentido, esses contos<br />

contados e cantados para encantar?<br />

Disso não sabemos muito, cara cofada, pois tentámos ler as<br />

intenções secretas do velho cigano cego em frente do par dos ciganos<br />

enamorados olhando a cidade as muralhas e as estrelas, mas parece<br />

que o que ele via na Via Láctea era o longo percurso da longa via da<br />

sua vida quase secular e quereria ele, quem sabe, deixar naquele<br />

conto o resumo cifrado do muito que vira através dos caminhos do<br />

mundo e dos tempos...!<br />

Mas então, porque não contava ele, claro e direito, aquilo muito que<br />

aprendeu?<br />

Certamente porque não sabia, caros cosábios, não sabia traduzir as<br />

letras das estrelas em letras e sons falados nas nossas línguas que<br />

usamos todos os dias, e, mesmo sabendo o que sabia da vida vivida<br />

e observada, corre-se sempre o risco de cada um entender aquilo que<br />

sabe que quer saber... e assim, deixa o desafio para cada um<br />

desvendar, na sua língua, na língua que cada um usa para pensar e<br />

para sonhar e construir para si os mundos reais que não existem e<br />

assim ficam com as pistas para descobrirem o que supunham não<br />

114


poder ser verdade e não sabiam... pois é este o desafio mais humano<br />

e tentador para os seres inteligentes que caminham na vida...<br />

Dai-nos então uma chave desses contos, dessas <strong>lendas</strong>?<br />

É muito arriscado, ó cosábios que tudo quereis saber, mas sempre<br />

tentaremos umas pistas... Chaves?!, Chaves universais que podem<br />

abrir tudo?!, isso não existe. Só nos contos de fadas!!!<br />

Primeiro, era preciso perceber o motivo por que se inventam <strong>lendas</strong>,<br />

que as pessoas chegam a crer mais verdadeiras que as histórias que<br />

foram história ou histórias verdadeiras de reis e de rainhas e<br />

príncipes e princesas e povos verdadeiros que muitas pessoas julgam<br />

que são <strong>lendas</strong>... Depois, reparai bem, que todas começam em<br />

tempos perdidos na memória dos tempos que afinal todos sonham<br />

que hão-de acontecer de novo e inventam casos e personagens que<br />

nunca existiram mas todos desejam ser...<br />

É sempre um pouco assim a insatisfeita natureza humana... Depois<br />

vivem felizes ou viviam simplesmente... e é sempre um mal exterior<br />

que os vem perturbar e causar desgraças, quando afinal, o mal vem<br />

sempre de dentro e de bem perto, mas eles contam como se viesse<br />

de fora para assim descobrirem essa verdade tão simples que até<br />

custa a crer porque não se quer...<br />

...E então, as pessoas ficam cheias de medo e de pavor, e até vão<br />

procurar a solução que já sabem, se a quiserem saber, vão-na<br />

procurar através de desconhecidos sábios génios ou supostos super-<br />

homens, quando, afinal, são eles, é cada um, que procuram,<br />

encontram e executam as soluções e sofrem as consequências ou<br />

ficam recompensados...<br />

...Metem ainda nos contos todos os seus defeitos e virtudes,<br />

qualidades e características, muitos dos seus valores culturais e<br />

revoltas e cansaços acumulados por gerações e gerações porque<br />

muito bem se conhecem....<br />

115


...e tentam desvendar os mistérios do que os confunde como a<br />

complementaridade do masculino e do feminino que parece fálico e<br />

dominador na cobra mas afinal é feminino e fecundo e parece forte e<br />

indómito no touro mas por vezes falha, morre mas liberta... Quantos<br />

mistérios, credes vós, que podem ser apontados num simples conto<br />

duma, duas páginas? A origem, a formação, as frustrações, os<br />

desejos e anseios daqueles que os ouvem e daqueles que os<br />

contam...!!!<br />

A COBRA tem sido sempre entendida como a origem do MAL, de<br />

todos os males que afligem a humanidade. Segundo a Bíblia, Adão e<br />

Eva viviam no Paraíso Terreal, pois Deus os colocara no Jardim do<br />

Éden para o cultivar e o guardar, mas deu-lhe este preceito: “Podes<br />

comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do<br />

fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que<br />

dele comeres, morrerás indubitavelmente.” Mas... “A serpente era o<br />

mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha<br />

formado. Ela disse à mulher: É verdade que Deus vos proibiu comer<br />

do fruto de toda a árvore do jardim?” “A mulher respondeu-lhe:<br />

Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da<br />

árvore que está no meio do jardim, Deus disse: “Vós não comereis<br />

dele, nem o tocareis, sob pena de morte.” “⎯ Oh não! ⎯ tornou a<br />

serpente ⎯ vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que no dia em<br />

que dele comerdes, os vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses,<br />

conhecendo o bem e o mal.”...Veio então a tragédia conhecida... “A<br />

mulher vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de<br />

agradável aspecto, e muito apropriado para abrir a inteligência,<br />

tomou dele, comeu, e apresentou-o também ao seu marido, que<br />

comeu igualmente.”...os olhos abriram-se... Deus apareceu,<br />

repreendeu-os, condenou os três... “E o Senhor Deus disse: Eis que o<br />

homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal.<br />

Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome<br />

116


também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente. E<br />

o Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse<br />

a terra donde tinha sido tirado. E expulsou-o; e colocou, ao oriente<br />

do jardim do Éden, Querubins armados de uma espada de fogo, para<br />

guardar o caminho da árvore da vida.” (Génesis, Cap. 2 e 3).<br />

E assim ficámos com mais uma história. Lenda? Uma lenda cheia de<br />

símbolos e sinais para explicar uma outra história mais complicada e<br />

complexa que é a da origem da humanidade ou, mais propriamente,<br />

a da origem dos seus males, permanecendo sempre o mito do<br />

Paraíso/Éden! Uma explicação judaico-cristã que foi ou é sinal de<br />

civilização ocidental cristã!!!<br />

Mas há <strong>outras</strong> explicações para a Humanidade e os seus males. Por<br />

exemplo esta.<br />

“Segundo os livros de Zoroastro, o primeiro homem e a primeira<br />

mulher foram criados puros e submetidos a Ormusd, seu autor.<br />

Arimânio viu-os e teve inveja da sua felicidade; abordou-os sob a<br />

forma de uma cobra, apresentou-lhes frutos e persuadiu-os de que<br />

era ele o criador de todo o Universo. Eles acreditaram e, desde então,<br />

a sua natureza ficou corrompida, e esta corrupção infectou a sua<br />

posteridade.” (Fulcanelli, in As Mansões Filosofais, ed. 70. 1977; e<br />

José Gabriel Pereira Bastos e Fernanda Birrento, in A Mulher O leite e<br />

a <strong>Cobra</strong>, ed. Rolim, 1988).<br />

⎯ Então? Consideramos a serpente como origem de todo o mal que<br />

veio cair sobre a humanidade, como parece podermos entender da<br />

Bíblia e de Zaroastro / Zaratustra ou é, afinal, a serpente, o agente<br />

do caminho imparável para a maturidade e para a liberdade<br />

responsável que fez sair a Humanidade da Infância e da Adolescência<br />

em que viviam completamente dependentes e submissos, para<br />

117


assumirem, decisivamente, <strong>DE</strong> OLHOS ABERTOS, em pleno risco, a<br />

LIBERDA<strong>DE</strong> E A RESPONSABILIDA<strong>DE</strong>?<br />

Até aparecer a serpente e os frutos, os nossos progenitores seriam<br />

como crianças que Deus tinha de proteger e guiar pela mão indicando<br />

os limites... Inocentes, sem poderem arriscar... e morrer... e, a partir<br />

daí, eis que têm de renunciar ao proteccionismo, aos privilégios e<br />

assumir a vida com todos os riscos. inclusive, o risco de MORTE!!!<br />

Também na Bíblia, livro do Êxodo, capítulo sétimo: “0 Senhor Deus<br />

disse a Moisés e a Aarão: Se o Faraó vos pedir um prodígio, tu dirás a<br />

Aarão: toma a tua vara e atira-a diante do Faraó: ela se transformará<br />

numa serpente.", e mesmo quando os sábios, os encantadores e os<br />

mágicos do Faraó fizeram o mesmo com os seus encantamentos e<br />

atiraram cada um as suas varas que se transformaram em serpentes,<br />

a vara de Aarão engoliu as deles... E quando o Povo de Israel<br />

vagueou pelo deserto a caminho da Terra Prometida, em castigo das<br />

suas murmurações, diz o Livro dos Números, capítulo vinte e um:<br />

“Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que<br />

morderam e mataram a muitos." O povo arrependido recorre a<br />

Moisés. “Moisés intercede pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: "Faz<br />

uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for<br />

mordido, olhando para ela, será salvo." Moisés fez, pois, uma<br />

serpente de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era<br />

mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, era<br />

salvo." !!!<br />

!!! O que significa afinal a SERPENTE? A Morte ou a Vida? A origem<br />

do Mal? O Poder de Deus? A mola que desafia a Humanidade para os<br />

riscos da Criatividade e da Liberdade? A guardadora dos segredos e<br />

mistérios profundos que a Humanidade busca desde sempre<br />

incansável e inutilmente? Ou significará a inteligência? A inquietação<br />

atrevida que não deixa que a Humanidade caia no comodismo<br />

118


(Paraíso), na demissão irresponsável não interveniente, no<br />

imobilismo estéril?<br />

⎯ Isto tudo, talvez e muito mais...<br />

⎯ E o TOURO? O que significa o TOURO, que é afinal o herói,<br />

personagem principal das múltiplas <strong>lendas</strong> que inventámos e tanto,<br />

que teve direito a figurar, esculpido, nas muralhas da cidade, e<br />

desenhado, ocupa o lugar central do escudo heráldico que é o brasão<br />

- emblema deste povo?<br />

⎯ Ah! o TOURO, esse foi sempre, através de todos os tempos e<br />

espaços o símbolo da energia criadora, o símbolo da força, do ímpeto<br />

indomável, da fúria indómita, o símbolo /simbólica da fonte do vigor<br />

da potência fecundante e fertilizante que fecunda a terra e a torna<br />

produtiva e criadora...<br />

Em todas as regiões e religiões do Mundo, o TOURO aparece como<br />

signo, ícone, simbólica, índice da seiva vital, o sémen, o falo<br />

desmedido que rasga o VENTRE DA TERRA e a torna produtiva e<br />

criadora abrindo nela a vida escondida e secreta, desvendando os<br />

tesouros ciosamente guardados... abrindo caminhos de riqueza e<br />

felicidade...<br />

Até o povo eleito de Javé, perdido no deserto, quando Moisés<br />

desapareceu para receber as Tábuas da Lei, desesperado, fabricou<br />

um BEZERRO <strong>DE</strong> OIRO construído com os brincos e colares que todo<br />

o povo guardava avaramente e celebrou festas ao ÍDOLO, vendo nele<br />

OS <strong>DE</strong>USES DA ABUNDÂNCIA que os libertaram do cativeiro do<br />

Egipto... Este drama de idolatria e de ingratidão ao Deus de Moisés,<br />

pode ser lido na Bíblia, no Êxodo capítulo trinta e dois e seguintes... a<br />

ponto de Moisés, no regresso, cheio de fúria, quebrar as Tábuas da<br />

Lei que tinham sido escritas pelo próprio dedo de Deus, e destruí-o<br />

pelo fogo até o reduzir a pó que moeu e dissolveu na água, que na<br />

119


fúria da sua cólera obrigou a beber aos filhos de Israel... tendo os<br />

filhos de Levi passado à espada mais de três mil homens dos que se<br />

rebelaram contra Javé! O certo é que ainda no tempo de David, havia<br />

signos e imagens que perpetuavam a idolatria ao bezerro de oiro<br />

sonhando a abundância dos tempos da escravatura no Egipto! Povo<br />

de cabeça dura e digno de ser exterminado da face da Terra! ...<br />

Donde a força idolátrica do TOURO que se opõe à força do Deus<br />

Criador Todo Poderoso?... Muito haveria para contar...<br />

Mas mais não contamos porque muito haveria e há para contar, mas<br />

há mais pistas e exemplos que os nossos coartistas querem<br />

apresentar...<br />

... É que de facto, uma das coisas mais comoventes que acontecia<br />

naquela Escola Secreta da clareira escondida na floresta que não<br />

existia era, quando na clareira inacessível aparecia uma criança, um<br />

velho ou um poeta com um poema um conto ou uma canção nas<br />

mãos nos lábios ou no coração… e a mostrava aos sábios!<br />

Alguns deles liam. Reliam. Sorriam. Liam-na depois alto e<br />

expressivamente para que os outros a ouvissem. Cantavam-na<br />

embelezada com a arte dos sons. Todos aplaudiam. Pediam para a<br />

guardar e publicar aos ventos... Iam ao seu tesouro escondido e<br />

davam-lhes uns grãozinhos de oiro ou pedras preciosas... Punham-<br />

lhe a mão na cabeça... e lá voltavam para casa, mais felizes, do que<br />

se tivessem encontrado todo o ouro do mundo, com o seu TESOURO<br />

FABULOSO!<br />

120


0.1.4<br />

Possíveis formas de expressão<br />

para as <strong>LENDAS</strong> do TOURO e da COBRA<br />

⎯ Mas então que propostas temos dos coartistas, artífices que artam<br />

lá na terra? e concretamente sobre estas <strong>lendas</strong> que contastes de<br />

touros e de cobras?<br />

⎯ Muitas propostas, ó caros comagos...<br />

Há um grupo que se exprime com o corpo, o corpo inteiro que a<br />

natureza deu. São jovens, crianças e gente madura. Propõem-se<br />

contar a história sem palavras para ser universal.<br />

A cobra é uma bailarina que gira e rodopia ameaçando uma cidade<br />

inteira, cercando, ameaçando, aterrorizando...<br />

O povo, com o medo e seduzido, tenta reagir... há perdas e mortes...<br />

entra em pânico... procura soluções contra a cobra que foge, ludibria,<br />

domina, se disfarça...domina... até que o povo decide mandar um<br />

touro contra ela...<br />

O touro que sai, observa o terreno, descobre a inimiga, enfrenta-a,<br />

investe... numa ambiguidade de luta e jogo amoroso de vida e de<br />

morte contra a serpente que já não é a serpente mas o povo que se<br />

encadeou em cobra e depois já é povo que se transforma em touro e<br />

luta com a serpente...<br />

Procuram-se depois uma ou várias soluções estilizadas de cada um<br />

dos dez mais um dos contos e termina com a festa da libertação ou<br />

da catástrofe que gerará a libertação...<br />

Há agora um PAR, só DOIS, ó caras cofadas, que se propõem dançar,<br />

sozinhos esta lenda, voando nas asas da fantasia e inebriados na<br />

música mais sublime que foi possível conceber pelos médiuns que<br />

captam os sons do universo e emoldurados num cenário de cores de<br />

sonho realidade que os artistas das formas e dos tons captaram do<br />

arco-íris!<br />

121


Tudo isto, mas muito mais complexo, se propõe fazer agora um POVO<br />

espalhado por diversos lugares, que depois de tempos e tempos de<br />

preparação, aliás como todas as <strong>outras</strong> tentativas de representação<br />

que são humanas e tentam penetrar no sobre-humano, tendo<br />

divulgado o conto canto por todos os cantos da sua terra, escolas,<br />

grupos, famílias e solitários, recolhe de todos eles ideias e<br />

sugestões... fabricam símbolos e enfeites de mil formas e mil cores e<br />

chega o dia da celebração... o dia da festa... o dia da representação...<br />

A grande dança da serpente, formada por centenas, só tem sentido<br />

quando os grupos vindos de todos os cantos e lugares se vai<br />

juntando e figurando o medo, o pavor, a afoiteza da multidão enfim<br />

unida, que enfrenta a cobra monstro... a põe em fuga para o<br />

castelo...<br />

O percurso da praça para o castelo... a cobra e o povo já uno na sua<br />

diversidade que pode ser um cortejo de símbolos e cantos<br />

diversificados...<br />

A cobra no Castelo e as novas tentativas de intimidação para a<br />

tomada do poder com ameaças e fúrias desmedidas... é dança<br />

macabra que aterra e seduz.<br />

A aparição do touro-touros e a luta final do touro e da cobra e a<br />

multidão que se transforma em manada de touros... é jogo fantasia<br />

feita realidade na arte!<br />

A fogueira festa final e a fuga imperceptível dos restos sub-reptícios<br />

da serpente... é a festa que se espalha por toda a cidade libertada...<br />

que afinal continua ameaçada...<br />

Mas há ainda um grupo musical que se propõe cantar representar a<br />

mesma lenda, com sons luzes e cenários, evocando os cenários<br />

conhecidos com montagens de grafismos, fotos, sons e cores... Os<br />

cantores, com as suas vozes – touros, atacam os microfones ligados<br />

a fios intermináveis – serpentes, que eles/as cantores/as com as suas<br />

bocas – serpentes, simulam engolir como se os micros subitamente<br />

se transformassem em touros... E outros grupos musicais lançam as<br />

122


suas bailarinas/os serpentes coleantes ao som das suas violas e<br />

baterias – touros estonteantes de fúria que se transformam em sons<br />

envolventes como serpentes que devoram vocalistas e bailarinos/as...<br />

Nós nem precisamos de representar, diz um grupo de aficcionados da<br />

festa brava dos touros e touradas... A corrida que vamos apresentar<br />

a cavalo, com pegas e a pé, é afinal a luta do touro e da serpente, do<br />

toureiro frente ao touro, macho contra macho, com o feminino<br />

sempre ausente presente como na vida e na realidade... numa<br />

ambiguidade que se representa porque não se explica...<br />

Tudo isto e muito mais pode acontecer à volta duma simples lenda...<br />

- Os artistas que trabalham com o ouro e a prata e outros metais e<br />

com eles fabricam adornos, enfeites e feitiços criaram anéis,<br />

braceletes, colares e medalhões com touros e serpentes que<br />

insidiosamente se enrolam em espirais carregadas de insinuações...<br />

- Os das artes gráficas inventaram livros articulados como cobras que<br />

tinham dentro touros e histórias em palavras e desenhos de<br />

encantar...<br />

- Os poetas e os músicos cantavam a lenda em canções dolentes que<br />

dançarinos interpretavam em bailados coreografados de corpos<br />

esguios que se transformavam em cobras ondulantes e touros de<br />

corrida...<br />

- Os oleiros faziam nascer da sua roda giratória serpentes repelentes<br />

que enleavam touros desesperadamente vencidos na sua fúria... e os<br />

artistas do barro, com as suas mãos, conseguiam um misto de herói<br />

a transformar-se em serpente e a moura apaixonada a transformar-<br />

se em fonte numa magia de formas surpreendente…<br />

- Os mestres marceneiros fabricavam com pedaços de madeira,<br />

cobras articuladas que soavam como matracas ligadas por nastros de<br />

pano que se dobravam e desdobravam ou serpenteavam ligados com<br />

arames e desafiavam touros que se montavam e desmontavam em<br />

madeira fina com recortes e encaixes e ranhuras...<br />

123


- Nas festas de Carnaval, os mascarados destrajavam-se de touros e<br />

de cobras e esboçavam lutas em qualquer canto da cidade, nunca se<br />

descobrindo se eram homens que se disfarçavam de cobras e<br />

mulheres de touros ou vice-versa, para o jogo e a ambiguidade<br />

permanecer como se fosse verdade...<br />

- Os pastores artistas, no enlevo e distância do seu isolamento, iam<br />

fabricando a canivete, de paus rijos e disformes, de ramos partidos e<br />

dispersos... ora cobras que mexiam e metiam medo... ora faziam dos<br />

ramos secos em forquilhas, touros estilizados que mais pareciam<br />

vivos na fúria de combate...<br />

- Até as crianças, nos seus grafismos de riscos sem sentido,<br />

desenhavam sem saber!... ondulações de serpentes ondulantes<br />

misturadas com touros...<br />

- Desenhando uma praça circular, com arcos e bancadas repletas de<br />

uma multidão disforme, com um touro ao meio atónito, em defesa,<br />

pronto a investir, os poetas das formas e das cores, com tintas e<br />

variegados materiais, pintam na sua tela as sugestões que as <strong>outras</strong><br />

artes não podem sugerir... e dizem tudo aos que quiserem<br />

perceber...nas suas gravuras, pinturas, tapeçarias...<br />

- Na sua intimidade, os casais de amantes dançam a dança do touro<br />

e da cobra. O amante com o seu falo serpente ataca as ancas da<br />

amante touro que com os seus lábios cobra engole e recebe a força<br />

túmida do amante que se entrega...<br />

- E dos outros artistas? Não falas dos outros artistas que povoam o<br />

Universo?<br />

124


img015 – uma mistura de símbolos e sinais…<br />

125


126


⎯ Dos outros artistas que desempenham os seus papéis de<br />

figurantes no vasto palco que é o Mundo? De muitos desses<br />

esquecemo-nos... Só sabemos que inventaram coisas nunca vistas e<br />

inconcebíveis...<br />

Sabemos por exemplo de crianças que já o não eram e nunca tiveram<br />

tempo de andar na escola para aprenderem a ser artistas, que se<br />

vestiram de rolos de papel pintado e enfeitado com fitas de mil cores<br />

e se colaram umas às <strong>outras</strong> numa fila imensa coleante<br />

transformando-se numa enorme serpente e foram pelas ruas e praças<br />

meter medo às pessoas acomodadas e instaladas em muitas<br />

instâncias de vários poderes, que andavam a estragar o seu mundo<br />

de floresta virgem e selvagem, com as suas políticas vesgas de<br />

progresso e desenvolvimentos e <strong>outras</strong> coisas sem pés nem cabeça<br />

que destruíam o Mundo em vez de o tornarem mais habitável e<br />

bonito...<br />

e vai daí, disseram sem palavras aos marretas dos touros que<br />

marravam de cabeça baixa sem olhar para as estrelas, para o sol, a<br />

lua e os planetas que continham as letras do passado e do futuro...<br />

⎯ Ai ele e isso?! Pois desta vez quem ganha a luta da lenda é a<br />

serpente que nós já estamos cansadas de ser as más da fita... e ai de<br />

vocês se se atrevem a estragar mais o nosso mundo livre e belo com<br />

mais muralhas e muros e paredes e grades e sebes e divisões e<br />

cortes e portas sem entradas nem saídas e chaminés e fumos e<br />

porcarias que emporcalham tudo...<br />

Ai de vocês, se nos roubam o Espaço do Mundo do Futuro que é<br />

Nosso!<br />

Nós queremos o Ar a Água a Chuva o Sol o Espaço sem fim onde nos<br />

queremos encontrar... para nos encantar/mos...<br />

Mas que podem significar as <strong>lendas</strong> e histórias que gerações e<br />

gerações guardaram na memória e contam e recontam dos mais<br />

diversos modos?...Como vimos com a Bíblia e Zaroastro, a SERPENTE<br />

127


é a fonte e a causa de todo o mal, do sofrimento, da morte a que a<br />

humanidade está inexoravelmente condenada?... ou é simplesmente<br />

a origem e causa da sua emancipação e libertação arriscada e<br />

responsavelmente assumida ⎯ o risco de optar pela liberdade ⎯ que<br />

todas as democracias do mundo prometem e a que todo o ser<br />

humano aspira e teme no mais profundo do seu ser?...<br />

Isso são perguntas que ficam para sempre sem resposta, mesmo<br />

nesta escola de magos sábios e de fadas que se refugiam na clareira<br />

secreta escondida na floresta, e durante a noite infinita que é o dia<br />

espaço em que todos os sonhos se podem realizar, procuram<br />

descobrir os segredos da Natureza e da Natureza Humana que faz<br />

viver os povos e os lança nos caminhos do futuro à procura da<br />

liberdade e da felicidade...<br />

Mas embora nós não o saibamos, sempre revelaremos mais um<br />

segredo para os que têm ouvidos para ver e olhos para ouvir...<br />

E o segredo é este.<br />

É que entrar no mundo das <strong>lendas</strong> e dos contos não é para qualquer<br />

um. É só para os que são capazes de regressar ao Futuro. Isso.<br />

Exactamente o que dissemos. Entrar no Mundo das Lendas e dos<br />

Contos é um REGRESSO AO FUTURO...<br />

É um mergulho no tempo<br />

um mergulho nos Tempos<br />

um mergulho nas raízes<br />

uma procura do estado puro original<br />

numa tentativa encantada, sedutora, irresistível<br />

de o alcançarmos de novo no Futuro...<br />

É uma VIAGEM de encontrar um sentido para a vida<br />

um desejo insaciável ansioso<br />

de encontrar de novo um Tempo e um Espaço<br />

em que de Novo tudo pode acontecer de Novo...<br />

128


ENCONTRADO, CONTADO ENCANTADO!<br />

No meio das desilusões, contradições, condições e falsas ilusões da<br />

vida real que é um irreal dolorosamente real para uma grande<br />

multidão a quem todos os males acontecem em cadeia... apesar dos<br />

esforços... apesar dos desejos... apesar dos trabalhos... apesar da<br />

paciência infinita... apesar da esperança... apesar de todas as<br />

promessas dos que pretendem que podem prometer... há sempre<br />

uma multidão de desprotegidos, dos arredados da sorte que só no<br />

sonho encontram hipóteses de felicidade... que subitamente se perde<br />

ao acordar...<br />

Ora o segredo é este.<br />

O encontro com a MAGIA DAS <strong>LENDAS</strong> é ir ao encontro do sonho,<br />

mesmo sem dormir... mesmo sem ter necessidade de acordar...<br />

é fabricar o SONHO como um artista produz a sua obra perante a<br />

qual se detém embevecido...<br />

É VIAJAR PELO MUNDO ENCANTADO DAQUELE VELHO <strong>DE</strong> CORAÇÃO<br />

SIMPLES QUE ERA SEGADOR <strong>DE</strong> ERVA E VIVIA NUMA CABANA <strong>DE</strong><br />

BARRO DISTANTE <strong>DE</strong> QUALQUER CIDA<strong>DE</strong> LÁ NUM PAÍS LONGÍNQUO<br />

DOS REINOS DO ORIENTE E CONSEGUIA POUPAR MEIO DINHEIRO<br />

POR DIA DOS CINCO MEIOS DINHEIROS QUE GANHAVA VEN<strong>DE</strong>NDO<br />

A ERVA QUE CORTAVA NA SELVA PARA FORRAGENS <strong>DE</strong> CAVALOS E<br />

AO FIM <strong>DE</strong> MUITOS MUITOS ANOS CONSEGUIU SER DONO <strong>DE</strong> UM<br />

TESOURO QUE OFERECEU SEM SE DAR A CONHECER À MAIS BELA<br />

PRINCESA DA TERRA QUE SURPREENDIDA LHE AGRA<strong>DE</strong>CE COM<br />

OUTRO TESOURO AINDA MAIS VALIOSO QUE POR SUA VEZ ELE<br />

ENVIA AO PRÍNCIPE MAIS BELO E PO<strong>DE</strong>ROSO <strong>DE</strong> QUE OUVIRA FALAR<br />

E NUNCA VIRA... E QUE AFINAL SE TRANSFORMA NUM TESOURO<br />

129


INCALCULÁVEL CAPAZ <strong>DE</strong> FAZER ENCONTRAR / ENCANTAR<br />

PRÍNCIPES E PRINCESAS QUE CASAM... SÃO MUITO FELIZES... E...<br />

NO FIM <strong>DE</strong> MUITAS MUITAS VIAGENS... VIVEM TODOS... O VELHO<br />

SEGADOR <strong>DE</strong> ERVA <strong>DE</strong> CORAÇÃO SIMPLES, OS PRÍNCIPES E AS<br />

PRINCESAS... NUM PALÁCIO ENCANTADO... COMO É SEMPRE O DA<br />

MAGIA DAS <strong>LENDAS</strong>... E DOS CONTOS <strong>DE</strong> ENCANTAR.<br />

É NO FUNDO O QUE ESTE LIVRO PRETEN<strong>DE</strong> SER.<br />

A VOZ E A MÃO MILAGROSA DO GÉNIO DOS TEMPOS QUE,<br />

POUSANDO-SE SOBRE A VOSSA CABEÇA, VOS FAÇA <strong>DE</strong>SCOBRIR O<br />

VALOR IMENSO DO VOSSO TRABALHO HUMANO E DO AMOR, e cada<br />

um possa construir enfim... o SEU PALÁCIO ENCANTADO <strong>DE</strong><br />

ENCANTAR!!!<br />

130


... na impossibilidade de to enviar todo de uma vez,<br />

aqui te envio a primeira bolsinha do tesouro acumulado<br />

de migalhas guardadas durante anos e anos,<br />

pelo velho segador de erva de coração simples<br />

que fez felizes reis e princesas...<br />

Fico à espera, sem esperança de receber nada de troca,<br />

para no final receber tudo duma vez...<br />

Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais<br />

<strong>LENDAS</strong> com <strong>Touro</strong>s e <strong>Cobra</strong>s e <strong>outras</strong> <strong>Cobra</strong>s e <strong>Touro</strong>s ou Ícones ou<br />

Signos carregados de significado e de mistério.<br />

Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos<br />

ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos<br />

da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas<br />

suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!<br />

Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam<br />

encantados contas que muitas vezes nos escapam?<br />

131


132


<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong>...<br />

VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do<br />

MARAVILHOSO<br />

por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar<br />

133


img016 – a/s fonte/s…<br />

134


2ª PARTE A/S <strong>LENDAS</strong>/S DA<br />

FONTE MOURO<br />

Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais<br />

<strong>LENDAS</strong> com <strong>Touro</strong>s e <strong>Cobra</strong>s e <strong>outras</strong> <strong>Cobra</strong>s e <strong>Touro</strong>s ou Ícones ou<br />

Signos carregados de significado e de mistério.<br />

Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos<br />

ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos<br />

da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas<br />

suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!<br />

Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam<br />

encantados contas que muitas vezes nos escapam?<br />

135


136


2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO<br />

2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa, rescrita)<br />

2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um anónimo)<br />

137<br />

recolha de Manuel Joaquim Delgado<br />

in"Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231<br />

2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão)<br />

in “Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85<br />

2.04 - LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte,<br />

1º in “A Folha de Beja”, 10/01/1901<br />

2º, in “Jornal de Beja”, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986<br />

por intermédio do senhor Barbosa Bentes.


138


0.2.0 - Ligação entre as <strong>LENDAS</strong>…<br />

Mas por onde andará a COBRA encantada da lenda contada do<br />

TOURO e da COBRA?<br />

Onde se esconde ela? Mudou-se em estrela?<br />

Ou, andará encantada, algures escondida, pelos campos perdida,<br />

esperando o desENCANTO?<br />

Dizem... as pessoas que sabem: “... que há quem tenha visto, em<br />

noites de luar, a enorme serpente ir junto da fonte beber nela as<br />

longas saudades de Aldonça...”<br />

Dizem outros, que junto do MONTE DA COBRA, um dia se defrontou<br />

ela com um TOURO BRAVO...<br />

Que SERPENTE ENORME é essa?<br />

Que TOURO BRAVO se atreveu ela a defrontar?<br />

Onde é o MONTE DA COBRA?<br />

Onde é a FONTE MOURO?<br />

Quem é Aldonça, aquela que se transformou em fonte, e Atanásio, o<br />

que se transformou em cobra, na Lenda da Fonte Mouro?<br />

Dizem que a MOURA encantada pode lá aparecer sob a forma de bela<br />

mulher de longos cabelos doirados fiando em fuso de oiro fios de<br />

luar...<br />

139


... e que a COBRA pode ser vista, nas redondezas, em noites de lua<br />

cheia...<br />

...<br />

Desde a noite mágica dançada no largo da feira, os nossos ciganos<br />

andaram e cirandaram pelas ruas de Beja, por largos e praças, por<br />

campos e montes...<br />

Não lhe permitiam parar muito no mesmo local...<br />

Ditos de pilhagens e ciganagens, que muitos aproveitavam para<br />

fazer, caíam-lhe em cima… e eles lá seguiam pelos caminhos das<br />

Terras de Santa Maria e Todo o Mundo a querer dizer que Todo o<br />

Mundo é seu e nunca estão no seu Mundo e acolheram-se nas<br />

sombras da saída da cidade lá para os lados das ruínas do Carmo<br />

Velho depois de passarem a encruzilhada de S. Pedro... onde havia<br />

uma FONTE de água fresca e abundante a correr generosamente pelo<br />

valado...<br />

FONTE MOURO, FONTE MOURO<br />

O QUE TEM A TUA ÁGUA?<br />

DIZEM P'RAÍ FONTE MOURO<br />

QUE ESCON<strong>DE</strong> UMA GRAN<strong>DE</strong> MÁGOA<br />

ESCON<strong>DE</strong> UMA GRAN<strong>DE</strong> MÁGOA<br />

DUM AMOR QUE FOI PROIBIDO:<br />

QUEM ME <strong>DE</strong>RA <strong>DE</strong>SSA ÁGUA!<br />

QUEM MO <strong>DE</strong>RA TER VIVIDO!<br />

140


SE POR MIM FOSSE VIVIDA,<br />

UMA PAIXÃO, ASSIM!?, TÃO VIVA<br />

TAMBÉM ME MUDAVA EM BICA<br />

QUE CORRESSE TODA A VIDA!<br />

OU ENTÃO MUDAVA EM COBRA<br />

P’RA BEBER EM FONTE VIVA<br />

QUE CORRESSE A TODA A HORA<br />

PARA ASSIM VALER A VIDA!<br />

Estavam, sem o saber, ao pé da FONTE MOURO, que muitas <strong>lendas</strong>,<br />

tinha, para contar...<br />

Mas eles que de noite ouviram ou viram ruídos de luta, movimentos<br />

difusos de alguém que rasteja, de algo que se agita... murmúrios da<br />

água que corre, que corre e que canta, que geme de prazer de ser<br />

bebida, encantada por sentir que mata a sede, uma sede profunda<br />

que não morre, insaciável, insaciada... ruídos confusos que no meio<br />

do pesadelo dos sonhos são de luta de morte... mas duma morte que<br />

não mata mas cria... que grita...<br />

... ao romper da manhã, encantados e despertos, vão ver que,<br />

durante a noite, ouviram ou viram os sonhos e os cantos e os contos<br />

que contam e cantam encantos... de cobras e de touros... de cristãos<br />

e de mouros... de gentes e bichos que povoaram esta terra... de<br />

tesouros escondidos envoltos em mistérios...<br />

Foram perguntar pelos montes perdidos por ali escondidos...<br />

⎯ ... Nós sempre temos ouvisto que isto aqui se chama o MONTE DA<br />

FONTE DA COBRA e isto aqui já era do meu avô e sempre aqui tenho<br />

vivido... mas aqui só temos água daquele poço que o meu avô abriu.<br />

A FONTE MOURO é além do outro lado da estrada seguindo pela<br />

141


azinhaga e fica mesmo ao pé do MONTE DA SERRA, e aqui deste<br />

lado, logo a seguir, é o MONTE DA COBRA, mas nós não sabemos<br />

donde vêm estes nomes, nem quem lhos pôs, não senhor... ⎯ isto<br />

contou o simpático casal de velhotes que habita o Monte da Fonte da<br />

<strong>Cobra</strong> ⎯ ...e ainda o ano passado arrancaram as laranjeiras que iam<br />

da fonte (a Fonte Mouro) até ao monte que lhe fica por cima e está<br />

em ruínas!, que aquilo é mesmo um desmazelo... e nem sei bem a<br />

quem é que aquilo agora pertence, porque parece que andam lá<br />

demandas com os herdeiros que eram uns Vilhenas...<br />

E foi assim que os nossos ciganos ficaram a saber alguma coisa, do<br />

muito que ali há para e n c a n t a r…<br />

... mas as <strong>lendas</strong> contam-se ou cantam-se! e as <strong>LENDAS</strong> contam ou<br />

cantam... que...<br />

142


2 - DUAS <strong>LENDAS</strong> DA FONTE<br />

MOURO<br />

01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa)<br />

02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um<br />

143<br />

anónimo)<br />

recolha de Manuel Joaquim Delgado<br />

in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231


144


2.01<br />

A LENDA DA FONTE MOURO<br />

2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa) recolha de<br />

145<br />

Manuel Joaquim Delgado<br />

in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231<br />

A Nordeste da cidade de Beja, a pouco mais de meia hora de<br />

caminho, a pé, ainda hoje há uma horta cuja fonte de boa água<br />

fresca corre de noite e de dia para um barranco. Chama-se da FONTE<br />

MOURO e junto dela passa um caminho vicinal.<br />

Diz-se que a dita horta fora outrora de abastado mouro de nome<br />

Albutassén, que havia de sua esposa Judith uma formosa e gentil<br />

filha chamada Aldonça.<br />

Pouco temente a Allah, Albutassén era rico mas muito avarento e<br />

mau. Porém, sua filha Aldonça, a antítese do pai, era bondosa,<br />

desprezava as riquezas e muito crente em Allah.<br />

Em idade de noivar e com tendências afectuosas, ela vivia recolhida<br />

em casa entregue a trabalhos domésticos e <strong>outras</strong> ocupações<br />

próprias da sua condição de jovem moira. Raro consentia seu pai que<br />

Aldonça se afastasse de casa a ir a alguma festa ou a assistir<br />

nalguma mesquita aos sagrados ritos e devoções em honra de Allah.<br />

Em todo este termo corria fama de seus excelentes dotes físicos e<br />

morais, o que mais atraía as atenções e curiosidades dos jovens<br />

cavaleiros que tinham a dita de contemplar tão excelsa como<br />

encantadora e formosa moira.<br />

Dada ao afecto amoroso, a bela Aldonça votava particular atenção a<br />

um jovem cristão de nome Atanásio que, embora pobre e de crença<br />

diferente da sua, possuía, contudo, excelentes dotes morais e de


carácter que faziam inveja a seus companheiros, alguns nobres e<br />

ricos cavaleiros.<br />

Sabendo das tendências amorosas da filha, Albutassén mais ainda a<br />

contrariava e, raro, consentia que ela saísse da horta onde vivia,<br />

triste e contrafeita, entregue às suas chorosas penas.<br />

Um dia pensou o jovem moço Atanásio raptar a mulher de seus<br />

sonhos e encantos mais caros, visto de outro modo ser-lhe impossível<br />

possuir aquela que tanto amava. E, numa noite clara de Agosto, em<br />

que a lua estendia sobre a terra seu manto de luz, o moço cavaleiro,<br />

montado em seu ginete fogoso, dirige-se à horta onde já o esperava,<br />

impaciente e nervosa, a formosa Aldonça. Os olhos dela eram as<br />

noites negras estreladas, e o seu cabelo em ondas como as do mar,<br />

tinham a cor do azeviche.<br />

Ao ver o seu bem amado, trasbordante de alegria, mas nervosa, a<br />

jovem moira ajoelha, volve ao céu o doce olhar e, numa prece<br />

fervorosa e breve, pede a Allah misericórdia e perdão do seu plano de<br />

fuga. Passaram-se alguns segundos. Junto de si chegou o moço<br />

cristão que a arrebatou e, sentando-a na sela, à sua frente, corre<br />

veloz no fogoso ginete.<br />

Allah, que sabe dos desígnios dos homens, não podia consentir na<br />

fusão de duas crenças diferentes. Não favoreceu, por isso, ao cristão<br />

a sua amorosa aventura e nem à jovem amada a felicidade que tanto<br />

desejava. Então, com o seu poder divino, fez que o cristão se<br />

mudasse em serpente, e ela, Aldonça, se transformasse numa fonte<br />

de água cristalina.<br />

146


img017 – a fonte e a cobra…<br />

“...há, quem tenha visto, em noites de luar, a enorme serpente ir, junto da fonte,<br />

beber nela, as longas saudades de Aldonça...” p. 139<br />

147


148


É assim que o incansável e persistente professor Manuel Joaquim<br />

Delgado nos conta a Lenda da FONTE MOURO, num livro que intitulou<br />

"A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo” e assim a registou para<br />

a posteridade nas páginas duzentas e trinta e duzentas e trinta e<br />

uma...<br />

... <strong>lendas</strong> de moiros e cristãos que não podiam casar porque o grande<br />

Allah não podia consentir na fusão de duas crenças diferentes!!!<br />

fizeram brilhar na noite os olhos dos ciganos... ele o cigano Castanho<br />

a ver-se transformado em enorme serpente que ardente de sede<br />

buscava nas sombras do barranco a água fresca e cristalina que para<br />

lá corre de noite e de dia incessantemente para o saciar... em que se<br />

tinha transformado a bela cigana Mariana...<br />

Mas não, não era verdade. Eles eram da mesma crença e da mesma<br />

raça e isto eram sonhos de encantar que lhes povoavam os sonos<br />

encantados que dormiam enlaçados, misturados, embevecidos numa<br />

felicidade que os fazia livres... e membros de uma religião universal<br />

que estava acima e para além destes ciúmes e desavenças de deuses<br />

antropomorfizados à medida dos preconceitos das multidões que os<br />

concebem...<br />

... mas havia ainda um velho ca(o)ntador, sentado ao luar, aquele<br />

luar luminoso das noites de Agosto que não deixa dormir de fresco<br />

que traz nas suas asas, a deixar adivinhar a brasa do dia que ameaça<br />

derreter estas terras do aquém Tejo..., sentado à porta do monte, o<br />

velho co(a)ntador, deixava correr, em versos de décimas, a lenda já<br />

velha, que lhe tinham contado dos lendários senhores que tinham<br />

vivido no Monte da <strong>Cobra</strong>, agora o “seu” monte, que não era seu!, e<br />

eram moiros e moiras que tinham plantado aquele laranjal que enchia<br />

ali o ar de perfumes esquisitos inebriantes de mistura com o feitiço<br />

da lua que brilhava lá no céu...<br />

149


⎯ Aquela mangana! a rir-se dos homens atarefados que só olham pró<br />

chão!!!.<br />

Mas o ca/ontador, com a sua viola de cordas de arame, cantava na<br />

aragem o canto da água que corria da Fonte do Mouro chamada, e...<br />

encantado como que em transe, exorcizando os sortilégios<br />

circundantes, cantava baixinho versos de redondilhas ondulantes que<br />

cavalgavam no dorso do vento como melodia de encantar:...<br />

150


2.02<br />

A LENDA DA FONTE MOURO<br />

2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um<br />

151<br />

anónimo)<br />

recolha de Manuel Joaquim Delgado<br />

in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231<br />

Na região transtagana,<br />

Perto da velha cidade<br />

De Pax-Julia romana<br />

Já muito velha de idade,<br />

Inda hoje há uma fonte<br />

D'água pura, cristalina,<br />

Que nasce num baixo monte,<br />

Nas faldas duma colina;<br />

muito fresca e afamada,<br />

A FONTE MOURO é chamada.<br />

É tradição, diz a lenda,<br />

Que a horta em que a fonte está<br />

Fora de um servo de Allah<br />

Que habitara esta vivenda.<br />

Era orgulhoso, abastado,<br />

Judith o nome da esposa,<br />

Ele Albutassén chamado,<br />

A filha Aldonça formosa.


