Supply chain e incompletude contratual - Systemas - Revista de ...
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1 – INTRODUÇÃO<br />
<strong>Supply</strong> <strong>chain</strong> e <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>contratual</strong><br />
Rachel Sztjan ∗<br />
A introdução da idéia <strong>de</strong> <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> contratos que, com o relaxamento <strong>de</strong><br />
premissas provindas da escola <strong>de</strong> economia clássica, não <strong>de</strong>ve ser ignorada pelos juristas. É<br />
que essa concepção, que torna a leitura do clausulado <strong>contratual</strong> menos rígida, constitui<br />
importante ferramenta para compreen<strong>de</strong>r e interpretar acordos insertos em operações <strong>de</strong><br />
longo prazo ajustadas entre empresas.<br />
Nas economias mo<strong>de</strong>rnas que se caracterizam pela formação <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ias<br />
produtivas, com amplo predomínio da especialização, prática que gera ganhos <strong>de</strong><br />
produtivida<strong>de</strong>, e aumenta a eficiência produtiva, a <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>contratual</strong> é recorrente.<br />
Essa estrutura industrial, típica das nações mais <strong>de</strong>senvolvidas, vem sendo<br />
replicada em países em <strong>de</strong>senvolvimento sem que, contudo, venha acompanhada <strong>de</strong><br />
disciplina jurídica distinta do trato usual dos contratos bilaterais.<br />
Uma dificulda<strong>de</strong> que não se costuma ter presente é que, para que a especialização<br />
chegue aos <strong>de</strong>sejados ganhos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e eficiência, os elos da ca<strong>de</strong>ia produtiva<br />
<strong>de</strong>vem ser estáveis sem o que o processo <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> bens em produtos – final ou<br />
intermediário –assentado que está em contratos <strong>de</strong> longo prazo e <strong>de</strong> execução continuada,<br />
imporá elevados custos <strong>de</strong> transação, reduzindo o bem-estar da comunida<strong>de</strong>.<br />
A garantia <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> da oferta, que satisfaz necessida<strong>de</strong>s individuais,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a organização da produção seja igualmente estável permitindo alguma<br />
previsibilida<strong>de</strong> pelos agentes econômicos ao se programarem para aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda.<br />
Em boa medida po<strong>de</strong>-se compreen<strong>de</strong>r as noções <strong>de</strong> Adam Smith, que se referia a<br />
agentes egoístas os quais, tratando <strong>de</strong> maximizar seu ganho, tornariam a produção cada vez<br />
mais eficiente, especializar-se-iam e, <strong>de</strong>ssa forma, o mercado funcionaria <strong>de</strong> maneira<br />
satisfatória aten<strong>de</strong>ndo às necessida<strong>de</strong>s e interesses das pessoas.<br />
Doutora e Livre-Docente em Direito pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (USP).<br />
1
Os esforços exigidos para alcançar a especialização requerem investimentos<br />
atuais mas, cujos resultados, aparecerão em momento futuro; a combinação - investimento<br />
atual e resultado futuro - implica aceitar riscos <strong>de</strong> várias espécies, como, por exemplo,<br />
mudanças nas preferências das pessoas, obsolescência dos produtos, ou alterações <strong>de</strong><br />
políticas econômicas, por exemplo.<br />
A pergunta feita pelos economistas – como dispor a respeito da partilha <strong>de</strong><br />
direitos, <strong>de</strong>veres e obrigações no momento da celebração do contrato quando a execução se<br />
<strong>de</strong>r em data futura – dado que não há como garantir que as previsões relativas aos possíveis<br />
ou prováveis eventos futuros estejam baseadas em informação perfeita e completa, não tem<br />
resposta única e amplamente satisfatória.<br />
É certo que o equilíbrio do contrato e a eficiência das alocações iniciais po<strong>de</strong>rão<br />
ser comprometidos em razão do que se <strong>de</strong>nomina <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>contratual</strong>, a falta <strong>de</strong><br />
previsão sobre esses tais eventos futuros, sobre a repartição dos efeitos <strong>de</strong>les <strong>de</strong>rivados<br />
entre partes contratantes.<br />
Investigando práticas negociais correntes nas socieda<strong>de</strong>s, é fácil notar que a<br />
