A criação de um programa de formação do ... - Jurandir Santos
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A CRIAÇÃO DE UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO PARA A<br />
INTERVENÇÃO DA VIOLÊNCIA ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES 1<br />
Res<strong>um</strong>o<br />
1<br />
<strong>Jurandir</strong> <strong>do</strong>s <strong>Santos</strong> 2<br />
Em 2008 comemoramos os 18 anos <strong>do</strong> Estatuto da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente e os<br />
60 anos da Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos H<strong>um</strong>anos, no entanto, conforme<br />
amplamente difundi<strong>do</strong> na mídia, a família, a socieda<strong>de</strong> e o Esta<strong>do</strong> ainda não se<br />
mostraram capazes <strong>de</strong> garantir a cidadania das crianças e <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes<br />
brasileiros, que continuam marginaliza<strong>do</strong>s, violenta<strong>do</strong>s, ameaça<strong>do</strong>s,<br />
menospreza<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>srespeita<strong>do</strong>s e reprodutores <strong>de</strong>ssa violência, assim, o objetivo<br />
<strong>de</strong>ste trabalho é subsidiar a <strong>criação</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>programa</strong> <strong>de</strong> combate à violência física e<br />
sexual contra a<strong>do</strong>lescentes, na faixa etária <strong>de</strong> 14 a 18 anos, participantes <strong>do</strong>s<br />
<strong>programa</strong>s ofereci<strong>do</strong>s pelo Senac <strong>de</strong> São Paulo, para que eles possam encontrar<br />
formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento saudável e reverter a rota <strong>de</strong> fracasso na sua história<br />
<strong>de</strong> vida. Conforme a literatura, a experiência e os relatos <strong>do</strong>s alunos recebi<strong>do</strong>s pela<br />
instituição, os próprios pais e parentes têm utiliza<strong>do</strong> diferentes formas <strong>de</strong> violência<br />
física, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> simples tapas até impensáveis formas <strong>de</strong> tortura ou atrocida<strong>de</strong>s,<br />
justifican<strong>do</strong> esses procedimentos como formas pedagógicas <strong>de</strong> “bem cuidar”. Dessa<br />
forma, essas relações patológicas <strong>de</strong>vem ser levadas ao questionamento social e<br />
aos profissionais que aten<strong>de</strong>m, pois o que se espera é que os pais cui<strong>de</strong>m <strong>de</strong> seus<br />
filhos e gostem <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>les. Finalizan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que o espaço educacional é<br />
<strong>um</strong> lugar privilegia<strong>do</strong>, na medida em que é possível <strong>de</strong>senvolver ações com esses<br />
meninos e meninas, juntos com a família e com as pessoas que os assiste,<br />
evitan<strong>do</strong>-se assim, o complô <strong>do</strong> silêncio e a reprodução da violência no seio da<br />
família.<br />
Palavras-chave: Violência Doméstica, Crianças e A<strong>do</strong>lescentes, Família.<br />
1 Trabalho apresenta<strong>do</strong> no VIII Simpósio Nacional <strong>de</strong> Práticas Psicológicas em Instituições – Atenção<br />
Psicológica: Experiência, Intervenção e Pesquisa, realiza<strong>do</strong> nos dias 17 e 18/10/08, pelo Laboratório <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s<br />
e Prática em Psicologia Fenomenológica Existencial – LEFE e pelo Laboratório <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Imaginário –<br />
LABI, <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Psicologia da Aprendizagem, <strong>do</strong> Desenvolvimento e da Personalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong><br />
Psicologia da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />
(http://www.lefeusp.net/arquivos_diversos/VIII_simposio_anpepp/interfaces_educacao_outras_areas/criacao_pr<br />
ograma_formacao_psicologo.pdf)<br />
2 www.jurandirsantos.com.br / contato@jurandirsantos.com.br
Introdução<br />
Este trabalho objetiva a <strong>criação</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>programa</strong> <strong>de</strong> <strong>formação</strong> <strong>do</strong> psicólogo<br />
para a prevenção e/ou para a intervenção nos casos <strong>de</strong> violência familiar<br />
direcionada a crianças e a<strong>do</strong>lescentes, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que eles possam<br />
encontrar formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento saudável e reverter as situações <strong>de</strong> auto-<br />
estima rebaixada, frustração, bloqueios emocionais, bem como o ciclo <strong>de</strong> história <strong>de</strong><br />
vida na herança familiar.<br />
I<strong>de</strong>ntificamos essa necessida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> inúmeros casos surgi<strong>do</strong>s nos<br />
<strong>programa</strong>s sociais ofereci<strong>do</strong>s pelo Senac São Paulo e em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> constatarmos o<br />
<strong>de</strong>spreparo com os profissionais que aten<strong>de</strong>m esses jovens, o que po<strong>de</strong> ser<br />
confirma<strong>do</strong> pela vasta literatura disponível, bem como também pela difusão da mídia<br />
pela problemática em questão.<br />
Focamos, em especial, jovens na faixa etária <strong>de</strong> 14 a 18 anos, participantes<br />
<strong>do</strong> Programa Educação Para o Trabalho 3 , com 330 horas <strong>de</strong> duração e que visa<br />
capacitar jovens <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s socialmente <strong>de</strong>sfavorecidas para o merca<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