Mais linda que a luz do dia,<br />

Outra assim não haveria.<br />

Em Deus Allah pouco crente<br />

Esse rico Albutassén<br />

Era mau pra toda a gente<br />

E avaro como ninguém.<br />

Aldonça, porém, bondosa,<br />

Mui afeita à piedade,<br />

Era em Allah temerosa,<br />

Dezoito Abris sua idade,<br />

Durante os quais recolhida<br />

Em casa, fazia vida.<br />

Raro, seu pai consentia<br />

Que ela daí se afastasse,<br />

E da horta não saía,<br />

Inda assim não demorasse...<br />

Corria na redondeza<br />

Fama de dons excelentes.<br />

0s seus dotes de beleza<br />

Eram sabidos das gentes;<br />

De Aldonça, a seus caros afectos<br />

Se opõe o pai nos projectos.<br />

Particular afeição<br />

A jovem moira votava,<br />

Não a moiro, mas a cristão;<br />

Sabendo-o, quem duvidava?<br />

Era pobre a condição<br />

Do amado cavaleiro,<br />

Nos dons morais o primeiro<br />

152


Lá da sua freguesia.<br />

Atanásio se chamava<br />

E todo o mundo o sabia.<br />

Pensou o moço rapaz<br />

Arrebatar a donzela<br />

A dona dos seus amores,<br />

E viver entre as flores<br />

Aonde quer que lhe apraz.<br />

Monta o ginete fogoso<br />

Numa noite de luar<br />

Do mês de Agosto calmoso,<br />

A correr a vai buscar;<br />

À sua espera já estava<br />

Aldonça que suspirava...<br />

Chegado à horta o cristão<br />

O precioso tesoiro,<br />

A quem tem tanta afeição,<br />

Quer levar para longe do moiro.<br />

À sua frente, na sela,<br />

Sentada, a jovem formosa,<br />

Vai segura, mas medrosa,<br />

Na boa esperança vai ela...<br />

Numa corrida seguia<br />

O ginete a toda a brida.<br />

Pelos desígnios sabidos<br />

Só de Allah que tudo manda,<br />

Dos homens desconhecidos,<br />

Torna o mal, o bem desanda.<br />

Allah consentir não pode<br />

153


Na fusão de duas crenças<br />

Diferentes, e logo acode<br />

A puni-los com sentenças,<br />

Transformando-os, de repente,<br />

Ela em fonte, ele, em serpente.<br />

Num fado eterno e fatal<br />

Dum amor contrariado,<br />

Até ao Juízo Final<br />

'Stá a moira e seu amado.<br />

⎯ Mas que sons são estes? Quem canta ao luar? Quem teima em<br />

cantar as <strong>lendas</strong> contadas que são de encantar com a lua a brilhar?!!!<br />

⎯ Autor desconhecido! Incógnito! Paternidade incognoscível!<br />

Anónimo! Valores da cultura tradicional que, constatam os senhores<br />

da cultura!, nascem da terra como a água das fontes sem ninguém os<br />

criar! Sem direitos de autor!!!<br />

Isto cismavam os jovens ciganos, ela a Mariana e ele o Castanho,<br />

cada um para si a pensar, sem nada mostrar das dúvidas e segredos<br />

secretos que julgavam sonhar e só para si guardar!!!<br />

Havia ainda porém, mais histórias para contar...<br />

... as histórias da FONTE MOURO ainda não tinham acabado, porque<br />

uma dona do tempo sem tempo nascida nos anos cinquenta e que só<br />

tinha sete anos quando a televisão nasceu e podia ameaçar vir<br />

roubar-lhe os tesouros sonhados escondidos em castelos<br />

semiderruídos onde viveram reis e rainhas príncipes e princesas...,<br />

tesouros bebidos da fonte que jorrava inesgotável dos avós e dos<br />

velhos lá da aldeia!... essa dona, de nome Fernanda Frazão que,<br />

154


como ela diz continuou a ter “à sua disposição todos os velhos e<br />

velhas do mundo, e os menos velhos também, para lhe encantarem<br />

os dias com tudo quanto é lenda e conto e história e<br />

maravilha.”...esta dona de tempos antigos, através dos “Amigos do<br />

Livro” editores pôs à nossa disposição seis belos volumes com as<br />

“<strong>LENDAS</strong> PORTUGUESAS” para que, perante o perigo da aculturação<br />

progressiva que os novos meios de comunicação permitem, os povos,<br />

cada povo não perca o enraizamento dos seus valores culturais, o<br />

que seria um empobrecimento drástico para eles e para a<br />

humanidade.<br />

... e foi assim, que naquela noite de brilhante e mágico luar de<br />

Agosto, o cigano Castanho e a cigana Mariana viram aparecer,<br />

recortada na luminosidade feérica daquela noite, a figura meio<br />

indefinida, mas real e sedutora de uma jovem avó, de nome Maria<br />

Fernanda, que eles não conheciam, a contar para encantar, a mesma<br />

história que talvez tenha lido ou ouvido ao velho professor Manuel<br />

Joaquim que por sua vez a ouvira cantar aos velhos cantadores e<br />

contadores de histórias aqui do Alentejo... e conta-a assim, da página<br />

oitenta e cinco a oitenta oito do quinto volume das Lendas<br />

Portuguesas:...<br />

155


156


2.03<br />

LENDA DA FONTE MOURO<br />

2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda<br />

157<br />

Frazão)<br />

in “Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85<br />

A nordeste de Beja, a pouco mais de meia hora de caminho da<br />

cidade, existe, ainda hoje, uma horta com uma fonte de água muito<br />

fresca correndo para um barranco.<br />

Já no tempo dos mouros ali existia a horta, mas incorporada na<br />

propriedade de Albutassén, o mouro mais rico da região. Ao lado da<br />

horta havia uma bela casa, grande e branca, de um só andar e<br />

parecida a uma prisão. De facto, era rodeada de um muro alto que<br />

tapava a habitação dos olhos curiosos.<br />

As poucas pessoas que tinham entrada na casa de Albutassén diziam<br />

que, para lá do portão de ferro que dava acesso à propriedade, havia<br />

um pátio sombreado de árvores de fruto. Ao penetrar na casa do<br />

mouro ficava-se imediatamente maravilhado com a enorme entrada,<br />

de chão de mármore branco e negro, e uma fontezinha em forma de<br />

taça donde brotava naturalmente, no Inverno, água quente e, no<br />

Verão, água fresca. O escoamento desta corrente fazia-se por um<br />

pequeno canal descoberto que levava directamente a um enorme<br />

tanque que ficava no jardim da parte detrás da casa.<br />

De cada lado desta imponente e fresca entrada ficavam os aposentos<br />

da família de Albutassén, que à boa maneira árabe tinha dentro de<br />

casa um nunca acabar de gente, desde irmãos e cunhados, a filhos e<br />

até primos. As mulheres da família, conforme mandava a Lei e o<br />

costume, em presença masculina mantinham a face tapada e só<br />

saíam de casa no momento do casamento. A este acto eram


totalmente alheias, pois que o enlace era negociado entre o<br />

pretendente e o chefe da família, neste caso Albutassén.<br />

Assim estava destinado acontecer a Aldonça, a única filha do mouro.<br />

Este, porém, muito cioso dela, como de tudo o resto que era<br />

propriedade sua, não mostrava pressa em tratar do casamento da<br />

filha. Preferia mantê-la consigo todo o tempo que lhe fosse possível,<br />

tanto mais que, rico como ele era, nunca lhe faltaria pretendente.<br />

De facto, muitos homens pretendiam aceder a Aldonça, que não<br />

conheciam, mas sabiam ser bonita, bondosa e muito crente de Alá,<br />

bem ao contrário de Albutassén. Mas Aldonça parecia não sair nunca,<br />

nem sequer para ir à mesquita rezar a Alá. Sua vida passava-a no<br />

remansoso jardim da casa do pai, entretendo os dias à sombra das<br />

laranjeiras, jogando xadrez, cantando ou ouvindo as velhas escravas<br />

contarem histórias, infindavelmente.<br />

Apesar de tudo isto, de toda esta prisão dourada, Albutassén<br />

descobriu que Aldonça estava tristemente apaixonada. 0 mouro não<br />

atinava como tal era possível no recato daquela casa. E o pior de<br />

tudo ⎯ descobriu-o depois ⎯ a paixão de Aldonça era nada menos<br />

que um cristão, Atanásio, chegado à região vindo sabe-se lá de onde!<br />

Redobrou Albutassén a vigilância. Ameaçou de morte os escravos que<br />

propiciassem os encontros, mas nunca descobriu de que modo se<br />

encontrava Aldonça com Atanásio.<br />

No terror em que vivia de seu pai, a rapariga começou a perder cores<br />

e apetite, a entristecer cada vez mais. Atanásio todos os dias a via<br />

mais pálida e tristonha, mas não conseguia resolver o caso. Depois<br />

de muito ponderar, decidiu acabar com aquela agonia mútua o mais<br />

depressa possível, e a única solução viável, ainda que perigosa,<br />

pareceu-lhe ser o rapto. Falou com Aldonça, que concordou com a<br />

solução, e combinaram a oportunidade.<br />

158


Assim, numa noite de Agosto, em que o luar inundava a perder de<br />

vista a planície alentejana, Atanásio chegou ao portal da horta onde<br />

já Aldonça o esperava, acocorada junto a um muro para se esconder<br />

na sombra. Ao ver chegar o amante encheu-se-lhe o coração de<br />

alegria e de gratidão por Alá. Ergueu os olhos ao céu numa muda<br />

oração de agradecimento pelo paraíso que antevia abrir-se-lhe e,<br />

nesse momento exacto, um estranho caso aconteceu: Aldonça<br />

transformou-se em fonte, Atanásio transmudou-se em serpente.<br />

Conta a lenda que a Alá não prazia esta união de diferentes religiões<br />

e, por isso, encantou para todo o sempre aquele par de namorados.<br />

Dizem as gentes da terra que em noites de luar, especialmente em<br />

Agosto, se vê muitas vezes a cobra bebendo naquela fonte as longas<br />

saudades de Aldonça.<br />

159


... ao ouvirem isto, o par de ciganos estreitaram-se mais ternamente<br />

no abraço em que estavam enlaçados e saciaram longamente as<br />

saudades e os medos que os perturbavam quase não acreditando na<br />

felicidade que lhes era concedida ao abrigo das leis e costumes e<br />

talvez dos interesses escondidos das religiões e dos senhores que<br />

mandavam na sociedade que eles se atreviam a invadir e a perturbar,<br />

correndo sempre de lado para lado na sua carroça que os levava de<br />

terra em terra de feira em feira de festa em festa percorrendo<br />

incansavelmente o imenso Alentejo sempre misterioso e sedutor, com<br />

mil segredos e tesouros para encontrar e contar, e de encantar...<br />

Ainda inconscientes semi-adormecidos na ânsia de matar a sede<br />

insaciável, eis que mais um cantador vinha da profundidade dos<br />

tempos, cantar com as suas oitavas de decassílabos quase épicos:<br />

a LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - a fonte da moura...<br />

O certo é que aos dezassete do mês de Novembro do ano de mil e<br />

novecentos, quando o século vinte estava mesmo no alvorecer,<br />

conta-se que o poeta Edmundo Belfonte concebeu os seus versos<br />

heróicos de oitavas, com musicalidade, ritmo e rima de “Os<br />

Lusíadas”, tentando cantar, com a “FONTE MOURA”, a epopeia da<br />

cidade de Beja e da Planície sem limites para o Sul...<br />

Apareceu publicada pela primeira vez no jornal “A FOLHA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>”<br />

N° 419, Ano IX, de 10 de Janeiro de 1901, que tinha como editor<br />

João Valente Beck, mas tinha tido como Director Político, José<br />

Mendes Lima e foi um jornal que sobreviveu até 1919 sob a<br />

orientação de Marques Mendes.<br />

Foi no “Jornal de Beja” de 17, 20 e 25 de Junho de 1986 que foi dada<br />

de novo a conhecer aos seus leitores, pela mão, julgamos nós, do<br />

amante enternecido pelas coisas da sua terra, o senhor Barbosa<br />

160


Bentes, neto do último director daquele jornal e mais conhecido por<br />

“o Cheira Pedras” pelo ardor e pelo empenho que sempre pôs em<br />

procurar conhecer e dar a conhecer todos os sinais que podem ajudar<br />

a ler a história e as raízes deste povo...<br />

Mas, ciganos que somos, sempre a deambular, e assim que vamos<br />

encontrar o par amoroso ⎯ o cigano Castanho e a cigana Mariana,<br />

sentados ao fresco da fonte, depois de saciados, ouvindo o poeta de<br />

novecentos...<br />

161


162


LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA<br />

2.04 - LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA, por<br />

163<br />

Edmundo Belfonte,<br />

1º in “A Folha de Beja”, 10/01/1901<br />

2º, in “Jornal de Beja”, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986<br />

Subindo à velha torre do castelo<br />

Erguida ao noroeste da cidade<br />

Desfruta o visitante um quadro belo<br />

Se do ano correr a mocidade,<br />

Verá da mãe Natureza o gran desvelo,<br />

Vestindo de verdura a imensidade<br />

por intermédio do senhor Barbosa Bentes.<br />

Das campinas, e, orlado a mal-me-queres,<br />

As messes bastas da cuidosa Ceres.<br />

Ao leve e fresco arfar da viração,<br />

Que corre pelo prado a suspirar,<br />

Exercendo sobre nós fascinação,<br />

Parece o campo, movediço mar.<br />

Enchendo-nos de gozo o coração,<br />

O doce panorama faz sonhar<br />

Co’um ser celestial, casto e gentil,<br />

Poder divino do ridente Abril.<br />

Planície sem limites para o Sul,<br />

Desdobra-se formosa, viridente,<br />

Por sob a vastidão da cúpula azul<br />

D'um belo e puro céu, sempre fulgente.<br />

Por entre o flóreo manto de taful<br />

E gracil Primavera permanente,


A música das aves, e defronte,<br />

Em linha sinuosa, o horizonte.<br />

Olhando agora desde o norte a leste,<br />

Um campo acidentado se descobre (Serra do Mendro)<br />

Vestindo um manto muito mais agreste;<br />

Porém a flora tem par'cer mais nobre.<br />

O flóreo manto, que neste campo veste<br />

Segredos da Natura mãe encobre;<br />

São ledas aves descantando amores,<br />

São frescas fontes e mimosas flores.<br />

Desçamos à planura a ver agora<br />

Um tanto mais perto a Natureza,<br />

Após um pouco do nascer da Aurora,<br />

Saindo aos prados da gentil beleza.<br />

Primeiro comecemos pela flora<br />

Do Norte a Leste, que dará surpresa<br />

Num célico conjunto d'harmonia,<br />

Enchendo o peito d'alegria.<br />

Aqui cristais destila a Fonte Santa, (Água medicinal)<br />

Oculta ⎯ estando junto à férrea via;<br />

Um tanto mais abaixo alegre canta<br />

Gentil donzela, que ao amor envia<br />

Queixumes ternos com que o moço encanta,<br />

Qu’aos doces cantes com prazer se alia.<br />

Num tanque mais a leste há lavadeiras (Pelame)<br />

Lavando sob o olor das laranjeiras.<br />

Além no cimo da vertente o Santo,<br />

Que às almas justas dá no céu entrada,<br />

164


Olha as campinas de florente manto<br />

E escuta atento pastoril balada.<br />

Ao lado a Borja, com pomar d'encanto (Horta do Borges)<br />

Sentada à beira de escabrosa estrada<br />

E além d'um ribeirinho com decência (Barranco do Rabelo)<br />

A quinta apelidada Consciência.<br />

Mais longe, no planalto d'um outeiro,<br />

Contempla as graças do surgir do Sol<br />

A Senhora das Neves que primeiro<br />

Descobre a luz purpúrea do arrebol.<br />

E neste campo florestal inteiro<br />

Hinos d'amor repica o rouxinol,<br />

Enchendo os peitos d'eternal magia,<br />

Quer seja noite ou brilhe o claro dia.<br />

Voltemos para o Norte. O Carmo Velho<br />

Ou antes as históricas ruínas,<br />

Convento onde do célico Evangelho<br />

O povo ouviu as práticas divinas,<br />

Onde a caridade, o são conselho<br />

Aos homens ensinou Santas doutrinas,<br />

Com suas largas derrocadas portas<br />

Domina pequeninas, várias hortas.<br />

Detrás, a curtíssima distância,<br />

Envolta em flores que a luz bela doura<br />

Num paraíso d'ideal fragrância<br />

Oculta-se a gentil FONTE DA MOURA,<br />

(falham 2 v. já na 1ª ed.)<br />

Onde dizem, divinal princesa<br />

165


Mourisca, foi esconder sua beleza.<br />

Versão lendária, mas que prende e agrada<br />

Contava-me em pequeno minha avó:<br />

⎯ Meu filho; nesta fonte transformada<br />

Em cobra, uma princesa sobre o pó<br />

Se arrasta, começava, que encantada<br />

Há muito tempo está. Isto é um dó.<br />

Já muita gente viu a pobre cobra,<br />

Que, súbito fugindo se desdobra.<br />

Malvada gente que no mal só pensa,<br />

A cobra procurando em seus retiros,<br />

As armas vis lh'aponta, sem detença,<br />

Mandando à triste venenosos tiros!<br />

Mas ela estando a fado estranho apensa<br />

Sem dano se retira, entre suspiros,<br />

Sumindo-se instantânea, prontamente<br />

Aos olhos desta tão malvada gente.<br />

Um dia uma formosa rapariga<br />

Vivendo com seus pais n'um pobre monte,<br />

Que perto ali ficava, e era amiga<br />

D'a horas altas ir beber à fonte,<br />

Fiando o fuso setinosa estriga,<br />

Angélica deidade viu de fronte<br />

Da ubérrima, cristalina origem<br />

Que fora do Empyrio etérea virgem.<br />

A tímida donzela receosa<br />

Passando perto as boas noites deu,<br />

Notando que a deidade suspeitosa,<br />

166


Que súbito a tal hora lh'apareceu,<br />

Tinha na frente, linda e cobiçosa<br />

Uma condeça, que hábil mão teceu,<br />

Contendo largas e mimosas passas,<br />

D’aquelas que em tal tempo eram escassas.<br />

A estranha criatura respondendo,<br />

Ao cumprimento da gentil donzela,<br />

Lhe disse, seu trabalho suspendendo:<br />

“Feliz te faça Deus, criança bela.<br />

Não queres passas, filha? Tira, querendo."<br />

A jovem se aproxima com cautela,<br />

Tirando quatro passas a tremer<br />

“Não tiras mais? Pesar haveis de ter..."<br />

Agradecendo se retira a jovem<br />

De susto e medo muito atormentada;<br />

Em breve, cantos d'alma que comovem<br />

Ouviu, apenas alcançou a estrada,<br />

São cantos que apesar do medo, a move<br />

Para ouvi-los, fazer ali parada;<br />

Julgou ouvir voz dum Serafim,<br />

Que tristes mágoas declinou assim:<br />

Oh Silvanea, oh Silvanea<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Há-de vir o fim do mundo<br />

E Silvanea aqui postada!<br />

Pobre flor da Murinea<br />

N'este vale abandonada<br />

Por um Pai que te adorava<br />

167


Oh Silvanea desgraçada!<br />

Sempre entregue a negro olvido,<br />

Em cobra vil transformada<br />

Chegarás ao fim do mundo<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Nem no inferno profundo<br />

Tu terás, Silvanea entrada,<br />

Pois que a lei dos teus deixaste<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Por seres do jovem Cristão<br />

Terna flor idolatrada<br />

Te votou a eterna dor<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Mal dizendo o teu amor<br />

Te deixou escravizada<br />

Dum poder desconhecido<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Verás bela a flor na haste,<br />

Pouco depois desfolhada,<br />

Isto por anos sem conto<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Teu sofrer não tem desconto<br />

Tuas mágoas não são nada<br />

Para a demência paterna<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

168


Fica entregue à dor eterna,<br />

Com teu pranto malfadado,<br />

Alimentando esta fonte,<br />

Oh Silvanea desgraçada!<br />

Cessou da moura o cântico sentido<br />

Sucedendo-lhe então fremente pranto<br />

Profundos ais de queixas mil seguido<br />

Que os ecos da campina acorda em espanto!<br />

Dizia minha avó, que após o encanto,<br />

Cessou da moura o cântico sentido<br />

Sucedendo-lhe então fremente pranto<br />

Profundos ais de queixas mil seguido<br />

Que os ecos da campina acorda em espanto!<br />

Dizia minha avó, que após o encanto,<br />

Muitos séculos tinham decorrido,<br />

E que esta moura só se põe vista<br />

Na festejada noite do Baptista.<br />

Opresso o peito, alucinada a mente<br />

E as pernas mal sustendo o débil busto,<br />

A casa corre atarantadamente<br />

Mordida a moça por crescente susto,<br />

Entrando em casa cai redondamente...<br />

Mas corre a socorrê-la irmão robusto,<br />

Que o pulso possuía duro e forte,<br />

Esbelto o talhe e donairoso o porte.<br />

169


Voltando à natural serenidade,<br />

Narrou a jovem, detalhadamente<br />

O caso estranho, baixo, à puridade,<br />

Temendo ouvi-la qualquer outra gente.<br />

A dar prova de cabal verdade,<br />

Notou que as passas milagrosamente<br />

Se tinham transformado em peças d’ouro<br />

Brilhando como um fúlgido tesouro!<br />

Beja, 17.11.1900<br />

Edmundo Belfonte (in "A Folha de Beja", 10 de Janeiro de 1901)<br />

170


img018 – a moura encantada em fonte e a tímida donzela<br />

A tímida donzela receosa<br />

Passando perto as boas noites deu,...p. 165<br />

171


172


Sentados ali à beira da fonte que sai duma mina e corre para um<br />

barranco que atravessa uma azinhaga, foi assim que a cigana<br />

Mariana e Cigano Castanho ouviram o épico arrojado cantar as <strong>lendas</strong><br />

que a avó misturava da bela moura Aldonça que passa a Silvanea<br />

desgraçada e aparece a uma formosa rapariga, amiga de a altas<br />

horas ir beber à Fonte e fica com quatro passas transformadas em<br />

ouro, fúlgido tesouro, que fica a testemunhar a verdade de toda esta<br />

fantasia...!!!<br />

Era a avó que misturava as <strong>lendas</strong>? De Aldonça e Alfátima lá nos<br />

Hermíneos tão perto e tão distantes, se contam <strong>lendas</strong> semelhantes,<br />

como a da Moura Encantada do caminho de Mértola...!!! Era a avó ou<br />

vate que sonhava e de tanto sonhar as misturava?!!!<br />

Ali postados, deslumbrados, os ciganos nada puderam confirmar.<br />

Era no luar de Agosto. Não tiveram pois oportunidade de ver a<br />

aparição da cobra aparecer na meia-noite do dia de São João!<br />

⎯ Num outro ano havemos de cá vir, sem ninguém nos ver, na noite<br />

de 23 para 24 de Junho... ⎯ Prometeram!<br />

173


174


0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS<br />

CAVADAS<br />

Mas os ciganos, mesmo apaixonados como o par jovem que nos leva<br />

a correr pelo Mundo da Fantasia e do Maravilhoso, não vivem só da<br />

água das fontes... deram conta que precisavam de comer, e como<br />

eles, também os animais que puxavam as carroças e os<br />

acompanhavam nas suas andanças... Correram os montes por palha<br />

mas o ano não tinha sido lá muito bom... A primavera não tinha sido<br />

luminosa como os mais anos... e umas chuvadas já no mês de Junho<br />

tinham derrubado as searas e atrasaram as ceifas que só podiam ser<br />

magras, e o mais do grão a rebentar com a humidade e o calor, e a<br />

palha estava a apodrecer...<br />

⎯... Só lá p’rás herdades fartas é que se pode esgravatar alguma<br />

coisa do que sobra aos que têm a mais... ⎯ sentenciou o velho<br />

cigano sentado nas pernas dobradas como os budas do oriente e<br />

enrolando o tabaco na mortalha que não dispensava...<br />

⎯ É abalarem lá para as bandas da Almocreva que dali nunca<br />

arredou pobre de pedir sem ser aviado!...<br />

⎯ ... A palavra do velho é Lei e ainda por cima ele sabe o que diz<br />

sem dali arredar pé... e o mais, nós não temos mais aqui o que<br />

procurar...<br />

Vamos assim ver os ciganos abalar azinhagas fora ao redor dos<br />

montes que ladeiam o Carmo Velho, meter à circular e seguir os<br />

caminhos do Monte da Almocreva onde as sobras dos imensos<br />

telheiros que abrigavam os fardos davam para fartar e ainda<br />

sobrava...<br />

175


Satisfeitos e servidos, vamos encontrar o par de ciganos acampados<br />

junto à FONTE DAS CAVADAS que ao outro dia logo chegarão os<br />

outros com a erva e a palha que arranjaram pelo caminho...<br />

⎯ E a noite é toda nossa, ⎯ gemeu a cigana Mariana ao ouvido do<br />

cigano Castanho!<br />

E era. Mas não era.<br />

Depois de matarem a sede na água fresca e abundante que ali corre<br />

e sempre correu por duas bicas de água sempre abundante duma<br />

grossura maior que os pulsos fortes dum homem do campo cavador<br />

de enxada e corre farta e livre tanto de verão como de Inverno e que<br />

de verão ainda é mais fresca que de Inverno... os nossos ciganos<br />

recolheram para passarem a noite no seu palácio encantado que era<br />

em cima da palha por baixo da carroça...<br />

Ele não há fonte como a das Cavadas!... Só nos anos da seca é que a<br />

cortaram uns tempos para reforçar o abastecimento da água à cidade<br />

mas quando veio a água do Roxo amanharam-na outra vez como<br />

houvera de ser e ali corre ela generosa e perdulária a perder-se pela<br />

valeira que ia encher o lavadouro e regar as hortas da quinta da<br />

Faleira que faziam a abastança de tudo o que era verde no mercado<br />

de Beja... isto nos anos em que aquilo tudo ali eram hortas...<br />

Agora!!! perde-se por aí que é uma dor de alma... Uma água como<br />

não há outra! ...que é muito melhor do que essa que vendem pr'aí<br />

em garrafões... uma água que até é boa prós doentes e prós bebés...<br />

É ver a quantidade de gente que, ainda agora, que já há água<br />

canalizada nas casas do Penedro, vem aí com as bilhas metidas nas<br />

rodelas dos carrinhos de mão que durante anos e anos foram a<br />

canalização das casas deste povo todo... e os que já não têm esses<br />

carrinhos, vêm com garrafões e depósitos, e vem gente da cidade e<br />

doutros lados até de carro para beberem desta água que não há<br />

176


outra igual... Mal há-de ser se vão ter de a cortar outra vez para a<br />

misturarem com a outra água que vai para os depósitos e depois é<br />

tratada e distribuída pelas casas... Mal há-de ser se nos tiram tudo o<br />

que é são e autêntico como esta água que sai pura e verdadeira do<br />

ventre da terra...<br />

É que aquela noite era noite de luar e os nossos ciganos custavam a<br />

adormecer. E como lhes custava a adormecer no meio do seu enleio<br />

ouviram vozes que vinham lá dos lados da fonte e pareciam ser de<br />

muita gente reunida... Aguçados pela curiosidade rastejaram do seu<br />

esconderijo ali escondido a céu aberto e puseram-se a espreitar... O<br />

que haviam de ver?<br />

Naquela noite os MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA<br />

tinham precisamente escolhido a FONTE DAS CAVADAS para a sua<br />

reunião de sábios que desvendam os mistérios do Universo e da<br />

Natureza Humana e ali estavam reunidos em grupos de magos e<br />

fadas espalhados pelas mesas e pelos bancos e pelo muro baixo que<br />

rodeia a cúpula branca que protege as bicas da fonte e forma sobre<br />

elas como que uma caverna fresca por onde, quem sabe, se pode<br />

entrar no Mundo das Mil e Uma noites?...<br />

Eram então eles que contavam aquelas coisas sobre aquela fonte e<br />

dizia-se que diziam muitas coisas mais?!!!...<br />

Mal vai aos seres humanos se lhes tiram tudo o que é são e autêntico<br />

como esta água pura e verdadeira que aqui sai do ventre da terra<br />

para lha darem depois de misturada e tratada com produtos e<br />

purificada, dizem eles, porque por este andar vão dizer que só são<br />

bons para as pessoas os produtos de plástico misturados e<br />

modificados e tantas vezes conspurcados que em vez de alimentarem<br />

andam para aí a matar a gente aos bocadinhos como fazem com os<br />

177


insecticidas que tudo vão envenenando até o que eles comem e<br />

bebem... Pobre humanidade se não for capaz de salvar algumas<br />

fontes de água viva para poderem matar a sede verdadeira!<br />

Pobres deles se secam todas as fontes como as que têm ainda, de<br />

poesia e canto e <strong>lendas</strong> e contos e tradições populares para<br />

alimentarem os seus sonhos de felicidade e liberdade... e de vida!!!<br />

Pobres deles quando se convencem que, para conseguirem a<br />

felicidade, tem de conseguir que tudo seja igual, fabricado em série,<br />

tudo a obedecer ao mesmo modelo... quando se vestirem todos da<br />

mesma maneira, quando todos forem iguais, quando todos pensarem<br />

da mesma maneira!... Pobres loucos que não sabem o que querem! E<br />

o perigo das doutrinas religiosas e políticas e ideias pessoais quando<br />

se convencem até que o ano seria ideal sem as quatro estações, que<br />

seria melhor haver só dia ou só a noite, ou só a luz ou só a sombra,<br />

só o bem ou só o mal...<br />

e não dão conta, coitados!, que se tivessem isso, teriam o tédio a<br />

morte... o caos que não gera a vida se fossem esses loucos a criar a<br />

humanidade... Que seria do Universo se não houvesse o estímulo<br />

criador da diferença do calor e do frio do peso e da imponderabilidade<br />

da luz e das trevas como diz Milan Kundera, Hubert Reeves e<br />

outros... e da energia sublime das milhares de variações existentes<br />

entre os pólos negativo e positivo em que muitos querem dividir a<br />

Humanidade como a Morte e a Vida e o Bem e o Mal ?!<br />

178


img019 – a fonte das cavadas… uma visão naif…<br />

...hoje estamos aqui reunidos à volta desta fonte que rebenta em duas bicas cheias<br />

de impulso e de força duma mina cavada nas entranhas da terra... p. 181<br />

179


180


⎯ O certo é que, caros comagos e cofadas, ⎯ ouviram às tantas falar<br />

os ciganos escondidos ao luar ⎯ hoje, estamos aqui reunidos à volta<br />

desta fonte que rebenta em duas bicas cheias de impulso e de força<br />

duma mina cavada nas entranhas da terra que com duas golfadas<br />

enche o pequeno poço ali cavado e protegido e depois se perde pela<br />

regueira cavada em sulco por esses campos e ribeiros e vai<br />

fertilizando os terrenos, encher lagos e talvez desaguar no mar e<br />

voltar ao interior da terra transformada em chuva ou em neve para a<br />

tornar a fecundar e brotar de novo e tudo fazer renascer...<br />

Numa terra seca e deserta como esta imensa planície que chamaram<br />

Alentejo é a água que produz o milagre da vida e a falta de água é<br />

fonte de angústia desolação e de morte...<br />

Esta força da água a correr forte por estas duas bicas é música<br />

maravilhosa encantatória que as pessoas em grupos, sozinhos, aos<br />

pares, às escondidas... vêm ouvir para alimentar o seu sonho de<br />

fertilidade felicidade vida... É como a força sedutora da mulher, do<br />

feminino... é o signo da beleza e do bem da fantasia... é o sinal de<br />

que pode haver um mundo em que tudo, mesmo inacreditável, é<br />

possível, e todos os desejos podem ser realizados.<br />

Mas não é só esta fonte que existe.<br />

Tanto nesta como em muitas <strong>outras</strong>, há seres que vêm à procura dos<br />

seus sonhos de felicidade e é por isso que há, por todo o lado, a fonte<br />

dos namorados e as fontes de sete bicas... ⎯ e aqui, os nossos<br />

ciganos tiveram um sobressalto, ao lembrarem-se das numerosas<br />

fontes que tinham visto por todo o mundo que tinham corrido e das<br />

que tinham ouvido dizer que havia, isto contado pelo velho cigano<br />

que já tinha corrido muito mais mundo do que eles, e as tinha ou<br />

visto ou ouvido contar a outros velhos ciganos, que tinham corrido<br />

tudo o que era Mundo... ⎯ e em todas elas, de água fresca e<br />

cristalina, aparecia, nas noites de luar, uma princesa encantada, que<br />

181


seria uma bela moira ou uma bela adormecida ou uma princesa do<br />

oriente ou do ocidente ou índia ou dos países exóticos dos Andes ou<br />

das Ilhas, conforme a fantasia e os sonhos de cada um... e ali estão<br />

elas, encantadas, à espera dum milagre, dum feito heróico que<br />

desfaça o encanto!!!<br />

Vejam por exemplo o que acontece na FONTE MOURO. Uma fonte<br />

que fica além para Norte do outro lado da cidade mais ou menos à<br />

mesma distância que esta fica e onde na outra noite pernoitaram o<br />

par de namorados que são nossos convidados esta noite... !!! e eles<br />

que pensavam estar ali escondidos a assistir a uma reunião de seres<br />

nunca vistos e ouvidos... a cigana Mariana abriu muito o olhos e<br />

agarrou-se com força ao corpo do cigano Castanho que ainda os tinha<br />

mais abertos e morria de pavor... ⎯ Sim, eles pensam que nós<br />

somos seres como os outros que estão habituados a espiar e pilhar, e<br />

o certo é que somos, mas não somos bem como os outros porque a<br />

nós não é preciso iludir e enganar... Venham para aqui e sentem-se<br />

connosco para nos contarem o que viram e não viram e aqui sempre<br />

estão melhor gozando do fresco destas árvores e destes bancos e<br />

podem ficar inebriados pela música desta água refrescante que brota<br />

das entranhas da terra com uma vitalidade carregada de fecundidade<br />

e fertilidade...<br />

De manso, muito de mansinho... de mãos dadas um ao outro... o par<br />

de ciganos levantou-se... começou a caminhar... e como<br />

transportados nas asas da brisa suave que corria imperceptível...<br />

encontraram-se maravilhados no meio da assembleia dos magos e<br />

das fadas que tinham muitas coisas para contar... e semeavam,<br />

durante a noite, as sementes de todas as flores de todos os sonhos e<br />

desejos que depois durante o dia se haviam de tornar realidade e<br />

crescer e multiplicar-se à luz do sol...<br />

182


Como viram, explicaram então os sábios da clareira escondida na<br />

floresta depois de lhes terem dado a beber da água da fonte em<br />

transparentes taças de cristal que ali apareceram como por magia e<br />

eram, pura e simplesmente, cocharros talhados em cortiça ou a<br />

concha das mãos unidas como toda a gente pode beber, como viram<br />

lá na vossa FONTE MOURO que outros chamam a FONTE DA MOURA<br />

porque pensam que é mais claro e mais simples, mas esquecem ou<br />

querem esquecer que a fonte foi descoberta e mandada construir<br />

pelo mouro que consideram mau e terrível e esquecem muitas vezes<br />

que mesmo ao lado, não muito longe, fica o monte da FONTE DA<br />

COBRA e logo mais adiante o monte da COBRA que vão espreitar a<br />

medo e até lhe metem um MONTE da SERRA pelo meio para impedir<br />

que se juntem, sem perceberem coitados! que a magia da FONTE<br />

MOURO da encantada princesa perderia todo o sentido sem a ameaça<br />

terrível constantemente possível de aparecer por lá uma cobra<br />

sedenta a beber longamente as saudades de Aldonça... Há mesmo<br />

quem diga que caçadores espertos e experientes já tentaram tudo<br />

para matarem o monstro que aparece ali em noites de luar com todas<br />

as artimanhas laços armadilhas e tiros fatais... mas para sorte deles<br />

e da humanidade a <strong>Cobra</strong> esguia sempre sempre se esgueirou sem<br />

dano desaparecendo instantaneamente dos olhos cegos dos mortais<br />

para sempre aparecer de novo a beber a beber sem nunca se<br />

saciar...<br />

Chega por hoje, por esta noite que já vai bem alta, porque temos<br />

mais convidados para uma festa de despedida... e era certo. Ansiosos<br />

pelo calor da noite e intrigados pelas coisas misteriosas que se<br />

passavam no ar ao luar daquela noite, os pares de namorados da<br />

aldeia tinham-se levantado e com a desculpa aos pais que morriam<br />

de sede e iam buscar água para toda a família, pegaram no carrinho<br />

de uma roda com dois arcos e dois braços e com os potes vazios<br />

partiram a caminho da fonte onde, por pressentimento, sabiam que<br />

183


iam encontrar os seus amados. Não era novidade nenhuma isso, que<br />

já tinham aprendido desde os trovadores medievais que cantavam os<br />

encontros secretos dos amantes que todos acabavam por saber, mas<br />

o que não sabiam é que naquela noite, se iam encontrar em tão<br />

brilhante e encantatória assembleia... encantados de espanto de se<br />

verem todos misteriosamente descobertos nos seus secretos sonhos,<br />

em coro de magia de braço dado, fizeram uma grande roda à volta<br />

dos magos e do par de ciganos e todos em roda puseram-se a<br />

cantar...<br />

as canções das FONTES de todo o tempo e lugar...<br />

184


2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS<br />

CAVADAS<br />

185


186


...E no meio dos cantos e da festa, um par de namorados não se<br />

conteve e passou a co/antar a seguinte LENDA...<br />

2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão<br />

⎯... Todos vocês sabem que esta Fonte das Cavadas, serviu durante<br />

anos e anos o povo do Penedo Gordo, que inventou, para a<br />

transportar, um carrinho de mão prático e original, que entre a roda<br />

dianteira e as pegas para o guiar, se abria em dois arcos onde se<br />

podiam transportar duas bojudas bilhas de água que eram a água<br />

corrente das casas e a água que matava a sede à gente nos trabalhos<br />

do campo...<br />

Foi mandada construir pelo senhor Joaquim Filipe Fernandes, em<br />

1876, como lá está gravado na pedra por cima das bicas, e era o<br />

dono da Quinta da Faleira e das hortas que verdejavam por esta<br />

regueira e forneciam o mercado de Beja durante anos e anos...<br />

Olhando daqui para nascente e para o norte, podemos ver que<br />

estamos no vértice dum triângulo formado pelo castelo de Beja e<br />

pelos campos a perder de vista dos Condes da Boavista, Santa Clara<br />

do Louredo... Esta é a fonte que dava de beber aos que trabalhavam<br />

no monte da Almocreva... e tudo isto parece envolver um certo<br />

mistério e significado...<br />

Tudo isto, como se pode ver, é rodeado de férteis terrenos de cultivo,<br />

dos melhores barros vermelhos de Beja, do Alentejo...<br />

... Consta... Contaram-me... Ouvi dizer que havia por aqui um touro<br />

e uma serpente.<br />

A serpente, cobra, procurava delimitar o seu território de pasto, de<br />

comida, de sustento e de domínio... para si e para as cobras suas<br />

187


súbditas que viviam na sinuosa ribeira alimentada por um fio de água<br />

que ninguém sabia donde vinha...<br />

O touro, esse vivia nos fartos pastos circundantes que sustentavam<br />

numerosa manada de fecundas vacas leiteiras, o seu orgulho e<br />

harém...<br />

Consta então, que um dia se envolveram numa disputa por questões<br />

de água...<br />

O touro: que a serpente lhe roubava a água que fazia reverdecer os<br />

seus pastos...<br />

A cobra: que o touro era o culpado de lhe faltar a água no veio por<br />

onde ela se movimentava, porque os campos sequiosos ao redor,<br />

para se manterem verdes e lhe darem alimento e mais a todas as<br />

vacas, lha bebiam toda e a deixavam a míngua...<br />

...Decidiram-se então por uma luta. Uma luta que seria de morte...<br />

E... nessa noite, de lua resplandecente, quando a cobra se erguia no<br />

seu corpo enroscado para abraçar o seu inimigo e o apertar no seu<br />

abraço mortal...;<br />

e o touro investia já de cabeça a rojar quase o chão com os<br />

poderosos cornos apontados e levantava sucessivamente as patas<br />

dianteiras para esmagar o réptil repelente, eis que se produziu o<br />

encanto...<br />

...Nessa altura, o rei dos animais?, a Lua?, o Sol?, alguma Estrela?,...<br />

interveio... paralisou-os e disse:<br />

⎯ Vós que disputais por causa da água... ides transformar-vos em<br />

fonte... tu, touro ficarás uma bica mais grossa e poderosa... e tu,<br />

cobra, uma bica mais fina de água sempre corrente e forte que será<br />

fresca e deliciosa no verão e quente e reconfortante no inverno... e<br />

sempre separados e sempre misturados, ambos cavareis uma ribeira<br />

CAVADA serpenteando e fertilizando todos estes campos e matando a<br />

sede a todos os viandantes que vão demandar estas paragens, no<br />

188


meio deste Alentejo quente e tórrido... e isto para sempre... assim<br />

disse a fada!<br />

... e foi assim que nasceu, talvez, a LENDA DA FONTE DAS<br />

CAVADAS...<br />

189


190


...Mas a namorada disse: Eu sei outra versão!... e timidamente,<br />

começou a contar assim:<br />

2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão<br />

Conta uma lenda, de tempos muito antigos, parece que de mil mais<br />

mil anos, que correram incessantemente sobre a vida, que,<br />

ali, no vértice do triângulo que os barros vermelhos da Almocreva,<br />

Penedo Gordo, formam com o castelo de Beja ou com a casa da<br />

Torrinha que é o solar Almodôvar e o solar dos Condes da Boavista, a<br />

umas centenas de metros da sede do monte maior da Almocreva<br />

nome feminino de almocreve que não é comum usar no feminino e<br />

nos leva a supor que já em tempos muito antigos que se perderam<br />

na memória, teria havido uma mulher que suplantou os homens no<br />

ofício de organizar e conduzir as caravanas de bestas de carga, ali,<br />

muito perto da propriedade mais conhecida pelo número e qualidade<br />

de vacas leiteiras e de touros mais famosos da região...<br />

havia um lugar especialmente fresco e verdejante, farto em bons<br />

pastos para o gado, que era atravessado por um declive, uma valeira,<br />

entre terrenos, que aparentava ser mais fresco e verdejante e<br />

transmitia por assim dizer frescura e fecundidade aos campos e<br />

montes de ao redor que eram ponteados aqui e além por recantos de<br />

sombras raras no meio da campina abrasadora...<br />

e no meio desse pasto, pachorrento e distante, como se nada fosse<br />

com ele, havia um grande touro que dominava e protegia a maior e<br />

mais luzidia manada de vacas leiteiras que se espalhavam pelos<br />

imensos pastos abundantes e verdejantes e produziam leite em<br />

abundância que eram o alimento, a força e o sustento de toda a<br />

gente daquela esforçada e laboriosa região...<br />

passava por ali muito perto a larga e espaçosa canada por onde, nos<br />

períodos da transumância, corriam centenas e centenas de cabeças<br />

de gado guiados por experientes almocreves que conduziam as<br />

191


manadas com a ajuda dos seus maiorais em busca de pasto e de<br />

frescura, quando o calor tórrido ameaçava deixar à míngua o gado<br />

que era a razão de ser e o meio de subsistência de toda uma imensa<br />

e estranha região...<br />

a acompanhar essas manadas de gado e atraída pela magia do<br />

perfume do leite, uma grande cobra estendia a sua vigilante avidez<br />

por toda aquela zona fértil de bom pasto onde pastava a maior<br />

manada de vacas dominada e protegida pelo touro maior e mais<br />

poderoso que por ali jamais fora visto, grande e poderoso como um<br />

penedo...<br />

era insinuante e discreta a cobra que se esgueirava por entre as<br />

árvores e as ervas da valeira e atrevidamente atravessava fugaz e<br />

repentinamente os caminhos e valadas por onde transitavam a gente<br />

e os animais com suas caravanas de bestas de carga e carros de<br />

carga e carroças...<br />

o touro, pesado e pachorrento, circulava lenta e vagarosamente com<br />

a sua imensa manada pelos campos cercados de estacadas aramadas<br />

em ciclos regulares para aproveitar sempre os pastos tenros e<br />

renovados renascidos e alimentados pelas águas e pelo sol que<br />

também por si obedecem a ritmos renovados, e assim serpenteavam<br />

pelos campos fartos e abundantes prenhes de fartura e abundância<br />

ao sabor das estações...<br />

assim também a serpente circulava discreta e disfarçada de mil<br />

formas aspectos e disfarces habilmente insinuada por entre as ervas<br />

e riachos, veios de água veredas e caminhos...<br />

foi assim que, durante muito tempo, iludidos e disfarçados, viveram<br />

em aparente e desconfiada paz os inimigos inconciliáveis e<br />

dependentes que não podiam nem ver-se, nem viver um sem o<br />

outro...<br />

até que um dia...<br />

um dia, ali a uma centena de metros do vértice do triângulo<br />

equilátero que forma a Herdade da Almocreva com o Castelo de Beja<br />

192


ou a Torre do solar dos Almodôvar e o solar do Condes da Boavista ali<br />

para Santa Clara do Louredo... eis que um dia se encontram, se<br />

afrontam, se acusam mutua e violentamente...<br />

⎯ ah! és tu serpente maldita que em certas épocas do ano me<br />

roubas a água que fecunda os campos onde cresce a erva verde e<br />

abundante que sustenta a manada que dá o leite que é o sustento, o<br />

vigor e a força desta região e do seu povo?...<br />

⎯ ah!, és tu maldito, que com tua imensa manada me roubas todos<br />

os refúgios e me deixas a descoberto em todos os esconderijos em<br />

que me tento esconder!!!?<br />

⎯ ah! és tu serpente cobra que roubas o leite e mataste a vaca<br />

leiteira que alimentava o vitelo mais forte e prometedor de toda a<br />

manada?...<br />

⎯ ah! eras pois tu e o teu gado que me roubavam as poças de àgua<br />

dos regatos que me refrescavam e me permitiam ocultar da vista dos<br />

que me perseguem e querem matar...!?<br />

⎯ ah? eras tu que afugentavas e assustavas a manada que tantas<br />

vezes fugia atarantada e espavorida e não parava, irrequieta, sem<br />

poder comer....!?<br />

⎯ ah! eras tu... ... ...<br />

⎯ ah! eras tu... ... ...<br />

e assim, travando-se de razões, que não eram razões, ali se<br />

ergueram um contra o outro em desafio de luta de vida e de morte...<br />

era noite de lua cheia e a luz feiticeira iludia-os encantando-os...<br />

193


já a cobra se enrolava nos anéis que lhe serviam de apoio no chão e<br />

se arqueava para desferir o bote contra o touro monstro, que furioso<br />

investia com todo seu peso e o perigo das suas hastes pontiagudas<br />

de cornos arqueados...<br />

ela disposta a envolvê-lo nos seus mortais anéis... ele disposto a<br />

esmagar a serpente insidiosa e insinuante com todo o peso das suas<br />

patas devastadoras...<br />

foi nesse momento que o feitiço do luar os paralisou e os deixou<br />

estáticos, e a terra se abriu como se fosse uma benção ou uma<br />

maldição...<br />

⎯ Vós que dependeis um do outro e disputais ferozmente pela<br />

frescura das fontes e fecundidade da terra, permanecereis juntos e<br />

separados para sempre transformados em duas bicas de águas<br />

abundantes e imperecíveis que hão-de ser a fonte de frescura e<br />

abundância falada e afamada por toda a região...<br />

e vós viandantes e caminhantes que passardes e aqui vos vierdes<br />

dessedentar assim os conhecereis porque uma bica será grossa e<br />

forte como um touro e a outra será grossa e esguia como uma<br />

serpente insinuante e interminável e ambos nunca unidos<br />

inconciliáveis mas sempre juntos... separados mas misturados na sua<br />

força indomável correrão serpenteando pela terra até ao mar infindo<br />

e fecundarão a terra e acalmarão o fogo ardente desta região e assim<br />

se unirão dois inimigos irreconciliáveis que hão-de correr quentes no<br />

Inverno e frescos no verão para que assim do encontro dos contrários<br />

aparentemente irredutíveis nasça a fonte da vida imperecível...<br />

as pessoas da região, para a transportarem para as suas casas, hão-<br />

de inventar um carro de mão com uma cabeça que roda no chão<br />

sustentada por dois braços e com dois membros que se estendem<br />

para o poderem fazer rodar e, no seu corpo, que assenta ainda em<br />

194


dois pés para se poder parar, abrirão dois círculos em forma<br />

antropogamiamórfica que correrá todos os caminhos e levará a todas<br />

as casas a água, ou, por assim dizer, a própria fonte de água viva e<br />

vivificante...<br />

Assim, Fonte das Cavadas, a Fonte das Duas Bicas, a Fonte do <strong>Touro</strong><br />

e da <strong>Cobra</strong>, são bicas que nos remetem ao início da História e afinal<br />

ligam toda esta história.<br />

195


196


Dá-me uma gotinha d'água,<br />

Dessa que eu oiço correr;<br />

Entre pedras e pedrinhas,<br />

Alguma gota há-de haver...?<br />

Alguma gota há-de haver,<br />

Quero molhar a garganta;<br />

Quero cantar como a rola,<br />

Como a rola ninguém canta!<br />

Dá-me uma pinguinha d'água,<br />

Não ma dês pelo cucharro;<br />

Dá-ma pelas tuas mãos,<br />

Para ter sabor tão raro!<br />

Para ter sabor tão raro,<br />

É do trabalho no campo;<br />

Nós somos feitos de barro,<br />

E da terra é o meu canto!<br />

Dá-me uma pinguinha d'água,<br />

Dessa que oiço correr;<br />

Entre silvas e mentrastos<br />

Alguma pinga há-de haver.<br />

Dá-me uma gotinha d'água,<br />

Não ma dês pela tigela;<br />

Dá-ma pela tua boca,<br />

Que eu não tenho medo dela!<br />

Dá-me uma pinguinha d'água,<br />

Da boca faz uma bica;<br />

Quanto mais água me dás,<br />

Tanto mais sede me fica!<br />

0.2.2 - O CANTE DAS FONTES<br />

197<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Bebi tornei a beber;<br />

‘Stava o meu amor defronte,<br />

Regalei-me de o ver!<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Encontrei um ramo verde;<br />

Quem o perdeu tinha amores,<br />

Quem o achou tinha sede!<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Debaixo da flor da murta;<br />

Foi só p'ra ver os teus olhos,<br />

Que a sede no era muita?<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Achei um ramo de flores;<br />

Quem'no achou (perdeu) tinha sede,<br />

Quem’no perdeu (achou) tinha amores!<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Onde o rio desce, desce;<br />

Nem a água apaga a sede,<br />

Nem o meu amor me esquece!<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Debaixo da vide branca;<br />

Fui p'ra ver o meu amor,<br />

Que a sede não era tanta!<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Por baixo da folha verde;<br />

Encontrei o meu amor,<br />

Bebi água sem ter sede!


198<br />

Fui à fonte beber água,<br />

Em casca de belancia;<br />

Nem bebi, nem truxe augua,<br />

Nem falei com quem eu queria!<br />

... quando o grupo desatou a cantar Dá-me uma gotinha d'água...<br />

todos se lembraram de <strong>outras</strong> cantigas e <strong>outras</strong> quadras a cantarem<br />

as fontes, os encontros secretos, as demoras na fonte, as mentiras e<br />

disfarces, as esperas desesperadas dos namorados no caminho das<br />

fontes, as desculpas... os enredos... as más línguas... e todos à roda<br />

cantaram cantaram... e até os magos ciganos entraram no desafio...<br />

e às tantas, já não se sabia quais eram as quadras tradicionais e com<br />

direitos de autor já consagrados pelo tempo e nunca registados, e<br />

quais eram as improvisadas ali inventadas de novo, trocando,<br />

misturando e baralhando as palavras e as ideias...<br />

No Pened(r)o há uma fonte,<br />

D'água fresca e abundante;<br />

É das Cavadas, do monte,<br />

Mata a sede ao viandante!<br />

Há no mundo muitas fontes<br />

D'água pura, frescas águas;<br />

Mas a mais viva entre montes,<br />

É a água das Cavadas!<br />

Há poços e ricas veias,<br />

Água correndo nas casas;<br />

Mas para as gentes da aldeia,<br />

Água sã, só nas Cavadas!


Ela dá saúde aos mortos,<br />

Faz medrar na horta a couve;<br />

Não tem tratos desses tortos,<br />

Com'esta água, nunca houve!<br />

Com'esta água nunca houve,<br />

Com'as nossas tradições<br />

Se houver quem no-las roube,<br />

Vai passar consumissões!<br />

Vai passar consumissões,<br />

Porque as fontes não se matam;<br />

Aqueles que matam as fontes,<br />

Trazem a morte na alma!<br />

199


200


img020 – a fonte touro cobra e a figueira…<br />

Mal sabes quanto me alegro<br />

Quando te vejo defronte:<br />

É como quem morre de sede<br />

E põe a boca na fonte.<br />

in Cancioneiro Popular de J. Leite de Vasconcelos, Vol. I, p. 421.<br />

201


202


... No meio do entusiasmo, houve até quem se lembrasse das<br />

cantigas dos trovadores medievais como a de Pero Meogo (1253?-<br />

1269?), comparando-a com a adaptação de Natália Correia, 1970:<br />

(Levou-s'a louçana),<br />

Levou-se a velida;<br />

Vai lavar cabelos<br />

Na fontana fria,<br />

Leda dos amores,<br />

Dos amores leda.<br />

(Levou-s'a velida),<br />

Levou-s'a louçana;<br />

Vai lavar cabelos<br />

Na fria fontana,<br />

Leda dos amores,<br />

Dos amores leda.<br />

Vai lavar cabelos<br />

Na fontana fria;<br />

Passa seu amigo<br />

Que lhi ben queria,<br />

Leda dos amores,<br />

Dos amores leda.<br />

Vai lavar cabelos<br />

Na fria fontana,<br />

Passa seu amigo<br />

Que a muito ama,<br />

Leda dos amores,<br />

203<br />

A bela acordara<br />

Formosa se erguia;<br />

Lavar seus cabelos<br />

Vai, na fonte fria,<br />

Radiante de amores,<br />

De amores radiante.<br />

Formosa se erguia;<br />

A bela acordara;<br />

Lavar seus cabelos<br />

Vai, na fonte clara;<br />

Radiante de amores,<br />

De amores radiante.<br />

Lavar seus cabelos<br />

Vai, na fonte fria;<br />

Passa seu amigo<br />

Que muito queria,<br />

Radiante de amores,<br />

De amores, radiante.<br />

Lavar seus cabelos<br />

Vai, na fonte clara,<br />

Passa seu amigo<br />

Que muito a amava,<br />

Radiante de amores,


Dos amores leda.<br />

Passa seu amigo,<br />

Que lhe bem queria;<br />

O cervo do monte<br />

A augua volvia,<br />

Leda dos amores,<br />

Dos amores leda.<br />

Passa seu amigo,<br />

Que a muit'amava;<br />

O cervo do monte<br />

Volvia a augua,<br />

Leda dos amores,<br />

Dos amores leda.<br />

204<br />

De amores radiante.<br />

Passa seu amigo<br />

Que muito lhe queria;<br />

O cervo do monte<br />

A água volvia,<br />

Radiante de amores,<br />

De amores, radiante.<br />

Passa seu amigo,<br />

Que muito a amava;<br />

O cervo do monte<br />

Revolvia a água,<br />

Radiante de amores,<br />

De amores, radiante.


