LENDAS DE BEJA o Touro e a Cobra e outras lendas ... - joraga
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<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong>...<br />
VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do<br />
MARAVILHOSO<br />
por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar<br />
(img001 - capa – os ciganos o fogo e os astros…)
img002 – silhueta touro e cobra – marca d’água<br />
2
José Penedo<br />
VIAGENS<br />
do Cigano CASTANHO e da Cigana<br />
MARIANA<br />
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />
por TERRAS do AQUÉM TEJO<br />
I<br />
I<br />
Penedo Gordo – Beja 1988 – 1995/6<br />
Corroios – Seixal 1998/99 e 2008<br />
3
concepção montagem e adaptação de<br />
J 0 S É P E N E D 0<br />
VIAGENS<br />
do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA<br />
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />
pelas TERRAS do AQUÉM TEJO<br />
1ª JORNADA<br />
<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO I<br />
1ª PARTIDA<br />
lendo<br />
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO E A COBRA e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong> a ler<br />
nas letras das estrelas<br />
ou<br />
A HUMANIDA<strong>DE</strong> A CRESCER PARA A LIBERDA<strong>DE</strong><br />
ou<br />
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />
PENEDO GORDO – <strong>BEJA</strong> 1988 – 1995<br />
Corroios – Seixal 1998/99 e 2008<br />
5
FICHA TÉCNICA<br />
título VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do<br />
MARAVILHOSO por Terras do Aquém-Tejo<br />
<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO I<br />
lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO e a COBRA e <strong>outras</strong>...<br />
autor José Penedo<br />
reescrita, introduções, estudos e José Rabaça Gaspar<br />
pistas de leitura<br />
coordenação e montagem<br />
@JORAGA<br />
desenhos e arranjo gráfico JORAGA<br />
@<br />
processamento de texto e 1ª em 1989 - Amstrad PCW 8256 - JORAGA - Penedo Gordo, Beja<br />
impressão 2ª recuperação de texto e desenhos por especial favor de Minerva,<br />
ESE/Beja, c/ Prof. Mantinhas, Grilo, Toucinho e equipa.<br />
3ª revisão em 1994/95 e em 1995/96 a acabar em 2008<br />
Revisões Maria de Fátima da Vinha Borges<br />
local Penedo Gordo - Beja e Amora / Corroios - Seixal<br />
data/s 1988 - 1994/95 e 1995/96 e 1998/99<br />
Assistência técnica e Todos estes trabalhos tiveram a assistência dos técnicos da INFORGÉNESE -<br />
acompanhamento<br />
Amora – Continente, Seixal e depois MMCruz<br />
todos os direitos reservados @ JORAGA – Pentium 200 - WinWord, Hewlett Packard Desk Jet 550C<br />
Penedo Gordo, Beja 1993/94 a 1995/96, com todos os direitos reservados.<br />
Depósito legal nº<br />
nº<br />
Registo<br />
O Cante dos Contos dos quatro cantos do AQUÉM TEJO<br />
Penedo Gordo, Beja, de 1988 - 1995/96<br />
Corroios, Seixal, 1998/99<br />
JORAGA<br />
JORAGA<br />
6<br />
em em viagem...<br />
viagem...<br />
JORAGA
dedicatória<br />
para a Diana, para o David e Beatriz, pela minha falta de arte<br />
para lhes contar histórias<br />
a desgraça de um Povo é ser geralmente<br />
mais conhecido, nos seus defeitos e qualidades,<br />
pelos que os exploram e oprimem<br />
utilizando esses conhecimentos para seu<br />
benefício...<br />
do que por aqueles que têm por missão<br />
aproveitar e encaminhar as suas potencialidades<br />
e características<br />
para o seu <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO e<br />
PROGRESSO imparável...<br />
é preciso, entretanto, reconhecer<br />
que é mais fácil oprimir e explorar em proveito<br />
próprio,<br />
as características latentes<br />
e criar barreiras, paredes e arenas<br />
para domar a fúria do TOURO,<br />
do que aproveitar devidamente<br />
a sua força bruta, a sua fúria indomável e a sua<br />
fecundidade<br />
para uma correcta e eficaz CONSTRUÇÃO do<br />
<strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO...<br />
que, talvez, só seja possível,<br />
através da luta interminável,<br />
entre o TOURO e A COBRA...<br />
aí, o desafio desta aposta e destas <strong>LENDAS</strong><br />
(in)acreditáveis!<br />
7
E R A U M A V E Z N O A L E N T E J O...<br />
introdução<br />
9<br />
apresentação<br />
lendo<br />
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO E A COBRA<br />
e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong><br />
a ler nas letras das estrelas<br />
ou<br />
A HUMANIDA<strong>DE</strong> A CRESCER PARA A LIBERDA<strong>DE</strong><br />
ou<br />
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />
a<br />
VIAGENS<br />
do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA<br />
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />
pelas TERRAS do AQUÉM TEJO<br />
O CANTE: DOS CONTOS DOS 4 CANTOS DO ALENTEJO
0 - em viagem...<br />
«... Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado<br />
alguma coisa do que vi e ouvi. De todas quantas viagens<br />
porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram<br />
11<br />
as VIAGENS NA MINHA TERRA.<br />
Se assim o pensares, leitor benévolo, quem sabe?<br />
pode ser que eu tome outra vez o bordão de romeiro,<br />
e vá peregrinando por esse Portugal fora, em busca<br />
de histórias para te contar.»<br />
Almeida Garrett<br />
in VIAGENS NA MINHA TERRA (§ final)<br />
E foi assim, leitor amigo, que um dia decidi convidar-te para entrar<br />
no mundo do conto encantado da fantasia do ERA UMA VEZ...,<br />
pegando de novo no bordão de romeiro que o ilustre visitante teve de<br />
abandonar e, seguir contigo, apesar de nos escassear a sua arte, e<br />
peregrinar por estas terras e por este Alentejo fora, em busca de<br />
histórias, para te/me (en)co(a)ntar/es.<br />
Vamos seguir pausadamente ao ritmo lento de uma simpática e<br />
irreverente caravana de ciganos que encontrámos errantes por esses<br />
montados.<br />
Se pudermos, nem sequer vamos interferir nas histórias. À medida<br />
que avançarmos devagar, muito devagar, vamos sentar-nos quedos<br />
de espanto, de olhos, ouvidos, nariz e boca e pele, com todos os<br />
sentidos e sensibilidade muito atentos, e deixar falar esses fabulosos,
espantosos contadores de histórias que o tempo vai tragando voraz e<br />
impiedoso.<br />
Aquela história de mil e novecentos que ouvi UMA VEZ..., tinha-me<br />
ficado nos olhos para sempre... Um velho sisudo de barbas brancas e<br />
cabelos ralos, debruçado na sua mesa gasta de velhos escritos, disse-<br />
me lá do alto do seu retrato faiscante, pendurado na parede de um<br />
sujo e perdido café de aldeia, a sua penosa vergonha e atrevimento<br />
de tanto escrever, enquanto tantos homens e mulheres da sua terra<br />
oprimida, sedenta de liberdade, nem sabiam ler, nem escrever...<br />
Mais do que os olhos e os ouvidos, o nariz a boca as mãos, aquele<br />
aviso mudo gritado de outros tempos, ainda não deixou de me<br />
impressionar os sete sentidos...<br />
Angustiado e impotente, de olhos cor de sonho, gastei meio século do<br />
meu tempo a tentar ensinar os outros a ler e a escrever. Pouco fiz.<br />
Menos adiantei...<br />
... até que, UMA VEZ... UMA VEZ descobri o que estava à vista de<br />
toda a gente.<br />
Poucos ainda o tinham descoberto. UMA VEZ descobri, disseram-me,<br />
contaram-me, ouvi dizer que muitos dos que me diziam nem saber<br />
ler nem escrever, liam e escreviam os mais belos contos de encantar<br />
e cantavam dizendo os mais belos cantos capazes de cativar, e afinal,<br />
me seduziam e embalavam, desde a meninice!<br />
Não quis nem acreditar!<br />
Daí, o atrevimento de tentar agarrar essa arte de encantar e metê-la<br />
nesta máquina dos tempos modernos, o sistematizador ou ordenador<br />
que teimam em chamar computador, com a ideia, não de a<br />
12
aprisionar, mas de a recolher como semente que assim há-de ser<br />
fecunda e germinar, mesmo quando os homens loucos e racionais<br />
decidirem criar tudo com máquinas frias e fatais e já não houver mais<br />
espaço para o sonho...<br />
É a aposta do poeta de 1888: «E assim, nas calhas da roda<br />
Gira, a entreter a razão,<br />
Esse comboio de corda<br />
Que se chama coração.»<br />
Venham então daí à cata desses criadores de tesouros da cultura<br />
tradicional que por aí andam pobres e ignorados, votados ao<br />
desprezo, enquanto uns senhores se vão pavoneando e locupletando<br />
com a cultura instituída ganhando bom dinheiro a vociferar do alto do<br />
estrado das suas escolas ou tribunas, sem haver polícia capaz de lhe<br />
dar ordem de prisão, que “...o povo nada inventa, nada cria; antes<br />
deturpa e suja as criações magistrais da cultura e da ciência erudita!”<br />
e publicam, em livros de luxo, os “Tesouros da Literatura Popular<br />
Portuguesa”! Publicam “o lixo”!!! Ganham dinheiro! Não pagam<br />
direitos!!!<br />
Que seria da cultura erudita, se não tivesse raízes?<br />
O convite, pois, é para ir à procura da Cultura Ancestral, aquela que é<br />
em gérmen no Ventre da Terra e corre como o Vento no Útero do<br />
Tempo e fecunda com o seu sémen tudo o que é cultura ciência e<br />
desenvolvimento em todo o Universo.<br />
do ventre da terra é o canto que grita<br />
o grito de vida de um povo oprimido<br />
que dá pão que dá trigo que dá de comer<br />
saído da terra embebida em esperma<br />
que é suor e que é sangue<br />
13
por gente vertido<br />
espremido<br />
exprimido<br />
por violentado povo<br />
que se sente ofendido / fendido / fundido<br />
(com um o no lugar do un)<br />
e contudo cantando regando ceifando<br />
rasgando amanhando cavando mondando<br />
faz nascer das vozes que cantam o canto<br />
o canto da terra que não é ouvido.<br />
esse canto que é cante é cultura profunda<br />
é como as flores que nascem no campo<br />
como a erva que pinta de verde a planície...<br />
todos a vêem , a todos encanta<br />
dão colorido ao mundo universo,<br />
mas fenecem e morrem parecendo infecundas...<br />
vivendo uma vida, num dia fugaz!!!<br />
14
img005 – acampamento dos ciganos<br />
As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão libertando as<br />
azêmolas e formaram em estrela em redor do campo... (p. 18)<br />
15
É como o pensamento de Álvaro de Campos, escrito num livro<br />
abandonado em VIAGEM:<br />
«Venho dos lados de Beja.<br />
Vou para o meio de Lisboa.<br />
Não trago nada e não acharei nada.<br />
Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,<br />
E a saudade que sinto não é nem no passado nem no<br />
futuro.<br />
Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio<br />
morto:<br />
Fui como as ervas e não me arrancaram.»<br />
mas logo florescem no tempo da flor<br />
ao ritmo fecundo das quatro estações<br />
trazendo o feitiço ao pão das espigas<br />
dando embriaguez ao vinho das cepas.<br />
o canto que eles cantam<br />
é canto da terra<br />
esquecido ignorado<br />
para desprezar...<br />
são contos que encantam<br />
como os cantos que eles cantam<br />
em cante que brota do ventre das gentes<br />
ligado em cordão ao ventre da terra.<br />
eles contam eles cantam<br />
co/antos de encantar<br />
mas<br />
nas contas que contam<br />
não têm lugar!<br />
17
Vamos nós, ao menos,<br />
ouvi-los CA/ONTAR...<br />
«não evoluo, VIAJO.» «Navegadores antigos diziam: “Navegar é<br />
preciso: Viver não é preciso”» ⎯ disse-nos ainda Fernando Pessoa.<br />
E foi então que deparei com aquela caravana de ciganos que decidiu<br />
parar as suas carroças e montar arraiais naquele lugar estranho...<br />
Estávamos no ano cinquenta depois de trinta e oito e a deslizar sobre<br />
as quatro rodas do oitenta e oito que nos abria boas perspectivas<br />
para rodar com segurança até ao ano dois mil e trinta e oito...<br />
As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão<br />
libertando as azêmolas e formaram em estrela em redor do campo.<br />
Delas, três ficaram com as baias majestosas erguidas para o céu,<br />
aparecendo-nos, ao pôr-do-sol, como hirtas peças de artilharia,<br />
guardando nobre acampamento de aguerridos senhores. As <strong>outras</strong><br />
afocinhavam no chão verde refazendo-se exaustas da dura<br />
caminhada.<br />
Vindos do fundo dos tempos, das Terras de Santa Maria e todo o<br />
Mundo, o cigano Castanho e a cigana Mariana surpreenderam-se<br />
seduzidos pela monotonia faiscante desta desolada planície<br />
alentejana. Gente sem pátria nem terra que todo o mundo é seu!...<br />
há pedaços de terra que lhes falam mais. Que sentem mais seus.<br />
Do alto do seu trono da trotante carroça ondulando ao sabor dos<br />
cascos troantes que enchiam os campos e os montes, esta terra<br />
vasta, extensa sem fronteiras dizia-lhes mais que as <strong>outras</strong> terras.<br />
Ouviam certamente a flauta encantada do poeta do Orfeu:<br />
«Encho os olhos de terra.<br />
18
No Alentejo há muita e é de graça.<br />
Dou-lhes esta fartura,<br />
Antes que um só torrão na sepultura,<br />
Os encha e satisfaça.» ⎯ (M. Torga in Diário X)<br />
A terra voz ecoava na planície e a magia do canto captava<br />
inconsciente os sons e a voz difusos, seguindo a sugestão do poeta:<br />
... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra... (silêncio alucinante)...<br />
... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra...<br />
E eles a encher a encher os olhos e os sete sentidos o seu ser todo<br />
com o gozo imenso de ninguém os vir proibir, de ninguém os vir<br />
prender por aquele crime de roubar a terra que é sempre dos outros,<br />
porque ali, além “... No Alentejo há muita e é de graça”.<br />
Era a terra a cantar captada pelo Torga transmontano o<br />
médium/druida/, artista/poeta que como ninguém, ouve por dentro<br />
as mensagens que a terra-madre tem para os seus paridos.<br />
In/Tolerados, in/dóceis, in/domáveis, livres e soberbos, irredutíveis,<br />
irreverentes os ciganos, o cigano Castanho e a cigana Mariana, assim<br />
como, por vezes encontram nos intermináveis caminhos do mundo,<br />
sempre diferentes tão iguais, uma terra mais afim, que lhes fala<br />
melhor, que eles entendem melhor, encontram, por vezes ao redor<br />
do mundo, um povo, uns povos irredutíveis soberbos livres<br />
irreverentes, que os entendem melhor.<br />
São gente que os tolera e respeita. Diferentes. Aceita, admira, ao<br />
lado / de longe... e deixa-os ser como são. Defende-se, entrando no<br />
jogo perigoso das suas artes de viver diferente… Enganados,<br />
escorraçam-nos quando eles já partiram para serem acolhidos ali,<br />
logo mais além... para logo entrarem outra vez no jogo...<br />
São os povos da planície do Alentejo, ouvi contar por quem corre com<br />
eles, e os povos, da Estremadura espanhola, que eles mais sentem<br />
19
seus diferentes/semelhantes, onde mais bem se sentem. Províncias<br />
irmãs unidas num espaço que é contínuo, ligadas/cortadas pela fada<br />
Odiana de falas cruzadas, prosódia CONsoante com nomes diferentes,<br />
por nações diferentes, fronteiras cortadas pelas espadas dos senhores<br />
das guerras. com armas diferentes do sentir das gentes...<br />
Naquela noite, à luz da fogueira vermelha do acampamento, de olhos<br />
brilhantes, brasas acesas apesar de cansados, ansiosos semicerrados<br />
abertos de tanto quererem ver... eram já noites e noites depois de<br />
terem atravessado o Tejo!...<br />
⎯ douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...<br />
⎯ douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...<br />
antes que um só torrão na sepultura<br />
os ennnncha e satisfaaaaaaça!!!, ouvia ela, a Mariana, das<br />
profundezas da voz mágica da Terra, e o cigano Castanho explodiu:<br />
⎯ Ei! gente!!! Isto Aquém do Tejo é só montes e montados a perder<br />
de vista...<br />
Terra quente e bravia que nos esturrica com o calor do sol em brasa<br />
e logo nos tolhe e encolhe com o frio de gelo quando o sol se vai...!<br />
Eiiiii! gente! Tanta terra!!! Tanta cor!!! E há quem diga que isto é<br />
uma monotonia!<br />
⎯ Não têm olhos para ver! ⎯ gritou-lhe o poeta das imagens, que<br />
andou a apanhar com a sua caixa de luz as cores da terra e das<br />
paisagens alentejanas...<br />
⎯ Isto é de morrer de pasmo e solidão ⎯ vomitavam, encolhendo os<br />
ombros, os aceleras lá dos nortes e das cidades, que, em grande<br />
velocidade, vão à procura de <strong>outras</strong> paragens, à procura das serras e<br />
das areias do Além-Garbe..., que isto, para os senhores Godos, tudo<br />
abaixo do Tejo é Além... e eles, os donos, é que dão os nomes...<br />
20
⎯ Gente esquisita! esta, plantada como árvores paradas majestosas<br />
à beira da estrada! E o modo como cantam?!!! Aqueles cantes!!!?<br />
Pufff! Não há pachorra!<br />
⎯ Não têm ouvidos para ouvir, ⎯ gritou de longe a cigana Mariana,<br />
tricana ladina, a de olhos meigos, luzeiros de fogo, que andava<br />
encantada duns olhos castanhos do cigano moreno iguais ao seu<br />
nome.<br />
Cigana tricana de olhos de fogo<br />
de corpo marmóreo esguio a dançar<br />
bailava bailava ao redor da fogueira<br />
as tranças desfeitas em cabelos longos<br />
esvoaçando à roda do seu busto firme<br />
suas ancas soltas girando girando<br />
ateando chamas noutros olhos vivos<br />
do cigano trigueiro que chamam Castanho<br />
castanho como os olhos castanhos também!<br />
Mas hoje não bailam. Mudos e que⎯⎯dos. Pararam ali para ouvir. O<br />
quê? Cantar. Contar. A terra a falar. A água a correr. o ar a voar. O<br />
fogo a crepitar. Répteis a deslizar. Grilos e ralos a gritar um grito<br />
estonteante. Gente a murmurar. Grupos a cantar. Grupos de<br />
namorados enlaçados ao luar...<br />
Hoje é noite de abrir os olhos para ouvir. É dia de abrir as janelas do<br />
corpo para admirar. É tempo de abrir todas as portas do ser todo<br />
para o espanto, o deslumbramento!!!<br />
Terra madrasta de miséria, chama-lhe os senhores que vão gastar o<br />
que lhe sugam sem suar, para a cidade de outros prazeres... Terra<br />
para desprezar e esquecer, mentem os tolos apressados, que rasgam<br />
21
estradas lisas e velozes pela planície além e não têm tempo de ver<br />
que estão atravessando a terra com tesouros mais fabulosos que os<br />
das mil noites... e uma, como diz o Borges, o poeta que via por ser<br />
cego! ou das mil e uma noites de encantar, como dizem os poetas<br />
que não sonham a dormir!?<br />
Hoje é a hora de parar para ouvir esta Terra, este Povo cantar.<br />
Contar-nos a vida com artes de encantar. Olha esta neblina de<br />
madrugada! É a Terra a arfar. O campo a falar com sinais de fumo<br />
que esvoaça. O seu corpo a abrir. O sol a penetrar. A Vida a gerar<br />
Vida...<br />
Vamos nós por esses montes e povoados roubar os tesouros que<br />
ficaram desprezados, abandonados esquecidos..., tesouros que os<br />
finaços nem vêem de tanto os olhar... e quando lhos mostramos, !!!,<br />
encolhem os ombros.<br />
⎯ É um segredo sagrado, uma jura secreta... ⎯ ciciou o cigano à<br />
cigana castanha presa nos seus lábios, as cores misturadas, corpos<br />
enlaçados de nomes trocados. ⎯ Nestas Terras do Sado, Tejo e<br />
Odiana, há imensos tesouros que são de pasmar! Não há só galinhas<br />
e gado a roubar... Há tesouros ricos, finos preciosos, dignos de um<br />
Califa para entesourar... Como aquele califa Harun-el-Raschid, aquele<br />
que reinava no reino de Bagdade, aquele califa que os mandava<br />
guardar e escrever em letras douradas, para não se perderem para a<br />
Humanidade.<br />
É isto que agora, e d’ora em diante, vamos, doravante, nós os dois<br />
roubar... para os esbanjar, espalhar ao vento, devolver ao povo que<br />
os soube criar...<br />
22
img006 – a dança da cigana mariana<br />
Cigana tricana de olhos de fogo de corpo marmóreo esguio a dançar<br />
bailava bailava ao redor da fogueira... (p. 21)<br />
23
E assim<br />
em tempos de dor, em tempos de crise, quando tudo à roda é<br />
escuridão negra de terror, e esse terror é de toda a terra o grande<br />
senhor, qual negro dragão, em luta com quem, não há salvação...<br />
quando a vida à roda é só solidão; quando tu estás só mesmo<br />
misturado e envolvido no turbilhão da vida, turbilhão de feira...<br />
quando não há mais resposta para as contradições da vida; quando a<br />
cada resposta tentada, desesperada, te surge logo, sem tempo para<br />
e refazeres, um novo e louco desafio...<br />
quando te pedem só as soluções já feitas..., mesmo sem serem<br />
solução...<br />
quando já não precisam de ti porque já têm outros e lhes fica mais<br />
barato... quando já não precisam, para nada, do teu contributo, antes<br />
pelo contrário, e to vêm dizer delicadamente...<br />
quando, já desesperado dás de borla e nem sequer dão conta que<br />
ofereces um tesouro...<br />
quando os outros, acomodados, já têm as soluções todas..., soluções<br />
mais cómodas...<br />
quando só precisam de ti para as soluções deles... e tu decidires<br />
dizer: JÁ BASTA...<br />
quando pela centésima vez, deres conta que te enganaste no<br />
caminho e voltares atrás, mais uma vez, pela centésima primeira vez,<br />
25
ao princípio, para começar tudo de novo..., e exactamente pelo<br />
caminho diferente dos que te dizem: “vem por aqui...”<br />
quando a prepotência, a arrogância e a imbecilidade diplomada /<br />
instalada / poderosa ⎯ porque no poder - for tão cínica, tão subtil e<br />
capciosa, que já não te deixam uma saída digna...<br />
ENTÃO<br />
a gente perdida sem mais solução , senão a fantasia e a<br />
imaginação...<br />
para exorcizar os medos ⎯ todos os medos ⎯ para renovar energias,<br />
para retomar o seu lugar no ciclo universal qual pulsar ou quartar no<br />
mundo imenso das galáxias que gira em espiral...<br />
para vencer tiranias, para descobrir caminhos que as ciências não<br />
apontam... mas aponta a sabedoria...<br />
então, quando isso acontecer, vai ao cofre da sabedoria ancestral, a<br />
dos saberes profundos imemoriais...<br />
monta o teu cavalo, toma da espada e...<br />
qual cavaleiro andante, príncipe encantado, ou qual mísero viandante<br />
desprezado vagabundo, põe-te a correr mundo... põe-te a cantar /<br />
contar...<br />
ou põe-te a escutar a cantar / contar<br />
OS CONTOS OS CANTOS QUE SÃO <strong>DE</strong> ENCANTAR<br />
e começam todos, mais ou menos assim:<br />
26<br />
ERA UMA VEZ...
E, cada vez que acabar uma história, lembra-te, como nos recorda<br />
Selma Lagerlöf, quando nos fala da morte da sua avó, recordando<br />
aquele seu hábito de se sentar no sofá de canto, no seu quarto, a<br />
contar-nos histórias: “...sempre que terminava uma história,<br />
passava-me a mão pela cabeça e dizia: ⎯ Tudo isto é tão verdadeiro,<br />
como eu estar aqui e tu aí, como vermo-nos uma à outra...”<br />
Quando ela morreu, a avó, “calaram-se as histórias e canções que<br />
embelezavam a nossa casa, encerradas naquele caixão negro, donde<br />
nunca mais voltariam!... qualquer coisa de muito doce nos faltou na<br />
vida. Foi como se nos houvessem expulsado de um mundo<br />
maravilhoso, cujas portas, constantemente abertas para nós, se<br />
tivessem fechado, de súbito, para sempre. E ninguém mais havia que<br />
fosse capaz de as abrir!...”<br />
Felizmente, como a própria Selma nos provou, isso não é verdade.<br />
Quantas portas desse mundo maravilhoso ela nos abriu e continua a<br />
abrir?<br />
Nós, queremos, mesmo sem os seus dons excepcionais, provar que<br />
ainda é possível abrir muitas portas por abrir...<br />
Cada um de nós, através da fantasia e da imaginação, tem dentro de<br />
si a chave do cofre que nos dá acesso ao mundo encantado e<br />
maravilhoso da realidade mais verdadeira que a realidade<br />
aparentemente verdadeira que se abre às janelas dos nossos sentidos<br />
comuns...<br />
Com as suas Histórias Maravilhosas e A maravilhosa Viagem de<br />
NILS HOLGERSON através da Suécia, ela, “a contista épica por<br />
excelência”, como lhe chamaram os que lhe deram o Prémio Nobel da<br />
Literatura, e pela primeira vez a uma mulher, dá-nos, ela própria a<br />
27
prova de que não pode ser verdade que as portas do MUNDO DO<br />
MARAVILHOSO “se tivessem fechado, de súbito, para sempre”...<br />
Basta ouvir uma vez pela milésima vez, o neto pedir: ⎯ “‘Vó conta<br />
aquela da princesa... Conta aquela...”<br />
É por isso que voltamos a parar para<br />
CO/ANTAR<br />
É por isso que voltamos a parar para<br />
ESCUTAR<br />
OS CONTOS E OS CANTOS <strong>DE</strong> ENCANTAR<br />
que começam todos, mais ou menos assim:<br />
28<br />
ERA UMA VEZ...
1ª PARTE – A/s <strong>LENDAS</strong>/s DO<br />
TOURO E DA COBRA<br />
img007 – o touro e a cobra desenhados com letras - separador<br />
29
E R A U M A V E Z ...<br />
<strong>Touro</strong> nobre na peleja<br />
Esculpido na muralha<br />
Lembras ao povo de Beja<br />
A sua maior batalha.<br />
0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s<br />
ou A VISÃO DO VELHO CIGANO CEGO<br />
31<br />
Castelo de Beja<br />
Subindo lá vai<br />
Castelo de Beja<br />
Tu metes inveja<br />
Às águias reais.<br />
(Cancioneiro Popular do Alentejo)<br />
A sua maior batalha<br />
De lutar pela liberdade<br />
Fazer cair a muralha<br />
Que fechava esta cidade.<br />
Beja tem uma lenda. Tem um brasão. Tem um castelo. Águias reais.<br />
Um <strong>Touro</strong>...<br />
Beja é uma legenda.<br />
Rainha da planície. Centro do Baixo Alentejo. Tem no touro - rei da<br />
planície - o símbolo da sua força. Tem nas águias - rainha das alturas<br />
- o símbolo das suas ambições... Tem o castelo - morada de nobres<br />
cavaleiros ao serviço do rei - o símbolo da sua nobreza.<br />
Não tem cobras, nem serpentes, nem répteis que se revolvem no<br />
ventre da terra!
Mas a lenda, as <strong>lendas</strong>, valem, às vezes, talvez, por todos estes<br />
símbolos.<br />
Pode ser até, que o que está oculto, ou só escondido, dê um<br />
significado diferente a tudo o que parece que se vê!...<br />
A sabedoria ancestral, captando as lições da vida ao longo de todo<br />
um tempo que se perde na memória das gerações, em toda a sua<br />
complexidade e contradições, captando do cosmos as leis e os sinais<br />
dos impulsos que governam os astros e toda a vida que se<br />
movimenta nos planetas e nas estrelas ao longo das imensas<br />
infindáveis galáxias, incapaz de a organizar e comunicar através de<br />
um tratado científica e tecnicamente correcto e absoluto, vai<br />
transmitindo essa sabedoria através da complexidade da sua cultura<br />
tradicional, basicamente oral, que permite uma recriação e uma<br />
adaptação constante, infindável, emocionantemente actualizada em<br />
constante reinvenção.<br />
Eu, deixei há muito tempo de ter tempo para perder tempo.<br />
Passei então a perder tempo à procura do tempo. Dos sinais que o<br />
tempo nos deixou. Fico então imenso tempo a ouvir a voz do vento<br />
que atravessa o tempo e nos vai falando através das gerações<br />
redescobrindo sempre o encanto novo dos contos antigos que nunca<br />
ficam velhos porque é sempre nova a arte de os contar.<br />
E para lá do vento o brilho das estrelas. O Fogo. Nelas lemos as letras<br />
das histórias que nunca deixam de encantar, fecundando a terra com<br />
a fertilidade da água que alimenta o nosso corpo e a nossa<br />
imaginação, o nosso sentido de viver. É esta sabedoria que as<br />
comunidades vão transmitindo ao ritmo da vida.<br />
32
Como o contador de “O principezinho”, desde menino que as pessoas<br />
crescidas fizeram tudo para matar em mim o artista que podia/devia<br />
ser... Passaram a ensinar-me a gramática, a geografia, a história, a<br />
matemática e a avaliar-me pelas cotações fabricadas por pessoas<br />
engravatadas que se armaram em donas do tempo e da história...<br />
Então, quando tenho saudades dos tempos em que podia ser tudo, e<br />
me canso de falar de futebol de política e de gravatas como as<br />
pessoas crescidas, volto então a refugiar-me no desenho da jibóia<br />
que engoliu um elefante e “Depois as jibóias ficam sem se poder<br />
mexer e dormem durante os seis meses em que fazem a digestão...”<br />
É um teste. É o meu teste.<br />
Então, as pessoas crescidas, olham lá do alto do seu ar importante e<br />
dizem: - “Então porque é que um chapéu havia de meter medo?” E<br />
encolhem os ombros ou nem sequer se dignam parar para ver...<br />
E eu, como não tenho o poder de as repreender ou reprovar, fico<br />
reprovado, apavorado, e desisto...<br />
Mas o certo é que, nesta terra quente de sol e de noites geladas, de<br />
searas douradas e de pão negro, há muitos muitos anos, que é o<br />
presente dos anos que hão-de vir, houve uma luta de vida e de morte<br />
que ainda há, entre uma serpente e um touro que ficou gravado nas<br />
muralhas da cidade e que em noites de lua cheia se liberta para a<br />
vigiar da serpente sempre sempre pronta para a voltar a atacar ou<br />
para a despertar da letargia em que vive mergulhada? não se sabe ao<br />
certo. Há mesmo quem diga que não é uma luta de inimigos, mas o<br />
cíclico encontro de vida e de morte que é o Amor, e este encontro,<br />
luta de vida e morte entre a serpente e o touro é de facto de morte<br />
porque é condição para a vida ser vivida e constantemente renovada.<br />
Como o Amor.<br />
33
É esta pois a história que vamos contar, para que todos a possam<br />
cantar e cantando se possam encantar e encantados a possam<br />
representar apresentando a ficção que é, afinal, a realidade..., para<br />
que enfim a possam reCRIAR.<br />
E naquela noite os nossos ciganos encontravam-se sentados à roda<br />
da fogueira.<br />
Nesta terra quente, de noites frias como o gelo, o fogo reúne as<br />
pessoas para escutarem os anciãos, que pouco têm a ver com as<br />
pessoas crescidas e pretensiosas que se arvoraram em donos da<br />
cidade com o poder do dinheiro dos cargos e com o poder de ajuizar<br />
os outros e distribuir benesses ou castigos.<br />
Não era esse o cenário.<br />
Enrolados na mesma manta, os rostos e os corpos quase se<br />
confundiam à luz cintilante e incerta do fogo. Os olhos brilhavam na<br />
noite. Os olhos da cigana Mariana reflectiam os olhos acesos do<br />
cigano Castanho.<br />
O velho cigano, já de pele enrugada e de corpo encurvado,<br />
embrulhado na sua manta, reflectia nos olhos que correram muito<br />
mundo, o brilho das estrelas.<br />
A maneira como estava sentado, de fronte do par apaixonado,<br />
permitia que o cigano Castanho e a cigana Mariana vissem, misturado<br />
com o brilho das estrelas, o perfil das muralhas da cidade reflectida<br />
nos seus olhos que não viam...<br />
O velho cigano, então abriu a boca e contou...<br />
Há muitos muitos anos, que eu já não me lembro, era talvez ainda<br />
mais novo do que vós, quando passei aqui pela primeira vez, ouvi<br />
contar uma lenda desta cidade que era uma muralha de pedra<br />
erguida no meio da planície, e não entendi.<br />
Ainda não a entendo.<br />
34
img008 – a dança do fogo e das estrelas… dos astros… dos signos…<br />
... e os olhos do velho viram-na bailar... p. 37<br />
35
Era a lenda do touro e da serpente...<br />
e os olhos do velho viram-na bailar<br />
em redor da fogueira a viram dançar<br />
seu corpo ondulante em voltas girar<br />
ao redor do fogo a serpentear<br />
rodando encantada em círculo-espiral<br />
em dança magia à luz do luar<br />
de mulher serpente a enfeitiçar<br />
os olhos ciganos incréus a olhar<br />
a serpente humana em ondas rodar<br />
seduzir atrair aterrorizar<br />
estacando em pose d 'hipnotizar<br />
que prepara o bote felino mortal<br />
de abraçar o corpo louco a delirar<br />
do cigano vencido por golpe letal<br />
da mulher serpente cigana fatal<br />
que o envolveu por fim no abraço final...<br />
mortal?<br />
vital?<br />
E o cigano vencido, ergueu-se a lutar<br />
com a cigana serpente que o estava a abraçar<br />
em abraço de morte de asfixiar<br />
abraço de vida de ressuscitar...<br />
E ela apertou-o, seus anéis possantes<br />
sua boca aberta pronta a devorar...<br />
Ele atravessou-a, chifres penetrantes<br />
com o peso do corpo, boca a espumar...<br />
E olhos do velho cansados de olhar<br />
37
em redor do mundo, tanto admirar<br />
mudo com o espanto de ver, sem captar,<br />
guerras, mortes, lutas a vida gerar...<br />
olhando as estrelas, olhando o luar<br />
de boca fechada, como a murmurar<br />
incapaz de entender o saber ancestral<br />
que lia nas letras do livro universo<br />
escrito em estrelas em forma de versos<br />
sem saber o quê, como interpretar...<br />
O touro e a cobra?<br />
A serpente e o touro?<br />
O Bem e o Mal?<br />
A Vida e a Morte<br />
Guerra à opressão?<br />
Grito: Liberdade?<br />
Encontro fecundo de macho e de fêmea?<br />
A revolta subtil da mulher escrava?<br />
Encontro vital da vida e da morte?<br />
A precariedade da vida feliz?<br />
A busca sonhada da felicidade<br />
sempre ameaçada?<br />
... ...<br />
Ou será que tudo isto<br />
tem muito a ver afinal<br />
com aquele mito proibido<br />
que vedado, é consentido<br />
no rito da morte risco<br />
que é a tourada ancestral<br />
que<br />
põe frente a frente homem e touro<br />
em combate desigual<br />
38
de macho pra macho impante<br />
donde a mulher está ausente<br />
mas sempre sempre presente<br />
como a história da serpente<br />
ou da cobra da história<br />
que vence o touro na luta<br />
mas ao vencer é vencida...?<br />
e quem vence nestas lides<br />
de touradas e corridas<br />
com capotes e com farpas<br />
e nas faenas com capas<br />
e com espadas mortais<br />
com toureiros e capinhas<br />
campinos e apoderados<br />
com pegadores e forcados<br />
cavalos e cavaleiros<br />
todos artistas de um circo<br />
que uns atrai, outros repele<br />
e excita multidões...<br />
é afinal um escape<br />
um sonho de vida e morte<br />
que o mortal sempre persegue<br />
desde as mais remotas eras<br />
tempos imemoriais<br />
em busca da felicidade<br />
que é imortalidade?<br />
Tantas perguntas, ó Céus<br />
que um simples conto contém<br />
para ver de olhos fechados<br />
quando essa lenda provém<br />
de um saber imemorial<br />
39
que é transmitido oralmente<br />
pelos velhos anciãos<br />
que muito sabem contando<br />
mas têm dificuldade<br />
de explicar com noções claras<br />
ou pouco claras talvez<br />
que são caras à cultura<br />
que por artes ou por manhas<br />
se convencionou chamar<br />
da cultura - a erudita<br />
e que afinal só encobre<br />
<strong>outras</strong> artes, <strong>outras</strong> manhas...!!!<br />
... o velho cigano, deixou de pensar<br />
e mudo falando, com fogo no olhar<br />
o velho ancião começa a contar...<br />
a história esquecida<br />
de todos sabida...<br />
Leitura de letras<br />
escritas nos astros<br />
que podem ser lidas<br />
olhando as estrelas<br />
no céu do Alentejo<br />
amplo e descoberto<br />
por olhos abertos<br />
de poetas sábios<br />
mesmo analfabetos...<br />
que apontam com o dedo<br />
de olhos fechados<br />
a Ursa maior<br />
a Ursa menor<br />
40
a Cassiopeia<br />
o <strong>Touro</strong>, a Serpente<br />
Signos do Zodíaco<br />
sempre em movimento<br />
em luta constante<br />
donde nasce a vida<br />
em mil repartida<br />
pelo cosmos sem fim<br />
onde este planeta<br />
-pra nós o maior!<br />
girando no espaço<br />
em torno do sol<br />
em torno da lua<br />
em torno de si<br />
à velocidade<br />
de trinta quilómetros<br />
num fugaz segundo<br />
é ínfimo mundo<br />
perdido em Galáxias<br />
do imenso Universo.<br />
Eis então, crianças<br />
senhoras, senhores,<br />
meninos, meninas,<br />
a história esquecida<br />
de todos sabida,<br />
do touro e da cobra,<br />
como ele a contou,<br />
de noite ao luar,<br />
o cigano velho<br />
de estrelas no olhar.<br />
41
1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA<br />
img010 – o touro e cobra (em letras de imprensa)<br />
43
1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00<br />
Noutros tempos, há muitos muitos anos que hão-de acontecer de<br />
novo no futuro, havia um reino muito grande e muito belo onde os<br />
habitantes eram todos muito belos e amigos. Viviam, quase podemos<br />
dizer com certeza, muito felizes... Trabalhavam as suas terras. Estas<br />
eram distribuídas em campos imensos que não precisavam de muros<br />
e divisões pois todos respeitavam o que era dos outros para ser mais<br />
de todos. Ajudavam-se uns aos outros, faziam festas, conviviam uns<br />
com os outros... cantavam, dançavam e amavam... Faziam jogos que<br />
muito os divertiam e até os trabalhos mais duros e necessários eram<br />
feitos como se fossem jogos e festas, pois todos se ajudavam a<br />
amanhar as terras, a semear, a regar e mondar, a ceifar e arrecadar<br />
as colheitas, a pascer o gado e a transformar tudo em alimentos e<br />
vestidos coloridos e outros objectos para viver, cantar, tocar e folgar<br />
nas festas da vida... e acudir nas doenças e celebrar as cerimónias<br />
dos que deixavam esta vida... Trocavam as coisas que sobravam uns<br />
com os outros e nomeavam, à vez, os seus reis e rainhas, os seus<br />
príncipes e princesas, isto é, aqueles que os haviam de servir<br />
governando durante certo tempo, o que acontecia com certa<br />
regularidade para não se cansarem nem perderem o encanto... Como<br />
durante esse tempo de serviço, esses não tinham tempo para se<br />
governar, pois governavam os outros, todos os sustentavam e<br />
44
garantiam que nada lhes faltasse, para que não faltasse nada a cada<br />
um de todos os outros... "e assim eram felizes para sempre...” como<br />
costumam acabar todas as histórias.<br />
Era assim, há muitos muitos anos, que se perderam na memória dos<br />
tempos, mas ainda não no coração dos que sonham felicidade,<br />
liberdade e a alegria.<br />
Chegou entretanto um dia em que a alegria e a paz desses habitantes<br />
desse reino começou a ser ameaçada. Ouviu-se dizer, que um grande<br />
monstro rondava as fronteiras do reino. Nos campos, durante a noite,<br />
as sementeiras começavam a aparecer destruídas. As pessoas,<br />
quando, de manhã, chegavam para continuar o trabalho do dia<br />
anterior, ficavam mudas de espanto pois encontravam grandes<br />
estragos e podiam ver enormes sulcos muito estranhos que nenhum<br />
ser vivo, dos que eles conheciam, pessoas ou animais, poderia ter<br />
feito...<br />
O que seria? O que não seria? Quem poderia ter sido?<br />
Começou então a ouvir-se dizer que tudo era devido a uma enorme<br />
serpente que ainda ninguém tinha visto ao vivo, mas todos<br />
suspeitavam já a ter entrevisto a esquivar-se e a esconder-se em<br />
sítios esconsos esquisitos e havia mesmo quem afirmasse que o seu<br />
esconderijo seguro era o poço do monte da cobra...<br />
Esse monte ficava lá para noroeste da cidade principal do reino, num<br />
sítio ermo por onde ninguém se atrevia a passar de noite e, os que se<br />
teriam atrevido a passar, mesmo de dia, nunca ninguém mais alguma<br />
vez soube o que lhes terá acontecido... foram certamente devorados<br />
pelo monstro desconhecido ou levados pela gigantesca cobra para o<br />
45
seu refúgio preferido, e nunca mais ninguém ouvira falar deles,<br />
começando mesmo a duvidar-se se alguma vez teriam existido.<br />
Logo a seguir, começou também a constar, a ouvir-se dizer, a dizer-<br />
se, que o monstro não era somente mau e por isso destruía tudo o<br />
que podia, mas era igualmente um terrível bicho inteligente, pérfido e<br />
ambicioso que tentava descobrir o modo de entrar na cidade principal<br />
do reino, tomar conta da praça principal, e instalar-se no castelo,<br />
donde governaria todo o reino e seria então indiscutivelmente servido<br />
pelo medo, pelo terror e pelo servilismo de todos os seus habitantes.<br />
Entretanto, apareciam cada vez mais sinais de que o monstro<br />
devorava cada vez mais habitantes que se atreviam a andar sós pelos<br />
caminhos e pelos campos.<br />
Para o aplacar da sua fúria devastadora começava-se a exigir que<br />
cada rua, bairro, freguesia ou monte, lhe sacrificasse a donzela mais<br />
bonita e virgem que normalmente era escolhida pelas suas amigas e<br />
vizinhos como a princesa das festas da Primavera em Maio. Eram “as<br />
Maias” coroadas de flores que passariam a ser sacrificadas ao<br />
monstro para que não continuasse a destruir as suas culturas e<br />
deixasse de matar os seus habitantes ou os fizesse desaparecer para<br />
lugares misteriosos donde nunca mais se sabia notícia.<br />
Passaram-se assim, anos e anos de angústia indescritível, de terror<br />
horrível, de mudos medos, de revoltas caladas, de actos de heroísmo<br />
desesperados. Nada parecia acalmar a sanha opressora da serpente<br />
cobra monstro que tudo devorava.<br />
E um dia, sem se saber muito bem como, os habitantes cada vez<br />
mais isolados e fechados nas suas casas para melhor se defenderem<br />
⎯ pensavam eles ⎯ começou a correr de porta em porta a notícia<br />
fatal. A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já<br />
46
estava no meio da cidade. Tomava conta da praça principal. Tinha<br />
feito fugir todos os governantes e defensores que não sabiam o que<br />
fazer e, para tomar conta da cidade e do reino e tudo dominar, a<br />
serpente ⎯ cobra-sinuosa ⎯ monstro lançava gritos horripilantes no<br />
meio da praça, no alto da cidade e dava saltos e urros sibilantes,<br />
torcia-se e retorcia-se nos seus anéis coloridos e viscosos, dava<br />
voltas e reviravoltas descrevendo círculos e oitosssssss e essssssses<br />
endiabrados, numa dança louca, infernal, impossível de contar e<br />
descrever... Só vendo.<br />
47
img011 – a serpente domina a praça da cidade…<br />
A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já estava no meio da<br />
cidade. Tomava conta da praça principal... (p. 46)<br />
49
Os habitantes da cidade, das aldeias, dos lugares, dos montes, dos<br />
bairros e das ruas, estavam aterrados, petrificados de medo e de<br />
espanto. Tal como os governantes, amedrontados e espavoridos, não<br />
sabiam o que fazer. Contavam uns aos outros, para se animarem em<br />
família, histórias de tempos idos muito antigos de que já ninguém se<br />
lembrava muito bem e falavam contudo de esperança e felicidade,<br />
mas não encontravam solução. Desejariam perguntar, ao menos, aos<br />
outros, d<strong>outras</strong> ruas, doutros lados, se valeria a pena fazerem<br />
alguma coisa, e se valesse, o quê, e como o haviam de fazer. Mas a<br />
comunicação era impossível. Os mensageiros que tentaram mandar<br />
de uns para os outros lados, começaram também a ser apanhados<br />
pelo monstro que, de vez em quando, suspeitando, saía da praça, e<br />
apanhava os desprevenidos que, para encurtar caminho, se atreviam<br />
a passar pelas imediações...<br />
Foi então que no desespero, inventaram a única maneira que tinham<br />
de comunicar com os de longe, para lhe darem sinal, para se<br />
levantarem, se prepararem, se decidirem enfim, todos em conjunto,<br />
atacar e destruir o monstro, que durante tanto tempo, tanto mal<br />
causara, e agora os aterrorizava e os queria dominar para sempre...<br />
Começaram a cantar as canções que conheciam e o seu estro<br />
produzia sobre os momentos dramáticos que viviam. Logo as<br />
cantavam em coro. Esse coro vinha juntar-se ao grito do alto que<br />
lançava o repto. Ao coro inicial ia-se juntando sempre mais e mais<br />
gente... E o canto de cada rua, cada bairro, cada lugar e cada aldeia,<br />
cantada a plenos pulmões, eram gritos saídos do ventre da terra que<br />
atroavam os ares e cobriam os gritos da serpente monstro. Assim o<br />
som dos cantes começou a ouvir-se por todos os cantos da cidade e<br />
foi o sinal para todos começarem a avançar a fim de se ouvirem<br />
melhor uns aos outros e poderem encontrar, finalmente, um lugar<br />
onde se pudessem juntar. Irresistivelmente, levados pela magia do<br />
51
canto, todos estavam a caminhar para a praça principal que era<br />
ocupada pelo monstro.<br />
Cada grupo que caminhava do seu lado ia arrastando consigo todos<br />
os que encontrava pelo caminho. Começavam enfim a encontrar-se<br />
grupos de ruas e bairros diferentes... Para se saudarem, no<br />
reencontro da alegria, as crianças começaram a trocar as flores com<br />
que se tinham enfeitado para a festa ou para a morte. Os outros<br />
todos, mesmo os que depois de tantas desilusões estavam dispostos<br />
a permanecer indiferentes e alheios, contagiados, e, ou por medo ou<br />
para se mostrarem fortes, ou para vencerem o medo do medo de<br />
enfrentarem a serpente, juntavam-se ao que começava a ser um<br />
povo e cada um levava consigo aquilo que tinha mais à mão. Armas<br />
não. Como era um povo que nunca soubera o que era a guerra, não<br />
tinham armas. Armavam-se com o que tinham. Como era Primavera,<br />
e à semelhança das crianças, a maioria levava flores. Outros levavam<br />
os instrumentos com que trabalhavam em casa e nos campos...<br />
Outros levavam só os símbolos que representavam a sua vontade de<br />
paz, de alegria, de felicidade... eram desenhos e pinturas e sinais e a<br />
sua poesia e as suas canções e os seus gestos e os seus vestidos de<br />
cores de festa... Muitos levavam tralhas velhas de que já não<br />
precisavam em casa, para irem armados com qualquer coisa que<br />
serviria, quem sabe?, de arma de arremesso para atirar para cima do<br />
monstro, para o entulharem e enterrarem se fosse possível, para o<br />
queimarem, para o consumirem e fazerem desaparecer... O<br />
importante é que todos se juntavam, inventando cada um o que lhe<br />
era possível e, o mais importante, é que todos se iam decidindo a<br />
enfrentar unidos a terrível serpente que ameaçava a cidade, todo o<br />
reino e todos os habitantes.<br />
Assim, quando os cantes já tinham circulado por todo o reino e<br />
entrado em todas as ruas e casas onde os habitantes se escondiam<br />
cheios de medo e de terror, os grupos da frente que já tinham mais<br />
52
gente a cantar com eles, começaram a chegar às entradas das ruas<br />
que desembocavam na praça... ao verem a serpente, os primeiros<br />
estacaram tomados pelo espanto. Depois, quebrado o primeiro<br />
choque, queriam fugir, mas os detrás, que queriam ver, não os<br />
deixaram escapar... e, ao mesmo tempo que tinham medo, eram<br />
seduzidos, fascinados pelo monstro que, ao vê-los, se encheu de<br />
nova fúria e tentava atacar todos ao mesmo tempo... Passados os<br />
primeiros momentos de confusão e medo, de cada canto da praça<br />
recomeçaram os cantos e os grupos começaram a avançar e a cantar<br />
cada vez mais forte para se libertarem do medo e do fascínio que a<br />
serpente exercia sobre eles com o seu poder mágico... Pouco a pouco<br />
o canto era já só cante e cada vez mais forte.<br />
Foi então que a serpente-monstro-cobra-réptil, teve um ataque de<br />
raiva, de fúria imparável. Viu que estava perdida. Deu ainda, na<br />
praça, saltos desesperados, mais voltas e reviravoltas e urros<br />
terríveis, mas, perante o cante que gritava sem medo, procurava um<br />
lugar para fugir.<br />
Não era fugir que ela tentava.<br />
Procurava sim escapar-se para o castelo da cidade, onde melhor<br />
poderia defender-se e donde melhor poderia dominar todo o reino e<br />
toda a população!<br />
Fugiu então por uma pequena rua que encontrou livre ludibriando a<br />
multidão e serpenteando por entre a arcaria do açougue.<br />
No primeiro momento, todos ficaram surpreendidos.<br />
Tinham-se esquecido, e ao mesmo tempo consentido que aquela<br />
pequena rua ficasse livre e desimpedida.<br />
Era no entanto um sinal claro de medo do monstro medonho e, logo a<br />
seguir a este sinal, que era o gesto desesperado de tentar tudo por<br />
53
tudo, os habitantes do reino que agora se sentiam cheios de coragem<br />
por se verem todos juntos, animados e encorajados pelos cantos que<br />
cada grupo de cada rua, ou de cada bairro ou de cada aldeia, ou<br />
monte, ou de cada zona, atirava para o ar como gritante cante da<br />
terra, movidos por uma força envolvente que emanava deste cante,<br />
todos caminharam atrás da terrível serpente que tudo e todos<br />
ameaçava.<br />
Temiam-na ainda, mas sentiam que estava próxima a possibilidade<br />
de a vencerem definitivamente...<br />
Foram percebendo que afinal a bicha não fugia mas que se dirigia a<br />
toda a pressa para o castelo. Que faria tudo para nele se instalar,<br />
impedindo-os de entrar, governando então de lá, a seu bel-prazer...<br />
Mas o povo todo junto, nesta altura era uma autêntica multidão... os<br />
cantos-cantes redobravam de energia e de expressão... não havia<br />
hipótese de os da frente terem medo e se deixarem atemorizar,<br />
recuarem ou tentarem fugir... os que vinham detrás empurraram-nos<br />
decididamente para dentro das muralhas do castelo e, os primeiros à<br />
força por temerem o que lhes poderia acontecer, e os outros a seguir,<br />
em catadupas, entraram.<br />
54
img012 – a luta / dança dos touros e cobras no castelo da cidade<br />
Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que podia<br />
acontecer e desejavam ansiosamente. p. 58<br />
55
A serpente procurava, ora refúgio, ora os mais diversos modos de os<br />
intimidar como fizera na praça. A multidão entretanto espalhava-se<br />
pelo terreiro e pelas amuradas do castelo... Ninguém queria arredar<br />
pé. Ninguém se atrevia a enfrentar o monstro... Aspirava-se no ar a<br />
ameaça de uma tremenda luta de vida e de morte dentro das<br />
muralhas do castelo... A serpente soltava silvos arrepiantes e evoluía<br />
em círculos desesperados, em espirais ameaçadoras, desafiando a<br />
multidão que ora se aproximava, ora se afastava na defensiva,<br />
tentando enfrentar a cobra, mas sem êxito.<br />
Foi então que, de súbito, apareceu o TOURO.<br />
Cheio de energia e força, surpreso e generoso, correu a praça<br />
desembolado a farejar os possíveis adversários... Ele que tinha sido,<br />
durante todo o tempo o companheiro e o apoio de todos os<br />
habitantes, nos trabalhos do campo, desde o amanho das terras, às<br />
sementeiras, às colheitas, à recolha e transformação de todos os<br />
produtos, parecia assim, de súbito, fera disposta a defender-se,<br />
atacando qualquer fera ou inimigo que se lhe apresentasse pela<br />
frente.<br />
Após a primeira corrida louca de reconhecimento, vitoriado pela<br />
multidão que entretanto se escudou atrás das barreiras, e ameaçado<br />
pela serpente que o enfrentava medindo-o à distância, o <strong>Touro</strong> parou.<br />
Escavou a terra com fúria desmedida e espumou. Olhou em todas as<br />
direcções como que a medir o tamanho e a força da serpente que se<br />
empinava na sua frente desafiando-o, temendo-o também. Ambos se<br />
olharam com fúria. Parecia iminente a luta. Uma luta de vida e de<br />
morte...<br />
Caiu um silêncio profundo no terreiro do castelo.<br />
Ambos se miravam como hipnotizados.<br />
57
O <strong>Touro</strong>, como que fugindo ao magnetismo que o paralisava, escavou<br />
mais uma vez a terra.<br />
A serpente procurava prender o olhar do toiro e aproximar-se o<br />
suficiente de cabeça erguida para desfechar o bote decisivo que lhe<br />
permitisse envolvê-lo depois, presa derrubada, nos seus anéis<br />
possantes...<br />
Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que<br />
podia acontecer e desejavam ansiosamente. Só não se sabia se<br />
poderia acontecer e quando aconteceria. A multidão movimenta-se.<br />
Do meio da multidão começam a aparecer primeiro um touro, depois<br />
outros, depois muitos touros. Dava a impressão que cada família,<br />
cada grupo, tinha levado, escondido o seu touro secreto, o seu touro<br />
protector, o seu touro indispensável. Mas não era cada um. Cada<br />
grupo de dois ou mais, fazia aparecer um touro, que desde sempre<br />
trazia escondido, repartido em pedaços como que recortado em<br />
puzzle e dentro de cada um uma parte, que ali, de súbito, começava<br />
a aparecer em peças que procuravam e encontravam o seu<br />
complemento, a encaixar-se, a tomar forma... Eram dezenas e<br />
dezenas de touros que apareciam e saltavam da multidão, em menos<br />
tempo do que levamos a contar e se espalharam por todo o terreiro<br />
da arena muralhada do castelo. Eram já centenas. Tornaram-se<br />
milhares... Então, o <strong>Touro</strong> bravo, o grande <strong>Touro</strong>, investiu e todos<br />
com ele...<br />
Logo à primeira investida, todos puderam constatar o que também já<br />
sabiam desde há muito, muito tempo, desde sempre. A cobra-<br />
serpente-bicho horrendo era afinal um grande monstro de papel<br />
ornamentado e enfeitado, disfarçado de fitas e papéis e outros<br />
enfeites coloridos que se fora tornando grande e asqueroso monstro<br />
poderoso e dominador, à medida que crescia e se agigantava com a<br />
força que todos os iludidos que foram engolidos e enganados lhe iam<br />
58
dando... Assim, rompeu-se o monstro logo ao primeiro assalto, e<br />
perante o assédio feroz e a seguir de festa de todos os touros,<br />
começaram a saltar da serpente-cobra-monstro-de-papel todos os<br />
que magicamente a formavam e não passavam, na sua grande<br />
maioria, de crianças e jovens frágeis tímidos e imberbes que assim<br />
juntos e disfarçados foram, tanto tempo, a causa de tantos<br />
infortúnios e tanta miséria, impedindo um povo de caminhar e<br />
construir o seu futuro fortemente enraizado no seu passado ancestral<br />
de partilha com a natureza que os envolvia e gerara...<br />
À medida que todos os enganados e desaparecidos se iam libertando<br />
do monstro fantoche, a cobra-serpente-monstro-de-papel, os restos<br />
que os vestiam foram-se acumulando ao centro do terreiro. Os que<br />
saltavam do monstro, alguns esboçavam ainda gestos de luta, sinais<br />
de agressão, mas logo se transformavam em dança de festa e<br />
encontravam o seu grupo, o seu par, a sua família, o seu povo... A<br />
multidão em júbilo cantou e dançou e foi acumulando, no centro da<br />
praça, todos os disfarces, todas as armas, todos os restos inúteis e<br />
velhos que por ignorância ou por medo, timidez ou ilusão, tinha<br />
acumulado e levado e era o símbolo da dominação e do medo em que<br />
tinham vivido durante tanto tempo...<br />
Finalmente lançaram o fogo à pira e foi uma grande festa.<br />
E todos cantaram e dançaram a alegria incontida.<br />
E inventaram o hino da alegria e da paz que já desde sempre ecoava<br />
no Universo e há milhares de anos se ouvia mas ninguém o<br />
cantava...<br />
Vem, canta, dança a alegria<br />
Canta bem alto o hino à paz...<br />
Canta a poesia deste povo<br />
59
que trabalha o pão...<br />
Vem canta, dança a alegria<br />
conta os teus contos de encantar...<br />
Vem cantar o cante<br />
deste povo que partilha o pão.<br />
Voa como as águias a rainha das alturas – céu...<br />
Percorre a campina onde vive e cresce a vida – o pão...<br />
Voa sobre os montes a planície do Aquém-Tejo – Além<br />
Vê de lá o Mundo a gente que trabalha a Terra – o pão<br />
Luta como o touro em fúria louca contra a tirania<br />
Luta co'a serpente o signo força do que avilta a vida<br />
Vem cantar o cante deste povo que trabalha o pão<br />
Vem cantar o coro deste povo que partilha o pão.<br />
Quando a festa acabou ali naquele lugar, todos partiram e foram<br />
levar a festa espalhando-a pelas ruas, praças e bairros da cidade;<br />
pelas aldeias, lugares e montes de todo o reino. Espalharam as<br />
cinzas, as flores, as pombas e os gestos que eram sinais e símbolos<br />
da paz e da alegria.<br />
Terminou assim a história do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong>.<br />
Ou antes, assim começou uma era nova de trabalho, de alegria e de<br />
paz para todos os habitantes daquele reino...<br />
60
Continua a contar-se, entretanto, ainda agora em longos serões de<br />
Inverno junto à lareira ou em amenas noites de lua cheia carregadas<br />
de mistério, em grupos alegres que se juntam pelos campos, que, na<br />
euforia final, ninguém se lembrou de vasculhar as cinzas quentes da<br />
grande fogueira naquele dia de festa memorável, para verificar se o<br />
fogo tinha, de facto, destruído tudo. Todos tinham visto que os restos<br />
da serpente tinham ficado reduzidos a cinzas e até as tinham<br />
espalhado ao vento. O fogo tinha destruído tudo. Tudo o que se via.<br />
Consta agora, que uma pequena parte da cobra, um pequeno corpo<br />
muito reduzido, teria escapado com vida e com toda a malícia do<br />
monstro. Pequeno e insignificante, ninguém se apercebera disso e,<br />
por sua vez, o bicho-monstro, agora cheio de medo e de terror, teria<br />
fugido discretamente como réptil refinado no mal e fora encontrar<br />
refúgio nas profundezas do poço do monte da cobra que fica lá para<br />
noroeste da cidade principal do reino, donde, como toda a gente do<br />
campo sabe e cantam os poetas e artistas, sopram os ventos de<br />
tempestade que destroem as searas e os rebentos das árvores... e<br />
empurram os habitantes desnorteados para o refúgio dos seus<br />
abrigos nos montes...<br />
Conta-se ainda... Conta quem vive ou passa por aqueles lados... que<br />
em certas noites de luar, se ouvem um rastejar e uns silvos<br />
esquisitos e logo a seguir um restolhar de sons surdos e furiosos que<br />
muito bem podem ser sinais de uma luta feroz e encarniçada de um<br />
<strong>Touro</strong> e uma <strong>Cobra</strong> monstruosa... e tudo isto lá para as redondezas<br />
do poço do monte da cobra...<br />
Alguns que vagueiam tarde pela cidade adormecida, dizem que já<br />
ouviram estes sinais pelas imediações da praça ou do castelo da<br />
cidade... A praça, pode ser a praça principal, mas há quem diga que<br />
é, sim, a praça de touros que durante muito tempo ali fica assim<br />
como um espectro inútil onde não acontece a magia de uma cobra<br />
esguia encarnada num toureiro destemido armado de farpas capas e<br />
61
espada enfrentar o touro, em luta de morte... Há pois quem diga que,<br />
mesmo sem espectadores, ou talvez só para alguns poucos<br />
privilegiados que sonham os sonhos só vividos nos contos e <strong>lendas</strong> de<br />
encantar..., essa luta acontece nas noites de lua cheia.<br />
Conta-se. Canta-se. Ouve-se contar em encontros fortuitos em que<br />
os habitantes se encontram para cantar e também para contar outros<br />
contos de encantar...<br />
Conta-se. Nunca ninguém viu nada de concreto, talvez encantados,<br />
enganados pelo luar ou pelo sortilégio da hora ou da solidão do<br />
lugar...<br />
É talvez bom sinal.<br />
É sinal de que talvez o <strong>Touro</strong> continue a velar pela paz do reino.<br />
É talvez sinal de que o touro bravo repartido em pedaços por cada<br />
um dos habitantes, continua a luta interminável com a <strong>Cobra</strong>.<br />
Beja, em 22 de Maio de 1986 ou 1689 ou 9681<br />
e em 11 de Maio de 1988 que pode ser 2001 e Setembro de 2008.<br />
Conto reinventado,<br />
todo dito e contado<br />
como lenda encantada...<br />
já completo encontrado<br />
escrito com letras<br />
no livro brilhante,<br />
do céu cintilante,<br />
pelo velho cigano<br />
à luz das estrelas.<br />
62
0.1.0 - AS <strong>LENDAS</strong> DO TOURO e<br />
da COBRA E OS CONTADORES <strong>DE</strong><br />
HISTÓRIAS<br />
65
0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...”<br />
Inda mal o velho cigano acabara de contar a história, em palavras<br />
mudas que ele ouvira contar imaginadas, nos tempos antigos em que<br />
passara por Beja agarrado às saias da mãe cigana que mendigava<br />
cirandava e rapinava alguma coisinha para sobreviverem enquanto o<br />
pai cigano e os outros, ciganavam pela cidade e imediações e pelas<br />
feiras e mercados...<br />
inda ele, o velho cigano, cego, via, no brilho das estrelas, a luta<br />
perpétua incessante sedutora do touro e da cobra que giravam em<br />
movimentos ovais de espiral...<br />
e já os ecos do atentado soavam pela cidade e punham em alvoroço<br />
os velhos e conceituados contadores de histórias a quem desde há<br />
muito ninguém ligava a mínima importância, por velhos e desligados<br />
da cultura do progresso moderno como se dizia...<br />
- Aqui d’El Rei que nos roubam a magia das nossas<br />
<strong>lendas</strong>...<br />
Alguém estranho, cigano larápio, se atreveu a desvendar<br />
a caverna dos nossos tesouros escondidos e tenta<br />
penetrar nos segredos que nem nós sabemos desvendar<br />
e apropriar-se dos valores que nem nós sabemos<br />
devidamente apreciar e vamos transmitindo em palavras<br />
veladas sibilinamente cantadas de acordo com as<br />
67
circunstâncias e os circunstantes às gerações que nos<br />
ouvem sem nos ouvir e entender...<br />
e logo convocaram um encontro dos mais velhos e sabidos, ali em<br />
lugar discreto e desafogado à sombra das árvores frondosas das<br />
portas de Avis, de olhos abertos para a planície imensa que se<br />
estendia a perder de vista... pelos campos onde teria acontecido a<br />
luta, as lutas, ... do touro e da cobra... os episódios da fonte mouro...<br />
as imorredouras batalhas da morte do Lidador... os movimentos da<br />
revolução de 1383... os campos da família Alcoforado...<br />
Eram a ti Ana Maria do Pelame, o ti Jorge da Cruz da Boavista, o<br />
Jorge das Cantigas, maltês de toda a parte, a ta Isabel Mateus que<br />
viera cos ratinhos e por cá ficara, o Carlos Miúdo do Joaquim<br />
Cardador dos lados de Mombeja que apesar de velho era sempre<br />
Miúdo, a Fátima da Almocreva vinda de Alvalade e que vivia lá para a<br />
Mouraria, o Ti Luís Filipe mais conhecido por Bull o <strong>Touro</strong> e ainda o<br />
Jorge Corujo amante de corridas e touradas rijas...<br />
Eram assim as histórias que contavam...co/cantavam...<br />
68
1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01<br />
69<br />
O <strong>Touro</strong> vence a cobra<br />
e liberta a cidade.<br />
⎯ Não, não é assim que a história se contou... ⎯ Dizia a tia Ana<br />
Maria e ela morava lá para os lados do bairro do Pelame.<br />
⎯ A mim, contaram-me a história assim:<br />
⎯ Há muitos muitos anos, quando Beja nem era ainda uma cidade, e<br />
era uma terra pequena, mais pequena do que é agora, muito mais<br />
pequena, era rodeada de campos de cultivo a toda a volta e, até<br />
muito muito longe, até se perder a vista, havia uma mata muito<br />
grande como se fosse uma floresta onde havia muitos animais<br />
selvagens.<br />
As pessoas viviam do amanho dos campos e iam à floresta para<br />
arranjarem lenha para acenderem as lareiras e cozinharem a comida<br />
e também para caçarem.<br />
A certa altura tiveram de deixar de o fazer.<br />
Os que se atreviam a entrar na floresta nunca mais voltavam e um<br />
que conseguiu escapar falava muito aflito de uma cobra, um bicho<br />
muito grande e muito feio, que ele vira engolir o seu companheiro.