trabalho, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> competências que agreguem valores sociais e<br />
comunitários, promoven<strong>do</strong> a valorização da cultura <strong>do</strong> trabalho e das sociais e<br />
possibilitan<strong>do</strong> a eles, atuar como agentes <strong>de</strong> trans<strong>formação</strong> familiar. O pré-requisito<br />
é que esses a<strong>do</strong>lescentes tenham, no mínimo 15 anos e concluí<strong>do</strong> a 7ª série <strong>do</strong><br />
ensino fundamental.<br />
Propomos então a contratação <strong>do</strong> profissional psicólogo para implantar e<br />
trabalhar com <strong>um</strong> <strong>programa</strong> <strong>de</strong> conscientização e no combate à violência <strong>do</strong>s jovens<br />
matricula<strong>do</strong>s nos <strong>programa</strong>s ofereci<strong>do</strong>s na instituição, conforme explora<strong>do</strong> neste<br />
trabalho.<br />
O problema da violência contra a criança e o a<strong>do</strong>lescente<br />
Em 2008 comemoramos os 60 anos da Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos<br />
H<strong>um</strong>anos, mesmo ano em que comemora<strong>do</strong>s os 18 anos <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong><br />
3 Vi<strong>de</strong> Portal <strong>do</strong> Senac São Paulo: www.sp.senac.br , on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>-se obter mais informações sobre o Programa.<br />
2
Estatuto da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente – ECA (BRASIL, 1990). A proposta <strong>de</strong>ssa Lei<br />
é <strong>de</strong> que a criança e o a<strong>do</strong>lescente <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> direitos para se<br />
tornarem cidadãos e assim, sujeitos <strong>de</strong> direito. No entanto o Esta<strong>do</strong>, a socieda<strong>de</strong>, a<br />
família ainda não se mostraram capazes <strong>de</strong> garantir a cidadania das crianças e <strong>do</strong>s<br />
a<strong>do</strong>lescentes brasileiros, que continuam marginaliza<strong>do</strong>s, violenta<strong>do</strong>s,<br />
<strong>de</strong>srespeita<strong>do</strong>s e reprodutores <strong>de</strong> toda essa violência a que são submeti<strong>do</strong>s, como<br />
vem sen<strong>do</strong> amplamente divulga<strong>do</strong> pela mídia, <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> geral.<br />
A psicanalista Fani Hisgail 4 rompe o tabu e aborda o mal-estar que o assunto<br />
da pe<strong>do</strong>filia é capaz <strong>de</strong> produzir nos pais e na socieda<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>spreparo para lidar<br />
com o tema. Lembra que <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a classificação da American Psychiatic<br />
Association, a pe<strong>do</strong>filia é <strong>um</strong> transtorno da preferência sexual infantil extrafamiliar e<br />
<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da Psicanálise, trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a perversão sexual, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o<br />
adulto toma a criança como seu objeto sexual.<br />
Em 1905, quan<strong>do</strong> Sigmund Freud escreveu Três Ensaios para <strong>um</strong>a Teoria da<br />
Sexualida<strong>de</strong>, classifica a criança como <strong>um</strong> perverso-polimorfo, ou seja, que ainda<br />
não tem <strong>um</strong> centro integra<strong>do</strong>r forma<strong>do</strong> e que mais tar<strong>de</strong> irá se concentrar na região<br />
genital propriamente dita e isso para o pedófilo é <strong>um</strong> “prato cheio” e que os efeitos<br />
da patologia <strong>de</strong>ssa pessoa “po<strong>de</strong> marcar para sempre alguém que ainda está se<br />
<strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> e começan<strong>do</strong> o trabalho <strong>de</strong> viver”, acrescenta Hisgail.<br />
Silva (in FERRARI e VECINA, 2002) <strong>de</strong>screve essas crianças e a<strong>do</strong>lescentes<br />
sem voz e sem vez, aprisionadas em <strong>um</strong>a relação assimétrica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, restan<strong>do</strong><br />
somente a eles estarem submissos à vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> outro, a renúncia <strong>do</strong> próprio <strong>de</strong>sejo<br />
e a vivenciarem o drama <strong>de</strong> terem o seu <strong>de</strong>senvolvimento físico e emocional<br />
prejudica<strong>do</strong>s, o que po<strong>de</strong> resultar também em severas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vinculação.<br />
Ce<strong>do</strong> ou tar<strong>de</strong>, acabam surgin<strong>do</strong> outras seqüelas que po<strong>de</strong>m expressar-se nas<br />
dificulda<strong>de</strong>s escolares, <strong>de</strong> relacionamento social, em distúrbios psicossociais,<br />
po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> inclusive, chegar à invali<strong>de</strong>z ou à morte por suicídio ou por homicídio.<br />
Soma<strong>do</strong> a essa problemática, a autora evi<strong>de</strong>ncia ainda a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gênero e <strong>de</strong> geração existente e que po<strong>de</strong> ser caracterizada pelo po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> mais<br />
forte, resultan<strong>do</strong> em maus tratos, em abuso sexual contra meninos e meninas, em<br />
negligência e em aban<strong>do</strong>no. Portanto, ao contrário <strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s necessários essas<br />
4 HISGAIL, Fani. O tabu e a verda<strong>de</strong>. Revista E, ano 15, n. 1, junho/2008, p. 34-35.<br />
3
crianças e a<strong>do</strong>lescentes são surra<strong>do</strong>s, queima<strong>do</strong>s, ameaça<strong>do</strong>s, menospreza<strong>do</strong>s,<br />