2.3 - A LENDA DA PRINCESA<br />

ENCANTADA EM COBRA<br />

205


206


0.2.3 A perplexidade dos ciganos...<br />

As <strong>lendas</strong> da FONTE MOURO, com princesas transformadas em<br />

FONTE, A FONTE DA MOURA com o seu amado transformado em<br />

COBRA, ver o MONTE da FONTE DA COBRA e o MONTE DA COBRA,<br />

não podiam terminar, sem ver esta transfiguração d' A PRINCESA<br />

TRANSFORMADA EM COBRA.<br />

Foi contada por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo,<br />

freguesia de Santiago Maior, Beja, concelho e Distrito de Beja. Não<br />

temos o ano de quando foi recolhida, mas vem no I volume, com o<br />

N° 129, o último do II Ciclo: A BELA E O MONSTRO, dos CONTOS<br />

POPULARES E <strong>LENDAS</strong>, coligidos por José Leite de Vasconcelos e<br />

preparados para a publicação sob a coordenação de Alda da Silva<br />

Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR OR<strong>DE</strong>M DA<br />

UNIVERSIDA<strong>DE</strong>, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963.<br />

Quem já não percebia nada destes contos, <strong>lendas</strong> e interpretações,<br />

eram os nossos inseparáveis ciganos, o cigano Castanho e a cigana<br />

Mariana, que depois daquele encontro maravilhoso e inesperado com<br />

o fantástico nunca imaginado, pensavam que estavam dentro dos<br />

segredos dos contos e das <strong>lendas</strong> e dos signos e dos símbolos que<br />

eles traziam, quando, em vez de verem a princesa transformada em<br />

fonte, ouviram da tia Simplícia, ali do Penedo Gordo, de ao pé da<br />

Fonte das Cavadas, que foi mandada construir por Joaquim Filipe<br />

Fernandes no ano de 1876, como reza a placa de pedra que lá está<br />

por cima das duas bicas dentro daquela cúpula nascida do chão que a<br />

207


protege e guarda para os viandantes se abrigarem e refrescarem...,<br />

contar a lenda: A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA... Aí fica, como<br />

a transcrevemos da citada obra.<br />

208


2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por<br />

Simplícia Maria das Dores, do Penedo Gordo…<br />

…por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo, freguesia de Santiago Maior,<br />

Beja, concelho e Distrito de Beja In CONTOS POPULARES E <strong>LENDAS</strong>, coligidos por<br />

José Leite de Vasconcelos e preparados para a publicação sob a coordenação de<br />

Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR OR<strong>DE</strong>M DA<br />

UNIVERSIDA<strong>DE</strong>, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963<br />

Havia um moinho muito velho chamado da Torre. Diziam que<br />

apareciam lá medos e ninguém para lá queria ir habitar, até que foi<br />

para lá um moleiro mais a mulher morar; havia lá umas figueiras<br />

muito antigas. Debaixo das figueiras aparecia lá uma cobra muito<br />

grande com uns olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa.<br />

O homem e a mulher viam-na, nas não tinham medo, não se<br />

assustavam; até que uma manhã de S. João apareceu uma menina<br />

muito linda, com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de<br />

lume, chamando-lhe vizinha. A mulher assustada veio à porta ver<br />

quem era; perguntou-lhe onde é que estava, que vinha chamando-<br />

lhe vizinha. Onde ela disse à mulher que era vizinha, porque estava<br />

ali encantada na raiz da figueira, havia já uma quantidade de anos, e<br />

que saía naquele dia de S. João, porque o encantamento lhe dava<br />

ordem de sair; que vinha feita uma mulher, mas daquele dia em<br />

diante só ali vinha a aparecer, ou feita numa cobra ou num carneiro,<br />

ou num touro, que só assim naquela forma aparecia, e que podia<br />

assustá-los, à mulher e ao tal dito moleiro, mas não lhe podia falar,<br />

porque só aparecia assim feita bicho; o encanto não a deixava<br />

aparecer senão naquele dia de S. JOÃO. Onde a mulher do moleiro,<br />

muito assustada de ver uma menina tão linda, perguntou-lhe se não<br />

havia nada que de lá a pudesse tirar, donde ela estava encantada.<br />

Ela, com muito desejo de sair de lá para fora, disse para a mulher<br />

que podia, querendo, a desencantar de lá: levando ela a mulher<br />

209


dentro de um lindo palácio, que ela tinha debaixo da raiz da figueira,<br />

onde ela tinha a morada; chegou ela a levar lá a mulher do moleiro<br />

para mostrar a riqueza que tinha. A mulher, vendo aquela riqueza, e<br />

prometendo-lhe ela ficar rica, mais o marido, convenceu-se a querer<br />

desencantar a princesa.<br />

Onde a princesa jantou nesse dia com o moleiro e a mulher dele, e<br />

almoçou; e afinal muito contentes se encontravam a princesinha mais<br />

o moleiro e a mulher, onde combinaram da maneira que haveria de<br />

ser desencantada.<br />

A princesa dizia que era desencantada em três noites, caso a mulher<br />

do moleiro tivesse coragem de não se assustar com o que visse; que<br />

a princesa mandava pôr ao pé de uma serra de palha, que ela por<br />

pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um carneiro.<br />

Parece que vinha para lhe marrar, mas chegou ao pé dela com aquela<br />

fúria com que vinha e ficou feito na princesa; agradeceu-lhe por<br />

aquela noite.<br />

Depois na segunda noite veio feita num touro a berrar e a esgravatar,<br />

touro muito bravo; a mulher com muita coragem ameigou-o,<br />

levantou-o e o touro não lhe fez mal. Ficou outra vez a dita princesa<br />

falando com a mulher, agradecendo-lhe pela segunda noite. Dizendo-<br />

lhe a princesa para ela que na terceira noite, na última vez, é que era<br />

o mais perigo: vinha feita numa serpente e enrolava-se em volta da<br />

cintura e devia dar-lhe um beijo na face esquerda; que não se<br />

atemorizasse, que ela não lhe fazia mal. A mulher assustou-se,<br />

quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos<br />

olhos; ela apertou-a e matou-a, e ela disse-lhe: "Ah! Tirana, que me<br />

dobraste o meu encantamento". E ficou encantada por outra<br />

quantidade de anos.<br />

210


0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem<br />

não reunir...<br />

Assim ficou o encanto dobrado e o conto acabado...<br />

Desta vez os magos da clareira escondida na floresta já não reuniram<br />

mas foram pensando maduramente durante o enterro da pobre<br />

mulher do moleiro que por falta de coragem dobrou o encantamento<br />

da princesa e pagou com a vida quando descobriu que a serpente<br />

quando lhe foi para a beijar, ia para lhe tirar os santos olhos....<br />

Que mistérios e segredos se encontram encantados neste conto<br />

assim contado em que os medos do moinho da Torre faziam com que<br />

ninguém para lá quisesse ir morar, até que foi para lá um moleiro<br />

mais a mulher... Porquê tantas mutações?<br />

Primeiro cobra, depois menina, depois carneiro, depois touro, depois<br />

cobra?...<br />

Representará esta mistura de masculinos e femininos, e em contraste<br />

com a Lenda da Fonte Mouro em que e Atanásio que se transforma<br />

em cobra, o mito da ADROGENIA do Banquete de Platão, em que os<br />

seres humanos seriam hermafroditas e portanto sós, completos, e<br />

agora erram pelo mundo na procura desesperada do seu<br />

complemento que os realize, faça felizes e os torne criadores?... Ou<br />

esta Lenda da mulher corajosa que se atreve a enfrentar perigos<br />

terríveis para quebrar tabus e encantamentos seculares, serão um<br />

aviso por exemplo solidez da FAMÍLIA TRADICIONAL que só<br />

sobrevive, devido ao mito da FI<strong>DE</strong>LIDA<strong>DE</strong> CONJUGAL!?<br />

Ora como esta sociedade está impregnada por uma mentalidade<br />

machista, falocrática e falocêntrica, parece ser comummente aceite<br />

que A FAMÍLIA TRADICIONAL poderá porventura subsistir se a<br />

INFI<strong>DE</strong>LIDA<strong>DE</strong> FOR DO HOMEM, e sobretudo se for conveniente e<br />

211


hipocritamente disfarçada por ser tolerada, mas tudo ruirá e se<br />

desmorona em derrocada se a INFI<strong>DE</strong>LIDA<strong>DE</strong> FOR DA MULHER por se<br />

tornar SOCIALMENTE INSUSTENTÁVEL... É ver os filmes, os casos<br />

conhecidos de divórcios, e a INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de<br />

Milan Kundera, em que Teresa arrasta Tomás, se revolta com as suas<br />

infidelidades, mas sustenta o insustentável até se perderem no<br />

isolamento completo...<br />

Mas vejamos melhor a lenda!<br />

Ao princípio, nada de medos. “Havia lá umas figueiras muito antigas”.<br />

Debaixo das figueiras aparecia lá uma COBRA muito grande com uns<br />

olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa. O homem e a<br />

mulher viam-na, mas não tinham medo, não se assustavam...”<br />

Um casal isolado, a lidar todo o dia no trabalho do moinho, convive<br />

com a natureza que o rodeia como Adão e Eva no paraíso e nem da<br />

cobra tinham medo, pois até tinha os olhos ramudos como os de uma<br />

pessoa, sinal que a viam de perto e com tempo para poderem<br />

observar bem, a ponto de atentarem bem nos olhos, com a<br />

familiaridade das pessoas mais amigas que se querem...<br />

212


img021 – a cobra a figueira e o moinho…<br />

Havia um moinho muito velho chamado da Torre.<br />

Diziam que apareciam lá medos... p. 207<br />

213


214


A seguir a mulher assustou-se. Quando nada o fazia prever... “até<br />

que uma manhã de S. João apareceu uma MENINA MUITO LINDA,<br />

com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de lume,<br />

chamando-lhe vizinha.”<br />

Em vez duma explosão de alegria por finalmente ter uma vizinha,<br />

ainda por cima linda e atraente, aparece finalmente o susto, o medo<br />

o receio, mas que perante as revelações do encantamento que só lhe<br />

permitiriam aparecer daí em diante em forma de CARNEIRO, TOURO<br />

e SERPENTE e só três vezes, e perante o espanto diante das riquezas<br />

do lindo palácio que era a sua morada debaixo da figueira que a<br />

podiam tornar rica a ela e ao moleiro... a mulher “convenceu-se a<br />

querer desencantar a princesa.” Era só preciso ter “coragem para não<br />

se assustar com o que visse.” e assim depois do susto veio a<br />

sedução...<br />

Então...<br />

“...por pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um<br />

CARNEIRO.”<br />

A mulher não teve medo e a princesa em que se transformou,<br />

agradeceu-lhe.<br />

“...na segunda noite veio feita num TOURO... TOURO muito bravo.”<br />

“A mulher com muita coragem ameigou-o, levantou-o e o touro não<br />

lhe fez mal.” e a princesa agradeceu-lhe pela segunda noite.<br />

"... Na terceira noite, na última vez, é que era o mais perigo: vinha<br />

feita numa SERPENTE e enrolava-se em volta da cintura e devia dar-<br />

lhe um beijo na face esquerda;...”<br />

E “A mulher assustou-se, quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia<br />

para lhe tirar os santos olhos; ela apertou-a e matou-a...”<br />

215


Crê-se primeiro que a mulher tão corajosa terá apertado a cobra<br />

pegando-lhe abaixo da cabeça como sabem fazer os domadores e que<br />

teria matado o encanto, mas o encanto não morre e a pobre mulher é<br />

que paga com a vida e o encantamento é dobrado. "Ah! Tirana, que<br />

me dobraste o meu encantamento...” e aqui ficamos nós estarrecidos<br />

e perplexos perante os signos e os símbolos que esta lenda nos quer<br />

comunicar...<br />

Nem a fúria do CARNEIRO atemorizam a mulher... Nem a bravura do<br />

TOURO a impedem de o acariciar e levantar... Só quando lhe aparece<br />

na forma familiar de COBRA, depois de se deixar enrolar pela cintura,<br />

no momento do beijo, é que a viscosidade duvidosa da SERPENTE<br />

que “foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos olhos”;<br />

assustam a mulher que morre e dobra o encantamento...<br />

Caros comagos e cofadas, ouviram os ciganos dizer a uma das fadas<br />

muito comovida depois daquele funeral muito concorrido por todo o<br />

povo que fora abalado por tão insólita história que vinha assim<br />

confirmar os medos pelos quais ninguém queria para lá ir para o<br />

moinho muito velho chamado da Torre,... nós bem que dizíamos...<br />

ele ao princípio nem tiveram medo da cobra que até parecia humana<br />

mas depois ele viu-se... pobre mulher e pobre do moleiro, agora<br />

coitado... e <strong>outras</strong> coisas mais que se ouviam como é costume,<br />

...caras cofadas e caros comagos, perante estas emoções tão<br />

violentas a que todos fomos submetidos hoje não reunimos para<br />

tentar desvendar esta história que mistura os encantamentos da<br />

PRINCESA em COBRA quase humana e familiar... em MENINA MUITO<br />

LINDA que vai por uma brasa à vizinha e a assusta e seduz... em<br />

CARNEIRO que vai para marrar e se transforma em menina... em<br />

TOURO muito bravo que não lhe faz mal... em SERPENTE falsa ou que<br />

levou a mulher a duvidar com o medo que lhe arrancasse os santos<br />

olhos e a apertou e matou e foi injuriada de TIRANA...<br />

216


Por hoje desistimos de mais tentativas de descobrir os mistérios da<br />

Natureza Humana até porque já deixámos muitas pistas na<br />

assembleia da primeira noite da clareira escondida na floresta quando<br />

falámos do TOURO e da COBRA, e deixamos cada um entregue à<br />

necessidade do seu isolamento, à imperiosa ânsia de estar só e de se<br />

deixar assustar e seduzir e não ter medo e se deixar morrer de medo<br />

e o anseio imperioso de viver com os outros e conviver, ver até olhos<br />

humanos na cobra grande e repugnante, assustar-se com a menina<br />

que encanta e seduz, enfrentar as fúrias do carneiro e do touro, mas<br />

deixar-se matar perante a ameaça de deixar de ver... <strong>DE</strong> FICAR SEM<br />

OLHOS PARA VER...<br />

A cigana Mariana assustada que fechara os olhos para pensar deitada<br />

no campo, voltada para as estrelas, acordou sobressaltada e olhou<br />

para o seu companheiro o cigano Castanho que dormia a seu lado...<br />

Não dormia. De olhos bem abertos percorria o céu inteiro onde<br />

naquela noite brilhavam as estrelas ofuscadas pelo brilho da lua, e<br />

quando a sentiu acordada, apontou as estrelas e falou sem a olhar<br />

para não perder as suas descobertas:<br />

⎯ Olha, olha que maravilha as constelações riscadas no céu. O<br />

CARNEIRO além mansinho, parado, como que deitado junto aos<br />

Peixes; O TOURO logo a seguir a arremeter em fúria com a testa e os<br />

chifres cravejados de brilhantes estrelas e a mais brilhante e maior é<br />

a Aldebarã; e além mais longe A SERPENTE que não se vê senão uma<br />

parte porque a outra há-de rodar do outro lado do mundo, mas fica<br />

além ao lado por cima da Balança... é o Ofioco... o signo que não<br />

existe... o 13°... aquele que faz a ligação entre os doze para que o<br />

ciclo dos 12 se renove incessantemente...<br />

217


⎯ Não vejo bem! Não... Já vejo. Ajuda-me a encontrar...⎯ pediu a<br />

cigana.<br />

⎯ Olha além... depois logo a seguir... agora do outro lado do céu...<br />

Já vês?<br />

⎯ Que mistérios e segredos têm as estrelas para nos contar? Será<br />

que brilham tanto só para nos encantar?...Não acredito. Tanto<br />

encantamento e beleza e tanto brilho, hão-de servir com certeza para<br />

VERMOS... Um dia destes havemos de surpreender de novo os Magos<br />

da Clareira escondida na Floresta e havemos de aprender mais uma<br />

infinidade de coisas sobre os mistérios do Universo e da Natureza<br />

Humana... sonhos e verdades que eles nem sequer se atrevem a<br />

sonhar!<br />

218


3 - <strong>LENDAS</strong> ou HISTÓRIA<br />

OU<br />

PERSONAGENS REAIS QUE SE TORNARAM LENDA<br />

do fantástico que se torna real ao real que se torna<br />

fantástico<br />

3.1 - A MORTE DO LIDADOR – o lida DOR –a DOR lida<br />

5.1.1 - A Revolução em Beja – (1383 - 1385)<br />

5.3 - Mariana Alcoforado – (A Freira de Beja)<br />

219


220


0.3 - CIGANOS ANDARILHOS<br />

acontece que a nossa<br />

caravana de ciganos<br />

inebriados pela aura das<br />

<strong>lendas</strong> que tinham ouvido<br />

tentavam começar a<br />

compreender a terra e as<br />

gentes por onde passavam,<br />

e assim passaram os dias<br />

seguintes a deambular pela<br />

cidade e além das pessoas<br />

que encontravam e olhavam<br />

e os olhavam, eles passaram<br />

a ver <strong>outras</strong> coisas para<br />

além das ruas e das casas<br />

e a olhar as pessoas como<br />

eles eram olhados.<br />

Por detrás de um povo há<br />

sempre uma carga de ideias<br />

de história de verdades ou<br />

de mentiras de ideias<br />

preconcebidas ou de<br />

preconceitos, de história<br />

ou de lenda, de tradições<br />

ou costumes, de arte ou de<br />

características... que<br />

podem ajudar a ver melhor<br />

as pessoas...<br />

até que ponto é que esta<br />

herança influía ou<br />

221


modificava o primeiro<br />

olhar sobre as pessoas?<br />

até que ponto lhes dava a<br />

conhecer as virtudes ou os<br />

defeitos, os traumas ou o<br />

desejo de deles se<br />

libertarem?<br />

E foi assim que andando<br />

andando e cirandando<br />

para tudo iam olhando<br />

olhando e anotando...<br />

E viram que em toda a parte<br />

fosse por magia ou arte<br />

aparecia com fulgor<br />

o nome do LIDADOR.<br />

Mas que LIDADOR é este<br />

com estátuas e pinturas?<br />

O que diz a esta gente<br />

que o põe lá nas alturas?<br />

É com certeza um herói<br />

que diz muito a esta gente<br />

Seja lá pelo que for.<br />

Foi certamente um valente!<br />

O que terá sido ao certo.<br />

vamos sabê-lo de perto...<br />

será mesmo um lidaDOR?<br />

ou será uma DORlida<br />

222


img022 – a luta de morte entre o cristão – o lidador - e o mouro…<br />

223<br />

E ali foi mais aficada a lide... p. 226


224


3.01 - O LIDADOR<br />

Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador<br />

fora nomeado fronteiro de Beja<br />

por El-Rei D. Afonso Henriques<br />

primeiro rei de Portugal<br />

e no ano de 1170<br />

para comemorar o dia em que completava<br />

95 anos de baptismo,<br />

80 de ter vestido armas<br />

e 70 de cavaleiro,<br />

empreende uma surtida contra os mouros,<br />

tendo enfrentado o temeroso Almoleimar<br />

e o poderoso Alboacém<br />

que são derrotados<br />

mas pagando com a vida<br />

tão estrondosa vitória!<br />

E assim entrou na lenda<br />

0 famoso Lidador<br />

Por ter vencido a contenda<br />

E dos mouros ser terror!<br />

Depois de Alexandre Herculano nos ter deixado nas <strong>LENDAS</strong> E<br />

NARRATIVAS as páginas brilhantes que foram a semente fecunda do<br />

romance histórico e do romantismo mais puro em Portugal, dando-<br />

nos, na época convulsa das lutas liberais do século dezanove, um<br />

conjunto de quadros espantosos sobre a história, as tradições e<br />

valores do velho Portugal medieval, cavaleiresco e semibárbaro,<br />

225


poderia querer dizer que é pretensão demasiada querer apresentar<br />

aqui a velha lenda ou história.<br />

Não é pretensão. Antes convite a uma nova e repetida leitura e se<br />

possível uma nova recriação, nesta época que vivemos, seguindo<br />

afinal o exemplo que Herculano nos deixou... Cada época, cada<br />

geração, tem o direito de ter a sua leitura da história...?!!!<br />

É mesmo essa heresia que queremos afirmar. Mesmo os rigorosos<br />

iluminados que clamam infalivelmente que a história é, tem de ser<br />

objectiva, e só pode ter uma leitura, gritam-no em monumentais<br />

edições e envoltos em grandes doutoramentos, porque sabem que<br />

não é verdade. Basta comparar dois desses notáveis monumentos<br />

sobre o passado, basta ler dois jornais ou ouvir e ver dois noticiários<br />

sobre o presente!!!<br />

O que vale saber a Historia?<br />

Como é que cada povo e cada geração lê a sua História?<br />

O que valem a História e as Tradições, à luz dos novos<br />

condicionalismos e desafios da época que vivemos?<br />

Longe de nós pretender imitar Herculano na beleza da escrita e na<br />

vivacidade e realismo romântico com que nos faz aparecer as<br />

personagens no seu ambiente com o rigor histórico em que ele é<br />

mestre segundo as leis de um são e fecundo romantismo da Época!<br />

“Seul est bon ce qu’est vrai.”<br />

Fica o desafio para os incansáveis renovadores de Hoje, tentarmos<br />

construir o Futuro e o Desenvolvimento, com o mesmo ardor e<br />

verticalidade deste gigante da Literatura Portuguesa que não se<br />

coibiu de intervir como cidadão consciente e empenhado na<br />

transformação da Sociedade do seu tempo, até com a sua nobre<br />

retirada para Vale de Lobos aos 49 anos, onde veio a falecer, em<br />

1877, com 67 anos de idade...<br />

Como complemento da constelação que formam as <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>,<br />

fomos copiar, dos LIVROS <strong>DE</strong> LINHAGENS atribuído ao Infante D.<br />

226


Pedro, filho de D. Dinis, insertos nos PORTUGALIAE MONUMENTA<br />

HISTORICA, SCRIPTORES, o excerto das páginas 279-280...<br />

... e assim continuar a saudável pilhagem que o cigano Castanho e a<br />

cigana Mariana continuam a fazer por este Alentejo fora, para assim<br />

devolverem ao povo o tesouro dos valores preciosos que lhe<br />

pertencem...<br />

227


3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR<br />

In LIVROS <strong>DE</strong> LINHAGENS atribuído ao Infante D. Pedro, filho de D. Dinis<br />

D. Gonçalo Mendez irmão de D. Soeiro Meendez, foi adiantado por El-<br />

Rei D. Afonso Henriques na fronteira e venceu muitas lides, de que<br />

aqui nom falamos. E uum dia, indo a correr a par de Beja, houve<br />

duas lides ua com Almoleimar e a outra com Alboacém, rei de<br />

Tânger. E Almoleimar chamou-se vencedor das lides, porque era<br />

aventurado em elas, e havia tal forçaa, que em todo o homem que<br />

pusesse a lança, nom lhe valia armadura que se lhe nom quebrasse,<br />

que lha não metesse pelo corpo.<br />

E houveram aquele dia sua lide muito aficada e acharom-se ambos<br />

no campo e derom-se das lanças e for a terra. E ali faziam uuns e<br />

outros de todas as partes muito pera livrar aquele com que veera. E<br />

estando assi a lide muito aficada, chegou D. Egas Gomez de Sousa e<br />

D. Gomes Meendez Gedeam, e os filhos de D. Egas Moniz, de riba de<br />

Douro, e livrarom D. Gonçalo Meendez e puserom-no em uum cavalo.<br />

E ali foi mais aficada a lide, assi que os mouros nom no puderam<br />

sofrer e foram vencidos e morto D. Almoleimar e D. Gonçalo Meendez<br />

chagado de chagas mortaes.<br />

E os cristãos indo-se mui ledos pola vitória que houverom, como quer<br />

que muitos deles desperecessem, oolharom per uum grã campo e<br />

virom viir mil de cavalo quanto mais podiam. Este era Alboacém, rei<br />

de Tânger, que passara aquém-mar por cobrar o castelo de Mértola,<br />

que lhe tinha forçado um seu tio, o qual castelo fora de uum seu avôo<br />

deste Alboacém. Este Alboacém quisera seer na lide primeira de<br />

Almoleimar, e nom pôde, porque Almoleimar se coitou, rompendo a<br />

alva.<br />

228


E disserom a D. Gonçalo Meendez em como aquelas companhas<br />

vinham; e ele chamou tôdolos seus fidalgos e fez com eles sua fala:<br />

"que sabiam em como fora voontade de Deus de leixar com eles D.<br />

Afonso Henriques por guarda daquela frontaria, nom pelo ele<br />

merecer, mas porque assi foi sua voontade; e que, como quer que<br />

cada um deles esto mais merecesse, que lhes pedia por mesura que,<br />

pois os mouros vinham tão acerca e em esto nom podia haver<br />

conselho alongado, que lhe prouguesse de ele dizer em esto aquelo<br />

que lhe parecesse”. E eles todos louvaram-no, como aquele que era<br />

muito amado deles; e disse-lhe:<br />

⎯ Senhores, peço-vos um dom: que me outorguedes o que vos<br />

quero pedir.<br />

E eles louvaram-no, dizendo que nom podia seer cousa que ele<br />

demandasse que eles nom outorgassem, ca bem certos eram que<br />

nom demandaria senom todo aguisado e a sua honra deles. E porque<br />

ele estava mal chagado e entendia em si que a lide não poderia<br />

sofrer, por as grandes chagas que tinha no corpo, que lhe dera<br />

Almoleimar, de que perdia muito sangue, de que enfraqueciam as<br />

pernas e os membros, temendo-se do cavalgar com a fraqueza, o que<br />

ele encobria mui bem a todos, pediu-lhes que, se ele desperecesse<br />

naquela lide, que ficasse D. Egas Gomez de Sousa em seu logo, que<br />

era de boom linhagem e de grandes bondades.<br />

E eles responderom que Deus o guardaria de todo cajom e de todo o<br />

perigo; e, se tal cousa acontecesse, que eles fariam como lhe ele<br />

mandava<br />

A D. Gonçalo Meendez se mudava cada vez mais a cara do rosto, e<br />

entendeu sua fraqueza D. Afonso de Baião e disse-lhe que se<br />

desarmasse e que se assentasse no campo, ca eles todos morreriam<br />

ante ele ou venceriam. E ele disse que Deus nom quisesse que ele<br />

escondesse sua força, enquanto lhe pudesse durar antre taes amigos.<br />

E em esto os mouros vinham a grã pressa, como aqueles que tiinham<br />

229


que os cristãos achariam cansados e chagados da primeira lide que<br />

houverom. E em esto disse D. Gonçalo Meendez.<br />

⎯ Senhores, estes mouros vêm com grã loucura. Vamo-los receber!<br />

Ali desarrancarom todos contra eles e nas primeiras feridas caiu D.<br />

Gonçalo Meendez do cavalo, como aquele que estava já sem força. E<br />

os fidalgos, que eram muito seus amigos, e estremados em bondade,<br />

quando virom seu caudel, desejando sa vida sobre tôdalas cousas,<br />

faziam cada vez melhor, crescendo-lhes as forças, como aqueles que<br />

eram mazelados da perda de tal amigo que tiinham que já o nom<br />

podiam vingar, se ali o nom vingavam.<br />

E por esta grã força acendia-se cada vez mais e mais, como aqueles<br />

que eram de grã coraçom. E de todas as partes do mundo em aquele<br />

tempo esclareciam a sas bondades, das cavalarias que faziam. Ali se<br />

espedaçavam capelinas e bacinetes e talhavam escudos e<br />

esmalhavam fortes lorigas; e ferirom-se de tão dura força de<br />

tamanhos golpes, que os cristãos da Espanha e os mouros que desto<br />

ouvirom falar, dos talhos das espadas que naquele lugar forom feitos,<br />

disserom que taes golpes nom podiam seer dados per homens. E esto<br />

nom foi maravilha por assi teerem, ca i houve golpes que derom per<br />

cima dos ombros, que fenderom metade dos corpos e as selas em<br />

que iam e grã parte dos cavalos; e outros talhavam per meio, que as<br />

metades se partiam cada ua a sua parte. E disserom que Sant'Iago<br />

os fizera com sua mão; pero a verdade foi esta: eles forom dados por<br />

os mui bõos fidalgos com ajuda de Sant'Iago, e os mouros virom-se<br />

maltreitos, nom o puderom sofrer e forom vencidos.<br />

E os cristãos perecerom melhor da quarta parte; e forom a D.<br />

Gonçalo Meendez e acharom-no morto. E a tristeza e doo dos fidalgos<br />

foi mui grande, e levarom-no muito honradamente. Ele era de idade<br />

de noventa e cinco anos, e ali lhe puserom nome “o boom velho<br />

Lidador”, como quer que o já ante chamassem, havia grã tempo,<br />

“Lidador”. E oolharom por as chagas que tinha e houverom per<br />

230


grande maravilha de lhe tanto durar a força, ca elas eram grandes e<br />

estavam em lugares mortaes.<br />

231


232


0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE<br />

OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA<br />

REÚNEM no alto da TORRE DO CASTELO<br />

E numa noite límpida depois de um dia quente de um verão ardente<br />

como são os do Alentejo, a assembleia dos Magos da Clareira<br />

escondida na floresta decidiu reunir-se no terraço mais alto da Torre<br />

do Castelo de Beja para não só poderem sentir as raízes do tempo e<br />

da terra em que ela está solidamente enterrada, mas também para<br />

poderem descortinar lá do alto, um tanto distanciados do barulho e<br />

do burburinho do formigueiro que se agita pelas ruas e casas da<br />

cidade, o sentido do tempo e da paisagem, o tempo e o espaço em<br />

que os acontecimentos se passaram, como tentar penetrar nos sinais<br />

da história que vive e constrói a sociedade actual. Além do mais,<br />

gozava-se ali duma frescura paradisíaca! que qualquer um de nós<br />

pode tentar sentir deixando-se vogar no mundo fantástico da<br />

imaginação mesmo que esteja a ler estas páginas num dia tórrido de<br />

calor ou num dia de frio gélido de Inverno...<br />

Os ciganos irrequietos e imprevisíveis que ali se tinham escondido<br />

para poderem desfrutar o panorama único de observar uma paisagem<br />

mágica ao redor de todo o horizonte transfigurado pela luz difusa da<br />

lua, arranjaram maneira de se dissimular entre a respeitável e ilustre<br />

assembleia dos sábios. Passavam mesmo a ser aceites como<br />

membros de tão luzidia assembleia, pois como era impossível<br />

ocultarem-se aos olhos penetrantes dos magos da clareira escondida<br />

na floresta, estarem ocultos e tentarem esconderem-se era o mesmo<br />

que estarem presentes e a partilhar a discussão, ao menos como<br />

ouvintes atentos e sedentos de tudo ouvir para melhor ver...<br />

233


Ouvimos, caras cofadas e comagos o relato comovente atribuído ao<br />

infante D. Pedro, filho de D. Dinis, tentando ouvir os ecos das vozes<br />

dos tempos medievais em que se enaltece a força e a coragem dum<br />

velho Lidador de noventa e cinco anos que além de excepcional<br />

combatente capaz de sobreviver aos golpes de Almoleimar “que havia<br />

tal força que em todo homem que pusesse a lança, nom lhe valia<br />

armadura, que se lhe não quebrasse, que lha nom metesse pelo<br />

corpo.” era um chefe igualmente excepcional que não se sentia digno<br />

de comandar tão nobres companheiros de armas e, antes de morrer,<br />

e para prevenir a hipótese lúcida da sua morte, ali, sem detença,<br />

nomeia seu substituto a D. Egas Gomez de Sousa “que era de boom<br />

linhagem e de grandes bondades”.<br />

Vem então uma segunda lide contra o imenso exército de Alboacém<br />

em que, apesar de o Lidador cair logo no primeiro embate, é uma<br />

hipérbole fantástica ao valor e força dos cristãos que só poderia ser<br />

explicada pela intervenção do maravilhoso cristão dizendo os próprios<br />

agarenos que desta luta ouviram falar “que taes golpes nom podiam<br />

seer dados per homens.” “...a verdade foi esta: eles forom dados por<br />

os mui boos fidalgos com a ajuda de Sant'Iago”.<br />

É esta a verdade documentada do cronista medieval, à distância de<br />

quatro ou cinco reinados!!!<br />

Desta verdade medieval, o grande mestre da História e das Letras<br />

que foi Alexandre Herculano talha com golpes de artista mestre mais<br />

uma das suas espantosas Lendas e Narrativas em meados do século<br />

dezanove filmando com rigor imbatível os homens de armas e suas<br />

vestes, cavalos arreios e armaduras, como tenta dar-nos conta do<br />

seu estado de espírito perante a luta de conquista em que estava<br />

empenhada toda a península no afã de expulsar os mouros e impor a<br />

234


soberania dos senhores cristãos... que desde há quatro séculos<br />

vinham descendo das Astúrias!!!<br />

0 que eram esta luta e estes tempos, só o podemos tentar<br />

compreender lendo-o na mestria impressionante como o grande<br />

mestre e escritor nos resume cinco séculos de história e neles retrata<br />

Beja e estas batalhas que aconteceram no mês de Julho de 1170<br />

quando “se viam ondear as searas maduras ainda não cegadas,<br />

cultivadas por mãos de agarenos para seus novos senhores cristãos.<br />

Regadas por lágrimas de escravos tinham sido esses campos, quando<br />

em formoso dia de Inverno os sulcou o ferro do arado; por lágrimas<br />

de servos seriam outra vez humedecidos, quando, no mês de Julho, a<br />

paveia cerceada pela foice, pendesse sobre a mão do ceifeiro; choro<br />

de amargura havia aí, como, cinco séculos antes, o houvera: então<br />

de cristãos conquistados, hoje de mouros vencidos.”..."Nesta luta de<br />

vinte geraçõoes andavam lidando as gentes do Alentejo.”... E oito<br />

séculos depois?<br />

Quem eram e quem são as gentes do Alentejo?<br />

Quem eram e quem são os habitantes do ALENTEJO ou seja desta<br />

Região que se estende desde a margem esquerda do Tejo até às<br />

serras muralhas do Algarve?<br />

Quem lhe pôs o nome?<br />

Por quem, e por quê, e porque combatiam estes valorosos senhores<br />

que até vieram de riba Douro e se envolviam em terríveis e<br />

encarniçadas lutas enquanto as searas eram sulcadas regadas e<br />

cegadas pelo suor e pelo sangue de servos e escravos que ora eram<br />

cristãos ora agarenos vencedores?! Vem com certeza desses tempos<br />

da reconquista o nome de além Tejo e do além Garbe, que depois se<br />

estendeu até aos Além - Mar<br />

235


Mas, antes de nos adiantarmos, é a partir deste ambiente e dos<br />

dados gerais recolhidos que temos de partir para perceber a História<br />

ou a Lenda ou porque não, para tentar perceber a História através da<br />

Lenda.<br />

A mão de mestre, escritor e historiador de Herculano, dá-nos o filme<br />

da movimentada campanha que celebrava os noventa e cinco anos do<br />

fronteiro de Beja...<br />

Baseado no relato atribuído ao infante D. Pedro, eis como Herculano<br />

nos relato o filme daquele dia de Julho de 1170...<br />

“Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam, à rédea solta pelas<br />

campinas de Beja; trinta, não mais, eram eles; mas orçavam por<br />

trezentos os homens de armas, escudeiros e pajens que os<br />

acompanhavam.”<br />

Aí está Herculano, no século dezanove, depois de ter lido aquela<br />

crónica e com os conhecimentos de história medieval em que era<br />

mestre, a relatar-nos, para vermos em directo, um típico fossado de<br />

uma trintena de cavaleiros e seus homens de armas... logo a seguir a<br />

esta corrida inicial, o recontador do episódio vai focar a figura e feitos<br />

dos que mais avultavam entre o pequeno exército cristão e os<br />

poderosos chefes árabes que comandavam uma extensa e profunda<br />

linha de cavaleiros mouros... que depois de vencidos foram<br />

socorridos por Ali-Abu-Hassan “que viera com mil cavaleiros em<br />

socorro de Almoleimar.”...<br />

É preciso ler, ler de novo aqueles impressionantes nove capítulos<br />

pintados com letras pelo magistral Herculano e depois... depois ver,<br />

ver de novo o filme devidamente enquadrado no seu tempo medieval,<br />

recuando seis, sete séculos, e levar-nos ainda mais cinco séculos<br />

para trás do início da nossa nacionalidade como Portugal, caminhar<br />

talvez mais para trás até aos tempos dos romanos e Lusitanos e mais<br />

236


ainda... para apreendermos as nossas autênticas e profundas<br />

raízes... Terá sido este o motivo que levou Herculano a reconstituir,<br />

rescrevendo-a, esta última lide do Lidador?<br />

Quem somos afinal e para onde vamos?<br />

Pelo nome - ALENTEJO -somos possivelmente os herdeiros dos<br />

conquistadores que baptizaram desde há longo tempo estas terras<br />

com o ferrete dominador e colonizador de distância e exploração.<br />

Quem, senão uns senhores vindos do norte, podiam conceber o nome<br />

de Além-Tejo? Só podia ser além do Tejo para os cristãos poderosos<br />

que vieram do Norte, das Astúrias, dos Montes Cantábricos e do<br />

Nordeste, vindos das Castelas e das Gálias, com toda a carga de<br />

séculos de vingança contra os árabes ocupantes.<br />

Já antes, estas mesmas terras, tinham sido possivelmente Terras de<br />

Além-Mar para os sarracenos que vieram do Norte de África e do<br />

Oriente. Antes destes, já tinham sido cobiçadas pelo Império Romano<br />

que, no coração do Alentejo, apelidou esta Terra de Pax Julia que<br />

passou sucessivamente a Paju - Baju - Beja, tudo isto a marcar as<br />

sucessivas ondas de ocupantes e conquistadores que por aqui<br />

passaram.<br />

Ou, seremos os sucessores dos povos primitivos que aqui viveram e a<br />

quem pertencia esta terra? Desde quando?<br />

Quem foram eles? Quem somos nós?<br />

Interrogações angustiantes mas de difícil resposta. Somos com<br />

certeza uma mistura em que os primitivos e os sucessivos invasores<br />

se amalgamaram e onde houve sempre grandes senhores, poucos,<br />

mais ou menos trinta, servidos por um punhado de homens de mão,<br />

que punham à sua disposição a multidão de escravos que era toda a<br />

população que procurava viver da terra e do trabalho, fossem seus<br />

237


senhores cristãos, visigodos, agarenos ou cúneos... Cada grupo<br />

esperava os seus salvadores, e a cada grupo de salvadores que<br />

chegava sucedia-se a reciclagem dos servos e dos escravos que<br />

justificava, para os salvadores, o trabalho de os terem libertado. E,<br />

na base da pirâmide social, permaneceram e permanecem sempre os<br />

que servem de alicerce e base para que essa pirâmide se mantenha<br />

de pé. Até quando? Até descobrirem que a podem fazer desmoronar<br />

por completo. Mas isso seria o caos e a desordem completa e a<br />

sociedade cairia na anarquia ineficaz, como defendem os mentores da<br />

ordem estabelecida, mesmo a seguir a uma espécie de revolução e<br />

mudança como pode ser visto por numerosos episódios da história<br />

como este em que o Lidador nos libertou dos poderosos opressores<br />

mouros...<br />

E se fossemos dominados pelos mouros? Leríamos nós agora na<br />

história e nas <strong>lendas</strong> que tínhamos sido libertados dos temíveis<br />

opressores cristãos, por um heróico Almoleimar ou Albuassén?!...<br />

Que blasfémia meu Deus, quando pretendemos que as <strong>lendas</strong> e as<br />

histórias tenham um fim educativo e formativo e preparem as nossas<br />

crianças e jovens para a sociedade em desenvolvimento...<br />

É exactamente por isso que queremos deixar aqui as pistas possíveis<br />

de análise e desmistificação dos nossos mitos mais mitificados, para<br />

que dando a possibilidade de as nossas crianças e jovens e adultos se<br />

formarem na libertação de todos os preconceitos e tabus absurdos,<br />

tenham a possibilidade de construir um Mundo Melhor com um<br />

Desenvolvimento gratificante para a Humanidade no seu Global em<br />

que todos, todos os seres humanos possam participar consciente e<br />

responsavelmente conseguindo o máximo da sua realização pessoal<br />

na sociedade a que pertencem e que, afinal, é a Humanidade na sua<br />

globalidade de Tempo e de Espaço.<br />

238


Claro que estas tiradas fastidiosas e quiçá de difícil deglutição, eram<br />

achegas de diversas fadas e magos, de sábios mais experientes e<br />

doutros menos maduros e letrados, mas todos a contribuírem para<br />

uma descoberta do que se pode ler através dos acontecimentos e dos<br />

tempos e, ainda por cima, com a fragilidade perigosa de os relatos<br />

serem relatos narrados, contados, descritos, e portanto nascidos de<br />

uma ficção que pode tentar dar-nos a realidade na sua totalidade<br />

mas que todos sabemos que é impossível e daí a sua fraqueza e a<br />

sua grandeza quando se trata de uma autêntica obra de arte nascida<br />

do génio popular ou erudito, porque o génio humano não está<br />

dependente dos aprendizes de feiticeiro que procuram castrar a<br />

criatividade humana.<br />

No meio disto tudo o nosso simpático e sequioso par de ciganos de<br />

olhos esbugalhados a olhar para o modo como os outros povos e<br />

<strong>outras</strong> raças tentam conhecer-se e exprimir-se e exprimindo-se<br />

conhecer-se e dar-se a conhecer, estavam pura e simplesmente<br />

boquiabertos por lhes parecer incrível serem precisas tantas<br />

discussões e discursos para descobrirem as fraquezas e virtudes tão<br />

evidentes e observáveis da Natureza Humana que não é só deste<br />

povo desta região como de todas as <strong>outras</strong>...<br />

É ver como eles ciganos chegados de fora são acolhidos quando<br />

chegam a uma região estranha... como afinal são todas por onde se<br />

movimentam, ou não é nenhuma, porque eles vêm e são das Terras<br />

de Santa Maria e Todo o Mundo e têm as suas raízes e a sua<br />

liberdade nos seus costumes, tradições e leis que, vistos de fora,<br />

parecem incrivelmente coercivos e limitadores...<br />

Então, ou chegam desprotegidos e discretos e podem ser tolerados,<br />

ou chegam como poderosos e ricos senhores e serão aceites e<br />

imporão as suas actividades e até as suas extravagâncias...<br />

239


É afinal o mesmo que acontece com os habitantes de origem ou aqui<br />

radicados! Ou jogam o jogo dos interesses do poder estabelecido, ou<br />

continuam ou passam a ser o sustentáculo dos que se querem<br />

arvorar em salvadores do povo e perpetuar a exploração, a<br />

colonização e o aproveitamento só para alguns, das capacidades da<br />

região e das suas gentes.<br />

Claro que não há os servos da gleba nem escravos nem torturados<br />

em masmorras da Idade Média... Mas há o isolamento, a falta de<br />

estímulo, o desprezo, a falta de motivação para trabalhar, a falta de<br />

poder de compra, a sobrecarga de trabalho repetitivo e monótono, a<br />

falta de diálogo... com todo o cortejo de meios refinadamente<br />

destrutivos quer económica, quer física, quer psicologicamente...<br />

Tantas pistas de leitura a partir de um simples relato de um episódio<br />

medieval?<br />

Nós diremos: Tão poucas!!!<br />

A participação de todas as ciências sugeridas pela Escola dos Magos<br />

da Clareira Escondida na Floresta e o contributo da Hermenêutica e<br />

da Semiologia para analisar todas as pistas dos Signos Símbolos e<br />

Índices que um texto nos revela poderia levar-nos à recriação de um<br />

TEXTO tecido de fios e cores realizando uma textura de variedade e<br />

beleza insuspeitadas...<br />

Assim, são só algumas pistas que deixamos abertas para<br />

caminharmos de descoberta em descoberta na prossecução de uma<br />

Verdade que, porventura, pensávamos que já tínhamos adquirido...<br />

⎯ Vamos sair daqui, que já temos uma parte bem boa do tesouro das<br />

Lendas e Tradições e da História deste povo para lha devolvermos<br />

inteira ficando nós e eles muito mais ricos... ⎯ gritaram mudos os<br />

240


ciganos, a ladina cigana Mariana e o vivaço cigano Castanho,... ⎯ e<br />

ala! que se faz tarde e já ganhámos a noite, que é, como dizem os<br />

outros: Já ganhámos o dia! ⎯ Vamos mas é ainda saber de outros<br />

episódios e acontecimentos que se deram neste Castelo e nesta Torre<br />

altaneira e dominadora que se ergue acima da planície por luas e<br />

léguas ao redor, e muito tem ouvido ou visto deste estratégico ponto<br />

de observação e muito tem para nos contar ou mostrar de tudo o que<br />

deu conta através deste Espaço imenso e dos Tempos e Ventos que<br />

sopraram...<br />

Há por aí a História de uma Revolução contada por um conversador<br />

espantoso que escrevia para as pessoas ouvirem e verem aquilo que<br />

dizia. Parece que um tal senhor Fernão Lopes que nos relata como se<br />

fosse um cinema impossível de fazer nos filmes o que se passou<br />

nesta cidade de Beja e com as suas gentes... Mas os acontecimentos<br />

não começaram aqui e por esta semana já chega, e vamos à vida que<br />

também precisa de comer, de beber e Amar...<br />

241


242


3.02 - REVOLUÇÃO EM <strong>BEJA</strong> – 1383/1385<br />

CAPÍTULO 42<br />

DA CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. JOÃO I <strong>DE</strong> BOA MEMÓRIA<br />

de FERNÃO LOPES<br />

243


244


A INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA<br />

COMO FOI TOMADO O CASTELO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

E MORTO O ALMIRANTE MICER LANÇAROTE<br />

Quando foi morto o conde João Fernandes e feito o<br />

levantamento de Lisboa, a rainha mandara as sua cartas pelo Reino,<br />

tanto aos Alcaides dos castelos como aos notáveis das vilas e<br />

cidades, queixando-se do que havia acontecido, e dizendo-lhes como<br />

haviam de proceder na aclamação de D. Beatriz sua filha, rainha de<br />

Portugal. E escreveu também a El-Rei de Castela que tratasse de vir<br />

depressa ao Reino. Já então, como adiante podereis ver, ele estava<br />

na Guarda.<br />

De modo que, tanto por causa da sua vinda como por os mais<br />

dos fidalgos do Reino estarem do lado da rainha, foi levantada voz e<br />

pendão por sua filha, na forma como ela escrevera nas suas cartas.<br />

Mas esta aclamação era dura de ouvir à gente pequena dos lugares. E<br />

não podendo os pequenos opor-se às grandes pessoas, consumia-se-<br />

lhes o coração de angústia, consentiam-no com medo e temor contra<br />

o qual não tinham defesa.<br />

Assim aconteceu em Estremoz: quando João Mendes de<br />

Vasconcelos, primo da Rainha D. Leonor, que naquele tempo tinha o<br />

castelo, mandou aclamar a rainha D. Beatriz, e trouxeram o pendão<br />

pela vila. Lopo Afonso e Lourenço Dias, com alguns outros do lugar,<br />

como viram que o outro povo estava agitado e descontente com tal<br />

feito, logo disseram que era preciso pôr na praça um cepo e um<br />

cutelo para decepar os que se opusessem ao que eles faziam.<br />

245


E, durando esta divisão nos corações de uns e de outros, foi<br />

sabido pelo Reino como o Mestre assumira o encargo de Regedor e<br />

Defensor dos Reinos e como tomara o castelo de Lisboa e o tinha em<br />

seu poder. E a alguns do Reino que disto souberam parte aprouve<br />

muito, especialmente aos povos miúdos; a outros, diferentemente,<br />

que estavam da parte da rainha pesava assaz, posto que pensassem<br />

que tudo isto era em vão.<br />

Ora aconteceu que em Beja estava por alcaide Gonçalo Vasques<br />

de Melo e tinha o castelo em nome da rainha. Nisto escreveu outra<br />

vez a rainha suas cartas ao concelho de Beja para que não deixassem<br />

de ter voz por ela e, se acontecesse El-Rei de Castela vir por ali, o<br />

acolhessem na vila sem nenhum receio nem temor, porque ele os<br />

defenderia de quem quer que lhes quisesse fazer mal e lhes faria por<br />

isso muitas mercês.<br />

Recebidas as cartas pelos principais do lugar, mandaram deitar<br />

pregão pela vila que todos no outro dia fossem ouvir recado de cartas<br />

que sua senhora a rainha mandara. No dia seguinte juntaram-se<br />

Estevão Mafaldo e João Afonso Neto e mestre João e Rui Pais Sacoto<br />

e Mendes Afonso e outros notáveis do lugar; apartaram-se todos à<br />

porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver aquilo que<br />

a rainha lhes escrevera.<br />

Era muito o povo que estava pelo adro, aguardando que lhe<br />

dissessem que novas eram aquelas que a rainha mandava dizer. E,<br />

sentindo-se apertados os corações de todos, disse um que chamavam<br />

Gonçalo Ovelheiro para os outros:<br />

⎯ Não está agora aqui ninguém que vá saber que cartas são<br />

estas, ou que recado é este que a rainha manda?<br />

Falou então um bom escudeiro a que chamavam Gonçalo Nunes<br />

de Alvelos, que não era dos grandes nem dos mais pequenos, e disse<br />

para Vasco Rodrigues Carvalhal:<br />

⎯ Queres-me tu ajudar e iremos saber que cartas são estas?<br />

246


E ele disse que lhe aprazia. Então juntaram-se com eles até uns<br />

trinta e chegaram até onde estavam aqueles notáveis. Falou Gonçalo<br />

Nunes e disse:<br />

⎯ Que cartas são estas que vós assim ledes de que nós não<br />

sabemos parte? Porventura esta vila se há-de manter e defender por<br />

quatro ou cinco que vós aqui sois? Certamente não, mas por nós<br />

outros que cá moramos.<br />

Disse então Estevão Mafaldo.<br />

⎯ Que união é essa com que vós assim vindes?<br />

Respondeu Gonçalo Nunes dizendo:<br />

⎯ Isto não é união, mas queremos saber que cartas são estas.<br />

Falou então Mendes Afonso e disse que ele perguntava bem e<br />

era razão que as vissem. Então se meteram todos os notáveis no<br />

Paço do Concelho, e parte dos outros com eles, e, lidas as cartas,<br />

deram-nas a um tabelião que as publicasse aos de fora.<br />

E ele saiu a eles e disse-lhes:<br />

⎯ Amigos, o feito é este, eu não sei para que mais me deter<br />

em ler o que aqui vem. A conclusão é esta: se quereis antes ter com<br />

a rainha ou com Mestre.<br />

E eles responderam todos a uma voz, dizendo:<br />

⎯ Com o Mestre! Com o Mestre!<br />

Esses maiorais, quando isto ouviram, partiram-se logo cada um<br />

para sua pousada e não ousavam mostrar-se.<br />

no Castelo.<br />

Eles nisto, sem mais tardança, viram aparecer gente de armas<br />

Então começaram todos a bradar:<br />

⎯ Levanta-se o castelo! Levanta-se o castelo!<br />

Gonçalo Nunes cavalgou à pressa e os outros todos se foram<br />

armar e começaram logo a atacar o castelo. O alcaide, quando isto<br />

viu, pôs fogo a duas torres em que estava muita munição, para os da<br />

vila se não aproveitarem dela, no caso de ser o castelo tomado; e, os<br />

de dentro, defendendo-se rijamente e ferindo alguns dos atacantes,<br />

247


puseram os da vila fogo às portas do castelo, e logo que estas<br />

arderam entraram dentro numa quarta-feira a horas de comer. E o<br />

alcaide foi levado e posto a salvo por amigos seus.<br />

Gonçalo Nunes e Vasco Rodrigues apoderaram-se logo do<br />

castelo e aclamaram o Mestre, rondando e vigiando a vila, em nome<br />

dele, com as portas fechadas.<br />

Estando assim a vila vigiada, chegou alguns dias depois, de<br />

noite, um homem de Campo de Ourique, montado numa égua, e<br />

falou aos da vigia para que dissessem aos que tinham a cargo reger a<br />

vila que naquela tarde chegara Micer Lançarote a um lugar chamado<br />

Os Colos, que era dali nove léguas, a caminho de Odemira, que é no<br />

reino do Algarve, para levantar esta região e aclamar El-Rei de<br />

Castela.<br />

Quando isto soube, Gonçalo Nunes tomou consigo cinquenta<br />

homens de cavalo, cem besteiros e peões. Caminharam toda a noite<br />

de modo que chegaram a Os Colos ao alvorecer. O almirante e os<br />

seus tinham já selados os cavalos para partirem; e assim armados<br />

como estavam foram todos presos, com mouros e mouras e azêmolas<br />

e quanto haver levavam. Aos homens tomaram as armas e os<br />

animais e deixaram-nos ir, e o almirante veio para a vila montado<br />

numa mula.<br />

Chegado aqui meteram-no na torre de menagem, dizendo ele<br />

afincadamente a todos:<br />

⎯ Amigos, mandai-me bem preso a arrecadado a meu senhor o<br />

Mestre, e não me queirais matar sem porquê.<br />

Eles respondiam que no tivesse medo. E enquanto Gonçalo<br />

Nunes foi levar ao Mestre tudo quanto tinham tomado ao almirante,<br />

os da vila, receando que ele se levantasse com o castelo, foram lá<br />

todos um dia e disseram a Vasco Rodrigues que ficara a comandar o<br />

castelo que o pusesse cá fora. Vasco Rodrigues, receando-se deles,<br />

retirou-se para sua casa e deixou-o na torre.<br />

248


O almirante quando viu isto começou a defender-se o melhor<br />

que podia; e bradando-lhe eles que viesse cá abaixo e não tivesse<br />

medo, assim o fez. Mas pensando encontrar neles piedade e<br />

compaixão, foi morto de má e aviltante MORTE. Assim acabou os<br />

seus últimos dias. "... os seus postumeiros dias.”<br />

249


250


img023 – o largo de Santa Maria da Feira com o Castelo em fundo…<br />

“...apartaram-se todos à porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver<br />