⎯... Saiu assim do mêo das árvores uma coisa a modos que um ramo<br />
muito grosso que mais aparecia um tronco do qu’ium bicho, sem<br />
nada se poder fazeri, aquele braço apanhô o Maneli que lá ficou<br />
apertadinho sem se poder mexeri coitadinho e foi engolido em menos<br />
de um piscar d'olhos. Ê cá na pude fazeri mais nada sanão alargari a<br />
fugiri e escapuli-me o mais depressa que pude...<br />
Nunca mais houve descanso naquela terra. Nem ao campo se podia ir<br />
trabalhar sossegado.<br />
⎯ No tínhemos já avonde co trabalho e mais essas cavandelas todas,<br />
e agora mais esta nos havera de aconteceri.<br />
As pessoas da terra juntaram-se então para ver o que haviam de<br />
fazer.<br />
Lembraram-se de mandar um touro para os lados onde o Manel tinha<br />
sido morto e, passados uns tempos, viram-no voltar muito<br />
maltratado e com sinais de que esmagara a bicha.<br />
Foi uma festa tão grande que o povo passou a pendurar nas paredes<br />
as cabeças dos touros que tinha de matar e quando construíram a<br />
muralha, fizeram uma grande cabeça de touro lavrada numa pedra e<br />
lá a puseram à vista de todos, voltada para fora para meter medo às<br />
cobras que se quisessem atrever a entrar na cidade.<br />
E assim as pessoas puderam viver descansadas.<br />
Vitória, vitória,<br />
acabou-se a história.<br />
E AGORA A TODA A HORA<br />
O TOURO, LÁ NA MURALHA,<br />
GUARDA A CIDA<strong>DE</strong> DA COBRA.<br />
PO<strong>DE</strong>M DORMIR SOSSEGADOS!<br />
70
1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02<br />
71<br />
O touro é engolido pela cobra<br />
mas a população mata-a enquanto o digere<br />
e a cidade é libertada.<br />
⎯ Num ei nada assim camo êla contoi mê sinhori. A stória ei mas ó<br />
menos a mesma mas num há ninhum grovito qui ei um boi de corna<br />
alta quantu mais um gachélo que fique d'impéi numa garreia cuma<br />
bicha desse esbarrunto... Tal é lá isso hen!<br />
Mas isso sân'istórias! que uma bichana dessas num há aqui, nim<br />
nunca overa de haveri, na senhori, mesmo noutros tempos. Ê num<br />
m'interi mas com'ê ovi dzeri é qu'a bicha ficou com'um grifo e o boi<br />
ficou lá todo incorrusquinhado na barriga da cobra qu'era um<br />
esbarrunto da grossura dum êcalitro já bem medrado...<br />
⎯ A história é mais ou menos assim... ⎯ Contou o Ti Jorge da Cruz<br />
da Boavista.<br />
Em tempos passados, houve uma vez uma perigosíssima serpente,<br />
que aterrorizava os habitantes da região de Beja pois destruía muitas<br />
culturas e sementeiras, chegando mesmo a matar algumas pessoas<br />
que apanhava no descampado dos montes.
Certo dia, a população teve de tomar medidas e chegou à conclusão<br />
que só poderia matar uma serpente daquele tamanho pondo-a a lutar<br />
com um animal também de grande envergadura.<br />
Foi então que se lembraram dos touros que utilizavam para os<br />
trabalhos agrícolas e havia, no povoado, alguns que eram de grande<br />
porte.<br />
Escolheram pois um dos maiores e levaram-no até perto da floresta<br />
que naqueles tempos não distava muito da cidade, para um local<br />
onde havia sinais mais recentes dos estragos que a cobra tinha<br />
feito...<br />
Não foi preciso esperar muito tempo. A serpente apareceu. Houve<br />
uma luta de morte. O touro bem lutou enfurecido e raivoso,<br />
espezinhando tudo e tentando furá-la com os chifres, mas a cobra<br />
enrolou-o, apertou-o e depois de o asfixiar engoliu-o todo inteiro.<br />
As pessoas que assistiram ficaram atónitas e desconcertadas perante<br />
aquele espectáculo horrível e choraram a sorte do animal tão nobre e<br />
corajoso.<br />
Passado algum tempo, como descobriram que a bicha não se mexia,<br />
com o peso que tinha na barriga, e souberam que levaria meses a<br />
digerir o touro, juntaram-se os mais corajosos e, com enxadas,<br />
forquilhas, varapaus, foices e gadanhas, foram-se à serpente e<br />
mataram-na.<br />
Abriram-na depois de a cortarem quase toda e trouxeram como<br />
troféu a cabeça do touro que, anos mais tarde, esculpiram em pedra<br />
e meteram-na na muralha que estava em construção na cidade.<br />
A BICHA MATADA.<br />
POVO SOSSEGADO.<br />
TOURO EMURALHADO.<br />
E CONTO ACABADO!<br />
72
1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03<br />
73<br />
A população lança um touro<br />
para ser comido pela cobra<br />
a fim de libertarem a cidade.<br />
⎯ Mas que é que vomecês stão p'raí tarraceando! Ele os intigos num<br />
cuntavam nada assim! Isto é mesmo um esbarrunto ó mal<br />
acomparado é com'ó ôtro que diz: quêm conta um conto, acrescenta<br />
um ponto. Ele há cada paiolo mais taronjo qu'inté a gente já nem fica<br />
esparsido!<br />
⎯ Ora com'ê ovi contar ⎯ era assim que contava o Jorge das<br />
Cantigas ⎯ imbora ê no m'alembre dirêto é assi al modos...<br />
Era uma vez... e Beja ainda nem era uma cidade ... e tinha campos e<br />
matas por tudo quanto era lado, apareceu uma cobra que metia<br />
medo a toda a gente e não havia quem pudesse ir para o campo<br />
trabalhar ou pudesse andar sossegado pelas ruas.<br />
Andando assim o povo muito aflito e sem saber o que fazer,<br />
juntaram-se num grande ajuntamento e discutiram o bom discutir até<br />
resolverem como é que se havia de livrar daquela peste que não<br />
deixava ninguém viver sossegado...<br />
Lembraram-se então de deitarem um touro para que a cobra o<br />
comesse e uma vez que ficava farta, desapareceria e deixava-os em<br />
paz.
E foi assim que fizeram.<br />
Deitaram um touro a monte, lá para os lados onde a bicha rondava e<br />
o touro nunca mais ninguém o viu e da cobra nunca mais ninguém<br />
ouviu falar.<br />
De barriga cheia a serpente ficou por lá meses e meses a dar conta<br />
dele e, ou nunca mais acordou, ou nunca mais se lembrou de vir<br />
inquietar a gente destes lados.<br />
Foi assim que um touro salvou a terra onde viviam as antigas<br />
pessoas de Beja que nem se chamava assim, nem era uma cidade...<br />
e as pessoas puderam voltar a viver em paz... e mais tarde, quando<br />
isto foi uma cidade e teve muralhas, meteram a cabeça esculpida do<br />
touro nelas para toda a gente se lembrar que foi um touro que a<br />
livrou ...<br />
e assim é que foi<br />
a história do touro<br />
a história do boi<br />
e assim é que fica<br />
e assim se livra<br />
a cidade da bicha<br />
e isso foi obra<br />
maior que um tesouro<br />
livrar-se da cobra<br />
a terra do touro.<br />
Novelo enrolado...<br />
e conto acabado...<br />
Vamos pois deitar<br />
p'ra cedo acordar<br />
e cada um lidar<br />
bem no seu lugar...<br />
74
1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04<br />
75<br />
A cobra é envenenada<br />
com um touro a que tinham dado veneno<br />
e assim é libertada a cidade<br />
Mas a ta Isabel Mateus é que no stava a modos...⎯ Que é qu'eles<br />
stão p'raí tarraceando que num dizem uma cum duas... o conto é<br />
mais ó menos esse mas o certo é que a cobra foi morta cum veneno<br />
que há pra matar as cobras e um homem de cá que tinha andado por<br />
muitos lados é que sabia...<br />
Algum dia, há anos muitos anos, quando Beja era rodeada de uma<br />
floresta cheia de animais selvagens e nem tinha este nome e os<br />
habitantes daqui trabalhavam os campos ao redor, aconteceu que<br />
uma grande cobra apareceu e metia medo a toda a gente e causava<br />
muito mal a tudo e até matava pessoas.<br />
Muito preocupados com o que sucedia, as pessoas juntavam-se para<br />
discutir o que haviam de fazer mas não havia modos de encontrarem<br />
uma solução para tamanho mal.<br />
Um dia, apareceu numa assembleia, um homem que tinha corrido<br />
muito mundo e era um explorador aventureiro que tinha visto e<br />
ouvido de tudo... No meio da barafunda e da altercação em que todos<br />
estavam, pediu para falar e então contou que tinha visto as cobras e<br />
as serpentes matarem gente e outros animais com o veneno mortal<br />
que elas tinham, mas havia sempre um veneno mais venenoso e<br />
mortal para atacar os outros venenos e ele sabia o segredo de um<br />
veneno que até as cobras peçonhentas podia matar e não via outro<br />
modo de se livrarem da cobra que tanto mal fazia a pessoas como a<br />
animais e até aos campos que tanto trabalho davam a cultivar... o<br />
problema era descobrirem o modo como haviam de dar o veneno a<br />
comer à cobra, pois se o engolisse, o certo e que morreria e ficariam<br />
livres da cobra para sempre.
Todos o ouviram com muita atenção e com o respeito que é devido a<br />
uma pessoa que andou por longes terras e sabe de venenos e artes<br />
de outros lados e de outros povos e ali ficaram a ver qual seria a<br />
melhor maneira de poderem usar o saber e inteligência daquele<br />
homem que andara por longe e sabia de cobras e venenos.<br />
Decidiram, pois, acatar a sua opinião.<br />
Perguntaram-lhe então, se esse veneno dado a um animal de grande<br />
porte, o mataria logo, ou se levaria algum tempo a dar efeito.<br />
Ele disse que sim.<br />
Então, todos se lembraram que poderiam dar aquele veneno do<br />
aventureiro ao maior touro que encontrassem nas redondezas e,<br />
depois de o envenenarem, dá-lo-iam a comer à cobra.<br />
Foi assim que fizeram.<br />
O homem aventureiro que andara por longes terras e sabia de<br />
venenos preparou a mezinha. Deram-na a beber ao touro, o que não<br />
foi fácil, pois ele não o queria beber, e lançaram-no para o campo,<br />
para os lados onde havia de encontrar a serpente mais rapidamente.<br />
O touro ainda lutou com ela, mas, envenenado como estava,<br />
sucumbiu.<br />
A cobra engoliu-o. Ficou envenenada e morreu uns tempos depois.<br />
A recordar o sacrifício deste tão nobre animal, esculpiram e<br />
colocaram a cabeça de um touro nas muralhas da cidade, para todos<br />
se lembrarem de um animal tão forte e perigoso, que afinal foi tão<br />
amigo dos habitantes desta cidade...<br />
segredo, segredo,<br />
veneno, veneno...<br />
<strong>Touro</strong> envenenado.<br />
<strong>Cobra</strong> envenenada.<br />
História acabada<br />
Como foi contada.<br />
76
1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05<br />
77<br />
A cobra engole um touro<br />
mas é morta por uma manada de<br />
touros em fúria<br />
e pela população.<br />
Mas Carlos Miúdo que era filho do Joaquim Cardador que morava lá<br />
para os lados da Boavista e lidava com touros e vacas desde que<br />
nascera, ouvira e sabia a história do touro e da cobra duma outra<br />
maneira que passamos a contar.<br />
Em tempos que já lá vão, há muitos muitos anos de que já ninguém<br />
se lembra, a campina toda, aqui à roda do que é agora Beja, era<br />
cheia de árvores grandes e de mato onde havia muitos animais<br />
selvagens e muita caça, e os nossos antepassados guardavam<br />
grandes rebanhos de animais como porcos e ovelhas, mas o melhor<br />
de tudo eram grandes manadas de touros e de vacas, que até
serviam para os ajudar a desbravar as terras e fazer as grandes<br />
sementeiras que eram de pasto para os animais e de pão para os<br />
habitantes de toda a região do Alentejo e dos Algarves que, no fim do<br />
Outono, se trocavam nas feiras de Castro e Alvito.<br />
Viviam todos, cada um como era da sua sorte e não faltava a lenha<br />
para o fogo, nem a carne da caça e dos rebanhos para comer o que<br />
era preciso, nem o pão que havia com fartura para ser cozido todas a<br />
semanas no forno de cada monte, que acenavam de longe, em longe<br />
uns aos outros, com as colunas de fumo branco que saíam do lado<br />
das casas voltadas para nascente.<br />
Nunca, até uma certa altura, se tinha ouvido dizer que os habitantes<br />
desta região tivessem tido medo de alguma coisa ou bicho que os<br />
impedisse de trabalhar a terra deles e de ajudar no amanho das<br />
terras dos outros...<br />
Mas aconteceu um dia, começar-se a ouvir falar de uma enorme<br />
cobra que causava estragos nas terras semeadas e começava até a<br />
fazer fugir os caçadores que nunca tinham tido precisão de fugir de<br />
nada, a não ser quando viam que não valia a pena caçar mais.<br />
Começou de facto essa cobra a fazer estragos de mais e muitos<br />
puderam vê-la de longe a destruir as suas terras, e o medo, e depois<br />
o terror e o medo passaram a dominar o ânimo e as vontades de<br />
todos os habitantes.<br />
Ficaram assim, durante algum tempo paralisados, sem saber o que<br />
haviam de fazer, até que um dia resolveram juntar-se para<br />
conversarem e descobrir em conjunto o que haviam de fazer.<br />
Era evidente que não se atreviam a enfrentar aquela cobra que os<br />
aterrorizava e destruía impunemente todo o trabalho que, apesar de<br />
tudo, iam, persistente e teimosamente, fazendo nos campos,<br />
desbravando, amanhando, cultivando... mas nunca chegavam a ver o<br />
benefício de tantos trabalhos, suores e dores...<br />
Lembraram-se então, de repente, que possuíam, ao menos, grandes<br />
e possantes manadas de touros que os ajudavam no amanho dos<br />
78
campos e lhes forneciam a carne e o leite que os iam mantendo<br />
vivos... Aí estava a solução!... Quem sabe?! Juntariam uma valente<br />
manada de touros e atirá-la-iam contra a cobra maldita... Mesmo que<br />
a bicha adregasse de matar um ou outro, nada poderia fazer contra<br />
uma manada brava e enfurecida que havia de ficar ainda mais brava,<br />
se a danada da cobra conseguisse matar algum deles... Esta ideia foi<br />
acolhida como uma esperança que se mudou em alegria e pouco a<br />
pouco impôs-se a todos como única e desesperada solução. Não<br />
tinham mesmo outra e era a que tinham à mão, usando dos meios<br />
que dispunham. Mesmo correndo o risco de perderem algumas<br />
cabeças de gado, tudo era preferível ao medo e à desgraça contínua<br />
em que viviam permanentemente.<br />
Juntaram então uma manada de touros bem forte e brava e<br />
encaminharam-na para os campos onde há menos tempo tinham<br />
visto a cobra andar à solta e à vontade destruindo tudo o que lhe<br />
apetecia.<br />
Atraída pelo tropel ensurdecedor, a cobra apareceu. Ao avistar aquele<br />
inimigo inesperado, ela enrolou-se e desenrolou-se volteando no ar<br />
sibilou em desafio.<br />
Fssssssst Fichsssssssssst. ...Afinal, desde que aparecera que todos<br />
fugiam de medo, e não era aquela nuvem carregada de pontos<br />
negros que ia fazê-la fugir...<br />
Os touros, que até ali corriam quase em debandada, ao verem a<br />
bicha voltear no ar e a sibilar, investiram direitos ao alvo. Rasgaram<br />
a campina de cabeça em riste prontos a rasgar e esmagar, mas ela<br />
esquiva e rastejante iludiu a sua fúria e deixou-os passar desafiando-<br />
os de novo, altiva e provocante.<br />
Frustrados no ímpeto do primeiro ataque, os possantes animais<br />
pararam surpreendidos e voltaram-se. Lá estava ela, arrogante, toda<br />
empinada no ar segurando-se em pé só apoiada em duas voltas do<br />
seu corpo enorme que a seguravam no chão...<br />
79
Cegos de raiva investiram de novo e, quase ao apanhá-la, a bicha<br />
esquivou-se ao golpe pendurando-se numa árvore que bordeava a<br />
clareira transformada em arena de combate de morte.<br />
Era agora um enorme ramo abanado por inesperada tempestade,<br />
enquanto a toda a volta caía um silêncio de terror e a terra e o ar<br />
parecia terem paralisado de respeito. Era o momento em que os<br />
animais paravam e pareciam desnorteados por falharem o ataque.<br />
Ao descobrirem o grosso ramo diferente dos outros que lhes acenava<br />
em provocação os animais atacaram de novo. Aquele ramo rasava o<br />
chão e parecia, a todo o momento, ir desprender-se.<br />
Investiram com mais fúria e a toda a brida. Não podiam falhar. Não<br />
podiam dar-lhe tempo de se erguer de novo. Quase o conseguiram.<br />
Os primeiros ainda a apanharam de raspão no momento em que ela<br />
se erguia para escapar e outro e outro e outro ainda golpearam-na<br />
com as hastes erguidas nas voltas que a cobra fazia e desfazia para<br />
se poder erguer...<br />
Foi então que um dos últimos touros da manada tropeçou nos da<br />
frente e, dobrando as patas dianteiras, caiu desamparado ao alcance<br />
do braço temível que se desenrolava da árvore e pretendia escapar.<br />
Rápida como um raio a cabeça que se esquivava volteou fulminante e<br />
no momento em que o touro possante intentava levantar-se, a cobra<br />
já o tinha abraçado e desenrolava-se do ramo à medida que se<br />
enrolava mais no touro e o parava nos movimentos desesperados que<br />
o animal fazia torcendo-se e volteando-se para a tentar apanhar e<br />
desenvencilhar-se dela.<br />
Quando os outros, ao fundo do campo aberto, se voltaram para<br />
atacar de novo, já a cobra tinha apertado o boi no seu abraço mortal<br />
de muitas e asfixiantes voltas e, abrindo a enorme bocarra, engoliu-o<br />
de pronto fazendo-o desaparecer no seu enorme corpo.<br />
Estava agora estendida no terreno carregada com o peso da presa<br />
que apanhara.<br />
80
Arrastou-se ainda um bocado para a entrada da floresta, mas não<br />
pôde ir muito longe porque o animal era grande e o peso era muito,<br />
mesmo para um monstro daquela força e tamanho.<br />
Os touros em manada, que já não divisavam a inimiga a desafiá-los,<br />
iam a desistir, mas logo reagiram ao alarido dos pastores e das<br />
gentes que entretanto se tinha juntado para assistir àquela luta<br />
nunca vista e correram direitos à clareira por onde a cobra deixara<br />
rasto...<br />
De longe as pessoas só puderam adivinhar a fúria dos animais a<br />
investir contra a bicha pesada que mal se podia mexer... E, quando<br />
finalmente se puderam aproximar para guiar os touros de volta,<br />
puderam então acabar de abrir a cobra já de todo esmagada e quase<br />
desfeita, e libertar o touro sacrificado que ainda mexia e respirava a<br />
custo.<br />
Trouxeram-no a rojo, que já não podia andar, e, depois de o<br />
matarem por já não poder viver, puseram a cabeça dele no cimo da<br />
casa que era a mais alta e era vista de mais longe e de muitos outros<br />
montes ao redor.<br />
Nunca mais os habitantes destas redondezas esqueceram esta luta e<br />
logo que se ergueu a cidade onde agora é a cidade de Beja,<br />
escavaram numa pedra a cabeça de um toiro e lá ficou nas muralha<br />
como lembrança do sucedido para nunca mais ser esquecido.<br />
E assim...<br />
POR OBRA <strong>DE</strong> UMA MANADA<br />
<strong>DE</strong>U-SE CABO <strong>DE</strong> UMA COBRA<br />
E ACABOU-SE A DANADA...<br />
E ACABOU-SE A HISTÓRIA...<br />
Meada dobada.<br />
história acabada.<br />
81
E ASSIM,<br />
NO FIM DA PELEJA,<br />
COMO A HISTÓRIA NOS DIZ,<br />
OS HABITANTES <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
FORAM,<br />
PRA SEMPRE, FELIZES!<br />
TODOS ELES?<br />
NÃO.<br />
SÓ QUEM QUIS<br />
A FORTUNA BENFAZEJA!...<br />
82
1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06<br />
83<br />
A cidade é livre de um ataque<br />
dum exército de mouros<br />
com a ajuda de uma manada de touros<br />
lançada contra eles.<br />
A Fátima, de olhos azuis e cara morena com um misto de raças que<br />
ninguém poderia julgar compatíveis e misturáveis, que veio dos<br />
montes da Almocreva e mais pequenina ainda viera da herdade de<br />
Alvalade, vive agora ali para a zona da Mouraria, às Portas de Moura,<br />
que também é povoada de ciganos e malteses que pouco a pouco se<br />
fixaram na cidade que agora se chama Beja.
Muito calada e fugidia, quando está num grupo, isola-se numa ponta<br />
ou procura como que esconder-se ao fundo duma sala, e só pelos<br />
olhos se adivinha que está atenta a tudo o que a rodeia e se<br />
emociona e vive, reagindo ao que vai ouvindo e vendo – vivendo.<br />
A lenda do touro e da serpente deixou-a, primeiro, surpresa e depois,<br />
quase em segredo, contou a lenda do TOURO como a tinha ouvido<br />
contar, e era uma lenda do tempo dos mouros, muitos séculos depois<br />
de os romanos se terem ido daqui embora, tempos esses em que se<br />
localizaria a lenda do touro e da serpente que ela ouvia surpresa aos<br />
outros contadores...<br />
Essa Fátima, que traz no nome evocações dos sons árabes da<br />
princesa Alfátima, todos a conheciam por Míriam, nunca ninguém<br />
soube porquê. Talvez porque se chamava Maria de Fátima como tem<br />
que ser com toda a mulher portuguesa que se presa ou era conhecida<br />
por Burrica que era o Má-nome que lhe vinha da família.<br />
Contava assim ela, a história que era lenda...<br />
A lenda do <strong>Touro</strong> passou-se aqui no tempo em que os mouros vinham<br />
de Mirtilis do Sul para conquistar a cidade e com o apoio de muitos<br />
outros mouros que se lhe juntaram no caminho, vindos das terras da<br />
Moura e de Serpes...<br />
Ao ouvirem falar que um grande exército se aproximava desta zona,<br />
os habitantes, dispersos pelos montes e herdades, apressaram-se a<br />
refugiar-se dentro das muralhas da cidade invadindo-a por todas as<br />
portas. Pela porta de Évora e de Avis, pelas portas de Moura e de<br />
Mértola e até alguns pelo arco dos Prazeres que era mais estreita e<br />
rodeada de um jardim de delícias onde se podia cheirar o odor<br />
intenso das laranjeiras floridas misturado com o cheiro do alecrim e<br />
do rosmaninho espalhado pelas barreiras que rodeavam a cidade.<br />
Invadiam assim a cidade pelas suas cinco portas em forma de<br />
estrela, acompanhados pelas famílias e rebanhos mais preciosos dos<br />
84
animais que pretendiam salvar e lhes poderiam valer caso o cerco se<br />
tornasse prolongado.<br />
Era parca a guarnição de homens de armas treinados para defender a<br />
cidade que, naquela confusão medieval, mudava constantemente de<br />
senhores mouros ou cristãos que punham as populações inseguras<br />
em constante sobressalto e mal havia tempo para os senhores<br />
actuais, se preocuparem convenientemente com as fortificações que<br />
mal abraçavam e protegiam o pequeno burgo.<br />
Apesar de tudo, os exércitos que se aproximavam para reivindicar<br />
questões de senhorio que tinham sido usurpados por parentes e<br />
tricas familiares, eram numerosos e vinham dispostos a tudo. As<br />
intenções dos donos da cidade, ninguém as sabia ao certo nem o que<br />
pretendiam defender, até mesmo se eram mais a favor de outros<br />
senhorios mouros ou cristãos, contando muito pouco para isso, os<br />
interesses ou os desejos da população que não tinha lá muitas<br />
preferências pelos deuses únicos e absolutos do crescente ou do<br />
levante... Oriundos talvez de um indefinido e mal conhecido povo<br />
cúneo de cultura avançada e de características diferentes e bastantes<br />
evoluídas que contrastavam com os povos vizinhos, pouco<br />
interessava à população de pastores e agricultores enraizados aqui<br />
desde séculos, que os senhores em guerra adorassem um ou outro<br />
deus único e absoluto... O que sabiam, é que eles pouco ou nada<br />
contavam para esses problemas que eram questões de guerra para<br />
os senhorios da cidade e para os califas e vizires dos exércitos que a<br />
cercavam ...<br />
O cerco já durava há uns tempos e não se via saída possível que não<br />
fosse a rendição pela fome e pelo cansaço ou o assalto que se<br />
tornava iminente pela evidente desproporção de forças em presença.<br />
Uma guarnição pequena e mal armada, perante cinco exércitos<br />
numerosos e bem armados que se espalhavam tranquilamente pelas<br />
campinas que rodeavam a cidade.<br />
85
Mais preocupados que os senhores em resolverem rapidamente o<br />
problema, a população dos que se refugiaram dentro dos muros e via<br />
perderem-se os seus bens e culturas que estavam à mercê dos<br />
invasores, murmurava cada dia mais alto e buscava uma solução<br />
para o conflito que se arrastava indefinidamente.<br />
Foi então que se lembraram duma ideia genial. Sem pastos e<br />
forragens que lhes valessem por muito tempo para aguentarem o<br />
gado que pretendiam salvar, em vez de o verem definhar e morrer à<br />
fome, os pastores-guerreiros lembraram-se de o usar para lançar a<br />
confusão e a morte entre os seus inimigos...<br />
Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente<br />
todas as portas da cidade e, antes que os acampamentos árabes<br />
espalhados pela planície se apercebessem bem do que se passava,<br />
estavam todos invadidos e espezinhados pelas manadas de toiros que<br />
fugiam à frente dos gritos da população e dos poucos soldados que se<br />
tinham distribuído pelas cinco saídas da estrela em que se abria a<br />
cidade... O grosso principal dos sitiados tinha-se concentrado na<br />
saída das portas de Mértola, pois era ali nas cercanias que estava o<br />
acampamento dos principais chefes que comandavam o cerco e a<br />
manada de touros mais valentes e cuidadosamente escolhida foi por<br />
ali que tinha sido ardilosamente conduzida.<br />
86
img013 – os touros rompem o cerco mouro da cidade…<br />
Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente todas as<br />
portas da cidade e,... p. 86<br />
87
O pânico e a confusão foi de tal ordem misturada com a grita de um e<br />
outro lado que, os invasores, convencidos de que se tratava de um<br />
cataclismo do outro mundo e perdidos ou isolados dos seus chefes,<br />
debandaram à frente das manadas em fúria ou eram sumariamente<br />
decapitados ou mortos pela população ou pelos poucos soldados que<br />
vinham atrás, sem terem tempo de se aperceberem do que<br />
realmente se passava.<br />
Foi assim que o <strong>Touro</strong>, símbolo da riqueza e da força duma região,<br />
conquistou o seu lugar nas muralhas com mais um título que nunca<br />
mais as gentes haveriam de esquecer: - o de defensor e libertador<br />
das terras e bens desta população que vive dispersa pelos montes<br />
por muitas léguas em redor...<br />
⎯ E depois?<br />
⎯ Depois?!<br />
Morreram as vacas e ficaram os bois!<br />
Assim ficou<br />
a meada enleada<br />
história acabada,<br />
até ser de novo,<br />
outra vez dobada!<br />
A HISTÓRIA CONTOU:<br />
CO'A AJUDA DOS TOUROS<br />
ASSIM SE LIVROU,<br />
A <strong>BEJA</strong>, DOS MOUROS.<br />
CORRENDO EM MANADA<br />
PELAS CINCO ENTRADAS<br />
89
PELAS CINCO PORTAS<br />
P'LAS PORTAS <strong>DE</strong> MÉRTOLA<br />
P'LO ARCO <strong>DE</strong> AVIS<br />
PELA ENTRADA <strong>DE</strong> ÉVORA<br />
ARCO DOS PRAZERES<br />
ENTRADA <strong>DE</strong> SERPA<br />
FOI A <strong>DE</strong>BANDADA<br />
DOS MOUROS C'OS TOUROS<br />
SEMPRE À <strong>DE</strong>SFILADA.<br />
VITÓRIA ALCANÇADA!<br />
E O POVO ENCONTROU<br />
NA TERRA LIVRADA<br />
IMENSOS TESOUROS<br />
<strong>DE</strong>IXADOS P'LOS MOUROS<br />
NA TERRA LAVRADA!<br />
90
1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07<br />
91<br />
Num dia de tempestade<br />
um <strong>Touro</strong> Azul descobre uma cidade<br />
que muitos anos antes<br />
tinha sido engolida por um terramoto.<br />
...Mas o ti Luís Filipe, que lá na terra era mais conhecido por “Bull - o<br />
<strong>Touro</strong>", retirado lá pró fundo, sentado a um canto com o resto da<br />
plaineta colada no bêço que ia mudando com a língua dum lado pró<br />
outro da boca, já com um trancaço levado dos diabos que até metia<br />
aflição a quem ouvia aquela tosse funda, olhava de soslaio toda<br />
aquela história de estarem para ali a contarem histórias, com o seu<br />
olhar miúdo de ironia e distante silêncio, e ia 1á dizendo para os seus<br />
botões:
⎯ Isto sãn 'stórias de moços piquenos! Já no é nada comós intigos.<br />
Isto é mesmo uma paiolada ó atão a gente é qu'éramos taronjos de<br />
todo, poi'sorte!...<br />
Ora a istória que a gente inventava, a saber, que não podia ser<br />
verdadeira, pois parece que Beja nunca esteve interrada, dizem os<br />
intendidos, mas há muita coisa interrada com'aquela casa romana lá<br />
prós Pisões... e há esta terra toda que cá da banda debaixo do Tejo e<br />
que uns donos disto acoimaram aí de Alentejo sem a gente ter que<br />
ver ou ser tido nem achado e durante muito tempo esteve p'ráqui<br />
mais que interrada e inda stá, ó se stá... é só ver o Alqueva ó as<br />
minas das Neves Corvo se trouxerem algum interesse cá pró povo...<br />
no andam nem um bocadinho até parece um atoco... Ele é comó<br />
cante e comás décimas cá do povo e com’estas <strong>lendas</strong>... só vêm cá<br />
pra fora prós jornais e com letra de forma se for do interesse dos<br />
latinfundiários e dos senhores, qu'isto ele há uns que o são das<br />
agriculturas outros das culturas... isto é assim a modos qu'a gente a<br />
conversar antes que mal pareça...<br />
Ora a stória qu'a gente cá inventou e no pode ser verdadeira e é mais<br />
verdadinha quás <strong>outras</strong> todas é mesmo assim.<br />
92
O TOURO AZUL... que desenterrou Beja...<br />
Há muitos, muitos anos, quando Beja ainda não era uma cidade nem<br />
tinha este nome... teria para aí uns trezentos habitantes..., ouvi<br />
dizer, deu-se um terramoto e aquela povoação ficou completamente<br />
enterrada por areias e calhaus.<br />
Os tempos, aos poucos, foram passando e nunca mais se soube nada<br />
da cidade ou lá o que era aquela terra que aqui havia dantes...<br />
Um certo dia, um maioral que vivia aqui para esta zona, saiu com o<br />
seu gado para pastar.<br />
Andou, andou, andou e não reparou que o tempo se agravava.<br />
Foi então que se desencadeou um grande temporal que mais parecia<br />
um dilúvio.<br />
O gado espantou-se fugindo cada uma das reses para cada lado e<br />
tentando acudir a uns e a outros, armou-se ali uma tal confusão que<br />
o homem acabou por se perder. Ao seu lado, só um <strong>Touro</strong>,<br />
completamente Azul.<br />
O maoiral lá se abrigou como pôde e não tendo mais o que pensar<br />
senão no gado que andaria, sabe Deus por onde, não tirava os olhos<br />
do intrigante <strong>Touro</strong> Azul que o não abandonava e continuava a pastar<br />
como se nada fosse com ele.<br />
Passadas algumas horas, a tempestade foi-se espalhando e, quando<br />
o homem se dispunha a procurar o gado transviado com a ajuda do<br />
<strong>Touro</strong> que lhe restava, o animal não se arredava do sítio onde<br />
pastava e... parece que já não pastava mas tentava escavar...<br />
parecia mesmo que procurava o que quer que fosse... começou<br />
mesmo a escavar com mais força e depois com mais fúria como se<br />
estivesse acossado por alguma coisa estranha... Teria descoberto a<br />
cova de algum bicho ou o buraco de alguma cobra que se esgueirava<br />
agora para o fundo.<br />
93
Tanto escavou, tanto escavou, que começaram a aparecer as pedras<br />
do que mais parecia ter sido uma grande construção sabe-se lá de<br />
uma igreja ou dum castelo e rastos do bicho ou da bicha nunca mais<br />
se viram. Habitava mas era nos restos de um palácio enterrado ou<br />
quem sabe? as ruínas de uma cidade desaparecida.<br />
O maioral, ao ver tal acontecimento, lembrou-se das histórias que<br />
tinha ouvido contar aos que as tinham já ouvido contar há muitos<br />
muitos anos e logo pensou que poderia ser a povoação desaparecida<br />
que ficara enterrada por um terramoto de que já ninguém se<br />
lembrava. Só de ouvir falar, de vez em quando, mas já ninguém<br />
ligava.<br />
Correu então de monte em monte a contar a todos os que encontrava<br />
aquilo que lhe tinha acontecido de mistura com a aflição do gado que<br />
se tinha perdido e a pouco e pouco toda aquela gente foi aparecendo<br />
à medida que a história ia correndo correndo e lá iam desenterrando<br />
a cidade que não era cidade mas tinha castelo e muralhas e igrejas e<br />
ainda bastantes casas.<br />
Passados alguns anos, Beja ou o que agora o é, ficou totalmente<br />
desenterrada e novamente habitada e para recordar o sucedido, os<br />
habitantes resolveram esculpir nas muralhas a cabeça do <strong>Touro</strong> para<br />
que assim ficasse como símbolo da velha cidade de Beja, agora<br />
reconstruída, renascida e renovada.<br />
94
E assim se contou<br />
Assim se cantou<br />
ESTA HISTÓRIA DO TI BULL<br />
QUE METEU UM TOURO AZUL<br />
A <strong>DE</strong>SCOBRIR A CIDA<strong>DE</strong><br />
QUE HÁ MUITO ESTAVA<br />
ENTERRADA<br />
ALI JAZIA IGNORADA<br />
PARA TODA A ETERNIDA<strong>DE</strong><br />
PELOS GRAN<strong>DE</strong>S DA CIDA<strong>DE</strong><br />
P’LOS GRAN<strong>DE</strong>S SENHORES DO<br />
REINO!<br />
E O TOURO ESCAVOU<br />
E <strong>BEJA</strong> ENCONTROU<br />
95<br />
E <strong>BEJA</strong> ENCONTRADA<br />
<strong>DE</strong> NOVO HABITADA<br />
TANTO TRABALHOU<br />
TANTO TRABALHOU<br />
QUE FOI LIBERTADA.<br />
E TANTO LUTOU<br />
QUE SE LIBERTOU<br />
E O MUNDO<br />
ENCANTOU<br />
POR SER TÃO<br />
en/CANTADA!
1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08<br />
A cobra é fechada numa paliçada<br />
96<br />
onde metem um touro bravo<br />
que luta até a morte.<br />
Mas o Jorge Corujo não se deixou convencer por todas estas histórias<br />
de fantasias mal arquitectadas, que não respondiam ao seu sonho de<br />
luta e de liberdade... e vai daí, contou assim...<br />
Há já muitos anos, em que a cidade de Beja cabia ainda dentro das<br />
muralhas, havia uma floresta enorme à sua volta, onde habitava um<br />
monstro terrível que era uma enorme cobra e causava grande medo<br />
e terror a toda a população.<br />
A situação foi-se agravando, porque essa cobra monstruosa destruía<br />
as colheitas dos agricultores, e comia-lhes o gado e deixava-os na<br />
miséria e na fome.<br />
Pior do que a fome, era o medo e o terror em que todos viviam.<br />
Os que governavam a cidade, preparavam e adestravam os seus<br />
soldados mas eram tão poucos, que mal chegavam para calar a<br />
população que se mostrava cada vez mais insatisfeita e revoltada, até<br />
que se convenceram que tinham de encontrar uma solução.
Reuniram-se com os velhos mais sábios da cidade e foi então que<br />
tiveram a ideia de arranjarem maneira de enfrentarem a cobra com<br />
um touro, coisa que até aí ninguém se tinha lembrado, apesar de já<br />
terem perdido muitos animais.<br />
Foram então erguendo uma paliçada, lentamente, à volta da clareira<br />
onde a cobra muitas vezes se refugiava e estendia ao sol para<br />
aquecer o seu corpo frio e viscoso e, um certo dia, que ela ali<br />
dormitava em breve letargia, provavelmente a digerir algum pequeno<br />
animal que devorara, fecharam-lhe o cerco.<br />
Antes que acordasse de todo e se escapasse com as suas artes e<br />
manhas de bicho peçonhento e ardiloso, meteram-lhe dentro o touro<br />
mais possante e bravo que tinham encontrado entre todos os que<br />
tinham.<br />
O touro enfrentou-a e antes que a cobra enorme se pudesse erguer<br />
para o envolver e asfixiar, ele prendeu-a com as suas patas<br />
esmagando-a e com as suas grandes e afiadas armas furou-a lado a<br />
lado, trespassando-a repetidas vezes.<br />
A morte da cobra foi festejada com grandes cantos e festas como<br />
nunca houve memória em toda a cidade.<br />
Mais tarde, alguém se lembrou de esculpir, numa grande pedra, a<br />
cabeça de um touro, e, aquando da reconstrução das muralhas, ela<br />
foi ali encravada de tal modo, que passaria a ser o símbolo da cidade<br />
libertada.<br />
História contada<br />
e nunca acabada!<br />
Sempre REVIVIDA<br />
Sempre RENOVADA<br />
Em cada TOURADA<br />
ELA É REPETIDA...<br />
O TOUREIRO É COBRA<br />
QUE ATACA PRIMEIRO<br />
NESTA LUTA ARMADA<br />
97
DUMA VEZ A SORTE<br />
SAI À ESTACADA<br />
E A COBRA ENTÃO<br />
MORRE<br />
P’LOS CORNOS FURADA<br />
P’LO TOURO ESMAGADA!<br />
<strong>DE</strong> VIDA OU <strong>DE</strong><br />
MORTE.<br />
OU <strong>DE</strong> VIDA E <strong>DE</strong><br />
MORTE?...<br />
98<br />
MAS NOUTRAS<br />
TOURADAS<br />
MUDA A SORTE E MORRE<br />
O TOURO VARADO<br />
PL’O TOUREIRO-COBRA<br />
QUE VIBRA A ESPADA!
1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09<br />
A cidade os touros os mouros...<br />
as cobras e as dobras de ouro...<br />
os mitos de uma idade de ouro...<br />
Afinal, nenhuma destas histórias é verdade! Ou quem sabe?<br />
Talvez todas o sejam à sua maneira... ou seja: a verdade de quem a<br />
conta.<br />
Talvez a sua história seja a sua verdade...<br />
e talvez, quem sabe? Um dia o liberte, e à sua cidade!<br />
ESTE ESPAÇO É SEU, CARO LEITOR.<br />
Aqui o vamos encontrar LENDO ESCREVENDO DIZENDO a sua LENDA<br />
99
100
0.1.1 AS <strong>LENDAS</strong> e os MAGOS da<br />
CLAREIRA ESCONDIDA na<br />
FLORESTA – PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA<br />
E POSSÍVEIS FORMAS <strong>DE</strong> EXPRESSÃO<br />
101
102
E...<br />
0.1.2 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA<br />
CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA<br />
Havia naquele reino uma clareira escondida no meio da floresta que<br />
todos sabiam que existia mas ninguém nunca tinha visto... Nessa<br />
clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns<br />
magos, os sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da<br />
Natureza Humana, mas que nunca sabiam muito bem o que era o<br />
Universo e a Natureza Humana porque eles também eram um bocado<br />
humanos, embora fossem magos e tentassem estar acima das coisas<br />
humanas... Mas fora, não podiam estar, porque senão não podiam<br />
perceber a Natureza Humana e não podiam falar ou comunicar com<br />
as pessoas humanas... E estando dentro, procuravam aquele refúgio<br />
da clareira escondida na floresta, onde estavam sempre a completar<br />
os seus conhecimentos e a adaptar a sua linguagem porque os<br />
conhecimentos da humanidade iam mudando e a linguagem<br />
entendida pelos humanos era, de tempos em tempos, muito diferente<br />
e por vezes tornava-se muito confusa...<br />
É evidente, pelo que dissemos, que esses magos sábios não eram só<br />
sábios magos porque senão não perceberiam nada da Humana<br />
Natureza. Eram também magas e sábias que muitos conheciam por<br />
fadas, por procurarem ter na mão dos seus conhecimentos o poder<br />
de revelar o destino dos homens / da humanidade... Chegou mesmo<br />
a dizer-se que havia também bruxas e feiticeiras à mistura, mas isso<br />
eram influências de <strong>outras</strong> histórias, pelo que, essas, rapidamente<br />
deixavam a clareira escondida na floresta, e fundavam, pelos reinos e<br />
cidades, umas casas, que se pretendiam semelhantes àquelas, mas<br />
não tinham nada a ver com esta história que é de pura e fantástica<br />
103
fantasia verdadeira... acontecia mesmo que, nessa escola secreta<br />
escondida na floresta, os sábios trabalhavam de noite sem fim, que<br />
era o dia, em que havia espaço para caberem todos os sonhos do<br />
mundo, mesmo os que não se podiam realizar e enchiam de alegria o<br />
coração das pessoas, e era assim, na noite, que eram devidamente<br />
semeadas as flores de todos os sonhos e realizações que depois<br />
haviam de crescer sãs e belas, ao calor do sol...<br />
A certa altura, chamavam àquela casa dos magos escondida na<br />
floresta, o Palácio Encantado da Ciência, melhor, da Sabedoria,<br />
porque era habitada por sábios que já faziam a alquimia de muitas<br />
ciências adquiridas e amadurecidas ao longo de muitos séculos...<br />
N<strong>outras</strong> épocas, chamavam-lhe variados e diversos nomes e havia<br />
até quem lhe chamasse a Escola dos Sábios, porque afinal constava<br />
que era uma Escola onde os Sábios daquele reino se juntavam para<br />
aprender e por isso, muitas vezes, vinham Sábios de muitos outros<br />
lugares para investigarem e desvendarem os segredos do Universo e<br />
da Natureza Humana... e, entre <strong>outras</strong> coisas, procuravam descobrir<br />
os segredos destas <strong>lendas</strong> inventadas, des/cobertas, lidas e delidas,<br />
pacientemente elaboradas, ditas e reditas em anos e anos a fio<br />
tecidas em tecidos textos preciosos e, ao longo de séculos,<br />
sedimentadas e transformadas, que por vezes formavam e se<br />
transformavam em minas de oiro e outros materiais preciosos que<br />
era preciso explorar penosamente, minando e escavando e<br />
peneirando, separando-as das misturas de terra, cascalho e lixo, até<br />
chegar ao mineral de valor incalculável...<br />
Mas a confusão era muita, porque passaram também a chamar<br />
escola, e escola de sábios, a muitas <strong>outras</strong> coisas que se podiam<br />
parecer de longe com esta Escola dos Sábios, mas, era tão de longe<br />
aquilo em que se podiam parecer, que não se pareciam mesmo nada.<br />
Podemos mesmo dizer que eram o contrário. Enquanto na Escola dos<br />
104
Sábios, os sábios se juntavam para aprender, nas <strong>outras</strong>, a que<br />
chamavam nomes parecidos por engano, nem se juntavam, nem se<br />
juntavam para aprender, e por isso, não eram sábios... mas<br />
juntavam-se, dizia-se, para ensinar umas coisas que não sabiam bem<br />
se tinham aprendido e diziam que estavam ali para ensinar e ver se<br />
os outros sabiam... Assim, parece que afinal ninguém tinha tempo<br />
nem motivos para aprender nada... uns fingiam que ensinavam, não<br />
se sabe bem o quê...?, e os outros fingiam que aprendiam, mesmo<br />
sem saber o que os outros não sabiam e lá viviam entretidos nessas<br />
casas que alguns confundiam com a Escola dos Sábios, mas não eram<br />
nada - nem Escolas, nem muito menos de Sábios... E, de facto, como<br />
não eram nada, nem nunca existiram, não vale a pena perder tempo<br />
com essas coisas que não existem e alguns, repito, confundem com a<br />
Escola dos Sábios escondida na clareira da Floresta, que era de<br />
magos e fadas e, portanto, eram pura fantasia de verdade.<br />
Em determinada altura, mas isso foi há muitos muitos anos que ainda<br />
estão para acontecer, não se sabe bem quando, chamaram-lhe,<br />
alguns, ESCOLA Superior de Investigação de/para Todos, porque ali<br />
todos tinham de trabalhar e estudar muito, por uma razão muito<br />
simples... como os minerais e os textos tecidos eram muito preciosos<br />
e misturados com muitas coisas que o não pareciam, mas depois se<br />
verificava que o eram, e mesmo muito preciosas, eram precisos<br />
trabalhadores e investigadores e especialistas dos mais variados<br />
quadrantes e ramos, e oriundos das mais diversas origens e<br />
condições... e, todo este trabalho, não era possível, e não tinha<br />
sentido nenhum, sem o trabalho exaustivo e profundo daqueles que,<br />
bem agarrados à terra, afanosamente cavavam e abriam as galerias<br />
e quase desesperadamente carreavam sacos e sacos de terra e a<br />
acumulava em montões e montões de lama, que por vezes mais<br />
parecia esterco, e onde finalmente se podia procurar o mineral<br />
precioso, que era de qualidade e valor diverso, mas muitas vezes<br />
105
quase impossível de distinguir e separar... e havia, enfim, os grandes<br />
depósitos de material precioso, seleccionado, que , então, seria<br />
cuidadosamente escolhido e distribuído para reenriquecimento e<br />
revitalização plural de feliz policromia para aquela terra e para toda a<br />
humanidade...<br />
Muitos agora espantam-se, porque afinal ninguém, destes tempos,<br />
tem tempo para ouvir a voz das <strong>lendas</strong> tecidas de palavras! ou para<br />
entender as mensagens deixadas nas vozes e nos rastos de outros<br />
tempos!!!<br />
Mas, quem é que agora tem tempo para ouvir a voz do vento, ou<br />
para ler as mensagens que cintilam nas estrelas como letras que os<br />
poetas transformam em palavras que voam com o vento? ou ler os<br />
vestígios que se afundaram nos aluviões do tempo? As pessoas<br />
106
img014 – a clareira dos magos escondida na floresta…<br />
Nessa clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns magos, os<br />
sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da Natureza Humana... p. 103<br />
107
108
agora não têm tempo, nem olhos para verem a luz natural e<br />
verdadeira, ofuscados como estão pela luz artificial que as não deixa<br />
ver as estrelas!!!<br />
O segredo, só o detêm os sábios que decidiram ter tempo e espaço<br />
para ouvir a voz do vento e aprender a ler as mensagens do espaço<br />
no original, apreendendo os seus segredos em qualquer língua falada<br />
no Universo... Transmitem-na depois porventura como os poetas e<br />
como os contadores de histórias, numa língua parecida com as<br />
línguas que conhecemos... as palavras e os sons parecem iguais, mas<br />
só as ouvem e entendem, só as captam, os que são capazes de se<br />
perder no caos do espaço para se encontrarem e perceberem e<br />
saberem renascer de novo nos mistérios da vida. Mas só se pode<br />
renascer depois de morrer... Só se pode ser fecundo depois de ser<br />
fecundado... A planta só pode nascer depois de ser semeada no<br />
ventre da terra... Só se pode sustentar, erguido na vida, o que<br />
estiver devidamente mergulhado nas raízes, enterrado e vivo, para<br />
poder crescer, comunicar, ser fecundo, multiplicar-se e povoar a<br />
Terra...<br />
E era assim, que naquela clareira perdida na floresta se juntavam<br />
pessoas vivas que viviam e por isso não estavam lá, e eram<br />
investigadores do saber que era a cultura milenária dos povos, de<br />
todos os povos, e por isso, vinham e estavam em todos os lugares e<br />
tempos, e sabiam das ciências humanas e da sociedade como a<br />
cultura, a política e a economia, e, para conhecerem a vida, a viviam<br />
e sofriam e dela estavam distantes para se poderem pronunciar sobre<br />
ela... eles tinham conhecimentos dos segredos da Natureza e da<br />
Natureza Humana, dos comportamentos, pensamentos e formas de<br />
expressão e de comunicação e intercomunicação, o segredo dos<br />
signos, dos sinais e dos símbolos e ícones de cada geração... coisas<br />
que ao longo dos tempos foram tendo vários nomes como Ciências,<br />
109
Geografia, Língua e Linguística e Filologia, Filosofia e Psicologia com a<br />
Psicolinguística, a Antropologia, a Etnografia... sabiam de <strong>outras</strong> artes<br />
como as Artes que privilegiavam algum dos sentidos, como a Arte<br />
Divina dos Sons, ou a Arte da Magia das Formas e das Cores...<br />
Sabiam também das artes que procuram a comunicação global para<br />
chegarem aos sete sentidos através dos cinco mais conhecidos e<br />
enumerados pelos humanos... Tentavam a Semiótica ou a Ciência das<br />
formas, dos signos e dos símbolos... a Epistemologia ou as bases<br />
científicas de todas as ciências... enfim... a Hermenêutica, a chave de<br />
penetrar em todos os mistérios e perceber a multiplicidade de<br />
mensagens dos múltiplos grupos sociais que foram construindo a<br />
humanidade nas suas diversas e multímodas manifestações... com<br />
aquilo que muitos chamaram, porque tudo precisa de nomes, as<br />
Ciências Sociais...<br />
E, a estes, juntavam-se os que conheciam da vida e da comunicação,<br />
tudo o que era a arte de viver...<br />
E foi assim que começaram a aparecer propostas e pareceres os mais<br />
diversos, e, por outro lado, mais complementares e indispensáveis,<br />
porque só do contributo de todos os campos do saber humano era<br />
possível tentar chegar a algum conhecimento verdadeiramente útil e<br />
eficaz para o desenvolvimento da humanidade a caminho de uma<br />
maior felicidade de vida plenamente vivida...<br />
⎯ Mas afinal, o que fazemos nós aqui? nesta história, perguntaram<br />
os sábios, muitos dos quais também eram fadas, e que não estavam<br />
ali para perder tempo e, muito menos, para resolver tudo com uma<br />
varinha de condão?!...<br />
Para já, esta história, que tenta contar a nossa história, está muito<br />
mal engendrada, diziam alguns, porque nos apresenta dando a<br />
impressão que somos seres diferentes dos outros que existem,<br />
110
quando afinal, nós somos tal e qual os outros que também têm de ser<br />
diferentes para poderem perceber o que são!!!... Pois aí é que está o<br />
problema, diziam <strong>outras</strong> fadas entre as quais havia também sábios,<br />
mas é que temos de parecer diferentes para os outros perceberem<br />
que somos iguais, e eles, os humanos, é que percebem da natureza<br />
humana, porque eles é que são humanos, e portanto eles é que<br />
podem falar do que conhecem, mas como o objecto do conhecimento<br />
tem de estar fora daquele que procura conhecer, de facto eles não se<br />
conhecem a si mesmos se não saírem de si próprios, e nós, como<br />
estamos fora é que os conhecemos, mas não os poderíamos conhecer<br />
se não fossemos humanos, e não podíamos falar-lhes da natureza<br />
humana e dos seus anseios mais profundos, se não fossemos<br />
humanos, porque a não conhecíamos e ninguém pode falar do que<br />
não conhece!!!<br />
Então em que ficamos?<br />
... Tudo isso é muito verdade mas nem todos falam e entendem da<br />
mesma maneira, pelo que tivemos necessidade de inventar uma<br />
maneira de dizer as coisas para os outros as entenderem e nós<br />
entendermos os outros, até que encontrámos uma maneira, que é a<br />
das histórias que fazem de conta, porque é muito difícil explicar tudo<br />
a todos sem fazer de conta e fazendo de conta podemos quase dizer<br />
tudo e entender tudo... Mas as histórias que fazem de conta não são<br />
verdadeiras e por isso não contam a realidade e cá estamos nós a<br />
trair os fundamentos da nossa ciência e da nossa escola que assim<br />
não serve para nada!... Aí é que vocês estão enganados...<br />
gaguejavam outros... mas é que a verdade - realidade é tão<br />
complexa, relativa e interdependente de tantos factores que é difícil<br />
reproduzi-la para a abarcar na sua multímoda pluralidade e aí, com<br />
as <strong>lendas</strong> e os poemas, tentamos as formas de expressão mais<br />
adequadas que permitam ler/ver e comunicar em circular o<br />
omniálogo para que todos cheguem perto da verdade...<br />
111
Bem!, sabiam cada palavra difícil estes sábios, que até diziam<br />
algumas que ainda não existiam... Mas parece que não havia meio de<br />
se entenderem os bons dos sábios e as encantadoras fadas,<br />
encantados como estavam por desejar ter alguma coisa de sólido e<br />
de verdadeiro e de seguro, de ordem, para dar sentido à sua escola<br />
escondida na secreta clareira da floresta onde se reuniam para<br />
desvendarem os segredos do Universo e da Natureza Humana,<br />
quando subitamente repararam que a Ordem do Universo era o que<br />
nós chamamos Caos/Confusão e que Tudo o que tem Vida está em<br />
Movimento, e que a Natureza Humana é tão plurifacetada que é rara<br />
ou inexistente a Pessoa Humana que se conhece a Si Mesma... !!!<br />
Eia, gritaram então!!!... Já temos bases sólidas para o nosso trabalho<br />
sério e científico! É que, afinal, não temos bases sólidas nenhumas,<br />
cavando assim, bem fundo, os alicerces da nossa Ciência e<br />
Investigação... !!!<br />
E foi então, ali, que todos se atiraram ao trabalho com afã!!!.<br />
112
0.1.3 pistas de leitura/s para as <strong>LENDAS</strong> do TOURO e<br />
da COBRA…<br />
Então que me dizeis, caras cofadas e caros comagos, dessa história<br />
de ciganos que viajam em caravanas e percorrem reinos cidades e<br />
povoações e se põem a pilhar o que é dos outros? Não será isso um<br />
atentado às regras da Justiça que devem nortear todos os reinos?<br />
Deveis saber ilustre cosábio que aquilo que muitos deitam fora dá<br />
para muitos viverem, até o lixo... e deveis saber que, no meio do<br />
lixo, as pessoas distraídas com a ordem da vida que às vezes é uma<br />
boa desordem, atiram ao desprezo muitas coisas preciosas e que lhes<br />
fazem muita falta... mas fazem-no por falta de espaço, ou por estar<br />
na moda, ou por exibicionismo e por estatuto social e intelectual<br />
deformado... e, acontece ainda, que muitas vezes só do lado de fora<br />
é que se vê bem e é preciso estar a uma certa distância para se ter a<br />
noção da realidade no seu conjunto, sem contar com a miopia o<br />
estrabismo e o astigmatismo e até <strong>outras</strong> doenças que são frequentes<br />
na humanidade enferma!...<br />
Deixemos então seguir a caravana com os seus utilíssimos roubos<br />
para reciclagem dos produtos... mas o que é lá essa história de pôr o<br />
cigano ceguinho a contar a história mais fantástica e incrível para<br />
parecer mais verdadeira?<br />
É que, já nos tempos da avó da minha avó velhinha, no tempo em<br />
que não havia jornais nem outros meios de comunicar notícias, os<br />
ceguinhos é que tinham por missão, contar o que os outros que viam<br />
não viam e faziam, e lá iam vivendo divulgando e cantando os contos<br />
de terra em terra e as pessoas que viam, agradecidas, pagavam-lhes<br />
para viver e sustentavam-nos... em troca de os ajudarem a ver...<br />
Para mais, eles é que costumam ver o que os outros não vêem. De<br />
113
tanto olharem e de tanto terem para ver, por vezes, parece que os<br />
que vêem é que ficam ceguinhos..., para o que é essencial! “É que o<br />
essencial é invisível para os olhos”, dizia aquele mago que voava nos<br />
aviões dos anos quarenta e punha principezinhos a falar com raposas<br />
em coisas tão banais e corriqueiras e às vezes esquecidas por serem<br />
essenciais!...<br />
Isto discutiam animadamente os comagos e cofadas que eram todos<br />
cosábios, e pouco a pouco, e por vezes, surpreendentemente, lá iam<br />
descobrindo o sentido das coisas, até das que pareciam banais e<br />
desprezíveis...!<br />
Mas têm ao menos alguma arte, algum sentido, esses contos<br />
contados e cantados para encantar?<br />
Disso não sabemos muito, cara cofada, pois tentámos ler as<br />
intenções secretas do velho cigano cego em frente do par dos ciganos<br />
enamorados olhando a cidade as muralhas e as estrelas, mas parece<br />
que o que ele via na Via Láctea era o longo percurso da longa via da<br />
sua vida quase secular e quereria ele, quem sabe, deixar naquele<br />
conto o resumo cifrado do muito que vira através dos caminhos do<br />
mundo e dos tempos...!<br />
Mas então, porque não contava ele, claro e direito, aquilo muito que<br />
aprendeu?<br />
Certamente porque não sabia, caros cosábios, não sabia traduzir as<br />
letras das estrelas em letras e sons falados nas nossas línguas que<br />
usamos todos os dias, e, mesmo sabendo o que sabia da vida vivida<br />
e observada, corre-se sempre o risco de cada um entender aquilo que<br />
sabe que quer saber... e assim, deixa o desafio para cada um<br />
desvendar, na sua língua, na língua que cada um usa para pensar e<br />
para sonhar e construir para si os mundos reais que não existem e<br />
assim ficam com as pistas para descobrirem o que supunham não<br />
114
poder ser verdade e não sabiam... pois é este o desafio mais humano<br />
e tentador para os seres inteligentes que caminham na vida...<br />
Dai-nos então uma chave desses contos, dessas <strong>lendas</strong>?<br />
É muito arriscado, ó cosábios que tudo quereis saber, mas sempre<br />
tentaremos umas pistas... Chaves?!, Chaves universais que podem<br />
abrir tudo?!, isso não existe. Só nos contos de fadas!!!<br />
Primeiro, era preciso perceber o motivo por que se inventam <strong>lendas</strong>,<br />
que as pessoas chegam a crer mais verdadeiras que as histórias que<br />
foram história ou histórias verdadeiras de reis e de rainhas e<br />
príncipes e princesas e povos verdadeiros que muitas pessoas julgam<br />
que são <strong>lendas</strong>... Depois, reparai bem, que todas começam em<br />
tempos perdidos na memória dos tempos que afinal todos sonham<br />
que hão-de acontecer de novo e inventam casos e personagens que<br />
nunca existiram mas todos desejam ser...<br />
É sempre um pouco assim a insatisfeita natureza humana... Depois<br />
vivem felizes ou viviam simplesmente... e é sempre um mal exterior<br />
que os vem perturbar e causar desgraças, quando afinal, o mal vem<br />
sempre de dentro e de bem perto, mas eles contam como se viesse<br />
de fora para assim descobrirem essa verdade tão simples que até<br />
custa a crer porque não se quer...<br />
...E então, as pessoas ficam cheias de medo e de pavor, e até vão<br />
procurar a solução que já sabem, se a quiserem saber, vão-na<br />
procurar através de desconhecidos sábios génios ou supostos super-<br />
homens, quando, afinal, são eles, é cada um, que procuram,<br />
encontram e executam as soluções e sofrem as consequências ou<br />
ficam recompensados...<br />
...Metem ainda nos contos todos os seus defeitos e virtudes,<br />
qualidades e características, muitos dos seus valores culturais e<br />
revoltas e cansaços acumulados por gerações e gerações porque<br />
muito bem se conhecem....<br />
115
...e tentam desvendar os mistérios do que os confunde como a<br />
complementaridade do masculino e do feminino que parece fálico e<br />
dominador na cobra mas afinal é feminino e fecundo e parece forte e<br />
indómito no touro mas por vezes falha, morre mas liberta... Quantos<br />
mistérios, credes vós, que podem ser apontados num simples conto<br />
duma, duas páginas? A origem, a formação, as frustrações, os<br />
desejos e anseios daqueles que os ouvem e daqueles que os<br />
contam...!!!<br />
A COBRA tem sido sempre entendida como a origem do MAL, de<br />
todos os males que afligem a humanidade. Segundo a Bíblia, Adão e<br />
Eva viviam no Paraíso Terreal, pois Deus os colocara no Jardim do<br />
Éden para o cultivar e o guardar, mas deu-lhe este preceito: “Podes<br />
comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do<br />
fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que<br />
dele comeres, morrerás indubitavelmente.” Mas... “A serpente era o<br />
mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha<br />
formado. Ela disse à mulher: É verdade que Deus vos proibiu comer<br />
do fruto de toda a árvore do jardim?” “A mulher respondeu-lhe:<br />
Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da<br />
árvore que está no meio do jardim, Deus disse: “Vós não comereis<br />
dele, nem o tocareis, sob pena de morte.” “⎯ Oh não! ⎯ tornou a<br />
serpente ⎯ vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que no dia em<br />
que dele comerdes, os vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses,<br />
conhecendo o bem e o mal.”...Veio então a tragédia conhecida... “A<br />
mulher vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de<br />
agradável aspecto, e muito apropriado para abrir a inteligência,<br />
tomou dele, comeu, e apresentou-o também ao seu marido, que<br />
comeu igualmente.”...os olhos abriram-se... Deus apareceu,<br />
repreendeu-os, condenou os três... “E o Senhor Deus disse: Eis que o<br />
homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal.<br />
Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome<br />
116
também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente. E<br />
o Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse<br />
a terra donde tinha sido tirado. E expulsou-o; e colocou, ao oriente<br />
do jardim do Éden, Querubins armados de uma espada de fogo, para<br />
guardar o caminho da árvore da vida.” (Génesis, Cap. 2 e 3).<br />
E assim ficámos com mais uma história. Lenda? Uma lenda cheia de<br />
símbolos e sinais para explicar uma outra história mais complicada e<br />
complexa que é a da origem da humanidade ou, mais propriamente,<br />
a da origem dos seus males, permanecendo sempre o mito do<br />
Paraíso/Éden! Uma explicação judaico-cristã que foi ou é sinal de<br />
civilização ocidental cristã!!!<br />
Mas há <strong>outras</strong> explicações para a Humanidade e os seus males. Por<br />
exemplo esta.<br />
“Segundo os livros de Zoroastro, o primeiro homem e a primeira<br />
mulher foram criados puros e submetidos a Ormusd, seu autor.<br />
Arimânio viu-os e teve inveja da sua felicidade; abordou-os sob a<br />
forma de uma cobra, apresentou-lhes frutos e persuadiu-os de que<br />
era ele o criador de todo o Universo. Eles acreditaram e, desde então,<br />
a sua natureza ficou corrompida, e esta corrupção infectou a sua<br />
posteridade.” (Fulcanelli, in As Mansões Filosofais, ed. 70. 1977; e<br />
José Gabriel Pereira Bastos e Fernanda Birrento, in A Mulher O leite e<br />
a <strong>Cobra</strong>, ed. Rolim, 1988).<br />
⎯ Então? Consideramos a serpente como origem de todo o mal que<br />
veio cair sobre a humanidade, como parece podermos entender da<br />
Bíblia e de Zaroastro / Zaratustra ou é, afinal, a serpente, o agente<br />
do caminho imparável para a maturidade e para a liberdade<br />
responsável que fez sair a Humanidade da Infância e da Adolescência<br />
em que viviam completamente dependentes e submissos, para<br />
117
assumirem, decisivamente, <strong>DE</strong> OLHOS ABERTOS, em pleno risco, a<br />
LIBERDA<strong>DE</strong> E A RESPONSABILIDA<strong>DE</strong>?<br />
Até aparecer a serpente e os frutos, os nossos progenitores seriam<br />
como crianças que Deus tinha de proteger e guiar pela mão indicando<br />
os limites... Inocentes, sem poderem arriscar... e morrer... e, a partir<br />
daí, eis que têm de renunciar ao proteccionismo, aos privilégios e<br />
assumir a vida com todos os riscos. inclusive, o risco de MORTE!!!<br />
Também na Bíblia, livro do Êxodo, capítulo sétimo: “0 Senhor Deus<br />
disse a Moisés e a Aarão: Se o Faraó vos pedir um prodígio, tu dirás a<br />
Aarão: toma a tua vara e atira-a diante do Faraó: ela se transformará<br />
numa serpente.", e mesmo quando os sábios, os encantadores e os<br />
mágicos do Faraó fizeram o mesmo com os seus encantamentos e<br />
atiraram cada um as suas varas que se transformaram em serpentes,<br />
a vara de Aarão engoliu as deles... E quando o Povo de Israel<br />
vagueou pelo deserto a caminho da Terra Prometida, em castigo das<br />
suas murmurações, diz o Livro dos Números, capítulo vinte e um:<br />
“Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que<br />
morderam e mataram a muitos." O povo arrependido recorre a<br />
Moisés. “Moisés intercede pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: "Faz<br />
uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for<br />
mordido, olhando para ela, será salvo." Moisés fez, pois, uma<br />
serpente de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era<br />
mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, era<br />
salvo." !!!<br />
!!! O que significa afinal a SERPENTE? A Morte ou a Vida? A origem<br />
do Mal? O Poder de Deus? A mola que desafia a Humanidade para os<br />
riscos da Criatividade e da Liberdade? A guardadora dos segredos e<br />
mistérios profundos que a Humanidade busca desde sempre<br />
incansável e inutilmente? Ou significará a inteligência? A inquietação<br />
atrevida que não deixa que a Humanidade caia no comodismo<br />
118
(Paraíso), na demissão irresponsável não interveniente, no<br />
imobilismo estéril?<br />
⎯ Isto tudo, talvez e muito mais...<br />
⎯ E o TOURO? O que significa o TOURO, que é afinal o herói,<br />
personagem principal das múltiplas <strong>lendas</strong> que inventámos e tanto,<br />
que teve direito a figurar, esculpido, nas muralhas da cidade, e<br />
desenhado, ocupa o lugar central do escudo heráldico que é o brasão<br />
- emblema deste povo?<br />
⎯ Ah! o TOURO, esse foi sempre, através de todos os tempos e<br />
espaços o símbolo da energia criadora, o símbolo da força, do ímpeto<br />
indomável, da fúria indómita, o símbolo /simbólica da fonte do vigor<br />
da potência fecundante e fertilizante que fecunda a terra e a torna<br />
produtiva e criadora...<br />
Em todas as regiões e religiões do Mundo, o TOURO aparece como<br />
signo, ícone, simbólica, índice da seiva vital, o sémen, o falo<br />