abusa<strong>do</strong>s sexualmente, entre outras barbáries.<br />
Os próprios pais, parentes e responsáveis pelas crianças têm utiliza<strong>do</strong><br />
diferentes formas <strong>de</strong> violência física, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>um</strong> simples tapa até impensáveis formas<br />
<strong>de</strong> tortura, justifican<strong>do</strong> esses procedimentos como forma <strong>de</strong> “bem cuidar” e<br />
utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> falas culturalmente aceitas como: “É <strong>de</strong> pequeno que se torce o<br />
pepino”, “É para o seu próprio bem”, etc. (pág. 76). E em geral, os que vitimizam<br />
justificam como atitu<strong>de</strong>s pedagógicas ou mesmo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da própria<br />
criança que apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, ainda acaba por ter que ass<strong>um</strong>ir a culpa <strong>do</strong>s seus<br />
próprios maus tratos.<br />
O papel da família<br />
Juntamos a essa análise os trabalhos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s por Reis (in LANE e<br />
CODO, 1984) que ao estudar a “instituição” família chega à conclusão <strong>de</strong> que para<br />
alguns ela é a base da socieda<strong>de</strong> e a garantia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida social equilibrada, cédula<br />
sagrada que <strong>de</strong>ve ser mantida intocável. Para outros, <strong>de</strong>ve ser combatida, pois<br />
representa <strong>um</strong> entrave ao <strong>de</strong>senvolvimento social, é on<strong>de</strong> as neuroses são<br />
fabricadas e on<strong>de</strong> se exerce a mais implacável <strong>do</strong>minação sobre as crianças e as<br />
mulheres. Porém, não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a importância da família, não<br />
somente em se tratan<strong>do</strong> das relações sociais, como também em se tratan<strong>do</strong> da vida<br />
emocional <strong>do</strong>s seus membros. É na mediação entre a família, o individuo e a<br />
socieda<strong>de</strong> que apren<strong>de</strong>mos a perceber o mun<strong>do</strong> e a <strong>de</strong>senvolvermos a nossa visão<br />
<strong>de</strong>le. É também a responsável pela <strong>formação</strong> da nossa primeira i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social.<br />
A família teria ainda a função <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a socialização básica n<strong>um</strong>a<br />
socieda<strong>de</strong> que tem sua essência no conjunto <strong>de</strong> valores e papéis. No entanto, Lane<br />
e Cobo (1984) apontam para a questão da i<strong>de</strong>ologia operada na família, pois <strong>um</strong>a<br />
primeira noção é veiculada principalmente pelos pais - que são os principais agentes<br />
da educação -, e ensinam a ver a família como algo natural e estrutural, assim,<br />
imutável. E <strong>de</strong>pois, passam a apresentar o mun<strong>do</strong> da mesma forma e todas as<br />
relações sociais. Portanto, a família se configura como o locus da estruturação da<br />
vida psíquica, pois é a maneira peculiar com que ela organiza a vida emocional <strong>do</strong>s<br />
4
seus membros que lhe permite transformar a i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong>minante em <strong>um</strong>a visão <strong>de</strong><br />
mun<strong>do</strong>, em <strong>um</strong> código <strong>de</strong> conduta e <strong>de</strong> valores que serão ass<strong>um</strong>i<strong>do</strong>s mais tar<strong>de</strong><br />
pelos indivíduos.<br />
Atualmente, o que era <strong>um</strong>a função quase exclusiva da família é hoje<br />
dissemina<strong>do</strong> por <strong>um</strong>a vasta gama <strong>de</strong> agentes sociais que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pré-escola<br />
até os meios <strong>de</strong> comunicação em massa, que utilizam a persuasão para impor os<br />
seus padrões <strong>de</strong> comportamento.<br />
De acor<strong>do</strong> com o ECA, infância é <strong>um</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta. Perío<strong>do</strong> que<br />
transcorre <strong>do</strong> nascimento até os <strong>do</strong>ze anos, quan<strong>do</strong>, por volta <strong>de</strong>ssa ida<strong>de</strong>,<br />
começam a surgir mudanças hormonais e físicas, características para o surgimento<br />
da fase seguinte, que é a a<strong>do</strong>lescência. Existe na criança <strong>um</strong> aparato fisiológico<br />
prefixa<strong>do</strong> e o meio ambiente po<strong>de</strong> servir como facilita<strong>do</strong>r para o seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento. Ela <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> outro para crescer, ganhar a sua individualida<strong>de</strong> e<br />
se <strong>de</strong>senvolver. Neste contexto, a função <strong>do</strong>s pais é a <strong>de</strong> ensinar e o conhecimento<br />
será transmiti<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma natural, através <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>. No entanto, os pais<br />
que não usam ou não sabem usar a autorida<strong>de</strong>, não conseguem passar para os<br />
filhos o que julgam importante ensinar. E a noção <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> se dará com o<br />
primeiro “não”, com as primeiras frustrações, que possibilitarão à criança, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discriminar o que é fantasia e o que é realida<strong>de</strong>.<br />
Entretanto, segun<strong>do</strong> Ferrari<br />
quan<strong>do</strong> ocorrem situações <strong>de</strong> vitimização física e sexual <strong>de</strong> crianças<br />
e a<strong>do</strong>lescentes na família, po<strong>de</strong>-se dizer que está diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> grave<br />