premissa sobre a qual se baseia a economia clássica – disponibilida<strong>de</strong> e amplitu<strong>de</strong> da<br />
divulgação <strong>de</strong> informações entre contratantes – não é real. Quando da análise <strong>de</strong> contratos<br />
<strong>de</strong> longo prazo, a <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> informacional é superada pelo argumento <strong>de</strong> que as partes,<br />
racionalmente, ten<strong>de</strong>m a promover, na celebração do contrato, uma primeira divisão <strong>de</strong><br />
riscos, ou que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> fazê-lo postergando a discussão sobre os efeitos <strong>de</strong> contingências<br />
futuras para o momento em que estas, ocorrendo, afetarem as prestações ou a divisão<br />
inicial <strong>de</strong> riscos.<br />
Conforme a propensão ou aversão ao risco (ganhos ou perdas), as partes tentam<br />
disciplinar os efeitos <strong>de</strong> eventos previsíveis ex ante, ou <strong>de</strong>ixam para momento futuro a<br />
adoção <strong>de</strong> medidas corretivas, dispondo ex post, se ou quando vierem a ocorrer. Certo é<br />
que, ainda quando as partes possam prever alguns eventos, dificilmente todas as possíveis<br />
contingências estarão disciplinadas ex ante. A ausência <strong>de</strong> disciplina torna os contratos<br />
incompletos e, como se trata <strong>de</strong> eventos futuros, evi<strong>de</strong>nte que o tema esta relacionado com<br />
a celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> longo prazo – <strong>de</strong> execução continuada ou diferida – não<br />
interessando àqueles negócios <strong>de</strong> execução instantânea.<br />
2
Note-se que para os economistas a maximização <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>s, a perseguição da<br />
alocação eficiente <strong>de</strong> recursos, em face da dinâmica <strong>de</strong> mercados e da assimetria <strong>de</strong><br />
informações – afastado o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> perfeita – é a base para a discussão dos<br />
contratos incompletos.<br />
O equilíbrio, no plano econômico, entre direitos, <strong>de</strong>veres e obrigações das partes,<br />
também caro ao direito, está atrelado a uma complexa teia <strong>de</strong> eventos que po<strong>de</strong>m<br />
transformar ganhos em perdas. Mudanças das estruturas <strong>de</strong> mercados <strong>de</strong>sequilibram ou<br />
tornam menos eficientes operações <strong>de</strong> longo prazo já em curso. É que, se as partes<br />
pu<strong>de</strong>ssem prever o fato, provavelmente formulariam regras para ajustar a operação ao<br />
evento <strong>de</strong> forma a dar-lhe disciplina. Por exemplo, a redução da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> um bem<br />
<strong>de</strong>veria ser acompanhada <strong>de</strong> redução da quantida<strong>de</strong> fornecida, ou <strong>de</strong> redução do preço a fim<br />
<strong>de</strong> incentivar o consumo; <strong>de</strong> outro lado o aquecimento do consumo seria acompanhado <strong>de</strong><br />
aumento da quantida<strong>de</strong> fornecida e do preço, refletindo o equilíbrio entre partes, ajustando<br />
a oferta à <strong>de</strong>manda (capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong>sejo pelo bem).<br />
As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ajuste instantâneo da produção em face das mudanças acima é<br />
que leva economistas a afirmem que, dificilmente, contratos <strong>de</strong> longo prazo são completos;<br />
que, à falta <strong>de</strong> informações completas, e em virtu<strong>de</strong> da racionalida<strong>de</strong> viesada, as <strong>de</strong>cisões<br />
são tomadas com base no universo <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> cada parte e naquilo que,<br />
razoavelmente, seria possível prever em termos <strong>de</strong> mudanças futuras.<br />
Logo não estranha a inexistência (falta <strong>de</strong> previsão e não imprevisão como<br />
po<strong>de</strong>ria parecer) <strong>de</strong> disposição <strong>contratual</strong> que reflita, <strong>de</strong> maneira completa e consertada,<br />
ações <strong>de</strong>stinadas a harmonizar, <strong>de</strong> forma eficiente e equilibrada, a relação negocial<br />
abrangendo todos os diferentes “estados da natureza”. 1<br />
Não convence a tentativa <strong>de</strong> pressupor que as pessoas agiram <strong>de</strong> forma<br />
imprevi<strong>de</strong>nte, afirmar que a questão apresentada pelos economistas não interessa ao Direito<br />
porque fundada em equilíbrio econômico. Esse argumento que não leva em conta que o<br />