desmedido que rasga o VENTRE DA TERRA e a torna produtiva e<br />
criadora abrindo nela a vida escondida e secreta, desvendando os<br />
tesouros ciosamente guardados... abrindo caminhos de riqueza e<br />
felicidade...<br />
Até o povo eleito de Javé, perdido no deserto, quando Moisés<br />
desapareceu para receber as Tábuas da Lei, desesperado, fabricou<br />
um BEZERRO <strong>DE</strong> OIRO construído com os brincos e colares que todo<br />
o povo guardava avaramente e celebrou festas ao ÍDOLO, vendo nele<br />
OS <strong>DE</strong>USES DA ABUNDÂNCIA que os libertaram do cativeiro do<br />
Egipto... Este drama de idolatria e de ingratidão ao Deus de Moisés,<br />
pode ser lido na Bíblia, no Êxodo capítulo trinta e dois e seguintes... a<br />
ponto de Moisés, no regresso, cheio de fúria, quebrar as Tábuas da<br />
Lei que tinham sido escritas pelo próprio dedo de Deus, e destruí-o<br />
pelo fogo até o reduzir a pó que moeu e dissolveu na água, que na<br />
119
fúria da sua cólera obrigou a beber aos filhos de Israel... tendo os<br />
filhos de Levi passado à espada mais de três mil homens dos que se<br />
rebelaram contra Javé! O certo é que ainda no tempo de David, havia<br />
signos e imagens que perpetuavam a idolatria ao bezerro de oiro<br />
sonhando a abundância dos tempos da escravatura no Egipto! Povo<br />
de cabeça dura e digno de ser exterminado da face da Terra! ...<br />
Donde a força idolátrica do TOURO que se opõe à força do Deus<br />
Criador Todo Poderoso?... Muito haveria para contar...<br />
Mas mais não contamos porque muito haveria e há para contar, mas<br />
há mais pistas e exemplos que os nossos coartistas querem<br />
apresentar...<br />
... É que de facto, uma das coisas mais comoventes que acontecia<br />
naquela Escola Secreta da clareira escondida na floresta que não<br />
existia era, quando na clareira inacessível aparecia uma criança, um<br />
velho ou um poeta com um poema um conto ou uma canção nas<br />
mãos nos lábios ou no coração… e a mostrava aos sábios!<br />
Alguns deles liam. Reliam. Sorriam. Liam-na depois alto e<br />
expressivamente para que os outros a ouvissem. Cantavam-na<br />
embelezada com a arte dos sons. Todos aplaudiam. Pediam para a<br />
guardar e publicar aos ventos... Iam ao seu tesouro escondido e<br />
davam-lhes uns grãozinhos de oiro ou pedras preciosas... Punham-<br />
lhe a mão na cabeça... e lá voltavam para casa, mais felizes, do que<br />
se tivessem encontrado todo o ouro do mundo, com o seu TESOURO<br />
FABULOSO!<br />
120
0.1.4<br />
Possíveis formas de expressão<br />
para as <strong>LENDAS</strong> do TOURO e da COBRA<br />
⎯ Mas então que propostas temos dos coartistas, artífices que artam<br />
lá na terra? e concretamente sobre estas <strong>lendas</strong> que contastes de<br />
touros e de cobras?<br />
⎯ Muitas propostas, ó caros comagos...<br />
Há um grupo que se exprime com o corpo, o corpo inteiro que a<br />
natureza deu. São jovens, crianças e gente madura. Propõem-se<br />
contar a história sem palavras para ser universal.<br />
A cobra é uma bailarina que gira e rodopia ameaçando uma cidade<br />
inteira, cercando, ameaçando, aterrorizando...<br />
O povo, com o medo e seduzido, tenta reagir... há perdas e mortes...<br />
entra em pânico... procura soluções contra a cobra que foge, ludibria,<br />
domina, se disfarça...domina... até que o povo decide mandar um<br />
touro contra ela...<br />
O touro que sai, observa o terreno, descobre a inimiga, enfrenta-a,<br />
investe... numa ambiguidade de luta e jogo amoroso de vida e de<br />
morte contra a serpente que já não é a serpente mas o povo que se<br />
encadeou em cobra e depois já é povo que se transforma em touro e<br />
luta com a serpente...<br />
Procuram-se depois uma ou várias soluções estilizadas de cada um<br />
dos dez mais um dos contos e termina com a festa da libertação ou<br />
da catástrofe que gerará a libertação...<br />
Há agora um PAR, só DOIS, ó caras cofadas, que se propõem dançar,<br />
sozinhos esta lenda, voando nas asas da fantasia e inebriados na<br />
música mais sublime que foi possível conceber pelos médiuns que<br />
captam os sons do universo e emoldurados num cenário de cores de<br />
sonho realidade que os artistas das formas e dos tons captaram do<br />
arco-íris!<br />
121
Tudo isto, mas muito mais complexo, se propõe fazer agora um POVO<br />
espalhado por diversos lugares, que depois de tempos e tempos de<br />
preparação, aliás como todas as <strong>outras</strong> tentativas de representação<br />
que são humanas e tentam penetrar no sobre-humano, tendo<br />
divulgado o conto canto por todos os cantos da sua terra, escolas,<br />
grupos, famílias e solitários, recolhe de todos eles ideias e<br />
sugestões... fabricam símbolos e enfeites de mil formas e mil cores e<br />
chega o dia da celebração... o dia da festa... o dia da representação...<br />
A grande dança da serpente, formada por centenas, só tem sentido<br />
quando os grupos vindos de todos os cantos e lugares se vai<br />
juntando e figurando o medo, o pavor, a afoiteza da multidão enfim<br />
unida, que enfrenta a cobra monstro... a põe em fuga para o<br />
castelo...<br />
O percurso da praça para o castelo... a cobra e o povo já uno na sua<br />
diversidade que pode ser um cortejo de símbolos e cantos<br />
diversificados...<br />
A cobra no Castelo e as novas tentativas de intimidação para a<br />
tomada do poder com ameaças e fúrias desmedidas... é dança<br />
macabra que aterra e seduz.<br />
A aparição do touro-touros e a luta final do touro e da cobra e a<br />
multidão que se transforma em manada de touros... é jogo fantasia<br />
feita realidade na arte!<br />
A fogueira festa final e a fuga imperceptível dos restos sub-reptícios<br />
da serpente... é a festa que se espalha por toda a cidade libertada...<br />
que afinal continua ameaçada...<br />
Mas há ainda um grupo musical que se propõe cantar representar a<br />
mesma lenda, com sons luzes e cenários, evocando os cenários<br />
conhecidos com montagens de grafismos, fotos, sons e cores... Os<br />
cantores, com as suas vozes – touros, atacam os microfones ligados<br />
a fios intermináveis – serpentes, que eles/as cantores/as com as suas<br />
bocas – serpentes, simulam engolir como se os micros subitamente<br />
se transformassem em touros... E outros grupos musicais lançam as<br />
122
suas bailarinas/os serpentes coleantes ao som das suas violas e<br />
baterias – touros estonteantes de fúria que se transformam em sons<br />
envolventes como serpentes que devoram vocalistas e bailarinos/as...<br />
Nós nem precisamos de representar, diz um grupo de aficcionados da<br />
festa brava dos touros e touradas... A corrida que vamos apresentar<br />
a cavalo, com pegas e a pé, é afinal a luta do touro e da serpente, do<br />
toureiro frente ao touro, macho contra macho, com o feminino<br />
sempre ausente presente como na vida e na realidade... numa<br />
ambiguidade que se representa porque não se explica...<br />
Tudo isto e muito mais pode acontecer à volta duma simples lenda...<br />
- Os artistas que trabalham com o ouro e a prata e outros metais e<br />
com eles fabricam adornos, enfeites e feitiços criaram anéis,<br />
braceletes, colares e medalhões com touros e serpentes que<br />
insidiosamente se enrolam em espirais carregadas de insinuações...<br />
- Os das artes gráficas inventaram livros articulados como cobras que<br />
tinham dentro touros e histórias em palavras e desenhos de<br />
encantar...<br />
- Os poetas e os músicos cantavam a lenda em canções dolentes que<br />
dançarinos interpretavam em bailados coreografados de corpos<br />
esguios que se transformavam em cobras ondulantes e touros de<br />
corrida...<br />
- Os oleiros faziam nascer da sua roda giratória serpentes repelentes<br />
que enleavam touros desesperadamente vencidos na sua fúria... e os<br />
artistas do barro, com as suas mãos, conseguiam um misto de herói<br />
a transformar-se em serpente e a moura apaixonada a transformar-<br />
se em fonte numa magia de formas surpreendente…<br />
- Os mestres marceneiros fabricavam com pedaços de madeira,<br />
cobras articuladas que soavam como matracas ligadas por nastros de<br />
pano que se dobravam e desdobravam ou serpenteavam ligados com<br />
arames e desafiavam touros que se montavam e desmontavam em<br />
madeira fina com recortes e encaixes e ranhuras...<br />
123
- Nas festas de Carnaval, os mascarados destrajavam-se de touros e<br />
de cobras e esboçavam lutas em qualquer canto da cidade, nunca se<br />
descobrindo se eram homens que se disfarçavam de cobras e<br />
mulheres de touros ou vice-versa, para o jogo e a ambiguidade<br />
permanecer como se fosse verdade...<br />
- Os pastores artistas, no enlevo e distância do seu isolamento, iam<br />
fabricando a canivete, de paus rijos e disformes, de ramos partidos e<br />
dispersos... ora cobras que mexiam e metiam medo... ora faziam dos<br />
ramos secos em forquilhas, touros estilizados que mais pareciam<br />
vivos na fúria de combate...<br />
- Até as crianças, nos seus grafismos de riscos sem sentido,<br />
desenhavam sem saber!... ondulações de serpentes ondulantes<br />
misturadas com touros...<br />
- Desenhando uma praça circular, com arcos e bancadas repletas de<br />
uma multidão disforme, com um touro ao meio atónito, em defesa,<br />
pronto a investir, os poetas das formas e das cores, com tintas e<br />
variegados materiais, pintam na sua tela as sugestões que as <strong>outras</strong><br />
artes não podem sugerir... e dizem tudo aos que quiserem<br />
perceber...nas suas gravuras, pinturas, tapeçarias...<br />
- Na sua intimidade, os casais de amantes dançam a dança do touro<br />
e da cobra. O amante com o seu falo serpente ataca as ancas da<br />
amante touro que com os seus lábios cobra engole e recebe a força<br />
túmida do amante que se entrega...<br />
- E dos outros artistas? Não falas dos outros artistas que povoam o<br />
Universo?<br />
124
img015 – uma mistura de símbolos e sinais…<br />
125
126
⎯ Dos outros artistas que desempenham os seus papéis de<br />
figurantes no vasto palco que é o Mundo? De muitos desses<br />
esquecemo-nos... Só sabemos que inventaram coisas nunca vistas e<br />
inconcebíveis...<br />
Sabemos por exemplo de crianças que já o não eram e nunca tiveram<br />
tempo de andar na escola para aprenderem a ser artistas, que se<br />
vestiram de rolos de papel pintado e enfeitado com fitas de mil cores<br />
e se colaram umas às <strong>outras</strong> numa fila imensa coleante<br />
transformando-se numa enorme serpente e foram pelas ruas e praças<br />
meter medo às pessoas acomodadas e instaladas em muitas<br />
instâncias de vários poderes, que andavam a estragar o seu mundo<br />
de floresta virgem e selvagem, com as suas políticas vesgas de<br />
progresso e desenvolvimentos e <strong>outras</strong> coisas sem pés nem cabeça<br />
que destruíam o Mundo em vez de o tornarem mais habitável e<br />
bonito...<br />
e vai daí, disseram sem palavras aos marretas dos touros que<br />
marravam de cabeça baixa sem olhar para as estrelas, para o sol, a<br />
lua e os planetas que continham as letras do passado e do futuro...<br />
⎯ Ai ele e isso?! Pois desta vez quem ganha a luta da lenda é a<br />
serpente que nós já estamos cansadas de ser as más da fita... e ai de<br />
vocês se se atrevem a estragar mais o nosso mundo livre e belo com<br />
mais muralhas e muros e paredes e grades e sebes e divisões e<br />
cortes e portas sem entradas nem saídas e chaminés e fumos e<br />
porcarias que emporcalham tudo...<br />
Ai de vocês, se nos roubam o Espaço do Mundo do Futuro que é<br />
Nosso!<br />
Nós queremos o Ar a Água a Chuva o Sol o Espaço sem fim onde nos<br />
queremos encontrar... para nos encantar/mos...<br />
Mas que podem significar as <strong>lendas</strong> e histórias que gerações e<br />
gerações guardaram na memória e contam e recontam dos mais<br />
diversos modos?...Como vimos com a Bíblia e Zaroastro, a SERPENTE<br />
127
é a fonte e a causa de todo o mal, do sofrimento, da morte a que a<br />
humanidade está inexoravelmente condenada?... ou é simplesmente<br />
a origem e causa da sua emancipação e libertação arriscada e<br />
responsavelmente assumida ⎯ o risco de optar pela liberdade ⎯ que<br />
todas as democracias do mundo prometem e a que todo o ser<br />
humano aspira e teme no mais profundo do seu ser?...<br />
Isso são perguntas que ficam para sempre sem resposta, mesmo<br />
nesta escola de magos sábios e de fadas que se refugiam na clareira<br />
secreta escondida na floresta, e durante a noite infinita que é o dia<br />
espaço em que todos os sonhos se podem realizar, procuram<br />
descobrir os segredos da Natureza e da Natureza Humana que faz<br />
viver os povos e os lança nos caminhos do futuro à procura da<br />
liberdade e da felicidade...<br />
Mas embora nós não o saibamos, sempre revelaremos mais um<br />
segredo para os que têm ouvidos para ver e olhos para ouvir...<br />
E o segredo é este.<br />
É que entrar no mundo das <strong>lendas</strong> e dos contos não é para qualquer<br />
um. É só para os que são capazes de regressar ao Futuro. Isso.<br />
Exactamente o que dissemos. Entrar no Mundo das Lendas e dos<br />
Contos é um REGRESSO AO FUTURO...<br />
É um mergulho no tempo<br />
um mergulho nos Tempos<br />
um mergulho nas raízes<br />
uma procura do estado puro original<br />
numa tentativa encantada, sedutora, irresistível<br />
de o alcançarmos de novo no Futuro...<br />
É uma VIAGEM de encontrar um sentido para a vida<br />
um desejo insaciável ansioso<br />
de encontrar de novo um Tempo e um Espaço<br />
em que de Novo tudo pode acontecer de Novo...<br />
128
ENCONTRADO, CONTADO ENCANTADO!<br />
No meio das desilusões, contradições, condições e falsas ilusões da<br />
vida real que é um irreal dolorosamente real para uma grande<br />
multidão a quem todos os males acontecem em cadeia... apesar dos<br />
esforços... apesar dos desejos... apesar dos trabalhos... apesar da<br />
paciência infinita... apesar da esperança... apesar de todas as<br />
promessas dos que pretendem que podem prometer... há sempre<br />
uma multidão de desprotegidos, dos arredados da sorte que só no<br />
sonho encontram hipóteses de felicidade... que subitamente se perde<br />
ao acordar...<br />
Ora o segredo é este.<br />
O encontro com a MAGIA DAS <strong>LENDAS</strong> é ir ao encontro do sonho,<br />
mesmo sem dormir... mesmo sem ter necessidade de acordar...<br />
é fabricar o SONHO como um artista produz a sua obra perante a<br />
qual se detém embevecido...<br />
É VIAJAR PELO MUNDO ENCANTADO DAQUELE VELHO <strong>DE</strong> CORAÇÃO<br />
SIMPLES QUE ERA SEGADOR <strong>DE</strong> ERVA E VIVIA NUMA CABANA <strong>DE</strong><br />
BARRO DISTANTE <strong>DE</strong> QUALQUER CIDA<strong>DE</strong> LÁ NUM PAÍS LONGÍNQUO<br />
DOS REINOS DO ORIENTE E CONSEGUIA POUPAR MEIO DINHEIRO<br />
POR DIA DOS CINCO MEIOS DINHEIROS QUE GANHAVA VEN<strong>DE</strong>NDO<br />
A ERVA QUE CORTAVA NA SELVA PARA FORRAGENS <strong>DE</strong> CAVALOS E<br />
AO FIM <strong>DE</strong> MUITOS MUITOS ANOS CONSEGUIU SER DONO <strong>DE</strong> UM<br />
TESOURO QUE OFERECEU SEM SE DAR A CONHECER À MAIS BELA<br />
PRINCESA DA TERRA QUE SURPREENDIDA LHE AGRA<strong>DE</strong>CE COM<br />
OUTRO TESOURO AINDA MAIS VALIOSO QUE POR SUA VEZ ELE<br />
ENVIA AO PRÍNCIPE MAIS BELO E PO<strong>DE</strong>ROSO <strong>DE</strong> QUE OUVIRA FALAR<br />
E NUNCA VIRA... E QUE AFINAL SE TRANSFORMA NUM TESOURO<br />
129
INCALCULÁVEL CAPAZ <strong>DE</strong> FAZER ENCONTRAR / ENCANTAR<br />
PRÍNCIPES E PRINCESAS QUE CASAM... SÃO MUITO FELIZES... E...<br />
NO FIM <strong>DE</strong> MUITAS MUITAS VIAGENS... VIVEM TODOS... O VELHO<br />
SEGADOR <strong>DE</strong> ERVA <strong>DE</strong> CORAÇÃO SIMPLES, OS PRÍNCIPES E AS<br />
PRINCESAS... NUM PALÁCIO ENCANTADO... COMO É SEMPRE O DA<br />
MAGIA DAS <strong>LENDAS</strong>... E DOS CONTOS <strong>DE</strong> ENCANTAR.<br />
É NO FUNDO O QUE ESTE LIVRO PRETEN<strong>DE</strong> SER.<br />
A VOZ E A MÃO MILAGROSA DO GÉNIO DOS TEMPOS QUE,<br />
POUSANDO-SE SOBRE A VOSSA CABEÇA, VOS FAÇA <strong>DE</strong>SCOBRIR O<br />
VALOR IMENSO DO VOSSO TRABALHO HUMANO E DO AMOR, e cada<br />
um possa construir enfim... o SEU PALÁCIO ENCANTADO <strong>DE</strong><br />
ENCANTAR!!!<br />
130
... na impossibilidade de to enviar todo de uma vez,<br />
aqui te envio a primeira bolsinha do tesouro acumulado<br />
de migalhas guardadas durante anos e anos,<br />
pelo velho segador de erva de coração simples<br />
que fez felizes reis e princesas...<br />
Fico à espera, sem esperança de receber nada de troca,<br />
para no final receber tudo duma vez...<br />
Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais<br />
<strong>LENDAS</strong> com <strong>Touro</strong>s e <strong>Cobra</strong>s e <strong>outras</strong> <strong>Cobra</strong>s e <strong>Touro</strong>s ou Ícones ou<br />
Signos carregados de significado e de mistério.<br />
Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos<br />
ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos<br />
da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas<br />
suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!<br />
Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam<br />
encantados contas que muitas vezes nos escapam?<br />
131
132
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong>...<br />
VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do<br />
MARAVILHOSO<br />
por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar<br />
133
img016 – a/s fonte/s…<br />
134
2ª PARTE A/S <strong>LENDAS</strong>/S DA<br />
FONTE MOURO<br />
Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais<br />
<strong>LENDAS</strong> com <strong>Touro</strong>s e <strong>Cobra</strong>s e <strong>outras</strong> <strong>Cobra</strong>s e <strong>Touro</strong>s ou Ícones ou<br />
Signos carregados de significado e de mistério.<br />
Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos<br />
ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos<br />
da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas<br />
suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!<br />
Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam<br />
encantados contas que muitas vezes nos escapam?<br />
135
136
2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO<br />
2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa, rescrita)<br />
2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um anónimo)<br />
137<br />
recolha de Manuel Joaquim Delgado<br />
in"Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231<br />
2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão)<br />
in “Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85<br />
2.04 - LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte,<br />
1º in “A Folha de Beja”, 10/01/1901<br />
2º, in “Jornal de Beja”, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986<br />
por intermédio do senhor Barbosa Bentes.
138
0.2.0 - Ligação entre as <strong>LENDAS</strong>…<br />
Mas por onde andará a COBRA encantada da lenda contada do<br />
TOURO e da COBRA?<br />
Onde se esconde ela? Mudou-se em estrela?<br />
Ou, andará encantada, algures escondida, pelos campos perdida,<br />
esperando o desENCANTO?<br />
Dizem... as pessoas que sabem: “... que há quem tenha visto, em<br />
noites de luar, a enorme serpente ir junto da fonte beber nela as<br />
longas saudades de Aldonça...”<br />
Dizem outros, que junto do MONTE DA COBRA, um dia se defrontou<br />
ela com um TOURO BRAVO...<br />
Que SERPENTE ENORME é essa?<br />
Que TOURO BRAVO se atreveu ela a defrontar?<br />
Onde é o MONTE DA COBRA?<br />
Onde é a FONTE MOURO?<br />
Quem é Aldonça, aquela que se transformou em fonte, e Atanásio, o<br />
que se transformou em cobra, na Lenda da Fonte Mouro?<br />
Dizem que a MOURA encantada pode lá aparecer sob a forma de bela<br />
mulher de longos cabelos doirados fiando em fuso de oiro fios de<br />
luar...<br />
139
... e que a COBRA pode ser vista, nas redondezas, em noites de lua<br />
cheia...<br />
...<br />
Desde a noite mágica dançada no largo da feira, os nossos ciganos<br />
andaram e cirandaram pelas ruas de Beja, por largos e praças, por<br />
campos e montes...<br />
Não lhe permitiam parar muito no mesmo local...<br />
Ditos de pilhagens e ciganagens, que muitos aproveitavam para<br />
fazer, caíam-lhe em cima… e eles lá seguiam pelos caminhos das<br />
Terras de Santa Maria e Todo o Mundo a querer dizer que Todo o<br />
Mundo é seu e nunca estão no seu Mundo e acolheram-se nas<br />
sombras da saída da cidade lá para os lados das ruínas do Carmo<br />
Velho depois de passarem a encruzilhada de S. Pedro... onde havia<br />
uma FONTE de água fresca e abundante a correr generosamente pelo<br />
valado...<br />
FONTE MOURO, FONTE MOURO<br />
O QUE TEM A TUA ÁGUA?<br />
DIZEM P'RAÍ FONTE MOURO<br />
QUE ESCON<strong>DE</strong> UMA GRAN<strong>DE</strong> MÁGOA<br />
ESCON<strong>DE</strong> UMA GRAN<strong>DE</strong> MÁGOA<br />
DUM AMOR QUE FOI PROIBIDO:<br />
QUEM ME <strong>DE</strong>RA <strong>DE</strong>SSA ÁGUA!<br />
QUEM MO <strong>DE</strong>RA TER VIVIDO!<br />
140
SE POR MIM FOSSE VIVIDA,<br />
UMA PAIXÃO, ASSIM!?, TÃO VIVA<br />
TAMBÉM ME MUDAVA EM BICA<br />
QUE CORRESSE TODA A VIDA!<br />
OU ENTÃO MUDAVA EM COBRA<br />
P’RA BEBER EM FONTE VIVA<br />
QUE CORRESSE A TODA A HORA<br />
PARA ASSIM VALER A VIDA!<br />
Estavam, sem o saber, ao pé da FONTE MOURO, que muitas <strong>lendas</strong>,<br />
tinha, para contar...<br />
Mas eles que de noite ouviram ou viram ruídos de luta, movimentos<br />
difusos de alguém que rasteja, de algo que se agita... murmúrios da<br />
água que corre, que corre e que canta, que geme de prazer de ser<br />
bebida, encantada por sentir que mata a sede, uma sede profunda<br />
que não morre, insaciável, insaciada... ruídos confusos que no meio<br />
do pesadelo dos sonhos são de luta de morte... mas duma morte que<br />
não mata mas cria... que grita...<br />
... ao romper da manhã, encantados e despertos, vão ver que,<br />
durante a noite, ouviram ou viram os sonhos e os cantos e os contos<br />
que contam e cantam encantos... de cobras e de touros... de cristãos<br />
e de mouros... de gentes e bichos que povoaram esta terra... de<br />
tesouros escondidos envoltos em mistérios...<br />
Foram perguntar pelos montes perdidos por ali escondidos...<br />
⎯ ... Nós sempre temos ouvisto que isto aqui se chama o MONTE DA<br />
FONTE DA COBRA e isto aqui já era do meu avô e sempre aqui tenho<br />
vivido... mas aqui só temos água daquele poço que o meu avô abriu.<br />
A FONTE MOURO é além do outro lado da estrada seguindo pela<br />
141
azinhaga e fica mesmo ao pé do MONTE DA SERRA, e aqui deste<br />
lado, logo a seguir, é o MONTE DA COBRA, mas nós não sabemos<br />
donde vêm estes nomes, nem quem lhos pôs, não senhor... ⎯ isto<br />
contou o simpático casal de velhotes que habita o Monte da Fonte da<br />
<strong>Cobra</strong> ⎯ ...e ainda o ano passado arrancaram as laranjeiras que iam<br />
da fonte (a Fonte Mouro) até ao monte que lhe fica por cima e está<br />
em ruínas!, que aquilo é mesmo um desmazelo... e nem sei bem a<br />
quem é que aquilo agora pertence, porque parece que andam lá<br />
demandas com os herdeiros que eram uns Vilhenas...<br />
E foi assim que os nossos ciganos ficaram a saber alguma coisa, do<br />
muito que ali há para e n c a n t a r…<br />
... mas as <strong>lendas</strong> contam-se ou cantam-se! e as <strong>LENDAS</strong> contam ou<br />
cantam... que...<br />
142
2 - DUAS <strong>LENDAS</strong> DA FONTE<br />
MOURO<br />
01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa)<br />
02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um<br />
143<br />
anónimo)<br />
recolha de Manuel Joaquim Delgado<br />
in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231
144
2.01<br />
A LENDA DA FONTE MOURO<br />
2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa) recolha de<br />
145<br />
Manuel Joaquim Delgado<br />
in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231<br />
A Nordeste da cidade de Beja, a pouco mais de meia hora de<br />
caminho, a pé, ainda hoje há uma horta cuja fonte de boa água<br />
fresca corre de noite e de dia para um barranco. Chama-se da FONTE<br />
MOURO e junto dela passa um caminho vicinal.<br />
Diz-se que a dita horta fora outrora de abastado mouro de nome<br />
Albutassén, que havia de sua esposa Judith uma formosa e gentil<br />
filha chamada Aldonça.<br />
Pouco temente a Allah, Albutassén era rico mas muito avarento e<br />
mau. Porém, sua filha Aldonça, a antítese do pai, era bondosa,<br />
desprezava as riquezas e muito crente em Allah.<br />
Em idade de noivar e com tendências afectuosas, ela vivia recolhida<br />
em casa entregue a trabalhos domésticos e <strong>outras</strong> ocupações<br />
próprias da sua condição de jovem moira. Raro consentia seu pai que<br />
Aldonça se afastasse de casa a ir a alguma festa ou a assistir<br />
nalguma mesquita aos sagrados ritos e devoções em honra de Allah.<br />
Em todo este termo corria fama de seus excelentes dotes físicos e<br />
morais, o que mais atraía as atenções e curiosidades dos jovens<br />
cavaleiros que tinham a dita de contemplar tão excelsa como<br />
encantadora e formosa moira.<br />
Dada ao afecto amoroso, a bela Aldonça votava particular atenção a<br />
um jovem cristão de nome Atanásio que, embora pobre e de crença<br />
diferente da sua, possuía, contudo, excelentes dotes morais e de
carácter que faziam inveja a seus companheiros, alguns nobres e<br />
ricos cavaleiros.<br />
Sabendo das tendências amorosas da filha, Albutassén mais ainda a<br />
contrariava e, raro, consentia que ela saísse da horta onde vivia,<br />
triste e contrafeita, entregue às suas chorosas penas.<br />
Um dia pensou o jovem moço Atanásio raptar a mulher de seus<br />
sonhos e encantos mais caros, visto de outro modo ser-lhe impossível<br />
possuir aquela que tanto amava. E, numa noite clara de Agosto, em<br />
que a lua estendia sobre a terra seu manto de luz, o moço cavaleiro,<br />
montado em seu ginete fogoso, dirige-se à horta onde já o esperava,<br />
impaciente e nervosa, a formosa Aldonça. Os olhos dela eram as<br />
noites negras estreladas, e o seu cabelo em ondas como as do mar,<br />
tinham a cor do azeviche.<br />
Ao ver o seu bem amado, trasbordante de alegria, mas nervosa, a<br />
jovem moira ajoelha, volve ao céu o doce olhar e, numa prece<br />
fervorosa e breve, pede a Allah misericórdia e perdão do seu plano de<br />
fuga. Passaram-se alguns segundos. Junto de si chegou o moço<br />
cristão que a arrebatou e, sentando-a na sela, à sua frente, corre<br />
veloz no fogoso ginete.<br />
Allah, que sabe dos desígnios dos homens, não podia consentir na<br />
fusão de duas crenças diferentes. Não favoreceu, por isso, ao cristão<br />
a sua amorosa aventura e nem à jovem amada a felicidade que tanto<br />
desejava. Então, com o seu poder divino, fez que o cristão se<br />
mudasse em serpente, e ela, Aldonça, se transformasse numa fonte<br />
de água cristalina.<br />
146
img017 – a fonte e a cobra…<br />
“...há, quem tenha visto, em noites de luar, a enorme serpente ir, junto da fonte,<br />
beber nela, as longas saudades de Aldonça...” p. 139<br />
147
148
É assim que o incansável e persistente professor Manuel Joaquim<br />
Delgado nos conta a Lenda da FONTE MOURO, num livro que intitulou<br />
"A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo” e assim a registou para<br />
a posteridade nas páginas duzentas e trinta e duzentas e trinta e<br />
uma...<br />
... <strong>lendas</strong> de moiros e cristãos que não podiam casar porque o grande<br />
Allah não podia consentir na fusão de duas crenças diferentes!!!<br />
fizeram brilhar na noite os olhos dos ciganos... ele o cigano Castanho<br />
a ver-se transformado em enorme serpente que ardente de sede<br />
buscava nas sombras do barranco a água fresca e cristalina que para<br />
lá corre de noite e de dia incessantemente para o saciar... em que se<br />
tinha transformado a bela cigana Mariana...<br />
Mas não, não era verdade. Eles eram da mesma crença e da mesma<br />
raça e isto eram sonhos de encantar que lhes povoavam os sonos<br />
encantados que dormiam enlaçados, misturados, embevecidos numa<br />
felicidade que os fazia livres... e membros de uma religião universal<br />
que estava acima e para além destes ciúmes e desavenças de deuses<br />
antropomorfizados à medida dos preconceitos das multidões que os<br />
concebem...<br />
... mas havia ainda um velho ca(o)ntador, sentado ao luar, aquele<br />
luar luminoso das noites de Agosto que não deixa dormir de fresco<br />
que traz nas suas asas, a deixar adivinhar a brasa do dia que ameaça<br />
derreter estas terras do aquém Tejo..., sentado à porta do monte, o<br />
velho co(a)ntador, deixava correr, em versos de décimas, a lenda já<br />
velha, que lhe tinham contado dos lendários senhores que tinham<br />
vivido no Monte da <strong>Cobra</strong>, agora o “seu” monte, que não era seu!, e<br />
eram moiros e moiras que tinham plantado aquele laranjal que enchia<br />
ali o ar de perfumes esquisitos inebriantes de mistura com o feitiço<br />
da lua que brilhava lá no céu...<br />
149
⎯ Aquela mangana! a rir-se dos homens atarefados que só olham pró<br />
chão!!!.<br />
Mas o ca/ontador, com a sua viola de cordas de arame, cantava na<br />
aragem o canto da água que corria da Fonte do Mouro chamada, e...<br />
encantado como que em transe, exorcizando os sortilégios<br />
circundantes, cantava baixinho versos de redondilhas ondulantes que<br />
cavalgavam no dorso do vento como melodia de encantar:...<br />
150
2.02<br />
A LENDA DA FONTE MOURO<br />
2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um<br />
151<br />
anónimo)<br />
recolha de Manuel Joaquim Delgado<br />
in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231<br />
Na região transtagana,<br />
Perto da velha cidade<br />
De Pax-Julia romana<br />
Já muito velha de idade,<br />
Inda hoje há uma fonte<br />
D'água pura, cristalina,<br />
Que nasce num baixo monte,<br />
Nas faldas duma colina;<br />
muito fresca e afamada,<br />
A FONTE MOURO é chamada.<br />
É tradição, diz a lenda,<br />
Que a horta em que a fonte está<br />
Fora de um servo de Allah<br />
Que habitara esta vivenda.<br />
Era orgulhoso, abastado,<br />
Judith o nome da esposa,<br />
Ele Albutassén chamado,<br />
A filha Aldonça formosa.
Mais linda que a luz do dia,<br />
Outra assim não haveria.<br />
Em Deus Allah pouco crente<br />
Esse rico Albutassén<br />
Era mau pra toda a gente<br />
E avaro como ninguém.<br />
Aldonça, porém, bondosa,<br />
Mui afeita à piedade,<br />
Era em Allah temerosa,<br />
Dezoito Abris sua idade,<br />
Durante os quais recolhida<br />
Em casa, fazia vida.<br />
Raro, seu pai consentia<br />
Que ela daí se afastasse,<br />
E da horta não saía,<br />
Inda assim não demorasse...<br />
Corria na redondeza<br />
Fama de dons excelentes.<br />
0s seus dotes de beleza<br />
Eram sabidos das gentes;<br />
De Aldonça, a seus caros afectos<br />
Se opõe o pai nos projectos.<br />
Particular afeição<br />
A jovem moira votava,<br />
Não a moiro, mas a cristão;<br />
Sabendo-o, quem duvidava?<br />
Era pobre a condição<br />
Do amado cavaleiro,<br />
Nos dons morais o primeiro<br />
152
Lá da sua freguesia.<br />
Atanásio se chamava<br />
E todo o mundo o sabia.<br />
Pensou o moço rapaz<br />
Arrebatar a donzela<br />
A dona dos seus amores,<br />
E viver entre as flores<br />
Aonde quer que lhe apraz.<br />
Monta o ginete fogoso<br />
Numa noite de luar<br />
Do mês de Agosto calmoso,<br />
A correr a vai buscar;<br />
À sua espera já estava<br />
Aldonça que suspirava...<br />
Chegado à horta o cristão<br />
O precioso tesoiro,<br />
A quem tem tanta afeição,<br />
Quer levar para longe do moiro.<br />
À sua frente, na sela,<br />
Sentada, a jovem formosa,<br />
Vai segura, mas medrosa,<br />
Na boa esperança vai ela...<br />
Numa corrida seguia<br />
O ginete a toda a brida.<br />
Pelos desígnios sabidos<br />
Só de Allah que tudo manda,<br />
Dos homens desconhecidos,<br />
Torna o mal, o bem desanda.<br />
Allah consentir não pode<br />
153
Na fusão de duas crenças<br />
Diferentes, e logo acode<br />
A puni-los com sentenças,<br />
Transformando-os, de repente,<br />
Ela em fonte, ele, em serpente.<br />
Num fado eterno e fatal<br />
Dum amor contrariado,<br />
Até ao Juízo Final<br />
'Stá a moira e seu amado.<br />
⎯ Mas que sons são estes? Quem canta ao luar? Quem teima em<br />
cantar as <strong>lendas</strong> contadas que são de encantar com a lua a brilhar?!!!<br />
⎯ Autor desconhecido! Incógnito! Paternidade incognoscível!<br />
Anónimo! Valores da cultura tradicional que, constatam os senhores<br />
da cultura!, nascem da terra como a água das fontes sem ninguém os<br />
criar! Sem direitos de autor!!!<br />
Isto cismavam os jovens ciganos, ela a Mariana e ele o Castanho,<br />
cada um para si a pensar, sem nada mostrar das dúvidas e segredos<br />
secretos que julgavam sonhar e só para si guardar!!!<br />
Havia ainda porém, mais histórias para contar...<br />
... as histórias da FONTE MOURO ainda não tinham acabado, porque<br />
uma dona do tempo sem tempo nascida nos anos cinquenta e que só<br />
tinha sete anos quando a televisão nasceu e podia ameaçar vir<br />
roubar-lhe os tesouros sonhados escondidos em castelos<br />
semiderruídos onde viveram reis e rainhas príncipes e princesas...,<br />
tesouros bebidos da fonte que jorrava inesgotável dos avós e dos<br />
velhos lá da aldeia!... essa dona, de nome Fernanda Frazão que,<br />
154
como ela diz continuou a ter “à sua disposição todos os velhos e<br />
velhas do mundo, e os menos velhos também, para lhe encantarem<br />
os dias com tudo quanto é lenda e conto e história e<br />
maravilha.”...esta dona de tempos antigos, através dos “Amigos do<br />
Livro” editores pôs à nossa disposição seis belos volumes com as<br />
“<strong>LENDAS</strong> PORTUGUESAS” para que, perante o perigo da aculturação<br />
progressiva que os novos meios de comunicação permitem, os povos,<br />
cada povo não perca o enraizamento dos seus valores culturais, o<br />
que seria um empobrecimento drástico para eles e para a<br />
humanidade.<br />
... e foi assim, que naquela noite de brilhante e mágico luar de<br />
Agosto, o cigano Castanho e a cigana Mariana viram aparecer,<br />
recortada na luminosidade feérica daquela noite, a figura meio<br />
indefinida, mas real e sedutora de uma jovem avó, de nome Maria<br />
Fernanda, que eles não conheciam, a contar para encantar, a mesma<br />
história que talvez tenha lido ou ouvido ao velho professor Manuel<br />
Joaquim que por sua vez a ouvira cantar aos velhos cantadores e<br />
contadores de histórias aqui do Alentejo... e conta-a assim, da página<br />
oitenta e cinco a oitenta oito do quinto volume das Lendas<br />
Portuguesas:...<br />
155
156
2.03<br />
LENDA DA FONTE MOURO<br />
2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda<br />
157<br />
Frazão)<br />
in “Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85<br />
A nordeste de Beja, a pouco mais de meia hora de caminho da<br />
cidade, existe, ainda hoje, uma horta com uma fonte de água muito<br />
fresca correndo para um barranco.<br />
Já no tempo dos mouros ali existia a horta, mas incorporada na<br />
propriedade de Albutassén, o mouro mais rico da região. Ao lado da<br />
horta havia uma bela casa, grande e branca, de um só andar e<br />
parecida a uma prisão. De facto, era rodeada de um muro alto que<br />
tapava a habitação dos olhos curiosos.<br />
As poucas pessoas que tinham entrada na casa de Albutassén diziam<br />
que, para lá do portão de ferro que dava acesso à propriedade, havia<br />
um pátio sombreado de árvores de fruto. Ao penetrar na casa do<br />
mouro ficava-se imediatamente maravilhado com a enorme entrada,<br />
de chão de mármore branco e negro, e uma fontezinha em forma de<br />
taça donde brotava naturalmente, no Inverno, água quente e, no<br />
Verão, água fresca. O escoamento desta corrente fazia-se por um<br />
pequeno canal descoberto que levava directamente a um enorme<br />
tanque que ficava no jardim da parte detrás da casa.<br />
De cada lado desta imponente e fresca entrada ficavam os aposentos<br />
da família de Albutassén, que à boa maneira árabe tinha dentro de<br />
casa um nunca acabar de gente, desde irmãos e cunhados, a filhos e<br />
até primos. As mulheres da família, conforme mandava a Lei e o<br />
costume, em presença masculina mantinham a face tapada e só<br />
saíam de casa no momento do casamento. A este acto eram
totalmente alheias, pois que o enlace era negociado entre o<br />
pretendente e o chefe da família, neste caso Albutassén.<br />
Assim estava destinado acontecer a Aldonça, a única filha do mouro.<br />
Este, porém, muito cioso dela, como de tudo o resto que era<br />
propriedade sua, não mostrava pressa em tratar do casamento da<br />
filha. Preferia mantê-la consigo todo o tempo que lhe fosse possível,<br />
tanto mais que, rico como ele era, nunca lhe faltaria pretendente.<br />
De facto, muitos homens pretendiam aceder a Aldonça, que não<br />
conheciam, mas sabiam ser bonita, bondosa e muito crente de Alá,<br />
bem ao contrário de Albutassén. Mas Aldonça parecia não sair nunca,<br />
nem sequer para ir à mesquita rezar a Alá. Sua vida passava-a no<br />
remansoso jardim da casa do pai, entretendo os dias à sombra das<br />
laranjeiras, jogando xadrez, cantando ou ouvindo as velhas escravas<br />
contarem histórias, infindavelmente.<br />
Apesar de tudo isto, de toda esta prisão dourada, Albutassén<br />
descobriu que Aldonça estava tristemente apaixonada. 0 mouro não<br />
atinava como tal era possível no recato daquela casa. E o pior de<br />
tudo ⎯ descobriu-o depois ⎯ a paixão de Aldonça era nada menos<br />
que um cristão, Atanásio, chegado à região vindo sabe-se lá de onde!<br />
Redobrou Albutassén a vigilância. Ameaçou de morte os escravos que<br />
propiciassem os encontros, mas nunca descobriu de que modo se<br />
encontrava Aldonça com Atanásio.<br />
No terror em que vivia de seu pai, a rapariga começou a perder cores<br />
e apetite, a entristecer cada vez mais. Atanásio todos os dias a via<br />
mais pálida e tristonha, mas não conseguia resolver o caso. Depois<br />
de muito ponderar, decidiu acabar com aquela agonia mútua o mais<br />
depressa possível, e a única solução viável, ainda que perigosa,<br />
pareceu-lhe ser o rapto. Falou com Aldonça, que concordou com a<br />
solução, e combinaram a oportunidade.<br />
158
Assim, numa noite de Agosto, em que o luar inundava a perder de<br />
vista a planície alentejana, Atanásio chegou ao portal da horta onde<br />
já Aldonça o esperava, acocorada junto a um muro para se esconder<br />
na sombra. Ao ver chegar o amante encheu-se-lhe o coração de<br />
alegria e de gratidão por Alá. Ergueu os olhos ao céu numa muda<br />
oração de agradecimento pelo paraíso que antevia abrir-se-lhe e,<br />
nesse momento exacto, um estranho caso aconteceu: Aldonça<br />
transformou-se em fonte, Atanásio transmudou-se em serpente.<br />
Conta a lenda que a Alá não prazia esta união de diferentes religiões<br />
e, por isso, encantou para todo o sempre aquele par de namorados.<br />
Dizem as gentes da terra que em noites de luar, especialmente em<br />
Agosto, se vê muitas vezes a cobra bebendo naquela fonte as longas<br />
saudades de Aldonça.<br />
159
... ao ouvirem isto, o par de ciganos estreitaram-se mais ternamente<br />
no abraço em que estavam enlaçados e saciaram longamente as<br />
saudades e os medos que os perturbavam quase não acreditando na<br />
felicidade que lhes era concedida ao abrigo das leis e costumes e<br />
talvez dos interesses escondidos das religiões e dos senhores que<br />
mandavam na sociedade que eles se atreviam a invadir e a perturbar,<br />
correndo sempre de lado para lado na sua carroça que os levava de<br />
terra em terra de feira em feira de festa em festa percorrendo<br />
incansavelmente o imenso Alentejo sempre misterioso e sedutor, com<br />
mil segredos e tesouros para encontrar e contar, e de encantar...<br />
Ainda inconscientes semi-adormecidos na ânsia de matar a sede<br />
insaciável, eis que mais um cantador vinha da profundidade dos<br />
tempos, cantar com as suas oitavas de decassílabos quase épicos:<br />
a LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - a fonte da moura...<br />
O certo é que aos dezassete do mês de Novembro do ano de mil e<br />
novecentos, quando o século vinte estava mesmo no alvorecer,<br />
conta-se que o poeta Edmundo Belfonte concebeu os seus versos<br />
heróicos de oitavas, com musicalidade, ritmo e rima de “Os<br />
Lusíadas”, tentando cantar, com a “FONTE MOURA”, a epopeia da<br />
cidade de Beja e da Planície sem limites para o Sul...<br />
Apareceu publicada pela primeira vez no jornal “A FOLHA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>”<br />
N° 419, Ano IX, de 10 de Janeiro de 1901, que tinha como editor<br />
João Valente Beck, mas tinha tido como Director Político, José<br />
Mendes Lima e foi um jornal que sobreviveu até 1919 sob a<br />
orientação de Marques Mendes.<br />
Foi no “Jornal de Beja” de 17, 20 e 25 de Junho de 1986 que foi dada<br />
de novo a conhecer aos seus leitores, pela mão, julgamos nós, do<br />
amante enternecido pelas coisas da sua terra, o senhor Barbosa<br />
160
Bentes, neto do último director daquele jornal e mais conhecido por<br />
“o Cheira Pedras” pelo ardor e pelo empenho que sempre pôs em<br />
procurar conhecer e dar a conhecer todos os sinais que podem ajudar<br />
a ler a história e as raízes deste povo...<br />
Mas, ciganos que somos, sempre a deambular, e assim que vamos<br />
encontrar o par amoroso ⎯ o cigano Castanho e a cigana Mariana,<br />
sentados ao fresco da fonte, depois de saciados, ouvindo o poeta de<br />
novecentos...<br />
161
162
LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA<br />
2.04 - LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA, por<br />
163<br />
Edmundo Belfonte,<br />
1º in “A Folha de Beja”, 10/01/1901<br />
2º, in “Jornal de Beja”, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986<br />
Subindo à velha torre do castelo<br />
Erguida ao noroeste da cidade<br />
Desfruta o visitante um quadro belo<br />
Se do ano correr a mocidade,<br />
Verá da mãe Natureza o gran desvelo,<br />
Vestindo de verdura a imensidade<br />
por intermédio do senhor Barbosa Bentes.<br />
Das campinas, e, orlado a mal-me-queres,<br />
As messes bastas da cuidosa Ceres.<br />
Ao leve e fresco arfar da viração,<br />
Que corre pelo prado a suspirar,<br />
Exercendo sobre nós fascinação,<br />
Parece o campo, movediço mar.<br />
Enchendo-nos de gozo o coração,<br />
O doce panorama faz sonhar<br />
Co’um ser celestial, casto e gentil,<br />
Poder divino do ridente Abril.<br />
Planície sem limites para o Sul,<br />
Desdobra-se formosa, viridente,<br />
Por sob a vastidão da cúpula azul<br />
D'um belo e puro céu, sempre fulgente.<br />
Por entre o flóreo manto de taful<br />
E gracil Primavera permanente,
A música das aves, e defronte,<br />
Em linha sinuosa, o horizonte.<br />
Olhando agora desde o norte a leste,<br />
Um campo acidentado se descobre (Serra do Mendro)<br />
Vestindo um manto muito mais agreste;<br />
Porém a flora tem par'cer mais nobre.<br />
O flóreo manto, que neste campo veste<br />
Segredos da Natura mãe encobre;<br />
São ledas aves descantando amores,<br />
São frescas fontes e mimosas flores.<br />
Desçamos à planura a ver agora<br />
Um tanto mais perto a Natureza,<br />
Após um pouco do nascer da Aurora,<br />
Saindo aos prados da gentil beleza.<br />
Primeiro comecemos pela flora<br />
Do Norte a Leste, que dará surpresa<br />
Num célico conjunto d'harmonia,<br />
Enchendo o peito d'alegria.<br />
Aqui cristais destila a Fonte Santa, (Água medicinal)<br />
Oculta ⎯ estando junto à férrea via;<br />
Um tanto mais abaixo alegre canta<br />
Gentil donzela, que ao amor envia<br />
Queixumes ternos com que o moço encanta,<br />
Qu’aos doces cantes com prazer se alia.<br />
Num tanque mais a leste há lavadeiras (Pelame)<br />
Lavando sob o olor das laranjeiras.<br />
Além no cimo da vertente o Santo,<br />
Que às almas justas dá no céu entrada,<br />
164
Olha as campinas de florente manto<br />
E escuta atento pastoril balada.<br />
Ao lado a Borja, com pomar d'encanto (Horta do Borges)<br />
Sentada à beira de escabrosa estrada<br />
E além d'um ribeirinho com decência (Barranco do Rabelo)<br />
A quinta apelidada Consciência.<br />
Mais longe, no planalto d'um outeiro,<br />
Contempla as graças do surgir do Sol<br />
A Senhora das Neves que primeiro<br />
Descobre a luz purpúrea do arrebol.<br />
E neste campo florestal inteiro<br />
Hinos d'amor repica o rouxinol,<br />
Enchendo os peitos d'eternal magia,<br />
Quer seja noite ou brilhe o claro dia.<br />
Voltemos para o Norte. O Carmo Velho<br />
Ou antes as históricas ruínas,<br />
Convento onde do célico Evangelho<br />
O povo ouviu as práticas divinas,<br />
Onde a caridade, o são conselho<br />
Aos homens ensinou Santas doutrinas,<br />
Com suas largas derrocadas portas<br />
Domina pequeninas, várias hortas.<br />
Detrás, a curtíssima distância,<br />
Envolta em flores que a luz bela doura<br />
Num paraíso d'ideal fragrância<br />
Oculta-se a gentil FONTE DA MOURA,<br />
(falham 2 v. já na 1ª ed.)<br />
Onde dizem, divinal princesa<br />
165
Mourisca, foi esconder sua beleza.<br />
Versão lendária, mas que prende e agrada<br />
Contava-me em pequeno minha avó:<br />
⎯ Meu filho; nesta fonte transformada<br />
Em cobra, uma princesa sobre o pó<br />
Se arrasta, começava, que encantada<br />
Há muito tempo está. Isto é um dó.<br />
Já muita gente viu a pobre cobra,<br />
Que, súbito fugindo se desdobra.<br />
Malvada gente que no mal só pensa,<br />
A cobra procurando em seus retiros,<br />
As armas vis lh'aponta, sem detença,<br />
Mandando à triste venenosos tiros!<br />
Mas ela estando a fado estranho apensa<br />
Sem dano se retira, entre suspiros,<br />
Sumindo-se instantânea, prontamente<br />
Aos olhos desta tão malvada gente.<br />
Um dia uma formosa rapariga<br />
Vivendo com seus pais n'um pobre monte,<br />
Que perto ali ficava, e era amiga<br />
D'a horas altas ir beber à fonte,<br />
Fiando o fuso setinosa estriga,<br />
Angélica deidade viu de fronte<br />
Da ubérrima, cristalina origem<br />
Que fora do Empyrio etérea virgem.<br />
A tímida donzela receosa<br />
Passando perto as boas noites deu,<br />
Notando que a deidade suspeitosa,<br />
166
Que súbito a tal hora lh'apareceu,<br />
Tinha na frente, linda e cobiçosa<br />
Uma condeça, que hábil mão teceu,<br />
Contendo largas e mimosas passas,<br />
D’aquelas que em tal tempo eram escassas.<br />
A estranha criatura respondendo,<br />
Ao cumprimento da gentil donzela,<br />
Lhe disse, seu trabalho suspendendo:<br />
“Feliz te faça Deus, criança bela.<br />
Não queres passas, filha? Tira, querendo."<br />
A jovem se aproxima com cautela,<br />
Tirando quatro passas a tremer<br />
“Não tiras mais? Pesar haveis de ter..."<br />
Agradecendo se retira a jovem<br />
De susto e medo muito atormentada;<br />
Em breve, cantos d'alma que comovem<br />
Ouviu, apenas alcançou a estrada,<br />
São cantos que apesar do medo, a move<br />
Para ouvi-los, fazer ali parada;<br />
Julgou ouvir voz dum Serafim,<br />
Que tristes mágoas declinou assim:<br />
Oh Silvanea, oh Silvanea<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Há-de vir o fim do mundo<br />
E Silvanea aqui postada!<br />
Pobre flor da Murinea<br />
N'este vale abandonada<br />
Por um Pai que te adorava<br />
167
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Sempre entregue a negro olvido,<br />
Em cobra vil transformada<br />
Chegarás ao fim do mundo<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Nem no inferno profundo<br />
Tu terás, Silvanea entrada,<br />
Pois que a lei dos teus deixaste<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Por seres do jovem Cristão<br />
Terna flor idolatrada<br />
Te votou a eterna dor<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Mal dizendo o teu amor<br />
Te deixou escravizada<br />
Dum poder desconhecido<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Verás bela a flor na haste,<br />
Pouco depois desfolhada,<br />
Isto por anos sem conto<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Teu sofrer não tem desconto<br />
Tuas mágoas não são nada<br />
Para a demência paterna<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
168
Fica entregue à dor eterna,<br />
Com teu pranto malfadado,<br />
Alimentando esta fonte,<br />
Oh Silvanea desgraçada!<br />
Cessou da moura o cântico sentido<br />
Sucedendo-lhe então fremente pranto<br />
Profundos ais de queixas mil seguido<br />
Que os ecos da campina acorda em espanto!<br />
Dizia minha avó, que após o encanto,<br />
Cessou da moura o cântico sentido<br />
Sucedendo-lhe então fremente pranto<br />
Profundos ais de queixas mil seguido<br />
Que os ecos da campina acorda em espanto!<br />
Dizia minha avó, que após o encanto,<br />
Muitos séculos tinham decorrido,<br />
E que esta moura só se põe vista<br />
Na festejada noite do Baptista.<br />
Opresso o peito, alucinada a mente<br />
E as pernas mal sustendo o débil busto,<br />
A casa corre atarantadamente<br />
Mordida a moça por crescente susto,<br />
Entrando em casa cai redondamente...<br />
Mas corre a socorrê-la irmão robusto,<br />
Que o pulso possuía duro e forte,<br />
Esbelto o talhe e donairoso o porte.<br />
169
Voltando à natural serenidade,<br />
Narrou a jovem, detalhadamente<br />
O caso estranho, baixo, à puridade,<br />
Temendo ouvi-la qualquer outra gente.<br />
A dar prova de cabal verdade,<br />
Notou que as passas milagrosamente<br />
Se tinham transformado em peças d’ouro<br />
Brilhando como um fúlgido tesouro!<br />
Beja, 17.11.1900<br />
Edmundo Belfonte (in "A Folha de Beja", 10 de Janeiro de 1901)<br />
170
img018 – a moura encantada em fonte e a tímida donzela<br />
A tímida donzela receosa<br />
Passando perto as boas noites deu,...p. 165<br />
171
172
Sentados ali à beira da fonte que sai duma mina e corre para um<br />
barranco que atravessa uma azinhaga, foi assim que a cigana<br />
Mariana e Cigano Castanho ouviram o épico arrojado cantar as <strong>lendas</strong><br />
que a avó misturava da bela moura Aldonça que passa a Silvanea<br />
desgraçada e aparece a uma formosa rapariga, amiga de a altas<br />
horas ir beber à Fonte e fica com quatro passas transformadas em<br />
ouro, fúlgido tesouro, que fica a testemunhar a verdade de toda esta<br />
fantasia...!!!<br />
Era a avó que misturava as <strong>lendas</strong>? De Aldonça e Alfátima lá nos<br />
Hermíneos tão perto e tão distantes, se contam <strong>lendas</strong> semelhantes,<br />
como a da Moura Encantada do caminho de Mértola...!!! Era a avó ou<br />
vate que sonhava e de tanto sonhar as misturava?!!!<br />
Ali postados, deslumbrados, os ciganos nada puderam confirmar.<br />
Era no luar de Agosto. Não tiveram pois oportunidade de ver a<br />
aparição da cobra aparecer na meia-noite do dia de São João!<br />
⎯ Num outro ano havemos de cá vir, sem ninguém nos ver, na noite<br />
de 23 para 24 de Junho... ⎯ Prometeram!<br />
173
174
0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS<br />
CAVADAS<br />
Mas os ciganos, mesmo apaixonados como o par jovem que nos leva<br />
a correr pelo Mundo da Fantasia e do Maravilhoso, não vivem só da<br />
água das fontes... deram conta que precisavam de comer, e como<br />
eles, também os animais que puxavam as carroças e os<br />
acompanhavam nas suas andanças... Correram os montes por palha<br />
mas o ano não tinha sido lá muito bom... A primavera não tinha sido<br />
luminosa como os mais anos... e umas chuvadas já no mês de Junho<br />
tinham derrubado as searas e atrasaram as ceifas que só podiam ser<br />
magras, e o mais do grão a rebentar com a humidade e o calor, e a<br />
palha estava a apodrecer...<br />
⎯... Só lá p’rás herdades fartas é que se pode esgravatar alguma<br />
coisa do que sobra aos que têm a mais... ⎯ sentenciou o velho<br />
cigano sentado nas pernas dobradas como os budas do oriente e<br />
enrolando o tabaco na mortalha que não dispensava...<br />
⎯ É abalarem lá para as bandas da Almocreva que dali nunca<br />
arredou pobre de pedir sem ser aviado!...<br />
⎯ ... A palavra do velho é Lei e ainda por cima ele sabe o que diz<br />
sem dali arredar pé... e o mais, nós não temos mais aqui o que<br />
procurar...<br />
Vamos assim ver os ciganos abalar azinhagas fora ao redor dos<br />
montes que ladeiam o Carmo Velho, meter à circular e seguir os<br />
caminhos do Monte da Almocreva onde as sobras dos imensos<br />
telheiros que abrigavam os fardos davam para fartar e ainda<br />
sobrava...<br />
175
Satisfeitos e servidos, vamos encontrar o par de ciganos acampados<br />
junto à FONTE DAS CAVADAS que ao outro dia logo chegarão os<br />
outros com a erva e a palha que arranjaram pelo caminho...<br />
⎯ E a noite é toda nossa, ⎯ gemeu a cigana Mariana ao ouvido do<br />
cigano Castanho!<br />
E era. Mas não era.<br />
Depois de matarem a sede na água fresca e abundante que ali corre<br />
e sempre correu por duas bicas de água sempre abundante duma<br />
grossura maior que os pulsos fortes dum homem do campo cavador<br />
de enxada e corre farta e livre tanto de verão como de Inverno e que<br />
de verão ainda é mais fresca que de Inverno... os nossos ciganos<br />
recolheram para passarem a noite no seu palácio encantado que era<br />
em cima da palha por baixo da carroça...<br />
Ele não há fonte como a das Cavadas!... Só nos anos da seca é que a<br />
cortaram uns tempos para reforçar o abastecimento da água à cidade<br />
mas quando veio a água do Roxo amanharam-na outra vez como<br />
houvera de ser e ali corre ela generosa e perdulária a perder-se pela<br />
valeira que ia encher o lavadouro e regar as hortas da quinta da<br />
Faleira que faziam a abastança de tudo o que era verde no mercado<br />
de Beja... isto nos anos em que aquilo tudo ali eram hortas...<br />
Agora!!! perde-se por aí que é uma dor de alma... Uma água como<br />
não há outra! ...que é muito melhor do que essa que vendem pr'aí<br />
em garrafões... uma água que até é boa prós doentes e prós bebés...<br />
É ver a quantidade de gente que, ainda agora, que já há água<br />
canalizada nas casas do Penedro, vem aí com as bilhas metidas nas<br />
rodelas dos carrinhos de mão que durante anos e anos foram a<br />
canalização das casas deste povo todo... e os que já não têm esses<br />
carrinhos, vêm com garrafões e depósitos, e vem gente da cidade e<br />
doutros lados até de carro para beberem desta água que não há<br />
176
outra igual... Mal há-de ser se vão ter de a cortar outra vez para a<br />
misturarem com a outra água que vai para os depósitos e depois é<br />
tratada e distribuída pelas casas... Mal há-de ser se nos tiram tudo o<br />
que é são e autêntico como esta água que sai pura e verdadeira do<br />
ventre da terra...<br />
É que aquela noite era noite de luar e os nossos ciganos custavam a<br />
adormecer. E como lhes custava a adormecer no meio do seu enleio<br />
ouviram vozes que vinham lá dos lados da fonte e pareciam ser de<br />
muita gente reunida... Aguçados pela curiosidade rastejaram do seu<br />
esconderijo ali escondido a céu aberto e puseram-se a espreitar... O<br />
que haviam de ver?<br />
Naquela noite os MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA<br />
tinham precisamente escolhido a FONTE DAS CAVADAS para a sua<br />
reunião de sábios que desvendam os mistérios do Universo e da<br />
Natureza Humana e ali estavam reunidos em grupos de magos e<br />
fadas espalhados pelas mesas e pelos bancos e pelo muro baixo que<br />
rodeia a cúpula branca que protege as bicas da fonte e forma sobre<br />
elas como que uma caverna fresca por onde, quem sabe, se pode<br />
entrar no Mundo das Mil e Uma noites?...<br />
Eram então eles que contavam aquelas coisas sobre aquela fonte e<br />
dizia-se que diziam muitas coisas mais?!!!...<br />
Mal vai aos seres humanos se lhes tiram tudo o que é são e autêntico<br />
como esta água pura e verdadeira que aqui sai do ventre da terra<br />
para lha darem depois de misturada e tratada com produtos e<br />
purificada, dizem eles, porque por este andar vão dizer que só são<br />
bons para as pessoas os produtos de plástico misturados e<br />
modificados e tantas vezes conspurcados que em vez de alimentarem<br />
andam para aí a matar a gente aos bocadinhos como fazem com os<br />
177
insecticidas que tudo vão envenenando até o que eles comem e<br />
bebem... Pobre humanidade se não for capaz de salvar algumas<br />
fontes de água viva para poderem matar a sede verdadeira!<br />
Pobres deles se secam todas as fontes como as que têm ainda, de<br />
poesia e canto e <strong>lendas</strong> e contos e tradições populares para<br />
alimentarem os seus sonhos de felicidade e liberdade... e de vida!!!<br />
Pobres deles quando se convencem que, para conseguirem a<br />
felicidade, tem de conseguir que tudo seja igual, fabricado em série,<br />
tudo a obedecer ao mesmo modelo... quando se vestirem todos da<br />
mesma maneira, quando todos forem iguais, quando todos pensarem<br />
da mesma maneira!... Pobres loucos que não sabem o que querem! E<br />
o perigo das doutrinas religiosas e políticas e ideias pessoais quando<br />
se convencem até que o ano seria ideal sem as quatro estações, que<br />
seria melhor haver só dia ou só a noite, ou só a luz ou só a sombra,<br />
só o bem ou só o mal...<br />
e não dão conta, coitados!, que se tivessem isso, teriam o tédio a<br />
morte... o caos que não gera a vida se fossem esses loucos a criar a<br />
humanidade... Que seria do Universo se não houvesse o estímulo<br />
criador da diferença do calor e do frio do peso e da imponderabilidade<br />
da luz e das trevas como diz Milan Kundera, Hubert Reeves e<br />
outros... e da energia sublime das milhares de variações existentes<br />
entre os pólos negativo e positivo em que muitos querem dividir a<br />
Humanidade como a Morte e a Vida e o Bem e o Mal ?!<br />
178
img019 – a fonte das cavadas… uma visão naif…<br />
...hoje estamos aqui reunidos à volta desta fonte que rebenta em duas bicas cheias<br />
de impulso e de força duma mina cavada nas entranhas da terra... p. 181<br />
179
180
⎯ O certo é que, caros comagos e cofadas, ⎯ ouviram às tantas falar<br />
os ciganos escondidos ao luar ⎯ hoje, estamos aqui reunidos à volta<br />
desta fonte que rebenta em duas bicas cheias de impulso e de força<br />
duma mina cavada nas entranhas da terra que com duas golfadas<br />
enche o pequeno poço ali cavado e protegido e depois se perde pela<br />
regueira cavada em sulco por esses campos e ribeiros e vai<br />
fertilizando os terrenos, encher lagos e talvez desaguar no mar e<br />
voltar ao interior da terra transformada em chuva ou em neve para a<br />
tornar a fecundar e brotar de novo e tudo fazer renascer...<br />
Numa terra seca e deserta como esta imensa planície que chamaram<br />
Alentejo é a água que produz o milagre da vida e a falta de água é<br />
fonte de angústia desolação e de morte...<br />
Esta força da água a correr forte por estas duas bicas é música<br />
maravilhosa encantatória que as pessoas em grupos, sozinhos, aos<br />
pares, às escondidas... vêm ouvir para alimentar o seu sonho de<br />
fertilidade felicidade vida... É como a força sedutora da mulher, do<br />
feminino... é o signo da beleza e do bem da fantasia... é o sinal de<br />
que pode haver um mundo em que tudo, mesmo inacreditável, é<br />
possível, e todos os desejos podem ser realizados.<br />
Mas não é só esta fonte que existe.<br />
Tanto nesta como em muitas <strong>outras</strong>, há seres que vêm à procura dos<br />
seus sonhos de felicidade e é por isso que há, por todo o lado, a fonte<br />
dos namorados e as fontes de sete bicas... ⎯ e aqui, os nossos<br />
ciganos tiveram um sobressalto, ao lembrarem-se das numerosas<br />
fontes que tinham visto por todo o mundo que tinham corrido e das<br />
que tinham ouvido dizer que havia, isto contado pelo velho cigano<br />
que já tinha corrido muito mais mundo do que eles, e as tinha ou<br />
visto ou ouvido contar a outros velhos ciganos, que tinham corrido<br />
tudo o que era Mundo... ⎯ e em todas elas, de água fresca e<br />
cristalina, aparecia, nas noites de luar, uma princesa encantada, que<br />
181
seria uma bela moira ou uma bela adormecida ou uma princesa do<br />
oriente ou do ocidente ou índia ou dos países exóticos dos Andes ou<br />
das Ilhas, conforme a fantasia e os sonhos de cada um... e ali estão<br />
elas, encantadas, à espera dum milagre, dum feito heróico que<br />
desfaça o encanto!!!<br />
Vejam por exemplo o que acontece na FONTE MOURO. Uma fonte<br />
que fica além para Norte do outro lado da cidade mais ou menos à<br />
mesma distância que esta fica e onde na outra noite pernoitaram o<br />
par de namorados que são nossos convidados esta noite... !!! e eles<br />
que pensavam estar ali escondidos a assistir a uma reunião de seres<br />
nunca vistos e ouvidos... a cigana Mariana abriu muito o olhos e<br />
agarrou-se com força ao corpo do cigano Castanho que ainda os tinha<br />
mais abertos e morria de pavor... ⎯ Sim, eles pensam que nós<br />
somos seres como os outros que estão habituados a espiar e pilhar, e<br />
o certo é que somos, mas não somos bem como os outros porque a<br />
nós não é preciso iludir e enganar... Venham para aqui e sentem-se<br />
connosco para nos contarem o que viram e não viram e aqui sempre<br />
estão melhor gozando do fresco destas árvores e destes bancos e<br />
podem ficar inebriados pela música desta água refrescante que brota<br />
das entranhas da terra com uma vitalidade carregada de fecundidade<br />
e fertilidade...<br />
De manso, muito de mansinho... de mãos dadas um ao outro... o par<br />
de ciganos levantou-se... começou a caminhar... e como<br />
transportados nas asas da brisa suave que corria imperceptível...<br />
encontraram-se maravilhados no meio da assembleia dos magos e<br />
das fadas que tinham muitas coisas para contar... e semeavam,<br />
durante a noite, as sementes de todas as flores de todos os sonhos e<br />
desejos que depois durante o dia se haviam de tornar realidade e<br />
crescer e multiplicar-se à luz do sol...<br />
182
Como viram, explicaram então os sábios da clareira escondida na<br />
floresta depois de lhes terem dado a beber da água da fonte em<br />
transparentes taças de cristal que ali apareceram como por magia e<br />
eram, pura e simplesmente, cocharros talhados em cortiça ou a<br />
concha das mãos unidas como toda a gente pode beber, como viram<br />
lá na vossa FONTE MOURO que outros chamam a FONTE DA MOURA<br />
porque pensam que é mais claro e mais simples, mas esquecem ou<br />
querem esquecer que a fonte foi descoberta e mandada construir<br />
pelo mouro que consideram mau e terrível e esquecem muitas vezes<br />
que mesmo ao lado, não muito longe, fica o monte da FONTE DA<br />
COBRA e logo mais adiante o monte da COBRA que vão espreitar a<br />
medo e até lhe metem um MONTE da SERRA pelo meio para impedir<br />
que se juntem, sem perceberem coitados! que a magia da FONTE<br />
MOURO da encantada princesa perderia todo o sentido sem a ameaça<br />
terrível constantemente possível de aparecer por lá uma cobra<br />
sedenta a beber longamente as saudades de Aldonça... Há mesmo<br />
quem diga que caçadores espertos e experientes já tentaram tudo<br />