problema <strong>de</strong> relações entre pais e filhos, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação hierárquica<br />
que <strong>de</strong>teriorou (in FERRARI e VECINA, 2002, p. 40)<br />
E <strong>de</strong>ssa forma, as relações patológicas entre mãe, pai, filho(a, os, as) <strong>de</strong>vem<br />
ser levadas a questionamento pela socieda<strong>de</strong> e pelos profissionais que os aten<strong>de</strong>m,<br />
pois espera-se, universalmente, em todas as culturas, que os pais e mães cui<strong>de</strong>m<br />
bem <strong>de</strong> seus filhos e gostem <strong>de</strong>les.<br />
A autora afirma ainda que tanto a negligência emocional, a vitimação<br />
psicológica por parte <strong>do</strong>s pais, quanto o incesto ou abuso incestuoso <strong>de</strong>ixam sérias<br />
marcas na <strong>formação</strong> da personalida<strong>de</strong> da criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente. Em alg<strong>um</strong>as<br />
situações não há imposição pela força, mas há o abuso pela negligência às<br />
5
necessida<strong>de</strong>s básicas da criança, que são sempre postergadas ou esquecidas. Há<br />
casos ainda em que a criança é frequentemente h<strong>um</strong>ilhada, aviltada com palavras.<br />
A posição <strong>do</strong> adulto na família é <strong>de</strong>cisiva para <strong>de</strong>tectar porque ocorre a<br />
vitimação física, sexual ou psicológica contra a criança e o a<strong>do</strong>lescente, daí a<br />
importância <strong>de</strong> se observar e analisar o fenômeno <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s pais, pois<br />
em muitos casos, a criança é envolvida, “[...] a serviço da patologia <strong>do</strong> vínculo <strong>do</strong><br />
casal. Ela por si só não tem capacida<strong>de</strong> para engendrar, planejar toda a trama<br />
familiar da vitimação” (FERRARI, in FERRARI & VECINA, 2002, p. 43). Essas<br />
atitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s que vitimam po<strong>de</strong>m ainda ser relacionadas com a posse, <strong>do</strong>minação e<br />
po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> outro e da exacerbação da relação hierárquica que há entre pais e filhos.<br />
A violência e a agressão<br />
Entre os problemas estuda<strong>do</strong>s pela psicologia social, com sérios reflexos no<br />
núcleo familiar, está o comportamento anti-social, caracteriza<strong>do</strong> pela agressão. E<br />
quanto <strong>de</strong> nós não se sente até atraí<strong>do</strong>s por esse tipo <strong>de</strong> história agressiva ou<br />
interessa<strong>do</strong>s em ver <strong>de</strong> perto esses inci<strong>de</strong>ntes, inclusive, hoje em dia, as próprias<br />
crianças, não <strong>de</strong>monstram perplexida<strong>de</strong> como testemunhas ou cenas reais ou <strong>de</strong><br />
ficção, que exibem cenas <strong>de</strong> agressão e <strong>de</strong> violência.<br />
A violência não é <strong>um</strong> fenômeno recente, mas supomos viver em <strong>um</strong>a era em<br />
que a agressão ass<strong>um</strong>e gran<strong>de</strong> evolução na historia da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>. Os<br />
espetáculos <strong>do</strong> fenômeno da agressão na mídia é <strong>um</strong> bom exemplo da iminência da<br />
sua “naturalização”.<br />
A questão da violência no Brasil é muito séria e o próprio Governo tem<br />
registra<strong>do</strong> a sua preocupação com a <strong>criação</strong> <strong>do</strong> Programa Nacional <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública – Proasci 5 , com foco principal os jovens <strong>de</strong> 15 a 29 anos, a beira da<br />
criminalida<strong>de</strong> ou que se encontram ou estiveram em conflito com a lei.<br />
Segun<strong>do</strong> o Ministério da Justiça, esse <strong>programa</strong> é inédito porque articula<br />
políticas públicas com ações sociais, além disso, tentará combater não apenas as<br />
5 Em questão: Entrevista. Editada pela Secretaria <strong>de</strong> Comunicação Social da Presidência da República, n. 45.<br />
Brasília, 3 out 2007. Disponível em: http://www.gov.br/noticias/em_questao/.questao/ent45/view Acesso em: 14<br />
nov 2007.<br />
6
conseqüências da criminalida<strong>de</strong> e da violência, mas também as suas origens e as<br />
suas causas.<br />
A comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve funcionar como <strong>um</strong> eixo e, assim, outro <strong>programa</strong><br />
vincula<strong>do</strong> ao Pronasci é o “Mães da Paz”. Trata-se da i<strong>de</strong>ntificação e capacitação <strong>de</strong><br />
mulheres consi<strong>de</strong>radas lí<strong>de</strong>res em suas comunida<strong>de</strong>s para atuar no trabalho <strong>de</strong><br />
resgate <strong>de</strong>sses jovens em situação <strong>de</strong> risco, infracional ou já em conflito com a lei,<br />
encaminhan<strong>do</strong>-os para outros projetos vincula<strong>do</strong>s ao Pronasci.<br />
A violência é <strong>um</strong> problema social e precisa ser estuda<strong>do</strong> <strong>de</strong> diferentes<br />
maneiras. Além <strong>do</strong> a<strong>um</strong>ento, a vivência da violência por parte das crianças<br />
(KOLLER, 1999) é algo que preocupa a autora, que levanta as seguintes questões<br />
no seu estu<strong>do</strong>: Quais os tipos <strong>de</strong> violência? Por quais motivos surgem? Quais os<br />
mo<strong>do</strong>s pelos quais aparecem? Por que os tra<strong>um</strong>as surgem?<br />
Por sua vez, Pires (1999) conceitua diferentes formas <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica<br />
ou intrafamiliar que po<strong>de</strong>m ser agrupadas e <strong>de</strong>finidas como: física, sexual,<br />
psicológica e através da negligência.<br />