contrato é a vestimenta legal da operação econômica, igualmente toma as pessoas como<br />
pouco ou nada inteligentes.<br />
Também não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar – e a dificulda<strong>de</strong> já foi incorporada pelo sistema<br />
jurídico – que as informações das partes são simétricas, sem, porém, levar em conta o fato<br />
1 Economistas <strong>de</strong>nominam “estados da natureza” às condições atuais ou futuras que as partes levem em<br />
consi<strong>de</strong>ração ao negociar.<br />
3
<strong>de</strong> que, dado o viés <strong>de</strong> conhecimento, as pessoas po<strong>de</strong>m ser igualmente afetadas quando<br />
não sejam especialistas na área. Também não se <strong>de</strong>ve sempre consi<strong>de</strong>rar que a assimetria<br />
informacional existe porque uma das partes é visivelmente vulnerável frente à outra, nem<br />
ignorar que, muitas vezes, as circunstâncias favorecem ou estimulam o oportunismo,<br />
permitindo que uma das partes tome a outra como refém.<br />
Todos esses problemas aparecem no cotidiano das organizações empresariais nas<br />
quais a busca <strong>de</strong> cooperação para manter a estabilida<strong>de</strong> da oferta é vital. Até mesmo a<br />
distribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res (jus variandi) ou a governança atribuída a uma das partes tem<br />
relevância no que diz respeito à cooperação.<br />
Discussões sobre contratos incompletos não são estranhas do direito, estando<br />
incorporadas, sob diferentes roupagens, nas normas como já observara Stefano Rodotá, 2 o<br />
qual, reconhecendo que a realida<strong>de</strong> social importa e que, mesmo que não se leve em conta<br />
todas as possíveis relações dos dados sociais no contrato, isso não exclui que tais realida<strong>de</strong>s<br />
e dados sociais venham incorporados nas estratégias negociais, aduzindo que estariam<br />
melhor equacionadas em mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> auto-integração.<br />
Os remédios existentes nos sistemas jurídicos <strong>de</strong> direito codificado, em regra<br />
pensados e <strong>de</strong>senvolvidos para resolver questões pontuais, nem sempre predispostos para<br />
aplicações em face <strong>de</strong> operações seqüenciais, cujos efeitos da paralisação <strong>de</strong> um dos elos da<br />
ca<strong>de</strong>ia não se propaga, não se presta para o trato das dificulda<strong>de</strong>s.<br />
É preciso consi<strong>de</strong>rar que iniciativa econômica, ativida<strong>de</strong> empresária e<br />
regulamento <strong>contratual</strong>, quando os contratos <strong>de</strong>finem ou estruturam uma ca<strong>de</strong>ia produtiva,<br />
formam um nexo único. Focar a atenção em estruturas segmentadas do processo produtivo<br />
não aten<strong>de</strong> às necessida<strong>de</strong>s em período <strong>de</strong> economia globalizada.<br />
Institutos jurídicos como a resolução do contrato por onerosida<strong>de</strong> excessiva<br />
superveniente, impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprimento da prestação, teoria da imprevisão,<br />
contratação em estado <strong>de</strong> perigo ou necessida<strong>de</strong>, não se coadunam com a estabilida<strong>de</strong><br />
necessária para o bom resultado das relações no exercício da empresa.<br />
2 Le fonti di Integrazione <strong>de</strong>l Contratto. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1970, pp. 06-07: In altri termini,<br />
non è soltanto nei casi di oggettiva inidoneità ad operatr <strong>de</strong>l regolamento predisposto dalle parti Che può<br />
aver luogo il ricorso agli strumenti integratvi .... ... l’interpretazione non veniva più limitata ad una<br />
funzione circoscritta <strong>de</strong>ll’ambitostrettamente colontaristico. ... si pren<strong>de</strong>vano le mosse anche dalla<br />
situazione ambientale in cui ol contratto s’era originato ed era <strong>de</strong>stinato ad operare, ... .<br />
4
A organização da ativida<strong>de</strong> econômica, na qual a distribuição <strong>de</strong> riscos 3 e perdas<br />
entre agentes influi na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões econômica tanto quanto a confiança entre partes,<br />
parceiros, é primordial para criar bem-estar. E, quando isto se dá no comércio<br />
internacional, os efeitos atribuídos a tais fatores são potencializados, notadamente quando a<br />
reparação <strong>de</strong> eventual dano passa pelo crivo das organizações multilaterais, casos em que<br />