para matarem o monstro que aparece ali em noites de luar com todas<br />
as artimanhas laços armadilhas e tiros fatais... mas para sorte deles<br />
e da humanidade a <strong>Cobra</strong> esguia sempre sempre se esgueirou sem<br />
dano desaparecendo instantaneamente dos olhos cegos dos mortais<br />
para sempre aparecer de novo a beber a beber sem nunca se<br />
saciar...<br />
Chega por hoje, por esta noite que já vai bem alta, porque temos<br />
mais convidados para uma festa de despedida... e era certo. Ansiosos<br />
pelo calor da noite e intrigados pelas coisas misteriosas que se<br />
passavam no ar ao luar daquela noite, os pares de namorados da<br />
aldeia tinham-se levantado e com a desculpa aos pais que morriam<br />
de sede e iam buscar água para toda a família, pegaram no carrinho<br />
de uma roda com dois arcos e dois braços e com os potes vazios<br />
partiram a caminho da fonte onde, por pressentimento, sabiam que<br />
183
iam encontrar os seus amados. Não era novidade nenhuma isso, que<br />
já tinham aprendido desde os trovadores medievais que cantavam os<br />
encontros secretos dos amantes que todos acabavam por saber, mas<br />
o que não sabiam é que naquela noite, se iam encontrar em tão<br />
brilhante e encantatória assembleia... encantados de espanto de se<br />
verem todos misteriosamente descobertos nos seus secretos sonhos,<br />
em coro de magia de braço dado, fizeram uma grande roda à volta<br />
dos magos e do par de ciganos e todos em roda puseram-se a<br />
cantar...<br />
as canções das FONTES de todo o tempo e lugar...<br />
184
2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS<br />
CAVADAS<br />
185
186
...E no meio dos cantos e da festa, um par de namorados não se<br />
conteve e passou a co/antar a seguinte LENDA...<br />
2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão<br />
⎯... Todos vocês sabem que esta Fonte das Cavadas, serviu durante<br />
anos e anos o povo do Penedo Gordo, que inventou, para a<br />
transportar, um carrinho de mão prático e original, que entre a roda<br />
dianteira e as pegas para o guiar, se abria em dois arcos onde se<br />
podiam transportar duas bojudas bilhas de água que eram a água<br />
corrente das casas e a água que matava a sede à gente nos trabalhos<br />
do campo...<br />
Foi mandada construir pelo senhor Joaquim Filipe Fernandes, em<br />
1876, como lá está gravado na pedra por cima das bicas, e era o<br />
dono da Quinta da Faleira e das hortas que verdejavam por esta<br />
regueira e forneciam o mercado de Beja durante anos e anos...<br />
Olhando daqui para nascente e para o norte, podemos ver que<br />
estamos no vértice dum triângulo formado pelo castelo de Beja e<br />
pelos campos a perder de vista dos Condes da Boavista, Santa Clara<br />
do Louredo... Esta é a fonte que dava de beber aos que trabalhavam<br />
no monte da Almocreva... e tudo isto parece envolver um certo<br />
mistério e significado...<br />
Tudo isto, como se pode ver, é rodeado de férteis terrenos de cultivo,<br />
dos melhores barros vermelhos de Beja, do Alentejo...<br />
... Consta... Contaram-me... Ouvi dizer que havia por aqui um touro<br />
e uma serpente.<br />
A serpente, cobra, procurava delimitar o seu território de pasto, de<br />
comida, de sustento e de domínio... para si e para as cobras suas<br />
187
súbditas que viviam na sinuosa ribeira alimentada por um fio de água<br />
que ninguém sabia donde vinha...<br />
O touro, esse vivia nos fartos pastos circundantes que sustentavam<br />
numerosa manada de fecundas vacas leiteiras, o seu orgulho e<br />
harém...<br />
Consta então, que um dia se envolveram numa disputa por questões<br />
de água...<br />
O touro: que a serpente lhe roubava a água que fazia reverdecer os<br />
seus pastos...<br />
A cobra: que o touro era o culpado de lhe faltar a água no veio por<br />
onde ela se movimentava, porque os campos sequiosos ao redor,<br />
para se manterem verdes e lhe darem alimento e mais a todas as<br />
vacas, lha bebiam toda e a deixavam a míngua...<br />
...Decidiram-se então por uma luta. Uma luta que seria de morte...<br />
E... nessa noite, de lua resplandecente, quando a cobra se erguia no<br />
seu corpo enroscado para abraçar o seu inimigo e o apertar no seu<br />
abraço mortal...;<br />
e o touro investia já de cabeça a rojar quase o chão com os<br />
poderosos cornos apontados e levantava sucessivamente as patas<br />
dianteiras para esmagar o réptil repelente, eis que se produziu o<br />
encanto...<br />
...Nessa altura, o rei dos animais?, a Lua?, o Sol?, alguma Estrela?,...<br />
interveio... paralisou-os e disse:<br />
⎯ Vós que disputais por causa da água... ides transformar-vos em<br />
fonte... tu, touro ficarás uma bica mais grossa e poderosa... e tu,<br />
cobra, uma bica mais fina de água sempre corrente e forte que será<br />
fresca e deliciosa no verão e quente e reconfortante no inverno... e<br />
sempre separados e sempre misturados, ambos cavareis uma ribeira<br />
CAVADA serpenteando e fertilizando todos estes campos e matando a<br />
sede a todos os viandantes que vão demandar estas paragens, no<br />
188
meio deste Alentejo quente e tórrido... e isto para sempre... assim<br />
disse a fada!<br />
... e foi assim que nasceu, talvez, a LENDA DA FONTE DAS<br />
CAVADAS...<br />
189
190
...Mas a namorada disse: Eu sei outra versão!... e timidamente,<br />
começou a contar assim:<br />
2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão<br />
Conta uma lenda, de tempos muito antigos, parece que de mil mais<br />
mil anos, que correram incessantemente sobre a vida, que,<br />
ali, no vértice do triângulo que os barros vermelhos da Almocreva,<br />
Penedo Gordo, formam com o castelo de Beja ou com a casa da<br />
Torrinha que é o solar Almodôvar e o solar dos Condes da Boavista, a<br />
umas centenas de metros da sede do monte maior da Almocreva<br />
nome feminino de almocreve que não é comum usar no feminino e<br />
nos leva a supor que já em tempos muito antigos que se perderam<br />
na memória, teria havido uma mulher que suplantou os homens no<br />
ofício de organizar e conduzir as caravanas de bestas de carga, ali,<br />
muito perto da propriedade mais conhecida pelo número e qualidade<br />
de vacas leiteiras e de touros mais famosos da região...<br />
havia um lugar especialmente fresco e verdejante, farto em bons<br />
pastos para o gado, que era atravessado por um declive, uma valeira,<br />
entre terrenos, que aparentava ser mais fresco e verdejante e<br />
transmitia por assim dizer frescura e fecundidade aos campos e<br />
montes de ao redor que eram ponteados aqui e além por recantos de<br />
sombras raras no meio da campina abrasadora...<br />
e no meio desse pasto, pachorrento e distante, como se nada fosse<br />
com ele, havia um grande touro que dominava e protegia a maior e<br />
mais luzidia manada de vacas leiteiras que se espalhavam pelos<br />
imensos pastos abundantes e verdejantes e produziam leite em<br />
abundância que eram o alimento, a força e o sustento de toda a<br />
gente daquela esforçada e laboriosa região...<br />
passava por ali muito perto a larga e espaçosa canada por onde, nos<br />
períodos da transumância, corriam centenas e centenas de cabeças<br />
de gado guiados por experientes almocreves que conduziam as<br />
191
manadas com a ajuda dos seus maiorais em busca de pasto e de<br />
frescura, quando o calor tórrido ameaçava deixar à míngua o gado<br />
que era a razão de ser e o meio de subsistência de toda uma imensa<br />
e estranha região...<br />
a acompanhar essas manadas de gado e atraída pela magia do<br />
perfume do leite, uma grande cobra estendia a sua vigilante avidez<br />
por toda aquela zona fértil de bom pasto onde pastava a maior<br />
manada de vacas dominada e protegida pelo touro maior e mais<br />
poderoso que por ali jamais fora visto, grande e poderoso como um<br />
penedo...<br />
era insinuante e discreta a cobra que se esgueirava por entre as<br />
árvores e as ervas da valeira e atrevidamente atravessava fugaz e<br />
repentinamente os caminhos e valadas por onde transitavam a gente<br />
e os animais com suas caravanas de bestas de carga e carros de<br />
carga e carroças...<br />
o touro, pesado e pachorrento, circulava lenta e vagarosamente com<br />
a sua imensa manada pelos campos cercados de estacadas aramadas<br />
em ciclos regulares para aproveitar sempre os pastos tenros e<br />
renovados renascidos e alimentados pelas águas e pelo sol que<br />
também por si obedecem a ritmos renovados, e assim serpenteavam<br />
pelos campos fartos e abundantes prenhes de fartura e abundância<br />
ao sabor das estações...<br />
assim também a serpente circulava discreta e disfarçada de mil<br />
formas aspectos e disfarces habilmente insinuada por entre as ervas<br />
e riachos, veios de água veredas e caminhos...<br />
foi assim que, durante muito tempo, iludidos e disfarçados, viveram<br />
em aparente e desconfiada paz os inimigos inconciliáveis e<br />
dependentes que não podiam nem ver-se, nem viver um sem o<br />
outro...<br />
até que um dia...<br />
um dia, ali a uma centena de metros do vértice do triângulo<br />
equilátero que forma a Herdade da Almocreva com o Castelo de Beja<br />
192
ou a Torre do solar dos Almodôvar e o solar do Condes da Boavista ali<br />
para Santa Clara do Louredo... eis que um dia se encontram, se<br />
afrontam, se acusam mutua e violentamente...<br />
⎯ ah! és tu serpente maldita que em certas épocas do ano me<br />
roubas a água que fecunda os campos onde cresce a erva verde e<br />
abundante que sustenta a manada que dá o leite que é o sustento, o<br />
vigor e a força desta região e do seu povo?...<br />
⎯ ah!, és tu maldito, que com tua imensa manada me roubas todos<br />
os refúgios e me deixas a descoberto em todos os esconderijos em<br />
que me tento esconder!!!?<br />
⎯ ah! és tu serpente cobra que roubas o leite e mataste a vaca<br />
leiteira que alimentava o vitelo mais forte e prometedor de toda a<br />
manada?...<br />
⎯ ah! eras pois tu e o teu gado que me roubavam as poças de àgua<br />
dos regatos que me refrescavam e me permitiam ocultar da vista dos<br />
que me perseguem e querem matar...!?<br />
⎯ ah? eras tu que afugentavas e assustavas a manada que tantas<br />
vezes fugia atarantada e espavorida e não parava, irrequieta, sem<br />
poder comer....!?<br />
⎯ ah! eras tu... ... ...<br />
⎯ ah! eras tu... ... ...<br />
e assim, travando-se de razões, que não eram razões, ali se<br />
ergueram um contra o outro em desafio de luta de vida e de morte...<br />
era noite de lua cheia e a luz feiticeira iludia-os encantando-os...<br />
193
já a cobra se enrolava nos anéis que lhe serviam de apoio no chão e<br />
se arqueava para desferir o bote contra o touro monstro, que furioso<br />
investia com todo seu peso e o perigo das suas hastes pontiagudas<br />
de cornos arqueados...<br />
ela disposta a envolvê-lo nos seus mortais anéis... ele disposto a<br />
esmagar a serpente insidiosa e insinuante com todo o peso das suas<br />
patas devastadoras...<br />
foi nesse momento que o feitiço do luar os paralisou e os deixou<br />
estáticos, e a terra se abriu como se fosse uma benção ou uma<br />
maldição...<br />
⎯ Vós que dependeis um do outro e disputais ferozmente pela<br />
frescura das fontes e fecundidade da terra, permanecereis juntos e<br />
separados para sempre transformados em duas bicas de águas<br />
abundantes e imperecíveis que hão-de ser a fonte de frescura e<br />
abundância falada e afamada por toda a região...<br />
e vós viandantes e caminhantes que passardes e aqui vos vierdes<br />
dessedentar assim os conhecereis porque uma bica será grossa e<br />
forte como um touro e a outra será grossa e esguia como uma<br />
serpente insinuante e interminável e ambos nunca unidos<br />
inconciliáveis mas sempre juntos... separados mas misturados na sua<br />
força indomável correrão serpenteando pela terra até ao mar infindo<br />
e fecundarão a terra e acalmarão o fogo ardente desta região e assim<br />
se unirão dois inimigos irreconciliáveis que hão-de correr quentes no<br />
Inverno e frescos no verão para que assim do encontro dos contrários<br />
aparentemente irredutíveis nasça a fonte da vida imperecível...<br />
as pessoas da região, para a transportarem para as suas casas, hão-<br />
de inventar um carro de mão com uma cabeça que roda no chão<br />
sustentada por dois braços e com dois membros que se estendem<br />
para o poderem fazer rodar e, no seu corpo, que assenta ainda em<br />
194
dois pés para se poder parar, abrirão dois círculos em forma<br />
antropogamiamórfica que correrá todos os caminhos e levará a todas<br />
as casas a água, ou, por assim dizer, a própria fonte de água viva e<br />
vivificante...<br />
Assim, Fonte das Cavadas, a Fonte das Duas Bicas, a Fonte do <strong>Touro</strong><br />
e da <strong>Cobra</strong>, são bicas que nos remetem ao início da História e afinal<br />
ligam toda esta história.<br />
195
196
Dá-me uma gotinha d'água,<br />
Dessa que eu oiço correr;<br />
Entre pedras e pedrinhas,<br />
Alguma gota há-de haver...?<br />
Alguma gota há-de haver,<br />
Quero molhar a garganta;<br />
Quero cantar como a rola,<br />
Como a rola ninguém canta!<br />
Dá-me uma pinguinha d'água,<br />
Não ma dês pelo cucharro;<br />
Dá-ma pelas tuas mãos,<br />
Para ter sabor tão raro!<br />
Para ter sabor tão raro,<br />
É do trabalho no campo;<br />
Nós somos feitos de barro,<br />
E da terra é o meu canto!<br />
Dá-me uma pinguinha d'água,<br />
Dessa que oiço correr;<br />
Entre silvas e mentrastos<br />
Alguma pinga há-de haver.<br />
Dá-me uma gotinha d'água,<br />
Não ma dês pela tigela;<br />
Dá-ma pela tua boca,<br />
Que eu não tenho medo dela!<br />
Dá-me uma pinguinha d'água,<br />
Da boca faz uma bica;<br />
Quanto mais água me dás,<br />
Tanto mais sede me fica!<br />
0.2.2 - O CANTE DAS FONTES<br />
197<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Bebi tornei a beber;<br />
‘Stava o meu amor defronte,<br />
Regalei-me de o ver!<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Encontrei um ramo verde;<br />
Quem o perdeu tinha amores,<br />
Quem o achou tinha sede!<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Debaixo da flor da murta;<br />
Foi só p'ra ver os teus olhos,<br />
Que a sede no era muita?<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Achei um ramo de flores;<br />
Quem'no achou (perdeu) tinha sede,<br />
Quem’no perdeu (achou) tinha amores!<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Onde o rio desce, desce;<br />
Nem a água apaga a sede,<br />
Nem o meu amor me esquece!<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Debaixo da vide branca;<br />
Fui p'ra ver o meu amor,<br />
Que a sede não era tanta!<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Por baixo da folha verde;<br />
Encontrei o meu amor,<br />
Bebi água sem ter sede!
198<br />
Fui à fonte beber água,<br />
Em casca de belancia;<br />
Nem bebi, nem truxe augua,<br />
Nem falei com quem eu queria!<br />
... quando o grupo desatou a cantar Dá-me uma gotinha d'água...<br />
todos se lembraram de <strong>outras</strong> cantigas e <strong>outras</strong> quadras a cantarem<br />
as fontes, os encontros secretos, as demoras na fonte, as mentiras e<br />
disfarces, as esperas desesperadas dos namorados no caminho das<br />
fontes, as desculpas... os enredos... as más línguas... e todos à roda<br />
cantaram cantaram... e até os magos ciganos entraram no desafio...<br />
e às tantas, já não se sabia quais eram as quadras tradicionais e com<br />
direitos de autor já consagrados pelo tempo e nunca registados, e<br />
quais eram as improvisadas ali inventadas de novo, trocando,<br />
misturando e baralhando as palavras e as ideias...<br />
No Pened(r)o há uma fonte,<br />
D'água fresca e abundante;<br />
É das Cavadas, do monte,<br />
Mata a sede ao viandante!<br />
Há no mundo muitas fontes<br />
D'água pura, frescas águas;<br />
Mas a mais viva entre montes,<br />
É a água das Cavadas!<br />
Há poços e ricas veias,<br />
Água correndo nas casas;<br />
Mas para as gentes da aldeia,<br />
Água sã, só nas Cavadas!
Ela dá saúde aos mortos,<br />
Faz medrar na horta a couve;<br />
Não tem tratos desses tortos,<br />
Com'esta água, nunca houve!<br />
Com'esta água nunca houve,<br />
Com'as nossas tradições<br />
Se houver quem no-las roube,<br />
Vai passar consumissões!<br />
Vai passar consumissões,<br />
Porque as fontes não se matam;<br />
Aqueles que matam as fontes,<br />
Trazem a morte na alma!<br />
199
200
img020 – a fonte touro cobra e a figueira…<br />
Mal sabes quanto me alegro<br />
Quando te vejo defronte:<br />
É como quem morre de sede<br />
E põe a boca na fonte.<br />
in Cancioneiro Popular de J. Leite de Vasconcelos, Vol. I, p. 421.<br />
201
202
... No meio do entusiasmo, houve até quem se lembrasse das<br />
cantigas dos trovadores medievais como a de Pero Meogo (1253?-<br />
1269?), comparando-a com a adaptação de Natália Correia, 1970:<br />
(Levou-s'a louçana),<br />
Levou-se a velida;<br />
Vai lavar cabelos<br />
Na fontana fria,<br />
Leda dos amores,<br />
Dos amores leda.<br />
(Levou-s'a velida),<br />
Levou-s'a louçana;<br />
Vai lavar cabelos<br />
Na fria fontana,<br />
Leda dos amores,<br />
Dos amores leda.<br />
Vai lavar cabelos<br />
Na fontana fria;<br />
Passa seu amigo<br />
Que lhi ben queria,<br />
Leda dos amores,<br />
Dos amores leda.<br />
Vai lavar cabelos<br />
Na fria fontana,<br />
Passa seu amigo<br />
Que a muito ama,<br />
Leda dos amores,<br />
203<br />
A bela acordara<br />
Formosa se erguia;<br />
Lavar seus cabelos<br />
Vai, na fonte fria,<br />
Radiante de amores,<br />
De amores radiante.<br />
Formosa se erguia;<br />
A bela acordara;<br />
Lavar seus cabelos<br />
Vai, na fonte clara;<br />
Radiante de amores,<br />
De amores radiante.<br />
Lavar seus cabelos<br />
Vai, na fonte fria;<br />
Passa seu amigo<br />
Que muito queria,<br />
Radiante de amores,<br />
De amores, radiante.<br />
Lavar seus cabelos<br />
Vai, na fonte clara,<br />
Passa seu amigo<br />
Que muito a amava,<br />
Radiante de amores,
Dos amores leda.<br />
Passa seu amigo,<br />
Que lhe bem queria;<br />
O cervo do monte<br />
A augua volvia,<br />
Leda dos amores,<br />
Dos amores leda.<br />
Passa seu amigo,<br />
Que a muit'amava;<br />
O cervo do monte<br />
Volvia a augua,<br />
Leda dos amores,<br />
Dos amores leda.<br />
204<br />
De amores radiante.<br />
Passa seu amigo<br />
Que muito lhe queria;<br />
O cervo do monte<br />
A água volvia,<br />
Radiante de amores,<br />
De amores, radiante.<br />
Passa seu amigo,<br />
Que muito a amava;<br />
O cervo do monte<br />
Revolvia a água,<br />
Radiante de amores,<br />
De amores, radiante.
2.3 - A LENDA DA PRINCESA<br />
ENCANTADA EM COBRA<br />
205
206
0.2.3 A perplexidade dos ciganos...<br />
As <strong>lendas</strong> da FONTE MOURO, com princesas transformadas em<br />
FONTE, A FONTE DA MOURA com o seu amado transformado em<br />
COBRA, ver o MONTE da FONTE DA COBRA e o MONTE DA COBRA,<br />
não podiam terminar, sem ver esta transfiguração d' A PRINCESA<br />
TRANSFORMADA EM COBRA.<br />
Foi contada por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo,<br />
freguesia de Santiago Maior, Beja, concelho e Distrito de Beja. Não<br />
temos o ano de quando foi recolhida, mas vem no I volume, com o<br />
N° 129, o último do II Ciclo: A BELA E O MONSTRO, dos CONTOS<br />
POPULARES E <strong>LENDAS</strong>, coligidos por José Leite de Vasconcelos e<br />
preparados para a publicação sob a coordenação de Alda da Silva<br />
Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR OR<strong>DE</strong>M DA<br />
UNIVERSIDA<strong>DE</strong>, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963.<br />
Quem já não percebia nada destes contos, <strong>lendas</strong> e interpretações,<br />
eram os nossos inseparáveis ciganos, o cigano Castanho e a cigana<br />
Mariana, que depois daquele encontro maravilhoso e inesperado com<br />
o fantástico nunca imaginado, pensavam que estavam dentro dos<br />
segredos dos contos e das <strong>lendas</strong> e dos signos e dos símbolos que<br />
eles traziam, quando, em vez de verem a princesa transformada em<br />
fonte, ouviram da tia Simplícia, ali do Penedo Gordo, de ao pé da<br />
Fonte das Cavadas, que foi mandada construir por Joaquim Filipe<br />
Fernandes no ano de 1876, como reza a placa de pedra que lá está<br />
por cima das duas bicas dentro daquela cúpula nascida do chão que a<br />
207
protege e guarda para os viandantes se abrigarem e refrescarem...,<br />
contar a lenda: A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA... Aí fica, como<br />
a transcrevemos da citada obra.<br />
208
2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por<br />
Simplícia Maria das Dores, do Penedo Gordo…<br />
…por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo, freguesia de Santiago Maior,<br />
Beja, concelho e Distrito de Beja In CONTOS POPULARES E <strong>LENDAS</strong>, coligidos por<br />
José Leite de Vasconcelos e preparados para a publicação sob a coordenação de<br />
Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR OR<strong>DE</strong>M DA<br />
UNIVERSIDA<strong>DE</strong>, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963<br />
Havia um moinho muito velho chamado da Torre. Diziam que<br />
apareciam lá medos e ninguém para lá queria ir habitar, até que foi<br />
para lá um moleiro mais a mulher morar; havia lá umas figueiras<br />
muito antigas. Debaixo das figueiras aparecia lá uma cobra muito<br />
grande com uns olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa.<br />
O homem e a mulher viam-na, nas não tinham medo, não se<br />
assustavam; até que uma manhã de S. João apareceu uma menina<br />
muito linda, com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de<br />
lume, chamando-lhe vizinha. A mulher assustada veio à porta ver<br />
quem era; perguntou-lhe onde é que estava, que vinha chamando-<br />
lhe vizinha. Onde ela disse à mulher que era vizinha, porque estava<br />
ali encantada na raiz da figueira, havia já uma quantidade de anos, e<br />
que saía naquele dia de S. João, porque o encantamento lhe dava<br />
ordem de sair; que vinha feita uma mulher, mas daquele dia em<br />
diante só ali vinha a aparecer, ou feita numa cobra ou num carneiro,<br />
ou num touro, que só assim naquela forma aparecia, e que podia<br />
assustá-los, à mulher e ao tal dito moleiro, mas não lhe podia falar,<br />
porque só aparecia assim feita bicho; o encanto não a deixava<br />
aparecer senão naquele dia de S. JOÃO. Onde a mulher do moleiro,<br />
muito assustada de ver uma menina tão linda, perguntou-lhe se não<br />
havia nada que de lá a pudesse tirar, donde ela estava encantada.<br />
Ela, com muito desejo de sair de lá para fora, disse para a mulher<br />
que podia, querendo, a desencantar de lá: levando ela a mulher<br />
209
dentro de um lindo palácio, que ela tinha debaixo da raiz da figueira,<br />
onde ela tinha a morada; chegou ela a levar lá a mulher do moleiro<br />
para mostrar a riqueza que tinha. A mulher, vendo aquela riqueza, e<br />
prometendo-lhe ela ficar rica, mais o marido, convenceu-se a querer<br />
desencantar a princesa.<br />
Onde a princesa jantou nesse dia com o moleiro e a mulher dele, e<br />
almoçou; e afinal muito contentes se encontravam a princesinha mais<br />
o moleiro e a mulher, onde combinaram da maneira que haveria de<br />
ser desencantada.<br />
A princesa dizia que era desencantada em três noites, caso a mulher<br />
do moleiro tivesse coragem de não se assustar com o que visse; que<br />
a princesa mandava pôr ao pé de uma serra de palha, que ela por<br />
pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um carneiro.<br />
Parece que vinha para lhe marrar, mas chegou ao pé dela com aquela<br />
fúria com que vinha e ficou feito na princesa; agradeceu-lhe por<br />
aquela noite.<br />
Depois na segunda noite veio feita num touro a berrar e a esgravatar,<br />
touro muito bravo; a mulher com muita coragem ameigou-o,<br />
levantou-o e o touro não lhe fez mal. Ficou outra vez a dita princesa<br />
falando com a mulher, agradecendo-lhe pela segunda noite. Dizendo-<br />
lhe a princesa para ela que na terceira noite, na última vez, é que era<br />
o mais perigo: vinha feita numa serpente e enrolava-se em volta da<br />
cintura e devia dar-lhe um beijo na face esquerda; que não se<br />
atemorizasse, que ela não lhe fazia mal. A mulher assustou-se,<br />
quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos<br />
olhos; ela apertou-a e matou-a, e ela disse-lhe: "Ah! Tirana, que me<br />
dobraste o meu encantamento". E ficou encantada por outra<br />
quantidade de anos.<br />
210
0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem<br />
não reunir...<br />
Assim ficou o encanto dobrado e o conto acabado...<br />
Desta vez os magos da clareira escondida na floresta já não reuniram<br />
mas foram pensando maduramente durante o enterro da pobre<br />
mulher do moleiro que por falta de coragem dobrou o encantamento<br />
da princesa e pagou com a vida quando descobriu que a serpente<br />
quando lhe foi para a beijar, ia para lhe tirar os santos olhos....<br />
Que mistérios e segredos se encontram encantados neste conto<br />
assim contado em que os medos do moinho da Torre faziam com que<br />
ninguém para lá quisesse ir morar, até que foi para lá um moleiro<br />
mais a mulher... Porquê tantas mutações?<br />
Primeiro cobra, depois menina, depois carneiro, depois touro, depois<br />
cobra?...<br />
Representará esta mistura de masculinos e femininos, e em contraste<br />
com a Lenda da Fonte Mouro em que e Atanásio que se transforma<br />
em cobra, o mito da ADROGENIA do Banquete de Platão, em que os<br />
seres humanos seriam hermafroditas e portanto sós, completos, e<br />
agora erram pelo mundo na procura desesperada do seu<br />
complemento que os realize, faça felizes e os torne criadores?... Ou<br />
esta Lenda da mulher corajosa que se atreve a enfrentar perigos<br />
terríveis para quebrar tabus e encantamentos seculares, serão um<br />
aviso por exemplo solidez da FAMÍLIA TRADICIONAL que só<br />
sobrevive, devido ao mito da FI<strong>DE</strong>LIDA<strong>DE</strong> CONJUGAL!?<br />
Ora como esta sociedade está impregnada por uma mentalidade<br />
machista, falocrática e falocêntrica, parece ser comummente aceite<br />
que A FAMÍLIA TRADICIONAL poderá porventura subsistir se a<br />
INFI<strong>DE</strong>LIDA<strong>DE</strong> FOR DO HOMEM, e sobretudo se for conveniente e<br />
211
hipocritamente disfarçada por ser tolerada, mas tudo ruirá e se<br />
desmorona em derrocada se a INFI<strong>DE</strong>LIDA<strong>DE</strong> FOR DA MULHER por se<br />
tornar SOCIALMENTE INSUSTENTÁVEL... É ver os filmes, os casos<br />
conhecidos de divórcios, e a INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de<br />
Milan Kundera, em que Teresa arrasta Tomás, se revolta com as suas<br />
infidelidades, mas sustenta o insustentável até se perderem no<br />
isolamento completo...<br />
Mas vejamos melhor a lenda!<br />
Ao princípio, nada de medos. “Havia lá umas figueiras muito antigas”.<br />
Debaixo das figueiras aparecia lá uma COBRA muito grande com uns<br />
olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa. O homem e a<br />
mulher viam-na, mas não tinham medo, não se assustavam...”<br />
Um casal isolado, a lidar todo o dia no trabalho do moinho, convive<br />
com a natureza que o rodeia como Adão e Eva no paraíso e nem da<br />
cobra tinham medo, pois até tinha os olhos ramudos como os de uma<br />
pessoa, sinal que a viam de perto e com tempo para poderem<br />
observar bem, a ponto de atentarem bem nos olhos, com a<br />
familiaridade das pessoas mais amigas que se querem...<br />
212
img021 – a cobra a figueira e o moinho…<br />
Havia um moinho muito velho chamado da Torre.<br />
Diziam que apareciam lá medos... p. 207<br />
213
214
A seguir a mulher assustou-se. Quando nada o fazia prever... “até<br />
que uma manhã de S. João apareceu uma MENINA MUITO LINDA,<br />
com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de lume,<br />
chamando-lhe vizinha.”<br />
Em vez duma explosão de alegria por finalmente ter uma vizinha,<br />
ainda por cima linda e atraente, aparece finalmente o susto, o medo<br />
o receio, mas que perante as revelações do encantamento que só lhe<br />
permitiriam aparecer daí em diante em forma de CARNEIRO, TOURO<br />
e SERPENTE e só três vezes, e perante o espanto diante das riquezas<br />
do lindo palácio que era a sua morada debaixo da figueira que a<br />
podiam tornar rica a ela e ao moleiro... a mulher “convenceu-se a<br />
querer desencantar a princesa.” Era só preciso ter “coragem para não<br />
se assustar com o que visse.” e assim depois do susto veio a<br />
sedução...<br />
Então...<br />
“...por pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um<br />
CARNEIRO.”<br />
A mulher não teve medo e a princesa em que se transformou,<br />
agradeceu-lhe.<br />
“...na segunda noite veio feita num TOURO... TOURO muito bravo.”<br />
“A mulher com muita coragem ameigou-o, levantou-o e o touro não<br />
lhe fez mal.” e a princesa agradeceu-lhe pela segunda noite.<br />
"... Na terceira noite, na última vez, é que era o mais perigo: vinha<br />
feita numa SERPENTE e enrolava-se em volta da cintura e devia dar-<br />
lhe um beijo na face esquerda;...”<br />
E “A mulher assustou-se, quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia<br />
para lhe tirar os santos olhos; ela apertou-a e matou-a...”<br />
215
Crê-se primeiro que a mulher tão corajosa terá apertado a cobra<br />
pegando-lhe abaixo da cabeça como sabem fazer os domadores e que<br />
teria matado o encanto, mas o encanto não morre e a pobre mulher é<br />
que paga com a vida e o encantamento é dobrado. "Ah! Tirana, que<br />
me dobraste o meu encantamento...” e aqui ficamos nós estarrecidos<br />
e perplexos perante os signos e os símbolos que esta lenda nos quer<br />
comunicar...<br />
Nem a fúria do CARNEIRO atemorizam a mulher... Nem a bravura do<br />
TOURO a impedem de o acariciar e levantar... Só quando lhe aparece<br />
na forma familiar de COBRA, depois de se deixar enrolar pela cintura,<br />
no momento do beijo, é que a viscosidade duvidosa da SERPENTE<br />
que “foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos olhos”;<br />
assustam a mulher que morre e dobra o encantamento...<br />
Caros comagos e cofadas, ouviram os ciganos dizer a uma das fadas<br />
muito comovida depois daquele funeral muito concorrido por todo o<br />
povo que fora abalado por tão insólita história que vinha assim<br />
confirmar os medos pelos quais ninguém queria para lá ir para o<br />
moinho muito velho chamado da Torre,... nós bem que dizíamos...<br />
ele ao princípio nem tiveram medo da cobra que até parecia humana<br />
mas depois ele viu-se... pobre mulher e pobre do moleiro, agora<br />
coitado... e <strong>outras</strong> coisas mais que se ouviam como é costume,<br />
...caras cofadas e caros comagos, perante estas emoções tão<br />
violentas a que todos fomos submetidos hoje não reunimos para<br />
tentar desvendar esta história que mistura os encantamentos da<br />
PRINCESA em COBRA quase humana e familiar... em MENINA MUITO<br />
LINDA que vai por uma brasa à vizinha e a assusta e seduz... em<br />
CARNEIRO que vai para marrar e se transforma em menina... em<br />
TOURO muito bravo que não lhe faz mal... em SERPENTE falsa ou que<br />
levou a mulher a duvidar com o medo que lhe arrancasse os santos<br />
olhos e a apertou e matou e foi injuriada de TIRANA...<br />
216
Por hoje desistimos de mais tentativas de descobrir os mistérios da<br />
Natureza Humana até porque já deixámos muitas pistas na<br />
assembleia da primeira noite da clareira escondida na floresta quando<br />
falámos do TOURO e da COBRA, e deixamos cada um entregue à<br />
necessidade do seu isolamento, à imperiosa ânsia de estar só e de se<br />
deixar assustar e seduzir e não ter medo e se deixar morrer de medo<br />
e o anseio imperioso de viver com os outros e conviver, ver até olhos<br />
humanos na cobra grande e repugnante, assustar-se com a menina<br />
que encanta e seduz, enfrentar as fúrias do carneiro e do touro, mas<br />
deixar-se matar perante a ameaça de deixar de ver... <strong>DE</strong> FICAR SEM<br />
OLHOS PARA VER...<br />
A cigana Mariana assustada que fechara os olhos para pensar deitada<br />
no campo, voltada para as estrelas, acordou sobressaltada e olhou<br />
para o seu companheiro o cigano Castanho que dormia a seu lado...<br />
Não dormia. De olhos bem abertos percorria o céu inteiro onde<br />
naquela noite brilhavam as estrelas ofuscadas pelo brilho da lua, e<br />
quando a sentiu acordada, apontou as estrelas e falou sem a olhar<br />
para não perder as suas descobertas:<br />
⎯ Olha, olha que maravilha as constelações riscadas no céu. O<br />
CARNEIRO além mansinho, parado, como que deitado junto aos<br />
Peixes; O TOURO logo a seguir a arremeter em fúria com a testa e os<br />
chifres cravejados de brilhantes estrelas e a mais brilhante e maior é<br />
a Aldebarã; e além mais longe A SERPENTE que não se vê senão uma<br />
parte porque a outra há-de rodar do outro lado do mundo, mas fica<br />
além ao lado por cima da Balança... é o Ofioco... o signo que não<br />
existe... o 13°... aquele que faz a ligação entre os doze para que o<br />
ciclo dos 12 se renove incessantemente...<br />
217
⎯ Não vejo bem! Não... Já vejo. Ajuda-me a encontrar...⎯ pediu a<br />
cigana.<br />
⎯ Olha além... depois logo a seguir... agora do outro lado do céu...<br />
Já vês?<br />
⎯ Que mistérios e segredos têm as estrelas para nos contar? Será<br />
que brilham tanto só para nos encantar?...Não acredito. Tanto<br />
encantamento e beleza e tanto brilho, hão-de servir com certeza para<br />
VERMOS... Um dia destes havemos de surpreender de novo os Magos<br />
da Clareira escondida na Floresta e havemos de aprender mais uma<br />
infinidade de coisas sobre os mistérios do Universo e da Natureza<br />
Humana... sonhos e verdades que eles nem sequer se atrevem a<br />
sonhar!<br />
218
3 - <strong>LENDAS</strong> ou HISTÓRIA<br />
OU<br />
PERSONAGENS REAIS QUE SE TORNARAM LENDA<br />
do fantástico que se torna real ao real que se torna<br />
fantástico<br />
3.1 - A MORTE DO LIDADOR – o lida DOR –a DOR lida<br />
5.1.1 - A Revolução em Beja – (1383 - 1385)<br />
5.3 - Mariana Alcoforado – (A Freira de Beja)<br />
219
220
0.3 - CIGANOS ANDARILHOS<br />
acontece que a nossa<br />
caravana de ciganos<br />
inebriados pela aura das<br />
<strong>lendas</strong> que tinham ouvido<br />
tentavam começar a<br />
compreender a terra e as<br />
gentes por onde passavam,<br />
e assim passaram os dias<br />
seguintes a deambular pela<br />
cidade e além das pessoas<br />
que encontravam e olhavam<br />
e os olhavam, eles passaram<br />
a ver <strong>outras</strong> coisas para<br />
além das ruas e das casas<br />
e a olhar as pessoas como<br />
eles eram olhados.<br />
Por detrás de um povo há<br />
sempre uma carga de ideias<br />
de história de verdades ou<br />
de mentiras de ideias<br />
preconcebidas ou de<br />
preconceitos, de história<br />
ou de lenda, de tradições<br />
ou costumes, de arte ou de<br />
características... que<br />
podem ajudar a ver melhor<br />
as pessoas...<br />
até que ponto é que esta<br />
herança influía ou<br />
221
modificava o primeiro<br />
olhar sobre as pessoas?<br />
até que ponto lhes dava a<br />
conhecer as virtudes ou os<br />
defeitos, os traumas ou o<br />
desejo de deles se<br />
libertarem?<br />
E foi assim que andando<br />
andando e cirandando<br />
para tudo iam olhando<br />
olhando e anotando...<br />
E viram que em toda a parte<br />
fosse por magia ou arte<br />
aparecia com fulgor<br />
o nome do LIDADOR.<br />
Mas que LIDADOR é este<br />
com estátuas e pinturas?<br />
O que diz a esta gente<br />
que o põe lá nas alturas?<br />
É com certeza um herói<br />
que diz muito a esta gente<br />
Seja lá pelo que for.<br />
Foi certamente um valente!<br />
O que terá sido ao certo.<br />
vamos sabê-lo de perto...<br />
será mesmo um lidaDOR?<br />
ou será uma DORlida<br />
222
img022 – a luta de morte entre o cristão – o lidador - e o mouro…<br />
223<br />
E ali foi mais aficada a lide... p. 226
224
3.01 - O LIDADOR<br />
Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador<br />
fora nomeado fronteiro de Beja<br />
por El-Rei D. Afonso Henriques<br />
primeiro rei de Portugal<br />
e no ano de 1170<br />
para comemorar o dia em que completava<br />
95 anos de baptismo,<br />
80 de ter vestido armas<br />
e 70 de cavaleiro,<br />
empreende uma surtida contra os mouros,<br />
tendo enfrentado o temeroso Almoleimar<br />
e o poderoso Alboacém<br />
que são derrotados<br />
mas pagando com a vida<br />
tão estrondosa vitória!<br />
E assim entrou na lenda<br />
0 famoso Lidador<br />
Por ter vencido a contenda<br />
E dos mouros ser terror!<br />
Depois de Alexandre Herculano nos ter deixado nas <strong>LENDAS</strong> E<br />
NARRATIVAS as páginas brilhantes que foram a semente fecunda do<br />
romance histórico e do romantismo mais puro em Portugal, dando-<br />
nos, na época convulsa das lutas liberais do século dezanove, um<br />
conjunto de quadros espantosos sobre a história, as tradições e<br />
valores do velho Portugal medieval, cavaleiresco e semibárbaro,<br />
225
poderia querer dizer que é pretensão demasiada querer apresentar<br />
aqui a velha lenda ou história.<br />
Não é pretensão. Antes convite a uma nova e repetida leitura e se<br />
possível uma nova recriação, nesta época que vivemos, seguindo<br />
afinal o exemplo que Herculano nos deixou... Cada época, cada<br />
geração, tem o direito de ter a sua leitura da história...?!!!<br />
É mesmo essa heresia que queremos afirmar. Mesmo os rigorosos<br />
iluminados que clamam infalivelmente que a história é, tem de ser<br />
objectiva, e só pode ter uma leitura, gritam-no em monumentais<br />
edições e envoltos em grandes doutoramentos, porque sabem que<br />
não é verdade. Basta comparar dois desses notáveis monumentos<br />
sobre o passado, basta ler dois jornais ou ouvir e ver dois noticiários<br />
sobre o presente!!!<br />
O que vale saber a Historia?<br />
Como é que cada povo e cada geração lê a sua História?<br />
O que valem a História e as Tradições, à luz dos novos<br />
condicionalismos e desafios da época que vivemos?<br />
Longe de nós pretender imitar Herculano na beleza da escrita e na<br />
vivacidade e realismo romântico com que nos faz aparecer as<br />
personagens no seu ambiente com o rigor histórico em que ele é<br />
mestre segundo as leis de um são e fecundo romantismo da Época!<br />
“Seul est bon ce qu’est vrai.”<br />
Fica o desafio para os incansáveis renovadores de Hoje, tentarmos<br />
construir o Futuro e o Desenvolvimento, com o mesmo ardor e<br />
verticalidade deste gigante da Literatura Portuguesa que não se<br />
coibiu de intervir como cidadão consciente e empenhado na<br />
transformação da Sociedade do seu tempo, até com a sua nobre<br />
retirada para Vale de Lobos aos 49 anos, onde veio a falecer, em<br />
1877, com 67 anos de idade...<br />
Como complemento da constelação que formam as <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>,<br />
fomos copiar, dos LIVROS <strong>DE</strong> LINHAGENS atribuído ao Infante D.<br />
226
Pedro, filho de D. Dinis, insertos nos PORTUGALIAE MONUMENTA<br />
HISTORICA, SCRIPTORES, o excerto das páginas 279-280...<br />
... e assim continuar a saudável pilhagem que o cigano Castanho e a<br />
cigana Mariana continuam a fazer por este Alentejo fora, para assim<br />
devolverem ao povo o tesouro dos valores preciosos que lhe<br />
pertencem...<br />
227
3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR<br />
In LIVROS <strong>DE</strong> LINHAGENS atribuído ao Infante D. Pedro, filho de D. Dinis<br />
D. Gonçalo Mendez irmão de D. Soeiro Meendez, foi adiantado por El-<br />
Rei D. Afonso Henriques na fronteira e venceu muitas lides, de que<br />
aqui nom falamos. E uum dia, indo a correr a par de Beja, houve<br />
duas lides ua com Almoleimar e a outra com Alboacém, rei de<br />
Tânger. E Almoleimar chamou-se vencedor das lides, porque era<br />
aventurado em elas, e havia tal forçaa, que em todo o homem que<br />
pusesse a lança, nom lhe valia armadura que se lhe nom quebrasse,<br />
que lha não metesse pelo corpo.<br />
E houveram aquele dia sua lide muito aficada e acharom-se ambos<br />
no campo e derom-se das lanças e for a terra. E ali faziam uuns e<br />
outros de todas as partes muito pera livrar aquele com que veera. E<br />
estando assi a lide muito aficada, chegou D. Egas Gomez de Sousa e<br />
D. Gomes Meendez Gedeam, e os filhos de D. Egas Moniz, de riba de<br />
Douro, e livrarom D. Gonçalo Meendez e puserom-no em uum cavalo.<br />
E ali foi mais aficada a lide, assi que os mouros nom no puderam<br />
sofrer e foram vencidos e morto D. Almoleimar e D. Gonçalo Meendez<br />
chagado de chagas mortaes.<br />
E os cristãos indo-se mui ledos pola vitória que houverom, como quer<br />
que muitos deles desperecessem, oolharom per uum grã campo e<br />
virom viir mil de cavalo quanto mais podiam. Este era Alboacém, rei<br />
de Tânger, que passara aquém-mar por cobrar o castelo de Mértola,<br />
que lhe tinha forçado um seu tio, o qual castelo fora de uum seu avôo<br />
deste Alboacém. Este Alboacém quisera seer na lide primeira de<br />
Almoleimar, e nom pôde, porque Almoleimar se coitou, rompendo a<br />
alva.<br />
228
E disserom a D. Gonçalo Meendez em como aquelas companhas<br />
vinham; e ele chamou tôdolos seus fidalgos e fez com eles sua fala:<br />
"que sabiam em como fora voontade de Deus de leixar com eles D.<br />
Afonso Henriques por guarda daquela frontaria, nom pelo ele<br />
merecer, mas porque assi foi sua voontade; e que, como quer que<br />
cada um deles esto mais merecesse, que lhes pedia por mesura que,<br />
pois os mouros vinham tão acerca e em esto nom podia haver<br />
conselho alongado, que lhe prouguesse de ele dizer em esto aquelo<br />
que lhe parecesse”. E eles todos louvaram-no, como aquele que era<br />
muito amado deles; e disse-lhe:<br />
⎯ Senhores, peço-vos um dom: que me outorguedes o que vos<br />
quero pedir.<br />
E eles louvaram-no, dizendo que nom podia seer cousa que ele<br />
demandasse que eles nom outorgassem, ca bem certos eram que<br />
nom demandaria senom todo aguisado e a sua honra deles. E porque<br />
ele estava mal chagado e entendia em si que a lide não poderia<br />
sofrer, por as grandes chagas que tinha no corpo, que lhe dera<br />
Almoleimar, de que perdia muito sangue, de que enfraqueciam as<br />
pernas e os membros, temendo-se do cavalgar com a fraqueza, o que<br />
ele encobria mui bem a todos, pediu-lhes que, se ele desperecesse<br />
naquela lide, que ficasse D. Egas Gomez de Sousa em seu logo, que<br />
era de boom linhagem e de grandes bondades.<br />
E eles responderom que Deus o guardaria de todo cajom e de todo o<br />
perigo; e, se tal cousa acontecesse, que eles fariam como lhe ele<br />
mandava<br />
A D. Gonçalo Meendez se mudava cada vez mais a cara do rosto, e<br />
entendeu sua fraqueza D. Afonso de Baião e disse-lhe que se<br />
desarmasse e que se assentasse no campo, ca eles todos morreriam<br />
ante ele ou venceriam. E ele disse que Deus nom quisesse que ele<br />
escondesse sua força, enquanto lhe pudesse durar antre taes amigos.<br />
E em esto os mouros vinham a grã pressa, como aqueles que tiinham<br />
229
que os cristãos achariam cansados e chagados da primeira lide que<br />
houverom. E em esto disse D. Gonçalo Meendez.<br />
⎯ Senhores, estes mouros vêm com grã loucura. Vamo-los receber!<br />
Ali desarrancarom todos contra eles e nas primeiras feridas caiu D.<br />
Gonçalo Meendez do cavalo, como aquele que estava já sem força. E<br />
os fidalgos, que eram muito seus amigos, e estremados em bondade,<br />
quando virom seu caudel, desejando sa vida sobre tôdalas cousas,<br />
faziam cada vez melhor, crescendo-lhes as forças, como aqueles que<br />
eram mazelados da perda de tal amigo que tiinham que já o nom<br />
podiam vingar, se ali o nom vingavam.<br />
E por esta grã força acendia-se cada vez mais e mais, como aqueles<br />
que eram de grã coraçom. E de todas as partes do mundo em aquele<br />
tempo esclareciam a sas bondades, das cavalarias que faziam. Ali se<br />
espedaçavam capelinas e bacinetes e talhavam escudos e<br />
esmalhavam fortes lorigas; e ferirom-se de tão dura força de<br />
tamanhos golpes, que os cristãos da Espanha e os mouros que desto<br />
ouvirom falar, dos talhos das espadas que naquele lugar forom feitos,<br />
disserom que taes golpes nom podiam seer dados per homens. E esto<br />
nom foi maravilha por assi teerem, ca i houve golpes que derom per<br />
cima dos ombros, que fenderom metade dos corpos e as selas em<br />
que iam e grã parte dos cavalos; e outros talhavam per meio, que as<br />
metades se partiam cada ua a sua parte. E disserom que Sant'Iago<br />
os fizera com sua mão; pero a verdade foi esta: eles forom dados por<br />
os mui bõos fidalgos com ajuda de Sant'Iago, e os mouros virom-se<br />
maltreitos, nom o puderom sofrer e forom vencidos.<br />
E os cristãos perecerom melhor da quarta parte; e forom a D.<br />
Gonçalo Meendez e acharom-no morto. E a tristeza e doo dos fidalgos<br />
foi mui grande, e levarom-no muito honradamente. Ele era de idade<br />
de noventa e cinco anos, e ali lhe puserom nome “o boom velho<br />
Lidador”, como quer que o já ante chamassem, havia grã tempo,<br />
“Lidador”. E oolharom por as chagas que tinha e houverom per<br />
230
grande maravilha de lhe tanto durar a força, ca elas eram grandes e<br />
estavam em lugares mortaes.<br />
231
232
0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE<br />
OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA<br />
REÚNEM no alto da TORRE DO CASTELO<br />
E numa noite límpida depois de um dia quente de um verão ardente<br />
como são os do Alentejo, a assembleia dos Magos da Clareira<br />
escondida na floresta decidiu reunir-se no terraço mais alto da Torre<br />
do Castelo de Beja para não só poderem sentir as raízes do tempo e<br />
da terra em que ela está solidamente enterrada, mas também para<br />
poderem descortinar lá do alto, um tanto distanciados do barulho e<br />
do burburinho do formigueiro que se agita pelas ruas e casas da<br />
cidade, o sentido do tempo e da paisagem, o tempo e o espaço em<br />
que os acontecimentos se passaram, como tentar penetrar nos sinais<br />
da história que vive e constrói a sociedade actual. Além do mais,<br />
gozava-se ali duma frescura paradisíaca! que qualquer um de nós<br />
pode tentar sentir deixando-se vogar no mundo fantástico da<br />
imaginação mesmo que esteja a ler estas páginas num dia tórrido de<br />
calor ou num dia de frio gélido de Inverno...<br />
Os ciganos irrequietos e imprevisíveis que ali se tinham escondido<br />
para poderem desfrutar o panorama único de observar uma paisagem<br />
mágica ao redor de todo o horizonte transfigurado pela luz difusa da<br />
lua, arranjaram maneira de se dissimular entre a respeitável e ilustre<br />
assembleia dos sábios. Passavam mesmo a ser aceites como<br />
membros de tão luzidia assembleia, pois como era impossível<br />
ocultarem-se aos olhos penetrantes dos magos da clareira escondida<br />
na floresta, estarem ocultos e tentarem esconderem-se era o mesmo<br />
que estarem presentes e a partilhar a discussão, ao menos como<br />
ouvintes atentos e sedentos de tudo ouvir para melhor ver...<br />
233
Ouvimos, caras cofadas e comagos o relato comovente atribuído ao<br />
infante D. Pedro, filho de D. Dinis, tentando ouvir os ecos das vozes<br />
dos tempos medievais em que se enaltece a força e a coragem dum<br />
velho Lidador de noventa e cinco anos que além de excepcional<br />
combatente capaz de sobreviver aos golpes de Almoleimar “que havia<br />
tal força que em todo homem que pusesse a lança, nom lhe valia<br />
armadura, que se lhe não quebrasse, que lha nom metesse pelo<br />
corpo.” era um chefe igualmente excepcional que não se sentia digno<br />
de comandar tão nobres companheiros de armas e, antes de morrer,<br />
e para prevenir a hipótese lúcida da sua morte, ali, sem detença,<br />
nomeia seu substituto a D. Egas Gomez de Sousa “que era de boom<br />
linhagem e de grandes bondades”.<br />
Vem então uma segunda lide contra o imenso exército de Alboacém<br />
em que, apesar de o Lidador cair logo no primeiro embate, é uma<br />
hipérbole fantástica ao valor e força dos cristãos que só poderia ser<br />
explicada pela intervenção do maravilhoso cristão dizendo os próprios<br />
agarenos que desta luta ouviram falar “que taes golpes nom podiam<br />
seer dados per homens.” “...a verdade foi esta: eles forom dados por<br />
os mui boos fidalgos com a ajuda de Sant'Iago”.<br />
É esta a verdade documentada do cronista medieval, à distância de<br />
quatro ou cinco reinados!!!<br />
Desta verdade medieval, o grande mestre da História e das Letras<br />
que foi Alexandre Herculano talha com golpes de artista mestre mais<br />
uma das suas espantosas Lendas e Narrativas em meados do século<br />
dezanove filmando com rigor imbatível os homens de armas e suas<br />
vestes, cavalos arreios e armaduras, como tenta dar-nos conta do<br />
seu estado de espírito perante a luta de conquista em que estava<br />
empenhada toda a península no afã de expulsar os mouros e impor a<br />
234
soberania dos senhores cristãos... que desde há quatro séculos<br />
vinham descendo das Astúrias!!!<br />
0 que eram esta luta e estes tempos, só o podemos tentar<br />
compreender lendo-o na mestria impressionante como o grande<br />
mestre e escritor nos resume cinco séculos de história e neles retrata<br />
Beja e estas batalhas que aconteceram no mês de Julho de 1170<br />
quando “se viam ondear as searas maduras ainda não cegadas,<br />
cultivadas por mãos de agarenos para seus novos senhores cristãos.<br />
Regadas por lágrimas de escravos tinham sido esses campos, quando<br />
em formoso dia de Inverno os sulcou o ferro do arado; por lágrimas<br />
de servos seriam outra vez humedecidos, quando, no mês de Julho, a<br />
paveia cerceada pela foice, pendesse sobre a mão do ceifeiro; choro<br />
de amargura havia aí, como, cinco séculos antes, o houvera: então<br />
de cristãos conquistados, hoje de mouros vencidos.”..."Nesta luta de<br />
vinte geraçõoes andavam lidando as gentes do Alentejo.”... E oito<br />
séculos depois?<br />
Quem eram e quem são as gentes do Alentejo?<br />
Quem eram e quem são os habitantes do ALENTEJO ou seja desta<br />
Região que se estende desde a margem esquerda do Tejo até às<br />
serras muralhas do Algarve?<br />
Quem lhe pôs o nome?<br />
Por quem, e por quê, e porque combatiam estes valorosos senhores<br />
que até vieram de riba Douro e se envolviam em terríveis e<br />
encarniçadas lutas enquanto as searas eram sulcadas regadas e<br />
cegadas pelo suor e pelo sangue de servos e escravos que ora eram<br />
cristãos ora agarenos vencedores?! Vem com certeza desses tempos<br />
da reconquista o nome de além Tejo e do além Garbe, que depois se<br />
estendeu até aos Além - Mar<br />
235
Mas, antes de nos adiantarmos, é a partir deste ambiente e dos<br />
dados gerais recolhidos que temos de partir para perceber a História<br />
ou a Lenda ou porque não, para tentar perceber a História através da<br />
Lenda.<br />
A mão de mestre, escritor e historiador de Herculano, dá-nos o filme<br />
da movimentada campanha que celebrava os noventa e cinco anos do<br />
fronteiro de Beja...<br />
Baseado no relato atribuído ao infante D. Pedro, eis como Herculano<br />
nos relato o filme daquele dia de Julho de 1170...<br />
“Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam, à rédea solta pelas<br />
campinas de Beja; trinta, não mais, eram eles; mas orçavam por<br />
trezentos os homens de armas, escudeiros e pajens que os<br />
acompanhavam.”<br />
Aí está Herculano, no século dezanove, depois de ter lido aquela<br />
crónica e com os conhecimentos de história medieval em que era<br />
mestre, a relatar-nos, para vermos em directo, um típico fossado de<br />
uma trintena de cavaleiros e seus homens de armas... logo a seguir a<br />
esta corrida inicial, o recontador do episódio vai focar a figura e feitos<br />
dos que mais avultavam entre o pequeno exército cristão e os<br />
poderosos chefes árabes que comandavam uma extensa e profunda<br />
linha de cavaleiros mouros... que depois de vencidos foram<br />
socorridos por Ali-Abu-Hassan “que viera com mil cavaleiros em<br />
socorro de Almoleimar.”...<br />
É preciso ler, ler de novo aqueles impressionantes nove capítulos<br />
pintados com letras pelo magistral Herculano e depois... depois ver,<br />
ver de novo o filme devidamente enquadrado no seu tempo medieval,<br />
recuando seis, sete séculos, e levar-nos ainda mais cinco séculos<br />
para trás do início da nossa nacionalidade como Portugal, caminhar<br />
talvez mais para trás até aos tempos dos romanos e Lusitanos e mais<br />
236
ainda... para apreendermos as nossas autênticas e profundas<br />
raízes... Terá sido este o motivo que levou Herculano a reconstituir,<br />
rescrevendo-a, esta última lide do Lidador?<br />
Quem somos afinal e para onde vamos?<br />
Pelo nome - ALENTEJO -somos possivelmente os herdeiros dos<br />
conquistadores que baptizaram desde há longo tempo estas terras<br />
com o ferrete dominador e colonizador de distância e exploração.<br />
Quem, senão uns senhores vindos do norte, podiam conceber o nome<br />
de Além-Tejo? Só podia ser além do Tejo para os cristãos poderosos<br />
que vieram do Norte, das Astúrias, dos Montes Cantábricos e do<br />
Nordeste, vindos das Castelas e das Gálias, com toda a carga de<br />
séculos de vingança contra os árabes ocupantes.<br />
Já antes, estas mesmas terras, tinham sido possivelmente Terras de<br />
Além-Mar para os sarracenos que vieram do Norte de África e do<br />
Oriente. Antes destes, já tinham sido cobiçadas pelo Império Romano<br />
que, no coração do Alentejo, apelidou esta Terra de Pax Julia que<br />
passou sucessivamente a Paju - Baju - Beja, tudo isto a marcar as<br />
sucessivas ondas de ocupantes e conquistadores que por aqui<br />
passaram.<br />
Ou, seremos os sucessores dos povos primitivos que aqui viveram e a<br />
quem pertencia esta terra? Desde quando?<br />
Quem foram eles? Quem somos nós?<br />
Interrogações angustiantes mas de difícil resposta. Somos com<br />
certeza uma mistura em que os primitivos e os sucessivos invasores<br />
se amalgamaram e onde houve sempre grandes senhores, poucos,<br />
mais ou menos trinta, servidos por um punhado de homens de mão,<br />
que punham à sua disposição a multidão de escravos que era toda a<br />
população que procurava viver da terra e do trabalho, fossem seus<br />
237
senhores cristãos, visigodos, agarenos ou cúneos... Cada grupo<br />
esperava os seus salvadores, e a cada grupo de salvadores que<br />
chegava sucedia-se a reciclagem dos servos e dos escravos que<br />
justificava, para os salvadores, o trabalho de os terem libertado. E,<br />
na base da pirâmide social, permaneceram e permanecem sempre os<br />
que servem de alicerce e base para que essa pirâmide se mantenha<br />
de pé. Até quando? Até descobrirem que a podem fazer desmoronar<br />
por completo. Mas isso seria o caos e a desordem completa e a<br />
sociedade cairia na anarquia ineficaz, como defendem os mentores da<br />
ordem estabelecida, mesmo a seguir a uma espécie de revolução e<br />
mudança como pode ser visto por numerosos episódios da história<br />
como este em que o Lidador nos libertou dos poderosos opressores<br />
mouros...<br />
E se fossemos dominados pelos mouros? Leríamos nós agora na<br />
história e nas <strong>lendas</strong> que tínhamos sido libertados dos temíveis<br />
opressores cristãos, por um heróico Almoleimar ou Albuassén?!...<br />
Que blasfémia meu Deus, quando pretendemos que as <strong>lendas</strong> e as<br />
histórias tenham um fim educativo e formativo e preparem as nossas<br />
crianças e jovens para a sociedade em desenvolvimento...<br />
É exactamente por isso que queremos deixar aqui as pistas possíveis<br />
de análise e desmistificação dos nossos mitos mais mitificados, para<br />
que dando a possibilidade de as nossas crianças e jovens e adultos se<br />
formarem na libertação de todos os preconceitos e tabus absurdos,<br />
tenham a possibilidade de construir um Mundo Melhor com um<br />
Desenvolvimento gratificante para a Humanidade no seu Global em<br />
que todos, todos os seres humanos possam participar consciente e<br />
responsavelmente conseguindo o máximo da sua realização pessoal<br />
na sociedade a que pertencem e que, afinal, é a Humanidade na sua<br />
globalidade de Tempo e de Espaço.<br />
238
Claro que estas tiradas fastidiosas e quiçá de difícil deglutição, eram<br />
achegas de diversas fadas e magos, de sábios mais experientes e<br />
doutros menos maduros e letrados, mas todos a contribuírem para<br />
uma descoberta do que se pode ler através dos acontecimentos e dos<br />
tempos e, ainda por cima, com a fragilidade perigosa de os relatos<br />
serem relatos narrados, contados, descritos, e portanto nascidos de<br />
uma ficção que pode tentar dar-nos a realidade na sua totalidade<br />
mas que todos sabemos que é impossível e daí a sua fraqueza e a<br />
sua grandeza quando se trata de uma autêntica obra de arte nascida<br />
do génio popular ou erudito, porque o génio humano não está<br />
dependente dos aprendizes de feiticeiro que procuram castrar a<br />
criatividade humana.<br />
No meio disto tudo o nosso simpático e sequioso par de ciganos de<br />
olhos esbugalhados a olhar para o modo como os outros povos e<br />
<strong>outras</strong> raças tentam conhecer-se e exprimir-se e exprimindo-se<br />
conhecer-se e dar-se a conhecer, estavam pura e simplesmente<br />
boquiabertos por lhes parecer incrível serem precisas tantas<br />
discussões e discursos para descobrirem as fraquezas e virtudes tão<br />
evidentes e observáveis da Natureza Humana que não é só deste<br />
povo desta região como de todas as <strong>outras</strong>...<br />
É ver como eles ciganos chegados de fora são acolhidos quando<br />
chegam a uma região estranha... como afinal são todas por onde se<br />
movimentam, ou não é nenhuma, porque eles vêm e são das Terras<br />
de Santa Maria e Todo o Mundo e têm as suas raízes e a sua<br />
liberdade nos seus costumes, tradições e leis que, vistos de fora,<br />
parecem incrivelmente coercivos e limitadores...<br />
Então, ou chegam desprotegidos e discretos e podem ser tolerados,<br />
ou chegam como poderosos e ricos senhores e serão aceites e<br />
imporão as suas actividades e até as suas extravagâncias...<br />
239
É afinal o mesmo que acontece com os habitantes de origem ou aqui<br />
radicados! Ou jogam o jogo dos interesses do poder estabelecido, ou<br />
continuam ou passam a ser o sustentáculo dos que se querem<br />
arvorar em salvadores do povo e perpetuar a exploração, a<br />
colonização e o aproveitamento só para alguns, das capacidades da<br />
região e das suas gentes.<br />
Claro que não há os servos da gleba nem escravos nem torturados<br />
em masmorras da Idade Média... Mas há o isolamento, a falta de<br />
estímulo, o desprezo, a falta de motivação para trabalhar, a falta de<br />
poder de compra, a sobrecarga de trabalho repetitivo e monótono, a<br />
falta de diálogo... com todo o cortejo de meios refinadamente<br />
destrutivos quer económica, quer física, quer psicologicamente...<br />
Tantas pistas de leitura a partir de um simples relato de um episódio<br />
medieval?<br />
Nós diremos: Tão poucas!!!<br />
A participação de todas as ciências sugeridas pela Escola dos Magos<br />
da Clareira Escondida na Floresta e o contributo da Hermenêutica e<br />
da Semiologia para analisar todas as pistas dos Signos Símbolos e<br />
Índices que um texto nos revela poderia levar-nos à recriação de um<br />
TEXTO tecido de fios e cores realizando uma textura de variedade e<br />
beleza insuspeitadas...<br />
Assim, são só algumas pistas que deixamos abertas para<br />
caminharmos de descoberta em descoberta na prossecução de uma<br />
Verdade que, porventura, pensávamos que já tínhamos adquirido...<br />
⎯ Vamos sair daqui, que já temos uma parte bem boa do tesouro das<br />
Lendas e Tradições e da História deste povo para lha devolvermos<br />
inteira ficando nós e eles muito mais ricos... ⎯ gritaram mudos os<br />
240
ciganos, a ladina cigana Mariana e o vivaço cigano Castanho,... ⎯ e<br />
ala! que se faz tarde e já ganhámos a noite, que é, como dizem os<br />
outros: Já ganhámos o dia! ⎯ Vamos mas é ainda saber de outros<br />
episódios e acontecimentos que se deram neste Castelo e nesta Torre<br />
altaneira e dominadora que se ergue acima da planície por luas e<br />
léguas ao redor, e muito tem ouvido ou visto deste estratégico ponto<br />
de observação e muito tem para nos contar ou mostrar de tudo o que<br />
deu conta através deste Espaço imenso e dos Tempos e Ventos que<br />
sopraram...<br />
Há por aí a História de uma Revolução contada por um conversador<br />
espantoso que escrevia para as pessoas ouvirem e verem aquilo que<br />
dizia. Parece que um tal senhor Fernão Lopes que nos relata como se<br />
fosse um cinema impossível de fazer nos filmes o que se passou<br />
nesta cidade de Beja e com as suas gentes... Mas os acontecimentos<br />
não começaram aqui e por esta semana já chega, e vamos à vida que<br />
também precisa de comer, de beber e Amar...<br />
241
242
3.02 - REVOLUÇÃO EM <strong>BEJA</strong> – 1383/1385<br />
CAPÍTULO 42<br />
DA CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. JOÃO I <strong>DE</strong> BOA MEMÓRIA<br />
de FERNÃO LOPES<br />
243
244
A INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA<br />
COMO FOI TOMADO O CASTELO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
E MORTO O ALMIRANTE MICER LANÇAROTE<br />
Quando foi morto o conde João Fernandes e feito o<br />
levantamento de Lisboa, a rainha mandara as sua cartas pelo Reino,<br />
tanto aos Alcaides dos castelos como aos notáveis das vilas e<br />
cidades, queixando-se do que havia acontecido, e dizendo-lhes como<br />
haviam de proceder na aclamação de D. Beatriz sua filha, rainha de<br />
Portugal. E escreveu também a El-Rei de Castela que tratasse de vir<br />
depressa ao Reino. Já então, como adiante podereis ver, ele estava<br />
na Guarda.<br />
De modo que, tanto por causa da sua vinda como por os mais<br />
dos fidalgos do Reino estarem do lado da rainha, foi levantada voz e<br />
pendão por sua filha, na forma como ela escrevera nas suas cartas.<br />
Mas esta aclamação era dura de ouvir à gente pequena dos lugares. E<br />
não podendo os pequenos opor-se às grandes pessoas, consumia-se-<br />
lhes o coração de angústia, consentiam-no com medo e temor contra<br />
o qual não tinham defesa.<br />
Assim aconteceu em Estremoz: quando João Mendes de<br />
Vasconcelos, primo da Rainha D. Leonor, que naquele tempo tinha o<br />
castelo, mandou aclamar a rainha D. Beatriz, e trouxeram o pendão<br />
pela vila. Lopo Afonso e Lourenço Dias, com alguns outros do lugar,<br />
como viram que o outro povo estava agitado e descontente com tal<br />
feito, logo disseram que era preciso pôr na praça um cepo e um<br />
cutelo para decepar os que se opusessem ao que eles faziam.<br />
245
E, durando esta divisão nos corações de uns e de outros, foi<br />
sabido pelo Reino como o Mestre assumira o encargo de Regedor e<br />