aquilo que a rainha lhes escrevera.” p. 244<br />

251


252


0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do<br />

alto da torre do castelo…<br />

… os magos da clareira escondida na floresta observam agora a<br />

história, do alto da torre do castelo, descendo até à profundidade de<br />

1383, 1385; e, guiados pelo magistral-prodigioso-sedutor FERNÃO<br />

LOPES, levam-nos pela mão para ver e ouvir. e para ouvindo e lendo,<br />

assim ficarmos envolvidos e avisados pela história ...<br />

Os magos que a anteriormente se tinham reunido no alto da<br />

torre do castelo para daí observarem o nascimento da nossa<br />

nacionalidade como povo, nos tempos de D. Afonso Henriques o<br />

conquistaDOR, o fundaDOR, e do seu homem de confiança e fronteiro<br />

de Beja: o lidaDOR, acharam que não havia melhor ponto de<br />

observação para olharem e ouvirem os tempos e os espaços que<br />

correram duzentos anos depois, tão vivamente relatados por Fernão<br />

Lopes, do que O ALTO DA TORRE DO CASTELO...<br />

Aí o vamos encontrar a si, caro leDOR, na companhia da cigana<br />

Mariana e do cigano Castanho, a tentar ler connosco a DOR e todos<br />

os sentimentos que moveram estes personagens destas histórias.<br />

Com que DORES lidaram eles para realizarem os seus feitos? O que<br />

era para eles a DOR? A HONRA por exemplo? O ÓDIO? O AMOR? Que<br />

DORES conquistaram? Em que DORES e VALORES fundaram a sua<br />

vida e o país que nos deixaram?...<br />

Por sorte temos a guiar-nos o mago do visualismo, dum tempo<br />

em que nem o cinema nem o vídeo existiam e ainda bem, pois creio<br />

que não conseguiriam guiar-nos com a mesma leveza e profundidade<br />

como este mago das palavras, consegue fazer com a sua escrita...<br />

Escrita feita para ouvir e ver, mesmo para analfabetos que eram a<br />

maioria dos portugueses do seu tempo, Fernão Lopes leva-nos a ver<br />

e a ouvir a história, não a sua escrita ou a sua história, e assim, pega<br />

253


no leitor vedor-ouvinte, obrigando-o livremente a ver porque, ele até<br />

pode fechar os olhos e os ouvidos, e depois, a ficar sem remissão<br />

envolvido na história, mesmo os que fecharam os olhos e os ouvidos,<br />

porque como seres sociais terão de ficar comprometidos... Não se<br />

pode ler Fernão Lopes e ficar como espectador indiferente. Tem que<br />

se ficar participante. Ou antes, só os que se sentem participar na<br />

história, intervenientes da história do seu tempo, podem entender<br />

Fernão Lopes e os acontecimentos da Época que ele relata...<br />

⎯ Ora esguardai, como já dantes vistes e ouvistes, aquilo que<br />

se passava naqueles tempos por todo o Reino de Portugal e de<br />

Castela. Não era uma luta de independência ou predomínio entre reis<br />

e senhores que queriam o seu reino e a sua independência!... A<br />

própria rainha queria entregar seu Reino ao Reino de Castela! Do que<br />

se tratava no fundo, naquele tempo como agora, era de um Povo que<br />

queria o seu espaço e a sua terra para viver nela em Liberdade e<br />

realização... ⎯ dizia uma das fadas que aprendera a ler a história<br />

através dos tempos. ⎯ Pouco ganharam com isso é verdade, porque<br />

a história que nos relata REVOLUÇÕES, relata-nos sempre as<br />

fraquezas e desvarios que aconteceram quando o poder cai na rua e<br />

é apanhado pelo povo abandonado e oprimido que não cresceu a<br />

saber usar a sua liberdade e se comporta como criança ingénua e<br />

incapaz de assumir responsabilidades... Comete todo o tipo de crimes<br />

e loucuras e... nem tem tempo para ver e se arrepender como ÉDIPO<br />

da lenda, que ao descobrir que tinha morto o seu pai e dormido com<br />

a sua mãe, fura os olhos com alfinetes e coberto de andrajos,<br />

abandona Tebas onde reinava como senhor todo poderoso!<br />

Como criança abandonada que não dá conta dos crimes que comete,<br />

aparecem logo os educadores responsáveis e previdentes que, mais<br />

ou menos rapidamente, e com mais ou menos violência, metem tudo<br />

de novo na OR<strong>DE</strong>M que lhes convém e tudo volta à normalidade...<br />

não fosse o povo ter tempo de, com o tempo, poder aprender alguma<br />

coisa para saber usar o poder... Isto é sabido pelos grandes que,<br />

254


como vimos no relato da página cento e sessenta, cento e sessenta e<br />

um embora lhes pesasse a alegria dos povos miúdos dos lugares, iam<br />

pensando que tudo aquilo seria em vão...”E a alguns do Reino que<br />

disto souberam parte aprouve muito, especialmente aos povos<br />

miúdos; a outros, diferentemente, que estavam da parte da rainha<br />

pesava assaz, posto que pensassem que tudo isto era em vão.”<br />

Porquê? Porque aqueles que se apoderam do poder e da força do<br />

povo podem e ou procuram poder ter o tempo de poder cometer os<br />

erros que quiserem para adquirirem experiência e rodagem para<br />

manobrar... pois ninguém nasce predestinado para se instalar seguro<br />

no poder... nem os reis!<br />

⎯ Para vermos isto ⎯ acrescentaram outros e <strong>outras</strong><br />

intervenientes daquela assembleia de magos da clareira escondida na<br />

floresta que estavam reunidos no alto da torre do castelo ⎯ mestre<br />

Fernão Lopes dá-nos em resumo uma visão global do que se passava<br />

em todo o reino, não esquecendo o que já relatou desde o início, pois<br />

vamos no capitulo 42 duma primeira parte que tem 193 capítulos em<br />

que, depois, o mestre da escrita visual nos faz passar visceralmente<br />

pelas tribulações e padecimentos que passou o povo de Lisboa<br />

durante o cerco montado pelo rei de Castela e como resistiu e<br />

finalmente como o Mestre de Avis foi aclamado Rei e nomeou<br />

Nun’Álvares como condestável do Reino; e uma segunda parte com<br />

203 capítulos em que a luta pela independência culmina com a<br />

Batalha de Aljubarrota em que nos relata, em resumo, como poucos,<br />

muito poucos, cheios de medo, mas unidos e bem comandados<br />

podem muito; e muitos, mesmo muitos, com diversos interesses e<br />

mal comandados podem muito pouco e são derrotados! Daí até se<br />

confirmar a nossa independência e este povo se lançar nos<br />

descobrimentos, entraram as negociações, e os grandes chefes e<br />

senhores retomaram os seus poderes e posses ou foram substituídos<br />

por outros, e até a inquisição foi pedida pelos reis para meter na<br />

ordem os mais arredios e tornar mais fácil o engrandecimento da<br />

255


iqueza e poder dos mais poderosos, e... dominado o povo e<br />

democratizado... lá se continua a escrever a história... mesmo com<br />

os erros e crimes dos poderosos e tiranos...<br />

É aqui, neste enquadramento, que encaixa a leitura do capitulo<br />

42 da Crónica de El-Rei. João I de Boa Memória de Fernão Lopes.<br />

Tendo em conta o que se passava em todo o reino, o relato do<br />

que se passou em Beja é um sério aviso contra as falsas ilusões! É<br />

ver como, nos capítulos imediatos à revolução em Beja, Fernão Lopes<br />

nos leva a observar o que se passou em Portalegre e Estremoz, e<br />

como o povo era intimidado e se revoltava. Mostra nos logo a seguir<br />

e ao mesmo tempo, os desatinos que se cometeram em Évora e<br />

levando-nos depois até ao Porto e por aí adiante até ao Cerco e a<br />

aclamação do Rei e à distribuição de favores, poderes e riquezas...<br />

que vão criar os alicerces da nova dinastia da época em que Portugal<br />

se vai lançar pelo Mundo a descobrir...<br />

A chegada das cartas a Beja e os processos democráticos<br />

usados pelos dirigentes para as dar a conhecer, vão precipitar os<br />

acontecimentos e permitir, pelo menos aparentemente, a realização<br />

de uma quase ilusão: que o povo toma o poder…<br />

A repressão e violência que vai ser preciso para meter tudo de novo<br />

nos eixos, sabemo-lo, ou só podemos adivinhá-lo um pouco pela<br />

história que se seguiu e pelo latifundismo e morgadio que imperaram<br />

ferozmente nos séculos seguintes aqui no Alentejo... Basta ver A<br />

História da Inquisição em Évora, do Professor Borges Coelho, ou<br />

ler/ver a história das Casas de Avis e Bragança e, por exemplo, a<br />

Seara de Vento de Manuel da Fonseca, ou o Levantado do Chão de<br />

José Saramago, para se ter uma ideia.<br />

O episódio da morte de Mice Lancerote, como o caso da morte<br />

do Bispo em Lisboa, como a morte da abadessa de Évora, são os<br />

factos vivos, viva e emocionantemente relatados, índices ou signos<br />

de todos os desatinos e desvarios de que um povo sem maturidade<br />

pode cometer em todos os tempos... mesmo na revolução russa...<br />

256


mesmo na revolução chinesa... mesmo no vinte e cinco de Abril...<br />

mesmo na independência prematura com décadas de atraso das<br />

colónias províncias ultramarinas que não estavam preparadas para<br />

assumir as suas riquezas e os seus valores, para justificar que todos<br />

os povos de ALÉM-MAR-TERRA-TEJO-GARVE-DOURO ou outros, como<br />

quaisquer outros que não sirvam interesses centrais, não estão<br />

preparados para assumir a sua independência e a assumir os seus<br />

valores e a sua cultura, e assim as regionalizações vão ser<br />

implementadas por pessoas devidamente escolhidas e preparadas,<br />

como o caso das televisões e rádios e universidades e Alquevas...<br />

para que, com uma farsa bem montada de pretensa regionalização, a<br />

colonização perdure e se perpetue, embora com processos mais<br />

refinados e democráticos... Porque, inquisição, não; mas<br />

saneamentos sim. Condenações à morte e prisões, só algumas; mas<br />

desprezo, marginalizações, falta de meios, falta de condições de<br />

trabalho, boicotes, impedimentos, falta de implementação de<br />

trabalhos que vão fundo na recolha e estudo dos valores regionais e<br />

locais... isso continua, mesmo à beira do ano dois mil e da<br />

aproximação de uma entrada solene e ao mesmo tempo boa e<br />

perigosa na comunidade europeia!!!?... Essas coisas locais e<br />

regionais continuam a ser estudadas pelas universidades distantes in<br />

competentes, em nome da competência, por doutores distantes ou<br />

génios que tudo abarcam, sem uma implantação séria, válida e<br />

visceral que promova, imparavelmente, o desenvolvimento com a<br />

afirmação dos valores de cada Região!<br />

Como o Esopo das fábulas, o escravo a quem é prometida a<br />

liberdade a troco da obra que tinha criado, perguntamos aos que nos<br />

oferecem a liberdade, sem nos permitirem alcançá-la por nós:<br />

⎯ Onde tendes preparado o precipício para os homens livres? -<br />

E, a pé, sem guardas, nem ajudas, caminhou sozinho!...<br />

⎯ Há quem nos acuse de abusarmos em análises e<br />

interpretações ⎯ disseram umas fadas e uns magos, já cansados. ⎯<br />

257


São muitos e complexos os sinais das <strong>lendas</strong> e história. Parece que<br />

assim fechamos portas possíveis à leitura e leituras que as pessoas<br />

podem fazer...<br />

⎯ Não fechamos, caras cofadas e comagos. Em vez de<br />

fecharmos uma, desafiamos as pessoas a abrirem mil...<br />

E o mais grave, é que ainda hoje, passados mais de seis séculos<br />

depois de 1383/5 e passados mais de vinte e cinco séculos, depois de<br />

Esopo, ainda há Escolas, Ministérios e Serviços de Cultura que<br />

oferecem trabalho e condições de subsistência a pessoas a troco da<br />

sua liberdade de pensar e da sua criatividade!<br />

⎯ E ainda há quem responda: onde tendes preparado o<br />

precipício para os homens livres? ⎯ comentou um desconhecido que<br />

tinha ficado toda a reunião em silêncio! - Há de facto, ainda hoje, mil<br />

portas por abrir...<br />

...<br />

⎯ Quer dizer que nós, é que vamos ter de ler o que significam<br />

todas estas coisas? ⎯ perguntou a cigana Mariana.<br />

⎯ É isso mesmo, – respondeu o Cigano Castanho, muito<br />

pensativo preocupado.<br />

⎯ Mas a mim falaram-me da história, duma mulher que se<br />

chamava MARIANA como eu.<br />

⎯ Também já ouvi falar, mas não sei quem é. Fala-se mas é<br />

dumas CARTAS que ela se calhar nem escreveu!...<br />

⎯ Então, lá teremos de tentar ler as CARTAS DA MARIANA, ⎯<br />

disse a cigana Mariana...<br />

⎯ A janela dela, dizem, é aquela do convento que dá ou dava<br />

aqui para as portas de Mértola... Vês! Aquela lá por cima do terraço...<br />

⎯ ... Ainda um dia me hei-de ir sentar junto às grades daquela<br />

janela e tentar perceber os amores daquela Mariana... – disse a<br />

cigana, que também era Mariana, com os olhos revirados de ironia...<br />

...<br />

258


3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

a realidade as cartas e a lenda<br />

259


3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…<br />

A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

uma realidade semelhante a tantas <strong>outras</strong><br />

No ano de 1640, ano em que ia acontecer a Restauração em<br />

Portugal, numa casa que dá de esquina para rua do <strong>Touro</strong>, e se abre<br />

para a Praça D. Leonor e para o Largo que tinha a antiga capela de S.<br />

João, nasceu uma menina a que puseram o nome de Mariana. Já<br />

tinha uma irmã, Ana, dois anos mais velha e, até 1649, ainda<br />

nasceram os irmãos Baltazar, cinco anos mais novo, Catarina e<br />

Miguel, nove anos mais novos, e depois de ela já estar no convento,<br />

a família ainda foi abençoada com mais três rebentos, o Francisco,<br />

quando Mariana tinha quinze anos, Filipa, três anos depois e Maria, a<br />

Peregrina, quando a freira fazia vinte anos e já tinha nove de<br />

convento e quatro de profissão religiosa. A feliz família era dos<br />

Alcoforados que, pelos dados que temos, não seria dos maiores nem<br />

dos mais pequenos, mas não fugia, até por isso mesmo, à instituição<br />

dos Morgadios.<br />

Como muitas vezes acontecia nesta época, o filho mais velho<br />

conservava a herança paterna, o património familiar, que devia<br />

conservar e se possível aumentar com um bom casamento; os outros<br />

irmãos seguiriam a carreira das armas ou a vida eclesiástica, e as<br />

raparigas?, ou a família conseguia um casamento rico ou estavam<br />

destinadas ao convento. Foi para isso, aliás, que foi criado o<br />

Convento de Nossa Senhora da Conceição em Beja (1459?-1890?)???<br />

Foi sobretudo por isso? Parece podermos deduzir que foi criado para<br />

que as boas famílias vivessem na Paz e na Prosperidade! Assim esta<br />

feliz devota e razoavelmente próspera família, cedo destinou o futuro<br />

à gentil menina que não seria muito feia, mas não teria a beleza<br />

esplendorosa que viesse a desencantar um príncipe encantado. Aliás<br />

260


já tinha uma irmã mais velha e, aos nove anos, já tinha pelo menos<br />

dois irmãos varões para que a ilustre família tivesse assegurados os<br />

Bens e a continuidade.<br />

Assim, Mariana entrou aos 11 anos, 1651, para o Convento de<br />

Nossa Senhora da Conceição, onde professaria cinco anos mais tarde,<br />

partilhando a comunidade com as freiras, na sua maior parte também<br />

de boas e até ricas famílias que ali estariam, não por vocação ou<br />

devoção, mas por desgostos de amor, algumas? poucas!, mas como<br />

já podemos calcular, sobretudo por determinação paterna que tinha<br />

de zelar escrupulosamente pela manutenção ou aumento dos<br />

rendimentos familiares e não pelo seu esbanjamento, como<br />

aconteceria se fosse dada em casamento a algum digno pretendente,<br />

ainda por cima, com dote adequado!!! Nestas circunstâncias, é<br />

evidente, que para estas senhoras, viverem entregues à sua fé e<br />

fervor religiosos, teriam a servi-las uma quantidade de devotas e<br />

fervorosas religiosas que, por vocação? (provocação? ou porbocação),<br />

ou devoção?!, ou obrigação!? mais ou menos voluntária, assim<br />

fugiam ao duro trabalho das classes mais baixas. Seguindo ainda a<br />

mesma ordem de raciocínio ou de juízos temerários que estamos a<br />

desenvolver, haveria tudo a esperar destas santas devotas: um<br />

misticismo religioso assoberbado a sublimar as frustrações<br />

recalcadas, ou então os devaneios fantásticos a dar asas aos sonhos<br />

e inclinação natural para o casamento e a maternidade!!!<br />

Mariana só dali viria a sair, se é que se pode chamar sair a<br />

saída para o cemitério que era debaixo das lajes que vieram a ocupar<br />

duas quadras do convento, com 83 anos de idade, quando morreu em<br />

28 de Julho de 1723.<br />

E ali ficaria, ilustre e desconhecida, como aconteceu à grande<br />

maioria de ilustres desconhecidas irmãs que durante quase quatro<br />

séculos e meio, mais de vinte gerações, passaram pelo Convento de<br />

Nossa Senhora da Conceição de Beja, não fossem as célebres CINCO<br />

CARTAS a gritar o encanto dos amores que teria tido a dita de<br />

261


experimentar, breve e apaixonadamente, e foi ela que as escreveu de<br />

facto, tempo e meios não lhe teriam faltado, ou lhe foram atribuídas<br />

por um genial editor ou, como se insinua, pelo feliz e galanteador<br />

amante!?<br />

Terá desempenhado variadas funções durante os longos setenta<br />

e dois anos que passou no Convento: foi escrivã e vigária como<br />

depois se verificou por variados documentos; teria sido porteira,<br />

como dá a entender numa das suas cartas, mas a título passageiro e<br />

como meio de cura; e consta que chegou a ser proposta para<br />

abadessa em 1709, quando já, só? tinha sessenta e nove anos, mas<br />

teria sido insuficientemente votada.<br />

Perante tão enigmática e vulgar personagem, valerá a pena<br />

perder tempo a dar uma espreitadela sequer pelas famosas ou<br />

famigeradas cartas?<br />

Só vale a pena fazê-lo, se conseguirmos decidir a tempestuosa<br />

questão em que tantos e tão ilustres autores se envolveram?<br />

Por mim, tenho a impressão que não. As cartas existem. Valem<br />

pelo que valem independentemente do verdadeiro autor. São, de<br />

qualquer maneira, um espectacular simulacro do real. A prova é a<br />

discussão acesa que levantam. Se são de Mariana, no original em<br />

francês ou traduzidas e retocadas, são um bom exemplar de<br />

epistolografia íntima que muitos escritores gostariam de subscrever.<br />

Se foram inventadas, então, terão de ser geniais. São porventura,<br />

não o grito de uma freira, mas um grito tão grande e tão profundo de<br />

centenas, de milhares de mulheres, talvez de homens e mulheres de<br />

uma região, de um povo, humilhado, oprimido, refinada e<br />

hipocritamente sacrificado com o apanágio de uma “vocação entrega”<br />

superior!!! e fundamentalmente por interesses mesquinhos, valores<br />

indiscutíveis de uma época! ou da nossa época.<br />

É, porventura, isto, ou algo de mais profundo que é preciso ler<br />

nas cartas, e não, penso, e sobretudo, a questão da origem e da<br />

originalidade...<br />

262


É isso que vamos tentar ler nas CARTAS.<br />

263


264


img024 – mariana! (a partir de desenho…)<br />

“E ali ficaria, ilustre e desconhecida,... não fossem as célebres CINCO CARTAS A<br />

GRITAR...” p. 259<br />

Desenho decalcado a partir de um desenho de Matisse? ou de ?, difundido pelo Museu Rainha D. Leonor,<br />

de Beja, nos anos oitenta (86/87?).<br />

265


266


3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas…<br />

A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

as cinco cartas que são uma explosão poética de uma imensidade de<br />

sentimentos humanos... ou finge/dores<br />

Nada mais se saberia desta freira de Beja e nem talvez este<br />

pouco se soubesse, como aconteceu com centenas de suas irmãs que<br />

por lá passaram durante anos e anos (cerca de 430 anos de 1459? a<br />

1890, pois, entre 1892 e 1897, teria sido quase totalmente derrubado<br />

juntamente com a antiga residência dos Duques de Beja - O Paço dos<br />

Infantes - que lhe era contíguo);<br />

... nada mais se saberia da Freira Portuguesa, dissemos, se, em<br />

1669, quando ela teria 28, 29 anos, não tivessem aparecido, em<br />

França, as Lettres Portuguaises, que seriam a tradução de cinco<br />

cartas suas dirigidas ao seu amante o Cavalheiro Chamilly, (que teria<br />

nascido por volta de 1625 e teria na altura do romance os seus 42/43<br />

anos, um respeitável quarentão) - ou teriam sido escritas em francês<br />

logo no original? - que durante uma breve estadia em Beja ao serviço<br />

do seu rei e da Restauração do Reino de Portugal ( entrou em<br />

Portugal em 1663 fazendo parte de um grupo de franceses que se<br />

juntou aos ingleses chamados por D. João IV, tendo entrado em<br />

vários combates e Batalhas, e em Beja, deve ter estado depois das<br />

Batalhas de Poymoio e San-Lucar, Agosto de 1666, tendo, em<br />

Setembro de 1667, ainda tomado parte no ataque ao castelo de<br />

Ferreira e depois retirado para França. Teria, portanto, durante o<br />

267


tempo que esteve por aqui sediado, partilhado os favores desta<br />

ardente mulher e pode-se gabar de ter despertado a maior paixão do<br />

mundo como ela diz quase no final da terceira carta, paixão tão<br />

grande que vai sobreviver longo tempo depois da súbita partida para<br />

França, onde o esperava o título e o proveito de Marquis de Chamilly,<br />

talvez avisado pela família dos contratempos diplomáticos que<br />

poderiam trazer estes proibidos amores clandestinos conhecidos de<br />

todos. Essa paixão terá durado meio ano / um ano com intervalos das<br />

campanhas e saídas do Senhor de Chamilly, mas que, depois de a ter<br />

desencadeado: “ao amar-te experimentei alegrias surpreendentes...<br />

manifestaste-me a tua paixão, fiquei deslumbrada, e abandonei-me a<br />

ti perdidamente”. Estes amores geraram pois uma explosão de<br />

exaltação, e vão, como paixão exaltada e explosiva que era, e por ser<br />

impossível e proibida, desencadear em cadeia uma amálgama de<br />

sentimentos contraditórios, complementares? “Ai!, que seria de mim<br />

sem tanto ódio e tanto amor a encher-me o coração?" São,<br />

possivelmente, estes sentimentos cruzados que fazem destas cartas a<br />

expressão poética mais acabada e exaltante entre a poesia barroca<br />

de seiscentos, maneirista, cultista, conceptista, marcada por um<br />

classicismo estafado e decadente que primava pelo formalismo oco e<br />

pela falta de talento. A atravessar esta aridez balofa dos literatos do<br />

tempo, aparecem em prosa (poesia!), atribuídas a Soror Mariana<br />

Alcoforado, cinco cartas de Amor, que na sua simplicidade,<br />

sinceridade a atingir o arrebatamento que se manifesta nas<br />

sucessivas contradições despertadas por um Amor que atingia as<br />

raias da Loucura, são, porventura, a mais bela e expressiva<br />

manifestação poética do que pode o Amor e do que ele é ou pode ser<br />

na vida do ser humano, principalmente na vida da mulher como diz<br />

Mário Gonçalves Viena na sua obra “O Amor na Literatura<br />

Portuguesa"; embora haja também quem diga que “essas cartas<br />

nem sequer têm nível literário....”<br />

268


No século XVII, temos pois conhecimento de que “A nota mais<br />

vibrante de Amor... irrompeu, como tudo leva a crer, de entre as<br />

grades de um convento.”<br />

Era difícil, nessa época, esperar que surgisse, espontânea e<br />

sincera, uma manifestação em que transbordasse veemência e<br />

paixão, ou até a autenticidade de amor, sobretudo da parte de uma<br />

mulher, apaixonadamente vivido... Os preconceitos puritanos, os<br />

valores sociais em voga, e os interesses económicos, enclausuravam<br />

as mulheres em casa e nos conventos e mesmo as <strong>outras</strong> só sairiam<br />

de casa para se casar por conveniência da família, muitas vezes sem<br />

se terem visto ou tendo-os visto de longe ou nas cerimónias<br />

religiosas... conseguindo, como sempre acontece, as mais felizardas<br />

ou as mais audazes, contactos epistolares através de criadas e<br />

mendigos e por vezes directamente (!) iludir o recolhimento e recato<br />

das famílias mais austeras, mas com grandes perigos e riscos, ou<br />

acabavam com clamorosos raptos ou internamento nos conventos...<br />

Aliás, ainda encontramos ecos deste fenómeno social nos romances<br />

de Camilo e muitos sabem histórias parecidas que ocorreram em<br />

pleno século XX! Era de facto muitas vezes preferível o rigor da<br />

prisão dos conventos, em que era mais fácil conseguir estratagemas<br />

que permitissem surtidas nocturnas dos amantes..., do que a<br />

liberdade aprisionada da casa paterna...<br />

No meio de tudo isto, ficamos perante um insólito problema. As<br />

cartas que existem, o original publicado, é em francês. A partir desse<br />

original (?), aparecem em várias dezenas de línguas. 130 edições em<br />

oito línguas diferentes segundo Godofredo Ferreira que publicou uma<br />

obra em 1923. Assim, seriam 76 francesas, 23 inglesas, 3 italianas, 3<br />

alemãs, 3 espanholas, uma em dinamarquês, uma holandesa e vinte<br />

em português. Fala depois, Belard da Fonseca, em edições em<br />

húngaro, checo, grego, polaco, sueco e <strong>outras</strong>, na sua obra de 1966.<br />

A que se fica a dever este fenómeno? Todos estão de acordo em que<br />

se fica a dever ao impacto desta explosão de verdade e sinceridade,<br />

269


que apareceu no meio do desencanto da Literatura de Seiscentos.<br />

Nós podemos até lê-las em português! mas não podemos ter<br />

contacto com a força, a veemência e a violência que estaria na letra e<br />

escrita original, porque dessas não temos notícia. Podemos tão só<br />

imaginar, dando-nos conta, por exemplo na quinta carta, a última,<br />

que declara “fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta<br />

carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não<br />

ama e que devo, portanto, deixar de o amar”. Poderemos aperceber-<br />

nos disso até no modo como aparece, em cores mais carregadas ou<br />

mais esbatidas, uma autêntica explosão dos mais variados<br />

sentimentos que parecem contraditórios e impossíveis de retratar na<br />

mesma tela; e isto, quando já não há sentimentos - DORES, como ela<br />

diz!!! Resta-nos então concluir, portanto, que todos aqueles<br />

sentimentos são FINGIdos! Ela FINGE/DORES! “O poeta é um<br />

fingi(e)dor...”, diz Pessoa. O poeta finge DOR, podemos dizer nós.<br />

Nestas cartas, o personagem emissor, nitidamente no feminino,<br />

possivelmente, “...finge tão completamente, / que chega a fingir que<br />

é dor, / a dor que deveras sente.”<br />

última?<br />

Mas, quem nos diz, que aquela quinta carta é, realmente a<br />

Também este assunto, da ordem das cartas, é polémico. Qual é<br />

a primeira e quais as do meio, e qual a última. Uma notícia que<br />

temos é, para podermos fazer uma ideia de como aconteciam as<br />

coisas de publicações naquela época, sabermos que em meados de<br />

1668 já corriam numerosas cópias em França quando, em 28 de<br />

Outubro de 1668, o senhor Claude Barbin obteve o “Privilège du Roi"<br />

para imprimir a 1ª edição! Esta, 1ª edição, só aparece a 4 de Janeiro<br />

de 1669, dizendo ao leitor que “Com muito cuidado e esforço,<br />

encontrei maneira de recobrar uma cópia correcta da tradução das<br />

cinco Cartas portuguesas, escritas a um distinto gentil-homem que<br />

serviu em Portugal. Vendo-as louvadas, ou procuradas tão<br />

270


empenhadamente, por todos aqueles que sabem o que são<br />

sentimentos, creio que lhes daria um raro prazer imprimindo-as. Não<br />

sei o nome daquele a quem foram escritas, nem o de quem as<br />

traduziu...” Isto lemos no prefácio traduzido por Eugénio de Andrade<br />

numa edição bilingue feita para a RTP, em Março de 1980.<br />

Ora o senhor Barbin, diz dos seus esforços para “recobrar uma cópia<br />

correcta da tradução”! Depois, diz: “não sei o nome daquele a quem<br />

foram escritas”!!! Que pena! Bastaria ter falado da pessoa que as<br />

teria escrito, para nos ter salvo de uma discussão inútil e longa de<br />

séculos!<br />

A verdade é que se sabia, afinal, “o nome daquele a quem foram<br />

escritas”: Noel Bouton, Marquis de Chamilly, em finais de 1667, mais<br />

conhecido, primeiro, como Noel Bouton, Chevalier, Seigneur de<br />

Montaigu ou de Saint-Leger, também tratado por: Comte de<br />

Chamilly-Saint-Leger que, quando veio para Portugal, em 1663, teria<br />

possivelmente 38 anos, e em 1667, 42, quando Mariana teria,<br />

respectivamente, 23, depois 27! Consta que teria "uma figura<br />

elegante e majestosa”. Parece que tradutor, a quem chegaram a<br />

chamar autor, teria sido um certo Monsieur de Guilleragues!<br />

Se de facto, como escreveu Matos Sequeira, as cartas são uma<br />

mistificação, e se a freira não existiu, ou existiu, mas não terá sido<br />

ela que escreveu as cartas, então, nesta hipótese, A FICÇÃO, A<br />

MISTIFICAÇÃO LITERÁRIA, podemos dizer que ATINGE UM TAL<br />

REALISMO, SÃO UM TAL SIMULACRO DO REAL, QUE PO<strong>DE</strong>REMOS<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAR SIMPLESMENTE UM PRODÍGIO, "O MODO COMO AS<br />

CINCO CARTAS EXPRIMEM OS SENTIMENTOS FEMININOS DAS<br />

APAIXONADAS...” Só os femininos? ou o de TODAS AS PESSOAS<br />

APAIXONADAS que subitamente foram separadas do objecto da sua<br />

PAIXÃO?!<br />

271


A Título de exemplo, tentaremos um levantamento, ainda que<br />

superficial, porque aprofundado seria exaustivo, DOS SENTIMENTOS<br />

QUE ESTÃO EXPRESSOS, SÓ NA 5ª CARTA – A ÚLTIMA em que já não<br />

há sentimentos a exprimir, como diz a autora, para enfim, os que<br />

andamos distraídos ou tão ocupados com a riqueza e variedade da<br />

NATUREZA HUMANA como educadores etc., darmos conta que eles –<br />

OS SENTIMENTOS – de facto existem, são muitos, variados,<br />

contraditórios e ricos, e podem ser desencadeados em nós e nos<br />

nossos filhos e educandos…, não só pelo que aconteceu a Mariana, e<br />

com esta violência, mas, como vulgarmente se diz, por "COISAS QUE<br />

ACONTECEM NA VIDA" a que por vezes não ligamos, não queremos<br />

ligar, ou queremos que os outros não liguem IMPORTÂNCIA!... Ora,<br />

esses SENTIMENTOS podem ser desencadeados por atitudes e gestos<br />

que consideramos “normais”, e, muitas vezes sem nos apercebermos<br />

da sua gravidade, e para maior surpresa ainda, não conseguimos<br />

perceber o que podem, de facto, desencadear: de crimes... guerras...<br />

heroísmos... ou simples loucuras...!!!<br />

Assim, SOROR MARIANA, pretensa ou autêntica emissora das cartas:<br />

Descobre, primeiro, FRIAMENTE que já NÃO É AMADA e<br />

portanto NÃO <strong>DE</strong>VE AMAR... – É o <strong>DE</strong>SPEITO., A REVOLTA <strong>DE</strong><br />

SE VER PRETERIDA. A <strong>DE</strong>SILUSÃO <strong>DE</strong> SE VER TRAÍDA, A SUA<br />

VINGANÇA! em contradição com o auto domínio, a frieza e a<br />

paz que pretende dar a entender, ter alcançado!<br />

Até vai devolver as recordações: cartas e presentes como o<br />

retrato e pulseiras. Estava na disposição de queimar tudo mas<br />

declara-se incapaz. Prefere dar a entender que atingiu o<br />

<strong>DE</strong>SPRENDIMENTO, mas, em vez de os queimar, vai devolver<br />

os presentes, confessando que, afinal, é incapaz de o fazer.<br />

Com a devolução, mesmo que o não consiga, ao menos na sua<br />

272


mente, renasce a ESPERANÇA de que os objectos e cartas o<br />

venham a comover e, quem sabe? re/CONQUISTAR!!!<br />

Quer sentir, até ao fim, a PENA de separar-se delas e causar,<br />

ao menos algum <strong>DE</strong>SPEITO. Confessa a AUTO COMISERAÇÃO,<br />

mas quer que ELE as receba. Se as queimasse, ELE nem daria<br />

conta! Quer portanto ferir, como se sente ferida!<br />

Confessa a VERGONHA sua e dele de se sentir ligada àquelas<br />

futilidades...<br />

Declara-se RACIONAL, mas foi preciso VIOLÊNCIA para se<br />

separar de cada uma quando se gabava de já estar<br />

<strong>DE</strong>SPRENDIDA.<br />

Confessa MIL IMPULSOS e MIL HESITAÇÕES que não se podem<br />

imaginar. Conheceu o <strong>DE</strong>SVARIO do seu amor quando tentou<br />

curar-se dele e não ousaria se pudesse prever que haveria<br />

tanta DIFICULDA<strong>DE</strong> e VIOLÊNCIA. Seria menos DOLOROSO<br />

continuar a amar apesar da INGRATIDÃO. Joga outra vez a<br />

SEDUÇÃO!<br />

A PAIXÃO, afinal, é mais forte que amar a pessoa amada.<br />

O SOFRIMENTO é tão penoso, que torna ODIOSO o ser que se<br />

mostrou INDIGNO do seu amor. AMA de tal maneira, que tem<br />

de ODIAR.<br />

O ORGULHO, TÃO PRÓPRIO DAS MULHERES, vai impedi-la de<br />

tomar decisões contra o ser amado.<br />

Até suporta o <strong>DE</strong>SPREZO e suportaria o ÓDIO e o CIÚME. Mas a<br />

INDIFERENÇA é INTOLERÁVEL, INSUPORTÁVEL!<br />

Vieram até provas de AMIZA<strong>DE</strong> e ridículas provas de<br />

CORRECÇÃO.<br />

Verifica que as cartas foram recebidas e não causaram qualquer<br />

PERTURBAÇÃO no coração do amado.<br />

Tamanha INGRATIDÃO! provoca LOUCURA.<br />

A razão dessa LOUCURA é tamanha que nem sequer lhe resta a<br />

ILUSÃO de as cartas não terem sido recebidas.<br />

273


Denuncia por isso a sua FRAQUEZA, e acusa-o de ter dito a<br />

VERDA<strong>DE</strong> depois de mil acusações de não lhe ter escrito nunca.<br />

Recusa, entretanto, ser ESCLARECIDA.<br />

Prefere a PAIXÃO. Prefere a ILUSÃO. Preferia não ser obrigada<br />

a NÃO LHE PERDOAR.<br />

Declara-o INDIGNO dos seus sentimentos.<br />

Conhece finalmente AS SUAS <strong>DE</strong>TESTÁVEIS QUALIDA<strong>DE</strong>S.<br />

Pede, apesar disso, que se ele tiver QUALQUER PEQUENA<br />

ATENÇÃO, que a ajude a ESQUECE-LO completamente.<br />

Nem sequer admite que a leitura o fizesse sentir algum<br />

<strong>DE</strong>SGOSTO, pois, A CONFISSÃO e o ARREPENDIMENTO dele,<br />

poderia enche-la de CÓLERA e de <strong>DE</strong>SPEITO “e tudo isso<br />

poderia de novo INCENDIAR-ME”...<br />

“NÃO SE META NO MEU CAMINHO" grita desesperadamente<br />

tentando acreditar que seria ainda possível vir a encontrá-lo...<br />

"NÃO ME INTERESSA SABER O RESULTADO <strong>DE</strong>STA CARTA...”<br />

"pode estar SATISFEITO com o mal que me causa..."<br />

Prefere a INCERTEZA... ESPERA conseguir qualquer coisa<br />

parecida com a TRANQUILIDA<strong>DE</strong>...<br />

Promete não ficar a ODIAR...<br />

Desconfia dos SENTIMENTOS EXALTADOS para se permitir<br />

ODIAR...<br />

Tem a CONVICÇÃO que poderia encontrar um amante melhor e<br />

mais fiel! mas NÃO ACREDITA que alguém a possa amar...<br />

NÃO ACREDITA QUE OUTRA PAIXÃO a possa absorver!<br />

Experimenta a REVOLTA e lança o desafio: “que poder teve a<br />

minha paixão sobre si?” NÃO PO<strong>DE</strong> ESQUECER um coração<br />

ENTERNECIDO... Não pode esquecer quem lhe revelou prazeres<br />

que não conhecia...<br />

Todos os seus IMPULSOS estão ligados ao ídolo que criou.<br />

Os PRIMEIROS PENSAMENTOS E PRIMEIRAS FERIDAS não<br />

podem curar-se nem apagar-se...<br />

274


NÃO pode ser AUXILIADA nem APAZIGUADA...<br />

Mesmo, à hipótese de <strong>outras</strong> PAIXÕES..., prefere A<br />

LEMBRANÇA do SEU SOFRIMENTO...<br />

ACUSA o ser amado de lhe ter dado a conhecer A IMPERFEIÇÃO<br />

e o <strong>DE</strong>SENCANTO de uma AFEIÇÃO que não pode durar<br />

eternamente e a AMARGURA que acompanha um AMOR<br />

VIOLENTO quando não é correspondido...<br />

Confessa-se vítima de CEGA INCLINAÇÃO e de um CRUEL<br />

<strong>DE</strong>STINO que NOS PO<strong>DE</strong>M PREN<strong>DE</strong>R àqueles que só a outros<br />

são sensíveis!...<br />

“É TAL A PENA QUE SINTO POR MIM que TERIA MUITOS<br />

ESCRÚPULOS em arrastar o último dos homens ao estado a que<br />

me reduziu...”<br />

Isto é <strong>DE</strong>SESPERO, DOR INENARRÁVEL!!!...<br />

Já não me merece NENHUM RESPEITO...<br />

Entretanto não pode decidir-se a semelhante VINGANÇA...<br />

Procura depois <strong>DE</strong>SCULPÁ-LO...<br />

Reconhece, de facto, que uma freira raramente pode inspirar<br />

amor, ...mas ao menos a elas, NADA AS IMPE<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> PENSAR<br />

CONSTANTEMENTE NA SUA PAIXÃO...<br />

Será preciso ter pouca <strong>DE</strong>LICA<strong>DE</strong>ZA para suportar sem<br />

<strong>DE</strong>SESPERO as futilidades das <strong>outras</strong> amantes...<br />

Avisa-o de que, com as <strong>outras</strong> estará sempre exposto a NOVOS<br />

CIÚMES...<br />

Quantas suportam os maridos com <strong>DE</strong>SGOSTO...<br />

Como pode um amante não PEDIR CONTAS RIGOROSAS que<br />

ela está disposta a dar? Como pode um amante ou um marido<br />

ACREDITAR facilmente e SEM INQUIETAÇÃO...<br />

Seria preferível o seu AMOR sem lei...<br />

“Hei-de ser toda a vida uma <strong>DE</strong>SGRAÇADA... Já antes MORRIA<br />

<strong>DE</strong> MEDO que me não fosse fiel... QUERIA VÊ-LO A TODO O<br />

MOMENTO... INQUIETAVA-ME... Desesperava-ME por não ser<br />

275


mais bonita e mais digna de si; LAMENTAVA a mediocridade da<br />

minha condição... PENSAVA NOS PREJUÍZOS que ele poderia<br />

ter... IMAGINAVA QUE NÃO O AMAVA BASTANTE... RECEAVA,<br />

por si, A CÓLERA DA MINHA Família... afinal, encontrava-me<br />

NUM ESTADO TÃO LAMENTÁVEL como o que estou agora.”<br />

TERIA ARRISCADO TUDO para ir ter com ele...<br />

Ter-se-ia DISFARÇADO...<br />

E se ele a não acolhesse numa terra estranha que HORROR que<br />

LOUCURA!<br />

Que VERGONHA tão grande para a minha família, a quem<br />

QUERO TANTO depois que <strong>DE</strong>IXEI <strong>DE</strong> O AMAR!<br />

Tem SANGUE FRIO... Ao menos uma vez fala<br />

PON<strong>DE</strong>RADAMENTE... Sabe que A MO<strong>DE</strong>RAÇÃO lhe agradará...<br />

Mas, NÃO QUER SABÊ-LO... SUPLICA que não escreva mais...!!!<br />

AMEI-O COMO UMA LOUCA, TUDO <strong>DE</strong>SPREZEI!...<br />

A AVERSÃO dele só pode ser VISCERAL para a não AMAR<br />

APAIXONADAMENTE...<br />

<strong>DE</strong>IXEI-ME FASCINAR!...<br />

Ele não RENUNCIOU a nada: outros prazeres, caça,<br />

campanhas... perigos...<br />

Ele NÃO FOI CORAJOSO... Uma carta do irmão bastou para<br />

fugir... e, durante a viagem, a sua DISPOSIÇÃO era a melhor<br />

do mundo!...<br />

Tenho razões para O ODIAR MORTALMENTE...<br />

Foi ela que causou a SUA PRÓPRIA <strong>DE</strong>SGRAÇA...<br />

Foi INGÉNUA... Não usou ARTIFÍCIOS para se fazer amar...<br />

Acuso-o de Perfídia... ...Declaro-lhe que o entregarei à<br />

VINGANÇA de minha família...<br />

Ela viveu num ABANDONO e numa IDOLATRIA que a<br />

horrorizam, e o REMORSO persegue-a com UMA CRUELDA<strong>DE</strong><br />

INSUPORTÁVEL...<br />

276


Sente ENORME VERGONHA DOS CRIMES que ele a levou a<br />

cometer...<br />

A Paixão impedia-a de CONHECER-LHES A<br />

MONSTRUOSIDA<strong>DE</strong>...<br />

O seu coração está DILACERADO...<br />

Não consegue libertar-se desta CRUEL PERTURBAÇÃO...<br />

Crê, apesar de tudo, que NÃO LHE <strong>DE</strong>SEJA NENHUM MAL...<br />

Até <strong>DE</strong>SEJA QUE ELE SEJA FELIZ...<br />

“Quero escrever-lhe outra carta... com mais SERENIDA<strong>DE</strong>...<br />

para, com SATISFAÇÃO, o CENSURAR pelo seu procedimento<br />

injusto, quando este já não ME IMPORTUNAR... e farei SENTIR<br />

que o <strong>DE</strong>SPREZO; que falo da sua TRAIÇÃO com a maior<br />

INDIFERENÇA; que esqueci ALEGRIAS E PENAS...”<br />

Ele tem vantagens porque inspirou uma PAIXÃO que lhe fez<br />

PER<strong>DE</strong>R A RAZÃO... mas não deve ENVAI<strong>DE</strong>CER-SE com isso.<br />

“Eu era nova, ingénua; haviam-me encerrado neste convento<br />

desde pequena; não tinha visto senão gente desagradável;<br />

nunca ouvira as belas coisas que constantemente me dizia;<br />

parecia que só a si devia o ENCANTO E A BELEZA QUE<br />

<strong>DE</strong>SCOBRIRA EM MIM, E NA QUAL ME FEZ REPARAR...”<br />

“Mas por fim, LIVREI-ME DO ENCANTAMENTO....”<br />

E, depois de desferir as mais AZEDAS e IRÓNICAS ACUSAÇÕES<br />

termina:<br />

“É preciso deixá-lo, e não pensar mais em si. Creio mesmo que<br />

não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar<br />

conta de TODOS OS MEUS SENTIMENTOS?"<br />

Parece, podermos afirmar, que temos, aqui, um levantamento<br />

quase completo de TODOS OS SENTIMENTOS que podem mover A<br />

NATUREZA HUMANA! ou, ao menos, as/os apaixonadas/os!<br />

277


Os que ali faltam na minha pretensa listagem, pode o leitor<br />

procurá-los avidamente nessa mesma carta e nas restantes quatro.<br />

Este é o mágico conselho dos magos da clareira escondida na<br />

floresta, das fadas e dos sábios que desta vez se reuniram no<br />

BALCÃO <strong>DE</strong> ON<strong>DE</strong> SE AVISTA MÉRTOLA - as Portas de Mértola!!!.<br />

Aquele BALCÃO, Janela? Varanda? Onde Mariana tantas vezes...<br />

"MUITAS VEZES DALI TE VI PASSAR COM UM AR QUE ME<br />

<strong>DE</strong>SLUMBRAVA; ESTAVA NAQUELE BALCÃO NO DIA FATAL EM QUE<br />

SENTI OS PRIMEIROS SINAIS DA MINHA <strong>DE</strong>SGRAÇADA PAIXÃO.<br />

PARECEU-ME QUE PRETENDIAS AGRADAR-ME, EMBORA NÃO ME<br />

CONHECESSES; CONVENCI-ME <strong>DE</strong> QUE ME HAVIAS DISTINGUIDO<br />

ENTRE TODAS AQUELAS QUE ESTAVAM COMIGO; QUANDO PARAVAS,<br />

IMAGINAVA QUE O FAZIAS INTENCIONALMENTE PARA QUE MELHOR<br />

TE VISSE, E ADMIRASSE O GARBO E A <strong>DE</strong>STREZA COM QUE<br />

DOMINAVAS O CAVALO; DAVA COMIGO ASSUSTADA, QUANDO O<br />

LEVAVAS POR SÍTIOS PERIGOSOS...<br />

Com esta sábia assembleia de fadas e de magos a olhar<br />

ansiosos o intenso vaivém das PORTAS <strong>DE</strong> MÉRTOLA vamos ouvindo<br />