se impõe a intervenção do Estado, o que é fonte adicional <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> transação que<br />
po<strong>de</strong>m contribuir para alguma <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> dos contratos.<br />
A complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas operações <strong>de</strong> comércio internacional em que há vazios,<br />
ambigüida<strong>de</strong>s ou lacunas no clausulado negocial, quando o idioma po<strong>de</strong> constituir barreira<br />
para a exata compreensão do regramento, acomoda bem a idéia <strong>de</strong> contrato incompleto dos<br />
economistas, sendo, talvez, mais evi<strong>de</strong>nte a importância <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r os argumentos em que<br />
se baseiam ao discutir eficiência e incentivos das partes; em que o receio <strong>de</strong> que<br />
complementos feitos por terceiros, cujas informações sobre o negócio serão sempre <strong>de</strong> pior<br />
qualida<strong>de</strong> do que a das partes, inclusive a da menos informada, são vistos como fontes <strong>de</strong><br />
dificulda<strong>de</strong>s; quando se referem a incentivos corretos para o sucesso das operações.<br />
A lógica <strong>de</strong> cláusulas existentes em contratos <strong>de</strong> transporte ou <strong>de</strong> fornecimento<br />
trans-fronteiras, a rigi<strong>de</strong>z do instrumento <strong>de</strong> contrato ou, inversamente, sua flui<strong>de</strong>z,<br />
<strong>de</strong>stinam-se a manter a estabilida<strong>de</strong> das ca<strong>de</strong>ias produtivas que não convive bem com<br />
incertezas, particularmente as <strong>de</strong> natureza jurídica. Tudo isso, insiste-se, aumenta custos <strong>de</strong><br />
transação que, por vezes, levam à <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> dos contratos internacionais <strong>de</strong><br />
fornecimento.<br />
2 – CUSTOS DE TRANSAÇÃO<br />
Transação é, para economistas, qualquer operação econômica que promova a<br />
circulação <strong>de</strong> riqueza na socieda<strong>de</strong>. Custos <strong>de</strong> transação são aqueles incorridos na<br />
realização <strong>de</strong> uma tal operação, representados, ou não, por dispêndios financeiros, mas que<br />
3 O termo risco é empregado no sentido que lhe dão os estatísticos <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> ocorrência<br />
<strong>de</strong> um evento em relação à média; risco, estatisticamente, é variância. Em direito vem associado à idéia <strong>de</strong><br />
noção <strong>de</strong> e não naquele usualmente utilizado em Direito como fator que provoca perdas. Riscos po<strong>de</strong>m ser<br />
positivos (gerar ganhos) ou negativos (impor perdas), muitos até previsíveis como são os seguráveis. A<br />
palavra risco significa <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> alguma média ou mudança <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio padrão <strong>de</strong> um fenômeno. Eventos da<br />
natureza, factum principis, são riscos exatamente porque fogem do padrão <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong>, não porque<br />
causam perdas.<br />
5
<strong>de</strong>correm do conjunto <strong>de</strong> ações e medidas adotadas por cada pessoa (ou parte) antes,<br />
durante e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> consumada a operação econômica.<br />
Custos <strong>de</strong> transação são o esforço na procura <strong>de</strong> bens em mercados, a análise<br />
comparativa <strong>de</strong> preço e qualida<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> tomar a <strong>de</strong>cisão, o <strong>de</strong>senho da garantia quanto<br />
ao cumprimento das obrigações pela outra parte, a certeza do adimplemento, seguro e a<br />
tempo, as garantias que se exija para fazer frente a eventual inadimplemento ou<br />
adimplemento imperfeito pela contraparte, a redação <strong>de</strong> instrumentos contratuais que<br />
reflitam as tratativas entre contratantes e disponham sobre direitos, <strong>de</strong>veres e obrigações.<br />
Cuidados e tempo <strong>de</strong>spendido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da procura pelo bem, passando pela<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> realizar a operação ou transação, o cumprimento <strong>de</strong> todas as obrigações pelas<br />
partes contratantes e as garantias para tanto, incluindo as relacionadas a eventual<br />
inadimplemento – custo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandar em juízo ou qualquer forma <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />
controvérsias – são, pois, custos <strong>de</strong> transação.<br />
Incertezas são custos <strong>de</strong> transação e, quanto maiores forem, mais expressivos<br />
serão o custos <strong>de</strong> transação imputados àquela operação.<br />
Deve-se a Ronald H. Coase o abandono da visão da economia clássica para<br />
incorporar a noção <strong>de</strong> custo <strong>de</strong> transação às <strong>de</strong>cisões dos agentes econômicos. Em 1937,<br />
em The Nature of the Firm, atualmente em The Firm, The Market and The Law, 4 Coase<br />
explica a constituição <strong>de</strong> empresas como mecanismo <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> transação<br />
usualmente incorridos quando realizados em mercados concorrenciais. Afirma que<br />
empresas são feixes <strong>de</strong> contratos que existem em coor<strong>de</strong>nação com mercados. 5<br />
A idéia <strong>de</strong> Coase é que contratos <strong>de</strong> longo prazo evitam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, com<br />
freqüência, recorrer a mercados facilitando a estabilida<strong>de</strong> da produção; e, <strong>de</strong> outro lado,<br />
sabe-se que esses mesmos contratos nem sempre produzirão o resultado mais eficiente em<br />
termos <strong>de</strong> alocação <strong>de</strong> riqueza, uma vez que não há como aproveitar as oscilações típicas<br />
da dinâmica dos mercados.<br />
Retomando o tema <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> transação, em escrito <strong>de</strong> 1961, conhecido como<br />
Teorema <strong>de</strong> Coase, o autor discute o problema da diferença entre ganho social líquido e<br />
benefício particular explicando que o sistema <strong>de</strong> normas positivadas <strong>de</strong>veria ter levar em<br />
4 Chicago / London: The University of Chicago Press, 1990.<br />
5 Há economistas que consi<strong>de</strong>ram as empresas nexos <strong>de</strong> contratos.<br />
6
conta as externalida<strong>de</strong>s produzidas, isto é, custos não suportados direta e individualmente<br />
pelo agente mas que oneram a coletivida<strong>de</strong> em benefício daquele.<br />
Sobre contratos Coase afirma que quando as partes po<strong>de</strong>m exigir a execução dos<br />
contratos em virtu<strong>de</strong> da convergência <strong>de</strong> interesses, não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas<br />
indutoras <strong>de</strong> resultado eficiente porque se não houver custos <strong>de</strong> transação, basta que as<br />
regras especifiquem quem suporta quais custos <strong>de</strong> externalida<strong>de</strong>s.<br />
Normas supletivas para distribuição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s seriam <strong>de</strong>snecessárias,<br />
já que as partes <strong>de</strong>terminarão, <strong>de</strong> forma eficiente, a repartição das vantagens e ônus entre<br />
elas. A distinção entre produtos sociais e privados vem associada às alocações em sistema<br />
que ten<strong>de</strong> a se auto-alimentar, e cujas mudanças po<strong>de</strong>m produzir danos maiores do que os<br />
originais 6 .<br />
Assemelhando, para fins <strong>de</strong> raciocínio, os fatores da produção a direitos,<br />
consi<strong>de</strong>ra-se que são passíveis <strong>de</strong> apropriação e transmissão, <strong>de</strong> sorte que alguns<br />
inconvenientes na distribuição <strong>de</strong> direitos seriam aceitáveis se, na escolha entre diferentes<br />
arranjos sociais, as <strong>de</strong>cisões produzirem ganhos sociais.<br />
Segundo Coase, sem consi<strong>de</strong>rar os custos envolvidos na operação <strong>de</strong>sses vários<br />
arranjos sociais, uma ou outra solução <strong>de</strong>ve levar em conta o efeito total, o custo social em<br />
comparação com o individual, <strong>de</strong> regra as análises, fruto <strong>de</strong> comparação entre o liberalismo<br />
e algum mundo i<strong>de</strong>al, estão na base dos argumentos <strong>de</strong> alguns, mas, melhor seria começar a<br />
análise por situações reais, concretas e examinar os efeitos da proposta <strong>de</strong> mudança antes<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, vez que o resultado da <strong>de</strong>cisão po<strong>de</strong> ser positivo, melhor do que a situação<br />
anterior, ou não.<br />
Em The Problem of Social Cost, Coase analisa as soluções do Direito quando uma<br />
pessoa causa danos à outra e o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar. A in<strong>de</strong>nização po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r lucro<br />