Defensor dos Reinos e como tomara o castelo de Lisboa e o tinha em<br />
seu poder. E a alguns do Reino que disto souberam parte aprouve<br />
muito, especialmente aos povos miúdos; a outros, diferentemente,<br />
que estavam da parte da rainha pesava assaz, posto que pensassem<br />
que tudo isto era em vão.<br />
Ora aconteceu que em Beja estava por alcaide Gonçalo Vasques<br />
de Melo e tinha o castelo em nome da rainha. Nisto escreveu outra<br />
vez a rainha suas cartas ao concelho de Beja para que não deixassem<br />
de ter voz por ela e, se acontecesse El-Rei de Castela vir por ali, o<br />
acolhessem na vila sem nenhum receio nem temor, porque ele os<br />
defenderia de quem quer que lhes quisesse fazer mal e lhes faria por<br />
isso muitas mercês.<br />
Recebidas as cartas pelos principais do lugar, mandaram deitar<br />
pregão pela vila que todos no outro dia fossem ouvir recado de cartas<br />
que sua senhora a rainha mandara. No dia seguinte juntaram-se<br />
Estevão Mafaldo e João Afonso Neto e mestre João e Rui Pais Sacoto<br />
e Mendes Afonso e outros notáveis do lugar; apartaram-se todos à<br />
porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver aquilo que<br />
a rainha lhes escrevera.<br />
Era muito o povo que estava pelo adro, aguardando que lhe<br />
dissessem que novas eram aquelas que a rainha mandava dizer. E,<br />
sentindo-se apertados os corações de todos, disse um que chamavam<br />
Gonçalo Ovelheiro para os outros:<br />
⎯ Não está agora aqui ninguém que vá saber que cartas são<br />
estas, ou que recado é este que a rainha manda?<br />
Falou então um bom escudeiro a que chamavam Gonçalo Nunes<br />
de Alvelos, que não era dos grandes nem dos mais pequenos, e disse<br />
para Vasco Rodrigues Carvalhal:<br />
⎯ Queres-me tu ajudar e iremos saber que cartas são estas?<br />
246
E ele disse que lhe aprazia. Então juntaram-se com eles até uns<br />
trinta e chegaram até onde estavam aqueles notáveis. Falou Gonçalo<br />
Nunes e disse:<br />
⎯ Que cartas são estas que vós assim ledes de que nós não<br />
sabemos parte? Porventura esta vila se há-de manter e defender por<br />
quatro ou cinco que vós aqui sois? Certamente não, mas por nós<br />
outros que cá moramos.<br />
Disse então Estevão Mafaldo.<br />
⎯ Que união é essa com que vós assim vindes?<br />
Respondeu Gonçalo Nunes dizendo:<br />
⎯ Isto não é união, mas queremos saber que cartas são estas.<br />
Falou então Mendes Afonso e disse que ele perguntava bem e<br />
era razão que as vissem. Então se meteram todos os notáveis no<br />
Paço do Concelho, e parte dos outros com eles, e, lidas as cartas,<br />
deram-nas a um tabelião que as publicasse aos de fora.<br />
E ele saiu a eles e disse-lhes:<br />
⎯ Amigos, o feito é este, eu não sei para que mais me deter<br />
em ler o que aqui vem. A conclusão é esta: se quereis antes ter com<br />
a rainha ou com Mestre.<br />
E eles responderam todos a uma voz, dizendo:<br />
⎯ Com o Mestre! Com o Mestre!<br />
Esses maiorais, quando isto ouviram, partiram-se logo cada um<br />
para sua pousada e não ousavam mostrar-se.<br />
no Castelo.<br />
Eles nisto, sem mais tardança, viram aparecer gente de armas<br />
Então começaram todos a bradar:<br />
⎯ Levanta-se o castelo! Levanta-se o castelo!<br />
Gonçalo Nunes cavalgou à pressa e os outros todos se foram<br />
armar e começaram logo a atacar o castelo. O alcaide, quando isto<br />
viu, pôs fogo a duas torres em que estava muita munição, para os da<br />
vila se não aproveitarem dela, no caso de ser o castelo tomado; e, os<br />
de dentro, defendendo-se rijamente e ferindo alguns dos atacantes,<br />
247
puseram os da vila fogo às portas do castelo, e logo que estas<br />
arderam entraram dentro numa quarta-feira a horas de comer. E o<br />
alcaide foi levado e posto a salvo por amigos seus.<br />
Gonçalo Nunes e Vasco Rodrigues apoderaram-se logo do<br />
castelo e aclamaram o Mestre, rondando e vigiando a vila, em nome<br />
dele, com as portas fechadas.<br />
Estando assim a vila vigiada, chegou alguns dias depois, de<br />
noite, um homem de Campo de Ourique, montado numa égua, e<br />
falou aos da vigia para que dissessem aos que tinham a cargo reger a<br />
vila que naquela tarde chegara Micer Lançarote a um lugar chamado<br />
Os Colos, que era dali nove léguas, a caminho de Odemira, que é no<br />
reino do Algarve, para levantar esta região e aclamar El-Rei de<br />
Castela.<br />
Quando isto soube, Gonçalo Nunes tomou consigo cinquenta<br />
homens de cavalo, cem besteiros e peões. Caminharam toda a noite<br />
de modo que chegaram a Os Colos ao alvorecer. O almirante e os<br />
seus tinham já selados os cavalos para partirem; e assim armados<br />
como estavam foram todos presos, com mouros e mouras e azêmolas<br />
e quanto haver levavam. Aos homens tomaram as armas e os<br />
animais e deixaram-nos ir, e o almirante veio para a vila montado<br />
numa mula.<br />
Chegado aqui meteram-no na torre de menagem, dizendo ele<br />
afincadamente a todos:<br />
⎯ Amigos, mandai-me bem preso a arrecadado a meu senhor o<br />
Mestre, e não me queirais matar sem porquê.<br />
Eles respondiam que no tivesse medo. E enquanto Gonçalo<br />
Nunes foi levar ao Mestre tudo quanto tinham tomado ao almirante,<br />
os da vila, receando que ele se levantasse com o castelo, foram lá<br />
todos um dia e disseram a Vasco Rodrigues que ficara a comandar o<br />
castelo que o pusesse cá fora. Vasco Rodrigues, receando-se deles,<br />
retirou-se para sua casa e deixou-o na torre.<br />
248
O almirante quando viu isto começou a defender-se o melhor<br />
que podia; e bradando-lhe eles que viesse cá abaixo e não tivesse<br />
medo, assim o fez. Mas pensando encontrar neles piedade e<br />
compaixão, foi morto de má e aviltante MORTE. Assim acabou os<br />
seus últimos dias. "... os seus postumeiros dias.”<br />
249
250
img023 – o largo de Santa Maria da Feira com o Castelo em fundo…<br />
“...apartaram-se todos à porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver<br />
aquilo que a rainha lhes escrevera.” p. 244<br />
251
252
0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do<br />
alto da torre do castelo…<br />
… os magos da clareira escondida na floresta observam agora a<br />
história, do alto da torre do castelo, descendo até à profundidade de<br />
1383, 1385; e, guiados pelo magistral-prodigioso-sedutor FERNÃO<br />
LOPES, levam-nos pela mão para ver e ouvir. e para ouvindo e lendo,<br />
assim ficarmos envolvidos e avisados pela história ...<br />
Os magos que a anteriormente se tinham reunido no alto da<br />
torre do castelo para daí observarem o nascimento da nossa<br />
nacionalidade como povo, nos tempos de D. Afonso Henriques o<br />
conquistaDOR, o fundaDOR, e do seu homem de confiança e fronteiro<br />
de Beja: o lidaDOR, acharam que não havia melhor ponto de<br />
observação para olharem e ouvirem os tempos e os espaços que<br />
correram duzentos anos depois, tão vivamente relatados por Fernão<br />
Lopes, do que O ALTO DA TORRE DO CASTELO...<br />
Aí o vamos encontrar a si, caro leDOR, na companhia da cigana<br />
Mariana e do cigano Castanho, a tentar ler connosco a DOR e todos<br />
os sentimentos que moveram estes personagens destas histórias.<br />
Com que DORES lidaram eles para realizarem os seus feitos? O que<br />
era para eles a DOR? A HONRA por exemplo? O ÓDIO? O AMOR? Que<br />
DORES conquistaram? Em que DORES e VALORES fundaram a sua<br />
vida e o país que nos deixaram?...<br />
Por sorte temos a guiar-nos o mago do visualismo, dum tempo<br />
em que nem o cinema nem o vídeo existiam e ainda bem, pois creio<br />
que não conseguiriam guiar-nos com a mesma leveza e profundidade<br />
como este mago das palavras, consegue fazer com a sua escrita...<br />
Escrita feita para ouvir e ver, mesmo para analfabetos que eram a<br />
maioria dos portugueses do seu tempo, Fernão Lopes leva-nos a ver<br />
e a ouvir a história, não a sua escrita ou a sua história, e assim, pega<br />
253
no leitor vedor-ouvinte, obrigando-o livremente a ver porque, ele até<br />
pode fechar os olhos e os ouvidos, e depois, a ficar sem remissão<br />
envolvido na história, mesmo os que fecharam os olhos e os ouvidos,<br />
porque como seres sociais terão de ficar comprometidos... Não se<br />
pode ler Fernão Lopes e ficar como espectador indiferente. Tem que<br />
se ficar participante. Ou antes, só os que se sentem participar na<br />
história, intervenientes da história do seu tempo, podem entender<br />
Fernão Lopes e os acontecimentos da Época que ele relata...<br />
⎯ Ora esguardai, como já dantes vistes e ouvistes, aquilo que<br />
se passava naqueles tempos por todo o Reino de Portugal e de<br />
Castela. Não era uma luta de independência ou predomínio entre reis<br />
e senhores que queriam o seu reino e a sua independência!... A<br />
própria rainha queria entregar seu Reino ao Reino de Castela! Do que<br />
se tratava no fundo, naquele tempo como agora, era de um Povo que<br />
queria o seu espaço e a sua terra para viver nela em Liberdade e<br />
realização... ⎯ dizia uma das fadas que aprendera a ler a história<br />
através dos tempos. ⎯ Pouco ganharam com isso é verdade, porque<br />
a história que nos relata REVOLUÇÕES, relata-nos sempre as<br />
fraquezas e desvarios que aconteceram quando o poder cai na rua e<br />
é apanhado pelo povo abandonado e oprimido que não cresceu a<br />
saber usar a sua liberdade e se comporta como criança ingénua e<br />
incapaz de assumir responsabilidades... Comete todo o tipo de crimes<br />
e loucuras e... nem tem tempo para ver e se arrepender como ÉDIPO<br />
da lenda, que ao descobrir que tinha morto o seu pai e dormido com<br />
a sua mãe, fura os olhos com alfinetes e coberto de andrajos,<br />
abandona Tebas onde reinava como senhor todo poderoso!<br />
Como criança abandonada que não dá conta dos crimes que comete,<br />
aparecem logo os educadores responsáveis e previdentes que, mais<br />
ou menos rapidamente, e com mais ou menos violência, metem tudo<br />
de novo na OR<strong>DE</strong>M que lhes convém e tudo volta à normalidade...<br />
não fosse o povo ter tempo de, com o tempo, poder aprender alguma<br />
coisa para saber usar o poder... Isto é sabido pelos grandes que,<br />
254
como vimos no relato da página cento e sessenta, cento e sessenta e<br />
um embora lhes pesasse a alegria dos povos miúdos dos lugares, iam<br />
pensando que tudo aquilo seria em vão...”E a alguns do Reino que<br />
disto souberam parte aprouve muito, especialmente aos povos<br />
miúdos; a outros, diferentemente, que estavam da parte da rainha<br />
pesava assaz, posto que pensassem que tudo isto era em vão.”<br />
Porquê? Porque aqueles que se apoderam do poder e da força do<br />
povo podem e ou procuram poder ter o tempo de poder cometer os<br />
erros que quiserem para adquirirem experiência e rodagem para<br />
manobrar... pois ninguém nasce predestinado para se instalar seguro<br />
no poder... nem os reis!<br />
⎯ Para vermos isto ⎯ acrescentaram outros e <strong>outras</strong><br />
intervenientes daquela assembleia de magos da clareira escondida na<br />
floresta que estavam reunidos no alto da torre do castelo ⎯ mestre<br />
Fernão Lopes dá-nos em resumo uma visão global do que se passava<br />
em todo o reino, não esquecendo o que já relatou desde o início, pois<br />
vamos no capitulo 42 duma primeira parte que tem 193 capítulos em<br />
que, depois, o mestre da escrita visual nos faz passar visceralmente<br />
pelas tribulações e padecimentos que passou o povo de Lisboa<br />
durante o cerco montado pelo rei de Castela e como resistiu e<br />
finalmente como o Mestre de Avis foi aclamado Rei e nomeou<br />
Nun’Álvares como condestável do Reino; e uma segunda parte com<br />
203 capítulos em que a luta pela independência culmina com a<br />
Batalha de Aljubarrota em que nos relata, em resumo, como poucos,<br />
muito poucos, cheios de medo, mas unidos e bem comandados<br />
podem muito; e muitos, mesmo muitos, com diversos interesses e<br />
mal comandados podem muito pouco e são derrotados! Daí até se<br />
confirmar a nossa independência e este povo se lançar nos<br />
descobrimentos, entraram as negociações, e os grandes chefes e<br />
senhores retomaram os seus poderes e posses ou foram substituídos<br />
por outros, e até a inquisição foi pedida pelos reis para meter na<br />
ordem os mais arredios e tornar mais fácil o engrandecimento da<br />
255
iqueza e poder dos mais poderosos, e... dominado o povo e<br />
democratizado... lá se continua a escrever a história... mesmo com<br />
os erros e crimes dos poderosos e tiranos...<br />
É aqui, neste enquadramento, que encaixa a leitura do capitulo<br />
42 da Crónica de El-Rei. João I de Boa Memória de Fernão Lopes.<br />
Tendo em conta o que se passava em todo o reino, o relato do<br />
que se passou em Beja é um sério aviso contra as falsas ilusões! É<br />
ver como, nos capítulos imediatos à revolução em Beja, Fernão Lopes<br />
nos leva a observar o que se passou em Portalegre e Estremoz, e<br />
como o povo era intimidado e se revoltava. Mostra nos logo a seguir<br />
e ao mesmo tempo, os desatinos que se cometeram em Évora e<br />
levando-nos depois até ao Porto e por aí adiante até ao Cerco e a<br />
aclamação do Rei e à distribuição de favores, poderes e riquezas...<br />
que vão criar os alicerces da nova dinastia da época em que Portugal<br />
se vai lançar pelo Mundo a descobrir...<br />
A chegada das cartas a Beja e os processos democráticos<br />
usados pelos dirigentes para as dar a conhecer, vão precipitar os<br />
acontecimentos e permitir, pelo menos aparentemente, a realização<br />
de uma quase ilusão: que o povo toma o poder…<br />
A repressão e violência que vai ser preciso para meter tudo de novo<br />
nos eixos, sabemo-lo, ou só podemos adivinhá-lo um pouco pela<br />
história que se seguiu e pelo latifundismo e morgadio que imperaram<br />
ferozmente nos séculos seguintes aqui no Alentejo... Basta ver A<br />
História da Inquisição em Évora, do Professor Borges Coelho, ou<br />
ler/ver a história das Casas de Avis e Bragança e, por exemplo, a<br />
Seara de Vento de Manuel da Fonseca, ou o Levantado do Chão de<br />
José Saramago, para se ter uma ideia.<br />
O episódio da morte de Mice Lancerote, como o caso da morte<br />
do Bispo em Lisboa, como a morte da abadessa de Évora, são os<br />
factos vivos, viva e emocionantemente relatados, índices ou signos<br />
de todos os desatinos e desvarios de que um povo sem maturidade<br />
pode cometer em todos os tempos... mesmo na revolução russa...<br />
256
mesmo na revolução chinesa... mesmo no vinte e cinco de Abril...<br />
mesmo na independência prematura com décadas de atraso das<br />
colónias províncias ultramarinas que não estavam preparadas para<br />
assumir as suas riquezas e os seus valores, para justificar que todos<br />
os povos de ALÉM-MAR-TERRA-TEJO-GARVE-DOURO ou outros, como<br />
quaisquer outros que não sirvam interesses centrais, não estão<br />
preparados para assumir a sua independência e a assumir os seus<br />
valores e a sua cultura, e assim as regionalizações vão ser<br />
implementadas por pessoas devidamente escolhidas e preparadas,<br />
como o caso das televisões e rádios e universidades e Alquevas...<br />
para que, com uma farsa bem montada de pretensa regionalização, a<br />
colonização perdure e se perpetue, embora com processos mais<br />
refinados e democráticos... Porque, inquisição, não; mas<br />
saneamentos sim. Condenações à morte e prisões, só algumas; mas<br />
desprezo, marginalizações, falta de meios, falta de condições de<br />
trabalho, boicotes, impedimentos, falta de implementação de<br />
trabalhos que vão fundo na recolha e estudo dos valores regionais e<br />
locais... isso continua, mesmo à beira do ano dois mil e da<br />
aproximação de uma entrada solene e ao mesmo tempo boa e<br />
perigosa na comunidade europeia!!!?... Essas coisas locais e<br />
regionais continuam a ser estudadas pelas universidades distantes in<br />
competentes, em nome da competência, por doutores distantes ou<br />
génios que tudo abarcam, sem uma implantação séria, válida e<br />
visceral que promova, imparavelmente, o desenvolvimento com a<br />
afirmação dos valores de cada Região!<br />
Como o Esopo das fábulas, o escravo a quem é prometida a<br />
liberdade a troco da obra que tinha criado, perguntamos aos que nos<br />
oferecem a liberdade, sem nos permitirem alcançá-la por nós:<br />
⎯ Onde tendes preparado o precipício para os homens livres? -<br />
E, a pé, sem guardas, nem ajudas, caminhou sozinho!...<br />
⎯ Há quem nos acuse de abusarmos em análises e<br />
interpretações ⎯ disseram umas fadas e uns magos, já cansados. ⎯<br />
257
São muitos e complexos os sinais das <strong>lendas</strong> e história. Parece que<br />
assim fechamos portas possíveis à leitura e leituras que as pessoas<br />
podem fazer...<br />
⎯ Não fechamos, caras cofadas e comagos. Em vez de<br />
fecharmos uma, desafiamos as pessoas a abrirem mil...<br />
E o mais grave, é que ainda hoje, passados mais de seis séculos<br />
depois de 1383/5 e passados mais de vinte e cinco séculos, depois de<br />
Esopo, ainda há Escolas, Ministérios e Serviços de Cultura que<br />
oferecem trabalho e condições de subsistência a pessoas a troco da<br />
sua liberdade de pensar e da sua criatividade!<br />
⎯ E ainda há quem responda: onde tendes preparado o<br />
precipício para os homens livres? ⎯ comentou um desconhecido que<br />
tinha ficado toda a reunião em silêncio! - Há de facto, ainda hoje, mil<br />
portas por abrir...<br />
...<br />
⎯ Quer dizer que nós, é que vamos ter de ler o que significam<br />
todas estas coisas? ⎯ perguntou a cigana Mariana.<br />
⎯ É isso mesmo, – respondeu o Cigano Castanho, muito<br />
pensativo preocupado.<br />
⎯ Mas a mim falaram-me da história, duma mulher que se<br />
chamava MARIANA como eu.<br />
⎯ Também já ouvi falar, mas não sei quem é. Fala-se mas é<br />
dumas CARTAS que ela se calhar nem escreveu!...<br />
⎯ Então, lá teremos de tentar ler as CARTAS DA MARIANA, ⎯<br />
disse a cigana Mariana...<br />
⎯ A janela dela, dizem, é aquela do convento que dá ou dava<br />
aqui para as portas de Mértola... Vês! Aquela lá por cima do terraço...<br />
⎯ ... Ainda um dia me hei-de ir sentar junto às grades daquela<br />
janela e tentar perceber os amores daquela Mariana... – disse a<br />
cigana, que também era Mariana, com os olhos revirados de ironia...<br />
...<br />
258
3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
a realidade as cartas e a lenda<br />
259
3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…<br />
A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
uma realidade semelhante a tantas <strong>outras</strong><br />
No ano de 1640, ano em que ia acontecer a Restauração em<br />
Portugal, numa casa que dá de esquina para rua do <strong>Touro</strong>, e se abre<br />
para a Praça D. Leonor e para o Largo que tinha a antiga capela de S.<br />
João, nasceu uma menina a que puseram o nome de Mariana. Já<br />
tinha uma irmã, Ana, dois anos mais velha e, até 1649, ainda<br />
nasceram os irmãos Baltazar, cinco anos mais novo, Catarina e<br />
Miguel, nove anos mais novos, e depois de ela já estar no convento,<br />
a família ainda foi abençoada com mais três rebentos, o Francisco,<br />
quando Mariana tinha quinze anos, Filipa, três anos depois e Maria, a<br />
Peregrina, quando a freira fazia vinte anos e já tinha nove de<br />
convento e quatro de profissão religiosa. A feliz família era dos<br />
Alcoforados que, pelos dados que temos, não seria dos maiores nem<br />
dos mais pequenos, mas não fugia, até por isso mesmo, à instituição<br />
dos Morgadios.<br />
Como muitas vezes acontecia nesta época, o filho mais velho<br />
conservava a herança paterna, o património familiar, que devia<br />
conservar e se possível aumentar com um bom casamento; os outros<br />
irmãos seguiriam a carreira das armas ou a vida eclesiástica, e as<br />
raparigas?, ou a família conseguia um casamento rico ou estavam<br />
destinadas ao convento. Foi para isso, aliás, que foi criado o<br />
Convento de Nossa Senhora da Conceição em Beja (1459?-1890?)???<br />
Foi sobretudo por isso? Parece podermos deduzir que foi criado para<br />
que as boas famílias vivessem na Paz e na Prosperidade! Assim esta<br />
feliz devota e razoavelmente próspera família, cedo destinou o futuro<br />
à gentil menina que não seria muito feia, mas não teria a beleza<br />
esplendorosa que viesse a desencantar um príncipe encantado. Aliás<br />
260
já tinha uma irmã mais velha e, aos nove anos, já tinha pelo menos<br />
dois irmãos varões para que a ilustre família tivesse assegurados os<br />
Bens e a continuidade.<br />
Assim, Mariana entrou aos 11 anos, 1651, para o Convento de<br />
Nossa Senhora da Conceição, onde professaria cinco anos mais tarde,<br />
partilhando a comunidade com as freiras, na sua maior parte também<br />
de boas e até ricas famílias que ali estariam, não por vocação ou<br />
devoção, mas por desgostos de amor, algumas? poucas!, mas como<br />
já podemos calcular, sobretudo por determinação paterna que tinha<br />
de zelar escrupulosamente pela manutenção ou aumento dos<br />
rendimentos familiares e não pelo seu esbanjamento, como<br />
aconteceria se fosse dada em casamento a algum digno pretendente,<br />
ainda por cima, com dote adequado!!! Nestas circunstâncias, é<br />
evidente, que para estas senhoras, viverem entregues à sua fé e<br />
fervor religiosos, teriam a servi-las uma quantidade de devotas e<br />
fervorosas religiosas que, por vocação? (provocação? ou porbocação),<br />
ou devoção?!, ou obrigação!? mais ou menos voluntária, assim<br />
fugiam ao duro trabalho das classes mais baixas. Seguindo ainda a<br />
mesma ordem de raciocínio ou de juízos temerários que estamos a<br />
desenvolver, haveria tudo a esperar destas santas devotas: um<br />
misticismo religioso assoberbado a sublimar as frustrações<br />
recalcadas, ou então os devaneios fantásticos a dar asas aos sonhos<br />
e inclinação natural para o casamento e a maternidade!!!<br />
Mariana só dali viria a sair, se é que se pode chamar sair a<br />
saída para o cemitério que era debaixo das lajes que vieram a ocupar<br />
duas quadras do convento, com 83 anos de idade, quando morreu em<br />
28 de Julho de 1723.<br />
E ali ficaria, ilustre e desconhecida, como aconteceu à grande<br />
maioria de ilustres desconhecidas irmãs que durante quase quatro<br />
séculos e meio, mais de vinte gerações, passaram pelo Convento de<br />
Nossa Senhora da Conceição de Beja, não fossem as célebres CINCO<br />
CARTAS a gritar o encanto dos amores que teria tido a dita de<br />
261
experimentar, breve e apaixonadamente, e foi ela que as escreveu de<br />
facto, tempo e meios não lhe teriam faltado, ou lhe foram atribuídas<br />
por um genial editor ou, como se insinua, pelo feliz e galanteador<br />
amante!?<br />
Terá desempenhado variadas funções durante os longos setenta<br />
e dois anos que passou no Convento: foi escrivã e vigária como<br />
depois se verificou por variados documentos; teria sido porteira,<br />
como dá a entender numa das suas cartas, mas a título passageiro e<br />
como meio de cura; e consta que chegou a ser proposta para<br />
abadessa em 1709, quando já, só? tinha sessenta e nove anos, mas<br />
teria sido insuficientemente votada.<br />
Perante tão enigmática e vulgar personagem, valerá a pena<br />
perder tempo a dar uma espreitadela sequer pelas famosas ou<br />
famigeradas cartas?<br />
Só vale a pena fazê-lo, se conseguirmos decidir a tempestuosa<br />
questão em que tantos e tão ilustres autores se envolveram?<br />
Por mim, tenho a impressão que não. As cartas existem. Valem<br />
pelo que valem independentemente do verdadeiro autor. São, de<br />
qualquer maneira, um espectacular simulacro do real. A prova é a<br />
discussão acesa que levantam. Se são de Mariana, no original em<br />
francês ou traduzidas e retocadas, são um bom exemplar de<br />
epistolografia íntima que muitos escritores gostariam de subscrever.<br />
Se foram inventadas, então, terão de ser geniais. São porventura,<br />
não o grito de uma freira, mas um grito tão grande e tão profundo de<br />
centenas, de milhares de mulheres, talvez de homens e mulheres de<br />
uma região, de um povo, humilhado, oprimido, refinada e<br />
hipocritamente sacrificado com o apanágio de uma “vocação entrega”<br />
superior!!! e fundamentalmente por interesses mesquinhos, valores<br />
indiscutíveis de uma época! ou da nossa época.<br />
É, porventura, isto, ou algo de mais profundo que é preciso ler<br />
nas cartas, e não, penso, e sobretudo, a questão da origem e da<br />
originalidade...<br />
262
É isso que vamos tentar ler nas CARTAS.<br />
263
264
img024 – mariana! (a partir de desenho…)<br />
“E ali ficaria, ilustre e desconhecida,... não fossem as célebres CINCO CARTAS A<br />
GRITAR...” p. 259<br />
Desenho decalcado a partir de um desenho de Matisse? ou de ?, difundido pelo Museu Rainha D. Leonor,<br />
de Beja, nos anos oitenta (86/87?).<br />
265
266
3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas…<br />
A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
as cinco cartas que são uma explosão poética de uma imensidade de<br />
sentimentos humanos... ou finge/dores<br />
Nada mais se saberia desta freira de Beja e nem talvez este<br />
pouco se soubesse, como aconteceu com centenas de suas irmãs que<br />
por lá passaram durante anos e anos (cerca de 430 anos de 1459? a<br />
1890, pois, entre 1892 e 1897, teria sido quase totalmente derrubado<br />
juntamente com a antiga residência dos Duques de Beja - O Paço dos<br />
Infantes - que lhe era contíguo);<br />
... nada mais se saberia da Freira Portuguesa, dissemos, se, em<br />
1669, quando ela teria 28, 29 anos, não tivessem aparecido, em<br />
França, as Lettres Portuguaises, que seriam a tradução de cinco<br />
cartas suas dirigidas ao seu amante o Cavalheiro Chamilly, (que teria<br />
nascido por volta de 1625 e teria na altura do romance os seus 42/43<br />
anos, um respeitável quarentão) - ou teriam sido escritas em francês<br />
logo no original? - que durante uma breve estadia em Beja ao serviço<br />
do seu rei e da Restauração do Reino de Portugal ( entrou em<br />
Portugal em 1663 fazendo parte de um grupo de franceses que se<br />
juntou aos ingleses chamados por D. João IV, tendo entrado em<br />
vários combates e Batalhas, e em Beja, deve ter estado depois das<br />
Batalhas de Poymoio e San-Lucar, Agosto de 1666, tendo, em<br />
Setembro de 1667, ainda tomado parte no ataque ao castelo de<br />
Ferreira e depois retirado para França. Teria, portanto, durante o<br />
267
tempo que esteve por aqui sediado, partilhado os favores desta<br />
ardente mulher e pode-se gabar de ter despertado a maior paixão do<br />
mundo como ela diz quase no final da terceira carta, paixão tão<br />
grande que vai sobreviver longo tempo depois da súbita partida para<br />
França, onde o esperava o título e o proveito de Marquis de Chamilly,<br />
talvez avisado pela família dos contratempos diplomáticos que<br />
poderiam trazer estes proibidos amores clandestinos conhecidos de<br />
todos. Essa paixão terá durado meio ano / um ano com intervalos das<br />
campanhas e saídas do Senhor de Chamilly, mas que, depois de a ter<br />
desencadeado: “ao amar-te experimentei alegrias surpreendentes...<br />
manifestaste-me a tua paixão, fiquei deslumbrada, e abandonei-me a<br />
ti perdidamente”. Estes amores geraram pois uma explosão de<br />
exaltação, e vão, como paixão exaltada e explosiva que era, e por ser<br />
impossível e proibida, desencadear em cadeia uma amálgama de<br />
sentimentos contraditórios, complementares? “Ai!, que seria de mim<br />
sem tanto ódio e tanto amor a encher-me o coração?" São,<br />
possivelmente, estes sentimentos cruzados que fazem destas cartas a<br />
expressão poética mais acabada e exaltante entre a poesia barroca<br />
de seiscentos, maneirista, cultista, conceptista, marcada por um<br />
classicismo estafado e decadente que primava pelo formalismo oco e<br />
pela falta de talento. A atravessar esta aridez balofa dos literatos do<br />
tempo, aparecem em prosa (poesia!), atribuídas a Soror Mariana<br />
Alcoforado, cinco cartas de Amor, que na sua simplicidade,<br />
sinceridade a atingir o arrebatamento que se manifesta nas<br />
sucessivas contradições despertadas por um Amor que atingia as<br />
raias da Loucura, são, porventura, a mais bela e expressiva<br />
manifestação poética do que pode o Amor e do que ele é ou pode ser<br />
na vida do ser humano, principalmente na vida da mulher como diz<br />
Mário Gonçalves Viena na sua obra “O Amor na Literatura<br />
Portuguesa"; embora haja também quem diga que “essas cartas<br />
nem sequer têm nível literário....”<br />
268
No século XVII, temos pois conhecimento de que “A nota mais<br />
vibrante de Amor... irrompeu, como tudo leva a crer, de entre as<br />
grades de um convento.”<br />
Era difícil, nessa época, esperar que surgisse, espontânea e<br />
sincera, uma manifestação em que transbordasse veemência e<br />
paixão, ou até a autenticidade de amor, sobretudo da parte de uma<br />
mulher, apaixonadamente vivido... Os preconceitos puritanos, os<br />
valores sociais em voga, e os interesses económicos, enclausuravam<br />
as mulheres em casa e nos conventos e mesmo as <strong>outras</strong> só sairiam<br />
de casa para se casar por conveniência da família, muitas vezes sem<br />
se terem visto ou tendo-os visto de longe ou nas cerimónias<br />
religiosas... conseguindo, como sempre acontece, as mais felizardas<br />
ou as mais audazes, contactos epistolares através de criadas e<br />
mendigos e por vezes directamente (!) iludir o recolhimento e recato<br />
das famílias mais austeras, mas com grandes perigos e riscos, ou<br />
acabavam com clamorosos raptos ou internamento nos conventos...<br />
Aliás, ainda encontramos ecos deste fenómeno social nos romances<br />
de Camilo e muitos sabem histórias parecidas que ocorreram em<br />
pleno século XX! Era de facto muitas vezes preferível o rigor da<br />
prisão dos conventos, em que era mais fácil conseguir estratagemas<br />
que permitissem surtidas nocturnas dos amantes..., do que a<br />
liberdade aprisionada da casa paterna...<br />
No meio de tudo isto, ficamos perante um insólito problema. As<br />
cartas que existem, o original publicado, é em francês. A partir desse<br />
original (?), aparecem em várias dezenas de línguas. 130 edições em<br />
oito línguas diferentes segundo Godofredo Ferreira que publicou uma<br />
obra em 1923. Assim, seriam 76 francesas, 23 inglesas, 3 italianas, 3<br />
alemãs, 3 espanholas, uma em dinamarquês, uma holandesa e vinte<br />
em português. Fala depois, Belard da Fonseca, em edições em<br />
húngaro, checo, grego, polaco, sueco e <strong>outras</strong>, na sua obra de 1966.<br />
A que se fica a dever este fenómeno? Todos estão de acordo em que<br />
se fica a dever ao impacto desta explosão de verdade e sinceridade,<br />
269
que apareceu no meio do desencanto da Literatura de Seiscentos.<br />
Nós podemos até lê-las em português! mas não podemos ter<br />
contacto com a força, a veemência e a violência que estaria na letra e<br />
escrita original, porque dessas não temos notícia. Podemos tão só<br />
imaginar, dando-nos conta, por exemplo na quinta carta, a última,<br />
que declara “fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta<br />
carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não<br />
ama e que devo, portanto, deixar de o amar”. Poderemos aperceber-<br />
nos disso até no modo como aparece, em cores mais carregadas ou<br />
mais esbatidas, uma autêntica explosão dos mais variados<br />
sentimentos que parecem contraditórios e impossíveis de retratar na<br />
mesma tela; e isto, quando já não há sentimentos - DORES, como ela<br />
diz!!! Resta-nos então concluir, portanto, que todos aqueles<br />
sentimentos são FINGIdos! Ela FINGE/DORES! “O poeta é um<br />
fingi(e)dor...”, diz Pessoa. O poeta finge DOR, podemos dizer nós.<br />
Nestas cartas, o personagem emissor, nitidamente no feminino,<br />
possivelmente, “...finge tão completamente, / que chega a fingir que<br />
é dor, / a dor que deveras sente.”<br />
última?<br />
Mas, quem nos diz, que aquela quinta carta é, realmente a<br />
Também este assunto, da ordem das cartas, é polémico. Qual é<br />
a primeira e quais as do meio, e qual a última. Uma notícia que<br />
temos é, para podermos fazer uma ideia de como aconteciam as<br />
coisas de publicações naquela época, sabermos que em meados de<br />
1668 já corriam numerosas cópias em França quando, em 28 de<br />
Outubro de 1668, o senhor Claude Barbin obteve o “Privilège du Roi"<br />
para imprimir a 1ª edição! Esta, 1ª edição, só aparece a 4 de Janeiro<br />
de 1669, dizendo ao leitor que “Com muito cuidado e esforço,<br />
encontrei maneira de recobrar uma cópia correcta da tradução das<br />
cinco Cartas portuguesas, escritas a um distinto gentil-homem que<br />
serviu em Portugal. Vendo-as louvadas, ou procuradas tão<br />
270
empenhadamente, por todos aqueles que sabem o que são<br />
sentimentos, creio que lhes daria um raro prazer imprimindo-as. Não<br />
sei o nome daquele a quem foram escritas, nem o de quem as<br />
traduziu...” Isto lemos no prefácio traduzido por Eugénio de Andrade<br />
numa edição bilingue feita para a RTP, em Março de 1980.<br />
Ora o senhor Barbin, diz dos seus esforços para “recobrar uma cópia<br />
correcta da tradução”! Depois, diz: “não sei o nome daquele a quem<br />
foram escritas”!!! Que pena! Bastaria ter falado da pessoa que as<br />
teria escrito, para nos ter salvo de uma discussão inútil e longa de<br />
séculos!<br />
A verdade é que se sabia, afinal, “o nome daquele a quem foram<br />
escritas”: Noel Bouton, Marquis de Chamilly, em finais de 1667, mais<br />
conhecido, primeiro, como Noel Bouton, Chevalier, Seigneur de<br />
Montaigu ou de Saint-Leger, também tratado por: Comte de<br />
Chamilly-Saint-Leger que, quando veio para Portugal, em 1663, teria<br />
possivelmente 38 anos, e em 1667, 42, quando Mariana teria,<br />
respectivamente, 23, depois 27! Consta que teria "uma figura<br />
elegante e majestosa”. Parece que tradutor, a quem chegaram a<br />
chamar autor, teria sido um certo Monsieur de Guilleragues!<br />
Se de facto, como escreveu Matos Sequeira, as cartas são uma<br />
mistificação, e se a freira não existiu, ou existiu, mas não terá sido<br />
ela que escreveu as cartas, então, nesta hipótese, A FICÇÃO, A<br />
MISTIFICAÇÃO LITERÁRIA, podemos dizer que ATINGE UM TAL<br />
REALISMO, SÃO UM TAL SIMULACRO DO REAL, QUE PO<strong>DE</strong>REMOS<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAR SIMPLESMENTE UM PRODÍGIO, "O MODO COMO AS<br />
CINCO CARTAS EXPRIMEM OS SENTIMENTOS FEMININOS DAS<br />
APAIXONADAS...” Só os femininos? ou o de TODAS AS PESSOAS<br />
APAIXONADAS que subitamente foram separadas do objecto da sua<br />
PAIXÃO?!<br />
271
A Título de exemplo, tentaremos um levantamento, ainda que<br />
superficial, porque aprofundado seria exaustivo, DOS SENTIMENTOS<br />
QUE ESTÃO EXPRESSOS, SÓ NA 5ª CARTA – A ÚLTIMA em que já não<br />
há sentimentos a exprimir, como diz a autora, para enfim, os que<br />
andamos distraídos ou tão ocupados com a riqueza e variedade da<br />
NATUREZA HUMANA como educadores etc., darmos conta que eles –<br />
OS SENTIMENTOS – de facto existem, são muitos, variados,<br />
contraditórios e ricos, e podem ser desencadeados em nós e nos<br />
nossos filhos e educandos…, não só pelo que aconteceu a Mariana, e<br />
com esta violência, mas, como vulgarmente se diz, por "COISAS QUE<br />
ACONTECEM NA VIDA" a que por vezes não ligamos, não queremos<br />
ligar, ou queremos que os outros não liguem IMPORTÂNCIA!... Ora,<br />
esses SENTIMENTOS podem ser desencadeados por atitudes e gestos<br />
que consideramos “normais”, e, muitas vezes sem nos apercebermos<br />
da sua gravidade, e para maior surpresa ainda, não conseguimos<br />
perceber o que podem, de facto, desencadear: de crimes... guerras...<br />
heroísmos... ou simples loucuras...!!!<br />
Assim, SOROR MARIANA, pretensa ou autêntica emissora das cartas:<br />
Descobre, primeiro, FRIAMENTE que já NÃO É AMADA e<br />
portanto NÃO <strong>DE</strong>VE AMAR... – É o <strong>DE</strong>SPEITO., A REVOLTA <strong>DE</strong><br />
SE VER PRETERIDA. A <strong>DE</strong>SILUSÃO <strong>DE</strong> SE VER TRAÍDA, A SUA<br />
VINGANÇA! em contradição com o auto domínio, a frieza e a<br />
paz que pretende dar a entender, ter alcançado!<br />
Até vai devolver as recordações: cartas e presentes como o<br />
retrato e pulseiras. Estava na disposição de queimar tudo mas<br />
declara-se incapaz. Prefere dar a entender que atingiu o<br />
<strong>DE</strong>SPRENDIMENTO, mas, em vez de os queimar, vai devolver<br />
os presentes, confessando que, afinal, é incapaz de o fazer.<br />
Com a devolução, mesmo que o não consiga, ao menos na sua<br />
272
mente, renasce a ESPERANÇA de que os objectos e cartas o<br />
venham a comover e, quem sabe? re/CONQUISTAR!!!<br />
Quer sentir, até ao fim, a PENA de separar-se delas e causar,<br />
ao menos algum <strong>DE</strong>SPEITO. Confessa a AUTO COMISERAÇÃO,<br />
mas quer que ELE as receba. Se as queimasse, ELE nem daria<br />
conta! Quer portanto ferir, como se sente ferida!<br />
Confessa a VERGONHA sua e dele de se sentir ligada àquelas<br />
futilidades...<br />
Declara-se RACIONAL, mas foi preciso VIOLÊNCIA para se<br />
separar de cada uma quando se gabava de já estar<br />
<strong>DE</strong>SPRENDIDA.<br />
Confessa MIL IMPULSOS e MIL HESITAÇÕES que não se podem<br />
imaginar. Conheceu o <strong>DE</strong>SVARIO do seu amor quando tentou<br />
curar-se dele e não ousaria se pudesse prever que haveria<br />
tanta DIFICULDA<strong>DE</strong> e VIOLÊNCIA. Seria menos DOLOROSO<br />
continuar a amar apesar da INGRATIDÃO. Joga outra vez a<br />
SEDUÇÃO!<br />
A PAIXÃO, afinal, é mais forte que amar a pessoa amada.<br />
O SOFRIMENTO é tão penoso, que torna ODIOSO o ser que se<br />
mostrou INDIGNO do seu amor. AMA de tal maneira, que tem<br />
de ODIAR.<br />
O ORGULHO, TÃO PRÓPRIO DAS MULHERES, vai impedi-la de<br />
tomar decisões contra o ser amado.<br />
Até suporta o <strong>DE</strong>SPREZO e suportaria o ÓDIO e o CIÚME. Mas a<br />
INDIFERENÇA é INTOLERÁVEL, INSUPORTÁVEL!<br />
Vieram até provas de AMIZA<strong>DE</strong> e ridículas provas de<br />
CORRECÇÃO.<br />
Verifica que as cartas foram recebidas e não causaram qualquer<br />
PERTURBAÇÃO no coração do amado.<br />
Tamanha INGRATIDÃO! provoca LOUCURA.<br />
A razão dessa LOUCURA é tamanha que nem sequer lhe resta a<br />
ILUSÃO de as cartas não terem sido recebidas.<br />
273
Denuncia por isso a sua FRAQUEZA, e acusa-o de ter dito a<br />
VERDA<strong>DE</strong> depois de mil acusações de não lhe ter escrito nunca.<br />
Recusa, entretanto, ser ESCLARECIDA.<br />
Prefere a PAIXÃO. Prefere a ILUSÃO. Preferia não ser obrigada<br />
a NÃO LHE PERDOAR.<br />
Declara-o INDIGNO dos seus sentimentos.<br />
Conhece finalmente AS SUAS <strong>DE</strong>TESTÁVEIS QUALIDA<strong>DE</strong>S.<br />
Pede, apesar disso, que se ele tiver QUALQUER PEQUENA<br />
ATENÇÃO, que a ajude a ESQUECE-LO completamente.<br />
Nem sequer admite que a leitura o fizesse sentir algum<br />
<strong>DE</strong>SGOSTO, pois, A CONFISSÃO e o ARREPENDIMENTO dele,<br />
poderia enche-la de CÓLERA e de <strong>DE</strong>SPEITO “e tudo isso<br />
poderia de novo INCENDIAR-ME”...<br />
“NÃO SE META NO MEU CAMINHO" grita desesperadamente<br />
tentando acreditar que seria ainda possível vir a encontrá-lo...<br />
"NÃO ME INTERESSA SABER O RESULTADO <strong>DE</strong>STA CARTA...”<br />
"pode estar SATISFEITO com o mal que me causa..."<br />
Prefere a INCERTEZA... ESPERA conseguir qualquer coisa<br />
parecida com a TRANQUILIDA<strong>DE</strong>...<br />
Promete não ficar a ODIAR...<br />
Desconfia dos SENTIMENTOS EXALTADOS para se permitir<br />
ODIAR...<br />
Tem a CONVICÇÃO que poderia encontrar um amante melhor e<br />
mais fiel! mas NÃO ACREDITA que alguém a possa amar...<br />
NÃO ACREDITA QUE OUTRA PAIXÃO a possa absorver!<br />
Experimenta a REVOLTA e lança o desafio: “que poder teve a<br />
minha paixão sobre si?” NÃO PO<strong>DE</strong> ESQUECER um coração<br />
ENTERNECIDO... Não pode esquecer quem lhe revelou prazeres<br />
que não conhecia...<br />
Todos os seus IMPULSOS estão ligados ao ídolo que criou.<br />
Os PRIMEIROS PENSAMENTOS E PRIMEIRAS FERIDAS não<br />
podem curar-se nem apagar-se...<br />
274
NÃO pode ser AUXILIADA nem APAZIGUADA...<br />
Mesmo, à hipótese de <strong>outras</strong> PAIXÕES..., prefere A<br />
LEMBRANÇA do SEU SOFRIMENTO...<br />
ACUSA o ser amado de lhe ter dado a conhecer A IMPERFEIÇÃO<br />
e o <strong>DE</strong>SENCANTO de uma AFEIÇÃO que não pode durar<br />
eternamente e a AMARGURA que acompanha um AMOR<br />
VIOLENTO quando não é correspondido...<br />
Confessa-se vítima de CEGA INCLINAÇÃO e de um CRUEL<br />
<strong>DE</strong>STINO que NOS PO<strong>DE</strong>M PREN<strong>DE</strong>R àqueles que só a outros<br />
são sensíveis!...<br />
“É TAL A PENA QUE SINTO POR MIM que TERIA MUITOS<br />
ESCRÚPULOS em arrastar o último dos homens ao estado a que<br />
me reduziu...”<br />
Isto é <strong>DE</strong>SESPERO, DOR INENARRÁVEL!!!...<br />
Já não me merece NENHUM RESPEITO...<br />
Entretanto não pode decidir-se a semelhante VINGANÇA...<br />
Procura depois <strong>DE</strong>SCULPÁ-LO...<br />
Reconhece, de facto, que uma freira raramente pode inspirar<br />
amor, ...mas ao menos a elas, NADA AS IMPE<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> PENSAR<br />
CONSTANTEMENTE NA SUA PAIXÃO...<br />
Será preciso ter pouca <strong>DE</strong>LICA<strong>DE</strong>ZA para suportar sem<br />
<strong>DE</strong>SESPERO as futilidades das <strong>outras</strong> amantes...<br />
Avisa-o de que, com as <strong>outras</strong> estará sempre exposto a NOVOS<br />
CIÚMES...<br />
Quantas suportam os maridos com <strong>DE</strong>SGOSTO...<br />
Como pode um amante não PEDIR CONTAS RIGOROSAS que<br />
ela está disposta a dar? Como pode um amante ou um marido<br />
ACREDITAR facilmente e SEM INQUIETAÇÃO...<br />
Seria preferível o seu AMOR sem lei...<br />
“Hei-de ser toda a vida uma <strong>DE</strong>SGRAÇADA... Já antes MORRIA<br />
<strong>DE</strong> MEDO que me não fosse fiel... QUERIA VÊ-LO A TODO O<br />
MOMENTO... INQUIETAVA-ME... Desesperava-ME por não ser<br />
275
mais bonita e mais digna de si; LAMENTAVA a mediocridade da<br />
minha condição... PENSAVA NOS PREJUÍZOS que ele poderia<br />
ter... IMAGINAVA QUE NÃO O AMAVA BASTANTE... RECEAVA,<br />
por si, A CÓLERA DA MINHA Família... afinal, encontrava-me<br />
NUM ESTADO TÃO LAMENTÁVEL como o que estou agora.”<br />
TERIA ARRISCADO TUDO para ir ter com ele...<br />
Ter-se-ia DISFARÇADO...<br />
E se ele a não acolhesse numa terra estranha que HORROR que<br />
LOUCURA!<br />
Que VERGONHA tão grande para a minha família, a quem<br />
QUERO TANTO depois que <strong>DE</strong>IXEI <strong>DE</strong> O AMAR!<br />
Tem SANGUE FRIO... Ao menos uma vez fala<br />
PON<strong>DE</strong>RADAMENTE... Sabe que A MO<strong>DE</strong>RAÇÃO lhe agradará...<br />
Mas, NÃO QUER SABÊ-LO... SUPLICA que não escreva mais...!!!<br />
AMEI-O COMO UMA LOUCA, TUDO <strong>DE</strong>SPREZEI!...<br />
A AVERSÃO dele só pode ser VISCERAL para a não AMAR<br />
APAIXONADAMENTE...<br />
<strong>DE</strong>IXEI-ME FASCINAR!...<br />
Ele não RENUNCIOU a nada: outros prazeres, caça,<br />
campanhas... perigos...<br />
Ele NÃO FOI CORAJOSO... Uma carta do irmão bastou para<br />
fugir... e, durante a viagem, a sua DISPOSIÇÃO era a melhor<br />
do mundo!...<br />
Tenho razões para O ODIAR MORTALMENTE...<br />
Foi ela que causou a SUA PRÓPRIA <strong>DE</strong>SGRAÇA...<br />
Foi INGÉNUA... Não usou ARTIFÍCIOS para se fazer amar...<br />
Acuso-o de Perfídia... ...Declaro-lhe que o entregarei à<br />
VINGANÇA de minha família...<br />
Ela viveu num ABANDONO e numa IDOLATRIA que a<br />
horrorizam, e o REMORSO persegue-a com UMA CRUELDA<strong>DE</strong><br />
INSUPORTÁVEL...<br />
276
Sente ENORME VERGONHA DOS CRIMES que ele a levou a<br />
cometer...<br />
A Paixão impedia-a de CONHECER-LHES A<br />
MONSTRUOSIDA<strong>DE</strong>...<br />
O seu coração está DILACERADO...<br />
Não consegue libertar-se desta CRUEL PERTURBAÇÃO...<br />
Crê, apesar de tudo, que NÃO LHE <strong>DE</strong>SEJA NENHUM MAL...<br />
Até <strong>DE</strong>SEJA QUE ELE SEJA FELIZ...<br />
“Quero escrever-lhe outra carta... com mais SERENIDA<strong>DE</strong>...<br />
para, com SATISFAÇÃO, o CENSURAR pelo seu procedimento<br />
injusto, quando este já não ME IMPORTUNAR... e farei SENTIR<br />
que o <strong>DE</strong>SPREZO; que falo da sua TRAIÇÃO com a maior<br />
INDIFERENÇA; que esqueci ALEGRIAS E PENAS...”<br />
Ele tem vantagens porque inspirou uma PAIXÃO que lhe fez<br />
PER<strong>DE</strong>R A RAZÃO... mas não deve ENVAI<strong>DE</strong>CER-SE com isso.<br />
“Eu era nova, ingénua; haviam-me encerrado neste convento<br />
desde pequena; não tinha visto senão gente desagradável;<br />
nunca ouvira as belas coisas que constantemente me dizia;<br />
parecia que só a si devia o ENCANTO E A BELEZA QUE<br />
<strong>DE</strong>SCOBRIRA EM MIM, E NA QUAL ME FEZ REPARAR...”<br />
“Mas por fim, LIVREI-ME DO ENCANTAMENTO....”<br />
E, depois de desferir as mais AZEDAS e IRÓNICAS ACUSAÇÕES<br />
termina:<br />
“É preciso deixá-lo, e não pensar mais em si. Creio mesmo que<br />
não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar<br />
conta de TODOS OS MEUS SENTIMENTOS?"<br />
Parece, podermos afirmar, que temos, aqui, um levantamento<br />
quase completo de TODOS OS SENTIMENTOS que podem mover A<br />
NATUREZA HUMANA! ou, ao menos, as/os apaixonadas/os!<br />
277
Os que ali faltam na minha pretensa listagem, pode o leitor<br />
procurá-los avidamente nessa mesma carta e nas restantes quatro.<br />
Este é o mágico conselho dos magos da clareira escondida na<br />
floresta, das fadas e dos sábios que desta vez se reuniram no<br />
BALCÃO <strong>DE</strong> ON<strong>DE</strong> SE AVISTA MÉRTOLA - as Portas de Mértola!!!.<br />
Aquele BALCÃO, Janela? Varanda? Onde Mariana tantas vezes...<br />
"MUITAS VEZES DALI TE VI PASSAR COM UM AR QUE ME<br />
<strong>DE</strong>SLUMBRAVA; ESTAVA NAQUELE BALCÃO NO DIA FATAL EM QUE<br />
SENTI OS PRIMEIROS SINAIS DA MINHA <strong>DE</strong>SGRAÇADA PAIXÃO.<br />
PARECEU-ME QUE PRETENDIAS AGRADAR-ME, EMBORA NÃO ME<br />
CONHECESSES; CONVENCI-ME <strong>DE</strong> QUE ME HAVIAS DISTINGUIDO<br />
ENTRE TODAS AQUELAS QUE ESTAVAM COMIGO; QUANDO PARAVAS,<br />
IMAGINAVA QUE O FAZIAS INTENCIONALMENTE PARA QUE MELHOR<br />
TE VISSE, E ADMIRASSE O GARBO E A <strong>DE</strong>STREZA COM QUE<br />
DOMINAVAS O CAVALO; DAVA COMIGO ASSUSTADA, QUANDO O<br />
LEVAVAS POR SÍTIOS PERIGOSOS...<br />
Com esta sábia assembleia de fadas e de magos a olhar<br />
ansiosos o intenso vaivém das PORTAS <strong>DE</strong> MÉRTOLA vamos ouvindo<br />
Fidelino de Figueiredo:<br />
Pode ali ver-se nessas cartas poema:<br />
“O desespero do abandono; a lógica sentimental de tender a justificar<br />
o que se deseja; a voluptuosidade agridoce de gozar no sofrimento; o<br />
transporte de absorver toda a personalidade do ente amado; as<br />
contradições constantes de quem só toma posições extremas e<br />
insustentáveis e num incessante vaivém se debate, como havendo<br />
perdido o rumo no pego encapelado do sentimento; todo o delírio<br />
imaginoso de uma alma reduzida à imobilidade e à clausura,<br />
orgulhosa de haver ascendido a um cume excelso donde avistou<br />
vasta amplidão de ideal; a alternativa de querer ciosamente guardar<br />
no coração recordações da perdida felicidade, como tesouro velado a<br />
almas vulgares, para logo fraquejar perante o penoso dessas<br />
278
memórias; a abnegação sem orgulho; todos os extremos doidejantes<br />
duma alma rica de emotividade, mas que perdera o equilíbrio e a<br />
realidade - tudo que uma paixão absorvente pode produzir, ali está<br />
expresso naquele pequeno poema de amor. O martírio do abandono,<br />
o inferno de amar já sem esperança e a desolação de quem antevê<br />
para si toda uma vida de solidão e tristeza trespassam as cartas, não<br />
com a monotonia plangente das lamentações, mas em traços rápidos<br />
e incisivos, feitos de cobardia egoísta e egoísmo orgulhoso. Nessa<br />
mulher o amor revelou-lhe a própria alma, tão grande e sensível que<br />
parece ter-se nela acumulado a sensibilidade de gerações, o caudal<br />
guardado pela clausura. Estava mesmo disposta a servir as amantes<br />
que porventura ele tivesse em França para não perder a oportunidade<br />
de arcar com a insuportável gravidade, risco e perigo do seu amor<br />
por ele...!!!<br />
279
Enfim...<br />
As Cartas Portuguesas!<br />
Les Lettres Portuguaises!<br />
As Cartas da Freira Portuguesa!<br />
Cinco Textos tecidos de DOR(ES),<br />
GRITOS gritados em gritantes LETRAS<br />
<strong>DE</strong> SENTIMENTOS angustiados e contrários<br />
confusos, contraditórios<br />
mas gritos que ecoam em estonteante ECO<br />
dilacerante de encontro aos muros do convento,<br />
do convencional que oprime e dilacera,<br />
teimosamente olhando do balcão de Mértola<br />
o Longe, o Azul, o Sul,<br />
o Sol, a Luz, o Além,<br />
A Felicidade!!!<br />
GRITOS e GRA<strong>DE</strong>S!<br />
Grades que provocam os gritos...<br />
Gritos que procuram desesperadamente derrubar as grades<br />
que os tentam sufocar e abafar .<br />
Cartas Portuguesas!<br />
Lettres Portuguaises!<br />
Letras Portuguesas<br />
GRITOS<br />
DORES<br />
SENTIMENTOS<br />
GRITOS ESTRI<strong>DE</strong>NTES SAÍDOS DAS MAIS PROFUNDAS<br />
ENTRANHAS<br />
DO CORAÇÃO DUMA MULHER!...<br />
280
COMO GRITOS SAÍDOS DAS ENTRANHAS DA TERRA<br />
GRITOS <strong>DE</strong> GENTE<br />
GRITOS <strong>DE</strong> POETA<br />
GRITOS <strong>DE</strong> PESSOAS<br />
GRITOS <strong>DE</strong> UM POVO<br />
desesperadamente<br />
A GRITAR<br />
para despedaçar, lutando, TODAS AS GRA<strong>DE</strong>S!<br />
Buscando a LIBERDA<strong>DE</strong>!!!<br />
281
282
img025 – mariana à janela donde se avista Mértola!<br />
“Muitas vezes dali te vi passar com um ar que me deslumbrava...” p. 276<br />
283
284
3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode<br />
(en)co(a)nt(r)ar...<br />
Há anos, muitos anos que se passaram há mais de trezentos<br />
anos, mais precisamente em 1640-1723, num reino muito distante e<br />
perdido do mundo que ficava ali no Alentejo mais propriamente em<br />
Beja, havia uma mulher e um homem que queriam ter um filho pois<br />
já tinham uma filha, e um filho era importante, segundo os costumes<br />
do tempo, para assegurar as propriedades e com elas a prosperidade<br />
e a posteridade duma família com pergaminhos... e terras... e bens...<br />
e prole...<br />
Tanto desejaram, tanto desejaram, que um dia, quando a<br />
mulher se estava refrescando na frescura sombreada de uma fonte<br />
retirada das vistas da cidade perdida, lá para os lados de noroeste,<br />
apareceu-lhe uma cobra monstruosa e encantada que lhe disse:<br />
⎯ Não tenhas medo. O teu desejo vai ser satisfeito. Antes de<br />
um ano, darás à luz uma menina.<br />
Leonor ⎯ era assim que se chamava a mulher ⎯ ouviu. Não era<br />
bem aquilo que queria... Mas, como com cobras não se pode discutir<br />
muito, guardou para si o seu segredo e esperou.<br />
A profecia da serpente realizou-se e aquela mulher teve uma<br />
filha tão linda que o homem quis dar uma grande festa para partilhar<br />
com todos a sua alegria. O senhor Francisco, ⎯ assim se chamava o<br />
extremoso pai ⎯ além de convidar todos os familiares, parentes e<br />
amigos, convidou também as fadas do reino para que<br />
providenciassem o futuro mais feliz possível para a sua filha, o que<br />
não era muito fácil, naqueles tempos conturbados!... e naqueles<br />
ermos perdidos!<br />
Ora havia naquele reino, perdido e esquecido há anos muitos<br />
anos, treze fadas que fadavam e rondavam a cidade com seus fados<br />
285
ons e maus, mas eles, que só tinham um serviço completo com doze<br />
pratos, digno de tais convidadas, convidaram só doze.<br />
⎯ Chega. ⎯ Disse o senhor Francisco ⎯ Não é por faltar uma<br />
que a menina ficará menos bem fadada!... e quem dá o que tem, não<br />
é obrigado a mais.<br />
⎯ Até porque, se convidamos mais uma, e não a podemos<br />
servir na baixela de prata como as <strong>outras</strong> doze! ⎯ disse a senhora D.<br />
Leonor ⎯ que ofensa, meu Deus! Que horror não seria! E uma mesa<br />
com treze, até pode ser logo um mau agoiro para a nossa filha!...<br />
Bem basta que tenha sido outra filha, e não um filho como tanto<br />
desejávamos, para a ser mau presságio... ⎯ Isto, pensava<br />
secretamente e senhora D. Leonor, mas não disse nada.<br />
A festa foi celebrada com muita alegria e esplendor e no meio<br />
dos cantos e dos contos com que os convidados se encantavam uns<br />
aos outros perante a beleza da menina que nascera, e, embora já<br />
fosse encanto que bastasse, as fadas fadaram a princesa com dons e<br />
encantos que tinham guardados no poder mágico das suas varinhas<br />
de condão!<br />
Veio então a primeira e disse:<br />
A segunda disse:<br />
A terceira disse:<br />
⎯ Estás fadada, estás marcada,<br />
para seres mui virtuosa,<br />
e seres sempre consagrada<br />
a um deus, como uma rosa!<br />
⎯ Serás a mais inocente<br />
no meio da tua gente!<br />
⎯ E num dia especial,<br />
quando passar um cortejo,<br />
o teu ar celestial,<br />
vai despertar tal desejo<br />
que te há-de ser fatal<br />
286
E a quarta disse:<br />
A quinta disse:<br />
A sexta disse:<br />
A sétima disse:<br />
E a oitava:<br />
E a nona disse:<br />
E a décima:<br />
E a décima primeira:<br />
⎯ De tal modo sentirás<br />
que toda a terra ouvirá!<br />
⎯ Não sentirás só o Amor<br />
provarás todas as DORes!<br />
⎯ Teu Amor e tua DOR<br />
tua DOR e o teu Pranto<br />
vão dar ao Mundo calor - cor<br />
e encher tudo de Espanto - santo!!!<br />
⎯ A tua DOR sem igual<br />
Vai dar-te Prazer sem rival!<br />
⎯ ‘Té na tua Solidão<br />
vai vibrar teu coração<br />
em luta contra a Razão<br />
Labirinto e Confusão!!!<br />
⎯ Os prazeres que vais sentir,<br />
muitas damas, de o sonharem<br />
dariam a vida e porvir, (a vida por vir)<br />
de só um pouco, provarem!!!<br />
⎯ Com todos os teus sentidos<br />
misturados e vividos<br />
os teus gritos de Prazer<br />
serão Dores para... Morrer! Viver<br />
⎯ Vou-te lançar um encanto,<br />
contado com doce canto.<br />
287
e um tal deslumbramento<br />
que verás o seu Encanto<br />
no meio do sofrimento!!!<br />
E como o cortejo das fadas a era muito longo e todos tinham<br />
parado, com a boca seca, tensos sequiosos, parados suspensos, para<br />
ouvir as palavras mágicas das fadas e procuravam adivinhar nelas o<br />
que seria o futuro de tão prendada menina, no meio daquelas<br />
palavras cantadas/encantadas, eis que de repente houve um barulho<br />
infernal – BRRRUM BUM BUM – na sala da festa, que causou a maior<br />
confusão. Entrara a fada de olhos brilhantes e coléricos, que não<br />
tinha sido convidada, e vinha vestida de preto e pensava, na sua<br />
raiva delirante, que a todas as fadas tinham fadado a menina com<br />
tudo o que há de bom e desejável, e vinha para estragar todas as<br />
promessas de felicidade que pairavam sobre o berço e a vida da<br />
menina... (É assim, às vezes, a sorte do nosso fado! É que as magas<br />
e as fadas também tem raivas e podem enganar-se ou distrair-se!...<br />
ou até precipitar-se!)<br />
Disse então a numero treze:<br />
⎯ Abacadabra! Amor com DOR!<br />
Ouvi todos com horror!<br />
Brum Ruumm Bruummm...e com terror!<br />
Por volta dos seus vinte anos,<br />
Ai! esta bela menina<br />
vai-se picar nalgum fuso,<br />
ou nalguma agulha fina!<br />
ou então vai encontrar<br />
uma serpente encantada<br />
como já acontecera<br />
a sua mãe... para a ter !<br />
Ficará ferida de morte!...<br />
E, se conhecer o Amor,<br />
há-de conhecer também<br />
288
a DOR pungente que tem! ...<br />
Aí tens a tua Sorte...<br />
Este é que é o meu dote!<br />
Brrrrrrr! Amor com DOR!<br />
...E voou como um vapor...!<br />
E tão rápido como tinha entrado, a fada furiosa desapareceu<br />
sem que ninguém visse sequer por onde...<br />
Apareceu então a rainha das fadas, que esperava tudo daquela<br />
sua companheira, que não tinha sido convidada, e se tinha deixado<br />
ficar para o fim, sem que ninguém o tivesse percebido. Tais eram os<br />
votos que todas as fadas tinham feito, que todos pensavam que<br />
algum, era com certeza, já, o da rainha das fadas!... Ela aliás, em<br />
nada se distinguia das <strong>outras</strong>, mas era a rainha escolhida para reinar<br />
durante aquele tempo, coisas que só acontecem no reino das<br />
fadas!...<br />
E disse a rainha das fadas, para nós, a número doze:<br />
⎯ Nada posso desfazer<br />
do que disse aquela fada!<br />
Ela há-de-se picar...<br />
E também vai encontrar<br />
uma serpente encantada!...<br />
Mas a picada de morte,<br />
não é morte. Será vida!<br />
E vai viver a dormir<br />
uns cem anos bem contados...<br />
E depois, ao acordar,<br />
com a picada mortal!<br />
os gritos que ela vai dar<br />
durante toda uma vida<br />
vão espantar toda a Terra<br />
que se verá comovida<br />
289
como em convulsões de guerra,<br />
abalada, arrebatada,<br />
por uma DOR renovada!<br />
A festa acabou com bastante alegria misturada com o medo e a<br />
ansiedade do que iria acontecer, e cada um foi para as suas casas...<br />
Os pais da menina que a queriam defender de todo o mal que<br />
lhe pudesse acontecer, ao chegar logo aos onze anos, meteram-na<br />
numa espécie de castelo que bem podia ser uma prisão, mas onde<br />
estavam convencidos de que nenhum mal, daqueles que foram<br />
anunciados pela fada irada, lhe podia vir a acontecer, e onde nada lhe<br />
faltaria de tudo o que desejasse. Viveu assim a menina muitos anos e<br />
se até aos onze já era prendada com todos os dons que as fadas<br />
tinham anunciado, mesmo no castelo que bem podia ser uma prisão,<br />
onde nada lhe podia faltar, esses dons desenvolveram-se tanto, à<br />
medida que ela ia crescendo cada vez mais bela e sedutora, que<br />
quem a via não podia deixar de gostar dela.<br />
Vinham então naquele tempo, muitos príncipes e cavaleiros<br />
doutros reinos para auxiliarem este reino que passava tempos muito<br />
conturbados. Já antes de a Menina nascer, durante doze lustros, um<br />
rei poderoso tinha tomado conta de todo o reino ao qual pertencia<br />
este reino mais pequeno e mais perdido e esquecido, e mandava em<br />
todos os povos mesmo neste desprezado e perdido para além do Tejo<br />
de modo que muitos viviam no medo e na revolta. Vinham então,<br />
estes príncipes cavaleiros ajudar o rei, para que isso não pudesse<br />
mais acontecer.<br />
Mas aconteceu que um dia, quando a menina já estava a passar<br />
a idade anunciada pela fada despeitada, e já ninguém pensava que<br />
algum mal lhe pudesse acontecer,...um dia, que estava com todas as<br />
suas companheiras, olhando do alto duma varanda envidraçada tudo<br />
o que se descortinava para o Sul até lá muito ao longe, para os reinos<br />
de Mértola e além Garbe, ela, de repente, soltou um grito<br />
desesperado e caiu como se estivesse morta. Ninguém dera conta de<br />
290
nada. Não se notava ferida nenhuma. Na mão direita que tinha<br />
pousada sobre o peito, notava-se um sinal que nem picada parecia! O<br />
que seria? O que não seria? Os médicos chamados não descortinaram<br />
nada! Mas o certo é que ela continuava aparentemente morta e de<br />
olhos fechados parecendo que morria!<br />
Nesse momento, sem que disso ainda se tivessem bem<br />
apercebido as donzelas que olhavam fascinadas os campos e os<br />
longes que se abriam para o Sul, entrava na cidade, pelas portas de<br />
Mértola, um grupo de soldados comandados por um forte e esbelto<br />
cavaleiro, que brindava a população, que timidamente os espreitava<br />
por detrás das janelas e começava a correr para a rua, com<br />
evoluções e malabarismos arriscados com que habilmente fazia<br />
evoluir a sua montada na calçada empedrada da rua e no aterro que<br />
ladeava o castelo encantado que mais parecia uma prisão onde<br />
nenhum mal podia acontecer à fadada menina, e arrancava ais e<br />
suspiros de aflição e excitação às pessoas que assistiam surpresas!<br />
enfeitiçadas!<br />
Foi no momento em que a luz o nimbou com um reflexo<br />
repentino!... No momento em que se recuperava dum súbito<br />
desequilíbrio da montada!... No momento em que Mariana escondida,<br />
tão distante!, ali tão perto!, atrás da janela, estava presa como que<br />
alheada nas evoluções arriscadas do nobre cavaleiro,... que um brilho<br />
inesperado acendeu os olhos de Mariana! Um brilho repentino! Um<br />
golpe fatal! Como um raio! Relâmpago! Repentino! Fulminante!<br />
Invisível! Invisível a todos! Real para ela! que a prostrou sem vida...<br />
Sem vida aparente!<br />
Correu então pela cidade a nova nunca ouvida de que uma bela<br />
menina na flor da idade que pouco mais teria que os seus vinte anos<br />
ou ainda os não teria tão fresca e jovem ela aparecia!, estava picada<br />
de morte e não morria, e já se mantinha assim há muitos dias...<br />
Tanta fama correu, que a nova chegou aos ouvidos daqueles<br />
formosos cavaleiros, que tinham vindo de longe para ajudar o rei<br />
291
deste reino nas campanhas e dificuldades que o reino atravessava.<br />
Vinham pois eles equipados com tudo o que tinham de melhor e<br />
podiam transportar para assim melhor servirem o rei que vinham<br />
servir e dar bom-nome ao rei de que eram súbditos. Quando a nova<br />
correu entre aqueles estrangeiros, houve um que disse:<br />
Parbleu! Quel belle nouvelle!<br />
Je saurai, certainement<br />
Qu'est-ce qu'elle a, la demoiselle!<br />
292<br />
Oh meu Deus, que nova bela!<br />
Eu saberei com certeza<br />
Qual o mal dessa donzela!<br />
⎯ Porventura! eu sei a doença que sofre a pobre e formosa<br />
donzela! Não posso ter a certeza, mas se a puder ver, experimentarei<br />
os remédios que pude trazer comigo e nunca me abandonam e são<br />
segredos descobertos no nosso reino que porventura ainda não<br />
chegaram ao vosso país e não me competirá a mim revelá-los, tão só<br />
usá-los em caso de extrema necessidade como me parece ser esta!<br />
Tão formoso discurso foi ouvido com muita atenção, espanto e<br />
esperança, e logo esta bela fala do cavaleiro correu pela cidade, e<br />
logo o levaram à presença da doente que mais parecia morta, mas<br />
que irradiava uma beleza suave e discreta na sua palidez.<br />
O cavaleiro chegou, olhou e ela continuava como morta.<br />
Olhou com mais atenção e pode ver a cor da palidez do rosto e<br />
dos lábios e como que pode adivinhar o brilho dos seus olhos mesmo<br />
sem os ver.<br />
Fez com a cabeça um sinal que todos entenderam que sabia<br />
que doença era e que teria o remédio indicado para ela e todos se<br />
retiraram respeitosamente... mesmo a ama, que mais cuidava<br />
daquela menina, encarregada pelos pais de que nada lhe faltasse<br />
mesmo naquele castelo que mais parecia uma prisão!<br />
Então..., o cavaleiro olhou mais insistentemente os olhos que<br />
não via mas adivinhava... os olhos que o não viam mas o<br />
adivinhavam! aproximou-se. tocou-lhe no rosto. deu-lhe o beijo...