A<strong>do</strong>rno (2007) 6 não gosta <strong>de</strong> usar o conceito “cultura da violência”. Para ele,<br />
esse conceito é como se houvesse <strong>um</strong>a cultura à parte da cultura geral e isto,<br />
cientificamente, não acontece, o que ocorre são “traços da cultura que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a<br />
maneira, estão associa<strong>do</strong>s a outros traços <strong>de</strong> cultura”. O professor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o<br />
arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> até escrever a história social e política da violência e que<br />
esta sempre foi <strong>um</strong> recurso utiliza<strong>do</strong> nas relações <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e <strong>de</strong> man<strong>do</strong>, pois<br />
vivemos sim, em <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r, com muitas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
promover rupturas. Outro aspecto <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> por A<strong>do</strong>rno tem relação com a lei.<br />
Quan<strong>do</strong> ela não é universal e igual para to<strong>do</strong>s, os cidadãos ten<strong>de</strong>m a fazer<br />
prevalecer o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> mais forte.<br />
Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) apontam questões fundamentais da<br />
Psicologia Social acerca <strong>do</strong> tema: Existe <strong>um</strong>a propensão natural nos homens para<br />
agredir? Que circunstâncias ensejam ou predispõe as pessoas a atos <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> violência em relação aos outros? É possível controlar, reduzir ou prevenir a<br />
agressão? São questões que preten<strong>de</strong>mos discutir, principalmente com foco nas<br />
6 O Professor Sérgio A<strong>do</strong>rno é coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s da Violência da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo –<br />
USP e da cátedra Unesco/USP <strong>de</strong> Educação para a Paz, Direitos H<strong>um</strong>anos, Democracia e Tolerância.<br />
7
agressões ocasionadas nos lares e, fundamentalmente, ten<strong>do</strong> a criança e o jovem<br />
como vítima.<br />
Além disso, <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s afirma que, apesar <strong>de</strong> o<br />
comportamento agressivo <strong>do</strong>s animais po<strong>de</strong>r ser explica<strong>do</strong> por processos instintivos,<br />
em seres h<strong>um</strong>anos não há como admitir que ele seja regula<strong>do</strong> por impulsos internos,<br />
mas, sim, aprendi<strong>do</strong> com outros seres h<strong>um</strong>anos. E, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Bandura (1973),<br />
sen<strong>do</strong> aprendida, essa aprendizagem se processa <strong>de</strong> duas formas: Aprendizagem<br />
Instr<strong>um</strong>ental e Aprendizagem Observacional.<br />
No primeiro caso, qualquer comportamento, que é reforça<strong>do</strong> ou<br />
recompensa<strong>do</strong>, tem maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrer no futuro, assim, se <strong>um</strong>a pessoa<br />
age agressivamente e recebe recompensa, mais provavelmente repetirá esse<br />
comportamento em outras ocasiões. No segun<strong>do</strong> caso, a aprendizagem<br />
observacional ou mo<strong>de</strong>lação social constitui <strong>um</strong> méto<strong>do</strong> mais usual <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong><br />
comportamentos agressivos, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mos apren<strong>de</strong>r novos<br />
comportamentos pela observação das ações <strong>de</strong> outras pessoas, <strong>de</strong>signadas como<br />
mo<strong>de</strong>los.<br />
Berkowitz (1993) sugere que os seres h<strong>um</strong>anos parecem ter <strong>um</strong>a tendência<br />
inata para respon<strong>de</strong>r a estímulos ou situações sociais provoca<strong>do</strong>ras, investin<strong>do</strong><br />
contra eles <strong>de</strong> forma agressiva. Se haverá manifestação da ação agressiva<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> <strong>um</strong>a interação complexa entre tais propensões inatas, <strong>um</strong>a varieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> respostas inibi<strong>do</strong>ras aprendidas e a natureza precisa da situação social.<br />
Entre os fatores sociais <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>res da agressão cita<strong>do</strong>s por Berkowitz<br />
(1989) <strong>de</strong>stacamos: o efeito das armas, a provocação direta, a obediência à<br />
autorida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>sindividuação (quan<strong>do</strong> as pessoas não po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas, elas<br />
são mais propensas a exibir condutas anti-sociais), na influência da família e nas<br />
normas sociais.<br />
Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) citam ainda os fatores ambientais<br />
estimula<strong>do</strong>res da agressão, como por exemplo, o calor excessivo ou a<br />
superpopulação. Além disso, abordam os fatores pessoais instiga<strong>do</strong>res da agressão,<br />
caracteriza<strong>do</strong>s por indivíduos com os traços pessoais: extremamente competitivos,<br />
sempre apressa<strong>do</strong>s, irritadiços e hostis.<br />
8
Outro problema aponta<strong>do</strong> por esses autores é a influência <strong>de</strong> filmes e<br />
<strong>programa</strong>s <strong>de</strong> televisão violentos na manifestação <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>, pois sempre<br />
que se põe em relevo a questão polêmica Violência X Mídia, a discussão polariza-se<br />
em torno <strong>do</strong> seguinte eixo <strong>de</strong> discussão: a mídia cria <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> agressiva ou<br />