Fidelino de Figueiredo:<br />

Pode ali ver-se nessas cartas poema:<br />

“O desespero do abandono; a lógica sentimental de tender a justificar<br />

o que se deseja; a voluptuosidade agridoce de gozar no sofrimento; o<br />

transporte de absorver toda a personalidade do ente amado; as<br />

contradições constantes de quem só toma posições extremas e<br />

insustentáveis e num incessante vaivém se debate, como havendo<br />

perdido o rumo no pego encapelado do sentimento; todo o delírio<br />

imaginoso de uma alma reduzida à imobilidade e à clausura,<br />

orgulhosa de haver ascendido a um cume excelso donde avistou<br />

vasta amplidão de ideal; a alternativa de querer ciosamente guardar<br />

no coração recordações da perdida felicidade, como tesouro velado a<br />

almas vulgares, para logo fraquejar perante o penoso dessas<br />

278


memórias; a abnegação sem orgulho; todos os extremos doidejantes<br />

duma alma rica de emotividade, mas que perdera o equilíbrio e a<br />

realidade - tudo que uma paixão absorvente pode produzir, ali está<br />

expresso naquele pequeno poema de amor. O martírio do abandono,<br />

o inferno de amar já sem esperança e a desolação de quem antevê<br />

para si toda uma vida de solidão e tristeza trespassam as cartas, não<br />

com a monotonia plangente das lamentações, mas em traços rápidos<br />

e incisivos, feitos de cobardia egoísta e egoísmo orgulhoso. Nessa<br />

mulher o amor revelou-lhe a própria alma, tão grande e sensível que<br />

parece ter-se nela acumulado a sensibilidade de gerações, o caudal<br />

guardado pela clausura. Estava mesmo disposta a servir as amantes<br />

que porventura ele tivesse em França para não perder a oportunidade<br />

de arcar com a insuportável gravidade, risco e perigo do seu amor<br />

por ele...!!!<br />

279


Enfim...<br />

As Cartas Portuguesas!<br />

Les Lettres Portuguaises!<br />

As Cartas da Freira Portuguesa!<br />

Cinco Textos tecidos de DOR(ES),<br />

GRITOS gritados em gritantes LETRAS<br />

<strong>DE</strong> SENTIMENTOS angustiados e contrários<br />

confusos, contraditórios<br />

mas gritos que ecoam em estonteante ECO<br />

dilacerante de encontro aos muros do convento,<br />

do convencional que oprime e dilacera,<br />

teimosamente olhando do balcão de Mértola<br />

o Longe, o Azul, o Sul,<br />

o Sol, a Luz, o Além,<br />

A Felicidade!!!<br />

GRITOS e GRA<strong>DE</strong>S!<br />

Grades que provocam os gritos...<br />

Gritos que procuram desesperadamente derrubar as grades<br />

que os tentam sufocar e abafar .<br />

Cartas Portuguesas!<br />

Lettres Portuguaises!<br />

Letras Portuguesas<br />

GRITOS<br />

DORES<br />

SENTIMENTOS<br />

GRITOS ESTRI<strong>DE</strong>NTES SAÍDOS DAS MAIS PROFUNDAS<br />

ENTRANHAS<br />

DO CORAÇÃO DUMA MULHER!...<br />

280


COMO GRITOS SAÍDOS DAS ENTRANHAS DA TERRA<br />

GRITOS <strong>DE</strong> GENTE<br />

GRITOS <strong>DE</strong> POETA<br />

GRITOS <strong>DE</strong> PESSOAS<br />

GRITOS <strong>DE</strong> UM POVO<br />

desesperadamente<br />

A GRITAR<br />

para despedaçar, lutando, TODAS AS GRA<strong>DE</strong>S!<br />

Buscando a LIBERDA<strong>DE</strong>!!!<br />

281


282


img025 – mariana à janela donde se avista Mértola!<br />

“Muitas vezes dali te vi passar com um ar que me deslumbrava...” p. 276<br />

283


284


3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode<br />

(en)co(a)nt(r)ar...<br />

Há anos, muitos anos que se passaram há mais de trezentos<br />

anos, mais precisamente em 1640-1723, num reino muito distante e<br />

perdido do mundo que ficava ali no Alentejo mais propriamente em<br />

Beja, havia uma mulher e um homem que queriam ter um filho pois<br />

já tinham uma filha, e um filho era importante, segundo os costumes<br />

do tempo, para assegurar as propriedades e com elas a prosperidade<br />

e a posteridade duma família com pergaminhos... e terras... e bens...<br />

e prole...<br />

Tanto desejaram, tanto desejaram, que um dia, quando a<br />

mulher se estava refrescando na frescura sombreada de uma fonte<br />

retirada das vistas da cidade perdida, lá para os lados de noroeste,<br />

apareceu-lhe uma cobra monstruosa e encantada que lhe disse:<br />

⎯ Não tenhas medo. O teu desejo vai ser satisfeito. Antes de<br />

um ano, darás à luz uma menina.<br />

Leonor ⎯ era assim que se chamava a mulher ⎯ ouviu. Não era<br />

bem aquilo que queria... Mas, como com cobras não se pode discutir<br />

muito, guardou para si o seu segredo e esperou.<br />

A profecia da serpente realizou-se e aquela mulher teve uma<br />

filha tão linda que o homem quis dar uma grande festa para partilhar<br />

com todos a sua alegria. O senhor Francisco, ⎯ assim se chamava o<br />

extremoso pai ⎯ além de convidar todos os familiares, parentes e<br />

amigos, convidou também as fadas do reino para que<br />

providenciassem o futuro mais feliz possível para a sua filha, o que<br />

não era muito fácil, naqueles tempos conturbados!... e naqueles<br />

ermos perdidos!<br />

Ora havia naquele reino, perdido e esquecido há anos muitos<br />

anos, treze fadas que fadavam e rondavam a cidade com seus fados<br />

285


ons e maus, mas eles, que só tinham um serviço completo com doze<br />

pratos, digno de tais convidadas, convidaram só doze.<br />

⎯ Chega. ⎯ Disse o senhor Francisco ⎯ Não é por faltar uma<br />

que a menina ficará menos bem fadada!... e quem dá o que tem, não<br />

é obrigado a mais.<br />

⎯ Até porque, se convidamos mais uma, e não a podemos<br />

servir na baixela de prata como as <strong>outras</strong> doze! ⎯ disse a senhora D.<br />

Leonor ⎯ que ofensa, meu Deus! Que horror não seria! E uma mesa<br />

com treze, até pode ser logo um mau agoiro para a nossa filha!...<br />

Bem basta que tenha sido outra filha, e não um filho como tanto<br />

desejávamos, para a ser mau presságio... ⎯ Isto, pensava<br />

secretamente e senhora D. Leonor, mas não disse nada.<br />

A festa foi celebrada com muita alegria e esplendor e no meio<br />

dos cantos e dos contos com que os convidados se encantavam uns<br />

aos outros perante a beleza da menina que nascera, e, embora já<br />

fosse encanto que bastasse, as fadas fadaram a princesa com dons e<br />

encantos que tinham guardados no poder mágico das suas varinhas<br />

de condão!<br />

Veio então a primeira e disse:<br />

A segunda disse:<br />

A terceira disse:<br />

⎯ Estás fadada, estás marcada,<br />

para seres mui virtuosa,<br />

e seres sempre consagrada<br />

a um deus, como uma rosa!<br />

⎯ Serás a mais inocente<br />

no meio da tua gente!<br />

⎯ E num dia especial,<br />

quando passar um cortejo,<br />

o teu ar celestial,<br />

vai despertar tal desejo<br />

que te há-de ser fatal<br />

286


E a quarta disse:<br />

A quinta disse:<br />

A sexta disse:<br />

A sétima disse:<br />

E a oitava:<br />

E a nona disse:<br />

E a décima:<br />

E a décima primeira:<br />

⎯ De tal modo sentirás<br />

que toda a terra ouvirá!<br />

⎯ Não sentirás só o Amor<br />

provarás todas as DORes!<br />

⎯ Teu Amor e tua DOR<br />

tua DOR e o teu Pranto<br />

vão dar ao Mundo calor - cor<br />

e encher tudo de Espanto - santo!!!<br />

⎯ A tua DOR sem igual<br />

Vai dar-te Prazer sem rival!<br />

⎯ ‘Té na tua Solidão<br />

vai vibrar teu coração<br />

em luta contra a Razão<br />

Labirinto e Confusão!!!<br />

⎯ Os prazeres que vais sentir,<br />

muitas damas, de o sonharem<br />

dariam a vida e porvir, (a vida por vir)<br />

de só um pouco, provarem!!!<br />

⎯ Com todos os teus sentidos<br />

misturados e vividos<br />

os teus gritos de Prazer<br />

serão Dores para... Morrer! Viver<br />

⎯ Vou-te lançar um encanto,<br />

contado com doce canto.<br />

287


e um tal deslumbramento<br />

que verás o seu Encanto<br />

no meio do sofrimento!!!<br />

E como o cortejo das fadas a era muito longo e todos tinham<br />

parado, com a boca seca, tensos sequiosos, parados suspensos, para<br />

ouvir as palavras mágicas das fadas e procuravam adivinhar nelas o<br />

que seria o futuro de tão prendada menina, no meio daquelas<br />

palavras cantadas/encantadas, eis que de repente houve um barulho<br />

infernal – BRRRUM BUM BUM – na sala da festa, que causou a maior<br />

confusão. Entrara a fada de olhos brilhantes e coléricos, que não<br />

tinha sido convidada, e vinha vestida de preto e pensava, na sua<br />

raiva delirante, que a todas as fadas tinham fadado a menina com<br />

tudo o que há de bom e desejável, e vinha para estragar todas as<br />

promessas de felicidade que pairavam sobre o berço e a vida da<br />

menina... (É assim, às vezes, a sorte do nosso fado! É que as magas<br />

e as fadas também tem raivas e podem enganar-se ou distrair-se!...<br />

ou até precipitar-se!)<br />

Disse então a numero treze:<br />

⎯ Abacadabra! Amor com DOR!<br />

Ouvi todos com horror!<br />

Brum Ruumm Bruummm...e com terror!<br />

Por volta dos seus vinte anos,<br />

Ai! esta bela menina<br />

vai-se picar nalgum fuso,<br />

ou nalguma agulha fina!<br />

ou então vai encontrar<br />

uma serpente encantada<br />

como já acontecera<br />

a sua mãe... para a ter !<br />

Ficará ferida de morte!...<br />

E, se conhecer o Amor,<br />

há-de conhecer também<br />

288


a DOR pungente que tem! ...<br />

Aí tens a tua Sorte...<br />

Este é que é o meu dote!<br />

Brrrrrrr! Amor com DOR!<br />

...E voou como um vapor...!<br />

E tão rápido como tinha entrado, a fada furiosa desapareceu<br />

sem que ninguém visse sequer por onde...<br />

Apareceu então a rainha das fadas, que esperava tudo daquela<br />

sua companheira, que não tinha sido convidada, e se tinha deixado<br />

ficar para o fim, sem que ninguém o tivesse percebido. Tais eram os<br />

votos que todas as fadas tinham feito, que todos pensavam que<br />

algum, era com certeza, já, o da rainha das fadas!... Ela aliás, em<br />

nada se distinguia das <strong>outras</strong>, mas era a rainha escolhida para reinar<br />

durante aquele tempo, coisas que só acontecem no reino das<br />

fadas!...<br />

E disse a rainha das fadas, para nós, a número doze:<br />

⎯ Nada posso desfazer<br />

do que disse aquela fada!<br />

Ela há-de-se picar...<br />

E também vai encontrar<br />

uma serpente encantada!...<br />

Mas a picada de morte,<br />

não é morte. Será vida!<br />

E vai viver a dormir<br />

uns cem anos bem contados...<br />

E depois, ao acordar,<br />

com a picada mortal!<br />

os gritos que ela vai dar<br />

durante toda uma vida<br />

vão espantar toda a Terra<br />

que se verá comovida<br />

289


como em convulsões de guerra,<br />

abalada, arrebatada,<br />

por uma DOR renovada!<br />

A festa acabou com bastante alegria misturada com o medo e a<br />

ansiedade do que iria acontecer, e cada um foi para as suas casas...<br />

Os pais da menina que a queriam defender de todo o mal que<br />

lhe pudesse acontecer, ao chegar logo aos onze anos, meteram-na<br />

numa espécie de castelo que bem podia ser uma prisão, mas onde<br />

estavam convencidos de que nenhum mal, daqueles que foram<br />

anunciados pela fada irada, lhe podia vir a acontecer, e onde nada lhe<br />

faltaria de tudo o que desejasse. Viveu assim a menina muitos anos e<br />

se até aos onze já era prendada com todos os dons que as fadas<br />

tinham anunciado, mesmo no castelo que bem podia ser uma prisão,<br />

onde nada lhe podia faltar, esses dons desenvolveram-se tanto, à<br />

medida que ela ia crescendo cada vez mais bela e sedutora, que<br />

quem a via não podia deixar de gostar dela.<br />

Vinham então naquele tempo, muitos príncipes e cavaleiros<br />

doutros reinos para auxiliarem este reino que passava tempos muito<br />

conturbados. Já antes de a Menina nascer, durante doze lustros, um<br />

rei poderoso tinha tomado conta de todo o reino ao qual pertencia<br />

este reino mais pequeno e mais perdido e esquecido, e mandava em<br />

todos os povos mesmo neste desprezado e perdido para além do Tejo<br />

de modo que muitos viviam no medo e na revolta. Vinham então,<br />

estes príncipes cavaleiros ajudar o rei, para que isso não pudesse<br />

mais acontecer.<br />

Mas aconteceu que um dia, quando a menina já estava a passar<br />

a idade anunciada pela fada despeitada, e já ninguém pensava que<br />

algum mal lhe pudesse acontecer,...um dia, que estava com todas as<br />

suas companheiras, olhando do alto duma varanda envidraçada tudo<br />

o que se descortinava para o Sul até lá muito ao longe, para os reinos<br />

de Mértola e além Garbe, ela, de repente, soltou um grito<br />

desesperado e caiu como se estivesse morta. Ninguém dera conta de<br />

290


nada. Não se notava ferida nenhuma. Na mão direita que tinha<br />

pousada sobre o peito, notava-se um sinal que nem picada parecia! O<br />

que seria? O que não seria? Os médicos chamados não descortinaram<br />

nada! Mas o certo é que ela continuava aparentemente morta e de<br />

olhos fechados parecendo que morria!<br />

Nesse momento, sem que disso ainda se tivessem bem<br />

apercebido as donzelas que olhavam fascinadas os campos e os<br />

longes que se abriam para o Sul, entrava na cidade, pelas portas de<br />

Mértola, um grupo de soldados comandados por um forte e esbelto<br />

cavaleiro, que brindava a população, que timidamente os espreitava<br />

por detrás das janelas e começava a correr para a rua, com<br />

evoluções e malabarismos arriscados com que habilmente fazia<br />

evoluir a sua montada na calçada empedrada da rua e no aterro que<br />

ladeava o castelo encantado que mais parecia uma prisão onde<br />

nenhum mal podia acontecer à fadada menina, e arrancava ais e<br />

suspiros de aflição e excitação às pessoas que assistiam surpresas!<br />

enfeitiçadas!<br />

Foi no momento em que a luz o nimbou com um reflexo<br />

repentino!... No momento em que se recuperava dum súbito<br />

desequilíbrio da montada!... No momento em que Mariana escondida,<br />

tão distante!, ali tão perto!, atrás da janela, estava presa como que<br />

alheada nas evoluções arriscadas do nobre cavaleiro,... que um brilho<br />

inesperado acendeu os olhos de Mariana! Um brilho repentino! Um<br />

golpe fatal! Como um raio! Relâmpago! Repentino! Fulminante!<br />

Invisível! Invisível a todos! Real para ela! que a prostrou sem vida...<br />

Sem vida aparente!<br />

Correu então pela cidade a nova nunca ouvida de que uma bela<br />

menina na flor da idade que pouco mais teria que os seus vinte anos<br />

ou ainda os não teria tão fresca e jovem ela aparecia!, estava picada<br />

de morte e não morria, e já se mantinha assim há muitos dias...<br />

Tanta fama correu, que a nova chegou aos ouvidos daqueles<br />

formosos cavaleiros, que tinham vindo de longe para ajudar o rei<br />

291


deste reino nas campanhas e dificuldades que o reino atravessava.<br />

Vinham pois eles equipados com tudo o que tinham de melhor e<br />

podiam transportar para assim melhor servirem o rei que vinham<br />

servir e dar bom-nome ao rei de que eram súbditos. Quando a nova<br />

correu entre aqueles estrangeiros, houve um que disse:<br />

Parbleu! Quel belle nouvelle!<br />

Je saurai, certainement<br />

Qu'est-ce qu'elle a, la demoiselle!<br />

292<br />

Oh meu Deus, que nova bela!<br />

Eu saberei com certeza<br />

Qual o mal dessa donzela!<br />

⎯ Porventura! eu sei a doença que sofre a pobre e formosa<br />

donzela! Não posso ter a certeza, mas se a puder ver, experimentarei<br />

os remédios que pude trazer comigo e nunca me abandonam e são<br />

segredos descobertos no nosso reino que porventura ainda não<br />

chegaram ao vosso país e não me competirá a mim revelá-los, tão só<br />

usá-los em caso de extrema necessidade como me parece ser esta!<br />

Tão formoso discurso foi ouvido com muita atenção, espanto e<br />

esperança, e logo esta bela fala do cavaleiro correu pela cidade, e<br />

logo o levaram à presença da doente que mais parecia morta, mas<br />

que irradiava uma beleza suave e discreta na sua palidez.<br />

O cavaleiro chegou, olhou e ela continuava como morta.<br />

Olhou com mais atenção e pode ver a cor da palidez do rosto e<br />

dos lábios e como que pode adivinhar o brilho dos seus olhos mesmo<br />

sem os ver.<br />

Fez com a cabeça um sinal que todos entenderam que sabia<br />

que doença era e que teria o remédio indicado para ela e todos se<br />

retiraram respeitosamente... mesmo a ama, que mais cuidava<br />

daquela menina, encarregada pelos pais de que nada lhe faltasse<br />

mesmo naquele castelo que mais parecia uma prisão!<br />

Então..., o cavaleiro olhou mais insistentemente os olhos que<br />

não via mas adivinhava... os olhos que o não viam mas o<br />

adivinhavam! aproximou-se. tocou-lhe no rosto. deu-lhe o beijo...


Mal a beijou ela começou a abrir os olhos, e quando lhe deu o<br />

remédio salvador que trazia para a salvar, ela abriu desmedidamente<br />

os olhos de encanto e espanto descobrindo realidades fantásticas que<br />

os sonhos e presságios já lhe tinham indicado, mas ela não julgava<br />

nem sonhava possíveis, não podendo conter em si a alegria que a fez<br />

entrar num desvario que mais parecia um deslumbramento.<br />

Todos se encheram de alegria e festejaram tão milagrosa cura<br />

que ela não podia esconder de ninguém e, durante algum tempo,<br />

pode aquele salvador providencial visitar e assistir à espantosa<br />

convalescença da sua doente!<br />

Quando enfim, no final das campanhas, os cavaleiros tiveram<br />

de partir, e entre eles aquele maravilhoso que a tinha salvo, os seus<br />

gritos de dor e alegria foram tão estridentes, tão impressionantes,<br />

que embora só desse CINCO! daqueles PRODIGIOSOS GRITOS, UM<br />

EM CADA <strong>DE</strong>Z ANOS DOS CINQUENTA QUE AINDA VIVEU, eles foram<br />

tão sentidos, tão dolorosos, tão expressivos da alegria e do encanto<br />

que sentira, que se ouviram além fronteiras e ainda ecoam pelo<br />

mundo como expressão dos mais profundos sentimentos que pode<br />

experimentar a pessoa humana!<br />

TÃO TRISTES, TÃO SAUDOSOS,<br />

TÃO SENTIDOS DA PARTIDA,<br />

POR SE VER ASSIM TRAÍDA,<br />

POR SE VER ASSIM CAÍDA!<br />

QUE PASSOU A SUA VIDA<br />

A QUERER CURAR-SE DA FERIDA,<br />

SEM O QUERER, POR ESTAR PERDIDA...<br />

E POR MAIS QUE ELA GRITASSE<br />

E QUE <strong>DE</strong>SEJASSE CURAR-SE;<br />

OS SEUS GRITOS DOLORIDOS,<br />

ERAM SÓ P'RA QUE ELE VOLTASSE<br />

E LHE ABRISSE AQUELA FERIDA<br />

POIS ENCONTRARA NA VIDA...<br />

293


UMA ENCANTADA ALEGRIA,<br />

QUE ELA NÃO QUERIA PERDIDA,<br />

E VALIA MAIS QUE A VIDA,<br />

VIVIDA SEM ALEGRIA!...<br />

Eram assim os gritos de Mariana! Os gritos de Maria... Os gritos<br />

de Ana... Os gritos da Ama... Os gritos da Maria Ana... da Maira... da<br />

Maíra...da Nairama... da Arima... da Arinama... da Miriam... de todas<br />

os MARIAS que de todos os rios, de todas as rias, do Tejo, do Sado,<br />

do Guadiana – Odiana, do Alva e Ceira, do Mondego e do Douro...<br />

que correm para o MAR... que unem fronteiras, que rasgam<br />

fronteiras... daquém, dalém montes... daquém e dalém Tejo!!! mas<br />

carregam as DORES de todas as FONTES! e levam as lágrimas de<br />

todos os peitos... onde a DOR floriu!<br />

MARIAS!...<br />

Eram assim os gritos de TANTAS! Tantas MARIANAS!...<br />

294


A MAGIA DAS DÉCIMAS POPULARES!!!<br />

O MOTE GLOSADO EM ESPIRAL – ou A QUADRATURA DO CÍRCULO.<br />

A MAGIA DA QUADRA QUADRADA QUE GIRANDO SE TORNA<br />

CÍRCULO!<br />

img026 – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado…<br />

295


img026b – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado… manuscrito!<br />

296


0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo<br />

Os magos e as fadas da clareira escondida na floresta, que<br />

nesse dia tinham reunido na sala do capítulo, onde tantas freiras<br />

tinham sido repreendidas e censuradas pelas suas leviandades e a<br />

quem foram impostas rigorosas e penosas penitências, saíram<br />

cabisbaixos e ainda pensativos carregados com os mistérios que<br />

tentavam desvendar através de tão atribuladas e excitantes histórias<br />

com um misto de factos reais e históricos, à mistura com umas cartas<br />

que tanta polémica levantaram e levantam sobre a sua autenticidade<br />

e mais ainda a Lenda!... e tentaram ir até ao balcão de Mértola que<br />

se abria sobre a planície para o Sul...<br />

Quem é que lá foram encontrar? triste e pensativa, recortada<br />

no contraluz do dia a entardecer? A Mariana! Não. Não era a Mariana<br />

Alcoforado. Mesmo que fosse não a reconheceriam, pois como não<br />

deixou nenhum retrato autêntico para a posteridade, muitos artistas<br />

a retrataram conforme a sua ideia, suposições e inspirações, e até<br />

Matisse, em traços simples e vigorosos, se comoveu com a pobre<br />

freira portuguesa do sul e, como diz Belard da Fonseca, como nunca<br />

deve ter visitado Portugal, nos dá a imagem de uma mulher tipo de<br />

marroquina, lábios muito carnudos, malares salientes e olhar de<br />

animal perseguido.”<br />

Como é que ali teria entrado aquela intrusa? Não sabiam e<br />

também não perguntaram. Também ninguém sabe como é que o<br />

Cavalheiro de Chamilly teria entrado naquele convento de clausura<br />

rigorosa!, mas sabe-se que pelo menos desde 1665 as freiras foram<br />

fazendo casas próprias ou mais propriamente quartos encostados aos<br />

muros do convento e o pai de Mariana teria até mandado construir<br />

297


duas, e embora fossem obrigadas a ir pernoitar no dormitório<br />

interior, algumas, pelo menos algumas vezes, não iam com certeza.<br />

Ali estava ela recortada pela luz coada da Janela de Mértola e<br />

respeitaram seu silêncio e as suas divagações. Pensava talvez, como<br />

eles os magos, e elas as fadas, descobrir o significado das leis<br />

daquela época que encerravam jovens de tenra idade num convento<br />

inventado pelos senhores dos morgadios e latifúndios para que a<br />

riqueza da terra não se perdesse! e ali as sepultavam vivas!<br />

E a riqueza dos valores e sentimentos humanos que foram traídos e<br />

violentados?<br />

Essa Mariana é talvez um símbolo! Quando a riqueza humana,<br />

de sentimentos humanos e de corpo humano é semeada nesta terra<br />

fecunda do Alentejo, não pode ficar condenada à esterilidade<br />

castrada, ignorada, sem dar frutos. Os seus arroubos de doação e<br />

entrega, a sua riqueza de sentimentos, ecoaram pelo Mundo e ainda<br />

ecoam. Ela, como a Florbela e mais ainda outra figura de Lenda, a<br />

Aldonça da Fonte Mouro, são possivelmente os ícones, símbolos desta<br />

TERRA ALENTEJANA, feminina, fértil, rica, tanto em CULTURA⎯Terra,<br />

como em CULTURA⎯Povo, e a FONTE de Aldonça, como as CARTAS<br />

de Mariana, serão o grito feminino desta TERRA fecunda quando a<br />

querem votar ao abandono, a pretendem fechar numa clausura ou<br />

lhe criam entraves ao desenvolvimento, ou a pretendem<br />

simplesmente colonizar como um qualquer Marquis de Chamilly que<br />

só viria aproveitar e impor sua superioridade balofa de gente erudita<br />

e bem nascida! E vêm! E chegam! E regem! E ditam! E determinam!<br />

Mandam! Decidem! Condenam! Tem soluções para tudo! que não<br />

resolvem nada... - Os de cá, não percebem nada! Nós é que<br />

sabemos! Então não vêem, seus molengões, o que podem fazer, das<br />

coisas que são vossas! - Nós é que sabemos!... Eles é que sabem...!<br />

298


Como todos os colonizadores souberam fazer, sempre, o melhor, nas<br />

colónias onde enriqueceram à custa dos ignorantes!!! Coitados!!!<br />

⎯ Claro que não é só isso! ⎯ disse uma das fadas que tinha<br />

estado sempre muito calada.<br />

⎯ Quantos gritos de mulheres enclausuradas e exploradas se<br />

revêem na revolta de Mariana e quantas damas que ficaram para<br />

tias, sonharam aquelas cartas que talvez tenham escrito nos seus<br />

diários íntimos... E como elas, quantas terras? Quantas regiões<br />

perdidas, isoladas, enclausuradas, exploradas, oprimidas... deixadas<br />

estéreis em nome de leis como a dos morgadios... em nome do<br />

desenvolvimento... (deles!); do envolvimento... (deles!); em nome<br />

do regadio... (deles!); em nome da Pátria… (deles!); em nome da<br />

crença... (deles!); em nome da Fé... (deles!); em nome do<br />

progresso... (deles!).... quantas Marianas... Anas... Marias... Rios...<br />

Rias... Mares... ficaram infecundos, sem AMAR... sem CRIAR... A<br />

GRITAAAAAAAR: AIS! AI! AI! AI! IA!... ... ... IAAAAAAAAAAAAAAA M !<br />

⎯ Há uma imensidade de sinais que tentamos desvendar.<br />

Talvez aquela cigana os esteja a ler melhor que nós, olhando a lua<br />

que se levanta neste céu de Agosto e esteja a ler nos astros, os<br />

destinos e anseios das mulheres e homens deste país de poetas,<br />

cantadores e contadores de histórias!<br />

⎯ Mas já vêm aí as Europas e as Américas com os seus dólares<br />

e ecus e euros, e com os seus iluminados a decidirem o que é melhor<br />

para nós e para o Alentejo... E esses, que estudam nos livros e nas<br />

catedrais do saber, não se vão deixar enganar pelas letras das<br />

estrelas que têm o segredo do Cosmos e do Universo! Esses vão<br />

trazer aqui tudo o que é iluminária e inteligenzia!!!... Vão ouvir e<br />

seguir todos e tudo, até lhes vão pagar para os ouvir cagar<br />

sentenças!, menos ouvir as soluções daqueles que sabem, porque<br />

299


sempre aqui viveram ao ritmo das estações e sabem ouvir e<br />

interpretar a Terra e a Natureza, a até, pobres analfabetos!, tentam<br />

ler as letras das estrelas!, com a sua Poesia e o seu Cante!!!<br />

E assim encerraram, os magos da clareira escondida na<br />

Floresta, as suas reflexões. A Mariana recolheu-se à sua liberdade e<br />

correu para o campo à procura do acampamento e do seu amado, o<br />

cigano Castanho...<br />

... Na Planície imensa, ao Sol de Agosto, abraçados um ao<br />

outro, ouviram subitamente um GRITO! Um CHORO! UM CORO! que<br />

era um lamento das ÁRVORES DO ALENTEJO gritado num soneto de<br />

Florbela Espanca:<br />

«ÁRVORES! CORAÇÕES, ALMAS QUE CHORAM,<br />

ALMAS IGUAIS À MINHA, ALMAS QUE IMPLORAM<br />

EM VÃO REMÉDIO PARA TANTA MÁGOA!»<br />

«ÁRVORES! NÃO CHOREIS! OLHAI E VE<strong>DE</strong>:<br />

⎯ TAMBÉM ANDO A GRITAR, MORTA <strong>DE</strong> SE<strong>DE</strong>,<br />

PEDINDO A <strong>DE</strong>US A MINHA GOTA <strong>DE</strong> ÁGUA!»<br />

300


Aviso aos leitores…<br />

Avisam-se os leitores mais<br />

distraídos, que qualquer<br />

semelhança que possa haver<br />

entre qualquer coisa que fica<br />

aqui contado e a história ou<br />

personagens possivelmente<br />

existentes na História ou na<br />

sociedade vista no seu conjunto,<br />

é pura e simples coincidência,<br />

uma vez que tudo o que fica<br />

aqui escrito é obra de pura<br />

ficção e do contributo de muitas<br />

e variadas obras de ficção de<br />

consagrados e renomados<br />

autores, e só existe no<br />

prodigioso MUNDO DA FÁBULA!<br />

do FANTÁSTICO! do<br />

MARAVILHOSO!...<br />

POSSIVELMENTE MAIS REAL DO<br />

QUE O MUNDO dito REAL!...<br />

301<br />

O Autor


302


VITÓRIA VITORIA<br />

ACABOU-SE A HISTORIA.<br />

E ASSIM FICA PROVADO,<br />

<strong>DE</strong>POIS <strong>DE</strong> BEM ENROLADO<br />

O NOVELO JÁ DOBADO...<br />

QUE AQUI NO ALENTEJO,<br />

NÃO SE VIVE <strong>DE</strong> ILUSÕES<br />

NEM <strong>DE</strong> SONHOS SENSAÇÕES... NEM TÃO POUCO <strong>DE</strong> PAIXÕES!<br />

POIS TUDO ISTO<br />

SÃO PURAS FICÇÕES...<br />

ISTO TUDO É UM <strong>DE</strong>SERTO,<br />

ON<strong>DE</strong> NADA É PERTO...<br />

ON<strong>DE</strong> NADA É LONGE!...<br />

NÃO HÁ LONGE NEM DISTÂNCIAS, MAIS AMPLAS NESTE PAÍS...<br />

MAS HÁ ESPAÇO PRÓ SONHO<br />

E HISTÓRIAS <strong>DE</strong> PASMAR...<br />

É O POVO QUEM O DIZ<br />

COM SEUS CONTADORES <strong>DE</strong> HISTÓRIAS<br />

E CANTADORES E POETAS...<br />

QUEM NÃO CRÊ!!!?<br />

SÓ QUER É TRETAS.<br />

NÃO QUER POETAS<br />

SÓ QUER PETAS<br />

P’RA REGAR A IDIOTICE!<br />

MAS SE QUER SÓ ANEDOTAS<br />

NÓS TAMBÉM LHAS CONTAREMOS<br />

E MUITAS ATÉ COM CHISTE<br />

PR’ADOÇAR ESSA CHATICE<br />

E ATÉ A PAROLICE<br />

DOS PACÓVIOS DA CIDA<strong>DE</strong>.<br />

303


NÓS QUE SOMOS BONS ARTISTAS<br />

COMO DIZ CERTO JUIZ...<br />

MAS PASSAMOS POR PAROLOS<br />

PRÓS TOLOS <strong>DE</strong>STE PAÍS<br />

QUE QUEREM PAPAS E BOLOS...<br />

VIMOS DAQUI AVISAR<br />

QUEM ASSIM OUSA PENSAR<br />

NA SUA PRIVACIDA<strong>DE</strong><br />

SEM PENSAR UM SÓ INSTANTE!...<br />

QUE LABORA EM ERRO GRAN<strong>DE</strong>!...<br />

E ISSO É DOENÇA GRAVE<br />

OU UM MAL DA NOSSA RAÇA...<br />

MAS É DOENÇA QUE PASSA<br />

OU CO’A MORTE, OU CO’A IDA<strong>DE</strong>!<br />

BONS SONHOS TENHAM SENHORES, SENHORAS E CRIANCINHAS,<br />

‘TÉ NOVA OPORTUNIDA<strong>DE</strong>!...<br />

TAVON<strong>DE</strong>!!! T’AVONDO!!! TEM AVONDO!!!<br />

304


TAVON<strong>DE</strong>... TAVONDO...<br />

TEM AVONDO ! -- Fim ! -- Chega !<br />

... um FIM antes de acabar... como um último copo, para saborear<br />

devagar, durante a despedida...<br />

TAVONDO é uma expressão de algumas zonas do Alentejo...<br />

- Tavonde! Chega. Por agora basta! - avisava com ar brincalhão o<br />

António Romão do Penedro, quando acabava de lhe encher o copo...<br />

Tavondo! Por ora chega, de <strong>lendas</strong> e de reflexões!... Porque<br />

talvez, quem sabe? depois de ouvir os gritos estridentes de Mariana,<br />

os avisos luminosos das <strong>lendas</strong> escritos nas estrelas..., possamos<br />

ouvir os GRITOS <strong>DE</strong>STE POVO... povo “indolente” que moureja ao sol,<br />

“filho da fome e do trabalho sazonal”, que grita mudo: - “...somos<br />

nós!” “...temos uma cultura.”. “Grita Alqueva...” “...uma gota<br />

d’água...” “...alça-se o Castelo...” “...soltam-se os touros...”...canta o<br />

seu cante... e conta os seus contos... tem uma história... tem os seus<br />

poetas... os seus artistas... tem pessoas... tem gente... terra... e<br />

grita, calado: Chega de colonização! TAVONDO...tem avondo!...<br />

chega!<br />

... é que naquele dia de LUA CHEIA, (1988/08/26,27) a MARÉ<br />

CHEIA invadiu todo o areal da praia onde tínhamos acampado, não<br />

nós! claro!, mas os ciganos que eram o cigano Castanho e a cigana<br />

Mariana, e ameaçava, com a sua fúria, invadir a Terra, cobrindo-a,<br />

submergindo-a, impedindo os humanos de VER COM OS OLHOS<br />

ABERTOS os mistérios do MAR... Mas, sete horas depois, quando se<br />

levantou a alva e ainda todos dormiam <strong>DE</strong> OLHOS FECHADOS, a<br />

MARÉ VAZIA, com o recuo profundo das águas, pôs a descoberto as<br />

profundidades do mar...<br />

305


Então, acordei, não eu! claro! ...e pude ter o privilégio de VER<br />

os segredos ocultos aos olhos humanos...<br />

Assim, um dia, quando tiverem oportunidade de caminhar na<br />

praia durante uma maré vazia excepcionalmente profunda, aquando<br />

das marés vivas, que vos permita caminhar pela nudez do mar...<br />

avancem sem medo pela nudez de a mar... da mar... d’amar...<br />

talvez nesse dia,<br />

nos possamos ver<br />

e enfim perceber<br />

A LENDA DO TOURO,<br />

A LENDA DA COBRA<br />

E DA FONTE MOURO...<br />

DA PRINCESA COBRA<br />

E DO LIDADOR...<br />

e até voltar,<br />

vivendo outra vez,<br />

a mil e trezentos<br />

e oitenta e três...<br />

levantar um povo,<br />

tomar o castelo...<br />

depois regressar<br />

de novo ao futuro<br />

a mil e seiscentos<br />

nos anos quarenta<br />

e então gritar<br />

como a MARIANA<br />

os gritos de DOR<br />

desta TERRA fértil<br />

e que fica estéril<br />

de não fecundada...<br />

e os gritos gritados<br />

do povo esquecido<br />

306


por ser desprezado<br />

por ser explorado<br />

por ser fecundado...<br />

em proveito alheio.<br />

... E então perguntar:<br />

QUE CONTOS, QUE <strong>LENDAS</strong><br />

ESTE LIVRO CONTA?<br />

<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> ENCANTAR<br />

P’RÁ GENTE CANTAR<br />

<strong>DE</strong> NOITE AO LUAR?<br />

ou servem também<br />

para entender<br />

que aqui ou no mundo<br />

onde quer que seja...<br />

há <strong>lendas</strong> de touros<br />

de serpentes cobras<br />

de mouros e mouras<br />

de encantos e fontes<br />

de lutas de morte<br />

sonhando tesouros<br />

procurando a sorte<br />

procurando um norte<br />

gritando de dor<br />

de paixão, de amor...<br />

como aqui em Beja .<br />

e isso acontece<br />

em terra esquecida<br />

em qualquer lugar<br />

no tempo ou no espaço<br />

no mundo perdida...<br />

como em toda a parte<br />

307


na humanidade<br />

em constante guerra<br />

pela liberdade<br />

que seduz e aterra!...<br />

eterno combate<br />

do Homem na Terra<br />

bem escrito em verso<br />

no imenso Universo<br />

que podemos ler<br />

olhando as estrelas<br />

que são como letras<br />

das <strong>lendas</strong> que lemos... nós?...os analfabetos???<br />

Para quem O MAR é A MAR… AMAR!!!<br />

308


4 - OUTROS SIGNOS<br />

4.1 – PISÕES<br />

4.2 – AS MAIS<br />

309


310


4.1 - PISÕES<br />

311


312


0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!...<br />

A dada altura, correu voz pelas casas acaloradas de Beja e do seu<br />

termo, que, para os lados do Poente, a alguma distância do coração<br />

do Monte da Almocreva, viveu uma família romana, talvez de nome<br />

Atília, com a sua Villa Urbana de residência apalaçada, a sua Villa<br />

Rustica, para os servos, e a Villa Fructuaria, com os seus silos e<br />

armazéns para as colheitas, na melhor das comodidades e<br />

condições...<br />

de verão, protegiam-se do calor ardente do sol com a frescura da<br />

água que caia como em chuva em magníficos repuxos, serpenteava<br />

em regatos correntes como serpentes, e se estendia em<br />

reconfortantes piscinas como o mar...<br />

No Inverno, defendiam-se do frio com a grossura das paredes e a<br />

água circulava quente do hipocausto subterrâneo para os tanques<br />

aquecidos e podiam aproveitar toda a fonte do calor do sol, sempre<br />

generoso e abundante ao sul...<br />

À voz da descoberta! de todos os lados correram a ver aquela<br />

maravilha! gente de todos os lados, sequiosos, chorosos,<br />

deslumbrados, pela facilidade tão evidente de poder ser feliz em<br />

clima tão hostil! Choravam eles a tristeza de terem esquecido a arte<br />

de construir no ambiente adequado a habitação certa para poderem<br />

viver cómodos, confortáveis e felizes!... Mas para aqueles Atília<br />

viverem confortáveis, quantos eram sugados pelo frio, pelo calor,<br />

pela sede e pela fome?<br />

???<br />

Naquela noite, o cigano castanho e a cigana Mariana adormeceram<br />

embalados pelo sonho ancestral e universal de cada ser humano ter<br />

um lar, uma casa, uma vila, um monte... no campo, isolado dos<br />

313


outros e do mundo, mas muito perto para conviver... e poder dormir<br />

enfim ao som inebriante dos grilos e cigarras misturado com a música<br />

do vento que passa a dedilhar as árvores e as searas, acompanhada<br />

pelo murmúrio enfeitiçante da água das fontes e correntes...<br />

Assim, isolados! solitários! estariam aptos para enfim intervirem<br />

inteiros! solidários! na sociedade construída pelas mulheres e homens<br />

do seu povo universal encantado com o riso das crianças a crescerem<br />

para um Mundo Novo...<br />

Ali, entre ruínas… sonhando-se romanos instalados, meditavam:<br />

QUE OBSCURAS LETRAS SE LÊEM NA CLARIDA<strong>DE</strong> DAS ESTRELAS?...<br />

QUE CLAREZA <strong>DE</strong> ESTRELAS PO<strong>DE</strong>MOS NÓS LER<br />

NA OBSCURIDA<strong>DE</strong> DAS LETRAS QUE JUNTAMOS<br />

PARA FORMAR A MAGIA DAS PALAVRAS<br />

QUE TENTAM CONTAR AS <strong>LENDAS</strong> E AS HISTÓRIAS<br />

QUE TENTAM ENCANTAR COMO O CANTO DAS SEREIAS?<br />

SÃO OS MISTÉRIOS QUE TODOS BEM SABEMOS,<br />

MAS NÃO <strong>DE</strong>SCOBRIMOS NEM DIZEMOS!...<br />

QUE LOUCURA!<br />

SÃO VERDA<strong>DE</strong>S QUE NÓS BEM <strong>DE</strong>S/CONHECEMOS<br />

MAS NÃO REVELAMOS NEM AS ENTEN<strong>DE</strong>MOS!<br />

PORQUE SE NOS ATREVÊSSEMOS A OUVI-LAS<br />

COMO O CANTO sacrílego DAS SEREIAS<br />

Ficaríamos PRESOS COMO ULISSES<br />

OU CEGOS E SURDOS COMO OS OUTROS<br />

SEUS COMPANHEIROS <strong>DE</strong> AVENTURA...<br />

PORQUE NENHUM SER HUMANO PO<strong>DE</strong> OUVIR<br />

OU VER<br />

DIZER<br />

A VERDA<strong>DE</strong> QUE REGE A HUMANIDA<strong>DE</strong>...<br />

314


SEM MORRER!!!<br />

MORRER? OU LIBERTAR-SE<br />

<strong>DE</strong>STA HUMANIDA<strong>DE</strong> CONHECIDA<br />

QUE NÃO PO<strong>DE</strong> SUPORTAR A LUZ INTENSA<br />

DA VERDA<strong>DE</strong> NUA E CRUA, IMENSA,<br />

SECRETA E PROFUNDA, QUE A MANTÉM NA VIDA???!!!<br />

TAVONDO! - dizem os alentejanos.<br />

BONDA – Tem Abonde – dizem os outros mais ao Norte!!!<br />

Tem que chegue.<br />

TEM AVONDO!<br />

Chega.<br />

BAAAAAAAAAAAAAAAAAAASTA!<br />

315


316


img027 – no remanso de uma mansão romana!!!<br />

…“Ali, entre ruínas. sonhando-se romanos instalados, meditavam:...” p. 310<br />

317


318


4.2 - AS MAIAS<br />

In Expresso de 5 de Maio de 1984,<br />

Num trabalho de José Quitério, em COSTUMES:<br />

AS MAIAS – O 1º de Maio já era data antes de ser festa combativa: flores, meninos(as), destinos<br />

gentílicos, manducações rituais, diabo e esconjuros, trabalho e capital.<br />

Embora se estranhe, isto anda tudo ligado.<br />

319


320


04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS<br />

AS MAIAS<br />

A FESTA DAS FLORES<br />

A FESTA DA PRIMAVERA<br />

A FESTA DA ALEGRIA<br />

A FESTA DA V IDA<br />

AS MAIAS AS FESTAS MILENÁRIAS DA PRIMAVERA também EM<br />

<strong>BEJA</strong>...<br />

AS MAIAS AS FESTAS DO VER<strong>DE</strong> E DAS FLORES AMARELAS E <strong>DE</strong><br />

TODAS AS CORES...<br />

AS FESTAS DA ESPERANÇA NO VER<strong>DE</strong> DAS SEARAS QUE<br />

SE HÃO-<strong>DE</strong> TRANSFORMAR NO AMARELO DAS<br />

COLHEITAS DA COR DO OURO E DO SOL...<br />

AS FESTAS que celebram o ciclo constantemente<br />

renovado e aparentemente contraditório da ambígua<br />

vitória da VIDA sobre a MORTE e da MORTE sobre a VIDA<br />

que por sua vez será de novo vencida...<br />

E foi assim que há anos muitos anos que estão ainda para vir que a<br />

cidade de Beja se vestiu de FLORES e de CORES para celebrar uma<br />

FESTA nunca vista e nunca acontecida que afinal se celebrava desde<br />

sempre e em muitos lugares porque já vinha no coração e no ser<br />

íntimo de cada pessoa desde os tempos imemoriais e esteve sempre<br />

na alma e nas raízes destes povos de aquém do Tejo...<br />

321


Cada rua, cada bairro, cada canto de cada freguesia tinha o seu trono<br />

ricamente engalanado com todas as riquezas que permitia a fantasia<br />

das cores e dos odores que a Natureza tão prodigamente proporciona<br />

nesta época do ano e em cada trono, entronizada, a rapariga símbolo<br />

da beleza, da juventude, da alegria e da vontade de viver de toda a<br />

gente...<br />

Os sons, os cheiros misturados, o movimento e a agitação das<br />

pessoas espalharam-se pelo ar e rapidamente se propagara a toda a<br />

região e chegaram até à clareira escondida na floresta onde os magos<br />

e as magas meditavam estudavam e procuravam descobrir,<br />

descobrindo-se, a verdade, as verdades profundas da Natureza e da<br />

Natureza Humana...<br />

Ansiosos, insatisfeitos e preocupados, os magos da clareira escondida<br />

na floresta, onde evidentemente havia as magas-fadas com a sua<br />

afinada sensibilidade e encantos que encantavam os magos que por<br />

sua vez as encantavam com os encantos que lhe eram próprios,<br />

próprios da sua natureza e condição,...os magos da clareira,<br />

dizíamos, ansiosos, insatisfeitos e preocupados em sondar o<br />

significado dos gestos e manifestações que revelavam a maneira de<br />

ser profunda dos humanos, depois de terem tentado terminar tanta<br />

vez e dizer TAVONDO… CHEGA… TEM QUE CHEGUE… TEM AVONDO…<br />

JÁ CHEGA… como dizia o António - o Romão ali o do Penedro com os<br />

seus olhos brilhantes e manhosos quando o copo já estava cheio e<br />

não cabia lá mais, para depois, malandro, o despejar todo de um<br />

trago e o estender de novo e repetir depois de cheio: “’tá<br />

Avonde”,...os magos ali escondidos na clareira da floresta à vista de<br />

toda a gente, beberam no ar a chuva de sons e cheiros misturados<br />

que andavam espalhados por toda a parte. e embriagados...<br />

vestiram-se de flores amarelas e de todas as cores que abundavam<br />

pelos campos e florestas e à beira dos caminhos e vieram misturar-<br />

322


se, visto que sempre estavam misturados, com o turbilhão da<br />

turbamulta que celebrava a FESTA . . .<br />

Era uma FESTA como já dissemos nunca vista, uma festa total, uma<br />

festa de todos, uma festa geral desde sempre celebrada por todos<br />

com gestos e actos ou autos que todos inventavam e em que todos<br />

participavam... festa cheia de todas as cores e cheiros e encantos de<br />

todas as flores a sobressaírem dos tapetes imensos de verdura que<br />

naquele ano providencial cobria toda a imensidão dos campos que<br />

eram de terra de barro vermelho como se a terra se tivesse<br />

misturado com o suor e o sangue de todos os que neles trabalham e<br />

trabalharam em séculos e séculos de amanhos e sementeiras que<br />

alimentaram as sucessivas gerações de senhores e de escravos<br />

embora aqueles fossem mais bem alimentados mas estes sempre<br />

gastavam mais, que foram sempre muitos, muitos mais milhares os<br />

mal alimentados que sustentam os poucos bem alimentados e agora<br />

ali estavam cobertos do verde e da esperança de virem a<br />

transformar-se no amarelo dourado das searas e dos girassóis e do<br />

junquilho e dos pastos com promessas de oiro e de pão e de<br />

abundância para o corpo e para a alma de todos…<br />

Era de facto a FESTA. Via-se, ouvia-se, respirava-se, saboreava-se e<br />

sentia-se a FESTA por todos os sentidos e poros do corpo e do<br />

espírito que envolvia e embriagava as pessoas na sua totalidade, mas<br />

no fundo, no fundo, ninguém sabia bem em que consistia a FESTA<br />

porque a FESTA consistia precisamente naquilo que cada um cada<br />

grupo era capaz de inventar, inventando espaços, inventando sons,<br />

INVENTANDO A FESTA, para se surpreenderem e surpreender os<br />

outros numa explosão de espanto e de fascínio do fantástico que<br />

provocava um estado de embriaguez e de deslumbramento sem<br />

igual...<br />

323


Era a FESTA!<br />

Em todos os cantos ruas e praças e a qualquer hora do dia ou da<br />

noite havia imenso por onde escolher e não havia possibilidade<br />

nenhuma de escolher o espectáculo que se queria ver porque em<br />

todas as praças ruas e cantos da cidade e de qualquer freguesia ou<br />

lugar havia uma grande ou pequena multidão empenhada numa<br />

parcela da FESTA que era total e não havia mãos a medir...<br />

Mesmo assim, os magos e as magas que iam representando a<br />

dramatização da sua Escola da Clareira escondida na Floresta aberta<br />

ali aos olhos de toda a gente lendo e aprendendo no livro da vida os<br />

muitos segredos que procuravam aprender e aprofundar nos livros e<br />

no isolamento solidário das suas reflexões iam distinguindo aqui e ali<br />

em diversos tempos e lugares que eram quase os mesmos diversas<br />

manifestações que eram tão variadas e tão as mesmas celebradas de<br />

diferentes maneiras que afinal se concretizavam na mesma sinfonia<br />

de música e de gestos em movimentos tão diferentes e tão iguais que<br />

era espantosa coisa de ver como diz o pai dos nossos cronistas e<br />

contadores, dos artistas que detêm a arte de contar tudo o que há<br />

para OUVER...<br />

A lenda do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> era representada ali entre a Praça da<br />

República e o Castelo em jogo de grandes grupos que ora eram<br />

cobras ora touros…<br />

Também num canto do jardim e nos empedrados das calçadas gente<br />

pequena e grande criava símbolos do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> que ficavam<br />

desenhados nas pedras até serem apagados... ou nasciam figuras de<br />

barro e de madeira que de repente se animavam e ali ficavam<br />

gravados, parados em luta num movimento estático que se<br />

prolongava para sempre até os materiais durarem... em relevo... em<br />

324


aixos relevos… desenhados e pintados em pratos ou nos mais<br />

diversos objectos…<br />

Em diversos recantos de ruas e de casas havia música e dança e<br />

poesia que faziam renascer os movimentos sedutoramente<br />

horripilantes ⎯ Ai que impressão!!! ⎯ Que nojo!!! ⎯ Que horror!!! ⎯<br />

da luta entre o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> em evoluções de magia e de<br />

fantasia...<br />

Lá para o Bairro da Esperança celebrava-se igualmente e de diversas<br />

maneiras, que eram as mesmas, a Lenda da Fonte Mouro com grupos<br />

mais misturados de grandes e pequenos e de homens e mulheres,<br />

outros mais propriamente só de gente grande outra só mais<br />

predominantemente de gente pequena cada um como mais gostava e<br />

dava azo a exprimir e satisfazer a sua fantasia e habilidades...<br />

No Moinho da Torre parcial e efemeramente reconstituído no próprio<br />

local onde diziam que existiu o outro ⎯ diziam que na verdade não<br />

era bem ali mas o que interessava isso? ⎯ representavam aquela<br />

história nunca acontecida mas que todos sabem que aconteceu da<br />

Princesa transformada em <strong>Cobra</strong>, aquela que apertou a mulher até à<br />

morte quando ia para lhe furar os sagrados olhos que a impediriam<br />

de ter os olhos abertos para a vida...<br />

Quando os artemagos da Lenda do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> invadiam o<br />