Mal a beijou ela começou a abrir os olhos, e quando lhe deu o<br />
remédio salvador que trazia para a salvar, ela abriu desmedidamente<br />
os olhos de encanto e espanto descobrindo realidades fantásticas que<br />
os sonhos e presságios já lhe tinham indicado, mas ela não julgava<br />
nem sonhava possíveis, não podendo conter em si a alegria que a fez<br />
entrar num desvario que mais parecia um deslumbramento.<br />
Todos se encheram de alegria e festejaram tão milagrosa cura<br />
que ela não podia esconder de ninguém e, durante algum tempo,<br />
pode aquele salvador providencial visitar e assistir à espantosa<br />
convalescença da sua doente!<br />
Quando enfim, no final das campanhas, os cavaleiros tiveram<br />
de partir, e entre eles aquele maravilhoso que a tinha salvo, os seus<br />
gritos de dor e alegria foram tão estridentes, tão impressionantes,<br />
que embora só desse CINCO! daqueles PRODIGIOSOS GRITOS, UM<br />
EM CADA <strong>DE</strong>Z ANOS DOS CINQUENTA QUE AINDA VIVEU, eles foram<br />
tão sentidos, tão dolorosos, tão expressivos da alegria e do encanto<br />
que sentira, que se ouviram além fronteiras e ainda ecoam pelo<br />
mundo como expressão dos mais profundos sentimentos que pode<br />
experimentar a pessoa humana!<br />
TÃO TRISTES, TÃO SAUDOSOS,<br />
TÃO SENTIDOS DA PARTIDA,<br />
POR SE VER ASSIM TRAÍDA,<br />
POR SE VER ASSIM CAÍDA!<br />
QUE PASSOU A SUA VIDA<br />
A QUERER CURAR-SE DA FERIDA,<br />
SEM O QUERER, POR ESTAR PERDIDA...<br />
E POR MAIS QUE ELA GRITASSE<br />
E QUE <strong>DE</strong>SEJASSE CURAR-SE;<br />
OS SEUS GRITOS DOLORIDOS,<br />
ERAM SÓ P'RA QUE ELE VOLTASSE<br />
E LHE ABRISSE AQUELA FERIDA<br />
POIS ENCONTRARA NA VIDA...<br />
293
UMA ENCANTADA ALEGRIA,<br />
QUE ELA NÃO QUERIA PERDIDA,<br />
E VALIA MAIS QUE A VIDA,<br />
VIVIDA SEM ALEGRIA!...<br />
Eram assim os gritos de Mariana! Os gritos de Maria... Os gritos<br />
de Ana... Os gritos da Ama... Os gritos da Maria Ana... da Maira... da<br />
Maíra...da Nairama... da Arima... da Arinama... da Miriam... de todas<br />
os MARIAS que de todos os rios, de todas as rias, do Tejo, do Sado,<br />
do Guadiana – Odiana, do Alva e Ceira, do Mondego e do Douro...<br />
que correm para o MAR... que unem fronteiras, que rasgam<br />
fronteiras... daquém, dalém montes... daquém e dalém Tejo!!! mas<br />
carregam as DORES de todas as FONTES! e levam as lágrimas de<br />
todos os peitos... onde a DOR floriu!<br />
MARIAS!...<br />
Eram assim os gritos de TANTAS! Tantas MARIANAS!...<br />
294
A MAGIA DAS DÉCIMAS POPULARES!!!<br />
O MOTE GLOSADO EM ESPIRAL – ou A QUADRATURA DO CÍRCULO.<br />
A MAGIA DA QUADRA QUADRADA QUE GIRANDO SE TORNA<br />
CÍRCULO!<br />
img026 – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado…<br />
295
img026b – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado… manuscrito!<br />
296
0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo<br />
Os magos e as fadas da clareira escondida na floresta, que<br />
nesse dia tinham reunido na sala do capítulo, onde tantas freiras<br />
tinham sido repreendidas e censuradas pelas suas leviandades e a<br />
quem foram impostas rigorosas e penosas penitências, saíram<br />
cabisbaixos e ainda pensativos carregados com os mistérios que<br />
tentavam desvendar através de tão atribuladas e excitantes histórias<br />
com um misto de factos reais e históricos, à mistura com umas cartas<br />
que tanta polémica levantaram e levantam sobre a sua autenticidade<br />
e mais ainda a Lenda!... e tentaram ir até ao balcão de Mértola que<br />
se abria sobre a planície para o Sul...<br />
Quem é que lá foram encontrar? triste e pensativa, recortada<br />
no contraluz do dia a entardecer? A Mariana! Não. Não era a Mariana<br />
Alcoforado. Mesmo que fosse não a reconheceriam, pois como não<br />
deixou nenhum retrato autêntico para a posteridade, muitos artistas<br />
a retrataram conforme a sua ideia, suposições e inspirações, e até<br />
Matisse, em traços simples e vigorosos, se comoveu com a pobre<br />
freira portuguesa do sul e, como diz Belard da Fonseca, como nunca<br />
deve ter visitado Portugal, nos dá a imagem de uma mulher tipo de<br />
marroquina, lábios muito carnudos, malares salientes e olhar de<br />
animal perseguido.”<br />
Como é que ali teria entrado aquela intrusa? Não sabiam e<br />
também não perguntaram. Também ninguém sabe como é que o<br />
Cavalheiro de Chamilly teria entrado naquele convento de clausura<br />
rigorosa!, mas sabe-se que pelo menos desde 1665 as freiras foram<br />
fazendo casas próprias ou mais propriamente quartos encostados aos<br />
muros do convento e o pai de Mariana teria até mandado construir<br />
297
duas, e embora fossem obrigadas a ir pernoitar no dormitório<br />
interior, algumas, pelo menos algumas vezes, não iam com certeza.<br />
Ali estava ela recortada pela luz coada da Janela de Mértola e<br />
respeitaram seu silêncio e as suas divagações. Pensava talvez, como<br />
eles os magos, e elas as fadas, descobrir o significado das leis<br />
daquela época que encerravam jovens de tenra idade num convento<br />
inventado pelos senhores dos morgadios e latifúndios para que a<br />
riqueza da terra não se perdesse! e ali as sepultavam vivas!<br />
E a riqueza dos valores e sentimentos humanos que foram traídos e<br />
violentados?<br />
Essa Mariana é talvez um símbolo! Quando a riqueza humana,<br />
de sentimentos humanos e de corpo humano é semeada nesta terra<br />
fecunda do Alentejo, não pode ficar condenada à esterilidade<br />
castrada, ignorada, sem dar frutos. Os seus arroubos de doação e<br />
entrega, a sua riqueza de sentimentos, ecoaram pelo Mundo e ainda<br />
ecoam. Ela, como a Florbela e mais ainda outra figura de Lenda, a<br />
Aldonça da Fonte Mouro, são possivelmente os ícones, símbolos desta<br />
TERRA ALENTEJANA, feminina, fértil, rica, tanto em CULTURA⎯Terra,<br />
como em CULTURA⎯Povo, e a FONTE de Aldonça, como as CARTAS<br />
de Mariana, serão o grito feminino desta TERRA fecunda quando a<br />
querem votar ao abandono, a pretendem fechar numa clausura ou<br />
lhe criam entraves ao desenvolvimento, ou a pretendem<br />
simplesmente colonizar como um qualquer Marquis de Chamilly que<br />
só viria aproveitar e impor sua superioridade balofa de gente erudita<br />
e bem nascida! E vêm! E chegam! E regem! E ditam! E determinam!<br />
Mandam! Decidem! Condenam! Tem soluções para tudo! que não<br />
resolvem nada... - Os de cá, não percebem nada! Nós é que<br />
sabemos! Então não vêem, seus molengões, o que podem fazer, das<br />
coisas que são vossas! - Nós é que sabemos!... Eles é que sabem...!<br />
298
Como todos os colonizadores souberam fazer, sempre, o melhor, nas<br />
colónias onde enriqueceram à custa dos ignorantes!!! Coitados!!!<br />
⎯ Claro que não é só isso! ⎯ disse uma das fadas que tinha<br />
estado sempre muito calada.<br />
⎯ Quantos gritos de mulheres enclausuradas e exploradas se<br />
revêem na revolta de Mariana e quantas damas que ficaram para<br />
tias, sonharam aquelas cartas que talvez tenham escrito nos seus<br />
diários íntimos... E como elas, quantas terras? Quantas regiões<br />
perdidas, isoladas, enclausuradas, exploradas, oprimidas... deixadas<br />
estéreis em nome de leis como a dos morgadios... em nome do<br />
desenvolvimento... (deles!); do envolvimento... (deles!); em nome<br />
do regadio... (deles!); em nome da Pátria… (deles!); em nome da<br />
crença... (deles!); em nome da Fé... (deles!); em nome do<br />
progresso... (deles!).... quantas Marianas... Anas... Marias... Rios...<br />
Rias... Mares... ficaram infecundos, sem AMAR... sem CRIAR... A<br />
GRITAAAAAAAR: AIS! AI! AI! AI! IA!... ... ... IAAAAAAAAAAAAAAA M !<br />
⎯ Há uma imensidade de sinais que tentamos desvendar.<br />
Talvez aquela cigana os esteja a ler melhor que nós, olhando a lua<br />
que se levanta neste céu de Agosto e esteja a ler nos astros, os<br />
destinos e anseios das mulheres e homens deste país de poetas,<br />
cantadores e contadores de histórias!<br />
⎯ Mas já vêm aí as Europas e as Américas com os seus dólares<br />
e ecus e euros, e com os seus iluminados a decidirem o que é melhor<br />
para nós e para o Alentejo... E esses, que estudam nos livros e nas<br />
catedrais do saber, não se vão deixar enganar pelas letras das<br />
estrelas que têm o segredo do Cosmos e do Universo! Esses vão<br />
trazer aqui tudo o que é iluminária e inteligenzia!!!... Vão ouvir e<br />
seguir todos e tudo, até lhes vão pagar para os ouvir cagar<br />
sentenças!, menos ouvir as soluções daqueles que sabem, porque<br />
299
sempre aqui viveram ao ritmo das estações e sabem ouvir e<br />
interpretar a Terra e a Natureza, a até, pobres analfabetos!, tentam<br />
ler as letras das estrelas!, com a sua Poesia e o seu Cante!!!<br />
E assim encerraram, os magos da clareira escondida na<br />
Floresta, as suas reflexões. A Mariana recolheu-se à sua liberdade e<br />
correu para o campo à procura do acampamento e do seu amado, o<br />
cigano Castanho...<br />
... Na Planície imensa, ao Sol de Agosto, abraçados um ao<br />
outro, ouviram subitamente um GRITO! Um CHORO! UM CORO! que<br />
era um lamento das ÁRVORES DO ALENTEJO gritado num soneto de<br />
Florbela Espanca:<br />
«ÁRVORES! CORAÇÕES, ALMAS QUE CHORAM,<br />
ALMAS IGUAIS À MINHA, ALMAS QUE IMPLORAM<br />
EM VÃO REMÉDIO PARA TANTA MÁGOA!»<br />
«ÁRVORES! NÃO CHOREIS! OLHAI E VE<strong>DE</strong>:<br />
⎯ TAMBÉM ANDO A GRITAR, MORTA <strong>DE</strong> SE<strong>DE</strong>,<br />
PEDINDO A <strong>DE</strong>US A MINHA GOTA <strong>DE</strong> ÁGUA!»<br />
300
Aviso aos leitores…<br />
Avisam-se os leitores mais<br />
distraídos, que qualquer<br />
semelhança que possa haver<br />
entre qualquer coisa que fica<br />
aqui contado e a história ou<br />
personagens possivelmente<br />
existentes na História ou na<br />
sociedade vista no seu conjunto,<br />
é pura e simples coincidência,<br />
uma vez que tudo o que fica<br />
aqui escrito é obra de pura<br />
ficção e do contributo de muitas<br />
e variadas obras de ficção de<br />
consagrados e renomados<br />
autores, e só existe no<br />
prodigioso MUNDO DA FÁBULA!<br />
do FANTÁSTICO! do<br />
MARAVILHOSO!...<br />
POSSIVELMENTE MAIS REAL DO<br />
QUE O MUNDO dito REAL!...<br />
301<br />
O Autor
302
VITÓRIA VITORIA<br />
ACABOU-SE A HISTORIA.<br />
E ASSIM FICA PROVADO,<br />
<strong>DE</strong>POIS <strong>DE</strong> BEM ENROLADO<br />
O NOVELO JÁ DOBADO...<br />
QUE AQUI NO ALENTEJO,<br />
NÃO SE VIVE <strong>DE</strong> ILUSÕES<br />
NEM <strong>DE</strong> SONHOS SENSAÇÕES... NEM TÃO POUCO <strong>DE</strong> PAIXÕES!<br />
POIS TUDO ISTO<br />
SÃO PURAS FICÇÕES...<br />
ISTO TUDO É UM <strong>DE</strong>SERTO,<br />
ON<strong>DE</strong> NADA É PERTO...<br />
ON<strong>DE</strong> NADA É LONGE!...<br />
NÃO HÁ LONGE NEM DISTÂNCIAS, MAIS AMPLAS NESTE PAÍS...<br />
MAS HÁ ESPAÇO PRÓ SONHO<br />
E HISTÓRIAS <strong>DE</strong> PASMAR...<br />
É O POVO QUEM O DIZ<br />
COM SEUS CONTADORES <strong>DE</strong> HISTÓRIAS<br />
E CANTADORES E POETAS...<br />
QUEM NÃO CRÊ!!!?<br />
SÓ QUER É TRETAS.<br />
NÃO QUER POETAS<br />
SÓ QUER PETAS<br />
P’RA REGAR A IDIOTICE!<br />
MAS SE QUER SÓ ANEDOTAS<br />
NÓS TAMBÉM LHAS CONTAREMOS<br />
E MUITAS ATÉ COM CHISTE<br />
PR’ADOÇAR ESSA CHATICE<br />
E ATÉ A PAROLICE<br />
DOS PACÓVIOS DA CIDA<strong>DE</strong>.<br />
303
NÓS QUE SOMOS BONS ARTISTAS<br />
COMO DIZ CERTO JUIZ...<br />
MAS PASSAMOS POR PAROLOS<br />
PRÓS TOLOS <strong>DE</strong>STE PAÍS<br />
QUE QUEREM PAPAS E BOLOS...<br />
VIMOS DAQUI AVISAR<br />
QUEM ASSIM OUSA PENSAR<br />
NA SUA PRIVACIDA<strong>DE</strong><br />
SEM PENSAR UM SÓ INSTANTE!...<br />
QUE LABORA EM ERRO GRAN<strong>DE</strong>!...<br />
E ISSO É DOENÇA GRAVE<br />
OU UM MAL DA NOSSA RAÇA...<br />
MAS É DOENÇA QUE PASSA<br />
OU CO’A MORTE, OU CO’A IDA<strong>DE</strong>!<br />
BONS SONHOS TENHAM SENHORES, SENHORAS E CRIANCINHAS,<br />
‘TÉ NOVA OPORTUNIDA<strong>DE</strong>!...<br />
TAVON<strong>DE</strong>!!! T’AVONDO!!! TEM AVONDO!!!<br />
304
TAVON<strong>DE</strong>... TAVONDO...<br />
TEM AVONDO ! -- Fim ! -- Chega !<br />
... um FIM antes de acabar... como um último copo, para saborear<br />
devagar, durante a despedida...<br />
TAVONDO é uma expressão de algumas zonas do Alentejo...<br />
- Tavonde! Chega. Por agora basta! - avisava com ar brincalhão o<br />
António Romão do Penedro, quando acabava de lhe encher o copo...<br />
Tavondo! Por ora chega, de <strong>lendas</strong> e de reflexões!... Porque<br />
talvez, quem sabe? depois de ouvir os gritos estridentes de Mariana,<br />
os avisos luminosos das <strong>lendas</strong> escritos nas estrelas..., possamos<br />
ouvir os GRITOS <strong>DE</strong>STE POVO... povo “indolente” que moureja ao sol,<br />
“filho da fome e do trabalho sazonal”, que grita mudo: - “...somos<br />
nós!” “...temos uma cultura.”. “Grita Alqueva...” “...uma gota<br />
d’água...” “...alça-se o Castelo...” “...soltam-se os touros...”...canta o<br />
seu cante... e conta os seus contos... tem uma história... tem os seus<br />
poetas... os seus artistas... tem pessoas... tem gente... terra... e<br />
grita, calado: Chega de colonização! TAVONDO...tem avondo!...<br />
chega!<br />
... é que naquele dia de LUA CHEIA, (1988/08/26,27) a MARÉ<br />
CHEIA invadiu todo o areal da praia onde tínhamos acampado, não<br />
nós! claro!, mas os ciganos que eram o cigano Castanho e a cigana<br />
Mariana, e ameaçava, com a sua fúria, invadir a Terra, cobrindo-a,<br />
submergindo-a, impedindo os humanos de VER COM OS OLHOS<br />
ABERTOS os mistérios do MAR... Mas, sete horas depois, quando se<br />
levantou a alva e ainda todos dormiam <strong>DE</strong> OLHOS FECHADOS, a<br />
MARÉ VAZIA, com o recuo profundo das águas, pôs a descoberto as<br />
profundidades do mar...<br />
305
Então, acordei, não eu! claro! ...e pude ter o privilégio de VER<br />
os segredos ocultos aos olhos humanos...<br />
Assim, um dia, quando tiverem oportunidade de caminhar na<br />
praia durante uma maré vazia excepcionalmente profunda, aquando<br />
das marés vivas, que vos permita caminhar pela nudez do mar...<br />
avancem sem medo pela nudez de a mar... da mar... d’amar...<br />
talvez nesse dia,<br />
nos possamos ver<br />
e enfim perceber<br />
A LENDA DO TOURO,<br />
A LENDA DA COBRA<br />
E DA FONTE MOURO...<br />
DA PRINCESA COBRA<br />
E DO LIDADOR...<br />
e até voltar,<br />
vivendo outra vez,<br />
a mil e trezentos<br />
e oitenta e três...<br />
levantar um povo,<br />
tomar o castelo...<br />
depois regressar<br />
de novo ao futuro<br />
a mil e seiscentos<br />
nos anos quarenta<br />
e então gritar<br />
como a MARIANA<br />
os gritos de DOR<br />
desta TERRA fértil<br />
e que fica estéril<br />
de não fecundada...<br />
e os gritos gritados<br />
do povo esquecido<br />
306
por ser desprezado<br />
por ser explorado<br />
por ser fecundado...<br />
em proveito alheio.<br />
... E então perguntar:<br />
QUE CONTOS, QUE <strong>LENDAS</strong><br />
ESTE LIVRO CONTA?<br />
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> ENCANTAR<br />
P’RÁ GENTE CANTAR<br />
<strong>DE</strong> NOITE AO LUAR?<br />
ou servem também<br />
para entender<br />
que aqui ou no mundo<br />
onde quer que seja...<br />
há <strong>lendas</strong> de touros<br />
de serpentes cobras<br />
de mouros e mouras<br />
de encantos e fontes<br />
de lutas de morte<br />
sonhando tesouros<br />
procurando a sorte<br />
procurando um norte<br />
gritando de dor<br />
de paixão, de amor...<br />
como aqui em Beja .<br />
e isso acontece<br />
em terra esquecida<br />
em qualquer lugar<br />
no tempo ou no espaço<br />
no mundo perdida...<br />
como em toda a parte<br />
307
na humanidade<br />
em constante guerra<br />
pela liberdade<br />
que seduz e aterra!...<br />
eterno combate<br />
do Homem na Terra<br />
bem escrito em verso<br />
no imenso Universo<br />
que podemos ler<br />
olhando as estrelas<br />
que são como letras<br />
das <strong>lendas</strong> que lemos... nós?...os analfabetos???<br />
Para quem O MAR é A MAR… AMAR!!!<br />
308
4 - OUTROS SIGNOS<br />
4.1 – PISÕES<br />
4.2 – AS MAIS<br />
309
310
4.1 - PISÕES<br />
311
312
0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!...<br />
A dada altura, correu voz pelas casas acaloradas de Beja e do seu<br />
termo, que, para os lados do Poente, a alguma distância do coração<br />
do Monte da Almocreva, viveu uma família romana, talvez de nome<br />
Atília, com a sua Villa Urbana de residência apalaçada, a sua Villa<br />
Rustica, para os servos, e a Villa Fructuaria, com os seus silos e<br />
armazéns para as colheitas, na melhor das comodidades e<br />
condições...<br />
de verão, protegiam-se do calor ardente do sol com a frescura da<br />
água que caia como em chuva em magníficos repuxos, serpenteava<br />
em regatos correntes como serpentes, e se estendia em<br />
reconfortantes piscinas como o mar...<br />
No Inverno, defendiam-se do frio com a grossura das paredes e a<br />
água circulava quente do hipocausto subterrâneo para os tanques<br />
aquecidos e podiam aproveitar toda a fonte do calor do sol, sempre<br />
generoso e abundante ao sul...<br />
À voz da descoberta! de todos os lados correram a ver aquela<br />
maravilha! gente de todos os lados, sequiosos, chorosos,<br />
deslumbrados, pela facilidade tão evidente de poder ser feliz em<br />
clima tão hostil! Choravam eles a tristeza de terem esquecido a arte<br />
de construir no ambiente adequado a habitação certa para poderem<br />
viver cómodos, confortáveis e felizes!... Mas para aqueles Atília<br />
viverem confortáveis, quantos eram sugados pelo frio, pelo calor,<br />
pela sede e pela fome?<br />
???<br />
Naquela noite, o cigano castanho e a cigana Mariana adormeceram<br />
embalados pelo sonho ancestral e universal de cada ser humano ter<br />
um lar, uma casa, uma vila, um monte... no campo, isolado dos<br />
313
outros e do mundo, mas muito perto para conviver... e poder dormir<br />
enfim ao som inebriante dos grilos e cigarras misturado com a música<br />
do vento que passa a dedilhar as árvores e as searas, acompanhada<br />
pelo murmúrio enfeitiçante da água das fontes e correntes...<br />
Assim, isolados! solitários! estariam aptos para enfim intervirem<br />
inteiros! solidários! na sociedade construída pelas mulheres e homens<br />
do seu povo universal encantado com o riso das crianças a crescerem<br />
para um Mundo Novo...<br />
Ali, entre ruínas… sonhando-se romanos instalados, meditavam:<br />
QUE OBSCURAS LETRAS SE LÊEM NA CLARIDA<strong>DE</strong> DAS ESTRELAS?...<br />
QUE CLAREZA <strong>DE</strong> ESTRELAS PO<strong>DE</strong>MOS NÓS LER<br />
NA OBSCURIDA<strong>DE</strong> DAS LETRAS QUE JUNTAMOS<br />
PARA FORMAR A MAGIA DAS PALAVRAS<br />
QUE TENTAM CONTAR AS <strong>LENDAS</strong> E AS HISTÓRIAS<br />
QUE TENTAM ENCANTAR COMO O CANTO DAS SEREIAS?<br />
SÃO OS MISTÉRIOS QUE TODOS BEM SABEMOS,<br />
MAS NÃO <strong>DE</strong>SCOBRIMOS NEM DIZEMOS!...<br />
QUE LOUCURA!<br />
SÃO VERDA<strong>DE</strong>S QUE NÓS BEM <strong>DE</strong>S/CONHECEMOS<br />
MAS NÃO REVELAMOS NEM AS ENTEN<strong>DE</strong>MOS!<br />
PORQUE SE NOS ATREVÊSSEMOS A OUVI-LAS<br />
COMO O CANTO sacrílego DAS SEREIAS<br />
Ficaríamos PRESOS COMO ULISSES<br />
OU CEGOS E SURDOS COMO OS OUTROS<br />
SEUS COMPANHEIROS <strong>DE</strong> AVENTURA...<br />
PORQUE NENHUM SER HUMANO PO<strong>DE</strong> OUVIR<br />
OU VER<br />
DIZER<br />
A VERDA<strong>DE</strong> QUE REGE A HUMANIDA<strong>DE</strong>...<br />
314
SEM MORRER!!!<br />
MORRER? OU LIBERTAR-SE<br />
<strong>DE</strong>STA HUMANIDA<strong>DE</strong> CONHECIDA<br />
QUE NÃO PO<strong>DE</strong> SUPORTAR A LUZ INTENSA<br />
DA VERDA<strong>DE</strong> NUA E CRUA, IMENSA,<br />
SECRETA E PROFUNDA, QUE A MANTÉM NA VIDA???!!!<br />
TAVONDO! - dizem os alentejanos.<br />
BONDA – Tem Abonde – dizem os outros mais ao Norte!!!<br />
Tem que chegue.<br />
TEM AVONDO!<br />
Chega.<br />
BAAAAAAAAAAAAAAAAAAASTA!<br />
315
316
img027 – no remanso de uma mansão romana!!!<br />
…“Ali, entre ruínas. sonhando-se romanos instalados, meditavam:...” p. 310<br />
317
318
4.2 - AS MAIAS<br />
In Expresso de 5 de Maio de 1984,<br />
Num trabalho de José Quitério, em COSTUMES:<br />
AS MAIAS – O 1º de Maio já era data antes de ser festa combativa: flores, meninos(as), destinos<br />
gentílicos, manducações rituais, diabo e esconjuros, trabalho e capital.<br />
Embora se estranhe, isto anda tudo ligado.<br />
319
320
04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS<br />
AS MAIAS<br />
A FESTA DAS FLORES<br />
A FESTA DA PRIMAVERA<br />
A FESTA DA ALEGRIA<br />
A FESTA DA V IDA<br />
AS MAIAS AS FESTAS MILENÁRIAS DA PRIMAVERA também EM<br />
<strong>BEJA</strong>...<br />
AS MAIAS AS FESTAS DO VER<strong>DE</strong> E DAS FLORES AMARELAS E <strong>DE</strong><br />
TODAS AS CORES...<br />
AS FESTAS DA ESPERANÇA NO VER<strong>DE</strong> DAS SEARAS QUE<br />
SE HÃO-<strong>DE</strong> TRANSFORMAR NO AMARELO DAS<br />
COLHEITAS DA COR DO OURO E DO SOL...<br />
AS FESTAS que celebram o ciclo constantemente<br />
renovado e aparentemente contraditório da ambígua<br />
vitória da VIDA sobre a MORTE e da MORTE sobre a VIDA<br />
que por sua vez será de novo vencida...<br />
E foi assim que há anos muitos anos que estão ainda para vir que a<br />
cidade de Beja se vestiu de FLORES e de CORES para celebrar uma<br />
FESTA nunca vista e nunca acontecida que afinal se celebrava desde<br />
sempre e em muitos lugares porque já vinha no coração e no ser<br />
íntimo de cada pessoa desde os tempos imemoriais e esteve sempre<br />
na alma e nas raízes destes povos de aquém do Tejo...<br />
321
Cada rua, cada bairro, cada canto de cada freguesia tinha o seu trono<br />
ricamente engalanado com todas as riquezas que permitia a fantasia<br />
das cores e dos odores que a Natureza tão prodigamente proporciona<br />
nesta época do ano e em cada trono, entronizada, a rapariga símbolo<br />
da beleza, da juventude, da alegria e da vontade de viver de toda a<br />
gente...<br />
Os sons, os cheiros misturados, o movimento e a agitação das<br />
pessoas espalharam-se pelo ar e rapidamente se propagara a toda a<br />
região e chegaram até à clareira escondida na floresta onde os magos<br />
e as magas meditavam estudavam e procuravam descobrir,<br />
descobrindo-se, a verdade, as verdades profundas da Natureza e da<br />
Natureza Humana...<br />
Ansiosos, insatisfeitos e preocupados, os magos da clareira escondida<br />
na floresta, onde evidentemente havia as magas-fadas com a sua<br />
afinada sensibilidade e encantos que encantavam os magos que por<br />
sua vez as encantavam com os encantos que lhe eram próprios,<br />
próprios da sua natureza e condição,...os magos da clareira,<br />
dizíamos, ansiosos, insatisfeitos e preocupados em sondar o<br />
significado dos gestos e manifestações que revelavam a maneira de<br />
ser profunda dos humanos, depois de terem tentado terminar tanta<br />
vez e dizer TAVONDO… CHEGA… TEM QUE CHEGUE… TEM AVONDO…<br />
JÁ CHEGA… como dizia o António - o Romão ali o do Penedro com os<br />
seus olhos brilhantes e manhosos quando o copo já estava cheio e<br />
não cabia lá mais, para depois, malandro, o despejar todo de um<br />
trago e o estender de novo e repetir depois de cheio: “’tá<br />
Avonde”,...os magos ali escondidos na clareira da floresta à vista de<br />
toda a gente, beberam no ar a chuva de sons e cheiros misturados<br />
que andavam espalhados por toda a parte. e embriagados...<br />
vestiram-se de flores amarelas e de todas as cores que abundavam<br />
pelos campos e florestas e à beira dos caminhos e vieram misturar-<br />
322
se, visto que sempre estavam misturados, com o turbilhão da<br />
turbamulta que celebrava a FESTA . . .<br />
Era uma FESTA como já dissemos nunca vista, uma festa total, uma<br />
festa de todos, uma festa geral desde sempre celebrada por todos<br />
com gestos e actos ou autos que todos inventavam e em que todos<br />
participavam... festa cheia de todas as cores e cheiros e encantos de<br />
todas as flores a sobressaírem dos tapetes imensos de verdura que<br />
naquele ano providencial cobria toda a imensidão dos campos que<br />
eram de terra de barro vermelho como se a terra se tivesse<br />
misturado com o suor e o sangue de todos os que neles trabalham e<br />
trabalharam em séculos e séculos de amanhos e sementeiras que<br />
alimentaram as sucessivas gerações de senhores e de escravos<br />
embora aqueles fossem mais bem alimentados mas estes sempre<br />
gastavam mais, que foram sempre muitos, muitos mais milhares os<br />
mal alimentados que sustentam os poucos bem alimentados e agora<br />
ali estavam cobertos do verde e da esperança de virem a<br />
transformar-se no amarelo dourado das searas e dos girassóis e do<br />
junquilho e dos pastos com promessas de oiro e de pão e de<br />
abundância para o corpo e para a alma de todos…<br />
Era de facto a FESTA. Via-se, ouvia-se, respirava-se, saboreava-se e<br />
sentia-se a FESTA por todos os sentidos e poros do corpo e do<br />
espírito que envolvia e embriagava as pessoas na sua totalidade, mas<br />
no fundo, no fundo, ninguém sabia bem em que consistia a FESTA<br />
porque a FESTA consistia precisamente naquilo que cada um cada<br />
grupo era capaz de inventar, inventando espaços, inventando sons,<br />
INVENTANDO A FESTA, para se surpreenderem e surpreender os<br />
outros numa explosão de espanto e de fascínio do fantástico que<br />
provocava um estado de embriaguez e de deslumbramento sem<br />
igual...<br />
323
Era a FESTA!<br />
Em todos os cantos ruas e praças e a qualquer hora do dia ou da<br />
noite havia imenso por onde escolher e não havia possibilidade<br />
nenhuma de escolher o espectáculo que se queria ver porque em<br />
todas as praças ruas e cantos da cidade e de qualquer freguesia ou<br />
lugar havia uma grande ou pequena multidão empenhada numa<br />
parcela da FESTA que era total e não havia mãos a medir...<br />
Mesmo assim, os magos e as magas que iam representando a<br />
dramatização da sua Escola da Clareira escondida na Floresta aberta<br />
ali aos olhos de toda a gente lendo e aprendendo no livro da vida os<br />
muitos segredos que procuravam aprender e aprofundar nos livros e<br />
no isolamento solidário das suas reflexões iam distinguindo aqui e ali<br />
em diversos tempos e lugares que eram quase os mesmos diversas<br />
manifestações que eram tão variadas e tão as mesmas celebradas de<br />
diferentes maneiras que afinal se concretizavam na mesma sinfonia<br />
de música e de gestos em movimentos tão diferentes e tão iguais que<br />
era espantosa coisa de ver como diz o pai dos nossos cronistas e<br />
contadores, dos artistas que detêm a arte de contar tudo o que há<br />
para OUVER...<br />
A lenda do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> era representada ali entre a Praça da<br />
República e o Castelo em jogo de grandes grupos que ora eram<br />
cobras ora touros…<br />
Também num canto do jardim e nos empedrados das calçadas gente<br />
pequena e grande criava símbolos do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> que ficavam<br />
desenhados nas pedras até serem apagados... ou nasciam figuras de<br />
barro e de madeira que de repente se animavam e ali ficavam<br />
gravados, parados em luta num movimento estático que se<br />
prolongava para sempre até os materiais durarem... em relevo... em<br />
324
aixos relevos… desenhados e pintados em pratos ou nos mais<br />
diversos objectos…<br />
Em diversos recantos de ruas e de casas havia música e dança e<br />
poesia que faziam renascer os movimentos sedutoramente<br />
horripilantes ⎯ Ai que impressão!!! ⎯ Que nojo!!! ⎯ Que horror!!! ⎯<br />
da luta entre o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> em evoluções de magia e de<br />
fantasia...<br />
Lá para o Bairro da Esperança celebrava-se igualmente e de diversas<br />
maneiras, que eram as mesmas, a Lenda da Fonte Mouro com grupos<br />
mais misturados de grandes e pequenos e de homens e mulheres,<br />
outros mais propriamente só de gente grande outra só mais<br />
predominantemente de gente pequena cada um como mais gostava e<br />
dava azo a exprimir e satisfazer a sua fantasia e habilidades...<br />
No Moinho da Torre parcial e efemeramente reconstituído no próprio<br />
local onde diziam que existiu o outro ⎯ diziam que na verdade não<br />
era bem ali mas o que interessava isso? ⎯ representavam aquela<br />
história nunca acontecida mas que todos sabem que aconteceu da<br />
Princesa transformada em <strong>Cobra</strong>, aquela que apertou a mulher até à<br />
morte quando ia para lhe furar os sagrados olhos que a impediriam<br />
de ter os olhos abertos para a vida...<br />
Quando os artemagos da Lenda do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> invadiam o<br />
Castelo, saía nesse momento a pequena grande multidão de<br />
cavaleiros e homens de pé que acompanhavam o LIDADOR na sua<br />
derradeira e memorável surtida contra os Mouros para comemorar os<br />
seus 95 anos de baptismo, 80 de vestir armas e 70 de Cavaleiro<br />
enfrentando o temeroso Almoleimar e o poderoso Alboacém que são<br />
derrotados e vencidos mas pagando com a sua morte e a de muitos<br />
dos seus tão estrondosa vitoria...<br />
325
Mas já à porta pequena de Santa Maria da Feira se juntavam os que<br />
tinham ouvido o pregão que anunciava terem chegado de Lisboa<br />
novas cartas da rainha a D Leonor, a aleivosa, que pediam aos<br />
nobres e notáveis das vilas e castelos que não tivessem medo de<br />
tomar voz por sua filha, D. Beatriz, casada com o rei de Castela que<br />
os defenderia e remercearia por tudo quanto por ele fizessem...<br />
coisas deveras duras de ouvir para a arraia miúda... e todos à uma<br />
responderam ao aio que se prontificara a ler as cartas e as resumiu...<br />
não sei para que mais me deter em ler o que aqui vem. A Conclusão<br />
é esta: se quereis antes ter com a rainha ou com o Mestre e todos<br />
responderam a uma voz: Com o Mestre! Com o Mestre... e logo os<br />
maiorais fugiram e logo eles: Alça-se o Castelo! Alça-se o Castelo... e<br />
o foram tomar defendendo-se os de dentro rijamente e puseram fogo<br />
a duas torres em que estava muita munição... e os da vila entraram<br />
dentro numa quarta-feira a horas de comer e assim passaram a<br />
rondar e a vigiar a vila até que prenderam e mataram Mice Lancerote<br />
que se dirigia ao reino do Algarve para levantar essa região e aclamar<br />
o rei de Castela...<br />
No meio de tudo isto e de tão pacata como admirável confusão, não<br />
era coisa menos admirável de ver, os grupos de moços e de moças<br />
que celebravam e gozavam os cantos e os encantos das fontes com<br />
seus contos acrescentados ou remendados de muitos pontos que<br />
cerziam e recriavam novas e espantosas histórias como aquela que<br />
as magas e os magos foram surpreender na Fonte das Cavadas onde<br />
os contadores como os caçadores e pescadores e outros mentireiros<br />
cantadores tinham metido ali debaixo daquela cúpula arredondada<br />
como se fosse um mausoléu um <strong>Touro</strong> e uma <strong>Cobra</strong> que não se<br />
entendiam e passavam a vida a guerrear transformados um na bica<br />
grossa e farta e a outra na bica mais estreita e impetuosa mas ambas<br />
fartas e poderosas que juntando-se no pequeno tanque depois vão<br />
326
correndo e serpenteando até ao mar (até a mar) até um dia voltarem<br />
de novo transformadas em negras nuvens descarregando-se em<br />
chuva sobre a terra e as nascentes para ali correram de novo na<br />
Fonte inesgotável que é fresca de verão e quente no Inverno... pela<br />
estranha magia de tudo o que nasce do ventre da Terra - Mãe.<br />
Ai quem me dera ser água<br />
Sempre da fonte a correr,<br />
Para beijar os teus lábios<br />
Quando lá fosses beber!<br />
...lançou uma cantadeira, desafiando o grupo para um descante… e<br />
logo um pretendente a namorado respondeu:<br />
Ai! se eu pudesse ser água,<br />
E tu lá fosses beber<br />
Bebia, amor, tuas mágoas<br />
E contigo ia viver! (ou morrer!)<br />
⎯ A água tem mil segredos<br />
Mil histórias p’ra contar;<br />
São amores ou são degredos<br />
Que vão correndo pró mar!<br />
⎯ Quantos segredos encerra<br />
A água a correr das fontes?<br />
Traz lá do Ventre da Terra<br />
Mil <strong>lendas</strong>, contos, amores!!!<br />
... ali foram encontrar, as magas e os magos da clareira escondida na<br />
floresta o espantoso grupo de moças e de moços cantando e<br />
327
questionando e tudo mudando da história e da lenda dos outros<br />
contadores e mentidores... se não se estava mesmo a ver que aquela<br />
abóbada redonda que mais parece uma cabeça gigantesca de um<br />
árabe com o seu turbante não era mesmo um mausoléu que<br />
guardava ali para sempre os amores proibidos pecaminosos à luz de<br />
ambas as religiões e tradições entre um grande e formoso príncipe<br />
mouro e uma bela e encantadora cristã de uma outra religião que<br />
para ali vinham às escondidas de todos celebrar os seus encontros de<br />
apaixonados e... numa noite de lua cheia... quando decidiam fugir<br />
para longe, para uma ilha deserta onde enfim pudessem ser um do<br />
outro sem necessidade de se ocultarem dos olhos reprovadores de<br />
uma parte e outra...e eis que, eis que Alá e Javé intervêm lá do alto<br />
do seu Céu ao mesmo tempo e querendo separá-los para sempre e<br />
para exemplo de toda a humanidade, eis que sem terem tempo de se<br />
entenderem e combinarem, fiados cada um na sua omnisciência e na<br />
sua omnipotência, repentinamente tiveram a mesma ideia e ali os<br />
juntaram para sempre em duas bicas cantantes permanentemente<br />
juntas e permanentemente separadas, mais quentes de Inverno e<br />
mais frescas de verão e a partir do tanque em que se misturam, aí<br />
vão serpenteando pelos vales até ao mar (à mar) fecundando e<br />
fertilizando as terras por onde passam e matando a sede aos<br />
viandantes... e voltando sempre, sempre do mar em nuvens negras e<br />
ameaçadoras de tempestade mas que trazem a chuva que vai<br />
fecundar a terra e renovar as nascentes... e assim as duas Bicas são<br />
a FONTE das paixões CAVADAS, proibidas por todas as religiões com<br />
todos os dogmas e imposições que se não compadecem com a<br />
Natureza Humana...<br />
À vista disto, as magas e os magos sorriram surpreendidos por<br />
aquela tão atrevida e desrespeitosa transgressão da lenda mito que<br />
tão laboriosamente tinham ou/visto inventar sobre a FONTE DAS<br />
CAVADAS... e mais sorriram, mas já discretamente, porque nessa<br />
328
altura passavam uns sisudos senhores que deviam ser da<br />
organização daquelas festas populares paciente e generosamente<br />
organizadas pelos grandes senhores para entreter e divertir o povo<br />
e... muito ajuizadamente, discorriam em voz baixa que se tornou<br />
progressivamente mais alta e imperiosa: ⎯ que desaforo!... Já não<br />
há respeito pelas nossas tradições! Não se respeitam as <strong>lendas</strong> e os<br />
contos que tão pacientemente mandámos recolher e divulgar como<br />
fidedignas e autênticas!... mas que escândalo!... Por este caminho<br />
onde é que isto vai parar... Isto não pode ser. Temos de mandar<br />
intervir as forças da ordem e do saber e da ciência e da cultura e do<br />
Poder... Se isto assim continua, se o povo aprende a divertir-se sem<br />
licença... se não se limita a assistir a espectáculos prodigamente<br />
fornecidos por medida e sabiamente orientados por nós! o que e que<br />
vai acontecer?... Rapidamente aprenderiam que a Cultura é deles!<br />
que lhes pertence! e ainda um dia aparecem aí uns loucos a pedir<br />
direitos de autor por esta Cultura que a Natureza franca e generosa<br />
põe à nossa disposição!!!... e o pior... o que ainda é pior... é que<br />
depressa hão-de descobrir que a CULTURA TRADICIONAL, ela que é e<br />
sempre foi essencialmente oral e transmitida de geração em geração<br />
que a nova geração por sua vez recriava e reinventava, ainda<br />
descobrem dizíamos que assim como os seus antepassados foram<br />
espantosos criadores de contos e de cantos , ainda se convencem que<br />
eles os de agora e os do futuro tem o mesmo direito!... e então lá se<br />
acaba esta NOSSA <strong>DE</strong>MOCRACIA que tanto trabalho nos deu a criar...<br />
e até, imaginem bem! tem permitido que o povo escolha os seus<br />
legítimos representantes que os governam com tanta sabedoria e<br />
sacrifícios de toda a ordem e tanto no que diz respeito à Cultura<br />
como à Política e como na Economia!!!<br />
...⎯Ai se eles descobrem que podem inventar a Festa e podem pôr<br />
um nome às coisas que eles inventam, e fazem a sua Cultura!!! Ai<br />
que desgraça! ⎯ É que, pôr nome às coisas, é ser dono delas! É ter<br />
direitos e poder sobre elas! Se isso acontece, lá ficamos nós sem o<br />
329
tão duro privilégio de os instruir, ensinar e educar, que tantos e tão<br />
grandes sacrifícios nos têm custado até agora!... que até nos dão<br />
direito a uma reforma mais cedo e bem paga!!!<br />
Ainda os magos, magoados de grande mágoa, ouviam os últimos<br />
comentários que já não ouviram ou não precisavam de ouvir mas já<br />
noutros pontos assistiam a outros episódios incríveis espalhados por<br />
imensos cantos e recantos...<br />
Ali debaixo dumas abóbadas onde se queria criar cultura o mestre de<br />
fazer nascer as formas no barro e na madeira que saem animados<br />
das suas mãos ouve com atenção as sugestões dum pobre poeta e<br />
medita descendo ao fundo das suas raízes a forma de representar o<br />
seu povo a sua gente a sua região e enquanto amassa o barro vai<br />
pensando e de repente começa a moldá-lo a dar-lhe forma e grita: já<br />
está! E apareceu o pastor e o moiral e a ceifeira e o ceifeiro e a<br />
catarina e os coros e as <strong>lendas</strong> e as fontes e as aias... a aprender<br />
com ele e a ver como toma vida o barro informe ainda há pouco<br />
inanimado as escolas e os arranjistas enviaram discípulos para<br />
aprenderem com o mestre... daí a pouco, promovem-se exposições e<br />
vendas e lá aparece o pobre e humilde artesão que tem a arte de<br />
animar o barro rodeado de uma corte de ceramistas e artistas<br />
consagrados diplomados a venderem as suas peças, pobres<br />
tentativas de imitar o mestre, por bom preço devido ao seu nome e<br />
ao seu diploma e à sua escola, enquanto o artesão que deu alma a<br />
tudo vai assistindo escondido e discreto porque tem as peças presas<br />
e pagas pelo espaço e material e forno e pelo pão que lhe pagam<br />
para viver e criar... e foi assim que o vi um dia, não fui eu que o vi<br />
foram os magos naquele dia de festa!, foi assim que o vi num dia<br />
rodeado por uma corte de ávidos aprendizes pegar num bocado de<br />
barro... começar a moldar... formar... criar... fazer nascer uma figura<br />
ou um conjunto de figuras que representavam não sei o quê que se<br />
330
movia ali na estática representação do barro ... e de repente...<br />
afastando as mãos uma da outra, disse: já está!... e ainda não o<br />
tínhamos ouvido bem ou ainda não tínhamos percebido, porque o<br />
som das palavras ainda não tinha tido tempo de chegar ao nosso<br />
entendimento e as suas mãos que criaram bateram uma na outra e<br />
fizeram regressar o barro à sua forma informe primitiva que permite<br />
todas as formas e criações... ⎯ Já está! - disse-me ele um dia em<br />
segredo... disse ele em segredo a um dos magos da clareira<br />
escondida na floresta, franzindo os olhos marotos num misto de<br />
tristeza inexprimível e de orgulho incontido…: ⎯ A ideia já cá está na<br />
minha cabeça e faço-a... e crio-a... ou destruo-a... quando me<br />
apetecer! com as minhas mãos!!!<br />
Mas já pelas ruas da cidade se assistiam às Cavalhadas e jogos e<br />
lutas de cavaleiros... cavalheiros!!! talvez.<br />
A praça de touros regurgitava de gente. Assistiam a uma tourada de<br />
morte a pé e a cavalo!... Sem perceberem, sabendo, que assistiam<br />
àquela luta interminável de um <strong>Touro</strong> e duma <strong>Cobra</strong> que nunca<br />
existiram...<br />
Já os campos desportivos se enchiam de gente que praticava os mais<br />
diversos desportos e, em grupos diversos e diferentes espaços,<br />
serpenteavam atrás de uma bola que voava e serpenteava por sua<br />
vez até ser agarrada, domada e de novo lançada e disparada,<br />
enchendo campos verdes de rabiscos de variegadas cores...<br />
E havia merendas no parque da mata municipal... e grupos populares<br />
os mais diversificados que jogavam a malha e o chinquilho e toda a<br />
espécie de jogos tradicionais desde o pião ao arraiol...<br />
331
E havia espectáculos, danças coreográficas, jogos e diversões nas<br />
piscinas que serpenteavam em escorregas poços e baloiços...<br />
E os claustros do convento de Nossa Senhora da Conceição e de S.<br />
Francisco, assistiam às cenas reinventadas da Mariana e dos contos<br />
Universais!...<br />
Enfim, era uma cidade em festa... com todos os seus habitantes e<br />
forasteiros a inventarem e recriarem as suas fantasias já feitas e<br />
inventadas...<br />
Eram assim as festas das MAIAS, AS FESTAS DAS FLORES, AS<br />
FESTAS DA PRIMAVERA... AS FESTAS DA ALEGRIA E DA VIDA, A<br />
FESTA DA ESPERANÇA NO VER<strong>DE</strong> DOS CAMPOS QUE SE IRIAM<br />
TRANSFORMAR NO OIRO COR DO SOL DAS SEARAS E NO AMARELO<br />
TORRADO DO GRÃO DAS COLHEITAS QUE SE TRANSFORMARÁ EM<br />
PÃO...<br />
Era assim a FESTA DAS MAIAS celebrando a vida em todo o seu<br />
esplendor, em toda a sua pujança de juventude e, de novo,<br />
tremendamente agressiva e destruidora de tudo o que é velho e não<br />
resiste mais à força da VIDA NOVA que renasce, exactamente a partir<br />
da MORTE...<br />
Nestas festas, as MAIAS, as meninas entre os sete e os doze anos,<br />
graciosamente enfeitadas de flores de todas as cores e odores, nos<br />
seus tronos caprichosamente engalanados de flores amarelas das<br />
giestas, e brancas dos jarros e rosas das olaias..., Meninas MAIAS no<br />
limiar da sua meninice a passar para a adolescência, são, eram em<br />
muitos lados o símbolo de toda a beleza e de todas as promessas e<br />
de todos os sonhos... Promessas de rosa em botão que mostram toda<br />
a sua beleza e esplendor pelo período de um dia e logo fenece e<br />
332
murcha e se desfaz numa morte aparente carregada de sementes<br />
que trazem em si os gérmenes da vida sempre a renascer...<br />
Povo do Aquém-Tejo, desde tempos imemoriais, desde sempre ligado<br />
à Terra e ao seu Culto, à sua Cultura, este Povo, já caldeado de<br />
cúneos e lusitanos e depois de romanos e de árabes, têm na terra as<br />
suas raízes tão profundas, que, é do VENTRE DA TERRA, que nasce o<br />
seu PÃO ⎯ o seu sustento, celeiro dum país, a sua CULTURA sustento<br />
deste Povo e duma Região e sua forma de expressão através do seu<br />
CANTE, da sua POESIA, dos seus CONTOS e <strong>LENDAS</strong> ⎯ a sua VIDA...<br />
só um POVO assim ligado ao VENTRE DA TERRA MÃE podia ter o<br />
privilégio de ser, através dos seus GRUPOS CORAIS, a expressão<br />
mais acabada do CANTE, só um POVO assim podia ter sido escolhido<br />
para ser a própria VOZ DA TERRA!!!<br />
⎯ Donde vêm então estas FESTAS das MAIAS que vamos reinventar?<br />
E como eram celebradas?<br />
⎯ Isso são contos largos que têm muito, ou quase nada de certo<br />
para vos contar!<br />
É já aí a seguir – AS MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA!<br />
333
334
img028 – as maias… no centro de muitas <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong> e celebrações!!!<br />
“Era assim a FESTA DAS MAIAS<br />
celebrando a vida em todo o seu esplendor...”p 328<br />
335
img029 – a maia… (in DA)<br />
In Diário do Alentejo, 15 de Abril de 1983.<br />
336
4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera<br />
A FESTA<br />
AS MAIAS... eram por isso a ocasião oportuna para se celebrarem,<br />
em toda a sua euforia loucura deslumbramento e alegria... as festas<br />
de todos os sonhos anseios mitos símbolos aspirações tradições... dos<br />
povos do Sul...<br />
Conta-nos um cronista do Diário do Alentejo que se assina P.G., num<br />
número talvez de um dia de Maio de 1954 (26 é a data que foi<br />
possível detectar), numa coluna dedicada à FESTA DAS MAIAS:<br />
“A sua origem distancia-se a épocas remotíssimas. Essencialmente<br />
pagã, sendo por muitos escritores atribuída aos romanos. Com a<br />
vinda dos árabes parece ter florescido mais, tanto assim, que é nas<br />
terras onde estes mais se demoraram, que maiores vestígios ficaram<br />
desta festa, como, por exemplo, no Algarve e nalgumas terras do<br />
Alentejo.”<br />
(...)<br />
“Tal como nos é descrito, por escritores que desta festa se têm<br />
ocupado, procuramos dar uma pálida ideia do que ela era:<br />
“Numa casa, junto à rua, constituía-se um trono todo ornamentado<br />
de rendas, fitas, flores e objectos de ouro que lhe davam um certo ar<br />
de riqueza. No sítio, procurava-se a rapariga mais bonita, com a<br />
idade aproximada aos doze anos, para ir servir de Maia. Envergava<br />
um vestido todo branco, tendo na cabeça uma coroa de flores; era<br />
toda enfeitada de rendas, fitas, flores e jóias, como o trono que<br />
ocupava.<br />
337
“Abria-se a porta, de par em par, e, na rua, em frente da “Maia”,<br />
erguia-se um mastro vistosamente ornamentado de verdura e flores,<br />
em volta do qual se cantava e se dançava muito animadamente.<br />
“Esta festa tinha lugar todos os anos no 1° dia do mês de Maio.<br />
Todos os instrumentos musicais vinham para a rua nesse dia, ainda<br />
que desafinados. Os adeptos de Lieu também não faltavam, havendo<br />
abusos de toda a espécie. Era um dia completo de alegria e folgança.<br />
“Cada rua tinha uma só “Maia” procurando todos que a da sua rua<br />
fosse a mais bonita, ganhando em tudo às <strong>outras</strong>.<br />
“É ainda do nosso tempo a existência de uma só Maia em cada rua,<br />
vestidas com relativo gosto, mas só aos domingos do mês de Maio.<br />
Presentemente, são 3 e 4 na mesma rua, com a cara suja e mal<br />
vestidas, em qualquer dia da semana.<br />
(...)<br />
“No princípio do século presente, era ainda costume, em Beja e<br />
n<strong>outras</strong> terras, irem os seus habitantes passar o dia 1° de Maio nas<br />
hortas, comendo lautas jantaradas, acompanhadas das respectivas<br />
libações. Pelo dia fora cantavam e dançavam.<br />
“Talvez, por esta razão, algumas Câmaras Municipais tivessem<br />
deliberado que o seu feriado Municipal fosse no 1° de Maio.<br />
“As actuais festas populares de São João e São Pedro fazem lembrar<br />
um pouco as antiquíssimas festas das “MAIAS".”<br />
... Vieram depois AS MAIAS dos anos 80...<br />
Em 1982, por iniciativa do Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura<br />
da Juventude d Beja e do seu responsável Florival Baioa, apareceu<br />
“uma única MAIA para uma cidade... ali na rua do Ulmo”.<br />
338
Em Janeiro de 1983, a dinâmica poeta popular Maria Guiomar<br />
Peneque cantava assim as MAIAS da sua infância distante:<br />
No Largo Lima Faleiro<br />
(que foi aonde nasci),<br />
era eu ‘inda menina<br />
Já lindas maias fazia<br />
como <strong>outras</strong> iguais não vi.<br />
Com uma cadeira alta<br />
e outra mais pequenina,<br />
logo no trono sentavam<br />
de entre aquelas que chegavam,<br />
a mais bonita menina.<br />
Um lençol branco, bordado<br />
ou uma saia de rendas<br />
do pescoço até ao chão;<br />
flores presas com pontinhos<br />
dispostas em profusão.<br />
Maças do rosto com tinta<br />
feita a papel encarnado;<br />
cara pintada a farinha,<br />
lindos brincos-de-rainha<br />
nas orelhas pendurados.<br />
Uma capela de rosas<br />
das mais bonitas que havia<br />
tecida com malmequeres<br />
e verdura entrelaçada<br />
na cabeça se prendia.<br />
339
Cada uma à sua esquina<br />
com a bandeja na mão,<br />
à espera que os lavradores<br />
que passavam p'rá tourada<br />
nos dessem algum tostão.<br />
Por debaixo das cadeiras<br />
havia a caixa de lata<br />
onde se juntava o lucro<br />
das ofertas; mas as contas<br />
davam sempre zaragata!...<br />
A Maia largava o trono<br />
(muitas vezes já à brocha...)<br />
Cada qual com a sua parte<br />
ia comprar guloseimas<br />
à loja do senhor Rocha.<br />
Ó minha querida cidade,<br />
ó velha feira de Maio<br />
dos tempos que já lá vão:<br />
- Das Maias que já não vejo<br />
só guardo a recordação.<br />
E, a 15 de Abril de 1983, no Diário do Alentejo, agora semanal, onde<br />
este poema apareceu, aparecia também, pela pena de Manuel de<br />
Sousa Tavares, como que um anúncio da Primavera que chegava:<br />
«“AS MAIAS” regressam este ano a Beja.»<br />
Contava assim o jornalista, que tão dramaticamente nos ia deixar<br />
passado um lustro:<br />
340
«Todos os anos, em Maio, era ver as crianças vestidas de branco,<br />
cobertas de flores e grinaldas na cabeça, salpicando as esquinas das<br />
ruas e largos da aldeia ou cidade deste Alentejo. Sentadas,<br />
imperturbáveis, em seus tronos improvisados de banco ou cadeira,<br />
trazidos de casa, tornavam-se sinal de novo ciclo da Natureza, do<br />
“maduro Maio” das colheitas e do estio avizinhando-se. A quem<br />
passava, vozes tenras soletravam invariavelmente em tom cantado:<br />
“Um tostão para a Maia que não tem saia.” E na bandeja, lá ia<br />
deslizando uma moeda, depois outra, “sempre poucas”.»<br />
Mas em muitos lados as MAIAS foram proibidas e em muitas terras a<br />
tradição foi-se perdendo e... o «MAIO DAS FLORES parecia<br />
condenado a perder de vez uma das suas “sagrações”.», como<br />
continua a dizer, mais adiante o cronista dos anos oitenta.<br />
«Este ano, porém, o Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura da<br />
Juventude de Beja está disposto a reabilitar a tradição das MAIAS, a<br />
mobilizar as crianças da cidade para o reanimar dos tronos onde<br />
goivos e lírios, jarros e cravos com as giestas e as mimosas, as<br />
papoilas e os lírios, os malmequeres brancos e amarelos e os<br />
mentrastos e os espantosos tapetes de pequeninas flores das mais<br />
variadas e impossíveis cores e odores, são o tesouro da Natureza<br />
enfeitando o corpo de “RAINHAS CRIANÇAS”»... E tudo isto deve ser<br />
entendido numa “ (...) perspectiva viva e activa, fruto de uma<br />
filosofia participativa na defesa do nosso património histórico-<br />
cultural.”<br />
Segundo a opinião, e talvez fruto da observação pessoal, do mesmo<br />
jornalista «(…) esta “usança popular” estará em Portugal<br />
particularmente entranhada nas crianças das classes mais pobres.<br />
Através das MAIAS, elas conseguem amealhar o dinheiro (ainda que<br />
341
parco) para satisfazer necessidades que a sua condição converteu em<br />
“capricho”. Em Beja, era normal as crianças que entravam nas<br />
MAIAS partilharem as ofertas entre si, para depois gastarem, na Feira<br />
de Maio, o dinheiro que geralmente os pais não tinham para lhe dar.»<br />
Esta, seria uma maneira de retomar “ESSA SAUDAÇÃO DOS POVOS<br />
AO RENASCER DA VIDA VEGETAL”... que poderia ser animada com os<br />
“jogos infantis tradicionais” como o berlinde, o jogo da pata, o eixo-<br />
eixo-ribaldeixo, o pião...o apanha, o agarra, o salta e o mata...<br />
Destas «MAIAS - TRADIÇÃO QUE REGRESSA» fez eco o Primeiro de<br />
Janeiro de 10 de Maio de 1983 e, a 13 de Maio, o Diário do Alentejo<br />
fazia assim a reportagem da festa:<br />
« (...) As “MAIAS” voltaram, nessa sagração de um novo ciclo da<br />
Natureza a que, anualmente, e desde a Antiguidade, diversos povos<br />
se entregaram. Foram escolas inteiras como a “(...) Escola do<br />
Salvador que colectivamente se empenharam na sua representação.<br />
(...) ou ainda “ruas inteiras” (como a do Pé da Cruz) que<br />
emprestaram uma nova moldura ao seu quotidiano: sobre o chão,<br />
tornado tapete de flores e folhas de palmeira, se ergueu ali uma das<br />
mais airosas “MAIAS” deste Maio diferente. (...) desde os bairros<br />
mais modernos (como o do Ultramar) até aos suburbanos ou mais<br />
pobres, como os do Pelame, Senhora da Conceição, Esperança,<br />
Apariça, Zona Azul.»<br />
É no entanto o semanário “Expresso” pela mão de José Quitério que,<br />
a 5 de Maio de 1984, traça o esboço de um estudo sobre as MAIAS<br />
com mais dados e referências de várias fontes e autores...<br />
Primeiro fala-nos das proibições destas festas.<br />
342
«Uma postura da Câmara de Lisboa, de 1385 rezava assim: “outro<br />
sim estabellecemos que d'aqui em diante, em esta Cidade e seu<br />
termo, nom se cantem Janeiras nem MAYAS, nem a outro nenhum<br />
mez do anno.”»<br />
«Em carta régia de 1402 também se determinava:<br />
“(...) que não cantassem mayas, nê janeiras, e <strong>outras</strong> cousas que<br />
eram contra a ley de Deus”.»<br />
Cita ainda Pinho Leal que no seu “Portugal Antigo e Moderno” (vol. V,<br />
1875) onde refere que “há alguns anos o governo proibiu a FESTA<br />
DAS MAIAS”.<br />
Houve escritores que referem este rito popular por intermédio do<br />
jornalista do Expresso de 1984, e o colunista do “Diário do Alentejo”,<br />
levando-nos até trinta anos antes, onde nos é recordado o que<br />
disseram Aquilino Ribeiro, Alexandre Herculano, D. Francisco Manuel<br />
de Melo e Séneca.<br />
Aquilino Ribeiro:<br />
“Quando os pães apendoam, pelos caminhos, na testeira das belgas,<br />
no festo dos cabeços, as giestas desentranham-se em maias. Maias<br />
amarelas, maias brancas, é uma epifania.”<br />
Alexandre Herculano,<br />
«em “O Monge de Cister” (Capítulo IV, “A festa da Maia”), cuja acção<br />
decorre precisamente no tempo de D. João I, depois de citar a<br />
postura da Câmara de Lisboa “(...) esguardando a uns graves<br />
peccados que se em esta cidade de mui longos tempos acá faziam, e<br />
extremadamente peccados de dollatria e costumes danados dos<br />
gentios”, indica que a lei não atingia as comunas de mouros e as<br />
povoações por eles principalmente habitadas, e<br />
343
descreve o “préstito da maia” no Restelo: “(...) a filha de Muça, que<br />
fazia o principal papel, vinha cavalgando uma formosa hanaceia<br />
levada de rédea por dois rapazes coroados de boninas e rodeada de<br />
mancebos e donzelas, do mesmo modo enramados de flores e<br />
cantando certas cantigas ao som de adufes e pandeiros, com uma<br />
toada mui de folgar; (...) as crianças derramavam flores sobre a<br />
cabeça dos maios pequeninos, que eram como génios que<br />
circundavam a deusa da festa da Primavera”.<br />
Contudo, o colunista do “Diário do Alentejo" de 1954, cita só, de<br />
Alexandre Herculano: “ (...) porque a negregada cadela da filha (de<br />
Muça) vai fazer de maia”.»<br />
D. Francisco Manuel de Melo,<br />
na “Carta de Guia de Casados” é citado por este último jornalista que<br />
transcreve:<br />
“ (...) aborrece-me umas “maias” muito enfeitadas sempre de<br />
bordados e jóias, que parecem Fama de procissão, ou Rainha Moura”.<br />
Já Séneca, desde os primórdios da era cristã dirigia ásperas censuras<br />
contra a licenciosidade de tais “Floralia”.<br />
MAIA é, em resumo, como dizem as enciclopédias um “Rito popular,<br />
sobrevivência de antiquíssimos cultos agrários, que consiste<br />
essencialmente em enfeitar, no dia 1° de Maio, as portas e janelas,<br />
os animais e os veículos, com ramos ou coroas de flores, sobretudo<br />
com giestas. Trata-se de impedir a entrada do “Maio”, personificação<br />
do Mal. Por vezes, a este rito, associam-se certos manjares<br />
cerimoniais. “MAIA personifica O <strong>DE</strong>SPERTAR DA NATUREZA NA<br />
PRIMAVERA e a sua festa celebrava-se em Maio e por isso terá dado<br />
o nome a este mês.”<br />
344
"MAIA representaria uma deusa da fecundidade, a PROJECÇÃO DA<br />
ENERGIA VITAL.”<br />
Voltando ao citado jornalista do “Expresso” podemos ter uma<br />
panorâmica das multímodas celebrações e motivações através do<br />
tempo e do espaço:<br />
"O dia das “MAIAS” é o primeiro de Maio, que, desde tempos<br />
imemoriais se comemora em Portugal e assume diversas formas<br />
celebrativas de Norte a Sul.”<br />
Baseando-se depois em Ernesto Veiga de Oliveira, vai descrevendo as<br />
várias formas de celebrar estas festividades, apoiando-se numa<br />
considerável plêiade de estudiosos, tais como:<br />
Abade de Baçal, Manuel Joaquim Delgado, Reis Dâmaso, Rafael<br />
Bluteau, Rocha Peixoto, Jorge Dias, José Leite de Vasconcelos, Jaime<br />
Lopes Dias, Luís Chaves, Luís da Silva Ribeiro...<br />
Ao contrário de muitas <strong>outras</strong> regiões, em que a personalização do<br />
“maio" retouceiro e sátiro é masculina, representado por rapazes<br />