simplesmente reproduz e retrata <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> social violenta? Ao passo em que<br />
para alguns a mídia é a gran<strong>de</strong> responsável pela exacerbação e banalização da<br />
violência, atingin<strong>do</strong> especialmente as crianças, que por sua vez, crescem com essas<br />
influências e se tornam adultos, encaran<strong>do</strong> a agressivida<strong>de</strong> com naturalida<strong>de</strong> e sem<br />
perplexida<strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, quem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a mídia recorre à hipótese da catarse,<br />
sustentan<strong>do</strong> que assistir <strong>programa</strong>s violentos contribui para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar as tensões<br />
e energias agressivas. Porém, toma<strong>do</strong>s em conjunto, os estu<strong>do</strong>s acerca <strong>de</strong>ssa<br />
polêmica apontam para a conclusão <strong>de</strong> que a excessiva exposição à violência na<br />
mídia po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong> <strong>do</strong>s mais importantes fatores na <strong>de</strong>flagração da violência<br />
individual e coletiva.<br />
Os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Cia, Willians e Aiello (2005) discute ainda os comportamentos<br />
agressivos <strong>de</strong> crianças privadas <strong>do</strong> convívio da figura paterna. As investigações<br />
apontam para o fato <strong>de</strong> que a criança que vive com a privação paterna, em virtu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> situações <strong>de</strong> divórcio ou <strong>de</strong> outras situações que a prive <strong>de</strong>ste contato, po<strong>de</strong><br />
apresentar problemas no <strong>de</strong>senvolvimento e estar sujeita a fatores <strong>de</strong> risco.<br />
De <strong>um</strong> la<strong>do</strong> a agressão correspon<strong>de</strong> à forma, energia e motor que impulsiona<br />
a natureza h<strong>um</strong>ana, <strong>de</strong> outro, a violência é <strong>um</strong> produto bastar<strong>do</strong> da agressão. É a<br />
problemática que o Centro <strong>de</strong> Referência às Vítimas <strong>de</strong> Violências – CNRVV 7<br />
preten<strong>de</strong> estudar e atuar sobre os diversos aspectos:<br />
• funcionar em re<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> resgatar a cidadania da criança e <strong>do</strong><br />
a<strong>do</strong>lescente em situação <strong>de</strong> risco pessoal;<br />
• compor espaço <strong>de</strong> pesquisa, construção <strong>de</strong> conhecimento e prevenção <strong>de</strong><br />
situações <strong>de</strong> violência contra a criança e o a<strong>do</strong>lescente e a <strong>formação</strong> <strong>de</strong><br />
profissionais para a atuação na área, comprometi<strong>do</strong>s com a realida<strong>de</strong> social,<br />
bem como a sua trans<strong>formação</strong>;<br />
7 Começou em 1988, quan<strong>do</strong> a Clínica Psicológica <strong>do</strong> Instituto Se<strong>de</strong>s Sapientiae <strong>de</strong>senvolveu, pelo convênio<br />
com a então Secretaria <strong>do</strong> Menor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo, <strong>um</strong> trabalho na área <strong>de</strong> violência contra crianças e<br />
a<strong>do</strong>lescentes. Para mais informações ver Ferrari e Vecina na bibliografia <strong>de</strong>ste artigo.<br />
9
• <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos da criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente <strong>de</strong> toda violência, seja ela <strong>de</strong><br />
natureza física, sexual ou psicológica, respeitan<strong>do</strong> as propostas pelo ECA;<br />
• reconhecer a importância <strong>do</strong> trabalho da multiprofissional especializada com<br />
muitas abordagens, para o sucesso das ações direcionadas à problemática.<br />
(FERRARI e VECINA, 2002, p. 19).<br />
Vecina e Cais (in FERRARI e VECINA, 2002) sustentam que a violência<br />
constitui-se em <strong>um</strong>a forma para reconquistar espaços que foram retira<strong>do</strong>s<br />
socialmente, “[...] justifican<strong>do</strong>-se a agressão em função <strong>do</strong> <strong>de</strong>scaso <strong>do</strong> outro, da<br />
carência afetiva e material (p. 65). Por conseqüência, o ambiente é visto por essas<br />
crianças e a<strong>do</strong>lescentes como <strong>de</strong> falta e carência, sem possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> oferecer<br />
relações, pouco acolhe<strong>do</strong>r e afetivo, como local <strong>de</strong> risco e/ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição:<br />
ameaça<strong>do</strong>r, assusta<strong>do</strong>r, danoso, hostil, evasivo, <strong>de</strong>srespeitoso, que contém ou gera<br />
<strong>do</strong>r, tristeza e opressão. Nesse contexto, as autoras analisaram o espaço com<br />
relações permeadas <strong>de</strong> comportamentos competitivos e <strong>de</strong> disputa, invasão, roubo,<br />
agressivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>struição, sentimento <strong>de</strong> inveja, cobiça, ciúmes, dissimulação e<br />
traição (p. 67).<br />
Assim, a <strong>formação</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das crianças e <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes no<br />
ambiente hostil, no qual o silêncio, a impotência e a imobilida<strong>de</strong> transformam-se em<br />
manutenção <strong>de</strong> <strong>um</strong> ciclo perverso. E, para corrigir ou reverter esse quadro faz-se<br />
necessário ações voltadas ao grupo, envolven<strong>do</strong> não somente as crianças e os<br />