Castelo, saía nesse momento a pequena grande multidão de<br />

cavaleiros e homens de pé que acompanhavam o LIDADOR na sua<br />

derradeira e memorável surtida contra os Mouros para comemorar os<br />

seus 95 anos de baptismo, 80 de vestir armas e 70 de Cavaleiro<br />

enfrentando o temeroso Almoleimar e o poderoso Alboacém que são<br />

derrotados e vencidos mas pagando com a sua morte e a de muitos<br />

dos seus tão estrondosa vitoria...<br />

325


Mas já à porta pequena de Santa Maria da Feira se juntavam os que<br />

tinham ouvido o pregão que anunciava terem chegado de Lisboa<br />

novas cartas da rainha a D Leonor, a aleivosa, que pediam aos<br />

nobres e notáveis das vilas e castelos que não tivessem medo de<br />

tomar voz por sua filha, D. Beatriz, casada com o rei de Castela que<br />

os defenderia e remercearia por tudo quanto por ele fizessem...<br />

coisas deveras duras de ouvir para a arraia miúda... e todos à uma<br />

responderam ao aio que se prontificara a ler as cartas e as resumiu...<br />

não sei para que mais me deter em ler o que aqui vem. A Conclusão<br />

é esta: se quereis antes ter com a rainha ou com o Mestre e todos<br />

responderam a uma voz: Com o Mestre! Com o Mestre... e logo os<br />

maiorais fugiram e logo eles: Alça-se o Castelo! Alça-se o Castelo... e<br />

o foram tomar defendendo-se os de dentro rijamente e puseram fogo<br />

a duas torres em que estava muita munição... e os da vila entraram<br />

dentro numa quarta-feira a horas de comer e assim passaram a<br />

rondar e a vigiar a vila até que prenderam e mataram Mice Lancerote<br />

que se dirigia ao reino do Algarve para levantar essa região e aclamar<br />

o rei de Castela...<br />

No meio de tudo isto e de tão pacata como admirável confusão, não<br />

era coisa menos admirável de ver, os grupos de moços e de moças<br />

que celebravam e gozavam os cantos e os encantos das fontes com<br />

seus contos acrescentados ou remendados de muitos pontos que<br />

cerziam e recriavam novas e espantosas histórias como aquela que<br />

as magas e os magos foram surpreender na Fonte das Cavadas onde<br />

os contadores como os caçadores e pescadores e outros mentireiros<br />

cantadores tinham metido ali debaixo daquela cúpula arredondada<br />

como se fosse um mausoléu um <strong>Touro</strong> e uma <strong>Cobra</strong> que não se<br />

entendiam e passavam a vida a guerrear transformados um na bica<br />

grossa e farta e a outra na bica mais estreita e impetuosa mas ambas<br />

fartas e poderosas que juntando-se no pequeno tanque depois vão<br />

326


correndo e serpenteando até ao mar (até a mar) até um dia voltarem<br />

de novo transformadas em negras nuvens descarregando-se em<br />

chuva sobre a terra e as nascentes para ali correram de novo na<br />

Fonte inesgotável que é fresca de verão e quente no Inverno... pela<br />

estranha magia de tudo o que nasce do ventre da Terra - Mãe.<br />

Ai quem me dera ser água<br />

Sempre da fonte a correr,<br />

Para beijar os teus lábios<br />

Quando lá fosses beber!<br />

...lançou uma cantadeira, desafiando o grupo para um descante… e<br />

logo um pretendente a namorado respondeu:<br />

Ai! se eu pudesse ser água,<br />

E tu lá fosses beber<br />

Bebia, amor, tuas mágoas<br />

E contigo ia viver! (ou morrer!)<br />

⎯ A água tem mil segredos<br />

Mil histórias p’ra contar;<br />

São amores ou são degredos<br />

Que vão correndo pró mar!<br />

⎯ Quantos segredos encerra<br />

A água a correr das fontes?<br />

Traz lá do Ventre da Terra<br />

Mil <strong>lendas</strong>, contos, amores!!!<br />

... ali foram encontrar, as magas e os magos da clareira escondida na<br />

floresta o espantoso grupo de moças e de moços cantando e<br />

327


questionando e tudo mudando da história e da lenda dos outros<br />

contadores e mentidores... se não se estava mesmo a ver que aquela<br />

abóbada redonda que mais parece uma cabeça gigantesca de um<br />

árabe com o seu turbante não era mesmo um mausoléu que<br />

guardava ali para sempre os amores proibidos pecaminosos à luz de<br />

ambas as religiões e tradições entre um grande e formoso príncipe<br />

mouro e uma bela e encantadora cristã de uma outra religião que<br />

para ali vinham às escondidas de todos celebrar os seus encontros de<br />

apaixonados e... numa noite de lua cheia... quando decidiam fugir<br />

para longe, para uma ilha deserta onde enfim pudessem ser um do<br />

outro sem necessidade de se ocultarem dos olhos reprovadores de<br />

uma parte e outra...e eis que, eis que Alá e Javé intervêm lá do alto<br />

do seu Céu ao mesmo tempo e querendo separá-los para sempre e<br />

para exemplo de toda a humanidade, eis que sem terem tempo de se<br />

entenderem e combinarem, fiados cada um na sua omnisciência e na<br />

sua omnipotência, repentinamente tiveram a mesma ideia e ali os<br />

juntaram para sempre em duas bicas cantantes permanentemente<br />

juntas e permanentemente separadas, mais quentes de Inverno e<br />

mais frescas de verão e a partir do tanque em que se misturam, aí<br />

vão serpenteando pelos vales até ao mar (à mar) fecundando e<br />

fertilizando as terras por onde passam e matando a sede aos<br />

viandantes... e voltando sempre, sempre do mar em nuvens negras e<br />

ameaçadoras de tempestade mas que trazem a chuva que vai<br />

fecundar a terra e renovar as nascentes... e assim as duas Bicas são<br />

a FONTE das paixões CAVADAS, proibidas por todas as religiões com<br />

todos os dogmas e imposições que se não compadecem com a<br />

Natureza Humana...<br />

À vista disto, as magas e os magos sorriram surpreendidos por<br />

aquela tão atrevida e desrespeitosa transgressão da lenda mito que<br />

tão laboriosamente tinham ou/visto inventar sobre a FONTE DAS<br />

CAVADAS... e mais sorriram, mas já discretamente, porque nessa<br />

328


altura passavam uns sisudos senhores que deviam ser da<br />

organização daquelas festas populares paciente e generosamente<br />

organizadas pelos grandes senhores para entreter e divertir o povo<br />

e... muito ajuizadamente, discorriam em voz baixa que se tornou<br />

progressivamente mais alta e imperiosa: ⎯ que desaforo!... Já não<br />

há respeito pelas nossas tradições! Não se respeitam as <strong>lendas</strong> e os<br />

contos que tão pacientemente mandámos recolher e divulgar como<br />

fidedignas e autênticas!... mas que escândalo!... Por este caminho<br />

onde é que isto vai parar... Isto não pode ser. Temos de mandar<br />

intervir as forças da ordem e do saber e da ciência e da cultura e do<br />

Poder... Se isto assim continua, se o povo aprende a divertir-se sem<br />

licença... se não se limita a assistir a espectáculos prodigamente<br />

fornecidos por medida e sabiamente orientados por nós! o que e que<br />

vai acontecer?... Rapidamente aprenderiam que a Cultura é deles!<br />

que lhes pertence! e ainda um dia aparecem aí uns loucos a pedir<br />

direitos de autor por esta Cultura que a Natureza franca e generosa<br />

põe à nossa disposição!!!... e o pior... o que ainda é pior... é que<br />

depressa hão-de descobrir que a CULTURA TRADICIONAL, ela que é e<br />

sempre foi essencialmente oral e transmitida de geração em geração<br />

que a nova geração por sua vez recriava e reinventava, ainda<br />

descobrem dizíamos que assim como os seus antepassados foram<br />

espantosos criadores de contos e de cantos , ainda se convencem que<br />

eles os de agora e os do futuro tem o mesmo direito!... e então lá se<br />

acaba esta NOSSA <strong>DE</strong>MOCRACIA que tanto trabalho nos deu a criar...<br />

e até, imaginem bem! tem permitido que o povo escolha os seus<br />

legítimos representantes que os governam com tanta sabedoria e<br />

sacrifícios de toda a ordem e tanto no que diz respeito à Cultura<br />

como à Política e como na Economia!!!<br />

...⎯Ai se eles descobrem que podem inventar a Festa e podem pôr<br />

um nome às coisas que eles inventam, e fazem a sua Cultura!!! Ai<br />

que desgraça! ⎯ É que, pôr nome às coisas, é ser dono delas! É ter<br />

direitos e poder sobre elas! Se isso acontece, lá ficamos nós sem o<br />

329


tão duro privilégio de os instruir, ensinar e educar, que tantos e tão<br />

grandes sacrifícios nos têm custado até agora!... que até nos dão<br />

direito a uma reforma mais cedo e bem paga!!!<br />

Ainda os magos, magoados de grande mágoa, ouviam os últimos<br />

comentários que já não ouviram ou não precisavam de ouvir mas já<br />

noutros pontos assistiam a outros episódios incríveis espalhados por<br />

imensos cantos e recantos...<br />

Ali debaixo dumas abóbadas onde se queria criar cultura o mestre de<br />

fazer nascer as formas no barro e na madeira que saem animados<br />

das suas mãos ouve com atenção as sugestões dum pobre poeta e<br />

medita descendo ao fundo das suas raízes a forma de representar o<br />

seu povo a sua gente a sua região e enquanto amassa o barro vai<br />

pensando e de repente começa a moldá-lo a dar-lhe forma e grita: já<br />

está! E apareceu o pastor e o moiral e a ceifeira e o ceifeiro e a<br />

catarina e os coros e as <strong>lendas</strong> e as fontes e as aias... a aprender<br />

com ele e a ver como toma vida o barro informe ainda há pouco<br />

inanimado as escolas e os arranjistas enviaram discípulos para<br />

aprenderem com o mestre... daí a pouco, promovem-se exposições e<br />

vendas e lá aparece o pobre e humilde artesão que tem a arte de<br />

animar o barro rodeado de uma corte de ceramistas e artistas<br />

consagrados diplomados a venderem as suas peças, pobres<br />

tentativas de imitar o mestre, por bom preço devido ao seu nome e<br />

ao seu diploma e à sua escola, enquanto o artesão que deu alma a<br />

tudo vai assistindo escondido e discreto porque tem as peças presas<br />

e pagas pelo espaço e material e forno e pelo pão que lhe pagam<br />

para viver e criar... e foi assim que o vi um dia, não fui eu que o vi<br />

foram os magos naquele dia de festa!, foi assim que o vi num dia<br />

rodeado por uma corte de ávidos aprendizes pegar num bocado de<br />

barro... começar a moldar... formar... criar... fazer nascer uma figura<br />

ou um conjunto de figuras que representavam não sei o quê que se<br />

330


movia ali na estática representação do barro ... e de repente...<br />

afastando as mãos uma da outra, disse: já está!... e ainda não o<br />

tínhamos ouvido bem ou ainda não tínhamos percebido, porque o<br />

som das palavras ainda não tinha tido tempo de chegar ao nosso<br />

entendimento e as suas mãos que criaram bateram uma na outra e<br />

fizeram regressar o barro à sua forma informe primitiva que permite<br />

todas as formas e criações... ⎯ Já está! - disse-me ele um dia em<br />

segredo... disse ele em segredo a um dos magos da clareira<br />

escondida na floresta, franzindo os olhos marotos num misto de<br />

tristeza inexprimível e de orgulho incontido…: ⎯ A ideia já cá está na<br />

minha cabeça e faço-a... e crio-a... ou destruo-a... quando me<br />

apetecer! com as minhas mãos!!!<br />

Mas já pelas ruas da cidade se assistiam às Cavalhadas e jogos e<br />

lutas de cavaleiros... cavalheiros!!! talvez.<br />

A praça de touros regurgitava de gente. Assistiam a uma tourada de<br />

morte a pé e a cavalo!... Sem perceberem, sabendo, que assistiam<br />

àquela luta interminável de um <strong>Touro</strong> e duma <strong>Cobra</strong> que nunca<br />

existiram...<br />

Já os campos desportivos se enchiam de gente que praticava os mais<br />

diversos desportos e, em grupos diversos e diferentes espaços,<br />

serpenteavam atrás de uma bola que voava e serpenteava por sua<br />

vez até ser agarrada, domada e de novo lançada e disparada,<br />

enchendo campos verdes de rabiscos de variegadas cores...<br />

E havia merendas no parque da mata municipal... e grupos populares<br />

os mais diversificados que jogavam a malha e o chinquilho e toda a<br />

espécie de jogos tradicionais desde o pião ao arraiol...<br />

331


E havia espectáculos, danças coreográficas, jogos e diversões nas<br />

piscinas que serpenteavam em escorregas poços e baloiços...<br />

E os claustros do convento de Nossa Senhora da Conceição e de S.<br />

Francisco, assistiam às cenas reinventadas da Mariana e dos contos<br />

Universais!...<br />

Enfim, era uma cidade em festa... com todos os seus habitantes e<br />

forasteiros a inventarem e recriarem as suas fantasias já feitas e<br />

inventadas...<br />

Eram assim as festas das MAIAS, AS FESTAS DAS FLORES, AS<br />

FESTAS DA PRIMAVERA... AS FESTAS DA ALEGRIA E DA VIDA, A<br />

FESTA DA ESPERANÇA NO VER<strong>DE</strong> DOS CAMPOS QUE SE IRIAM<br />

TRANSFORMAR NO OIRO COR DO SOL DAS SEARAS E NO AMARELO<br />

TORRADO DO GRÃO DAS COLHEITAS QUE SE TRANSFORMARÁ EM<br />

PÃO...<br />

Era assim a FESTA DAS MAIAS celebrando a vida em todo o seu<br />

esplendor, em toda a sua pujança de juventude e, de novo,<br />

tremendamente agressiva e destruidora de tudo o que é velho e não<br />

resiste mais à força da VIDA NOVA que renasce, exactamente a partir<br />

da MORTE...<br />

Nestas festas, as MAIAS, as meninas entre os sete e os doze anos,<br />

graciosamente enfeitadas de flores de todas as cores e odores, nos<br />

seus tronos caprichosamente engalanados de flores amarelas das<br />

giestas, e brancas dos jarros e rosas das olaias..., Meninas MAIAS no<br />

limiar da sua meninice a passar para a adolescência, são, eram em<br />

muitos lados o símbolo de toda a beleza e de todas as promessas e<br />

de todos os sonhos... Promessas de rosa em botão que mostram toda<br />

a sua beleza e esplendor pelo período de um dia e logo fenece e<br />

332


murcha e se desfaz numa morte aparente carregada de sementes<br />

que trazem em si os gérmenes da vida sempre a renascer...<br />

Povo do Aquém-Tejo, desde tempos imemoriais, desde sempre ligado<br />

à Terra e ao seu Culto, à sua Cultura, este Povo, já caldeado de<br />

cúneos e lusitanos e depois de romanos e de árabes, têm na terra as<br />

suas raízes tão profundas, que, é do VENTRE DA TERRA, que nasce o<br />

seu PÃO ⎯ o seu sustento, celeiro dum país, a sua CULTURA sustento<br />

deste Povo e duma Região e sua forma de expressão através do seu<br />

CANTE, da sua POESIA, dos seus CONTOS e <strong>LENDAS</strong> ⎯ a sua VIDA...<br />

só um POVO assim ligado ao VENTRE DA TERRA MÃE podia ter o<br />

privilégio de ser, através dos seus GRUPOS CORAIS, a expressão<br />

mais acabada do CANTE, só um POVO assim podia ter sido escolhido<br />

para ser a própria VOZ DA TERRA!!!<br />

⎯ Donde vêm então estas FESTAS das MAIAS que vamos reinventar?<br />

E como eram celebradas?<br />

⎯ Isso são contos largos que têm muito, ou quase nada de certo<br />

para vos contar!<br />

É já aí a seguir – AS MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA!<br />

333


334


img028 – as maias… no centro de muitas <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong> e celebrações!!!<br />

“Era assim a FESTA DAS MAIAS<br />

celebrando a vida em todo o seu esplendor...”p 328<br />

335


img029 – a maia… (in DA)<br />

In Diário do Alentejo, 15 de Abril de 1983.<br />

336


4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera<br />

A FESTA<br />

AS MAIAS... eram por isso a ocasião oportuna para se celebrarem,<br />

em toda a sua euforia loucura deslumbramento e alegria... as festas<br />

de todos os sonhos anseios mitos símbolos aspirações tradições... dos<br />

povos do Sul...<br />

Conta-nos um cronista do Diário do Alentejo que se assina P.G., num<br />

número talvez de um dia de Maio de 1954 (26 é a data que foi<br />

possível detectar), numa coluna dedicada à FESTA DAS MAIAS:<br />

“A sua origem distancia-se a épocas remotíssimas. Essencialmente<br />

pagã, sendo por muitos escritores atribuída aos romanos. Com a<br />

vinda dos árabes parece ter florescido mais, tanto assim, que é nas<br />

terras onde estes mais se demoraram, que maiores vestígios ficaram<br />

desta festa, como, por exemplo, no Algarve e nalgumas terras do<br />

Alentejo.”<br />

(...)<br />

“Tal como nos é descrito, por escritores que desta festa se têm<br />

ocupado, procuramos dar uma pálida ideia do que ela era:<br />

“Numa casa, junto à rua, constituía-se um trono todo ornamentado<br />

de rendas, fitas, flores e objectos de ouro que lhe davam um certo ar<br />

de riqueza. No sítio, procurava-se a rapariga mais bonita, com a<br />

idade aproximada aos doze anos, para ir servir de Maia. Envergava<br />

um vestido todo branco, tendo na cabeça uma coroa de flores; era<br />

toda enfeitada de rendas, fitas, flores e jóias, como o trono que<br />

ocupava.<br />

337


“Abria-se a porta, de par em par, e, na rua, em frente da “Maia”,<br />

erguia-se um mastro vistosamente ornamentado de verdura e flores,<br />

em volta do qual se cantava e se dançava muito animadamente.<br />

“Esta festa tinha lugar todos os anos no 1° dia do mês de Maio.<br />

Todos os instrumentos musicais vinham para a rua nesse dia, ainda<br />

que desafinados. Os adeptos de Lieu também não faltavam, havendo<br />

abusos de toda a espécie. Era um dia completo de alegria e folgança.<br />

“Cada rua tinha uma só “Maia” procurando todos que a da sua rua<br />

fosse a mais bonita, ganhando em tudo às <strong>outras</strong>.<br />

“É ainda do nosso tempo a existência de uma só Maia em cada rua,<br />

vestidas com relativo gosto, mas só aos domingos do mês de Maio.<br />

Presentemente, são 3 e 4 na mesma rua, com a cara suja e mal<br />

vestidas, em qualquer dia da semana.<br />

(...)<br />

“No princípio do século presente, era ainda costume, em Beja e<br />

n<strong>outras</strong> terras, irem os seus habitantes passar o dia 1° de Maio nas<br />

hortas, comendo lautas jantaradas, acompanhadas das respectivas<br />

libações. Pelo dia fora cantavam e dançavam.<br />

“Talvez, por esta razão, algumas Câmaras Municipais tivessem<br />

deliberado que o seu feriado Municipal fosse no 1° de Maio.<br />

“As actuais festas populares de São João e São Pedro fazem lembrar<br />

um pouco as antiquíssimas festas das “MAIAS".”<br />

... Vieram depois AS MAIAS dos anos 80...<br />

Em 1982, por iniciativa do Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura<br />

da Juventude d Beja e do seu responsável Florival Baioa, apareceu<br />

“uma única MAIA para uma cidade... ali na rua do Ulmo”.<br />

338


Em Janeiro de 1983, a dinâmica poeta popular Maria Guiomar<br />

Peneque cantava assim as MAIAS da sua infância distante:<br />

No Largo Lima Faleiro<br />

(que foi aonde nasci),<br />

era eu ‘inda menina<br />

Já lindas maias fazia<br />

como <strong>outras</strong> iguais não vi.<br />

Com uma cadeira alta<br />

e outra mais pequenina,<br />

logo no trono sentavam<br />

de entre aquelas que chegavam,<br />

a mais bonita menina.<br />

Um lençol branco, bordado<br />

ou uma saia de rendas<br />

do pescoço até ao chão;<br />

flores presas com pontinhos<br />

dispostas em profusão.<br />

Maças do rosto com tinta<br />

feita a papel encarnado;<br />

cara pintada a farinha,<br />

lindos brincos-de-rainha<br />

nas orelhas pendurados.<br />

Uma capela de rosas<br />

das mais bonitas que havia<br />

tecida com malmequeres<br />

e verdura entrelaçada<br />

na cabeça se prendia.<br />

339


Cada uma à sua esquina<br />

com a bandeja na mão,<br />

à espera que os lavradores<br />

que passavam p'rá tourada<br />

nos dessem algum tostão.<br />

Por debaixo das cadeiras<br />

havia a caixa de lata<br />

onde se juntava o lucro<br />

das ofertas; mas as contas<br />

davam sempre zaragata!...<br />

A Maia largava o trono<br />

(muitas vezes já à brocha...)<br />

Cada qual com a sua parte<br />

ia comprar guloseimas<br />

à loja do senhor Rocha.<br />

Ó minha querida cidade,<br />

ó velha feira de Maio<br />

dos tempos que já lá vão:<br />

- Das Maias que já não vejo<br />

só guardo a recordação.<br />

E, a 15 de Abril de 1983, no Diário do Alentejo, agora semanal, onde<br />

este poema apareceu, aparecia também, pela pena de Manuel de<br />

Sousa Tavares, como que um anúncio da Primavera que chegava:<br />

«“AS MAIAS” regressam este ano a Beja.»<br />

Contava assim o jornalista, que tão dramaticamente nos ia deixar<br />

passado um lustro:<br />

340


«Todos os anos, em Maio, era ver as crianças vestidas de branco,<br />

cobertas de flores e grinaldas na cabeça, salpicando as esquinas das<br />

ruas e largos da aldeia ou cidade deste Alentejo. Sentadas,<br />

imperturbáveis, em seus tronos improvisados de banco ou cadeira,<br />

trazidos de casa, tornavam-se sinal de novo ciclo da Natureza, do<br />

“maduro Maio” das colheitas e do estio avizinhando-se. A quem<br />

passava, vozes tenras soletravam invariavelmente em tom cantado:<br />

“Um tostão para a Maia que não tem saia.” E na bandeja, lá ia<br />

deslizando uma moeda, depois outra, “sempre poucas”.»<br />

Mas em muitos lados as MAIAS foram proibidas e em muitas terras a<br />

tradição foi-se perdendo e... o «MAIO DAS FLORES parecia<br />

condenado a perder de vez uma das suas “sagrações”.», como<br />

continua a dizer, mais adiante o cronista dos anos oitenta.<br />

«Este ano, porém, o Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura da<br />

Juventude de Beja está disposto a reabilitar a tradição das MAIAS, a<br />

mobilizar as crianças da cidade para o reanimar dos tronos onde<br />

goivos e lírios, jarros e cravos com as giestas e as mimosas, as<br />

papoilas e os lírios, os malmequeres brancos e amarelos e os<br />

mentrastos e os espantosos tapetes de pequeninas flores das mais<br />

variadas e impossíveis cores e odores, são o tesouro da Natureza<br />

enfeitando o corpo de “RAINHAS CRIANÇAS”»... E tudo isto deve ser<br />

entendido numa “ (...) perspectiva viva e activa, fruto de uma<br />

filosofia participativa na defesa do nosso património histórico-<br />

cultural.”<br />

Segundo a opinião, e talvez fruto da observação pessoal, do mesmo<br />

jornalista «(…) esta “usança popular” estará em Portugal<br />

particularmente entranhada nas crianças das classes mais pobres.<br />

Através das MAIAS, elas conseguem amealhar o dinheiro (ainda que<br />

341


parco) para satisfazer necessidades que a sua condição converteu em<br />

“capricho”. Em Beja, era normal as crianças que entravam nas<br />

MAIAS partilharem as ofertas entre si, para depois gastarem, na Feira<br />

de Maio, o dinheiro que geralmente os pais não tinham para lhe dar.»<br />

Esta, seria uma maneira de retomar “ESSA SAUDAÇÃO DOS POVOS<br />

AO RENASCER DA VIDA VEGETAL”... que poderia ser animada com os<br />

“jogos infantis tradicionais” como o berlinde, o jogo da pata, o eixo-<br />

eixo-ribaldeixo, o pião...o apanha, o agarra, o salta e o mata...<br />

Destas «MAIAS - TRADIÇÃO QUE REGRESSA» fez eco o Primeiro de<br />

Janeiro de 10 de Maio de 1983 e, a 13 de Maio, o Diário do Alentejo<br />

fazia assim a reportagem da festa:<br />

« (...) As “MAIAS” voltaram, nessa sagração de um novo ciclo da<br />

Natureza a que, anualmente, e desde a Antiguidade, diversos povos<br />

se entregaram. Foram escolas inteiras como a “(...) Escola do<br />

Salvador que colectivamente se empenharam na sua representação.<br />

(...) ou ainda “ruas inteiras” (como a do Pé da Cruz) que<br />

emprestaram uma nova moldura ao seu quotidiano: sobre o chão,<br />

tornado tapete de flores e folhas de palmeira, se ergueu ali uma das<br />

mais airosas “MAIAS” deste Maio diferente. (...) desde os bairros<br />

mais modernos (como o do Ultramar) até aos suburbanos ou mais<br />

pobres, como os do Pelame, Senhora da Conceição, Esperança,<br />

Apariça, Zona Azul.»<br />

É no entanto o semanário “Expresso” pela mão de José Quitério que,<br />

a 5 de Maio de 1984, traça o esboço de um estudo sobre as MAIAS<br />

com mais dados e referências de várias fontes e autores...<br />

Primeiro fala-nos das proibições destas festas.<br />

342


«Uma postura da Câmara de Lisboa, de 1385 rezava assim: “outro<br />

sim estabellecemos que d'aqui em diante, em esta Cidade e seu<br />

termo, nom se cantem Janeiras nem MAYAS, nem a outro nenhum<br />

mez do anno.”»<br />

«Em carta régia de 1402 também se determinava:<br />

“(...) que não cantassem mayas, nê janeiras, e <strong>outras</strong> cousas que<br />

eram contra a ley de Deus”.»<br />

Cita ainda Pinho Leal que no seu “Portugal Antigo e Moderno” (vol. V,<br />

1875) onde refere que “há alguns anos o governo proibiu a FESTA<br />

DAS MAIAS”.<br />

Houve escritores que referem este rito popular por intermédio do<br />

jornalista do Expresso de 1984, e o colunista do “Diário do Alentejo”,<br />

levando-nos até trinta anos antes, onde nos é recordado o que<br />

disseram Aquilino Ribeiro, Alexandre Herculano, D. Francisco Manuel<br />

de Melo e Séneca.<br />

Aquilino Ribeiro:<br />

“Quando os pães apendoam, pelos caminhos, na testeira das belgas,<br />

no festo dos cabeços, as giestas desentranham-se em maias. Maias<br />

amarelas, maias brancas, é uma epifania.”<br />

Alexandre Herculano,<br />

«em “O Monge de Cister” (Capítulo IV, “A festa da Maia”), cuja acção<br />

decorre precisamente no tempo de D. João I, depois de citar a<br />

postura da Câmara de Lisboa “(...) esguardando a uns graves<br />

peccados que se em esta cidade de mui longos tempos acá faziam, e<br />

extremadamente peccados de dollatria e costumes danados dos<br />

gentios”, indica que a lei não atingia as comunas de mouros e as<br />

povoações por eles principalmente habitadas, e<br />

343


descreve o “préstito da maia” no Restelo: “(...) a filha de Muça, que<br />

fazia o principal papel, vinha cavalgando uma formosa hanaceia<br />

levada de rédea por dois rapazes coroados de boninas e rodeada de<br />

mancebos e donzelas, do mesmo modo enramados de flores e<br />

cantando certas cantigas ao som de adufes e pandeiros, com uma<br />

toada mui de folgar; (...) as crianças derramavam flores sobre a<br />

cabeça dos maios pequeninos, que eram como génios que<br />

circundavam a deusa da festa da Primavera”.<br />

Contudo, o colunista do “Diário do Alentejo" de 1954, cita só, de<br />

Alexandre Herculano: “ (...) porque a negregada cadela da filha (de<br />

Muça) vai fazer de maia”.»<br />

D. Francisco Manuel de Melo,<br />

na “Carta de Guia de Casados” é citado por este último jornalista que<br />

transcreve:<br />

“ (...) aborrece-me umas “maias” muito enfeitadas sempre de<br />

bordados e jóias, que parecem Fama de procissão, ou Rainha Moura”.<br />

Já Séneca, desde os primórdios da era cristã dirigia ásperas censuras<br />

contra a licenciosidade de tais “Floralia”.<br />

MAIA é, em resumo, como dizem as enciclopédias um “Rito popular,<br />

sobrevivência de antiquíssimos cultos agrários, que consiste<br />

essencialmente em enfeitar, no dia 1° de Maio, as portas e janelas,<br />

os animais e os veículos, com ramos ou coroas de flores, sobretudo<br />

com giestas. Trata-se de impedir a entrada do “Maio”, personificação<br />

do Mal. Por vezes, a este rito, associam-se certos manjares<br />

cerimoniais. “MAIA personifica O <strong>DE</strong>SPERTAR DA NATUREZA NA<br />

PRIMAVERA e a sua festa celebrava-se em Maio e por isso terá dado<br />

o nome a este mês.”<br />

344


"MAIA representaria uma deusa da fecundidade, a PROJECÇÃO DA<br />

ENERGIA VITAL.”<br />

Voltando ao citado jornalista do “Expresso” podemos ter uma<br />

panorâmica das multímodas celebrações e motivações através do<br />

tempo e do espaço:<br />

"O dia das “MAIAS” é o primeiro de Maio, que, desde tempos<br />

imemoriais se comemora em Portugal e assume diversas formas<br />

celebrativas de Norte a Sul.”<br />

Baseando-se depois em Ernesto Veiga de Oliveira, vai descrevendo as<br />

várias formas de celebrar estas festividades, apoiando-se numa<br />

considerável plêiade de estudiosos, tais como:<br />

Abade de Baçal, Manuel Joaquim Delgado, Reis Dâmaso, Rafael<br />

Bluteau, Rocha Peixoto, Jorge Dias, José Leite de Vasconcelos, Jaime<br />

Lopes Dias, Luís Chaves, Luís da Silva Ribeiro...<br />

Ao contrário de muitas <strong>outras</strong> regiões, em que a personalização do<br />

“maio" retouceiro e sátiro é masculina, representado por rapazes<br />

ataviados de giestas,<br />

“ (...) Nas províncias do Sul, a pessoalização é normalmente<br />

feminina. Assim, no Alentejo, com particular incidência em Beja.<br />

Aqui, as “MAIAS” são meninas que vestem de branco e enfeitam com<br />

flores, pondo-lhes na cabeça uma coroa de mais flores, e sentando-as<br />

em cadeiras, à esquina de alguma rua, nalgum largo, ou junto à<br />

porta de sua casa. Em seu trono enfeitado de rosas se aquietam<br />

algumas horas, enquanto companheiras mais crescidas, com<br />

pequenas bandejas na mão, pedem a quem passa:<br />

345


«- Meu senhor, um tostãozinho para a “Maia”»; ou «– Um tostão para<br />

a “Maia” / Que não tem saia!», segundo Manuel Joaquim Delgado.<br />

«A mitologia cristã associa o hábito giesteiro à tradição de que,<br />

quando Jesus nasceu, os judeus assinalaram a casa onde estava com<br />

um ramo de giesta, para mais tarde o prenderem. Quando tal<br />

quiseram fazer, todas as portas das casas da localidade – ó maravilha<br />

de deus infante – estavam também com os mesmos ramos, tornando<br />

impossível o reconhecimento....»<br />

Rafael Bluteau, no seu “Vocabulário Portuguez e Latino” (tomo V,<br />

1716) diz das MAIAS que «(...) na antiga Gentilidade eram<br />

espectáculos desonestos (...) representações obscenas (...) festa que<br />

em Roma se celebrava com ramos, ervas e capelas de flores no mês<br />

de Maio, por ser o tempo em que as plantas são mais viçosas (...)<br />

antigos desatinos da gentilidade.»<br />

Segundo o Abade de Baçal, as MAIAS são restos das religiões<br />

naturais, adoradoras dos deuses protectores:<br />

FLORA – deusa da florescência;<br />

CERES – deusa dos frutos;<br />

PALAS – protectora dos lameiros;<br />

FAUNA – a “Bona Dea”, mãe de Mercúrio;<br />

MAIA – deusa da fecundidade;<br />

acrescentando que as nossas MAIAS se filiam nas festas FLORALES<br />

romanas, celebradas durante seis dias, desde 28 de Abril a 4 de Maio,<br />

em honra de FLORA, “(...) por mulheres nuas saltando lascivas e<br />

proferindo palavras obscenas, acompanhadas de gestos impúdicos.”<br />

«No fundo trata-se do velho mito solar em que o Verão, entrando em<br />

luta com o Inverno, acaba por vencê-lo. E o Maio anunciava que mais<br />

346


uma vez a terra ia ser fecundada, que a vida prosseguia e que o<br />

amor e a luz inundariam outra vez o mundo.» (Rocha Peixoto) «Tudo<br />

isto entronca em remotíssimos cultos agrários, na profundeza dos<br />

séculos, em que os povos saúdam o renascer da vida vegetal com<br />

ritos simbólicos as forças criadoras da Natureza.»<br />

«Em Lagos existe a antiga “Lenda do Maio”, segundo a qual a<br />

população costumava adornar um homem com as melhores jóias da<br />

terra e que, montado em belo e enfeitado ginete, percorria as ruas na<br />

manhã do 1° de Maio. Em certo ano, terminado o giro pela cidade, o<br />

cavaleiro seguiu para o campo e desapareceu. Dizem que desde<br />

então os lacobrigences ficaram esperando o “regresso do Maio”, a<br />

ponto de haver um ditado popular “Tornará como o Maio de Lagos”.<br />

A acompanhar todas estas festividades consta que havia a tradição<br />

de grandes comezainas e bacanais desde a antiguidade, mas as<br />

recordações mais recentes mostram que em geral no país se comiam<br />

castanhas como esconjuro do mal e nas beiras todos comiam o<br />

caldudo, e ao sul do Tejo é geral o costume de merendas no campo...<br />

» «<br />

Parece poder verificar-se que “a gente sisuda”, “as pessoas<br />

ajuizadas” os “senhores” os representantes do poder civil ou religioso<br />

ou cultural, não gostavam das MAIAS (como diziam os magos que já<br />

tínhamos esquecido de tão escondidos na clareira aberta da floresta).<br />

Não gostavam das MAIAS, como desde há muito se vêm contrariando<br />

AS FESTAS POPULARES celebradas ao ritmo das Estações e da<br />

Natureza que eram vistas como Manifestações pagãs, gentílicas, que<br />

normalmente levavam a desmandos, excessos inconvenientes!<br />

347


Nos regimes autoritários ou eivados de paternalismo e<br />

proteccionismo, o facto é que o Povo existe para servir e divertir os<br />

“grandes senhores” e “padrinhos protectores e salvadores” e, se se<br />

considera que tem algum préstimo aquilo que o povo produz ou cria,<br />

(se é que o povo pode criar alguma coisa caso não seja permitido<br />

pelos “grandes senhores”!) só o poderá fazer para os servir e<br />

divertir... É ver os casos da música, da poesia, das artes populares...<br />

Só em beneficio dos senhores é reconhecida e útil! Divertimentos<br />

para o povo, aqueles que “os senhores” prodigamente lhes oferecem<br />

como - a Telenovela quotidiana nos dai hoje - mais os Telejornais e<br />

os Telefilmes; ouvir ou ver/assistir ao menos a um desafio de bolapé<br />

por semana, como – ouvir missa nos domingos e festas de guarda –;<br />

gastar dinheiro em feiras, romarias e “serões para trabalhadores” ou<br />

<strong>outras</strong> variedades semelhantes em festividades especiais, locais,<br />

regionais ou nacionais, sempre com atracções de fora, ainda melhor<br />

se forem estrangeiros e muito caras... mas sobretudo nada de<br />

excessos! nada de desmandos! Alegria e espontaneidade, sim, mas<br />

devidamente controladas!!!<br />

Como se a Natureza não cometesse excessos! Como se não houvesse<br />

cheias, trovoadas, tremores de terra, vulcões e cataclismos que<br />

ciclicamente renovam a Vida causando a Morte!!!<br />

Como se “os Senhores” não cometessem excessos!!! Excessos<br />

proibidos e condenáveis ao Povo, mas que o Povo, como criança<br />

menor, não pode cometer, sem ser severamente punido e penalizado,<br />

exactamente pelos “senhores” que podem cometer esses mesmos<br />

excessos lá em casa ou no “estrangeiro”!!!<br />

O ressurgimento da MAIAS, como das festas tradicionais, que<br />

obedeciam ao ciclo do Sol, da Luz e da Vida, seriam uma Revolução<br />

tão evidente como a descoberta heliocêntrica de Galileu, que poria a<br />

348


Pessoa Humana como centro e medida de todas as coisas, e o Povo<br />

centro e medida de todas as políticas e regimes!!! “em que todos os<br />

instrumentos vinham para a rua nesse dia, ainda que desafinados...,<br />

em que era um dia de alegria e folgança!” em que a população se<br />

sentiria em sintonia com a Natureza que se abre num mar Verde de<br />

promessas, de Pão, de Alegria e de Vida, com toda a agressividade,<br />

subversão e violência, que a própria Natureza traz - com os pólenes,<br />

sementes e súbitas trovoadas - num crescimento para a Vida tão<br />

intenso e por vezes tão brutal que, para muitos, vêm as alergias, e<br />

para os que já não têm mais resistências, a Morte! para que a Vida<br />

renasça.<br />

Têm, afinal, muito para nos contar, AS MAIAS!<br />

Mas chega. Tavondo!<br />

MAIAS, como FESTAS POPULARES, só quando o Povo Soberano as<br />

souber de novo inventar e criar como é de seu direito e dever.<br />

Os donos do Poder, de qualquer Poder, desde o político ao religioso<br />

ao económico e ao cultural, souberam sempre e sabem que, quem dá<br />

o nome às coisas, é porque as cria, e se torna o dono dessas mesmas<br />

coisas! Daí, no fundo, a grande luta surda entre as CULTURAS. a<br />

popular e tradicional, e a académica dita erudita, como se a CULTURA<br />

alguma vez pudesse estar em conflito ou contradição! O que está em<br />

causa é, afinal, a manipulação da cultura para se servir ou para a pôr<br />

ao serviço de quem?! Quando se decreta transformar a LÍNGUA – a<br />

PALAVRA sem respeito pelo Povo que é o Dono e Criador incontestado<br />

do mais poderoso meio de Comunicação, e/ou de Domínio, e/ou de<br />

Libertação, é porque não convém, aos que a isso se atrevem, o<br />

Senhorio do Povo sobre as coisas, os seres, a sua Língua, a sua<br />

PALAVRA, a sua Vida.<br />

349


No dia em que o Povo assumir a FESTA, a PALAVRA, a ALEGRIA, a<br />

VIDA, teremos então o Poder assumido pelo Povo – a Democracia.<br />

Celebra-se hoje, 1° de Maio de 1989, o 1° Centenário da resolução<br />

do Congresso Internacional de Trabalhadores de Paris, em 1889, que<br />

consagrou o 1° de Maio como FESTA INTERNACIONAL DO TRABALHO.<br />

Estaremos mais uma vez a subverter, ou em sintonia perfeita com a<br />

Natureza pois já em 1890, esta data era celebrada em Portugal com<br />

“um passeio ao campo” e, como dizia Rocha Pinheiro em 1894 a<br />

propósito da FESTA DOS TRABALHADORES no dia 1° de Maio, trata-<br />

se:<br />

“(...) d'o triunfo da seiva nova e procriadora - o TRABALHO<br />

(exaltação da fecundidade), sobre a força estéril e nociva - o CAPITAL<br />

(esconjuro da entidade maléfica)... que como o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> se<br />

mantêm numa luta titânica e permanente com pontos mais altos ou<br />

mais baixos na impossibilidade de viverem juntos/separados, como o<br />

Bem e o Mal, como o Homem e a Mulher, numa descoberta sempre<br />

conseguida e frustrada de fecundidade e reprodução...<br />

Tal como a Natureza ciclicamente se renova, também a Comunidade<br />

Humana tem de caminhar para o seu crescimento emancipação e<br />

libertação, destruindo e apagando, renovando e transformando o que<br />

é velho, caduco, estéril e nocivo... num caminhar imparável para o<br />

desenvolvimento...<br />

As MAIAS, as Festas da Primavera, da Vida e da Alegria, são o<br />

símbolo desta Esperança constantemente renovada...<br />

É afinal a Lei da Vida e da Natureza, tão evidente e visível no nosso<br />

dia a dia, que até a Pessoa Humana a pode entender – os outros<br />

350


seres estão sujeitos a ela, sem a poderem entender, pensamos nós –<br />

sem disso poderem tomar consciência – e, esta consciência, pode ser<br />

até Ideia Chave que nos permita libertar-nos da negativa angústia do<br />

ancestral e corrosivo medo da velhice e da morte, porque,<br />

finalmente, poderemos entender a velhice e a morte como condição<br />

de uma Nova Vida que constante e ciclicamente se reNOVA.<br />

351


352


0.4.3 - NOTA FINAL – lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />

PRETEN<strong>DE</strong> SER UM <strong>DE</strong>SAFIO PARA,<br />

como o velho cigano<br />

PO<strong>DE</strong>MOS IR LENDO <strong>LENDAS</strong> nas LETRAS das ESTRELAS!,,,<br />

SERVE TAMBÉM ESTE LIVRO<br />

PARA AFIRMAR AOS QUATRO VENTOS,<br />

MESMO QUE NINGUÉM SAIBA OUVIR A VOZ DO VENTO,<br />

QUE O POVO, E NESTE CASO O POVO DO ALENTEJO<br />

AQUÉM DO TEJO<br />

SEMPRE CRIOU A SUA MÚSICA, A SUA POESIA,<br />

OS SEUS CONTOS, OS SEU CANTOS, AS SUAS <strong>LENDAS</strong><br />

A SUA ARTE<br />

sem interferências (ou apesar) dos donos e dos doutores, apesar dos<br />

colonizadores que lhe chamaram ALÉM - TEJO - e, como “pôr o nome<br />

é ser dono!!!” - que a vieram explorar e banquetear-se com ela!<br />

É por isso mesmo, e apesar disso, que continua com o mesmo<br />

Direito, Dever e até necessidade de continuar a criar a sua música, a<br />

sua poesia, os seus cantos, os seus cantes e descantes, as suas<br />

<strong>lendas</strong> e a sua arte, até para se exorcizar de todos os males,<br />

e deles<br />

Beja, 1° de MAIO de 1989<br />

José Penedo<br />

353


354


5 - BIBLIOGRAFIA/s<br />

nota 1<br />

BIBLIOGRAFIA ou a referência às FONTES<br />

apoios<br />

e a solidão/ária<br />

5.1 BIBLIOGRAFIA/s<br />

5.1 – Bibliografia – referência às Fontes<br />

5.2 – Bibliografia de Autores e Obras<br />

5.3 Bibliografia Viva…<br />

1 A BIBLIOGRAFIA, como aliás vou ter oportunidade de dizer para o/s índice/s, vão numerados, depois de<br />

longas hesitações, porque são parte integrante da obra idealizada. Não são mero apêndice ou elementos<br />

para facilitar a leitura. São capítulos de leitura que condicionam e orientam ou subvertem toda a Leitura.<br />

Neste caso da BIBLIOGRAFIA, o mais importante, não é própriamente a Bibliografia como é entendida<br />

em geral. A BIBLIOGRAFIA não escrita, essas HISTÓRIAS que você ouviu ccontar e de que já não se<br />

lembra... Aqueles de que se lembra mas não ligou importância nenhuma porque foram contadas por<br />

alguém sem cotação no mercado das economias ou ideias rentáveis... Essas mesmo, que não podem<br />

estar aqui citadas, porque são as que voçê conhece, são A BIBLIOGRAFIA inndispensâvel para entender<br />

estas <strong>LENDAS</strong> e as reCONTAR e as subVERTER...<br />

355


356


5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES<br />

os APOIOS ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA<br />

Nestas VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, escritas na<br />

angustiante solidão da desconfiança e da incompreensão, em que foi<br />

preciso resistir aos constantes desânimos e desistências sucessivas,<br />

pela falta de tempo, pela falta de condições, pela falta de estímulos,<br />

pelos constantes apoios negativos que vão desde os risinhos<br />

superiores dos pretensos eruditos sérios e realistas que só acreditam<br />

no imediato, ate a necessidade de resistir para subsistir com horários<br />

sobrecarregados de tarefas inúteis e absorventes, sem o mínimo<br />

respeito pelo trabalho exaustivo de uma investigação tentando<br />

caminhar por zonas pouco andadas e exploradas... tudo isto de<br />

mistura com agressões inauditas, autênticos atentados a minha<br />

dignidade profissional e humana, numa escola cega pela sua<br />

infalibilidade diplomada de cultura livresca de costas viradas para a<br />

realidade gritante, profunda e transformadora do meio em que esta<br />

inserida...<br />

no meio de tanta contrariedade, em que este acto de amor com a<br />

cultura tradicional se transformava por vezes numa doação unilateral<br />

quase violenta em que falhava a partilha do encontro amoroso;<br />

no meio deste angustiante conjunto de circunstâncias que atingia<br />

vezes sem conta os limites da resistência humana!...;<br />

quem sabe se em vez de impeditivas, estas tremendas tensões limite<br />

foram afinal a mola real que me terão levado, como a Sherazade das<br />

mil e uma noites, a desafiar o Califa todo poderoso do destino e das<br />

forcas que me queriam destruir, para, no encanto dos contos e das<br />

357


<strong>lendas</strong> e dos cantos, encontrar a magia, qual varinha magica, que<br />

havia de trazer remédio para a situação de desespero sem saída em<br />

que tantas vezes me encontrei;<br />

eis que subitamente descubro que nada disto teria sido possível sem<br />

me sentir rodeado de uma multidão de sábios e estudiosos e amantes<br />

da cultura, da CULTURA entendida na sua acepção global que vai ate<br />

as raízes...;<br />

e afinal, a dolorosa viagem que parecia insuportavelmente solitária,<br />

estava afinal acompanhada e impulsionada, solidária, por uma série<br />

de ilustres viajantes audaciosas que me proporcionavam a sua<br />

maravilhosa companhia, sem distinção de idades, sem limites de<br />

tempo ou de espaços! sem a distancia inacessível do pedestal da<br />

erudição e do desprezo pelo desejo esforçado de conhecer...<br />

Que PRAZER agradável foi viajar com tantas e tão fantásticas<br />

companhias, associadas a esta CARAVANA <strong>DE</strong> CIGANOS incansáveis<br />

andarilhos que não param, atentos afinal, aquilo que os residentes<br />

distraídos, de tão habituados, e os passantes apressados a caminho<br />

das praias do Algarve, a não vêem!...<br />

Eis pois, em género de crónica de viagem, que pára para descansar,<br />

a lista ainda que incompleta das obras e autores e pessoas com quem<br />

me foi dado viajar, nesta sedutora e exaustiva viagem através do<br />

Maravilhoso destas TERRAS DO AQUÉM-TEJO…<br />

Não seguira porventura as regras ortodoxas ditadas pelos donos da<br />

cultura e do saber que da prémios e promoções! Não é isso que<br />

procuramos…<br />

358


é que, como diz Miguel Torga, o insatisfeito e incansável andarilho<br />

dos caminhos maravilhosos e perdidos deste Povo e desta Pátria ⎯ a<br />

Língua Portuguesa in ⎯ PORTUGAL ⎯ n' UM REINO MARAVILHOSO<br />

(TRÁS-OS-MONTES) ⎯ acontece a desgraça de O POVO SABER <strong>DE</strong><br />

Uma MANEIRA e as ESCOLAS SABEREM DOUTRA.<br />

359


360


5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e obras…<br />

JOSÉ LEITE <strong>DE</strong> VASCONCELLOS ⎯ o Professor e Mestre, pela imensidão da obra<br />

que conseguiu escrever e tesouros que prodigiosamente pode coligir e me deu a<br />

oportunidade de consultar, como:<br />

ETNOGRAFIA PORTUGUESA com seus 7 volumes;<br />

CONTOS POPULARES E <strong>LENDAS</strong>, I e II vol., com a coordenação de Alda e<br />

Paulo Soromenho;<br />

CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, I, II e III vol., coordenado e com<br />

introdução de Maria Arminda Zaluar Nunes;<br />

ROMANCEIRO PORTUGUÊS, I e II vol., com notícia preliminar de R.<br />

Menendez Pidal;<br />

publicações da Universidade de Coimbra impulsionadas pela dedicação e<br />

empenho do Professor Orlando Ribeiro com a colaboração de uma vasta<br />

equipa com o Prof. Manuel Viegas Guerreiro e o Dr. António Machado<br />

Guerreiro, além dos já mencionados que arrancaram da escuridão em que<br />

estavam mergulhadas, as preciosidades irrecuperáveis, fruto de longos anos<br />

de apaixonado e incansável trabalho.<br />

TRADIÇÕES POPULARES <strong>DE</strong> PORTUGAL, organização e apresentação de M.<br />