ataviados de giestas,<br />
“ (...) Nas províncias do Sul, a pessoalização é normalmente<br />
feminina. Assim, no Alentejo, com particular incidência em Beja.<br />
Aqui, as “MAIAS” são meninas que vestem de branco e enfeitam com<br />
flores, pondo-lhes na cabeça uma coroa de mais flores, e sentando-as<br />
em cadeiras, à esquina de alguma rua, nalgum largo, ou junto à<br />
porta de sua casa. Em seu trono enfeitado de rosas se aquietam<br />
algumas horas, enquanto companheiras mais crescidas, com<br />
pequenas bandejas na mão, pedem a quem passa:<br />
345
«- Meu senhor, um tostãozinho para a “Maia”»; ou «– Um tostão para<br />
a “Maia” / Que não tem saia!», segundo Manuel Joaquim Delgado.<br />
«A mitologia cristã associa o hábito giesteiro à tradição de que,<br />
quando Jesus nasceu, os judeus assinalaram a casa onde estava com<br />
um ramo de giesta, para mais tarde o prenderem. Quando tal<br />
quiseram fazer, todas as portas das casas da localidade – ó maravilha<br />
de deus infante – estavam também com os mesmos ramos, tornando<br />
impossível o reconhecimento....»<br />
Rafael Bluteau, no seu “Vocabulário Portuguez e Latino” (tomo V,<br />
1716) diz das MAIAS que «(...) na antiga Gentilidade eram<br />
espectáculos desonestos (...) representações obscenas (...) festa que<br />
em Roma se celebrava com ramos, ervas e capelas de flores no mês<br />
de Maio, por ser o tempo em que as plantas são mais viçosas (...)<br />
antigos desatinos da gentilidade.»<br />
Segundo o Abade de Baçal, as MAIAS são restos das religiões<br />
naturais, adoradoras dos deuses protectores:<br />
FLORA – deusa da florescência;<br />
CERES – deusa dos frutos;<br />
PALAS – protectora dos lameiros;<br />
FAUNA – a “Bona Dea”, mãe de Mercúrio;<br />
MAIA – deusa da fecundidade;<br />
acrescentando que as nossas MAIAS se filiam nas festas FLORALES<br />
romanas, celebradas durante seis dias, desde 28 de Abril a 4 de Maio,<br />
em honra de FLORA, “(...) por mulheres nuas saltando lascivas e<br />
proferindo palavras obscenas, acompanhadas de gestos impúdicos.”<br />
«No fundo trata-se do velho mito solar em que o Verão, entrando em<br />
luta com o Inverno, acaba por vencê-lo. E o Maio anunciava que mais<br />
346
uma vez a terra ia ser fecundada, que a vida prosseguia e que o<br />
amor e a luz inundariam outra vez o mundo.» (Rocha Peixoto) «Tudo<br />
isto entronca em remotíssimos cultos agrários, na profundeza dos<br />
séculos, em que os povos saúdam o renascer da vida vegetal com<br />
ritos simbólicos as forças criadoras da Natureza.»<br />
«Em Lagos existe a antiga “Lenda do Maio”, segundo a qual a<br />
população costumava adornar um homem com as melhores jóias da<br />
terra e que, montado em belo e enfeitado ginete, percorria as ruas na<br />
manhã do 1° de Maio. Em certo ano, terminado o giro pela cidade, o<br />
cavaleiro seguiu para o campo e desapareceu. Dizem que desde<br />
então os lacobrigences ficaram esperando o “regresso do Maio”, a<br />
ponto de haver um ditado popular “Tornará como o Maio de Lagos”.<br />
A acompanhar todas estas festividades consta que havia a tradição<br />
de grandes comezainas e bacanais desde a antiguidade, mas as<br />
recordações mais recentes mostram que em geral no país se comiam<br />
castanhas como esconjuro do mal e nas beiras todos comiam o<br />
caldudo, e ao sul do Tejo é geral o costume de merendas no campo...<br />
» «<br />
Parece poder verificar-se que “a gente sisuda”, “as pessoas<br />
ajuizadas” os “senhores” os representantes do poder civil ou religioso<br />
ou cultural, não gostavam das MAIAS (como diziam os magos que já<br />
tínhamos esquecido de tão escondidos na clareira aberta da floresta).<br />
Não gostavam das MAIAS, como desde há muito se vêm contrariando<br />
AS FESTAS POPULARES celebradas ao ritmo das Estações e da<br />
Natureza que eram vistas como Manifestações pagãs, gentílicas, que<br />
normalmente levavam a desmandos, excessos inconvenientes!<br />
347
Nos regimes autoritários ou eivados de paternalismo e<br />
proteccionismo, o facto é que o Povo existe para servir e divertir os<br />
“grandes senhores” e “padrinhos protectores e salvadores” e, se se<br />
considera que tem algum préstimo aquilo que o povo produz ou cria,<br />
(se é que o povo pode criar alguma coisa caso não seja permitido<br />
pelos “grandes senhores”!) só o poderá fazer para os servir e<br />
divertir... É ver os casos da música, da poesia, das artes populares...<br />
Só em beneficio dos senhores é reconhecida e útil! Divertimentos<br />
para o povo, aqueles que “os senhores” prodigamente lhes oferecem<br />
como - a Telenovela quotidiana nos dai hoje - mais os Telejornais e<br />
os Telefilmes; ouvir ou ver/assistir ao menos a um desafio de bolapé<br />
por semana, como – ouvir missa nos domingos e festas de guarda –;<br />
gastar dinheiro em feiras, romarias e “serões para trabalhadores” ou<br />
<strong>outras</strong> variedades semelhantes em festividades especiais, locais,<br />
regionais ou nacionais, sempre com atracções de fora, ainda melhor<br />
se forem estrangeiros e muito caras... mas sobretudo nada de<br />
excessos! nada de desmandos! Alegria e espontaneidade, sim, mas<br />
devidamente controladas!!!<br />
Como se a Natureza não cometesse excessos! Como se não houvesse<br />
cheias, trovoadas, tremores de terra, vulcões e cataclismos que<br />
ciclicamente renovam a Vida causando a Morte!!!<br />
Como se “os Senhores” não cometessem excessos!!! Excessos<br />
proibidos e condenáveis ao Povo, mas que o Povo, como criança<br />
menor, não pode cometer, sem ser severamente punido e penalizado,<br />
exactamente pelos “senhores” que podem cometer esses mesmos<br />
excessos lá em casa ou no “estrangeiro”!!!<br />
O ressurgimento da MAIAS, como das festas tradicionais, que<br />
obedeciam ao ciclo do Sol, da Luz e da Vida, seriam uma Revolução<br />
tão evidente como a descoberta heliocêntrica de Galileu, que poria a<br />
348
Pessoa Humana como centro e medida de todas as coisas, e o Povo<br />
centro e medida de todas as políticas e regimes!!! “em que todos os<br />
instrumentos vinham para a rua nesse dia, ainda que desafinados...,<br />
em que era um dia de alegria e folgança!” em que a população se<br />
sentiria em sintonia com a Natureza que se abre num mar Verde de<br />
promessas, de Pão, de Alegria e de Vida, com toda a agressividade,<br />
subversão e violência, que a própria Natureza traz - com os pólenes,<br />
sementes e súbitas trovoadas - num crescimento para a Vida tão<br />
intenso e por vezes tão brutal que, para muitos, vêm as alergias, e<br />
para os que já não têm mais resistências, a Morte! para que a Vida<br />
renasça.<br />
Têm, afinal, muito para nos contar, AS MAIAS!<br />
Mas chega. Tavondo!<br />
MAIAS, como FESTAS POPULARES, só quando o Povo Soberano as<br />
souber de novo inventar e criar como é de seu direito e dever.<br />
Os donos do Poder, de qualquer Poder, desde o político ao religioso<br />
ao económico e ao cultural, souberam sempre e sabem que, quem dá<br />
o nome às coisas, é porque as cria, e se torna o dono dessas mesmas<br />
coisas! Daí, no fundo, a grande luta surda entre as CULTURAS. a<br />
popular e tradicional, e a académica dita erudita, como se a CULTURA<br />
alguma vez pudesse estar em conflito ou contradição! O que está em<br />
causa é, afinal, a manipulação da cultura para se servir ou para a pôr<br />
ao serviço de quem?! Quando se decreta transformar a LÍNGUA – a<br />
PALAVRA sem respeito pelo Povo que é o Dono e Criador incontestado<br />
do mais poderoso meio de Comunicação, e/ou de Domínio, e/ou de<br />
Libertação, é porque não convém, aos que a isso se atrevem, o<br />
Senhorio do Povo sobre as coisas, os seres, a sua Língua, a sua<br />
PALAVRA, a sua Vida.<br />
349
No dia em que o Povo assumir a FESTA, a PALAVRA, a ALEGRIA, a<br />
VIDA, teremos então o Poder assumido pelo Povo – a Democracia.<br />
Celebra-se hoje, 1° de Maio de 1989, o 1° Centenário da resolução<br />
do Congresso Internacional de Trabalhadores de Paris, em 1889, que<br />
consagrou o 1° de Maio como FESTA INTERNACIONAL DO TRABALHO.<br />
Estaremos mais uma vez a subverter, ou em sintonia perfeita com a<br />
Natureza pois já em 1890, esta data era celebrada em Portugal com<br />
“um passeio ao campo” e, como dizia Rocha Pinheiro em 1894 a<br />
propósito da FESTA DOS TRABALHADORES no dia 1° de Maio, trata-<br />
se:<br />
“(...) d'o triunfo da seiva nova e procriadora - o TRABALHO<br />
(exaltação da fecundidade), sobre a força estéril e nociva - o CAPITAL<br />
(esconjuro da entidade maléfica)... que como o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> se<br />
mantêm numa luta titânica e permanente com pontos mais altos ou<br />
mais baixos na impossibilidade de viverem juntos/separados, como o<br />
Bem e o Mal, como o Homem e a Mulher, numa descoberta sempre<br />
conseguida e frustrada de fecundidade e reprodução...<br />
Tal como a Natureza ciclicamente se renova, também a Comunidade<br />
Humana tem de caminhar para o seu crescimento emancipação e<br />
libertação, destruindo e apagando, renovando e transformando o que<br />
é velho, caduco, estéril e nocivo... num caminhar imparável para o<br />
desenvolvimento...<br />
As MAIAS, as Festas da Primavera, da Vida e da Alegria, são o<br />
símbolo desta Esperança constantemente renovada...<br />
É afinal a Lei da Vida e da Natureza, tão evidente e visível no nosso<br />
dia a dia, que até a Pessoa Humana a pode entender – os outros<br />
350
seres estão sujeitos a ela, sem a poderem entender, pensamos nós –<br />
sem disso poderem tomar consciência – e, esta consciência, pode ser<br />
até Ideia Chave que nos permita libertar-nos da negativa angústia do<br />
ancestral e corrosivo medo da velhice e da morte, porque,<br />
finalmente, poderemos entender a velhice e a morte como condição<br />
de uma Nova Vida que constante e ciclicamente se reNOVA.<br />
351
352
0.4.3 - NOTA FINAL – lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong><br />
PRETEN<strong>DE</strong> SER UM <strong>DE</strong>SAFIO PARA,<br />
como o velho cigano<br />
PO<strong>DE</strong>MOS IR LENDO <strong>LENDAS</strong> nas LETRAS das ESTRELAS!,,,<br />
SERVE TAMBÉM ESTE LIVRO<br />
PARA AFIRMAR AOS QUATRO VENTOS,<br />
MESMO QUE NINGUÉM SAIBA OUVIR A VOZ DO VENTO,<br />
QUE O POVO, E NESTE CASO O POVO DO ALENTEJO<br />
AQUÉM DO TEJO<br />
SEMPRE CRIOU A SUA MÚSICA, A SUA POESIA,<br />
OS SEUS CONTOS, OS SEU CANTOS, AS SUAS <strong>LENDAS</strong><br />
A SUA ARTE<br />
sem interferências (ou apesar) dos donos e dos doutores, apesar dos<br />
colonizadores que lhe chamaram ALÉM - TEJO - e, como “pôr o nome<br />
é ser dono!!!” - que a vieram explorar e banquetear-se com ela!<br />
É por isso mesmo, e apesar disso, que continua com o mesmo<br />
Direito, Dever e até necessidade de continuar a criar a sua música, a<br />
sua poesia, os seus cantos, os seus cantes e descantes, as suas<br />
<strong>lendas</strong> e a sua arte, até para se exorcizar de todos os males,<br />
e deles<br />
Beja, 1° de MAIO de 1989<br />
José Penedo<br />
353
354
5 - BIBLIOGRAFIA/s<br />
nota 1<br />
BIBLIOGRAFIA ou a referência às FONTES<br />
apoios<br />
e a solidão/ária<br />
5.1 BIBLIOGRAFIA/s<br />
5.1 – Bibliografia – referência às Fontes<br />
5.2 – Bibliografia de Autores e Obras<br />
5.3 Bibliografia Viva…<br />
1 A BIBLIOGRAFIA, como aliás vou ter oportunidade de dizer para o/s índice/s, vão numerados, depois de<br />
longas hesitações, porque são parte integrante da obra idealizada. Não são mero apêndice ou elementos<br />
para facilitar a leitura. São capítulos de leitura que condicionam e orientam ou subvertem toda a Leitura.<br />
Neste caso da BIBLIOGRAFIA, o mais importante, não é própriamente a Bibliografia como é entendida<br />
em geral. A BIBLIOGRAFIA não escrita, essas HISTÓRIAS que você ouviu ccontar e de que já não se<br />
lembra... Aqueles de que se lembra mas não ligou importância nenhuma porque foram contadas por<br />
alguém sem cotação no mercado das economias ou ideias rentáveis... Essas mesmo, que não podem<br />
estar aqui citadas, porque são as que voçê conhece, são A BIBLIOGRAFIA inndispensâvel para entender<br />
estas <strong>LENDAS</strong> e as reCONTAR e as subVERTER...<br />
355
356
5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES<br />
os APOIOS ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA<br />
Nestas VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, escritas na<br />
angustiante solidão da desconfiança e da incompreensão, em que foi<br />
preciso resistir aos constantes desânimos e desistências sucessivas,<br />
pela falta de tempo, pela falta de condições, pela falta de estímulos,<br />
pelos constantes apoios negativos que vão desde os risinhos<br />
superiores dos pretensos eruditos sérios e realistas que só acreditam<br />
no imediato, ate a necessidade de resistir para subsistir com horários<br />
sobrecarregados de tarefas inúteis e absorventes, sem o mínimo<br />
respeito pelo trabalho exaustivo de uma investigação tentando<br />
caminhar por zonas pouco andadas e exploradas... tudo isto de<br />
mistura com agressões inauditas, autênticos atentados a minha<br />
dignidade profissional e humana, numa escola cega pela sua<br />
infalibilidade diplomada de cultura livresca de costas viradas para a<br />
realidade gritante, profunda e transformadora do meio em que esta<br />
inserida...<br />
no meio de tanta contrariedade, em que este acto de amor com a<br />
cultura tradicional se transformava por vezes numa doação unilateral<br />
quase violenta em que falhava a partilha do encontro amoroso;<br />
no meio deste angustiante conjunto de circunstâncias que atingia<br />
vezes sem conta os limites da resistência humana!...;<br />
quem sabe se em vez de impeditivas, estas tremendas tensões limite<br />
foram afinal a mola real que me terão levado, como a Sherazade das<br />
mil e uma noites, a desafiar o Califa todo poderoso do destino e das<br />
forcas que me queriam destruir, para, no encanto dos contos e das<br />
357
<strong>lendas</strong> e dos cantos, encontrar a magia, qual varinha magica, que<br />
havia de trazer remédio para a situação de desespero sem saída em<br />
que tantas vezes me encontrei;<br />
eis que subitamente descubro que nada disto teria sido possível sem<br />
me sentir rodeado de uma multidão de sábios e estudiosos e amantes<br />
da cultura, da CULTURA entendida na sua acepção global que vai ate<br />
as raízes...;<br />
e afinal, a dolorosa viagem que parecia insuportavelmente solitária,<br />
estava afinal acompanhada e impulsionada, solidária, por uma série<br />
de ilustres viajantes audaciosas que me proporcionavam a sua<br />
maravilhosa companhia, sem distinção de idades, sem limites de<br />
tempo ou de espaços! sem a distancia inacessível do pedestal da<br />
erudição e do desprezo pelo desejo esforçado de conhecer...<br />
Que PRAZER agradável foi viajar com tantas e tão fantásticas<br />
companhias, associadas a esta CARAVANA <strong>DE</strong> CIGANOS incansáveis<br />
andarilhos que não param, atentos afinal, aquilo que os residentes<br />
distraídos, de tão habituados, e os passantes apressados a caminho<br />
das praias do Algarve, a não vêem!...<br />
Eis pois, em género de crónica de viagem, que pára para descansar,<br />
a lista ainda que incompleta das obras e autores e pessoas com quem<br />
me foi dado viajar, nesta sedutora e exaustiva viagem através do<br />
Maravilhoso destas TERRAS DO AQUÉM-TEJO…<br />
Não seguira porventura as regras ortodoxas ditadas pelos donos da<br />
cultura e do saber que da prémios e promoções! Não é isso que<br />
procuramos…<br />
358
é que, como diz Miguel Torga, o insatisfeito e incansável andarilho<br />
dos caminhos maravilhosos e perdidos deste Povo e desta Pátria ⎯ a<br />
Língua Portuguesa in ⎯ PORTUGAL ⎯ n' UM REINO MARAVILHOSO<br />
(TRÁS-OS-MONTES) ⎯ acontece a desgraça de O POVO SABER <strong>DE</strong><br />
Uma MANEIRA e as ESCOLAS SABEREM DOUTRA.<br />
359
360
5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e obras…<br />
JOSÉ LEITE <strong>DE</strong> VASCONCELLOS ⎯ o Professor e Mestre, pela imensidão da obra<br />
que conseguiu escrever e tesouros que prodigiosamente pode coligir e me deu a<br />
oportunidade de consultar, como:<br />
ETNOGRAFIA PORTUGUESA com seus 7 volumes;<br />
CONTOS POPULARES E <strong>LENDAS</strong>, I e II vol., com a coordenação de Alda e<br />
Paulo Soromenho;<br />
CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, I, II e III vol., coordenado e com<br />
introdução de Maria Arminda Zaluar Nunes;<br />
ROMANCEIRO PORTUGUÊS, I e II vol., com notícia preliminar de R.<br />
Menendez Pidal;<br />
publicações da Universidade de Coimbra impulsionadas pela dedicação e<br />
empenho do Professor Orlando Ribeiro com a colaboração de uma vasta<br />
equipa com o Prof. Manuel Viegas Guerreiro e o Dr. António Machado<br />
Guerreiro, além dos já mencionados que arrancaram da escuridão em que<br />
estavam mergulhadas, as preciosidades irrecuperáveis, fruto de longos anos<br />
de apaixonado e incansável trabalho.<br />
TRADIÇÕES POPULARES <strong>DE</strong> PORTUGAL, organização e apresentação de M.<br />
Viegas Guerreiro;<br />
FILOLOGIA BARRANQUENHA ⎯ apontamentos para o seu estudo ⎯<br />
publicados pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda.<br />
MANUEL JOAQUIM <strong>DE</strong>LGADO ⎯ o incansável e mal compreendido investigador das<br />
raízes do BAIXO ALENTEJO, sócio do Instituto Português de Arqueologia, História e<br />
Etnografia e sócio fundador da Sociedade de Língua Portuguesa, com<br />
A ETNOGRAFIA E O FOLCLORE DO BAIXO ALENTEJO, 2a edição da<br />
Assembleia Distrital de Beja, 1985, tendo sidojá uma separata da Revista<br />
Ocidente, Lisboa, 1956.;<br />
A LINGUAGEM POPULAR DO BAIXO ALENTEJO E O DIALECTO<br />
BARRANQUENHO<br />
(Estudo etnofilológico), 2ª edição da Assembleia Distrital de Beja,<br />
1983, 1ª edição do autor, 1951 depois de ter sido publicada grande parte<br />
em artigos no Arquivo de Beja, entre 1948 e 1950;<br />
SUBSÍDIO PARA O CANCIONEIRO DO BAIXO ALENTEJO, I e II vol., 2a<br />
edição do Instituto Nacional de Investigação Cientifica, Lisboa, 1980, 1ª<br />
edição de Lisboa, 1955;<br />
ENSAIO MONOGRÁFICO (Histórico, Biográfico, Linguístico e Crítico) acerca<br />
de Beja e dos Bejenses mais Ilustres, Beja 1973;<br />
com “o manancial de preciosos elementos” que sem o seu trabalho seriam<br />
irrecuperáveis ou levariam imenso trabalho a recolher...<br />
PADRE JOÃO RODRIGUES LOBATO ⎯ pelos rumos que abriu e continua a abrir com<br />
suas recolhas, de <strong>lendas</strong>, falares e documentação em<br />
AMARELEJA, RUMO À SUA HISTÓRIA, Évora, 1961 e pelo trabalho sobre<br />
Aljustrel que não tive oportunidade de consultar;<br />
FRANCISCO VALENTE MACHADO ⎯ pelo grande amor e dedicação com que se<br />
entregou à investigação de tudo o que podia ser útil à sua terra e a este Mundo<br />
Maravilhoso das Tradições do seu Povo, pelos numerosos trabalhos que publicou e<br />
pelos que tem guardados e podem correr o risco de destruição e extravio; e pela<br />
MONOGRAFIA <strong>DE</strong> VILA VER<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> FICALHO, edição da Biblioteca, Museu de<br />
Vila Verde de Ficalho, 1980.<br />
361
FERNANDA FRAZÃO ⎯ pela sua crença nas raízes profundas da Tradição, apesar de<br />
ter visto nascer a televisão e temer pelo desaparecimento “dos velhos e velhas” e<br />
da sua mágica forma de comunicação, que manifesta nas<br />
<strong>LENDAS</strong> PORTUGUESAS, 6 vol. Amigos do Livro editores, sem data 1984?);<br />
e pelo espaço que neles dá ao Alentejo e as suas Lendas...<br />
GENTIL MARQUES ⎯ com o seu Imenso e perseverante trabalho na recolha, estudo<br />
e divulgação das <strong>LENDAS</strong> DA NOSSA TERRA, e pelas numerosas e quase exaustivas<br />
notas que se seguem a cada lenda, com numerosos dados sobre Beja; e pela Lenda<br />
da MOURA E DO TOURO (Messejana) vol. III, p.163 que pode servir para comparar<br />
com a da PRINCESA TRANSFORMADA EM COBRA, recolhida por José Leite de<br />
Vasconcellos, no Penedo Gordo, de Simplícia Maria das Dores; e pela lenda da<br />
FONTE MOURA, vol. III, p. 358, que é de Santarém e se refere ao tempo de D.<br />
Afonso Henriques, que pode servir para comparar com as <strong>LENDAS</strong> DA FONTE<br />
MOURO, daqui e do Algarve; tudo isto em<br />
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> PORTUGAL, 5 volumes, Editorial Universus, publicados em 1962<br />
⎯ Lendas dos Nomes das Terras, 1963 ⎯ Lendas Heróicas, 1964 ⎯ Lendas<br />
de Mouras e Mouros, 1965 ⎯ Lendas Religiosas, 1966; e ⎯ Lendas de<br />
humor.<br />
CARLOS OLIVEIRA e<br />
JOSÉ GOMES FERREIRA, pelo estudo inicial e pelo monumental trabalho de recolha,<br />
ou antes, escolha de contos já publicados: “Os contos populares publicados nesta<br />
antologia foram escolhidos de obras de Teófilo Braga, Adolfo Coelho, José Leite de<br />
Vasconcelos, A. Tomás Pires, Consiglieri Pedroso, Ataíde Oliveira e <strong>outras</strong><br />
colectâneas e revistas por onde tem andado disperso o tesoiro que hoje se reune<br />
aqui.” em<br />
CONTOS TRADICIONAIS PORTUGUESES em 4 volumes, das Iniciativas<br />
Editoriais, Lisboa, em edição especial para a Lavraria Figueirinhas, Porto,<br />
sem data, (p. 58?).<br />
TEÓFILO BRAGA ⎯ pelo trabalho pioneiro de investigador incansável em<br />
O POVO PORTUGUÊS NOS SEUS COSTUMES, CRENÇAS E TRADIÇÕES, em 2<br />
volumes, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985 (1ª ed. de 1885), e<br />
CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS, 2 volumes, Publicações<br />
Dom Quixote, Lisboa 1987, (1ª ed. de 1883), ambos publicados na colecção<br />
PORTUGAL de PERTO, dirigida por Joaquim Pais de Brito, assistente de<br />
Antropologia do ISCTE, com valiosos trabalhos e estudos de Etnografia e<br />
Antropologia de inestimável valor e profundidade.<br />
ALEXANDRE HERCULANO ⎯ o austero e implacável criador do Romantismo, em<br />
especial pela criação da LENDA:<br />
A MORTE DO LlDADOR e os inesgotáveis dados históricos dos primórdios da<br />
Nacionalidade, em<br />
<strong>LENDAS</strong> E NARRATIVAS que apareceram coligidas em 1851 depois de<br />
publicadas em O PANORAMA e A ILUSTRAÇÃO, como monumentos para<br />
renovar a Literatura em Portugal, e pela HISTORIA <strong>DE</strong> PORTUGAL que<br />
começou a publicar desde 1846 e nos chegou através da ULMEIRO, edição<br />
de José A. Ribeiro, Lisboa, 1980.<br />
Júlio MARTINS ⎯ professor efectivo no Colégio Militar, pela selecção dos textos e<br />
comparação com os extractos dos<br />
LIVROS <strong>DE</strong> LINHAGENS insertos no PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA,<br />
SCRIPTORES, e excerto da p. 279-280 da Morte do Lidador em TRECHOS<br />
SELECCIONADOS DAS <strong>LENDAS</strong> E NARRATIVAS <strong>DE</strong> ALEXANDRE HERCULANO,<br />
Didáctica Editora, Lisboa, 1974.<br />
362
MÁRIO GONÇALVES VIANA ⎯ pelas achegas, informações e opiniões que manifesta<br />
sobre os diversos períodos literários e citações que nos faz chegar de Matos<br />
Sequeira e Fidelino de Figueiredo, sobre Mariana do Alcoforado, em<br />
O AMOR NA LITERATURA PORTUGUESA, Domingos Barreira editores, Porto,<br />
sem data.<br />
ANTÓNIO BELARD DA FONSECA ⎯ ilustre Bejense, advogado, que se dedicou à<br />
investigação de Arte, e escritor, que foi Director do Museu Regional Rainha Dona<br />
Leonor, pelo rigor e clareza com que traz uma luz nova sobre os equívocos<br />
provocados pelo editor das LETTRES PORTUGAISES, em 4 de Janeiro de 1669, o<br />
senhor Barbin, e o presumível autor que terá sido o tradutor das CARTAS,<br />
Guillerauxes, no seu livro<br />
MARIANA ALCOFORADO ⎯ A FREIRA <strong>DE</strong> Beja E AS LETTRES<br />
PORTUGUAISES, 1966, bem como as achegas para responder a falsas<br />
interpretações mal documentadas, com os apoios de muitos outros autores e<br />
investigadores como:<br />
MANUEL RIBEIRO com<br />
VIDA E MORTE <strong>DE</strong> MADRE MARIANA ALCOFORADO, Lisboa, 1940 e<br />
LUCIANO COR<strong>DE</strong>IRO, com<br />
SOROR MARIANA ⎯ A FREIRA PORTUGUESA, 2ª ed. Lisboa, 1890 e<br />
GODOFREDO FERREIRA, que em 1923 nos informa sobre o espantoso<br />
número de edições nas diversas línguas que tiveram<br />
AS CARTAS PORTUGUESAS e ainda o poeta<br />
EUGÊNIO <strong>DE</strong> ANDRA<strong>DE</strong> pela<br />
TRADUÇÃO E OR<strong>DE</strong>NAMENTO DAS CARTAS PORTUGUESAS Atribuídas A<br />
MARIANA ALCOFORADO, edição bilingue RTP, Março de 1980.<br />
FERNÃO LOPES:<br />
⎯ AS CRÓNICAS <strong>DE</strong> FERNÃO LOPES ⎯ CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. PEDRO,<br />
CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. FERNANDO, CRÓNICA <strong>DE</strong> EL-REI D. JOÃO ⎯ em<br />
português moderno, por<br />
ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, Antologias Universais da Potugalia Editora, sem<br />
data
a 2ª edição, corrigida, da Revista Ocidente, de 1943, como diz o editor,<br />
Trata-se de um livro fundamental para a compreensão de Fernão Lopes.”<br />
A. KIBEDI VARGA<br />
⎯ TEORIA DA LITERATURA, com a colaboração de Benoit de Cornulier, D.W.<br />
Fokema, Heide Gottner, Michel Grimsud, Elrud Ibsch, P.W.M. de Meier,<br />
Heinrich F. Plett, Horst Steinetz, Teun A. Van Di, Aart Van Zoest, Pierre V.<br />
Zima, tradução de Tereza Coelho, apresentação e revisão de Eduardo Prado<br />
Coelho, Editorial Presença, o Copyright by A. et J. Picard, 1981, pela vasta<br />
bibliografia que apresenta em cada uma das colaborações, pela actualização<br />
e desafios que faz a todo o trabalho de Análise Textual, abrindo-se ao<br />
campo de inúmeras disciplinas e áreas de investigação.<br />
RICHARD E. PALMER<br />
⎯ HERMENÊUTICA, HERMENEUTICS ⎯ NTERPRETATION THEORY in<br />
Schleiermacher, Dilthey, Heidegger and Gadamer, Northwestern University<br />
Press, 1969, Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Edições 70, Lisboa,<br />
1986, pela profundidade que sugere para a Teoria da interpretação literária.<br />
MESQUITELA LIMA<br />
⎯ ANTROPOLOGIA DO SIMBÓLICO (ou o simbólico da Antropologia),<br />
Editorial Presença, 1983, pelas pistas que apresenta e pelos exemplos<br />
apresentados de, a partir de contos tradicionais em diversas variantes, e<br />
analisando a sua estrutura, descobrir as suas simbólicas e então partir para<br />
uma visão quase global das respectivas sociedades, o que se torna<br />
impraticável como diz o autor.<br />
CARLOS REIS<br />
⎯ TÉCNICAS <strong>DE</strong> ANÁLISE TEXTUAL. Livraria Almedina, Coimbra, 2ª edição,<br />
1978, por ser o livro fundamental para a abordagem de qualquer texto.<br />
Vítor MANUEL <strong>DE</strong> AGUIAR E SILVA<br />
⎯ TEORIA DA LITERATURA, Livraria Almedina, Coimbra, 4ª edição, 1982,<br />
pela constante renovação e actualização que revela e pela abertura e<br />
exigências cientificas que demonstra e exige.<br />
D. A. TAVARES DA SILVA ⎯ Professor do Instituto Superior de Agronomia, que nos<br />
deu o<br />
ESBOÇO DUM VOCABULÁRIO AGRÍCOLA REGIONAL, separata dos “ANAIS<br />
DO INSTITUTO SUPERIOR <strong>DE</strong> AGRONOMIA” vol. XII, Lisboa, 1942, e por<br />
este trabalho ser o resultado de “...observar a terminologia dos nossos<br />
agricultores, muito sua, original por vezes, pois em grande parte, cuido eu,<br />
se não encontra nos dicionários...E quantas vezes estes e outros vocábulos<br />
regionais, que os léxicos não registam, definem com justeza tão perfeita a<br />
operação técnica, que sobreleva a do termo cientifico." Dai a riqueza e<br />
expressividade da nossa Língua que tudo e capaz de definir com propriedade<br />
e precisão excepcionais, e muito seria útil ao país para conhecimento do<br />
todo e de cada uma das regiões.<br />
ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA ⎯ que organizou a antologia que intitulou;<br />
TESOUROS DA LITERATURA POPULAR PORTUGUESA, Editorial Verbo, Lisboa,<br />
S. Paulo, 1985; pelo pretenso serviço prestado a Literatura Popular; pelo<br />
mau exemplo e descaramento insultuoso contra o Povo a pretexto de balofa<br />
erudição que não é capaz de ver na dicotomia da maior parte das quadras<br />
populares a ligação do tema e da expressão dos sentimentos ou da sátira e<br />
da ironia, a Natureza e a realidade da vida a que o povo está ligado;<br />
insultando o povo (que) raro cria, antes adopta e adapta o que recebe de<br />
364
alguém de mais instruído intelecto..., mas reconhece que e o nosso<br />
cancioneiro...o mais vivente e fecundo, e finalmente publica, depois de<br />
descaradamente a insultar, as recolhas de recolhas e selecções de múltiplas<br />
selecções, os grandes primores da alma portuguesa. !!! Com tantos<br />
exemplos de obras de grande fôlego, não dá nenhum exemplo de DÉCIMAS,<br />
que consideramos a mais artificiosa e complexa forma de poesia popular!<br />
SELMA LAGERLÖF (1858-190) ⎯ Prémio Nobel da Literatura, a primeira escritora a<br />
receber tal galardão e 1909, por nos ter dado<br />
A MARAVILHOSA VIAGEM <strong>DE</strong> NILS HOLGERSON ATRAVÉS DA SUÉCIA,<br />
tradução de Maria de Castro Henriques Osswald, 5ª edição da Editora<br />
Educação Nacional de Adolfo Machado, Porto, s/data;<br />
HISTÓRIAS MARAVILHOSAS, versão portuguesa da Editorial Minerva, Lisboa<br />
1952;<br />
O LIVRO DAS <strong>LENDAS</strong>, Tradução de Pepita de Leão e introdução de Paulo<br />
Arinos, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, s/data;<br />
A CARROÇA FANTASMA, versão Portuguesa de Leão Penedo, Filme da<br />
Transcontinental (Colúmbia), Editorial Minerva, Lisboa, 15 de Agosto de<br />
1941;<br />
OS SETE PECADOS MORTAIS E OUTROS CONTOS....<br />
enfim por toda a sua obra e por todas as suas MARAVILHOSAS VIAGENS<br />
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, mais real do que eu estar aqui e tu ai como<br />
dizia que a sua avó lhe dizia, quando no final de um conto lhe acariciava<br />
carinhosamente a cabeça...<br />
PEARL S. BUCK ⎯ Prémio Nobel, pelas<br />
HISTÓRIAS MARAVILHOSAS DO ORIENTE, tradução de Fernanda Pinto<br />
Rodrigues, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, 1965, que afinal são uma<br />
VIAGEM de descoberta, por terra e mar, a um mundo fabuloso de encanto e<br />
Fantasia, o mistério lendário das terras orientais. Os primores da sabedoria<br />
e da imaginação asiáticos reflectem-se nestas histórias maravilhosas que<br />
Pearl Buck recriou com o talento inimitável que lhe valeu o prémio Nobel.<br />
RUDYARD KIPLING ⎯ (186-1936), Prémio Nobel em 1907 pela sua obra em<br />
especial:<br />
SIMPLES CONTOS DAS COLINAS<br />
KIM<br />
O LIVRO DA SELVA<br />
CHARLES PERRAULT ⎯ (1628-1703) pela coragem de, na sua época, irromper pelo<br />
campo do maravilhoso e do imaginário, em especial com<br />
LES CONTES <strong>DE</strong> MA MÈRE L’OYE (1694), contos que recolheu para<br />
“l'amusement des enfants” e<br />
CONTES DU TEMPS PASSÉ (1697), obras que ilustram a sua destemida e<br />
temerária posição na famosa QUERELLE <strong>DE</strong>S ANCIENS ET MO<strong>DE</strong>RNES.<br />
HANS CHRISTIAN AN<strong>DE</strong>RSEN ⎯ (1805-1875) autor de<br />
CONTOS que publicou entre 1835 e 1872 e na sua simplicidade acessível,<br />
parece escrever para crianças, o que só os adultos podem entender em toda<br />
a sua profundidade...<br />
ANTOINE <strong>DE</strong> SAINT-EXUPÉRY ⎯ (1900-1940), piloto militar francês, que foi abatido<br />
num voo de reconhecimento durante a segunda guerra mundial, pelos voosdesafios<br />
que nos deixou nas SUAS obras, em especial por nos CATIVAR<br />
“aprivoiser”, com<br />
LE PETIT PRINCE, Librairie Gallimard, Paris,1943.<br />
365
LYMAN FRANK BAUM ⎯ (1856-1919) pela fantasia com que nos sabe levar com<br />
Dorothy, to<br />
THE WON<strong>DE</strong>RFUL WIZARD OF OZ, que naquele dia de ciclone, não<br />
conseguiu fugir para o subterrâneo para onde a chamava a tia Em, por<br />
causa do Totó que lhe saltou dos braços e se foi esconder debaixo da<br />
cama... e, aí vamos nós, depois da casa girar três vezes..., através dos ares,<br />
viajar pelos mundos do sonho...<br />
WILHELM GRIMM ⎯ (1786-1859) e seu irmão JACOB GRIMM (1785-1863), notáveis<br />
eruditos do romantismo alemão, e fundadores da filologia alemã, que nos deixaram<br />
a famosa e imensa recolha de CONTOS POPULARES, e se tornaram famoso pela<br />
divulgação dos<br />
CONTOS <strong>DE</strong> GRIMM<br />
GIOVANNI BOCCACIO ⎯ (1313-1375), que situando-se numa epidemia de peste<br />
em Florença, faz encontrar dez jovens, sete raparigas e três rapazes, que ao longo<br />
de dez dias de isolamento numa quinta “encantada” nos dão os saborosos e<br />
picantes contos do<br />
<strong>DE</strong>CAMERON (1349-1353)<br />
LEWIS CAROL ou antes CHARLES DODGSON ⎯ (1832-1898) pelo encanto<br />
refinadamente irónico e perigosamente adulto com que nos leva ao mundo infantil<br />
de<br />
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS ou melhor "ALICE'S ADVENTURES IN<br />
WON<strong>DE</strong>RLAND<br />
JONATHAN SWIFT ⎯ (1667-1745), escritor irlandês que em 1726 publica uma<br />
violenta sátira à sociedade inglesa e à civilização da época com<br />
AS VIAGENS <strong>DE</strong> SAMUEL GULLIVER, que encontramos habitualmente como<br />
Viagens de Gulliver, presumivelmente apropriado para crianças...! e assim<br />
vamos até ao país dos anões, depois ao dos gigantes, depois, à ilha em<br />
movimento habitada por sábios, e enfim até à região dos cavalos civilizados<br />
que dominam antropóides degradados! Enfim, um mundo de FICÇÃO!<br />
JEAN <strong>DE</strong> LA FONTAINE ⎯ (1621-1695) por nos ter dado o retrato pedante da<br />
sociedade do século XVII (ou “...de tout temps/les petits ont pâti des sottises des<br />
grandes”) através da sua Arca de Noé rebelde e brincalhona dedicada ao Delfim de<br />
França, para através das<br />
FÁBULAS<br />
que devemos a ESOPO, o ilustre príncipe se poder distrair, já que isso é<br />
permitido aos príncipes; mas também para, por debaixo de uma capa de<br />
aparente puerilidade, poder dedicar alguns pensamentos a reflexões mais<br />
sérias e a algumas verdades consideráveis! Não será descabido evocar aqui,<br />
de novo, Miguel TORGA ou Adolfo Rocha com os seus/nossos BICHOS!<br />
CONTOS ÁRABES ⎯ AS MIL E UMA NOITES!!!<br />
VLADIMIR PROPP<br />
⎯ AS FUNÇÕES DO CONTO, pelos meios que fornece...<br />
NUNO BETELHEIM<br />
⎯ PSICANÁLISE DO CONTO <strong>DE</strong> FADAS, pelas pistas que abre...<br />
LUIZ VAZ <strong>DE</strong> CAMÕES<br />
⎯ OS LUSÍADAS ⎯ e a sua monumental viagem através do tempo e do<br />
espaço que vai da Via Láctea à Ilha dos Amores e passa por dezasseis<br />
séculos de história da civilização pC, mergulhando até aos tempos de<br />
366
Homero aC e não descortinamos até onde e até quando o génio do seu<br />
poema abre clareiras de prodigiosa fantasia, mais real e profunda que a<br />
própria realidade!!!<br />
FERNÃO MEN<strong>DE</strong>S PINTO<br />
⎯ PEREGRINAÇÃO ⎯ pelas suas viagens de ladrão civilizado e de bandido<br />
apóstolo, de civilizador de civilizações surpreendentes, navegando por este<br />
rio acima através dos REINOS DO FANTÁSTICO ⎯ REAL!<br />
GONÇALO FERNAN<strong>DE</strong>S TRANCOSO<br />
⎯ CONTOS E HISTÓRIAS <strong>DE</strong> PROVEITO E EXEMPLO, de 1575<br />
JOÃO BAPTISTA <strong>DE</strong> ALMEIDA GARRETT<br />
⎯ VIAGENS NA MINHA TERRA e a sua promessa/desafio de tomar o bordão<br />
de romeiro e caminhar de novo por esse Portugal fora, à procura de<br />
histórias para te contar... en/cantar/cont(r)ar...<br />
MIGUEL TORGA<br />
⎯ PORTUGAL e o DIÁRIO, que em resumo são as suas viagens incansáveis e<br />
de uma profundidade ímpar através do país, através do Tempo, do Espaço,<br />
em especial por<br />
“UM REINO MARAVILHOSO ⎯ TRÁS-OS-MONTES<br />
sim, porque, mesmo num reino maravilhoso, acontece “a desgraça de o<br />
povo saber duma maneira e o povo de outra!" e pelo retrato do ALENTEJO e<br />
o cântico do Homem e da Terra!<br />
ADOLFO COELHO<br />
⎯ CONTOS POPULARES PORTUGUESES, 1ª edição de 1879 e Publicações<br />
Dom Quixote, Portugal de Perto, Lisboa 1988, e o prefácio de Ernesto Veiga<br />
de Oliveira.<br />
CONSIGLIERI PEDROSO<br />
⎯ CONTOS POPULARES PORTUGUESES, (1ª edição em 1910 e edições Vega<br />
1978 ), com prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa que lhe agradece<br />
pelos preciosos documentos para a compreensão dos vectores tradicionais<br />
da nossa cultura.<br />
J. DAVID PINTO-CORREIA<br />
⎯ ROMANCEIRO TRADICIONAL PORTUGUÊS, Editorial Comunicação, Lisboa,<br />
1984, pela apresentação crítica, organização, notas e sugestões para uma<br />
análise literária do nosso romanceiro...<br />
ADOLFO SIMÕES MÜLLER<br />
⎯ O PRÍNCIPE IMAGINÁRIO E OUTROS CONTOS TRADICIONAIS<br />
PORTUGUESES, Distri Editora, 1985, pela selecção prefácio e notas...<br />
MARIA LAURA BETTENCOURT PIRES<br />
⎯ HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL PORTUGUESA, Editorial Vega,<br />
Lisboa, s/data, pela lucidez que revela de procurar as suas raízes na<br />
literatura tradicional oral... e por assim tentar destruir a hipotética barreira<br />
que existe entre a Literatura Tradicional e a dita Erudita! /Infantil!...<br />
MICHEL GIACOMETTI e FERNANDO LOPES GRAÇA<br />
⎯ CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, Círculo de Leitores, 1981, e pela<br />
obra incomensurável que construíram e estão a construir...<br />
MANUEL DA FONSECA<br />
367
⎯ SEARA <strong>DE</strong> VENTO – CERROMAIOR e por toda a sua obra de poesia<br />
encantatória sobre o Alentejo...<br />
OLÍMPIO NUNES<br />
⎯ O POVO CIGANO, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, por<br />
conseguir ir to longe e tão dentro de um mundo de mistério e maravilhoso<br />
que escapa a todos ou a grande maioria dos que se sentem incomodados ou<br />
fascinados por ele!<br />
MARIA JOÃO PAVÃO SERRA<br />
⎯ FILHOS DA ESTRADA E DO VENTO, CONTOS E FOTOGRAFIAS <strong>DE</strong><br />
CIGANOS PORTUGUESES, Assírio e Alvim, Dezembro de 1986, pelo impacto<br />
e divulgação que conseguiu despertar...<br />
JOSÉ SILVESTRE RIBEIRO<br />
⎯ <strong>BEJA</strong> NO ANNO <strong>DE</strong> 1845, com introdução de José Manuel da Silva Passos,<br />
pelo retrato que nos legou de Beja do século XIX, ele, que foi Governador<br />
Civil nesta cidade em 1845-1846, edição da Câmara Municipal de Beja, 1986<br />
FERNANDO NUNES RIBEIRO<br />
⎯ O BRONZE MERIDIONAL PORTUGUÊS, Beja 1965 e<br />
A VILLA ROMANA <strong>DE</strong> PISÕES, Beja, 1972 publicados in ARQUIVO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>,<br />
pelas recolhas e investigações arqueológicas e históricas que nos levam a<br />
procurar as raízes do Povo Alentejano, para além dos Árabes e Romanos,<br />
até aos vestígios de um POVO CÚNEO que possivelmente abrem profundas<br />
pistas para o desenvolvimento desta região agrária num REGRESSO AO<br />
FUTURO que se impõe...<br />
JOSÉ D. GARCIA DOMINGUES<br />
⎯ O ALENTEJO ÁRABE E A SUA INTERACÇÃO NO REINO <strong>DE</strong> PORTUGAL,<br />
Lisboa 1958, separata da revista IN<strong>DE</strong>PENDÊNCIA, da Sociedade Histórica<br />
da Independência de Portugal, pelo tremendo campo de batalha que nos<br />
mostra, onde, apesar de tudo, floriu poesia...<br />
ARNALDO SARAIVA, pelos trabalhos, estudos e investigações no campo das<br />
Literaturas Marginais e outros estudos... e pela aproximação distante...<br />
JOSÉ SARAMAGO<br />
⎯ LEVANTADO DO CHÃO a retratar o ALENTEJO ou um ALENTEJO, e pelo<br />
seu fantástico MEMORIAL DO CONVENTO e por nos ter posto a navegar na<br />
sua inacreditável JANGADA E PEDRA...<br />
JOSÉ GABRIEL PEREIRA e FERNANDA BIRRENTO<br />
⎯ A MULHER, O LEITE E A COBRA, edições Rolim 1988, pelas pistas que nos<br />
abrem a investigar o quotidiano (crendices?) que mergulha nas raízes da<br />
criação do mundo...<br />
JEAN CHEVALIER et ALAIN GHEERBRANT<br />
DICTONNAIRE <strong>DE</strong>S SYMBOLES, MYTES, RÉVES, COUTOUMES, GESTES,<br />
FORMES, FIGURES, COULEURS, NOMBRES, Ed. Robert Lafont/Jupiter, Paris,<br />
edition originale 1969, et edition revue et corrigé 1982, pelos elementos<br />
fronecidos para desvendar os SIGNOS, SINAIS, ÍNDICES, INDÍCIOS,<br />
SÍMBOLOS...<br />
LA SAINTE BIBLE ⎯ Traduite en Français sous la Direction de L'École<br />
Biblique de Jérusalem, Desclée de Brouwer, Edition du Cerf, Paris, 1955.<br />
368
5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo…<br />
Há, ainda, lugar para pessoas, estudiosos e amigos, que directa ou<br />
indirectamente me acompanharam e acompanham nesta tão penosa<br />
e por vezes angustiante como agradável VIAGEM ATRAVÉS DO<br />
MARAVILHOSO. Cito em especial:<br />
JOSÉ EDUARDO BARBOSA BENTES, pelo amor e dedicação que dedica<br />
aos mínimos pormenores do Património Cultural de Beja e outros, a<br />
ponto de ganhar o epíteto de “O Cheira Pedras”.<br />
ABÍLIO PERPÉTUA RAPOSO, coordenador Distrital de Beja da<br />
Direcção-Geral de Educação de Adultos, pela publicação da<br />
LITERATURA POPULAR DO DISTRITO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, Edição do Ministério<br />
da Educação e Cultura e Direcção-geral da Educação de Adultos,<br />
1986.<br />
ABÍLIO TEIXEIRA, coordenador da Concelhia de Beja da DIRECÇÃO-<br />
GERAL <strong>DE</strong> APOIO E EXTENSÃO EDUCATIVA, pelas recolhas e<br />
incentivos que tem tentado para a investigação e divulgação da<br />
Poesia Popular e valores tradicionais...<br />
ASSOCIAÇÃO PARA A <strong>DE</strong>FESA DO PATRIMÓNIO CULTURAL DA<br />
REGIÃO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, pelas inúmeras iniciativas e trabalhos<br />
desenvolvidos e promovidos...<br />
MUSEU REGIONAL <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, e a todos os que lá trabalham pelas<br />
informações e dados fornecidos, e pelas pesquisas permitidas e pelo<br />
trabalho de abertura e revitalização do museu vivo e interveniente<br />
que a cidade e a região precisam...<br />
369
POPULAÇÃO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>, cidade, concelho, distrito e a todos os<br />
ALENTEJANOS que com a sua maneira de estar na vida, pelo seu<br />
CANTE, pelos seus CANTOS e CONTOS e filosofia de vida nos dão a<br />
matéria base para ler alguns fundamentos das características deste<br />
POVO, em especial os habitantes do PENEDO GORDO e amigos<br />
alentejanos que me honraram com a sua amizade e boa vizinhança e<br />
tantas vezes estranharam este estrangeiro do Norte aqui perdido<br />
nesta solidão!<br />
O/A/s ALUNA/O/s <strong>DE</strong> PORTUGUÊS, LITERATURA PORTUGUESA e<br />
LITERATURA PARA CRIANÇAS, da Escola Secundária Diogo de<br />
Gouveia (Nº 1 de Beja), em especial aos cursos dos 10° e 11º anos,<br />
de 1984/85, que inventaram o gosto pela Literatura que<br />
estudávamos; os da Escola do Magistério Primário de Beja com os<br />
Cursos de Educadores de Infância e Cursos de Promoção de<br />
Educadores de Infância e o Curso de Professores, entre 1984 e 1987;<br />
os da Escola Secundária Nº 2 de Beja (Escola Sec. Manuel da<br />
Fonseca, proibido pelo Ministério e depois D. Manuel I) em especial os<br />
alunos do 8° ano 5ª e 7ª turmas do Ano Lectivo 87/88, como por<br />
exemplo para lembrar todos os colegas: o Luís Filipe (Bule), a Ana<br />
Isabel, a Ana Paula, o Jorge Cruz, a Paula Cristina, o Rogério, etc.,...,<br />
que tantas vezes não me entenderam nos caminhos que entendia<br />
dever caminhar, e tanto me deram das suas memórias e cultura;<br />
bem como todos os colegas e agentes culturais das mais diversas<br />
instituições e associações que tantos dados forneceram e com quem<br />
partilhei muitas des/ilusões... e os Cursos do 11º ano, 1987/88, da<br />
Escola Sec. Nº 2, de Beja, pelas viagens fabulosas que inventaram<br />
através do seu ALENTEJO, seguindo as pegadas de Garrett, viajando<br />
para melhor conhecer e dar a conhecer a sua Terra... Não me lembro<br />
dos nomes. Só me lembro que era uma turma de electrotecnia, e foi<br />
das melhores turmas que tive a trabalhar a Língua e a Literatura,<br />
370
mesmo comparando com turmas de Cursos Humanísticos com que<br />
me foi dado trabalhar.<br />
À MARIANA e ao CASTANHO, um casal real com quem convivi alguma<br />
coisa, por me terem fornecido, sem o saberem, e sem eu o saber, a<br />
ideia do par-ficção, que saltou para dentro destas viagens através do<br />
maravilhoso, transformando-se em ciganos irrequietos e<br />
irreverentes...<br />
À NATÁLIA, que da sua cadeira de rodas, encontrou força para me<br />
empurrar nesta viagem tantas vezes impossível e temerariamente<br />
fascinante...<br />
À PIEDA<strong>DE</strong>, e à DIANA, que, para eu poder ter a companhia destas<br />
tão numerosas e ilustres figuras, elas, as companheiras de todas as<br />
horas e angústias durante a maior parte do tempo desta escrita,<br />
tiveram de suportar a solidão imposta pela minha necessidade<br />
absorvente de partir para as regiões da leitura e escrita criadora,<br />
penalizando-as com a minha presença distante e tremendamente<br />
dependente...<br />
Finalmente, já na última década do século XX e no dealbar do século<br />
XXI, falta citar a Fátima, a barranquenha, a fada alentejana, que me<br />
deu por assim dizer, a cidadania alentejana, com o David, alentejano,<br />
logo migrado para a Margem Sul, onde é notável e visível uma<br />
interveniente comunidade de alentejanos… e a Betriz, a princesa<br />
cheia de encanto e magia!!!<br />
Para todos, mas para elas especialmente, o meu abraço, um beijo<br />
cheio de ternura, impregnado de todo o feitiço destas <strong>lendas</strong><br />
maravilhosas cujo significado profundo ainda me escapa... e nos<br />
continua a espantar!!!<br />
371
Falta citar<br />
o grande LIVRO ABERTO que é a VIDA e em especial aqui A VIDA NO<br />
ALENTEJO no seu apelo e solicitações constantes e, na sua imensa<br />
SOLIDÃO, lembrando afinal que O ACTO CRIADOR só e possível no<br />
AMOR, no AMOR PARTILHADO ENTRE O HOMEM E MULHER, mas<br />
verificando, por contradição e ambiguidade, que o ACTO CRIADOR só<br />
se realiza na SOLIDÃO absoluta... e no campo da arte, permito-me<br />
citar os casos deste século:<br />
A pintora VIEIRA DA SILVA que sentia necessidade de pedir aos<br />
amigos que a deixassem não ter o prazer de ir tomar com eles o café<br />
ou de ir a um concerto ou a uma festa, porque os seus quadros, sem<br />
ela não nasceriam e a Humanidade ficaria mais pobre; o exemplo de<br />
MIGUEL TORGA, o transmontano sempre chamado para o Reino<br />
Maravilhoso da solidão de Trás-os-Montes, e sempre solicitado pela<br />
vida, numa SOLIDÃO-SOLIDÁRIA inexprimível;<br />
e ainda o exemplo do prémio Nobel da Literatura, Garcia Marques<br />
que, depois de conceber os seus CEM ANOS <strong>DE</strong> SOLIDÃO, quando<br />
durante uma viagem olhava o deserto e as montanhas!, e depois ...<br />
tem de se isolar durante dois anos em que fica totalmente<br />
dependente dos amigos e da família, para o tabaco, para a comida,<br />
as necessidades primárias, e... até dos comerciantes que lhe<br />
fiavam... para produzir a obra prima que deslumbrou o Mundo!<br />
Ainda no final, este novo final em Junho de 1995, passados seis<br />
anos!!!, tenho ainda um agradecimento muito a especial.<br />
Todo este trabalho se teria perdido, se, em Julho de 1994, não<br />
tivesse tido a sorte de encontrar a equipa do Projecto Minerva, em<br />
Beja, que estava de malas aviadas para regressar ao seu trabalho<br />
normal, depois de um trabalho pioneiro por todo o Distrito digno dos<br />
maiores elogios. Como acontece muitas vezes neste Ministério de<br />
Educação que parece apostado em deseducar, apesar dos professores<br />
372
que tem, ou talvez por causa disso, muitos que se empenharam em<br />
trabalhos e experiências pioneiras e duma projecção ímpar, são<br />
arrumados e ignorados como qualquer “coisa” sem préstimo!!! Um<br />
país pobre e de fracos recursos não se pode dar ao luxo de<br />
desperdiçar, ignorar e enxovalhar, pessoas como estas que abriram<br />
as portas do Futuro para as gerações do Futuro...<br />
Na altura em que corria o risco de perder a informatização de todo<br />
este trabalho, eis que, por indicação do Professor e amigo Vito<br />
Carioca, pacientemente, os colegas Manuel Mantinhas e António Grilo,<br />
do Projecto Minerva, pólo da Escola Superior de Educação de Beja,<br />
sob o coordenação do colega Toucinho da Silva, me ajudaram e<br />
permitiram que, com o skanner, recuperasse o que foi possível de<br />
texto e desenhos para o poder reformular e trabalhar...<br />
Pensei que seriam suficientes os serões de Inverno para recuperar<br />
todo este trabalho e, só passado um ano cheguei ao termo do 1ª<br />
fase.<br />
Está enfim o texto recuperado. OBRIGADO e um grande abraço para<br />
o Mantinhas e Grilo porque este trabalho fica, também, um pouco<br />
deles.<br />
Afinal, já em finais de 1995 e alguns meses de 1996, só a<br />
persistência da Fátima nas revisões pormenorizadas, e o encanto da<br />
companhia do David, agora ao lado da Diana, estão a permitir a<br />
revisão e reconstrução final de todo este trabalho.<br />
Uma viagem que começou, parecendo solitária, fica afinal como uma<br />
obra colectiva e daí e não a assinar com o meu nome, mas, como<br />
optei desde o início, com o meu deNómio, José Penedo. Este<br />
deNÓMIO fica aí, a significar toda esta gente que permitiu que eu<br />
realizasse este trabalho. Publicá-lo?!!! ⎯ Isso será outra aventura e<br />
outro desafio. Acho que não é comigo nem depende de mim.<br />
373
374
6 – EXTRAS<br />
6.1<br />
6.1.1 - Confidência<br />
6.1.2 - Brinquedo de Miguel Torga<br />
6.1.3 - Estrela de José Penedo<br />
6.2<br />
6.2.1 - Bibliografia do autor<br />
6.2.2 - Uma Resenha d Ana Machado<br />
6.2.3 - Referência à publicação destas <strong>lendas</strong> no Arquivo de<br />
Beja pela mão do Professor Dotor José Orta<br />
6.2.4 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e<br />
do Barro – Paizana e Isaclino<br />
6.3<br />
SEPARATAS com várias montagens de imagens a permitir<br />
sonhar com o tema do TOURO e da COBRA<br />
6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz<br />
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra<br />
6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong><br />
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…<br />
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)<br />
6.3 - Separata 6 – TC mitologia<br />
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários<br />
375
376
6.1.1 - CONFIDÊNCIA:<br />
De um amigo, Já de cabelos brancos, e com multa falta<br />
deles, e também com muitos muitos anos de Beja,<br />
recebi um dia este desabafo:<br />
⎯ “Beja é uma terra madrasta.<br />
Não reconhece o valor e o trabalho dos seus filhos,<br />
ou dos que vêm de fora para se dedicar e empenhar<br />
ao seu serviço…,<br />
mas bajula e se verga<br />
aos estranhos que vêm para colonizar e explorar!...”<br />
⎯ Não. Não é Beja e a sua gente ⎯ descobrimos ambos<br />
num repente ⎯ São aqueles que se arvoraram em donos<br />
para melhor colonizar e explorar!<br />
Beja, Primavera de 1989.<br />
José Penedo<br />
377
378
6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga)<br />
FOI UM SONHO QUE EU TIVE:<br />
ERA UMA GRAN<strong>DE</strong> ESTRELA <strong>DE</strong> PAPEL,<br />
UM. COR<strong>DE</strong>L<br />
E UM MENINO <strong>DE</strong> BIBE.<br />
O MENINO TINHA LANÇADO A ESTRELA<br />
COM AR <strong>DE</strong> QUEM SEMEIA UMA ILUSÃO;<br />
E A ESTRELA IA SUBINDO, AZUL E AMARELA,<br />
PRESA PELO COR<strong>DE</strong>L À SUA MÃO.<br />
MAS TÃO ALTO SUBIU<br />
QUE <strong>DE</strong>IXOU <strong>DE</strong> SER ESTRELA <strong>DE</strong> PAPEL.<br />
E O MENINO, AO VÊ-LA ASSIM, SORRIU<br />
E CORTOU-LHE O COR<strong>DE</strong>L.<br />
Coimbra, 6 de Fevereiro de 1936 - Miguel Torga, in Diário I<br />
6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo)<br />
e desde este dia, aqui, aquém do Tejo e do Mondego<br />
tão distante da minha terra natal ⎯ a Serra ⎯ a minha Tserra Sterra<br />
e do menino de bibe,<br />
essa ESTRELA<br />
deixou de ser ESTRELA de PAPEL<br />
deixou de estar presa por um cordel,<br />
e ao vê-la daqui,<br />
sorri-lhe…! sorriu-me…!<br />
e passou a ser a minha ESTRELA! De LETRAS no PAPEL!<br />
Penedo Gordo, de Outubro de 1988<br />
José Penedo<br />
379
380
6.2– EXTRAS – autor, colaboração e apoios…<br />
6.2.1 - Bibliografia do autor<br />
6.2.2 – em teatro por Natália Quinta Queimada e alunos<br />
6.2.3 - Uma Resenha d Ana Machado<br />
6.2.4 - Referência à publicação destas <strong>lendas</strong> no Arquivo de<br />
Beja pela mão do Professor Dotor José Orta<br />
6.2.5 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e<br />
do Barro – Paizana e Isaclino<br />
381
382
6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR<br />
Salientando as duas TRILOGIAS sobre o ALENTEJO…<br />
ISBN 972<br />
9171 03 3<br />
A MAR – Autor: José d’A MAR – Maio / Junho de 2003 – 102 pp.<br />
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />
A MAR – Como a água das fontes e dos rios, a VIDA, todas as VIDAS, correm sempre para O MAR… A MAR… AMAR…<br />
Nestes poemas com a influência de Camões, Torga e Borges, é proclamada a subversão: O MAR é A MAR!<br />
ISBN 950-502-602-5 /e 6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.28 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)<br />
A ILHA – Autor: José d’A MAR – Julho / Agosto de 2003 – 80 pp.<br />
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />
A ILHA, na sequência de A MAR, é um poema carregado de <strong>LENDAS</strong> e pretende ser um desafio para que os leitores<br />
descubram a MAGIA de criarem a sua própria ILHA em A MAR….<br />
ISBN 1-4135-0116/7-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $6.44 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)<br />
A FEIRA – Autor: José Penedo de Castro – Set/ Out 2003 –154 pp.<br />
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />
José Penedo de Castro é um cigano andarilho de FEIRAS que tenta mostrar com palavras e imagens o movimento e o<br />
colorido destes centros de Encontros e edondilhas …<br />
Publicou também, na mesma editora, como José d’A MAR – A MAR e A ILHA.<br />
ISBN 1-4135-0126/7-5/3 – Preço para transferir €3 - Em papel – $9.80 mais custos de envio. (in LP euros 10)<br />
A COBRA – Autor: José Penedo – Dez 2003 / Jan 2004 – 184 pp.<br />
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.<br />
Em A COBRA, José Penedo, outro deNómio como José d’A MAR, e José Penedo de Castro, canta-nos aqui, em BALADAS, as<br />
Lendas do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> (uma LENDA de <strong>BEJA</strong>?) e o edondi das Fontes… numa espécie de sinfonia em três<br />
Andamentos e várias Cantatas…<br />
ISBN 1-4135-0135/6-4/2 – Preço para transferir €3.5; em papel – $10.64 mais custos de envio. (in LP euros 10)<br />
A SERPE – Autor: José Penedo de Serpa, Março / Abril de 2004 – 118 pp.<br />
Outro deNómio de JRG, como José d’A MAR, José Penedo de Castro e, e José Penedo, canta agora AQUI, as Lendas da<br />
SERPE, que pode ser o Rio ANA, e as origens de SERPA e Mértola…<br />
ISBN 1-4135-0142/3-7/5 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.68 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)<br />
A MOURA – Autor: José Penedo de Moura, Maio / Junho de 2004 – 136 pp.<br />
José Penedo de Moura, outro deNómio de JRG, canta agora AQUI, através de 10 “vozes” – autores diferentes, as Lendas<br />
da MOURA, cidade cristã, com nome pagão – ou a UTOPIA da CONVIVÊNCIA (im)Possível!!!<br />
ISBN 1-4135-0164/5-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)<br />
ALFÁTIMA – Autor: José da Serra do Vale do Zêzere, Julho / Setembro de 2004 – 124 pp.<br />
Com este livro sobre a LENDA da MOURA – ÁLFÁTIMA – o autor, decide regressar ao FUTURO, à sua Sterra – Serra da<br />
Estrela – Manteigas, com 10 Lendas da Moura encantada, à espera de uma libertação gloriosa, com Cristãos e Mouros… A<br />
HUMANIDA<strong>DE</strong>, um só POVO, com o tesouro da sua edondilh diversidade interCULTURAL.<br />
ISBN 1-4135-0185/6-0/9 – Preço para transferir €3.5 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)<br />
NOMINALIA – Autor: Herminia Herminii – Março de 2005 – 526 pp.<br />
- Uma TRILOGIA da minha Sterra – Serra da Estrela, Manteigas, a minha Terra na Serra…<br />
NOMINALIA é uma Sinfonia vastíssima e caótica cujas notas não são outra coisa senão NOMES: terras, lugares, apelidos,<br />
alcunhas, expressões… de Serra da Estrela, Manteigas, terra do autor<br />
ISBN 1-4135-3547/8-X/8 – Preço para transferir €5 – Em papel – $19.80 mais custos de envio. (in LP euros 15)<br />