a<strong>do</strong>lescentes, como também os educa<strong>do</strong>res e a família. As ações <strong>de</strong>vem ainda<br />
contar com o apoio <strong>de</strong> diferentes esferas da socieda<strong>de</strong>, tais como: da justiça, da<br />
saú<strong>de</strong>, da educação, entre outras, o que possibilitará a <strong>criação</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> espaço<br />
com<strong>um</strong> <strong>de</strong> cooperação para que a marginalização não se repita.<br />
I<strong>de</strong>ntificação, encaminhamentos e tratamento às vítimas<br />
No que se refere ao papel <strong>do</strong> psicólogo na interação com a estrutura familiar,<br />
Libâneo (in LANE e CODO, 1984) sugere que <strong>de</strong>ve ser o <strong>de</strong> fornecer princípios <strong>do</strong><br />
comportamento h<strong>um</strong>ano, especialmente os relaciona<strong>do</strong>s com a aprendizagem<br />
escolar, para que sejam transforma<strong>do</strong>s em méto<strong>do</strong>s a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s às situações<br />
pedagógicas concretas.<br />
10
Portanto, enten<strong>de</strong>r o psicólogo <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> contexto pedagógico e social<br />
significa ass<strong>um</strong>ir a posição <strong>de</strong> que a escola é - para os alunos - <strong>um</strong>a mediação entre<br />
<strong>de</strong>terminantes gerais que caracterizam seus antece<strong>de</strong>ntes sociais e o seu <strong>de</strong>stino<br />
social <strong>de</strong> classe, assim sen<strong>do</strong>, a função da escola é estritamente social, seja no<br />
senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> adaptação à socieda<strong>de</strong> vigente, seja no senti<strong>do</strong> da sua trans<strong>formação</strong>.<br />
O trabalho terapêutico não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> contemplar <strong>um</strong>a escuta<br />
diferenciada, que proporcione levar os sujeitos a sustentar suas diferenças, sem, no<br />
entanto, excluí-los <strong>do</strong> espaço social mais amplo. Simultaneamente, os atendimentos<br />
<strong>de</strong>vem contemplar referenciais sociais que possibilitem alterar o quadro <strong>de</strong> violência<br />
implanta<strong>do</strong>.<br />
Já o artigo 245 <strong>do</strong> ECA <strong>de</strong>termina:<br />
Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento <strong>de</strong><br />
atenção à saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ensino fundamental, pré-escolar ou creche, <strong>de</strong><br />
comunicar à autorida<strong>de</strong> competente os casos <strong>de</strong> que tenha<br />
conhecimento, envolven<strong>do</strong> suspeita ou confirmação <strong>de</strong> maus-tratos<br />
contra criança e a<strong>do</strong>lescentes.<br />
Além <strong>de</strong> vários problemas físicos, Sco<strong>de</strong>lário (in FERRARI e VECINA, 2002)<br />
lembra que a violência familiar po<strong>de</strong> causar às vítimas, diversos problemas<br />
emocionais, profun<strong>do</strong>s e dura<strong>do</strong>uros, como a <strong>de</strong>pressão crônica, a auto-estima<br />
rebaixada, embotamento <strong>do</strong>s afetos e o isolamento social. Concordamos com o<br />
autor quan<strong>do</strong> pontua que<br />
o espaço educacional é <strong>um</strong> lugar privilegia<strong>do</strong>, na medida em que é<br />
possível <strong>de</strong>senvolver ações com crianças/a<strong>do</strong>lescentes, com suas<br />
famílias e com os profissionais que com eles trabalham. É também<br />
on<strong>de</strong> os jovens passam muitas horas, possibilitan<strong>do</strong> aos profissionais<br />
observá-los cuida<strong>do</strong>samente e, assim, i<strong>de</strong>ntificar situações <strong>de</strong><br />
violência ou risco pessoal e realizar os encaminhamentos<br />
necessários, bem como o acompanhamento posterior que se faz<br />
imprescindível (p. 220).<br />
E o complô <strong>do</strong> silêncio é <strong>um</strong> <strong>do</strong>s fatores que mais favorece a contribuição e a<br />
reprodução da violência <strong>de</strong>ntro da mesma família, em especial nos casos <strong>de</strong> abuso<br />
sexual. Esse silêncio é manti<strong>do</strong> tanto pelos agentes das agressões quanto pelas<br />
vítimas e <strong>de</strong>mais membros envolvi<strong>do</strong>s.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, a pessoa vitimizada, muitas vezes, nega o que está ocorren<strong>do</strong><br />
e sentin<strong>do</strong>, mesmo estan<strong>do</strong> gravemente ferida ou tra<strong>um</strong>atizada. Quebrar o silêncio e<br />
pedir ajuda po<strong>de</strong> significar a <strong>de</strong>struição da família, ser consi<strong>de</strong>rada culpada, sentir<br />
11
me<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser retirada <strong>do</strong> lar, <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o amor <strong>do</strong>s pais e/ou <strong>de</strong> outras pessoas <strong>do</strong><br />
seu convívio, além <strong>de</strong> outras ameaças ou fantasias, conscientes ou inconscientes.<br />
Garcia (in FERRARI e VECINA, 2002) aconselha para a área da saú<strong>de</strong>, da<br />
educação e <strong>de</strong> outras, que o profissional que i<strong>de</strong>ntifica <strong>um</strong>a situação <strong>de</strong> violência<br />
<strong>de</strong>ve elaborar estratégias <strong>de</strong> não se tornar conivente e interromper a situação <strong>de</strong><br />
vitimação. Complementa reforçan<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acreditar na criança, oferecer<br />
proteção e oficializar <strong>um</strong>a <strong>de</strong>núncia.<br />
Para Mattos (in FERRARI e VECINA, 2002) trabalhar terapeuticamente com<br />
famílias abusivas e/ou promover ações preventivas ao uso da punição corporal e à<br />