Viegas Guerreiro;<br />

FILOLOGIA BARRANQUENHA ⎯ apontamentos para o seu estudo ⎯<br />

publicados pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda.<br />

MANUEL JOAQUIM <strong>DE</strong>LGADO ⎯ o incansável e mal compreendido investigador das<br />

raízes do BAIXO ALENTEJO, sócio do Instituto Português de Arqueologia, História e<br />

Etnografia e sócio fundador da Sociedade de Língua Portuguesa, com<br />

A ETNOGRAFIA E O FOLCLORE DO BAIXO ALENTEJO, 2a edição da<br />

Assembleia Distrital de Beja, 1985, tendo sidojá uma separata da Revista<br />

Ocidente, Lisboa, 1956.;<br />

A LINGUAGEM POPULAR DO BAIXO ALENTEJO E O DIALECTO<br />

BARRANQUENHO<br />

(Estudo etnofilológico), 2ª edição da Assembleia Distrital de Beja,<br />

1983, 1ª edição do autor, 1951 depois de ter sido publicada grande parte<br />

em artigos no Arquivo de Beja, entre 1948 e 1950;<br />

SUBSÍDIO PARA O CANCIONEIRO DO BAIXO ALENTEJO, I e II vol., 2a<br />

edição do Instituto Nacional de Investigação Cientifica, Lisboa, 1980, 1ª<br />

edição de Lisboa, 1955;<br />

ENSAIO MONOGRÁFICO (Histórico, Biográfico, Linguístico e Crítico) acerca<br />

de Beja e dos Bejenses mais Ilustres, Beja 1973;<br />

com “o manancial de preciosos elementos” que sem o seu trabalho seriam<br />

irrecuperáveis ou levariam imenso trabalho a recolher...<br />

PADRE JOÃO RODRIGUES LOBATO ⎯ pelos rumos que abriu e continua a abrir com<br />

suas recolhas, de <strong>lendas</strong>, falares e documentação em<br />

AMARELEJA, RUMO À SUA HISTÓRIA, Évora, 1961 e pelo trabalho sobre<br />

Aljustrel que não tive oportunidade de consultar;<br />

FRANCISCO VALENTE MACHADO ⎯ pelo grande amor e dedicação com que se<br />

entregou à investigação de tudo o que podia ser útil à sua terra e a este Mundo<br />

Maravilhoso das Tradições do seu Povo, pelos numerosos trabalhos que publicou e<br />

pelos que tem guardados e podem correr o risco de destruição e extravio; e pela<br />

MONOGRAFIA <strong>DE</strong> VILA VER<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> FICALHO, edição da Biblioteca, Museu de<br />

Vila Verde de Ficalho, 1980.<br />

361


FERNANDA FRAZÃO ⎯ pela sua crença nas raízes profundas da Tradição, apesar de<br />

ter visto nascer a televisão e temer pelo desaparecimento “dos velhos e velhas” e<br />

da sua mágica forma de comunicação, que manifesta nas<br />

<strong>LENDAS</strong> PORTUGUESAS, 6 vol. Amigos do Livro editores, sem data 1984?);<br />

e pelo espaço que neles dá ao Alentejo e as suas Lendas...<br />

GENTIL MARQUES ⎯ com o seu Imenso e perseverante trabalho na recolha, estudo<br />

e divulgação das <strong>LENDAS</strong> DA NOSSA TERRA, e pelas numerosas e quase exaustivas<br />

notas que se seguem a cada lenda, com numerosos dados sobre Beja; e pela Lenda<br />

da MOURA E DO TOURO (Messejana) vol. III, p.163 que pode servir para comparar<br />

com a da PRINCESA TRANSFORMADA EM COBRA, recolhida por José Leite de<br />

Vasconcellos, no Penedo Gordo, de Simplícia Maria das Dores; e pela lenda da<br />

FONTE MOURA, vol. III, p. 358, que é de Santarém e se refere ao tempo de D.<br />

Afonso Henriques, que pode servir para comparar com as <strong>LENDAS</strong> DA FONTE<br />

MOURO, daqui e do Algarve; tudo isto em<br />

<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> PORTUGAL, 5 volumes, Editorial Universus, publicados em 1962<br />

⎯ Lendas dos Nomes das Terras, 1963 ⎯ Lendas Heróicas, 1964 ⎯ Lendas<br />

de Mouras e Mouros, 1965 ⎯ Lendas Religiosas, 1966; e ⎯ Lendas de<br />

humor.<br />

CARLOS OLIVEIRA e<br />

JOSÉ GOMES FERREIRA, pelo estudo inicial e pelo monumental trabalho de recolha,<br />

ou antes, escolha de contos já publicados: “Os contos populares publicados nesta<br />

antologia foram escolhidos de obras de Teófilo Braga, Adolfo Coelho, José Leite de<br />

Vasconcelos, A. Tomás Pires, Consiglieri Pedroso, Ataíde Oliveira e <strong>outras</strong><br />

colectâneas e revistas por onde tem andado disperso o tesoiro que hoje se reune<br />

aqui.” em<br />

CONTOS TRADICIONAIS PORTUGUESES em 4 volumes, das Iniciativas<br />

Editoriais, Lisboa, em edição especial para a Lavraria Figueirinhas, Porto,<br />

sem data, (p. 58?).<br />

TEÓFILO BRAGA ⎯ pelo trabalho pioneiro de investigador incansável em<br />

O POVO PORTUGUÊS NOS SEUS COSTUMES, CRENÇAS E TRADIÇÕES, em 2<br />

volumes, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985 (1ª ed. de 1885), e<br />

CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS, 2 volumes, Publicações<br />

Dom Quixote, Lisboa 1987, (1ª ed. de 1883), ambos publicados na colecção<br />

PORTUGAL de PERTO, dirigida por Joaquim Pais de Brito, assistente de<br />

Antropologia do ISCTE, com valiosos trabalhos e estudos de Etnografia e<br />

Antropologia de inestimável valor e profundidade.<br />

ALEXANDRE HERCULANO ⎯ o austero e implacável criador do Romantismo, em<br />

especial pela criação da LENDA:<br />

A MORTE DO LlDADOR e os inesgotáveis dados históricos dos primórdios da<br />

Nacionalidade, em<br />

<strong>LENDAS</strong> E NARRATIVAS que apareceram coligidas em 1851 depois de<br />

publicadas em O PANORAMA e A ILUSTRAÇÃO, como monumentos para<br />

renovar a Literatura em Portugal, e pela HISTORIA <strong>DE</strong> PORTUGAL que<br />

começou a publicar desde 1846 e nos chegou através da ULMEIRO, edição<br />

de José A. Ribeiro, Lisboa, 1980.<br />

Júlio MARTINS ⎯ professor efectivo no Colégio Militar, pela selecção dos textos e<br />

comparação com os extractos dos<br />

LIVROS <strong>DE</strong> LINHAGENS insertos no PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA,<br />

SCRIPTORES, e excerto da p. 279-280 da Morte do Lidador em TRECHOS<br />

SELECCIONADOS DAS <strong>LENDAS</strong> E NARRATIVAS <strong>DE</strong> ALEXANDRE HERCULANO,<br />

Didáctica Editora, Lisboa, 1974.<br />

362


MÁRIO GONÇALVES VIANA ⎯ pelas achegas, informações e opiniões que manifesta<br />

sobre os diversos períodos literários e citações que nos faz chegar de Matos<br />

Sequeira e Fidelino de Figueiredo, sobre Mariana do Alcoforado, em<br />

O AMOR NA LITERATURA PORTUGUESA, Domingos Barreira editores, Porto,<br />

sem data.<br />

ANTÓNIO BELARD DA FONSECA ⎯ ilustre Bejense, advogado, que se dedicou à<br />

investigação de Arte, e escritor, que foi Director do Museu Regional Rainha Dona<br />

Leonor, pelo rigor e clareza com que traz uma luz nova sobre os equívocos<br />

provocados pelo editor das LETTRES PORTUGAISES, em 4 de Janeiro de 1669, o<br />

senhor Barbin, e o presumível autor que terá sido o tradutor das CARTAS,<br />

Guillerauxes, no seu livro<br />

MARIANA ALCOFORADO ⎯ A FREIRA <strong>DE</strong> Beja E AS LETTRES<br />

PORTUGUAISES, 1966, bem como as achegas para responder a falsas<br />

interpretações mal documentadas, com os apoios de muitos outros autores e<br />

investigadores como:<br />

MANUEL RIBEIRO com<br />

VIDA E MORTE <strong>DE</strong> MADRE MARIANA ALCOFORADO, Lisboa, 1940 e<br />

LUCIANO COR<strong>DE</strong>IRO, com<br />

SOROR MARIANA ⎯ A FREIRA PORTUGUESA, 2ª ed. Lisboa, 1890 e<br />

GODOFREDO FERREIRA, que em 1923 nos informa sobre o espantoso<br />

número de edições nas diversas línguas que tiveram<br />

AS CARTAS PORTUGUESAS e ainda o poeta<br />

EUGÊNIO <strong>DE</strong> ANDRA<strong>DE</strong> pela<br />

TRADUÇÃO E OR<strong>DE</strong>NAMENTO DAS CARTAS PORTUGUESAS Atribuídas A<br />

MARIANA ALCOFORADO, edição bilingue RTP, Março de 1980.<br />

FERNÃO LOPES:<br />

⎯ AS CRÓNICAS <strong>DE</strong> FERNÃO LOPES ⎯ CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. PEDRO,<br />

CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. FERNANDO, CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. JOÃO ⎯ em<br />

português moderno, por<br />

ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, Antologias Universais da Potugalia Editora, sem<br />

data


a 2ª edição, corrigida, da Revista Ocidente, de 1943, como diz o editor,<br />

Trata-se de um livro fundamental para a compreensão de Fernão Lopes.”<br />

A. KIBEDI VARGA<br />

⎯ TEORIA DA LITERATURA, com a colaboração de Benoit de Cornulier, D.W.<br />

Fokema, Heide Gottner, Michel Grimsud, Elrud Ibsch, P.W.M. de Meier,<br />

Heinrich F. Plett, Horst Steinetz, Teun A. Van Di, Aart Van Zoest, Pierre V.<br />

Zima, tradução de Tereza Coelho, apresentação e revisão de Eduardo Prado<br />

Coelho, Editorial Presença, o Copyright by A. et J. Picard, 1981, pela vasta<br />

bibliografia que apresenta em cada uma das colaborações, pela actualização<br />

e desafios que faz a todo o trabalho de Análise Textual, abrindo-se ao<br />

campo de inúmeras disciplinas e áreas de investigação.<br />

RICHARD E. PALMER<br />

⎯ HERMENÊUTICA, HERMENEUTICS ⎯ NTERPRETATION THEORY in<br />

Schleiermacher, Dilthey, Heidegger and Gadamer, Northwestern University<br />

Press, 1969, Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Edições 70, Lisboa,<br />

1986, pela profundidade que sugere para a Teoria da interpretação literária.<br />

MESQUITELA LIMA<br />

⎯ ANTROPOLOGIA DO SIMBÓLICO (ou o simbólico da Antropologia),<br />

Editorial Presença, 1983, pelas pistas que apresenta e pelos exemplos<br />

apresentados de, a partir de contos tradicionais em diversas variantes, e<br />

analisando a sua estrutura, descobrir as suas simbólicas e então partir para<br />

uma visão quase global das respectivas sociedades, o que se torna<br />

impraticável como diz o autor.<br />

CARLOS REIS<br />

⎯ TÉCNICAS <strong>DE</strong> ANÁLISE TEXTUAL. Livraria Almedina, Coimbra, 2ª edição,<br />

1978, por ser o livro fundamental para a abordagem de qualquer texto.<br />

Vítor MANUEL <strong>DE</strong> AGUIAR E SILVA<br />

⎯ TEORIA DA LITERATURA, Livraria Almedina, Coimbra, 4ª edição, 1982,<br />

pela constante renovação e actualização que revela e pela abertura e<br />

exigências cientificas que demonstra e exige.<br />

D. A. TAVARES DA SILVA ⎯ Professor do Instituto Superior de Agronomia, que nos<br />

deu o<br />

ESBOÇO DUM VOCABULÁRIO AGRÍCOLA REGIONAL, separata dos “ANAIS<br />

DO INSTITUTO SUPERIOR <strong>DE</strong> AGRONOMIA” vol. XII, Lisboa, 1942, e por<br />

este trabalho ser o resultado de “...observar a terminologia dos nossos<br />

agricultores, muito sua, original por vezes, pois em grande parte, cuido eu,<br />

se não encontra nos dicionários...E quantas vezes estes e outros vocábulos<br />

regionais, que os léxicos não registam, definem com justeza tão perfeita a<br />

operação técnica, que sobreleva a do termo cientifico." Dai a riqueza e<br />

expressividade da nossa Língua que tudo e capaz de definir com propriedade<br />

e precisão excepcionais, e muito seria útil ao país para conhecimento do<br />

todo e de cada uma das regiões.<br />

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA ⎯ que organizou a antologia que intitulou;<br />

TESOUROS DA LITERATURA POPULAR PORTUGUESA, Editorial Verbo, Lisboa,<br />

S. Paulo, 1985; pelo pretenso serviço prestado a Literatura Popular; pelo<br />

mau exemplo e descaramento insultuoso contra o Povo a pretexto de balofa<br />

erudição que não é capaz de ver na dicotomia da maior parte das quadras<br />

populares a ligação do tema e da expressão dos sentimentos ou da sátira e<br />

da ironia, a Natureza e a realidade da vida a que o povo está ligado;<br />

insultando o povo (que) raro cria, antes adopta e adapta o que recebe de<br />

364


alguém de mais instruído intelecto..., mas reconhece que e o nosso<br />

cancioneiro...o mais vivente e fecundo, e finalmente publica, depois de<br />

descaradamente a insultar, as recolhas de recolhas e selecções de múltiplas<br />

selecções, os grandes primores da alma portuguesa. !!! Com tantos<br />

exemplos de obras de grande fôlego, não dá nenhum exemplo de DÉCIMAS,<br />

que consideramos a mais artificiosa e complexa forma de poesia popular!<br />

SELMA LAGERLÖF (1858-190) ⎯ Prémio Nobel da Literatura, a primeira escritora a<br />

receber tal galardão e 1909, por nos ter dado<br />

A MARAVILHOSA VIAGEM <strong>DE</strong> NILS HOLGERSON ATRAVÉS DA SUÉCIA,<br />

tradução de Maria de Castro Henriques Osswald, 5ª edição da Editora<br />

Educação Nacional de Adolfo Machado, Porto, s/data;<br />

HISTÓRIAS MARAVILHOSAS, versão portuguesa da Editorial Minerva, Lisboa<br />

1952;<br />

O LIVRO DAS <strong>LENDAS</strong>, Tradução de Pepita de Leão e introdução de Paulo<br />

Arinos, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, s/data;<br />

A CARROÇA FANTASMA, versão Portuguesa de Leão Penedo, Filme da<br />

Transcontinental (Colúmbia), Editorial Minerva, Lisboa, 15 de Agosto de<br />

1941;<br />

OS SETE PECADOS MORTAIS E OUTROS CONTOS....<br />

enfim por toda a sua obra e por todas as suas MARAVILHOSAS VIAGENS<br />

ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, mais real do que eu estar aqui e tu ai como<br />

dizia que a sua avó lhe dizia, quando no final de um conto lhe acariciava<br />

carinhosamente a cabeça...<br />

PEARL S. BUCK ⎯ Prémio Nobel, pelas<br />

HISTÓRIAS MARAVILHOSAS DO ORIENTE, tradução de Fernanda Pinto<br />

Rodrigues, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, 1965, que afinal são uma<br />

VIAGEM de descoberta, por terra e mar, a um mundo fabuloso de encanto e<br />

Fantasia, o mistério lendário das terras orientais. Os primores da sabedoria<br />

e da imaginação asiáticos reflectem-se nestas histórias maravilhosas que<br />

Pearl Buck recriou com o talento inimitável que lhe valeu o prémio Nobel.<br />

RUDYARD KIPLING ⎯ (186-1936), Prémio Nobel em 1907 pela sua obra em<br />

especial:<br />

SIMPLES CONTOS DAS COLINAS<br />

KIM<br />

O LIVRO DA SELVA<br />

CHARLES PERRAULT ⎯ (1628-1703) pela coragem de, na sua época, irromper pelo<br />

campo do maravilhoso e do imaginário, em especial com<br />

LES CONTES <strong>DE</strong> MA MÈRE L’OYE (1694), contos que recolheu para<br />

“l'amusement des enfants” e<br />

CONTES DU TEMPS PASSÉ (1697), obras que ilustram a sua destemida e<br />

temerária posição na famosa QUERELLE <strong>DE</strong>S ANCIENS ET MO<strong>DE</strong>RNES.<br />

HANS CHRISTIAN AN<strong>DE</strong>RSEN ⎯ (1805-1875) autor de<br />

CONTOS que publicou entre 1835 e 1872 e na sua simplicidade acessível,<br />

parece escrever para crianças, o que só os adultos podem entender em toda<br />

a sua profundidade...<br />

ANTOINE <strong>DE</strong> SAINT-EXUPÉRY ⎯ (1900-1940), piloto militar francês, que foi abatido<br />

num voo de reconhecimento durante a segunda guerra mundial, pelos voosdesafios<br />

que nos deixou nas SUAS obras, em especial por nos CATIVAR<br />

“aprivoiser”, com<br />

LE PETIT PRINCE, Librairie Gallimard, Paris,1943.<br />

365


LYMAN FRANK BAUM ⎯ (1856-1919) pela fantasia com que nos sabe levar com<br />

Dorothy, to<br />

THE WON<strong>DE</strong>RFUL WIZARD OF OZ, que naquele dia de ciclone, não<br />

conseguiu fugir para o subterrâneo para onde a chamava a tia Em, por<br />

causa do Totó que lhe saltou dos braços e se foi esconder debaixo da<br />

cama... e, aí vamos nós, depois da casa girar três vezes..., através dos ares,<br />

viajar pelos mundos do sonho...<br />

WILHELM GRIMM ⎯ (1786-1859) e seu irmão JACOB GRIMM (1785-1863), notáveis<br />

eruditos do romantismo alemão, e fundadores da filologia alemã, que nos deixaram<br />

a famosa e imensa recolha de CONTOS POPULARES, e se tornaram famoso pela<br />

divulgação dos<br />

CONTOS <strong>DE</strong> GRIMM<br />

GIOVANNI BOCCACIO ⎯ (1313-1375), que situando-se numa epidemia de peste<br />

em Florença, faz encontrar dez jovens, sete raparigas e três rapazes, que ao longo<br />

de dez dias de isolamento numa quinta “encantada” nos dão os saborosos e<br />

picantes contos do<br />

<strong>DE</strong>CAMERON (1349-1353)<br />

LEWIS CAROL ou antes CHARLES DODGSON ⎯ (1832-1898) pelo encanto<br />

refinadamente irónico e perigosamente adulto com que nos leva ao mundo infantil<br />

de<br />

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS ou melhor "ALICE'S ADVENTURES IN<br />

WON<strong>DE</strong>RLAND<br />

JONATHAN SWIFT ⎯ (1667-1745), escritor irlandês que em 1726 publica uma<br />

violenta sátira à sociedade inglesa e à civilização da época com<br />

AS VIAGENS <strong>DE</strong> SAMUEL GULLIVER, que encontramos habitualmente como<br />

Viagens de Gulliver, presumivelmente apropriado para crianças...! e assim<br />

vamos até ao país dos anões, depois ao dos gigantes, depois, à ilha em<br />

movimento habitada por sábios, e enfim até à região dos cavalos civilizados<br />

que dominam antropóides degradados! Enfim, um mundo de FICÇÃO!<br />

JEAN <strong>DE</strong> LA FONTAINE ⎯ (1621-1695) por nos ter dado o retrato pedante da<br />

sociedade do século XVII (ou “...de tout temps/les petits ont pâti des sottises des<br />

grandes”) através da sua Arca de Noé rebelde e brincalhona dedicada ao Delfim de<br />

França, para através das<br />

FÁBULAS<br />

que devemos a ESOPO, o ilustre príncipe se poder distrair, já que isso é<br />

permitido aos príncipes; mas também para, por debaixo de uma capa de<br />

aparente puerilidade, poder dedicar alguns pensamentos a reflexões mais<br />

sérias e a algumas verdades consideráveis! Não será descabido evocar aqui,<br />

de novo, Miguel TORGA ou Adolfo Rocha com os seus/nossos BICHOS!<br />

CONTOS ÁRABES ⎯ AS MIL E UMA NOITES!!!<br />

VLADIMIR PROPP<br />

⎯ AS FUNÇÕES DO CONTO, pelos meios que fornece...<br />

NUNO BETELHEIM<br />

⎯ PSICANÁLISE DO CONTO <strong>DE</strong> FADAS, pelas pistas que abre...<br />

LUIZ VAZ <strong>DE</strong> CAMÕES<br />

⎯ OS LUSÍADAS ⎯ e a sua monumental viagem através do tempo e do<br />

espaço que vai da Via Láctea à Ilha dos Amores e passa por dezasseis<br />

séculos de história da civilização pC, mergulhando até aos tempos de<br />

366


Homero aC e não descortinamos até onde e até quando o génio do seu<br />

poema abre clareiras de prodigiosa fantasia, mais real e profunda que a<br />

própria realidade!!!<br />

FERNÃO MEN<strong>DE</strong>S PINTO<br />

⎯ PEREGRINAÇÃO ⎯ pelas suas viagens de ladrão civilizado e de bandido<br />

apóstolo, de civilizador de civilizações surpreendentes, navegando por este<br />

rio acima através dos REINOS DO FANTÁSTICO ⎯ REAL!<br />

GONÇALO FERNAN<strong>DE</strong>S TRANCOSO<br />

⎯ CONTOS E HISTÓRIAS <strong>DE</strong> PROVEITO E EXEMPLO, de 1575<br />

JOÃO BAPTISTA <strong>DE</strong> ALMEIDA GARRETT<br />

⎯ VIAGENS NA MINHA TERRA e a sua promessa/desafio de tomar o bordão<br />

de romeiro e caminhar de novo por esse Portugal fora, à procura de<br />

histórias para te contar... en/cantar/cont(r)ar...<br />

MIGUEL TORGA<br />

⎯ PORTUGAL e o DIÁRIO, que em resumo são as suas viagens incansáveis e<br />

de uma profundidade ímpar através do país, através do Tempo, do Espaço,<br />

em especial por<br />

“UM REINO MARAVILHOSO ⎯ TRÁS-OS-MONTES<br />

sim, porque, mesmo num reino maravilhoso, acontece “a desgraça de o<br />

povo saber duma maneira e o povo de outra!" e pelo retrato do ALENTEJO e<br />

o cântico do Homem e da Terra!<br />

ADOLFO COELHO<br />

⎯ CONTOS POPULARES PORTUGUESES, 1ª edição de 1879 e Publicações<br />

Dom Quixote, Portugal de Perto, Lisboa 1988, e o prefácio de Ernesto Veiga<br />

de Oliveira.<br />

CONSIGLIERI PEDROSO<br />

⎯ CONTOS POPULARES PORTUGUESES, (1ª edição em 1910 e edições Vega<br />

1978 ), com prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa que lhe agradece<br />

pelos preciosos documentos para a compreensão dos vectores tradicionais<br />

da nossa cultura.<br />

J. DAVID PINTO-CORREIA<br />

⎯ ROMANCEIRO TRADICIONAL PORTUGUÊS, Editorial Comunicação, Lisboa,<br />

1984, pela apresentação crítica, organização, notas e sugestões para uma<br />

análise literária do nosso romanceiro...<br />

ADOLFO SIMÕES MÜLLER<br />

⎯ O PRÍNCIPE IMAGINÁRIO E OUTROS CONTOS TRADICIONAIS<br />

PORTUGUESES, Distri Editora, 1985, pela selecção prefácio e notas...<br />

MARIA LAURA BETTENCOURT PIRES<br />

⎯ HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL PORTUGUESA, Editorial Vega,<br />

Lisboa, s/data, pela lucidez que revela de procurar as suas raízes na<br />

literatura tradicional oral... e por assim tentar destruir a hipotética barreira<br />

que existe entre a Literatura Tradicional e a dita Erudita! /Infantil!...<br />

MICHEL GIACOMETTI e FERNANDO LOPES GRAÇA<br />

⎯ CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, Círculo de Leitores, 1981, e pela<br />

obra incomensurável que construíram e estão a construir...<br />

MANUEL DA FONSECA<br />

367


⎯ SEARA <strong>DE</strong> VENTO – CERROMAIOR e por toda a sua obra de poesia<br />

encantatória sobre o Alentejo...<br />

OLÍMPIO NUNES<br />

⎯ O POVO CIGANO, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, por<br />

conseguir ir to longe e tão dentro de um mundo de mistério e maravilhoso<br />

que escapa a todos ou a grande maioria dos que se sentem incomodados ou<br />

fascinados por ele!<br />

MARIA JOÃO PAVÃO SERRA<br />

⎯ FILHOS DA ESTRADA E DO VENTO, CONTOS E FOTOGRAFIAS <strong>DE</strong><br />

CIGANOS PORTUGUESES, Assírio e Alvim, Dezembro de 1986, pelo impacto<br />

e divulgação que conseguiu despertar...<br />

JOSÉ SILVESTRE RIBEIRO<br />

⎯ <strong>BEJA</strong> NO ANNO <strong>DE</strong> 1845, com introdução de José Manuel da Silva Passos,<br />

pelo retrato que nos legou de Beja do século XIX, ele, que foi Governador<br />

Civil nesta cidade em 1845-1846, edição da Câmara Municipal de Beja, 1986<br />

FERNANDO NUNES RIBEIRO<br />

⎯ O BRONZE MERIDIONAL PORTUGUÊS, Beja 1965 e<br />

A VILLA ROMANA <strong>DE</strong> PISÕES, Beja, 1972 publicados in ARQUIVO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>,<br />

pelas recolhas e investigações arqueológicas e históricas que nos levam a<br />

procurar as raízes do Povo Alentejano, para além dos Árabes e Romanos,<br />

até aos vestígios de um POVO CÚNEO que possivelmente abrem profundas<br />

pistas para o desenvolvimento desta região agrária num REGRESSO AO<br />

FUTURO que se impõe...<br />

JOSÉ D. GARCIA DOMINGUES<br />

⎯ O ALENTEJO ÁRABE E A SUA INTERACÇÃO NO REINO <strong>DE</strong> PORTUGAL,<br />

Lisboa 1958, separata da revista IN<strong>DE</strong>PENDÊNCIA, da Sociedade Histórica<br />

da Independência de Portugal, pelo tremendo campo de batalha que nos<br />

mostra, onde, apesar de tudo, floriu poesia...<br />

ARNALDO SARAIVA, pelos trabalhos, estudos e investigações no campo das<br />

Literaturas Marginais e outros estudos... e pela aproximação distante...<br />

JOSÉ SARAMAGO<br />

⎯ LEVANTADO DO CHÃO a retratar o ALENTEJO ou um ALENTEJO, e pelo<br />

seu fantástico MEMORIAL DO CONVENTO e por nos ter posto a navegar na<br />

sua inacreditável JANGADA E PEDRA...<br />

JOSÉ GABRIEL PEREIRA e FERNANDA BIRRENTO<br />

⎯ A MULHER, O LEITE E A COBRA, edições Rolim 1988, pelas pistas que nos<br />

abrem a investigar o quotidiano (crendices?) que mergulha nas raízes da<br />

criação do mundo...<br />

JEAN CHEVALIER et ALAIN GHEERBRANT<br />

DICTONNAIRE <strong>DE</strong>S SYMBOLES, MYTES, RÉVES, COUTOUMES, GESTES,<br />

FORMES, FIGURES, COULEURS, NOMBRES, Ed. Robert Lafont/Jupiter, Paris,<br />

edition originale 1969, et edition revue et corrigé 1982, pelos elementos<br />

fronecidos para desvendar os SIGNOS, SINAIS, ÍNDICES, INDÍCIOS,<br />

SÍMBOLOS...<br />

LA SAINTE BIBLE ⎯ Traduite en Français sous la Direction de L'École<br />

Biblique de Jérusalem, Desclée de Brouwer, Edition du Cerf, Paris, 1955.<br />

368


5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo…<br />

Há, ainda, lugar para pessoas, estudiosos e amigos, que directa ou<br />

indirectamente me acompanharam e acompanham nesta tão penosa<br />

e por vezes angustiante como agradável VIAGEM ATRAVÉS DO<br />

MARAVILHOSO. Cito em especial:<br />

JOSÉ EDUARDO BARBOSA BENTES, pelo amor e dedicação que dedica<br />

aos mínimos pormenores do Património Cultural de Beja e outros, a<br />

ponto de ganhar o epíteto de “O Cheira Pedras”.<br />

ABÍLIO PERPÉTUA RAPOSO, coordenador Distrital de Beja da<br />

Direcção-Geral de Educação de Adultos, pela publicação da<br />

LITERATURA POPULAR DO DISTRITO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, Edição do Ministério<br />

da Educação e Cultura e Direcção-geral da Educação de Adultos,<br />

1986.<br />

ABÍLIO TEIXEIRA, coordenador da Concelhia de Beja da DIRECÇÃO-<br />

GERAL <strong>DE</strong> APOIO E EXTENSÃO EDUCATIVA, pelas recolhas e<br />

incentivos que tem tentado para a investigação e divulgação da<br />

Poesia Popular e valores tradicionais...<br />

ASSOCIAÇÃO PARA A <strong>DE</strong>FESA DO PATRIMÓNIO CULTURAL DA<br />

REGIÃO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, pelas inúmeras iniciativas e trabalhos<br />

desenvolvidos e promovidos...<br />

MUSEU REGIONAL <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, e a todos os que lá trabalham pelas<br />

informações e dados fornecidos, e pelas pesquisas permitidas e pelo<br />

trabalho de abertura e revitalização do museu vivo e interveniente<br />

que a cidade e a região precisam...<br />

369


POPULAÇÃO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, cidade, concelho, distrito e a todos os<br />

ALENTEJANOS que com a sua maneira de estar na vida, pelo seu<br />

CANTE, pelos seus CANTOS e CONTOS e filosofia de vida nos dão a<br />

matéria base para ler alguns fundamentos das características deste<br />

POVO, em especial os habitantes do PENEDO GORDO e amigos<br />

alentejanos que me honraram com a sua amizade e boa vizinhança e<br />

tantas vezes estranharam este estrangeiro do Norte aqui perdido<br />

nesta solidão!<br />

O/A/s ALUNA/O/s <strong>DE</strong> PORTUGUÊS, LITERATURA PORTUGUESA e<br />

LITERATURA PARA CRIANÇAS, da Escola Secundária Diogo de<br />

Gouveia (Nº 1 de Beja), em especial aos cursos dos 10° e 11º anos,<br />

de 1984/85, que inventaram o gosto pela Literatura que<br />

estudávamos; os da Escola do Magistério Primário de Beja com os<br />

Cursos de Educadores de Infância e Cursos de Promoção de<br />

Educadores de Infância e o Curso de Professores, entre 1984 e 1987;<br />

os da Escola Secundária Nº 2 de Beja (Escola Sec. Manuel da<br />

Fonseca, proibido pelo Ministério e depois D. Manuel I) em especial os<br />

alunos do 8° ano 5ª e 7ª turmas do Ano Lectivo 87/88, como por<br />

exemplo para lembrar todos os colegas: o Luís Filipe (Bule), a Ana<br />

Isabel, a Ana Paula, o Jorge Cruz, a Paula Cristina, o Rogério, etc.,...,<br />

que tantas vezes não me entenderam nos caminhos que entendia<br />

dever caminhar, e tanto me deram das suas memórias e cultura;<br />

bem como todos os colegas e agentes culturais das mais diversas<br />

instituições e associações que tantos dados forneceram e com quem<br />

partilhei muitas des/ilusões... e os Cursos do 11º ano, 1987/88, da<br />

Escola Sec. Nº 2, de Beja, pelas viagens fabulosas que inventaram<br />

através do seu ALENTEJO, seguindo as pegadas de Garrett, viajando<br />

para melhor conhecer e dar a conhecer a sua Terra... Não me lembro<br />

dos nomes. Só me lembro que era uma turma de electrotecnia, e foi<br />

das melhores turmas que tive a trabalhar a Língua e a Literatura,<br />

370


mesmo comparando com turmas de Cursos Humanísticos com que<br />

me foi dado trabalhar.<br />

À MARIANA e ao CASTANHO, um casal real com quem convivi alguma<br />

coisa, por me terem fornecido, sem o saberem, e sem eu o saber, a<br />

ideia do par-ficção, que saltou para dentro destas viagens através do<br />

maravilhoso, transformando-se em ciganos irrequietos e<br />

irreverentes...<br />

À NATÁLIA, que da sua cadeira de rodas, encontrou força para me<br />

empurrar nesta viagem tantas vezes impossível e temerariamente<br />

fascinante...<br />

À PIEDA<strong>DE</strong>, e à DIANA, que, para eu poder ter a companhia destas<br />

tão numerosas e ilustres figuras, elas, as companheiras de todas as<br />

horas e angústias durante a maior parte do tempo desta escrita,<br />

tiveram de suportar a solidão imposta pela minha necessidade<br />

absorvente de partir para as regiões da leitura e escrita criadora,<br />

penalizando-as com a minha presença distante e tremendamente<br />

dependente...<br />

Finalmente, já na última década do século XX e no dealbar do século<br />

XXI, falta citar a Fátima, a barranquenha, a fada alentejana, que me<br />

deu por assim dizer, a cidadania alentejana, com o David, alentejano,<br />

logo migrado para a Margem Sul, onde é notável e visível uma<br />

interveniente comunidade de alentejanos… e a Betriz, a princesa<br />

cheia de encanto e magia!!!<br />

Para todos, mas para elas especialmente, o meu abraço, um beijo<br />

cheio de ternura, impregnado de todo o feitiço destas <strong>lendas</strong><br />

maravilhosas cujo significado profundo ainda me escapa... e nos<br />

continua a espantar!!!<br />

371


Falta citar<br />

o grande LIVRO ABERTO que é a VIDA e em especial aqui A VIDA NO<br />

ALENTEJO no seu apelo e solicitações constantes e, na sua imensa<br />

SOLIDÃO, lembrando afinal que O ACTO CRIADOR só e possível no<br />

AMOR, no AMOR PARTILHADO ENTRE O HOMEM E MULHER, mas<br />

verificando, por contradição e ambiguidade, que o ACTO CRIADOR só<br />

se realiza na SOLIDÃO absoluta... e no campo da arte, permito-me<br />

citar os casos deste século:<br />

A pintora VIEIRA DA SILVA que sentia necessidade de pedir aos<br />

amigos que a deixassem não ter o prazer de ir tomar com eles o café<br />

ou de ir a um concerto ou a uma festa, porque os seus quadros, sem<br />

ela não nasceriam e a Humanidade ficaria mais pobre; o exemplo de<br />

MIGUEL TORGA, o transmontano sempre chamado para o Reino<br />

Maravilhoso da solidão de Trás-os-Montes, e sempre solicitado pela<br />

vida, numa SOLIDÃO-SOLIDÁRIA inexprimível;<br />

e ainda o exemplo do prémio Nobel da Literatura, Garcia Marques<br />

que, depois de conceber os seus CEM ANOS <strong>DE</strong> SOLIDÃO, quando<br />

durante uma viagem olhava o deserto e as montanhas!, e depois ...<br />

tem de se isolar durante dois anos em que fica totalmente<br />

dependente dos amigos e da família, para o tabaco, para a comida,<br />

as necessidades primárias, e... até dos comerciantes que lhe<br />

fiavam... para produzir a obra prima que deslumbrou o Mundo!<br />

Ainda no final, este novo final em Junho de 1995, passados seis<br />

anos!!!, tenho ainda um agradecimento muito a especial.<br />

Todo este trabalho se teria perdido, se, em Julho de 1994, não<br />

tivesse tido a sorte de encontrar a equipa do Projecto Minerva, em<br />

Beja, que estava de malas aviadas para regressar ao seu trabalho<br />

normal, depois de um trabalho pioneiro por todo o Distrito digno dos<br />

maiores elogios. Como acontece muitas vezes neste Ministério de<br />

Educação que parece apostado em deseducar, apesar dos professores<br />

372


que tem, ou talvez por causa disso, muitos que se empenharam em<br />

trabalhos e experiências pioneiras e duma projecção ímpar, são<br />

arrumados e ignorados como qualquer “coisa” sem préstimo!!! Um<br />

país pobre e de fracos recursos não se pode dar ao luxo de<br />

desperdiçar, ignorar e enxovalhar, pessoas como estas que abriram<br />

as portas do Futuro para as gerações do Futuro...<br />

Na altura em que corria o risco de perder a informatização de todo<br />

este trabalho, eis que, por indicação do Professor e amigo Vito<br />

Carioca, pacientemente, os colegas Manuel Mantinhas e António Grilo,<br />

do Projecto Minerva, pólo da Escola Superior de Educação de Beja,<br />

sob o coordenação do colega Toucinho da Silva, me ajudaram e<br />

permitiram que, com o skanner, recuperasse o que foi possível de<br />

texto e desenhos para o poder reformular e trabalhar...<br />

Pensei que seriam suficientes os serões de Inverno para recuperar<br />

todo este trabalho e, só passado um ano cheguei ao termo do 1ª<br />

fase.<br />

Está enfim o texto recuperado. OBRIGADO e um grande abraço para<br />

o Mantinhas e Grilo porque este trabalho fica, também, um pouco<br />

deles.<br />

Afinal, já em finais de 1995 e alguns meses de 1996, só a<br />

persistência da Fátima nas revisões pormenorizadas, e o encanto da<br />

companhia do David, agora ao lado da Diana, estão a permitir a<br />

revisão e reconstrução final de todo este trabalho.<br />

Uma viagem que começou, parecendo solitária, fica afinal como uma<br />

obra colectiva e daí e não a assinar com o meu nome, mas, como<br />

optei desde o início, com o meu deNómio, José Penedo. Este<br />

deNÓMIO fica aí, a significar toda esta gente que permitiu que eu<br />

realizasse este trabalho. Publicá-lo?!!! ⎯ Isso será outra aventura e<br />

outro desafio. Acho que não é comigo nem depende de mim.<br />

373


374


6 – EXTRAS<br />

6.1<br />

6.1.1 - Confidência<br />

6.1.2 - Brinquedo de Miguel Torga<br />

6.1.3 - Estrela de José Penedo<br />

6.2<br />

6.2.1 - Bibliografia do autor<br />

6.2.2 - Uma Resenha d Ana Machado<br />

6.2.3 - Referência à publicação destas <strong>lendas</strong> no Arquivo de<br />

Beja pela mão do Professor Dotor José Orta<br />

6.2.4 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e<br />

do Barro – Paizana e Isaclino<br />

6.3<br />

SEPARATAS com várias montagens de imagens a permitir<br />

sonhar com o tema do TOURO e da COBRA<br />

6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz<br />

6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra<br />

6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong><br />

6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…<br />

6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)<br />

6.3 - Separata 6 – TC mitologia<br />

6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários<br />

375


376


6.1.1 - CONFIDÊNCIA:<br />

De um amigo, Já de cabelos brancos, e com multa falta<br />

deles, e também com muitos muitos anos de Beja,<br />

recebi um dia este desabafo:<br />

⎯ “Beja é uma terra madrasta.<br />

Não reconhece o valor e o trabalho dos seus filhos,<br />

ou dos que vêm de fora para se dedicar e empenhar<br />

ao seu serviço…,<br />

mas bajula e se verga<br />

aos estranhos que vêm para colonizar e explorar!...”<br />

⎯ Não. Não é Beja e a sua gente ⎯ descobrimos ambos<br />

num repente ⎯ São aqueles que se arvoraram em donos<br />

para melhor colonizar e explorar!<br />

Beja, Primavera de 1989.<br />

José Penedo<br />

377


378


6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga)<br />

FOI UM SONHO QUE EU TIVE:<br />

ERA UMA GRAN<strong>DE</strong> ESTRELA <strong>DE</strong> PAPEL,<br />

UM. COR<strong>DE</strong>L<br />

E UM MENINO <strong>DE</strong> BIBE.<br />

O MENINO TINHA LANÇADO A ESTRELA<br />

COM AR <strong>DE</strong> QUEM SEMEIA UMA ILUSÃO;<br />

E A ESTRELA IA SUBINDO, AZUL E AMARELA,<br />

PRESA PELO COR<strong>DE</strong>L À SUA MÃO.<br />

MAS TÃO ALTO SUBIU<br />

QUE <strong>DE</strong>IXOU <strong>DE</strong> SER ESTRELA <strong>DE</strong> PAPEL.<br />

E O MENINO, AO VÊ-LA ASSIM, SORRIU<br />

E CORTOU-LHE O COR<strong>DE</strong>L.<br />

Coimbra, 6 de Fevereiro de 1936 - Miguel Torga, in Diário I<br />

6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo)<br />

e desde este dia, aqui, aquém do Tejo e do Mondego<br />

tão distante da minha terra natal ⎯ a Serra ⎯ a minha Tserra Sterra<br />

e do menino de bibe,<br />

essa ESTRELA<br />

deixou de ser ESTRELA de PAPEL<br />

deixou de estar presa por um cordel,<br />

e ao vê-la daqui,<br />

sorri-lhe…! sorriu-me…!<br />

e passou a ser a minha ESTRELA! De LETRAS no PAPEL!<br />

Penedo Gordo, de Outubro de 1988<br />

José Penedo<br />

379


380


6.2– EXTRAS – autor, colaboração e apoios…<br />

6.2.1 - Bibliografia do autor<br />

6.2.2 – em teatro por Natália Quinta Queimada e alunos<br />

6.2.3 - Uma Resenha d Ana Machado<br />

6.2.4 - Referência à publicação destas <strong>lendas</strong> no Arquivo de<br />

Beja pela mão do Professor Dotor José Orta<br />

6.2.5 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e<br />

do Barro – Paizana e Isaclino<br />

381


382


6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR<br />

Salientando as duas TRILOGIAS sobre o ALENTEJO…<br />

ISBN 972<br />

9171 03 3<br />

A MAR – Autor: José d’A MAR – Maio / Junho de 2003 – 102 pp.<br />

Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />

A MAR – Como a água das fontes e dos rios, a VIDA, todas as VIDAS, correm sempre para O MAR… A MAR… AMAR…<br />

Nestes poemas com a influência de Camões, Torga e Borges, é proclamada a subversão: O MAR é A MAR!<br />

ISBN 950-502-602-5 /e 6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.28 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)<br />

A ILHA – Autor: José d’A MAR – Julho / Agosto de 2003 – 80 pp.<br />

Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />

A ILHA, na sequência de A MAR, é um poema carregado de <strong>LENDAS</strong> e pretende ser um desafio para que os leitores<br />

descubram a MAGIA de criarem a sua própria ILHA em A MAR….<br />

ISBN 1-4135-0116/7-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $6.44 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)<br />

A FEIRA – Autor: José Penedo de Castro – Set/ Out 2003 –154 pp.<br />

Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />

José Penedo de Castro é um cigano andarilho de FEIRAS que tenta mostrar com palavras e imagens o movimento e o<br />

colorido destes centros de Encontros e edondilhas …<br />

Publicou também, na mesma editora, como José d’A MAR – A MAR e A ILHA.<br />

ISBN 1-4135-0126/7-5/3 – Preço para transferir €3 - Em papel – $9.80 mais custos de envio. (in LP euros 10)<br />

A COBRA – Autor: José Penedo – Dez 2003 / Jan 2004 – 184 pp.<br />

Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />

Em A COBRA, José Penedo, outro deNómio como José d’A MAR, e José Penedo de Castro, canta-nos aqui, em BALADAS, as<br />

Lendas do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> (uma LENDA de <strong>BEJA</strong>?) e o edondi das Fontes… numa espécie de sinfonia em três<br />

Andamentos e várias Cantatas…<br />

ISBN 1-4135-0135/6-4/2 – Preço para transferir €3.5; em papel – $10.64 mais custos de envio. (in LP euros 10)<br />

A SERPE – Autor: José Penedo de Serpa, Março / Abril de 2004 – 118 pp.<br />

Outro deNómio de JRG, como José d’A MAR, José Penedo de Castro e, e José Penedo, canta agora AQUI, as Lendas da<br />

SERPE, que pode ser o Rio ANA, e as origens de SERPA e Mértola…<br />

ISBN 1-4135-0142/3-7/5 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.68 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)<br />

A MOURA – Autor: José Penedo de Moura, Maio / Junho de 2004 – 136 pp.<br />

José Penedo de Moura, outro deNómio de JRG, canta agora AQUI, através de 10 “vozes” – autores diferentes, as Lendas<br />

da MOURA, cidade cristã, com nome pagão – ou a UTOPIA da CONVIVÊNCIA (im)Possível!!!<br />

ISBN 1-4135-0164/5-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)<br />

ALFÁTIMA – Autor: José da Serra do Vale do Zêzere, Julho / Setembro de 2004 – 124 pp.<br />

Com este livro sobre a LENDA da MOURA – ÁLFÁTIMA – o autor, decide regressar ao FUTURO, à sua Sterra – Serra da<br />

Estrela – Manteigas, com 10 Lendas da Moura encantada, à espera de uma libertação gloriosa, com Cristãos e Mouros… A<br />

HUMANIDA<strong>DE</strong>, um só POVO, com o tesouro da sua edondilh diversidade interCULTURAL.<br />

ISBN 1-4135-0185/6-0/9 – Preço para transferir €3.5 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)<br />

NOMINALIA – Autor: Herminia Herminii – Março de 2005 – 526 pp.<br />

- Uma TRILOGIA da minha Sterra – Serra da Estrela, Manteigas, a minha Terra na Serra…<br />

NOMINALIA é uma Sinfonia vastíssima e caótica cujas notas não são outra coisa senão NOMES: terras, lugares, apelidos,<br />

alcunhas, expressões… de Serra da Estrela, Manteigas, terra do autor<br />

ISBN 1-4135-3547/8-X/8 – Preço para transferir €5 – Em papel – $19.80 mais custos de envio. (in LP euros 15)<br />

O PASTOR – Lenda do Pastor dos Hermínios – por Viriato dos Hermínios – previsto para ser editado na e-libro.net,<br />

em Setembro de 2005 Novembro de 2005 (2º de uma outra trilogia da Serra da Estrela)<br />

O PASTOR – LENDA/s do PASTOR DOS HERMÍNIOS – é só uma MENSAGEM fascinante ditada pela ESTRELA – A SERRA, do<br />

Pastor que conquistou os MONTES ERMOS! Viriato dos Hermínios foi encarregado de a divulgar a quem a quiser ouvir. Há<br />

mais 5 <strong>lendas</strong> complementares.<br />

ISBN 1-4135-3600/1-X/8 – Preço para transferir €2.62; papel–US$ 9.80 (más gastos de edon). (in LP euros 10)<br />

MANTEIGAS – uma Terra na Serra edondilh em Lendas – Lenda da Fundação mítica de Manteigas, por<br />

Hermes do Zêzere – previsto para ser editado na e-libro.net, em Novembro de 2005 – Março 2006 (enfim a outra<br />

TRILOGIA sobre Manteigas, Serra da Estrela, com ALFÁTIMA e O PASTOR).<br />

Manteigas edondilh em muitas <strong>lendas</strong> e A LENDA de como foi descoberto o lugar onde hoje é MANTEIGAS e do PORQUÊ<br />

de ser este nome usado, contrariamente ao uso corrente, no plural – manteigas… & o que são OU PO<strong>DE</strong>M SER os ribeiros<br />

e ribeiras e caminhos e estradas… que serpenteiam pela Serra…<br />

ISBN 1-4135-3613/4-8/X – Preço para transferir €2.62 – Em papel – US$ 11.20 (e edon). (in LP euros 10)<br />

GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de INOCÊNCIO <strong>DE</strong> BRITO – um POETA popular de S. Matias, Beja – Um Mestre<br />

esquecido e ignorado – José Rabaça Gaspar (coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – Junho 2006 –<br />

Inocêncio de Brito —1853? – 1938?— foi um notável Mestre na Arte de versar em Décimas “construindo” importantes<br />

temas com um profundo fundamento como a Morte, a Guerra, a Mulher…<br />

ISBN 1-4135-3624-7 – Para transferir €3.05 em papel – US$ 14.72 (más gastos de envio) in LP euros 12.5)<br />

OUTROS EM COLABORAÇÃO:<br />

«Lendas da Moura SALÚQUIA», Março de 2005, com mais de duas dezenas de versões, uma Edição de “Moura<br />

Salúquia” AMCM, 250 pp., tem prefácio e colaboração de 10 versões da lenda e uma Décima;<br />

«OS LOBOS <strong>DE</strong> MANIAMBA» Moçambique 1968 / 1970» Memórias da CART2326, Janeiro de 2005, com 156<br />

pp., tem recolha de dados, organização, plano, digitalização e apresentação (c/ versão do CANCIONEIRO DO<br />

NIASSA).<br />

“Que modas?...que modos? (actas do 1º. Congresso do Cante Alentejano) (dos GRUPOS CORAIS<br />

ALENTEJANOS)”, edição de FaiALentejo, Horta, Faial, Açores, com 360 pp. – colaboração.<br />

<strong>DE</strong>IXAS… As DÉCIMAS e Os Poetas Populares… colaboração no jornal “Há Tanta Ideia Perdida”, da Confraria<br />

do Pão… Alentejo, Alandroal, Terena…<br />

383


BIO(BIBLIO)GRAFIA<br />

Nota: deNómios de José Rabaça Gaspar. (www.<strong>joraga</strong>.net )<br />

Não são um pseudónimo nem um heterónimo (exclusivo de Pessoa) mas um neologismo<br />

inventado, um NOME (outro), anjo ou demónio, musa inspiradora, que escreve através do<br />

autor, o livro ou cada um dos poemas do autor.<br />

José RABAÇA GASPAR – usando 1001 deNÓMIOS diversos…<br />

Professor de Língua e Literatura Portuguesa, já dispensado do Ensino Oficial, é de novo aluno.<br />

Nasceu na Serra da Estrela, Manteigas (1938), tirou o Curso Superior de Filosofia e Teologia, na Guarda,<br />

e exerceu a sua actividade, desde 1961 em várias localidades da Serra – Loriga, Gouveia, Covilhã e<br />

Ferro, passando depois pela Academia Militar, em Lisboa, antes de cumprir o Serviço Militar em<br />