O PASTOR – Lenda do Pastor dos Hermínios – por Viriato dos Hermínios – previsto para ser editado na e-libro.net,<br />
em Setembro de 2005 Novembro de 2005 (2º de uma outra trilogia da Serra da Estrela)<br />
O PASTOR – LENDA/s do PASTOR DOS HERMÍNIOS – é só uma MENSAGEM fascinante ditada pela ESTRELA – A SERRA, do<br />
Pastor que conquistou os MONTES ERMOS! Viriato dos Hermínios foi encarregado de a divulgar a quem a quiser ouvir. Há<br />
mais 5 <strong>lendas</strong> complementares.<br />
ISBN 1-4135-3600/1-X/8 – Preço para transferir €2.62; papel–US$ 9.80 (más gastos de edon). (in LP euros 10)<br />
MANTEIGAS – uma Terra na Serra edondilh em Lendas – Lenda da Fundação mítica de Manteigas, por<br />
Hermes do Zêzere – previsto para ser editado na e-libro.net, em Novembro de 2005 – Março 2006 (enfim a outra<br />
TRILOGIA sobre Manteigas, Serra da Estrela, com ALFÁTIMA e O PASTOR).<br />
Manteigas edondilh em muitas <strong>lendas</strong> e A LENDA de como foi descoberto o lugar onde hoje é MANTEIGAS e do PORQUÊ<br />
de ser este nome usado, contrariamente ao uso corrente, no plural – manteigas… & o que são OU PO<strong>DE</strong>M SER os ribeiros<br />
e ribeiras e caminhos e estradas… que serpenteiam pela Serra…<br />
ISBN 1-4135-3613/4-8/X – Preço para transferir €2.62 – Em papel – US$ 11.20 (e edon). (in LP euros 10)<br />
GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de INOCÊNCIO <strong>DE</strong> BRITO – um POETA popular de S. Matias, Beja – Um Mestre<br />
esquecido e ignorado – José Rabaça Gaspar (coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – Junho 2006 –<br />
Inocêncio de Brito —1853? – 1938?— foi um notável Mestre na Arte de versar em Décimas “construindo” importantes<br />
temas com um profundo fundamento como a Morte, a Guerra, a Mulher…<br />
ISBN 1-4135-3624-7 – Para transferir €3.05 em papel – US$ 14.72 (más gastos de envio) in LP euros 12.5)<br />
OUTROS EM COLABORAÇÃO:<br />
«Lendas da Moura SALÚQUIA», Março de 2005, com mais de duas dezenas de versões, uma Edição de “Moura<br />
Salúquia” AMCM, 250 pp., tem prefácio e colaboração de 10 versões da lenda e uma Décima;<br />
«OS LOBOS <strong>DE</strong> MANIAMBA» Moçambique 1968 / 1970» Memórias da CART2326, Janeiro de 2005, com 156<br />
pp., tem recolha de dados, organização, plano, digitalização e apresentação (c/ versão do CANCIONEIRO DO<br />
NIASSA).<br />
“Que modas?...que modos? (actas do 1º. Congresso do Cante Alentejano) (dos GRUPOS CORAIS<br />
ALENTEJANOS)”, edição de FaiALentejo, Horta, Faial, Açores, com 360 pp. – colaboração.<br />
<strong>DE</strong>IXAS… As DÉCIMAS e Os Poetas Populares… colaboração no jornal “Há Tanta Ideia Perdida”, da Confraria<br />
do Pão… Alentejo, Alandroal, Terena…<br />
383
BIO(BIBLIO)GRAFIA<br />
Nota: deNómios de José Rabaça Gaspar. (www.<strong>joraga</strong>.net )<br />
Não são um pseudónimo nem um heterónimo (exclusivo de Pessoa) mas um neologismo<br />
inventado, um NOME (outro), anjo ou demónio, musa inspiradora, que escreve através do<br />
autor, o livro ou cada um dos poemas do autor.<br />
José RABAÇA GASPAR – usando 1001 deNÓMIOS diversos…<br />
Professor de Língua e Literatura Portuguesa, já dispensado do Ensino Oficial, é de novo aluno.<br />
Nasceu na Serra da Estrela, Manteigas (1938), tirou o Curso Superior de Filosofia e Teologia, na Guarda,<br />
e exerceu a sua actividade, desde 1961 em várias localidades da Serra – Loriga, Gouveia, Covilhã e<br />
Ferro, passando depois pela Academia Militar, em Lisboa, antes de cumprir o Serviço Militar em<br />
Moçambique – Metanguala, Maúa e Nampula, (4 anos) tendo passado algum tempo em Angola – Luanda<br />
e Benguela.<br />
Frequentou depois, em Paris, um Curso intensivo de Animação Cultural, para os Povos em<br />
Desenvolvimento e Alfabetização, com Paulo Freire, e esteve, 4 anos, nos Serviços de Apoio aos<br />
Emigrantes Portugueses na Alemanha onde frequentou Cursos de Alemão e leccionou Português.<br />
De regresso a Portugal, em 1975, esteve primeiro a trabalhar nas Cooperativas Agrícolas como<br />
trabalhador agrícola, na Alfabetização e Animação Cultural tendo ingressado no ensino Oficial em 1976.<br />
Leccionou em Rio Maior, Setúbal, Caldas da Rainha e cerca de 20 anos em Beja, Alentejo, procurando<br />
levar os alunos a aprender o melhor da Língua e da Literatura Portuguesa, a partir das suas raízes<br />
culturais. A Poesia Popular, as Canções, o Contos, as Lendas, os Provérbios e os usos e costumes, bem<br />
como a maneira característica de FALAR (saudações, nomes, alcunhas, expressões regionais…) serviam,<br />
normalmente, de base para aprender toda a gramática e “riqueza” da Língua e da Literatura.<br />
Com mais de 20.000 páginas de Recolhas e Textos dispersos por mais de 200 obras alguma das quais<br />
podem ser consultadas em http://www.<strong>joraga</strong>.net – um ESPAÇO na NET – aminhaTEIAnaRE<strong>DE</strong>… desde<br />
09.2002.<br />
PUBLICAÇÕES<br />
2006 – Junho – GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de Inocêncio de Brito, um Poeta<br />
Popular de S. Matias, Beja, um Mestre ignorado e esquecido! – José Rabaça Gaspar<br />
(coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – in www.e-libro.net<br />
2006 – Março – MANTEIGAS – uma Terra na Serra edondilh em <strong>LENDAS</strong>, por<br />
Hermes do Zêzere (no prelo, na e-libro)<br />
2005 – Novembro – O PASTOR – <strong>LENDAS</strong> do Pastor dos Hermínios, por Viriato dos<br />
Hermínios, in www.e-libro.net<br />
2005 – Março – “Que modas? …que modos? (actas do 1º. Congresso do<br />
Cante Alentejano em Nov. de 1997)”, edição de FaialAlentejo, Horta, Faial,<br />
Açores – colaboração com resumo da comunicação apresentada e participação em<br />
debates.<br />
2005 – Março – OS LOBOS <strong>DE</strong> MANIAMBA – Edição da Cart2326, recolha de<br />
dados, organização, plano, digitalização e apresentação.<br />
2005 – Março – Lendas de Moura, edição de “Moura Salúquia” AMCM* – Prefácio,<br />
colaboração e apresentação. -*Associação das Mulheres do Concelho de Moura<br />
2005 – Março – NOMINALIA, com o deNómio de Herminia Herminii, in www.elibro.net<br />
2004 – Setembro – ALFÁTIMA, com o deNómio de José da Serra do Vale do Zêzere,<br />
in www.e-libro.net<br />
2004 – Maio – A MOURA, com o deNómio de José Penedo de Moura, in www.elibro.net<br />
2004 – Abril – O Canto do CANTE – <strong>DE</strong>IXAS – as DÉCIMAS e os Poetas<br />
Populares, colaboração regular, no Jornal “Há Tanta Ideia Perdida” da<br />
Confraria do Pão, Alentejo, Alandroal, Terena…<br />
2004 – Fevereiro – A SERPE, com o deNómio de José Penedo de Serpa, in www.elibro.net<br />
2003 – A GUERRA68/70 – LOBOS <strong>DE</strong> MANIAMBA – Memórias da Guerra Colonial da<br />
CART 2326 – Moçambique 1968/1970. (ver tb. In www.<strong>joraga</strong>.net com o<br />
Cancioneiro do Niassa e Canções de Guerra contra a Guerra…)<br />
2003 – Dezembro A COBRA, com o deNómio de José Penedo, in www.e-libro.net<br />
2003 – Outubro – A FEIRA, com o deNómio de José Penedo de Castro, in www.elibro.net<br />
(ver em Poesia e Vanguardia)<br />
384
2003 – Julho – A ILHA, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver<br />
em Poesia e Vanguardia).<br />
2003 – Maio – A MAR, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver<br />
em Poesia e Vanguardia).<br />
2003 – Fevereiro – Mértola – As Vozes do Silêncio – in www.<strong>joraga</strong>.net –<br />
Alentejo – Mértola…<br />
2002 – Lenda/s do Pastor da Serra da Estrela (5 EXEMPLARES impressão e<br />
encadernação manual)<br />
2002 – LENDA/s de ALFÁTIMA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)<br />
2001 – Ceifeiro e Mil e Uma Noites – Grito do Índio, A LENDA do Pastor da Serra da<br />
Estrela, e NOMINALIA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)<br />
2000 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XV, série III – PRESÉPIO<br />
– AUTO <strong>DE</strong> NATAL de S. Matias, Beja<br />
1999 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XII, série III – Décimas<br />
de Inocêncio de Brito – GRITOS NA SOLDÃO.<br />
1998 – Agosto – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VII e VIII, série III –<br />
DÉCIMAS – Uma Linguagem Comum Ibero Americana<br />
1997.01 – 1996.12 – SERPA edondilh EM <strong>LENDAS</strong> – Serpa Antiga – separata<br />
de SERPA INFORMAÇÃO, 4º série, n.º 17 (12.000 exemplares).<br />
1997 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VI, série III – MOURA –<br />
10 <strong>LENDAS</strong> – UMA LENDA – A Moura Amor A Morte – A Magia ou a Utopia da<br />
Convivência (im)possível.<br />
1996 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. II e III, série III –<br />
INSTITUTO ALENTEJANO <strong>DE</strong> CULTURA (IAC/D).<br />
1996 – Setembro – AUTO DA VISITAÇÃO (DO VAQUEIRO) –NATAL NA ESCOLA OU<br />
A MAGIA <strong>DE</strong> TUDO RENOVAR – proposta de várias re/cr(i)eações. Ed. Da Escola<br />
Secundária João de Barros, Corroios, (50 exemplares impressão e encadernação<br />
manual).<br />
1996 – Abril – in Revista Arquivo de Beja – Vol. I, série III – A/s LENDA/s do<br />
TOURO E DA COBRA – Uma lenda de Beja?<br />
1995 Abril / Maio – A/s FEIRA/s – A FEIRA <strong>DE</strong> CASTRO EM VÃS REDONDILHAS –<br />
Brochura policopiada, (500 exemplares) ed. Escola Secundária João de Barros,<br />
Corroios e Junta de Freguesia de Corroios.<br />
1995 Abril / Maio – ILHA DO PESSEGUEIRO – A/s LENDA/s enCoANTADAS em<br />
edondilhas – Edição policopiada (100 exemplares) Junta de Freguesia de<br />
Corroios.<br />
1995 – Março / Dezembro in LER EDUCAÇÃO Nºs 17/18 – Revista da Escola<br />
Superior de Educação de Beja – A LITERATURA (CULTURA TRADICIONAL) e o<br />
Desenvolvimento e a urgente criação de um INSTITUTO ALENTEJANO <strong>DE</strong><br />
CULTURA /<strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO.<br />
1994 – Abril e Maio O CANTO DO CANTE – in Jornal Terras do Cante Ano I, 1ª série,<br />
Nº 2 e Nº 3, Alcáçovas, Évora.<br />
1987 (1989) – POETAS POPULARES DO CONCELHO <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – introdução,<br />
selecção, Anexos e Estudo final, arranjo gráfico, paginação e trabalho em<br />
processador de texto – Editora Câmara Municipal de Beja – Concelhia DGAEE<br />
(Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa, Beja, 1987.<br />
1985 – Outubro, Évora – A Linguística e a Análise Literária como contributo<br />
para o Desenvolvimento do Alentejo – in ACTAS do CONGRESSO SOBRE O<br />
ALENTEJO, III volume, pp. 1127 – 1131<br />
1957 – Desde o Curso de Filosofia e Teologia, imensos trabalhos publicados em<br />
órgãos Regionais e da Escola e muitos preparados para publicação…<br />
385
386
6.2.2 – Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em<br />
1991)<br />
com o Professor de Filosofia e seus alunos do Secundário fizeram um<br />
estudo e uma adaptação ao teatro que representaram em Beja, na<br />
Casa da Cultura e em Corroios na Escola Secundária 1, (depois Esc.<br />
Sec. João Barros), em Abril de 1991<br />
387
388
6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho<br />
389<br />
Lendas de Beja: o <strong>Touro</strong> e a<br />
<strong>Cobra</strong> e Outras Lendas<br />
José Rabaça Gaspar<br />
Obra ainda não publicada<br />
<strong>LENDAS</strong><br />
A obra Lendas de Beja – O <strong>Touro</strong> e<br />
a <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> Lendas…, de José<br />
Rabaça Gaspar, professor de<br />
Literatura na Escola Secundária D.<br />
Manuel I, em Beja, traduz-se num<br />
trabalho de investigação minucioso<br />
e preciso sobre muitas das <strong>lendas</strong><br />
e estórias maravilhosas que<br />
marcam a identidade cultural das<br />
gentes de Beja.<br />
Levando a cabo quase dez anos de<br />
recolha de <strong>lendas</strong>, a Lenda da<br />
<strong>Cobra</strong> e do <strong>Touro</strong> é, sem dúvida, a<br />
mais interessante e mais rica em<br />
conteúdo, sendo contada de<br />
múltiplas maneiras e com várias<br />
versões. Nesta(s) estória(s) existe<br />
quase sempre um predomínio do<br />
touro sobre a cobra, podendo<br />
representar, assim, uma vitória da<br />
força e astúcia do touro sobre a<br />
ruindade e ambição da cobra. O<br />
imaginário da cultura portuguesa,<br />
está carregado de evocações à<br />
cobra como animal quase humano<br />
capaz dos actos mais desprezíveis,<br />
pelo que esta lenda não poderia<br />
“fugir à regra”.<br />
Seja como for, a verdade é que esta lenda ainda está viva, e com por- menores que se vão<br />
recombinando consoante as versões, e expressa a ideia de um mito de origem que organiza<br />
e marca a sua concepção do mundo envolvente.<br />
Num tempo em que o conhecimento científico impera, todos os ensina- mentos baseados na<br />
oralidade, os contos, os jogos, os cantares, as crenças e as <strong>lendas</strong>, passados de boca em<br />
boca, de geração em geração, parecem estar ameaçados de esquecimento e à deturpação<br />
dos seus significados.<br />
Esta obra remete-nos para um conhecimento tradicional, assente na natureza e raiz popular<br />
de um povo, colocando-nos perante um conhecimento dos antigos, dos ditos “analfabetos”,<br />
que transportam consigo verdadeiras bibliotecas, sabedorias e segredos.<br />
Ao transpor esta realidade para a escrita está-se a preservar um património vivo, rico, que<br />
merece ser conhecido por todos. Daí que trabalhos como o de José Rabaça Gaspar devam<br />
ser encorajados e dignificados, na medida em que a nossa cultura popular encerra ainda<br />
muitos mistérios e desafios que vale a pena serem descobertos.<br />
Ana Machado<br />
Antropóloga<br />
in “Imenso Sul”, Nº 17, Janeiro de 1999, p. 46
390
6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor<br />
José Orta<br />
391
da Página 31 a 62<br />
392
6.2.5 - O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> vistos por artistas da tela e do<br />
barro… Paizana… Isaclino…<br />
Paizana – O Mestre dos Símbolos na Forma e Cor<br />
Isaclino – o Mestre do Barro<br />
393
394
6.3 Separatas<br />
IMAGENS EXTRA<br />
Com montagem de obras de vários<br />
artistas & <strong>outras</strong> ideias<br />
6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz<br />
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra<br />
6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong><br />
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…<br />
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)<br />
6.3 - Separata 6 – TC mitologia<br />
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários<br />
395
396
6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz<br />
TOURO – ASTROS <strong>DE</strong> LUZ<br />
397
398
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra<br />
399
400
6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong><br />
401
402
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…<br />
<strong>Touro</strong> e <strong>Cobra</strong> – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Piasso…<br />
403
404
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)<br />
<strong>Touro</strong> e <strong>Cobra</strong> – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Picasso…<br />
405
406
6.3 - Separata 6 – TC mitologia<br />
TOURO - MITOLOGIA<br />
407
408
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários<br />
TOURO E COBRA - vários<br />
409
410
7 - ÍNDICE/s<br />
Nota 2 2<br />
mapa/s - pista/s de (re)leitura/s<br />
7 - ÍNDICE/s<br />
7.1 – Índice de índices e indícios…<br />
7.2 – Índice, lista das GRAVURAS<br />
7.3 - PLANO GLOBAL <strong>DE</strong>STA OBRA<br />
7.4 – PLANO de possíveis Jornadas pelo ALENTEJO<br />
7.5 – LINKs – Páginas da Internet com Lendas do Alentejo<br />
7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)<br />
7.7 – ÍNDICE GERAL (com ligações)<br />
2 Assim como a BIBLIOGRAFIA, o ÍNDICE, ou os ÍNDICES, também vão numerados. Porquê? Como já<br />
foi dito anteriormente, eles fazem parte da ESTRUTURA DA OBRA tal como foi concebida; ou antes,<br />
são eles, e sobretudo o ÍNDICE GERAL, que tenta mostrar toda a articulação como foi concebida e<br />
estruturada a obra, ou melhor dizendo, como se foi estruturando a partir das primeiras ideais e sucessivas<br />
escritas e rescritas. Os índices, sobretudo o índice, é, sem dúvida, uma proposta de LEITURA que,<br />
evidentemente, pode ser recusada pelo leitor.<br />
411
412
7.1 - índice de índices e indícios…<br />
lista dos mais evidentes Índices -<br />
indícios - indicadores - símbolos - simbólicas -<br />
mitos - sonhos - desejos - valores - formas - figuras -<br />
gestos - emblemas - signos ou sinais<br />
ÁGUA O elemento primordial… que há… que dizem que<br />
falta no Alentejo…<br />
ÁGUIAS as romanas? as reais? as águias - águias -<br />
selvagens/livres... a sua grandeza! majestade! o<br />
seu bico, as suas garras! a Águia rainha das aves,<br />
Rainha das Montanhas, Rainha da Planície... e o<br />
ancestral sonho humano de voar...<br />
ALENTEJO Um nome dado por conquistadores, colonizadores,<br />
assumido ou que tem de ser assumido,pelos<br />
habitantes do AQUÉM-TEJO…<br />
ALENTEJANAS O adjectivo que identifica um tipo de mulheres<br />
raro, diferente, indomadas, indomáveis, sábias,<br />
sofredoras… e muitas <strong>outras</strong> coisas como as<br />
anedotas…<br />
ALENTEJANOS A definição de um tipo de pessoas únicas e<br />
vulgares (invulgares) que conseguem ser normais<br />
sendo poetas… artistas…<br />
ALMOLEIMAR o valoroso lutador invencível nimbado com o seu<br />
turbante que torna mais heróico o nosso herói...<br />
ANEDOTAS de e sobre os alentejanos e os NOMES, AS<br />
ALCUNHAS, OS MÁ - NOMES...<br />
ÁRABES e os vestígios e mitos, os nomes, as lutas, as<br />
<strong>lendas</strong>, os poemas...<br />
AREIA da praia distante do Alentejo interior mas há mar<br />
Alentejano que evoca o deserto? a imensidão do<br />
mar? a cor da pele? tom árabe? cigano?<br />
alentejano?...<br />
ARENA e a sua forma circular... em espiral...<br />
ARTISTAS e as explicações ou as leituras cifradas do<br />
indecifrável evidente...<br />
CANTE A identificação de um tipo de CANTO único,<br />
inimitável porque nasce da terra ou é a VOZ DA<br />
TERRA cantada por pessoas…<br />
CANTO A arte de se expressar que, no Alentejo, se chama<br />
CANTE…<br />
413
CANTORES Os intérpretes do CANTO / CANTE, que, no<br />
Alentejo, se chamam CANTADORES…<br />
CARTAS... Que aqui significam as CARTAS da FREIRA de<br />
<strong>BEJA</strong>, os GRITOS de Mariana do Alcoforado… ou a<br />
Poesia de Florbela Espanca… ou da Mulher<br />
Alentejana…<br />
CAVALOS Os animais que nos remetem para as sagas<br />
heróicas de guerras antigas e antigos feitos…<br />
CIGANOS Os ciganos e suas tradições, o velho cigano e a<br />
sabedoria dos tempos e espaços, o cigano<br />
Castanho e a cigana Mariana e sedução desejo de<br />
liberdade na Natureza – Mundo...<br />
COBRA a/s serpente/s da terra, do povo, da Bíblia, o dolo,<br />
a prudência, a repugnância...<br />
CONTADORES Os Mestres da Arte de CONTAR, com toda a magia<br />
da harmonia dos sons e das palavras e dos sons...<br />
CONTOS e as <strong>lendas</strong> de encantar e os CONTADORES/AS de<br />
HISTORIAS...<br />
COROS Os Grupos que interpretam o CANTE…<br />
CORTEJOS A manifestação colectiva de um povo em festa…<br />
CRESCENTE A LUA e a relação do Alentejo com os Árabes…<br />
CRUZ a religiosidade, as crenças, as crendices… as<br />
bruxas...<br />
DANÇA A manifestação corporal mais expressiva dos<br />
sentimentos, que é muito apreciada e realizada<br />
nas comunidades ciganas e pouco conhecida nas<br />
comunidades alentejanas…<br />
<strong>DE</strong>SFILES Relacionados com cortejos e manifestações<br />
populares…<br />
<strong>DE</strong>ZEDORES Expressão atribuída aos MESTRES da POESIA,<br />
especialmente aos analfabetos que criam e / ou<br />
dizem DÉCIMAS…<br />
ESTRELAS Que, no Alentejo, brilham numa imensidão quase<br />
sem fronteiras...<br />
FESTA A expressão popular e colectiva da ALEGRIA e da<br />
Amizade…<br />
FOGO e o calor ardente do Sol que marca o Alentejo<br />
esquecendo o frio...<br />
FONTE A vida que brota do Ventre da Terra…<br />
FREIRA Ver o significado: irmã, e as grades, a prisão... o<br />
convento... os muros...<br />
GRA<strong>DE</strong>S Os gritos que pretendem derrubar as GRA<strong>DE</strong>S...<br />
GRITOS Há gritos aglutinadores: Por Sant'Iago... Por<br />
Ala!...<br />
GRITOS De alegria! De angústia! De socorro... e as<br />
GRA<strong>DE</strong>S que criam barreiras à liberdade, à<br />
expressão, à comunicação...<br />
414
IDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> OIRO O reino feliz da convivência e entre – ajuda...<br />
INDÍCIOS Os sinais, os signos, os símbolos... os mistérios<br />
(in)decifráveis...<br />
INDOLÊNCIA Ou a confusão com a força serena e indomável,<br />
imparável...<br />
JARDIM As flores e as árvores; e os perfumes inebriantes<br />
que encantam a vida...<br />
JOGOS A Arte de fazer coisas sérias a brincar…<br />
LIDADOR O herói medieval e do romantismo...<br />
LIVRO Os livros e os autores, a busca das soluções nunca<br />
encontradas...<br />
LUTA Presente em todas as Lendas... Porquê?<br />
LUZ Há ou não uma LUZ própria de cada Região?<br />
Sempre diferente mas característica?! Por<br />
exemplo a da planície?! E a do céu azul, diferente<br />
de todas as luzes?!... A COR única...<br />
MAIAS As festas da Primavera...<br />
MAGAS Bruxas? Feiticeiras? Magas? as Boas? as Más?<br />
MAGOS Da Magia ⎯ Magia, ao Ilusionismo, até à Magia ou<br />
Arte do quotidiano, como a de uma escola ligada à<br />
vida e à sociedade sem escola; ou a busca<br />
incessante e sempre insatisfeita de explicações<br />
para o inexplicável...<br />
MARIANA a Mariana, a cigana, a Florbela, a Campaniça, a<br />
mulher, a opressão, as leis justas...<br />
MASTROS as FESTAS JOANINAS e a/s Festa/s...<br />
MESTRE O/s Nome/s ⎯ apelidos frequentes nesta região e<br />
o cargo ou mester... e o MESTRE nomeado<br />
Regedor e Defensor do Reino... os Salvadores...<br />
e...<br />
MOURA A Moura encantada, a beleza distante, a<br />
sedução...<br />
MOUROS Os Mouros. Os Árabes. Os Muçulmanos... A ideia<br />
do árabe rico e os tesouros e os mistérios, a vida<br />
faustosa...<br />
MÚSICA Donde e porquê esta música e este CANTE<br />
ALENTEJANO...<br />
PREGUIÇA (vide indolência) e a ambiguidade entre preguiça e<br />
obedecer ao ritmo da Natureza...<br />
POETAS<br />
Ver a sua arte própria inimitável, popular; e<br />
POPULARES suspeita e intrigante para as artes eruditas...<br />
POVO Entidade abstracta? Concreta? Ver a revolução e o<br />
caminho da sonhada e nunca alcançada<br />
democracia...<br />
PRAÇA Como lugar de encontro e cruzamento de<br />
desencontros, de festa, de ritos...<br />
REINO DO MEDO O Reino da desconfiança da intimidação do<br />
415
autoritarismo discricionário..<br />
ROMANOS Ver as marcas do que permanece... com restos,<br />
rastos de exploração e opressão... e de lições...<br />
SOLIDÃO Fundamental para a preparação da gestação ⎯ do<br />
acto criador<br />
SOLIDÃO<br />
Ou o milagre de criar o impossível...<br />
SOLIDÁRIA<br />
SOLIDARIEDA<strong>DE</strong> Indispensável para que o acto criador e eficaz<br />
aconteça...<br />
TERRA Por exemplo os barros vermelhos, a terra mais<br />
produtiva para as searas que podemos ver como<br />
Terra empapada em suor e sangue que lhe da<br />
uma fecundidade única . ..<br />
TOURADA O seus ritos, rituais... o insólito possível..., a<br />
contestação à sua desumanidade!, crueldade!....<br />
TOURO O poder a fertilidade(a vaca) a força, a<br />
abundância(o vitelo de oiro)... A força bruta que o<br />
homem põe ao seu serviço...<br />
AS MIL CARACTERÍSTICAS ÍNDICES E INDÍCIOS que faltam como<br />
esta arte de viver alentejana, indefinida?... indefinível?...que<br />
inquieta..., intriga... e desarma... os “estrangeiros” mesmo cá de<br />
dentro, que se vingam em milhares de anedotas às vezes cheias de<br />
significado..., <strong>outras</strong>, muitas, carregadas de uma raiva e de uma<br />
malícia vingativa que, pretensiosamente ofensiva, ofende e retrata os<br />
que pensam que servem para menosprezar os alentejanos... ver a<br />
dignidade majestosa com que se veste de safões... pelico... capote...,<br />
chapéu... cajado...; e como usa o tarro... o cajado..., o alforge ao<br />
ombro..., o cocharro... o barro... a madeira... a casa própria do clima<br />
e paisagem alentejana... a arte telúrica com que assumem a sua<br />
indolência proverbial!? que talvez seja o sinal mais poderoso de<br />
resistência e persistência, teimosia e poder criador que este povo<br />
tem, respeitando as leis da Natureza e o seu ritmo e ciclo, sem lutas<br />
inúteis e estéreis... mas de uma resistência ao trabalho insuperáveis<br />
e duma resistência imbatível nas adversidades...; tão fraco e tão<br />
poderosamente forte como a água que, quando não fura a pedra (e<br />
muitas vezes fura)..., mesmo que lhe criem barreiras e barragens, ou<br />
não as façam por negligência, maldade ou falta de visão... ele, ela<br />
416
há-de contornar ou derrubar os obstáculos, irresistível,<br />
imparavelmente, mesmo que pare algum tempo..., pior ainda se lhe<br />
tapam todos os escapes!!!...<br />
...tantas coisas tão simples e importantes que dariam para estudos<br />
intermináveis e que estudados, conhecidos e rentabilizados para uso<br />
e proveito deste Povo, abriria caminhos imparáveis de Progresso e<br />
Desenvolvimento... e marcariam o fim da Colonização que está<br />
estigmatizado no nome que os do Norte/ os Colonizadores? puseram<br />
ao Além-Tejo... ou teriam sido os de Aquém do Tejo?...<br />
417
418
7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras<br />
Lendo Lendas de Beja ou só Lendas de Beja ou o <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> ou<br />
O cigano Castanho e a cigana Mariana ou a viagem pelo Universo do<br />
sonho do maravilhoso, do prodigioso... simples? intrigante? ...<br />
001 Capa extra transparente 0<br />
002 <strong>Touro</strong> e <strong>Cobra</strong> – marca de água – a repetir nas brancas pares<br />
003 Silhueta <strong>Touro</strong> <strong>Cobra</strong> 10<br />
004 <strong>Touro</strong> <strong>Cobra</strong> sobrepostos 10<br />
005 Acampamento dos ciganos 15<br />
006 A dança da cigana 23<br />
007 Letras a desenhar o <strong>Touro</strong> e a cobra (separador) 29<br />
008 A dança do fogo ou das estrelas 35<br />
009 <strong>Cobra</strong> e <strong>Touro</strong> – Bandarilheiro <strong>Touro</strong> 38<br />
010 <strong>Touro</strong> e cobra em letras de imprensa… 43<br />
011 A serpente domina a praça da cidade 49<br />
012 A luta do touro e da cobra no castelo da cidade 55<br />
013 Os touros rompem o cerco da cidade 87<br />
014 A clareira dos magos escondida na floresta 107<br />
015 A mistura dos símbolos sinais 125<br />
419
016 A/s fonte/s 134<br />
017 A fonte e a cobra 147<br />
018 A moura encantada e a tímida donzela 171<br />
019 A fonte das Cavadas 179<br />
020 A Fonte a cobra e a Figueira 199<br />
021 A cobra, a figueira e o moinho 211<br />
022 A luta de morte do cristão e do mouro 221<br />
023 O largo de Santa Maria da Feira com Castelo ao fundo 249<br />
024 Mariana 263<br />
025 Mariana e a janela donde se avista Mértola 281<br />
026 A magia das décimas ou a quadratura do círculo 293<br />
026b A magia das décimas ou a quadratura do círculo - manuscrito 294<br />
027 No remanso de uma mansão romana 313<br />
028 as Maias no centro de várias celebrações e <strong>lendas</strong>… 331<br />
029 A Maia in DA 332<br />
030 Contra Capa – montagem de touros e cobras – vários artistas… 436<br />
420
7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA<br />
PLANO GLOBAL e resumo do trabalho em disquetes e para rever o ÍNDICE<br />
D lbj. Pág. Numeraç Título bits.doc bits. Disq bits. Em<br />
ão<br />
ac.<br />
1 00 (Modelo com desenhos e…) 322048<br />
01 001-008 Capa, 1 e 2, Ficha técnica, dedicatória e título da<br />
introdução<br />
343040<br />
01ª 009-020 0. …em viagem (introdução 1) 45056<br />
02 021-028 0.0 Beja e as <strong>lendas</strong> – Visão do cigano cego…<br />
(introdução 2)<br />
101376<br />
03 029-042 1. A LENDA DO TOURO E DA COBRA 177152<br />
1.00 O TOURO E A COBRA – V/00 – (A Lenda do TC<br />
reconstruída)<br />
988672 988672<br />
2 04 043-054 0.1.0 As Lendas… e os contadores de histórias 116736<br />
1.01 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/01 – O touro vence a cobra…<br />
1.02 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/02 – O touro é engolido pela<br />
cobra…<br />
1.03 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/03 – a população lança um<br />
touro…<br />
1.04 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/04 – a cobra é envenenada…<br />
05 055-066 1.05 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/05 – A cobra engole um touro…<br />
manada.<br />
69632<br />
1.06 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/06 – A cidade é livre de um<br />
ataque…<br />
06 067-074 1.07 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/07 - … <strong>Touro</strong> azul 201728<br />
1.08 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/08 – A cobra fechada numa<br />
paliçada.<br />
1.09 O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> v/09 – Leitor é a sua vez…<br />
07 075-086 0.1 Pistas de leitura para as Lendas do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> 332800<br />
0.1.1 As Lendas do TC e os Magos da Clareira da Floresta<br />
0.1.2 Os Magos…<br />
0.1.3 as pistas de leitura/s…<br />
08 087-094 0.1.4 as possíveis formas de expressão 193024<br />
Disquete 913920 913920<br />
Acumulação da disquete 1 e 2 1902592 1902592<br />
3 09 095-098 2 <strong>LENDAS</strong> DA FONTE MOURO (com referências e<br />
uma introdução)<br />
27136<br />
10 099-108 2.01 Lenda da Fonte Moura, rescrita de M. J. Delgado 70144<br />
2.02 Lenda da Fonte Moura, Décimas de um anónimo, rec.<br />
De M. J. D<br />
11 109-120 2.03 Lenda da Fonte Moura, rescrita de Fernanda Frazão 112640<br />
2.04 Lenda da Fonte Moura, Oitavas de Edmundo<br />
Belfonte<br />
12 121-140 0.2.1 Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas<br />
O Cante das Fontes…<br />
135680<br />
3 A FONTE DAS CAVADAS<br />
3.01 A FONTE DAS CAVADAS 1ª versão<br />
3.02 A FONTE DAS CAVADAS – 2ª versão<br />
0.3 pequeno poema à Fonte das Cavadas…<br />
13 141-150 4 A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM<br />
COBRA<br />
111104<br />
0.4.0 A perplexidade dos ciganos<br />
4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA<br />
0.4.1 reflexão magoada dos Magos… 456704 456704<br />
2359296 2359296<br />
4 14 151-162 5 Lendas e História ou Lendas Históricas? – Lidador,<br />
1383, Mariana<br />
49152<br />
0.5 Os Ciganos andarilhos… as Lendas e a História…<br />
6 O LIDADOR (Dados Históricos)<br />
421
6.01 A morte do LIDADOR – pelo Infante D. Pedro<br />
0.6 Os Magos no alto do Castelo… ou o desafio de<br />
Herculano…<br />
15 163-170 7. A Revolução em Beja (1383/85) por Fernão Lopes 33792<br />
16 171-176 0.7 Os Magos na Torre do Castelo 37362<br />
17 177-182 8 MARIANA ALCOFORADO 33792<br />
8.1 Mariana… a realidade<br />
18 183-196 8.2 Mariana… as cinco cartas… cinco gritos… 57856<br />
19 197-208 8.3 Mariana… a Lenda que se pode en/cont(r)ar… 333312<br />
Mariana… uma décima final 545266 545266<br />
2904562 2904562<br />
5 20 209-214 0.8 Os Magos na sala do Capítulo… 37744<br />
21 215-222 08.1 TAVON<strong>DE</strong>… Tem Avonde… 34816<br />
9 PISÕES<br />
0.9 Pisões – os ciganos romanos?<br />
22 223-232 10 AS MAIAS 47104<br />
0.10 As MAIAS e os MAGOS…<br />
23 233-242 10.01 As MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA 49152<br />
10.02 AS MAIAS – 9 quintilhas de Maria Guiomar<br />
Peneque… e os jornais…<br />
0.10.0 O ressurgimento das MAIAS… ou a subversão!!!<br />
0.10.1 LENDO AS <strong>LENDAS</strong>…<br />
24 243-256 0.11 BIBLIOGRAFIA 68096<br />
0.11.1 BIBLIOGRAFIA ou A SOLIDÃO SOLIDÁRIA<br />
25 257-270 0.12 ÍNDICE/s ou as PISTA/s para reenviar os leitores 291840<br />
0.12.1 Índice de índices ou indícios…<br />
0.12.2 Índice de gravuras<br />
0.12.3 Índice Geral<br />
Confidência<br />
Brinquedo de Miguel Torga – (Estrela de Papel)<br />
Estrela no papel de José Penedo<br />
528752<br />
26 271-272 0.13 PLANO GLOBAL (doc.27 em 2 pág. 183296) 148992<br />
677744 677744 3582306<br />
422
7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO…<br />
<strong>outras</strong> obras que enquadram esta:<br />
- VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />
1ª jornada<br />
ERA UMA VEZ NO ALENTEJO<br />
VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO<br />
DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA<br />
POR TERRAS DO AQUÉM TEJO<br />
1ª partida: (uma incursão pelo mundo das <strong>lendas</strong>)<br />
lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> nas letras das estrelas<br />
O TOURO E A COBRA e OUTRAS <strong>LENDAS</strong><br />
ou a humanidade a crescer para a liberdade<br />
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />
autor: José Penedo, Penedo Gordo, Beja, 1988. 260p.<br />
2ª partida: (uma digressão ou leitura através de Baladas)<br />
A/s LENDA/s BALADAS do TOURO E DA COBRA<br />
autor: José Penedo – o baladeiro, Penedo Gordo, Beja, 1992/1993/94.<br />
3ª partida: (uma digressão através do Cancioneiro Medieval e Popular)<br />
AS FONTES<br />
AS <strong>LENDAS</strong> – O CANTO, O ENCANTO das FONTES<br />
autor: José da Fonte Santa, Penedo Gordo, Beja, 1991/1993/94.<br />
4ª partida – pistas de LEITURA (estudo, análise e propostas…) em elaboração.<br />
5ª partida<br />
Uma dramatização feita pela professora Maria Natália Quinta Queimada, com finalistas da<br />
Escola Secundária Diogo de Gouveia, de Beja, Março e Abril de 1992 (com um VÍ<strong>DE</strong>O);<br />
Uma série de várias peças em barro do Mestre barrista, Isaclino, de Beja – a partir de 1986…(<br />
propriedade da Câmara Municipal de Beja, e <strong>outras</strong> recriações em promessa ao autor destas <strong>lendas</strong> que<br />
o mestre Isaclino considerou uma vez co-autor dessas peças!!!<br />
6ª partida: (a partir destas experiências, em colaboração com <strong>outras</strong> entidades, escolas,<br />
associações e grupos…, explorar várias formas de re/criação, representação, divulgação… até no<br />
empedrado das ruas, peças de artesanato, música e bailado…)<br />
2ª jornada<br />
1ª partida<br />
A FEIRA <strong>DE</strong> CASTRO – AS FEIRAS EM VÃS REDONDILHAS<br />
A FEIRA <strong>DE</strong> CASTRO – AS FEIRAS – vista por um CIGANO CASTANHO andarilho de feiras,<br />
penedo gordo – <strong>BEJA</strong> – 1987 /1991/1993/94<br />
2ª partida – (um estudo das origens e linguagem da FEIRA a programar com entidades ou<br />
pessoas de Castro Verde…)<br />
423
3ª jornada<br />
1ª partida: - LENDA/s da ILHA DO PESSEGUEIRO<br />
autor: José d’A MAR, Aivados, verão de 1989, Penedo Gordo, Beja, Outono de 1989, Ilha do<br />
Pessegueiro, Ano Novo de 1992, Penedo Gordo, Beja, 1993794<br />
2ª partida: - A MAR<br />
autor: José d’A MAR, Penedo Gordo, edo, 1989- 1991- 1993/94<br />
4ª jornada –<br />
1ª partida<br />
MOURA – lendo A/s LENDA/s<br />
autor: José Penedo de Moura, Penedo Gordo, Beja, Outubro de 1986 – 1994<br />
2ª partida<br />
SERPA ENC(O)ANTADA em <strong>LENDAS</strong><br />
3ª partida<br />
MÉRTOLA – as pessoas também falam… (Fátima Borges)<br />
(um projecto a desenvolver com entidades e interessados da cidade de<br />
MOURA para ??? trabalhos que podem ir da dramatização, à ilustração, à criação de<br />
signos, símbolos… artesanato… divulgação…)<br />
424
7.5 - Links –<br />
com Páginas de <strong>lendas</strong> do <strong>Touro</strong> e da <strong>Cobra</strong> e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong> do<br />
Alentejo…<br />
<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO<br />
- http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/<strong>lendas</strong>/index.htm<br />
- http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/<strong>lendas</strong>/alentejo.htm<br />
Por Marta<br />
Costa<br />
<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO<br />
- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/index.html<br />
Por Miguel Gaspar Roque<br />
- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/lend_alet.htm<br />
425<br />
Lendas do<br />
Alentejo<br />
<strong>LENDAS</strong> E TRADIÇÕES<br />
http://www.alentejolitoral.pt/PortalTurismo/ARegiao/LendasTradicoes/Paginas/LendaseTradicoes.aspx<br />
Por alentejolitoral<br />
Canto da Terra<br />
http://www.cantodaterra.net/ct/site/<strong>lendas</strong>/default.asp?fpage=0&page=1&find=Todas%20as%20<strong>lendas</strong><br />
&findbox=0<br />
Lendas de<br />
Beja<br />
http://www.canto<br />
daterra.net/ct/site<br />
/<strong>lendas</strong>/default.as<br />
p?fpage=0&page=<br />
1&find=Beja&find<br />
box=13<br />
ALENTEJO – TERRA MÃE – Fundação<br />
6- Património<br />
e Cultura<br />
Imaterial / Os<br />
Contos e as<br />
Estórias<br />
Alentejanas]<br />
Lendas de Évora<br />
http://www.cantodater<br />
ra.net/ct/site/<strong>lendas</strong>/d<br />
efault.asp?fpage=0&pa<br />
ge=1&find=%C9vora&f<br />
indbox=8<br />
http://www.alentejoterramae.pt/index.php?lop=conteudo&op=274ad4786c3abca69fa097b8<br />
5867d9a4
Obras com algumas <strong>lendas</strong> do Alentejo e eAlentejo com muito Alentejo…<br />
Por <strong>joraga</strong> - http://www.<strong>joraga</strong>.net/pags/0obras00as6de2003_04.htm<br />
<strong>joraga</strong>.dos1001deNÓMIOS<br />
aminhaTEIAinterminávelnaRE<strong>DE</strong>ilimitada<br />
um ANDARILHO em viagem pelas<br />
7 partidas... 7 jornadas... 7 mundos... 7 mares... 7 temas... 7<br />
espaços... 7 tempos...<br />
JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001 deNÓMIOS...<br />
http://www.<strong>joraga</strong>.net/contos/index.htm<br />
CONTOS & <strong>LENDAS</strong><br />
A ARTE <strong>DE</strong> enCANTAR<br />
na LITERATURA POPULAR PORTUGUESA<br />
por JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001<br />
deNÓMIOS.. - contacto © <strong>joraga</strong> ®<br />
http://www.<strong>joraga</strong>.net/eAlentejo/<br />
eAlentejo alguns aspectos<br />
de uma indentidade<br />
426<br />
«Caminhando e<br />
cantando e seguindo<br />
a canção…»
7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)<br />
ÍNDICE – MAPA – PISTA de re/ leitura/s que aparece aqui para o leitor se poder<br />
orientar neste LIVRO<br />
<strong>LENDAS</strong> DO ALENTEJO – lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – O TOURO E A COBRA e <strong>outras</strong>…<br />
que é uma primeira PARTIDA da<br />
VIAGEM DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA ATRAVÉS DO<br />
MARAVILHOSO POR TERRAS DO AQUÉM – TEJO que, depois de Beja, seguir(ão)iam<br />
por <strong>outras</strong> terras e montes…<br />
que pretende ser a PRIMEIRA JORNADA das<br />
VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA<br />
MARIANA que passam por <strong>outras</strong> regiões e terras de Portugal e pelas Terras de<br />
Santa Maria e Todo o Mundo…<br />
0 em VIAGEM 11<br />
0.0 <strong>BEJA</strong> e A/s LENDA/s 29<br />
1 O TOURO E A COBRA 31<br />
1.00 O TOURO E A COBRA – versão 00 44<br />
0.1.0 AS <strong>LENDAS</strong> DO TOURO E DA COBRA e os<br />
CONTADORES <strong>DE</strong> HISTÓRIAS<br />
65<br />
1.01 O TOURO VENCE A COBRA – versão 01 69<br />
1.02 O TOURO É ENGOLIDO PELA COBRA – versão 02 71<br />
1.03 A POPULAÇÃO LANÇA UM TOURO PARA SE LIBERTAR<br />
DA COBRA – versão 03<br />
73<br />
1.04 UM TOURO ENVENENADO, ENVENENA A COBRA –<br />
versão 04<br />
75<br />
1.05 UMA MANADA <strong>DE</strong> TOUROS MATA A COBRA – versão<br />
05<br />
77<br />
1.06 OS TOUROS VENCEM OS MOUROS – versão 06 83<br />
1.07 UM TOURO AZUL <strong>DE</strong>SCOBRE A CIDA<strong>DE</strong> PERDIDA –<br />
versão 07<br />
91<br />
1.08 O TOURO E A COBRA LUTAM NA ARENA – versão 08 96<br />
1.09 A LENDA DO TOURO E DA COBRA… era uma vez…,<br />
leitor, é a sua vez… versão 09 ou o recomeço…<br />
99<br />
0.1.1 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA<br />
NA FLORESTA – com PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA<br />
101<br />
0.1.2 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA<br />
NA FLORESTA<br />
103<br />
0.1.3 PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA 113<br />
0.1.4 PISTAS para POSSÍVEIS FORMAS <strong>DE</strong> EXPRESSÃO 129<br />
2 A/s LENDA/s DA FONTE MOURO 135<br />
2.01 A LENDA DA FONTE MOURO – recolha de MJDelgado 145<br />
2.02 A LENDA DA FONTE MOURO – Décimas de um<br />
anónimo in ibidem<br />
151<br />
2.03 A LENDA DA FONTE MOURO – rescrita de Fernanda<br />
Frazão<br />
157<br />
2.04 LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA – oitavas de<br />
427
Edmundo Belfonte 163<br />
0.2.1 Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas… sobre o<br />
Fonte Mouro…<br />
175<br />
3 A/s LENDA/s da FONTE DAS CAVADAS 185<br />
3.01 LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 1ª versão 187<br />
3.02 LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 2ª versão 191<br />
0.3 O CANTE DAS FONTES 197<br />
4 A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA 205<br />
0.4.0 A perplexidade do Ciganos… 207<br />
4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA 209<br />
0.4.1 A REFLEXÃO MAGOADA DOS MAGOS 211<br />
5 AS <strong>LENDAS</strong> E A HISTÓRIA 219<br />
0.5 Os ciganos andarilhos… as <strong>LENDAS</strong> e a HISTÓRIA… 221<br />
6 O LIDADOR 225<br />
6.0 A MORTE DO LIDADOR pelo Infante D. Pedro 228<br />
0.6 Os magos no alto do castelo ou o desafio de<br />
Herculano<br />
233<br />
7 A REVOLUÇÃO (1383/1385) em <strong>BEJA</strong> por Fernão<br />
Lopes<br />
243<br />
0.7 Os Magos na Torre do Castelo 253<br />
8 MARIANA ALCOFORADO – A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> 259<br />
8.1 A REALIDA<strong>DE</strong> (?) ⎯ alguns dados… 260<br />
8.2 AS CINCO CARTAS QUE FING(em)DORES 267<br />
8.3 A LENDA QUE SE PO<strong>DE</strong> EN/CONT(R)AR 285<br />
0.8 Os MAGOS na SALA DO CAPÍTULO do CONVENTO 297<br />
Aviso aos leitores 301<br />
Vitória… Vitória… 303<br />
TAVON<strong>DE</strong> 305<br />
9 PISÕES 311<br />
09 PISÕES ⎯ os ciganos romanos? 313<br />
10 AS MAIAS 319<br />
0.10.1 AS MAIAS e os MAGOS… 321<br />
10.1 AS MAIAS ⎯ as FESTAS DA PRIMAVERA ⎯ A<br />
FESTA…<br />
337<br />
0.11 Lendo as <strong>LENDAS</strong> 353<br />
0.12 BIBLIOGRAFIA 355<br />
0.12.1 BIBLIOGRAFIA ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA 357<br />
0.13 ÍNDICE/s ou a/s PISTA/s para reenviar o LEITOR 411<br />
0.13.1 Índice de índices… indícios… 413<br />
0.13.2 Índice de gravuras 419<br />
0.13.3 ÍNDICE GERAL 429<br />
Extra1 Confidência - 377<br />
Extra2 Brinquedo de Miguel Torga - 379<br />
Extra3 Estrela de José Penedo - 379<br />
428<br />
436
7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas…<br />
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>................................................................................................................ 1<br />
introdução ........................................................................................................................... 9<br />
0 - em viagem.....................................................................................................................11<br />
1 – A/s <strong>LENDAS</strong>/s DO TOURO E DA COBRA .......................................................................29<br />
0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s ..........................................................................................31<br />
1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA ...........................................................................43<br />
1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00...................................................................................44<br />
0.1.0 - AS <strong>LENDAS</strong> DO TOURO e da COBRA E OS CONTADORES <strong>DE</strong> HISTÓRIAS.................65<br />
0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...” ......................................................67<br />
1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01 ...................................................................................69<br />
1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02 ...................................................................................71<br />
1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03 ...................................................................................73<br />
1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04 ..................................................................................75<br />
1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05 ...................................................................................77<br />
1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06 ...................................................................................83<br />
1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07 ..................................................................................91<br />
1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08 ..................................................................................96<br />
1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09.....................................................................................99<br />
0.1.1 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA PISTAS <strong>DE</strong> LEITURA101<br />
0.1.2 AS <strong>LENDAS</strong> E OS MAGOS DA CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA.........................103<br />
0.1.3 pistas de leitura/s para as <strong>LENDAS</strong> do TOURO e da COBRA….................................113<br />
2 - A/S <strong>LENDAS</strong>/S DA FONTE MOURO .............................................................................135<br />
2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO ...............................................................................137<br />
0.2.0 - Ligação entre as <strong>LENDAS</strong>… ..................................................................................139<br />
2 - DUAS <strong>LENDAS</strong> DA FONTE MOURO ..............................................................................143<br />
2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO recolha de Manuel Joaquim Delgado ...................................145<br />
2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um anónimo) .............................................151<br />
2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão) ..........................................157<br />
2.04 - LENDA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> – A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte, .....................................163<br />
0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS CAVADAS...............................................175<br />
2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS CAVADAS ..................................................................185<br />
2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão ...........................................................187<br />
2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão ...........................................................191<br />
0.2.2 - O CANTE DAS FONTES ....................................................................................197<br />
429
2.3 - A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA .....................................................205<br />
0.2.3 A perplexidade dos ciganos... ................................................................................207<br />
2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por Simplícia Maria das Dores, do Penedo<br />
Gordo…...........................................................................................................................209<br />
0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem não reunir.......................................211<br />
3 - <strong>LENDAS</strong> ou HISTÓRIA................................................................................................219<br />
0.3 - CIGANOS ANDARILHOS ..........................................................................................221<br />
3.01 - O LIDADOR.............................................................................................................225<br />
3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR...........................................................................................228<br />
0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE............................................................................233<br />
3.02 - REVOLUÇÃO EM <strong>BEJA</strong> – 1383/1385 ............................................................................243<br />
0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do alto da torre do castelo… ................253<br />
3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>...............................................................259<br />
3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…...........................................................260<br />
3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas… ..............................................................267<br />
3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode (en)co(a)nt(r)ar... ............................285<br />
0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo ............................................................................297<br />
Aviso aos leitores…............................................................................................................301<br />
VITÓRIA VITORIA .............................................................................................................303<br />
TAVON<strong>DE</strong>... TAVONDO.......................................................................................................305<br />
4 - OUTROS SIGNOS .......................................................................................................309<br />
4.1 - PISÕES ...................................................................................................................311<br />
0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!... ......................................................................313<br />
4.2 - AS MAIAS ...............................................................................................................319<br />
04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS .........................................................................................321<br />
Era a FESTA! ...................................................................................................................324<br />
4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera .......................................................................337<br />
0.4.3 - NOTA FINAL – lendo <strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong>.................................................................353<br />
5 - BIBLIOGRAFIA/s ..........................................................................................................355<br />
5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES ..........................................................................357<br />
5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e livros… ..............................................................................361<br />
5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo….................................................................369<br />
6 – EXTRAS .....................................................................................................................375<br />
6.1.1 - CONFIDÊNCIA:.......................................................................................................377<br />
6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga) .............................................................................379<br />
6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo).....................................................................................379<br />
6.2– EXTRAS – autor colaboração e apoios… ..................................................................381<br />
6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR ...................................................................................383<br />
6.2.2 – Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em 1991) .............................................387<br />
6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho...........................................................389<br />
6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor José Orta ......................................391<br />
6.2.5 - O <strong>Touro</strong> e a <strong>Cobra</strong> vistos por artistas da tela e do barro… Paizana… Isaclino… ................393<br />
6.3 Separatas..................................................................................................................395<br />
6.3 - Separata 1 – <strong>Touro</strong>s Luz ............................................................................................397<br />
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra ..................................................................................399<br />
430
6.3 - Separata 3 – Estatuas <strong>Touro</strong> / Mulher <strong>Cobra</strong>.................................................................401<br />
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas….............................................................403<br />
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX) .......................................................................................405<br />
6.3 - Separata 6 – TC mitologia ..........................................................................................407<br />
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários ....................................................................................409<br />
7 - ÍNDICE/s...................................................................................................................411<br />
7.1 - índice de índices e indícios… .......................................................................................413<br />
7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras .....................................................................................419<br />
7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA........................................................................................421<br />
7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO… ........................................................423<br />
7.5 - Links –.....................................................................................................................425<br />
7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)............................................................................................427<br />
7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas… ......................................................................429<br />
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Este trabalho foi acabado de realizar e<br />
imprimir<br />
1º por JORAGA Amstrad pcw8256<br />
1º de Maio de 1989<br />
Penedo Gordo, Beja<br />
e posteriormente, por<br />
@ JORAGA – C 486-66c – WinWord,<br />
Hewlett Packard Desk Jet 550C<br />
Penedo Gordo, Beja 1994/95<br />
no Verão de 1995 e em Julho de 1998,<br />
e finalmente em Setembro de 2008, Corroios, Seixal,<br />
com todos os direitos reservados por:<br />
em em viagem...<br />
viagem...<br />
JORAGA<br />
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O TOURO E A COBRA – e <strong>outras</strong> <strong>LENDAS</strong> de <strong>BEJA</strong><br />
Viagens do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através da fantasia<br />
JRG 2008.07<br />
lendo<br />
<strong>LENDAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>BEJA</strong> - O TOURO E A COBRA<br />
e <strong>outras</strong> <strong>lendas</strong><br />
a ler nas letras das estrelas<br />
ou<br />
A HUMANIDA<strong>DE</strong> A CRESCER PARA A LIBERDA<strong>DE</strong><br />
ou<br />
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano<br />
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