violência intra-familiar em comunida<strong>de</strong>s significa questionar essa prática e propor<br />
alternativas para que as famílias se aproximem <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> educação. Reforçamos<br />
sugerin<strong>do</strong> orientar as pessoas envolvidas, que crianças maltratadas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />
próprio lar, gravam e transmitem às gerações posteriores, esses padrões <strong>de</strong><br />
condutas e formas <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>.<br />
E como forma <strong>de</strong> manter a vítima estruturada, propõe <strong>de</strong>senvolver <strong>um</strong><br />
trabalho foca<strong>do</strong> na parte não comprometida <strong>do</strong> psiquismo, isto é, os potenciais<br />
cognitivos e emocionais <strong>de</strong>las, sempre respeitan<strong>do</strong> o tempo <strong>de</strong>ssas crianças e<br />
a<strong>do</strong>lescentes, possibilitan<strong>do</strong>-lhes esquecer o tra<strong>um</strong>a, mas sempre lembran<strong>do</strong> que<br />
superar esses conflitos é diferente <strong>de</strong> negá-los.<br />
O profissional <strong>de</strong>ve ter em mente as resistências e os boicotes que po<strong>de</strong>rão<br />
surgir ao longo <strong>do</strong> tratamento, em especial, por parte <strong>do</strong>s pais, que, na maioria das<br />
vezes, <strong>de</strong>sejam esquecer tu<strong>do</strong> o que aconteceu e voltar à “normalida<strong>de</strong>” e assim,<br />
evitar terem que passar pelo <strong>do</strong>loroso processo <strong>de</strong> reviver e elaborar seus próprios<br />
sentimentos, pois <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Vecina (in FERRARI e VECINA, 2002), a literatura<br />
e a experiência clínica confirmam que, geralmente, as pessoas que vitimizam<br />
também foram invadidas, que foram objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> outras pessoas, seja física,<br />
sexual ou psicologicamente, no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>las e que não<br />
tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivenciar, no seu processo <strong>de</strong> <strong>formação</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />
cuida<strong>do</strong>s e proteção que permitissem o preparo <strong>do</strong>s papéis <strong>de</strong> protetor e <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> outro. Dessa forma, quem vitimiza, seja pela ação ou por omissão, revive sua<br />
própria vitimação com a mesma sensação <strong>de</strong> se sentir “sem saída”. (págs. 204-205).<br />
12
violência:<br />
Azeve<strong>do</strong> e Guerra (1995) sugerem três níveis <strong>de</strong> prevenção a esse tipo <strong>de</strong><br />
• Primária: dirigida a toda a população por meio <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> <strong>programa</strong>s e<br />
campanhas com objetivo <strong>de</strong> reduzir a incidência ou o índice <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong><br />
novos casos;<br />
• Secundária: quan<strong>do</strong> se i<strong>de</strong>ntifica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção para cada<br />
caso específico em populações <strong>de</strong> risco;<br />
• Terciária: quan<strong>do</strong> vítimas e agressores necessitam <strong>de</strong> <strong>um</strong> trabalho<br />
Conclusão<br />
especializa<strong>do</strong> para atendimento e tratamento para as conseqüências<br />
advindas.<br />
Apesar <strong>de</strong> a violência não ser <strong>um</strong> problema social recente, lamentavelmente<br />
apresenta gran<strong>de</strong> avanço nessa era em que vivemos, assim, necessita ser estudada<br />
<strong>de</strong> diferentes formas. E conforme discuti<strong>do</strong>, os comportamentos agressivos ou<br />
violentos estão associa<strong>do</strong>s a vários transtornos e po<strong>de</strong>m gerar marcas profundas e<br />
por vezes, irreversíveis se não diagnosticadas e tratadas a tempo. Assim, a atuação<br />
<strong>do</strong> psicólogo se torna fundamental no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> sensibilizar os agentes<br />
educacionais, os pais, os parentes e toda a comunida<strong>de</strong> para o problema e buscar<br />
formas eficazes <strong>de</strong> intervenção, encaminhamento e tratamento não somente das<br />
vítimas, como também <strong>do</strong>s vitima<strong>do</strong>res, interrompen<strong>do</strong> o ciclo vicioso.<br />
Ferrari (in FERRARI e VECINA, 2002, p. 40) aponta para o fato <strong>de</strong> que a<br />
evidência <strong>de</strong> maus tratos, <strong>de</strong> abuso e <strong>de</strong> exploração sexual contra crianças e<br />
a<strong>do</strong>lescentes começam a incomodar a socieda<strong>de</strong> brasileira, segun<strong>do</strong> levantamentos<br />
feitos pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística - IBGE, que vem analisan<strong>do</strong><br />
os indica<strong>do</strong>res sociais como mortalida<strong>de</strong> infantil, expectativa <strong>de</strong> vida, índice <strong>de</strong><br />
analfabetismo, renda per capita, e pelo Fun<strong>do</strong> das Nações Unidas para a infância –<br />
UNICEF, que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma inicia o levantamento e o enfrentamento da<br />
problemática.<br />
13
Finalizan<strong>do</strong>, com base nas discussões e propostas apresentadas,<br />
acreditamos po<strong>de</strong>r proporcionar melhor bem estar social e psicológico aos jovens<br />
atendi<strong>do</strong>s pela instituição, bem como aos seus progenitores ou responsáveis,<br />
evitan<strong>do</strong>-se assim, o ciclo <strong>de</strong> violência, principalmente, aquele proveniente <strong>do</strong><br />
próprio lar.<br />
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