Moçambique – Metanguala, Maúa e Nampula, (4 anos) tendo passado algum tempo em Angola – Luanda<br />

e Benguela.<br />

Frequentou depois, em Paris, um Curso intensivo de Animação Cultural, para os Povos em<br />

Desenvolvimento e Alfabetização, com Paulo Freire, e esteve, 4 anos, nos Serviços de Apoio aos<br />

Emigrantes Portugueses na Alemanha onde frequentou Cursos de Alemão e leccionou Português.<br />

De regresso a Portugal, em 1975, esteve primeiro a trabalhar nas Cooperativas Agrícolas como<br />

trabalhador agrícola, na Alfabetização e Animação Cultural tendo ingressado no ensino Oficial em 1976.<br />

Leccionou em Rio Maior, Setúbal, Caldas da Rainha e cerca de 20 anos em Beja, Alentejo, procurando<br />

levar os alunos a aprender o melhor da Língua e da Literatura Portuguesa, a partir das suas raízes<br />

culturais. A Poesia Popular, as Canções, o Contos, as Lendas, os Provérbios e os usos e costumes, bem<br />

como a maneira característica de FALAR (saudações, nomes, alcunhas, expressões regionais…) serviam,<br />

normalmente, de base para aprender toda a gramática e “riqueza” da Língua e da Literatura.<br />

Com mais de 20.000 páginas de Recolhas e Textos dispersos por mais de 200 obras alguma das quais<br />

podem ser consultadas em http://www.<strong>joraga</strong>.net – um ESPAÇO na NET – aminhaTEIAnaRE<strong>DE</strong>… desde<br />

09.2002.<br />

PUBLICAÇÕES<br />

2006 – Junho – GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de Inocêncio de Brito, um Poeta<br />

Popular de S. Matias, Beja, um Mestre ignorado e esquecido! – José Rabaça Gaspar<br />

(coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – in www.e-libro.net<br />

2006 – Março – MANTEIGAS – uma Terra na Serra edondilh em <strong>LENDAS</strong>, por<br />

Hermes do Zêzere (no prelo, na e-libro)<br />

2005 – Novembro – O PASTOR – <strong>LENDAS</strong> do Pastor dos Hermínios, por Viriato dos<br />

Hermínios, in www.e-libro.net<br />

2005 – Março – “Que modas? …que modos? (actas do 1º. Congresso do<br />

Cante Alentejano em Nov. de 1997)”, edição de FaialAlentejo, Horta, Faial,<br />

Açores – colaboração com resumo da comunicação apresentada e participação em<br />

debates.<br />

2005 – Março – OS LOBOS <strong>DE</strong> MANIAMBA – Edição da Cart2326, recolha de<br />

dados, organização, plano, digitalização e apresentação.<br />

2005 – Março – Lendas de Moura, edição de “Moura Salúquia” AMCM* – Prefácio,<br />

colaboração e apresentação. -*Associação das Mulheres do Concelho de Moura<br />

2005 – Março – NOMINALIA, com o deNómio de Herminia Herminii, in www.elibro.net<br />

2004 – Setembro – ALFÁTIMA, com o deNómio de José da Serra do Vale do Zêzere,<br />

in www.e-libro.net<br />

2004 – Maio – A MOURA, com o deNómio de José Penedo de Moura, in www.elibro.net<br />

2004 – Abril – O Canto do CANTE – <strong>DE</strong>IXAS – as DÉCIMAS e os Poetas<br />

Populares, colaboração regular, no Jornal “Há Tanta Ideia Perdida” da<br />

Confraria do Pão, Alentejo, Alandroal, Terena…<br />

2004 – Fevereiro – A SERPE, com o deNómio de José Penedo de Serpa, in www.elibro.net<br />

2003 – A GUERRA68/70 – LOBOS <strong>DE</strong> MANIAMBA – Memórias da Guerra Colonial da<br />

CART 2326 – Moçambique 1968/1970. (ver tb. In www.<strong>joraga</strong>.net com o<br />

Cancioneiro do Niassa e Canções de Guerra contra a Guerra…)<br />

2003 – Dezembro A COBRA, com o deNómio de José Penedo, in www.e-libro.net<br />

2003 – Outubro – A FEIRA, com o deNómio de José Penedo de Castro, in www.elibro.net<br />

(ver em Poesia e Vanguardia)<br />

384


2003 – Julho – A ILHA, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver<br />

em Poesia e Vanguardia).<br />

2003 – Maio – A MAR, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver<br />

em Poesia e Vanguardia).<br />

2003 – Fevereiro – Mértola – As Vozes do Silêncio – in www.<strong>joraga</strong>.net –<br />

Alentejo – Mértola…<br />

2002 – Lenda/s do Pastor da Serra da Estrela (5 EXEMPLARES impressão e<br />

encadernação manual)<br />

2002 – LENDA/s de ALFÁTIMA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)<br />

2001 – Ceifeiro e Mil e Uma Noites – Grito do Índio, A LENDA do Pastor da Serra da<br />

Estrela, e NOMINALIA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)<br />

2000 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XV, série III – PRESÉPIO<br />

– AUTO <strong>DE</strong> NATAL de S. Matias, Beja<br />

1999 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XII, série III – Décimas<br />

de Inocêncio de Brito – GRITOS NA SOLDÃO.<br />

1998 – Agosto – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VII e VIII, série III –<br />

DÉCIMAS – Uma Linguagem Comum Ibero Americana<br />

1997.01 – 1996.12 – SERPA edondilh EM <strong>LENDAS</strong> – Serpa Antiga – separata<br />

de SERPA INFORMAÇÃO, 4º série, n.º 17 (12.000 exemplares).<br />

1997 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VI, série III – MOURA –<br />

10 <strong>LENDAS</strong> – UMA LENDA – A Moura Amor A Morte – A Magia ou a Utopia da<br />

Convivência (im)possível.<br />

1996 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. II e III, série III –<br />

INSTITUTO ALENTEJANO <strong>DE</strong> CULTURA (IAC/D).<br />

1996 – Setembro – AUTO DA VISITAÇÃO (DO VAQUEIRO) –NATAL NA ESCOLA OU<br />

A MAGIA <strong>DE</strong> TUDO RENOVAR – proposta de várias re/cr(i)eações. Ed. Da Escola<br />

Secundária João de Barros, Corroios, (50 exemplares impressão e encadernação<br />

manual).<br />

1996 – Abril – in Revista Arquivo de Beja – Vol. I, série III – A/s LENDA/s do<br />

TOURO E DA COBRA – Uma lenda de Beja?<br />

1995 Abril / Maio – A/s FEIRA/s – A FEIRA <strong>DE</strong> CASTRO EM VÃS REDONDILHAS –<br />

Brochura policopiada, (500 exemplares) ed. Escola Secundária João de Barros,<br />

Corroios e Junta de Freguesia de Corroios.<br />

1995 Abril / Maio – ILHA DO PESSEGUEIRO – A/s LENDA/s enCoANTADAS em<br />

edondilhas – Edição policopiada (100 exemplares) Junta de Freguesia de<br />

Corroios.<br />

1995 – Março / Dezembro in LER EDUCAÇÃO Nºs 17/18 – Revista da Escola<br />

Superior de Educação de Beja – A LITERATURA (CULTURA TRADICIONAL) e o<br />

Desenvolvimento e a urgente criação de um INSTITUTO ALENTEJANO <strong>DE</strong><br />

CULTURA /<strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO.<br />

1994 – Abril e Maio O CANTO DO CANTE – in Jornal Terras do Cante Ano I, 1ª série,<br />

Nº 2 e Nº 3, Alcáçovas, Évora.<br />

1987 (1989) – POETAS POPULARES DO CONCELHO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – introdução,<br />

selecção, Anexos e Estudo final, arranjo gráfico, paginação e trabalho em<br />

processador de texto – Editora Câmara Municipal de Beja – Concelhia DGAEE<br />

(Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa, Beja, 1987.<br />

1985 – Outubro, Évora – A Linguística e a Análise Literária como contributo<br />

para o Desenvolvimento do Alentejo – in ACTAS do CONGRESSO SOBRE O<br />

ALENTEJO, III volume, pp. 1127 – 1131<br />

1957 – Desde o Curso de Filosofia e Teologia, imensos trabalhos publicados em<br />

órgãos Regionais e da Escola e muitos preparados para publicação…<br />

385


386


6.2.2 – Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em<br />

1991)<br />

com o Professor de Filosofia e seus alunos do Secundário fizeram um<br />

estudo e uma adaptação ao teatro que representaram em Beja, na<br />

Casa da Cultura e em Corroios na Escola Secundária 1, (depois Esc.<br />

Sec. João Barros), em Abril de 1991<br />

387


388


6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho<br />

389<br />

Lendas de Beja: o <strong>Touro</strong> e a<br />

<strong>Cobra</strong> e Outras Lendas<br />

José Rabaça Gaspar<br />

Obra ainda não publicada<br />

<strong>LENDAS</strong><br />

A obra Lendas de Beja – O <strong>Touro</strong> e<br />

a <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> Lendas…, de José<br />

Rabaça Gaspar, professor de<br />

Literatura na Escola Secundária D.<br />

Manuel I, em Beja, traduz-se num<br />

trabalho de investigação minucioso<br />

e preciso sobre muitas das <strong>lendas</strong><br />

e estórias maravilhosas que<br />

marcam a identidade cultural das<br />

gentes de Beja.<br />

Levando a cabo quase dez anos de<br />

recolha de <strong>lendas</strong>, a Lenda da<br />

<strong>Cobra</strong> e do <strong>Touro</strong> é, sem dúvida, a<br />

mais interessante e mais rica em<br />

conteúdo, sendo contada de<br />

múltiplas maneiras e com várias<br />

versões. Nesta(s) estória(s) existe<br />

quase sempre um predomínio do<br />

touro sobre a cobra, podendo<br />

representar, assim, uma vitória da<br />

força e astúcia do touro sobre a<br />

ruindade e ambição da cobra. O<br />

imaginário da cultura portuguesa,<br />

está carregado de evocações à<br />

cobra como animal quase humano<br />

capaz dos actos mais desprezíveis,<br />

pelo que esta lenda não poderia<br />

“fugir à regra”.<br />

Seja como for, a verdade é que esta lenda ainda está viva, e com por- menores que se vão<br />

recombinando consoante as versões, e expressa a ideia de um mito de origem que organiza<br />

e marca a sua concepção do mundo envolvente.<br />

Num tempo em que o conhecimento científico impera, todos os ensina- mentos baseados na<br />

oralidade, os contos, os jogos, os cantares, as crenças e as <strong>lendas</strong>, passados de boca em<br />

boca, de geração em geração, parecem estar ameaçados de esquecimento e à deturpação<br />

dos seus significados.<br />

Esta obra remete-nos para um conhecimento tradicional, assente na natureza e raiz popular<br />

de um povo, colocando-nos perante um conhecimento dos antigos, dos ditos “analfabetos”,<br />

que transportam consigo verdadeiras bibliotecas, sabedorias e segredos.<br />

Ao transpor esta realidade para a escrita está-se a preservar um património vivo, rico, que<br />

merece ser conhecido por todos. Daí que trabalhos como o de José Rabaça Gaspar devam<br />

ser encorajados e dignificados, na medida em que a nossa cultura popular encerra ainda<br />

muitos mistérios e desafios que vale a pena serem descobertos.<br />

Ana Machado<br />

Antropóloga<br />

in “Imenso Sul”, Nº 17, Janeiro de 1999, p. 46


390


6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor<br />

José Orta<br />

391


da Página 31 a 62<br />

392


6.2.5 - O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> vistos por artistas da tela e do<br />

barro… Paizana… Isaclino…<br />

Paizana – O Mestre dos Símbolos na Forma e Cor<br />

Isaclino – o Mestre do Barro<br />

393


394


6.3 Separatas<br />

IMAGENS EXTRA<br />

Com montagem de obras de vários<br />

artistas & <strong>outras</strong> ideias<br />

6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz<br />

6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra<br />

6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong><br />

6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…<br />

6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)<br />

6.3 - Separata 6 – TC mitologia<br />

6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários<br />

395


396


6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz<br />

TOURO – ASTROS <strong>DE</strong> LUZ<br />

397


398


6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra<br />

399


400


6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong><br />

401


402


6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…<br />

<strong>Touro</strong> e <strong>Cobra</strong> – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Piasso…<br />

403


404


6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)<br />

<strong>Touro</strong> e <strong>Cobra</strong> – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Picasso…<br />

405


406


6.3 - Separata 6 – TC mitologia<br />

TOURO - MITOLOGIA<br />

407


408


6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários<br />

TOURO E COBRA - vários<br />

409


410


7 - ÍNDICE/s<br />

Nota 2 2<br />

mapa/s - pista/s de (re)leitura/s<br />

7 - ÍNDICE/s<br />

7.1 – Índice de índices e indícios…<br />

7.2 – Índice, lista das GRAVURAS<br />

7.3 - PLANO GLOBAL <strong>DE</strong>STA OBRA<br />

7.4 – PLANO de possíveis Jornadas pelo ALENTEJO<br />

7.5 – LINKs – Páginas da Internet com Lendas do Alentejo<br />

7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)<br />

7.7 – ÍNDICE GERAL (com ligações)<br />

2 Assim como a BIBLIOGRAFIA, o ÍNDICE, ou os ÍNDICES, também vão numerados. Porquê? Como já<br />

foi dito anteriormente, eles fazem parte da ESTRUTURA DA OBRA tal como foi concebida; ou antes,<br />

são eles, e sobretudo o ÍNDICE GERAL, que tenta mostrar toda a articulação como foi concebida e<br />

estruturada a obra, ou melhor dizendo, como se foi estruturando a partir das primeiras ideais e sucessivas<br />

escritas e rescritas. Os índices, sobretudo o índice, é, sem dúvida, uma proposta de LEITURA que,<br />

evidentemente, pode ser recusada pelo leitor.<br />

411


412


7.1 - índice de índices e indícios…<br />

lista dos mais evidentes Índices -<br />

indícios - indicadores - símbolos - simbólicas -<br />

mitos - sonhos - desejos - valores - formas - figuras -<br />

gestos - emblemas - signos ou sinais<br />

ÁGUA O elemento primordial… que há… que dizem que<br />

falta no Alentejo…<br />

ÁGUIAS as romanas? as reais? as águias - águias -<br />

selvagens/livres... a sua grandeza! majestade! o<br />

seu bico, as suas garras! a Águia rainha das aves,<br />

Rainha das Montanhas, Rainha da Planície... e o<br />

ancestral sonho humano de voar...<br />

ALENTEJO Um nome dado por conquistadores, colonizadores,<br />

assumido ou que tem de ser assumido,pelos<br />

habitantes do AQUÉM-TEJO…<br />

ALENTEJANAS O adjectivo que identifica um tipo de mulheres<br />

raro, diferente, indomadas, indomáveis, sábias,<br />

sofredoras… e muitas <strong>outras</strong> coisas como as<br />

anedotas…<br />

ALENTEJANOS A definição de um tipo de pessoas únicas e<br />

vulgares (invulgares) que conseguem ser normais<br />

sendo poetas… artistas…<br />

ALMOLEIMAR o valoroso lutador invencível nimbado com o seu<br />

turbante que torna mais heróico o nosso herói...<br />

ANEDOTAS de e sobre os alentejanos e os NOMES, AS<br />

ALCUNHAS, OS MÁ - NOMES...<br />

ÁRABES e os vestígios e mitos, os nomes, as lutas, as<br />

<strong>lendas</strong>, os poemas...<br />

AREIA da praia distante do Alentejo interior mas há mar<br />

Alentejano que evoca o deserto? a imensidão do<br />

mar? a cor da pele? tom árabe? cigano?<br />

alentejano?...<br />

ARENA e a sua forma circular... em espiral...<br />

ARTISTAS e as explicações ou as leituras cifradas do<br />

indecifrável evidente...<br />

CANTE A identificação de um tipo de CANTO único,<br />

inimitável porque nasce da terra ou é a VOZ DA<br />

TERRA cantada por pessoas…<br />

CANTO A arte de se expressar que, no Alentejo, se chama<br />

CANTE…<br />

413


CANTORES Os intérpretes do CANTO / CANTE, que, no<br />

Alentejo, se chamam CANTADORES…<br />

CARTAS... Que aqui significam as CARTAS da FREIRA de<br />

<strong>BEJA</strong>, os GRITOS de Mariana do Alcoforado… ou a<br />

Poesia de Florbela Espanca… ou da Mulher<br />

Alentejana…<br />

CAVALOS Os animais que nos remetem para as sagas<br />

heróicas de guerras antigas e antigos feitos…<br />

CIGANOS Os ciganos e suas tradições, o velho cigano e a<br />

sabedoria dos tempos e espaços, o cigano<br />

Castanho e a cigana Mariana e sedução desejo de<br />

liberdade na Natureza – Mundo...<br />

COBRA a/s serpente/s da terra, do povo, da Bíblia, o dolo,<br />

a prudência, a repugnância...<br />

CONTADORES Os Mestres da Arte de CONTAR, com toda a magia<br />

da harmonia dos sons e das palavras e dos sons...<br />

CONTOS e as <strong>lendas</strong> de encantar e os CONTADORES/AS de<br />

HISTORIAS...<br />

COROS Os Grupos que interpretam o CANTE…<br />

CORTEJOS A manifestação colectiva de um povo em festa…<br />

CRESCENTE A LUA e a relação do Alentejo com os Árabes…<br />

CRUZ a religiosidade, as crenças, as crendices… as<br />

bruxas...<br />

DANÇA A manifestação corporal mais expressiva dos<br />

sentimentos, que é muito apreciada e realizada<br />

nas comunidades ciganas e pouco conhecida nas<br />

comunidades alentejanas…<br />

<strong>DE</strong>SFILES Relacionados com cortejos e manifestações<br />

populares…<br />

<strong>DE</strong>ZEDORES Expressão atribuída aos MESTRES da POESIA,<br />

especialmente aos analfabetos que criam e / ou<br />

dizem DÉCIMAS…<br />

ESTRELAS Que, no Alentejo, brilham numa imensidão quase<br />

sem fronteiras...<br />

FESTA A expressão popular e colectiva da ALEGRIA e da<br />

Amizade…<br />

FOGO e o calor ardente do Sol que marca o Alentejo<br />

esquecendo o frio...<br />

FONTE A vida que brota do Ventre da Terra…<br />

FREIRA Ver o significado: irmã, e as grades, a prisão... o<br />

convento... os muros...<br />

GRA<strong>DE</strong>S Os gritos que pretendem derrubar as GRA<strong>DE</strong>S...<br />

GRITOS Há gritos aglutinadores: Por Sant'Iago... Por<br />

Ala!...<br />

GRITOS De alegria! De angústia! De socorro... e as<br />

GRA<strong>DE</strong>S que criam barreiras à liberdade, à<br />

expressão, à comunicação...<br />

414


IDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> OIRO O reino feliz da convivência e entre – ajuda...<br />

INDÍCIOS Os sinais, os signos, os símbolos... os mistérios<br />

(in)decifráveis...<br />

INDOLÊNCIA Ou a confusão com a força serena e indomável,<br />

imparável...<br />

JARDIM As flores e as árvores; e os perfumes inebriantes<br />

que encantam a vida...<br />

JOGOS A Arte de fazer coisas sérias a brincar…<br />

LIDADOR O herói medieval e do romantismo...<br />

LIVRO Os livros e os autores, a busca das soluções nunca<br />

encontradas...<br />

LUTA Presente em todas as Lendas... Porquê?<br />

LUZ Há ou não uma LUZ própria de cada Região?<br />

Sempre diferente mas característica?! Por<br />

exemplo a da planície?! E a do céu azul, diferente<br />

de todas as luzes?!... A COR única...<br />

MAIAS As festas da Primavera...<br />

MAGAS Bruxas? Feiticeiras? Magas? as Boas? as Más?<br />

MAGOS Da Magia ⎯ Magia, ao Ilusionismo, até à Magia ou<br />

Arte do quotidiano, como a de uma escola ligada à<br />

vida e à sociedade sem escola; ou a busca<br />

incessante e sempre insatisfeita de explicações<br />

para o inexplicável...<br />

MARIANA a Mariana, a cigana, a Florbela, a Campaniça, a<br />

mulher, a opressão, as leis justas...<br />

MASTROS as FESTAS JOANINAS e a/s Festa/s...<br />

MESTRE O/s Nome/s ⎯ apelidos frequentes nesta região e<br />

o cargo ou mester... e o MESTRE nomeado<br />

Regedor e Defensor do Reino... os Salvadores...<br />

e...<br />

MOURA A Moura encantada, a beleza distante, a<br />

sedução...<br />

MOUROS Os Mouros. Os Árabes. Os Muçulmanos... A ideia<br />

do árabe rico e os tesouros e os mistérios, a vida<br />

faustosa...<br />

MÚSICA Donde e porquê esta música e este CANTE<br />

ALENTEJANO...<br />

PREGUIÇA (vide indolência) e a ambiguidade entre preguiça e<br />

obedecer ao ritmo da Natureza...<br />

POETAS<br />

Ver a sua arte própria inimitável, popular; e<br />

POPULARES suspeita e intrigante para as artes eruditas...<br />

POVO Entidade abstracta? Concreta? Ver a revolução e o<br />

caminho da sonhada e nunca alcançada<br />

democracia...<br />

PRAÇA Como lugar de encontro e cruzamento de<br />

desencontros, de festa, de ritos...<br />

REINO DO MEDO O Reino da desconfiança da intimidação do<br />

415


autoritarismo discricionário..<br />

ROMANOS Ver as marcas do que permanece... com restos,<br />

rastos de exploração e opressão... e de lições...<br />

SOLIDÃO Fundamental para a preparação da gestação ⎯ do<br />

acto criador<br />

SOLIDÃO<br />

Ou o milagre de criar o impossível...<br />

SOLIDÁRIA<br />

SOLIDARIEDA<strong>DE</strong> Indispensável para que o acto criador e eficaz<br />

aconteça...<br />

TERRA Por exemplo os barros vermelhos, a terra mais<br />

produtiva para as searas que podemos ver como<br />

Terra empapada em suor e sangue que lhe da<br />

uma fecundidade única . ..<br />

TOURADA O seus ritos, rituais... o insólito possível..., a<br />

contestação à sua desumanidade!, crueldade!....<br />

TOURO O poder a fertilidade(a vaca) a força, a<br />

abundância(o vitelo de oiro)... A força bruta que o<br />

homem põe ao seu serviço...<br />

AS MIL CARACTERÍSTICAS ÍNDICES E INDÍCIOS que faltam como<br />

esta arte de viver alentejana, indefinida?... indefinível?...que<br />

inquieta..., intriga... e desarma... os “estrangeiros” mesmo cá de<br />

dentro, que se vingam em milhares de anedotas às vezes cheias de<br />

significado..., <strong>outras</strong>, muitas, carregadas de uma raiva e de uma<br />

malícia vingativa que, pretensiosamente ofensiva, ofende e retrata os<br />

que pensam que servem para menosprezar os alentejanos... ver a<br />

dignidade majestosa com que se veste de safões... pelico... capote...,<br />

chapéu... cajado...; e como usa o tarro... o cajado..., o alforge ao<br />

ombro..., o cocharro... o barro... a madeira... a casa própria do clima<br />

e paisagem alentejana... a arte telúrica com que assumem a sua<br />

indolência proverbial!? que talvez seja o sinal mais poderoso de<br />

resistência e persistência, teimosia e poder criador que este povo<br />

tem, respeitando as leis da Natureza e o seu ritmo e ciclo, sem lutas<br />

inúteis e estéreis... mas de uma resistência ao trabalho insuperáveis<br />

e duma resistência imbatível nas adversidades...; tão fraco e tão<br />

poderosamente forte como a água que, quando não fura a pedra (e<br />

muitas vezes fura)..., mesmo que lhe criem barreiras e barragens, ou<br />

não as façam por negligência, maldade ou falta de visão... ele, ela<br />

416


há-de contornar ou derrubar os obstáculos, irresistível,<br />

imparavelmente, mesmo que pare algum tempo..., pior ainda se lhe<br />

tapam todos os escapes!!!...<br />

...tantas coisas tão simples e importantes que dariam para estudos<br />

intermináveis e que estudados, conhecidos e rentabilizados para uso<br />

e proveito deste Povo, abriria caminhos imparáveis de Progresso e<br />

Desenvolvimento... e marcariam o fim da Colonização que está<br />

estigmatizado no nome que os do Norte/ os Colonizadores? puseram<br />

ao Além-Tejo... ou teriam sido os de Aquém do Tejo?...<br />

417


418


7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras<br />

Lendo Lendas de Beja ou só Lendas de Beja ou o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> ou<br />

O cigano Castanho e a cigana Mariana ou a viagem pelo Universo do<br />

sonho do maravilhoso, do prodigioso... simples? intrigante? ...<br />

001 Capa extra transparente 0<br />

002 <strong>Touro</strong> e <strong>Cobra</strong> – marca de água – a repetir nas brancas pares<br />

003 Silhueta <strong>Touro</strong> <strong>Cobra</strong> 10<br />

004 <strong>Touro</strong> <strong>Cobra</strong> sobrepostos 10<br />

005 Acampamento dos ciganos 15<br />

006 A dança da cigana 23<br />

007 Letras a desenhar o <strong>Touro</strong> e a cobra (separador) 29<br />

008 A dança do fogo ou das estrelas 35<br />

009 <strong>Cobra</strong> e <strong>Touro</strong> – Bandarilheiro <strong>Touro</strong> 38<br />

010 <strong>Touro</strong> e cobra em letras de imprensa… 43<br />

011 A serpente domina a praça da cidade 49<br />

012 A luta do touro e da cobra no castelo da cidade 55<br />

013 Os touros rompem o cerco da cidade 87<br />

014 A clareira dos magos escondida na floresta 107<br />

015 A mistura dos símbolos sinais 125<br />

419


016 A/s fonte/s 134<br />

017 A fonte e a cobra 147<br />

018 A moura encantada e a tímida donzela 171<br />

019 A fonte das Cavadas 179<br />

020 A Fonte a cobra e a Figueira 199<br />

021 A cobra, a figueira e o moinho 211<br />

022 A luta de morte do cristão e do mouro 221<br />

023 O largo de Santa Maria da Feira com Castelo ao fundo 249<br />

024 Mariana 263<br />

025 Mariana e a janela donde se avista Mértola 281<br />

026 A magia das décimas ou a quadratura do círculo 293<br />

026b A magia das décimas ou a quadratura do círculo - manuscrito 294<br />

027 No remanso de uma mansão romana 313<br />

028 as Maias no centro de várias celebrações e <strong>lendas</strong>… 331<br />

029 A Maia in DA 332<br />

030 Contra Capa – montagem de touros e cobras – vários artistas… 436<br />

420


7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA<br />

PLANO GLOBAL e resumo do trabalho em disquetes e para rever o ÍNDICE<br />

D lbj. Pág. Numeraç Título bits.doc bits. Disq bits. Em<br />

ão<br />

ac.<br />

1 00 (Modelo com desenhos e…) 322048<br />

01 001-008 Capa, 1 e 2, Ficha técnica, dedicatória e título da<br />

introdução<br />

343040<br />

01ª 009-020 0. …em viagem (introdução 1) 45056<br />

02 021-028 0.0 Beja e as <strong>lendas</strong> – Visão do cigano cego…<br />

(introdução 2)<br />

101376<br />

03 029-042 1. A LENDA DO TOURO E DA COBRA 177152<br />

1.00 O TOURO E A COBRA – V/00 – (A Lenda do TC<br />

reconstruída)<br />

988672 988672<br />

2 04 043-054 0.1.0 As Lendas… e os contadores de histórias 116736<br />

1.01 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/01 – O touro vence a cobra…<br />

1.02 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/02 – O touro é engolido pela<br />

cobra…<br />

1.03 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/03 – a população lança um<br />

touro…<br />

1.04 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/04 – a cobra é envenenada…<br />

05 055-066 1.05 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/05 – A cobra engole um touro…<br />

manada.<br />

69632<br />

1.06 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/06 – A cidade é livre de um<br />

ataque…<br />

06 067-074 1.07 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/07 - … <strong>Touro</strong> azul 201728<br />

1.08 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/08 – A cobra fechada numa<br />

paliçada.<br />

1.09 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/09 – Leitor é a sua vez…<br />

07 075-086 0.1 Pistas de leitura para as Lendas do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> 332800<br />

0.1.1 As Lendas do TC e os Magos da Clareira da Floresta<br />

0.1.2 Os Magos…<br />

0.1.3 as pistas de leitura/s…<br />

08 087-094 0.1.4 as possíveis formas de expressão 193024<br />

Disquete 913920 913920<br />

Acumulação da disquete 1 e 2 1902592 1902592<br />

3 09 095-098 2 <strong>LENDAS</strong> DA FONTE MOURO (com referências e<br />

uma introdução)<br />

27136<br />

10 099-108 2.01 Lenda da Fonte Moura, rescrita de M. J. Delgado 70144<br />

2.02 Lenda da Fonte Moura, Décimas de um anónimo, rec.<br />

De M. J. D<br />

11 109-120 2.03 Lenda da Fonte Moura, rescrita de Fernanda Frazão 112640<br />

2.04 Lenda da Fonte Moura, Oitavas de Edmundo<br />

Belfonte<br />

12 121-140 0.2.1 Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas<br />

O Cante das Fontes…<br />

135680<br />

3 A FONTE DAS CAVADAS<br />

3.01 A FONTE DAS CAVADAS 1ª versão<br />

3.02 A FONTE DAS CAVADAS – 2ª versão<br />

0.3 pequeno poema à Fonte das Cavadas…<br />

13 141-150 4 A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM<br />

COBRA<br />

111104<br />

0.4.0 A perplexidade dos ciganos<br />

4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA<br />

0.4.1 reflexão magoada dos Magos… 456704 456704<br />

2359296 2359296<br />

4 14 151-162 5 Lendas e História ou Lendas Históricas? – Lidador,<br />

1383, Mariana<br />

49152<br />

0.5 Os Ciganos andarilhos… as Lendas e a História…<br />

6 O LIDADOR (Dados Históricos)<br />

421


6.01 A morte do LIDADOR – pelo Infante D. Pedro<br />

0.6 Os Magos no alto do Castelo… ou o desafio de<br />

Herculano…<br />

15 163-170 7. A Revolução em Beja (1383/85) por Fernão Lopes 33792<br />

16 171-176 0.7 Os Magos na Torre do Castelo 37362<br />

17 177-182 8 MARIANA ALCOFORADO 33792<br />

8.1 Mariana… a realidade<br />

18 183-196 8.2 Mariana… as cinco cartas… cinco gritos… 57856<br />

19 197-208 8.3 Mariana… a Lenda que se pode en/cont(r)ar… 333312<br />

Mariana… uma décima final 545266 545266<br />

2904562 2904562<br />

5 20 209-214 0.8 Os Magos na sala do Capítulo… 37744<br />

21 215-222 08.1 TAVON<strong>DE</strong>… Tem Avonde… 34816<br />

9 PISÕES<br />

0.9 Pisões – os ciganos romanos?<br />

22 223-232 10 AS MAIAS 47104<br />

0.10 As MAIAS e os MAGOS…<br />

23 233-242 10.01 As MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA 49152<br />

10.02 AS MAIAS – 9 quintilhas de Maria Guiomar<br />

Peneque… e os jornais…<br />

0.10.0 O ressurgimento das MAIAS… ou a subversão!!!<br />

0.10.1 LENDO AS <strong>LENDAS</strong>…<br />

24 243-256 0.11 BIBLIOGRAFIA 68096<br />

0.11.1 BIBLIOGRAFIA ou A SOLIDÃO SOLIDÁRIA<br />

25 257-270 0.12 ÍNDICE/s ou as PISTA/s para reenviar os leitores 291840<br />

0.12.1 Índice de índices ou indícios…<br />

0.12.2 Índice de gravuras<br />

0.12.3 Índice Geral<br />

Confidência<br />

Brinquedo de Miguel Torga – (Estrela de Papel)<br />

Estrela no papel de José Penedo<br />

528752<br />

26 271-272 0.13 PLANO GLOBAL (doc.27 em 2 pág. 183296) 148992<br />

677744 677744 3582306<br />

422


7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO…<br />

<strong>outras</strong> obras que enquadram esta:<br />

- VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />

1ª jornada<br />

ERA UMA VEZ NO ALENTEJO<br />

VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />

DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA<br />

POR TERRAS DO AQUÉM TEJO<br />

1ª partida: (uma incursão pelo mundo das <strong>lendas</strong>)<br />

lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> nas letras das estrelas<br />

O TOURO E A COBRA e OUTRAS <strong>LENDAS</strong><br />

ou a humanidade a crescer para a liberdade<br />

o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />

autor: José Penedo, Penedo Gordo, Beja, 1988. 260p.<br />

2ª partida: (uma digressão ou leitura através de Baladas)<br />

A/s LENDA/s BALADAS do TOURO E DA COBRA<br />

autor: José Penedo – o baladeiro, Penedo Gordo, Beja, 1992/1993/94.<br />

3ª partida: (uma digressão através do Cancioneiro Medieval e Popular)<br />

AS FONTES<br />

AS <strong>LENDAS</strong> – O CANTO, O ENCANTO das FONTES<br />

autor: José da Fonte Santa, Penedo Gordo, Beja, 1991/1993/94.<br />

4ª partida – pistas de LEITURA (estudo, análise e propostas…) em elaboração.<br />

5ª partida<br />

Uma dramatização feita pela professora Maria Natália Quinta Queimada, com finalistas da<br />

Escola Secundária Diogo de Gouveia, de Beja, Março e Abril de 1992 (com um VÍ<strong>DE</strong>O);<br />

Uma série de várias peças em barro do Mestre barrista, Isaclino, de Beja – a partir de 1986…(<br />

propriedade da Câmara Municipal de Beja, e <strong>outras</strong> recriações em promessa ao autor destas <strong>lendas</strong> que<br />

o mestre Isaclino considerou uma vez co-autor dessas peças!!!<br />

6ª partida: (a partir destas experiências, em colaboração com <strong>outras</strong> entidades, escolas,<br />

associações e grupos…, explorar várias formas de re/criação, representação, divulgação… até no<br />

empedrado das ruas, peças de artesanato, música e bailado…)<br />

2ª jornada<br />

1ª partida<br />

A FEIRA <strong>DE</strong> CASTRO – AS FEIRAS EM VÃS REDONDILHAS<br />

A FEIRA <strong>DE</strong> CASTRO – AS FEIRAS – vista por um CIGANO CASTANHO andarilho de feiras,<br />

penedo gordo – <strong>BEJA</strong> – 1987 /1991/1993/94<br />

2ª partida – (um estudo das origens e linguagem da FEIRA a programar com entidades ou<br />

pessoas de Castro Verde…)<br />

423


3ª jornada<br />

1ª partida: - LENDA/s da ILHA DO PESSEGUEIRO<br />

autor: José d’A MAR, Aivados, verão de 1989, Penedo Gordo, Beja, Outono de 1989, Ilha do<br />

Pessegueiro, Ano Novo de 1992, Penedo Gordo, Beja, 1993794<br />

2ª partida: - A MAR<br />

autor: José d’A MAR, Penedo Gordo, edo, 1989- 1991- 1993/94<br />

4ª jornada –<br />

1ª partida<br />

MOURA – lendo A/s LENDA/s<br />

autor: José Penedo de Moura, Penedo Gordo, Beja, Outubro de 1986 – 1994<br />

2ª partida<br />

SERPA ENC(O)ANTADA em <strong>LENDAS</strong><br />

3ª partida<br />

MÉRTOLA – as pessoas também falam… (Fátima Borges)<br />

(um projecto a desenvolver com entidades e interessados da cidade de<br />

MOURA para ??? trabalhos que podem ir da dramatização, à ilustração, à criação de<br />

signos, símbolos… artesanato… divulgação…)<br />

424


7.5 - Links –<br />

com Páginas de <strong>lendas</strong> do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong> do<br />

Alentejo…<br />

<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO<br />

- http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/<strong>lendas</strong>/index.htm<br />

- http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/<strong>lendas</strong>/alentejo.htm<br />

Por Marta<br />

Costa<br />

<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO<br />

- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/index.html<br />

Por Miguel Gaspar Roque<br />

- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/lend_alet.htm<br />

425<br />

Lendas do<br />

Alentejo<br />

<strong>LENDAS</strong> E TRADIÇÕES<br />

http://www.alentejolitoral.pt/PortalTurismo/ARegiao/LendasTradicoes/Paginas/LendaseTradicoes.aspx<br />

Por alentejolitoral<br />

Canto da Terra<br />

http://www.cantodaterra.net/ct/site/<strong>lendas</strong>/default.asp?fpage=0&page=1&find=Todas%20as%20<strong>lendas</strong><br />

&findbox=0<br />

Lendas de<br />

Beja<br />

http://www.canto<br />

daterra.net/ct/site<br />

/<strong>lendas</strong>/default.as<br />

p?fpage=0&page=<br />

1&find=Beja&find<br />

box=13<br />

ALENTEJO – TERRA MÃE – Fundação<br />

6- Património<br />

e Cultura<br />

Imaterial / Os<br />

Contos e as<br />

Estórias<br />

Alentejanas]<br />

Lendas de Évora<br />

http://www.cantodater<br />

ra.net/ct/site/<strong>lendas</strong>/d<br />

efault.asp?fpage=0&pa<br />

ge=1&find=%C9vora&f<br />

indbox=8<br />

http://www.alentejoterramae.pt/index.php?lop=conteudo&op=274ad4786c3abca69fa097b8<br />

5867d9a4


Obras com algumas <strong>lendas</strong> do Alentejo e eAlentejo com muito Alentejo…<br />

Por <strong>joraga</strong> - http://www.<strong>joraga</strong>.net/pags/0obras00as6de2003_04.htm<br />

<strong>joraga</strong>.dos1001deNÓMIOS<br />

aminhaTEIAinterminávelnaRE<strong>DE</strong>ilimitada<br />

um ANDARILHO em viagem pelas<br />

7 partidas... 7 jornadas... 7 mundos... 7 mares... 7 temas... 7<br />

espaços... 7 tempos...<br />

JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001 deNÓMIOS...<br />

http://www.<strong>joraga</strong>.net/contos/index.htm<br />

CONTOS & <strong>LENDAS</strong><br />

A ARTE <strong>DE</strong> enCANTAR<br />

na LITERATURA POPULAR PORTUGUESA<br />

por JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001<br />

deNÓMIOS.. - contacto © <strong>joraga</strong> ®<br />

http://www.<strong>joraga</strong>.net/eAlentejo/<br />

eAlentejo alguns aspectos<br />

de uma indentidade<br />

426<br />

«Caminhando e<br />

cantando e seguindo<br />

a canção…»


7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)<br />

ÍNDICE – MAPA – PISTA de re/ leitura/s que aparece aqui para o leitor se poder<br />

orientar neste LIVRO<br />

<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO – lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – O TOURO E A COBRA e <strong>outras</strong>…<br />

que é uma primeira PARTIDA da<br />

VIAGEM DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA ATRAVÉS DO<br />

MARAVILHOSO POR TERRAS DO AQUÉM – TEJO que, depois de Beja, seguir(ão)iam<br />

por <strong>outras</strong> terras e montes…<br />

que pretende ser a PRIMEIRA JORNADA das<br />

VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA<br />

MARIANA que passam por <strong>outras</strong> regiões e terras de Portugal e pelas Terras de<br />

Santa Maria e Todo o Mundo…<br />

0 em VIAGEM 11<br />

0.0 <strong>BEJA</strong> e A/s LENDA/s 29<br />

1 O TOURO E A COBRA 31<br />

1.00 O TOURO E A COBRA – versão 00 44<br />

0.1.0 AS <strong>LENDAS</strong> DO TOURO E DA COBRA e os<br />

CONTADORES <strong>DE</strong> HISTÓRIAS<br />

65<br />

1.01 O TOURO VENCE A COBRA – versão 01 69<br />

1.02 O TOURO É ENGOLIDO PELA COBRA – versão 02 71<br />

1.03 A POPULAÇÃO LANÇA UM TOURO PARA SE LIBERTAR<br />

DA COBRA – versão 03<br />

73<br />

1.04 UM TOURO ENVENENADO, ENVENENA A COBRA –<br />

versão 04<br />

75<br />

1.05 UMA MANADA <strong>DE</strong> TOUROS MATA A COBRA – versão<br />

05<br />

77<br />

1.06 OS TOUROS VENCEM OS MOUROS – versão 06 83<br />

1.07 UM TOURO AZUL <strong>DE</strong>SCOBRE A CIDA<strong>DE</strong> PERDIDA –<br />

versão 07<br />

91<br />

1.08 O TOURO E A COBRA LUTAM NA ARENA – versão 08 96<br />

1.09 A LENDA DO TOURO E DA COBRA… era uma vez…,<br />

leitor, é a sua vez… versão 09 ou o recomeço…<br />

99<br />

0.1.1 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA<br />

NA FLORESTA – com PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA<br />

101<br />

0.1.2 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA<br />

NA FLORESTA<br />

103<br />

0.1.3 PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA 113<br />

0.1.4 PISTAS para POSSÍVEIS FORMAS <strong>DE</strong> EXPRESSÃO 129<br />

2 A/s LENDA/s DA FONTE MOURO 135<br />

2.01 A LENDA DA FONTE MOURO – recolha de MJDelgado 145<br />

2.02 A LENDA DA FONTE MOURO – Décimas de um<br />

anónimo in ibidem<br />

151<br />

2.03 A LENDA DA FONTE MOURO – rescrita de Fernanda<br />

Frazão<br />

157<br />

2.04 LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA – oitavas de<br />

427


Edmundo Belfonte 163<br />

0.2.1 Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas… sobre o<br />

Fonte Mouro…<br />

175<br />

3 A/s LENDA/s da FONTE DAS CAVADAS 185<br />

3.01 LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 1ª versão 187<br />

3.02 LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 2ª versão 191<br />

0.3 O CANTE DAS FONTES 197<br />

4 A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA 205<br />

0.4.0 A perplexidade do Ciganos… 207<br />

4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA 209<br />

0.4.1 A REFLEXÃO MAGOADA DOS MAGOS 211<br />

5 AS <strong>LENDAS</strong> E A HISTÓRIA 219<br />

0.5 Os ciganos andarilhos… as <strong>LENDAS</strong> e a HISTÓRIA… 221<br />

6 O LIDADOR 225<br />

6.0 A MORTE DO LIDADOR pelo Infante D. Pedro 228<br />

0.6 Os magos no alto do castelo ou o desafio de<br />

Herculano<br />

233<br />

7 A REVOLUÇÃO (1383/1385) em <strong>BEJA</strong> por Fernão<br />

Lopes<br />

243<br />

0.7 Os Magos na Torre do Castelo 253<br />

8 MARIANA ALCOFORADO – A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> 259<br />

8.1 A REALIDA<strong>DE</strong> (?) ⎯ alguns dados… 260<br />

8.2 AS CINCO CARTAS QUE FING(em)DORES 267<br />

8.3 A LENDA QUE SE PO<strong>DE</strong> EN/CONT(R)AR 285<br />

0.8 Os MAGOS na SALA DO CAPÍTULO do CONVENTO 297<br />

Aviso aos leitores 301<br />

Vitória… Vitória… 303<br />

TAVON<strong>DE</strong> 305<br />

9 PISÕES 311<br />

09 PISÕES ⎯ os ciganos romanos? 313<br />

10 AS MAIAS 319<br />

0.10.1 AS MAIAS e os MAGOS… 321<br />

10.1 AS MAIAS ⎯ as FESTAS DA PRIMAVERA ⎯ A<br />

FESTA…<br />

337<br />

0.11 Lendo as <strong>LENDAS</strong> 353<br />

0.12 BIBLIOGRAFIA 355<br />

0.12.1 BIBLIOGRAFIA ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA 357<br />

0.13 ÍNDICE/s ou a/s PISTA/s para reenviar o LEITOR 411<br />

0.13.1 Índice de índices… indícios… 413<br />

0.13.2 Índice de gravuras 419<br />

0.13.3 ÍNDICE GERAL 429<br />

Extra1 Confidência - 377<br />

Extra2 Brinquedo de Miguel Torga - 379<br />

Extra3 Estrela de José Penedo - 379<br />

428<br />

436


7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas…<br />

<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>................................................................................................................ 1<br />

introdução ........................................................................................................................... 9<br />

0 - em viagem.....................................................................................................................11<br />

1 – A/s <strong>LENDAS</strong>/s DO TOURO E DA COBRA .......................................................................29<br />

0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s ..........................................................................................31<br />

1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA ...........................................................................43<br />

1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00...................................................................................44<br />

0.1.0 - AS <strong>LENDAS</strong> DO TOURO e da COBRA E OS CONTADORES <strong>DE</strong> HISTÓRIAS.................65<br />

0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...” ......................................................67<br />

1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01 ...................................................................................69<br />

1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02 ...................................................................................71<br />

1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03 ...................................................................................73<br />

1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04 ..................................................................................75<br />

1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05 ...................................................................................77<br />

1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06 ...................................................................................83<br />

1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07 ..................................................................................91<br />

1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08 ..................................................................................96<br />

1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09.....................................................................................99<br />

0.1.1 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA101<br />

0.1.2 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA.........................103<br />

0.1.3 pistas de leitura/s para as <strong>LENDAS</strong> do TOURO e da COBRA….................................113<br />

2 - A/S <strong>LENDAS</strong>/S DA FONTE MOURO .............................................................................135<br />

2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO ...............................................................................137<br />

0.2.0 - Ligação entre as <strong>LENDAS</strong>… ..................................................................................139<br />

2 - DUAS <strong>LENDAS</strong> DA FONTE MOURO ..............................................................................143<br />

2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO recolha de Manuel Joaquim Delgado ...................................145<br />

2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um anónimo) .............................................151<br />

2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão) ..........................................157<br />

2.04 - LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte, .....................................163<br />

0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS CAVADAS...............................................175<br />

2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS CAVADAS ..................................................................185<br />

2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão ...........................................................187<br />

2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão ...........................................................191<br />

0.2.2 - O CANTE DAS FONTES ....................................................................................197<br />

429


2.3 - A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA .....................................................205<br />

0.2.3 A perplexidade dos ciganos... ................................................................................207<br />

2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por Simplícia Maria das Dores, do Penedo<br />

Gordo…...........................................................................................................................209<br />

0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem não reunir.......................................211<br />

3 - <strong>LENDAS</strong> ou HISTÓRIA................................................................................................219<br />

0.3 - CIGANOS ANDARILHOS ..........................................................................................221<br />

3.01 - O LIDADOR.............................................................................................................225<br />

3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR...........................................................................................228<br />

0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE............................................................................233<br />

3.02 - REVOLUÇÃO EM <strong>BEJA</strong> – 1383/1385 ............................................................................243<br />

0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do alto da torre do castelo… ................253<br />

3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>...............................................................259<br />

3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…...........................................................260<br />

3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas… ..............................................................267<br />

3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode (en)co(a)nt(r)ar... ............................285<br />

0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo ............................................................................297<br />

Aviso aos leitores…............................................................................................................301<br />

VITÓRIA VITORIA .............................................................................................................303<br />

TAVON<strong>DE</strong>... TAVONDO.......................................................................................................305<br />

4 - OUTROS SIGNOS .......................................................................................................309<br />

4.1 - PISÕES ...................................................................................................................311<br />

0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!... ......................................................................313<br />

4.2 - AS MAIAS ...............................................................................................................319<br />

04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS .........................................................................................321<br />

Era a FESTA! ...................................................................................................................324<br />

4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera .......................................................................337<br />

0.4.3 - NOTA FINAL – lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>.................................................................353<br />

5 - BIBLIOGRAFIA/s ..........................................................................................................355<br />

5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES ..........................................................................357<br />

5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e livros… ..............................................................................361<br />

5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo….................................................................369<br />

6 – EXTRAS .....................................................................................................................375<br />

6.1.1 - CONFIDÊNCIA:.......................................................................................................377<br />

6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga) .............................................................................379<br />

6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo).....................................................................................379<br />

6.2– EXTRAS – autor colaboração e apoios… ..................................................................381<br />

6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR ...................................................................................383<br />

6.2.2 – Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em 1991) .............................................387<br />

6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho...........................................................389<br />

6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor José Orta ......................................391<br />

6.2.5 - O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> vistos por artistas da tela e do barro… Paizana… Isaclino… ................393<br />

6.3 Separatas..................................................................................................................395<br />

6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz ............................................................................................397<br />

6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra ..................................................................................399<br />

430


6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong>.................................................................401<br />

6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas….............................................................403<br />

6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX) .......................................................................................405<br />

6.3 - Separata 6 – TC mitologia ..........................................................................................407<br />

6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários ....................................................................................409<br />

7 - ÍNDICE/s...................................................................................................................411<br />

7.1 - índice de índices e indícios… .......................................................................................413<br />

7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras .....................................................................................419<br />

7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA........................................................................................421<br />

7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO… ........................................................423<br />

7.5 - Links –.....................................................................................................................425<br />

7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)............................................................................................427<br />

7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas… ......................................................................429<br />

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432


Este trabalho foi acabado de realizar e<br />

imprimir<br />

1º por JORAGA Amstrad pcw8256<br />

1º de Maio de 1989<br />

Penedo Gordo, Beja<br />

e posteriormente, por<br />

@ JORAGA – C 486-66c – WinWord,<br />

Hewlett Packard Desk Jet 550C<br />

Penedo Gordo, Beja 1994/95<br />

no Verão de 1995 e em Julho de 1998,<br />

e finalmente em Setembro de 2008, Corroios, Seixal,<br />

com todos os direitos reservados por:<br />

em em viagem...<br />

viagem...<br />

JORAGA<br />

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O TOURO E A COBRA – e <strong>outras</strong> <strong>LENDAS</strong> de <strong>BEJA</strong><br />

Viagens do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através da fantasia<br />

JRG 2008.07<br />

lendo<br />

<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO E A COBRA<br />

e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong><br />

a ler nas letras das estrelas<br />

ou<br />

A HUMANIDA<strong>DE</strong> A CRESCER PARA A LIBERDA<strong>DE</strong><br />

ou<br />

o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />

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