cessante e dano emergente que nem sempre são eficientes porque quando o valor que se<br />
<strong>de</strong>fere ao ganhador for inferior àquele a ser pago a título <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização, o resultado é<br />
in<strong>de</strong>sejável. Sugere outra forma <strong>de</strong> analisar a re-alocação <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres levando-se<br />
em conta as várias e diferentes formas <strong>de</strong> aparecimento das dificulda<strong>de</strong>s, porque, diz, um<br />
6 Coase – The Problem of Social Cost. In: The Firm, The Market and The Law, op. cit., p. 153 –…diverts<br />
attention from those other changes in the system which are inevitably associated with the corrective<br />
measure, changes which may well produce more harmthab the original <strong>de</strong>ficiency. …. As Frank H. Knight<br />
has so often emphasized, problems of welfare economics must ultimately dissolve into a study of esthetics<br />
and morals.<br />
7
sistema jurídico em que todos os direitos fossem absolutos, ilimitados, implicaria em não<br />
haver direitos a serem adquiridos. É a relativida<strong>de</strong> dos direitos, inclusive na esfera<br />
constitucional dos direitos individuais.<br />
O <strong>de</strong>ferimento judicial <strong>de</strong> pedidos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização causa mudanças na alocação <strong>de</strong><br />
recursos, mudanças essas que não ocorreriam se as operações fossem realizadas em<br />
mercados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não houvesse custos <strong>de</strong> transação. Entretanto, diz Coase, a concessão<br />
<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizações gera como efeito o fato <strong>de</strong> que passam a integrar o custo do processo<br />
produtivo sendo transferidas para a socieda<strong>de</strong>, criando externalida<strong>de</strong>s negativas. Insta o<br />
legislador para que colabore na redução <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> transação visto que o Estado, atuando<br />
como gigantesca empresa, po<strong>de</strong> realizar operações a custos menores do que os resultantes<br />
<strong>de</strong> organização privada, o que é <strong>de</strong>sejável na formulação <strong>de</strong> normas jurídicas indutoras <strong>de</strong><br />
comportamentos.<br />
Quando o operador do direito percebe as implicações econômicas das leis e das<br />
<strong>de</strong>cisões que as aplicam, mais eficiente será o balanceamento entre o dano e o ganho, agora<br />
não o individual, mas o da comunida<strong>de</strong>, mediante a diminuição <strong>de</strong> transferências do<br />
causador do dano para esta.<br />
2.1 – Função jurídico-econômica dos contratos:<br />
Talvez a mais importante função do instituto contrato seja a <strong>de</strong> promover a<br />
regular, voluntária e legítima circulação da riqueza. A circulação <strong>de</strong> bens na socieda<strong>de</strong> tem<br />
base no fato <strong>de</strong> que quem tem a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma coisa po<strong>de</strong> sempre transferi-la a<br />
outrem, mediante acordo, se valoriza o bem menos do que aquele que o <strong>de</strong>seja. A<br />
circulação aloca bens e direitos <strong>de</strong> forma eficiente se as partes diretamente envolvidas<br />
ficam, ambas, melhor do que estavam antes. Nesse processo <strong>de</strong> circulação da riqueza diz-se<br />
que a mudança é Pareto eficiente ou Pareto ótima quando, a par <strong>de</strong> as partes ficarem<br />
melhor, ninguém ter sua posição piorada.<br />
Porém, não menos importante, para quem analisa contratos, é verificar como foi<br />
estipulada a distribuição <strong>de</strong> riscos entre partes contratantes.<br />
Riscos são todos e quaisquer efeitos – positivos ou negativos – que sobrevenham<br />
da mudança <strong>de</strong> titulação sobre o bem, da mudança <strong>de</strong> posição jurídica, acarretados por fato<br />
8
posterior. A regra <strong>de</strong> que res perit dominus é expressão da imputação <strong>de</strong> riscos a uma<br />
pessoa, o proprietário da coisa.<br />
Em contratos <strong>de</strong> execução instantânea, a distribuição <strong>de</strong> riscos fica em segundo<br />
plano, realçando-se o momento da execução do contrato. Já naqueles contratos <strong>de</strong> longo<br />
prazo, sejam <strong>de</strong> execução continuada ou diferida, as duas funções atribuídas aos contratos –<br />
circulação da riqueza e alocação <strong>de</strong> riscos – ficam no mesmo plano, estão mais claramente<br />
associadas.<br />
Eventos ou fatos que ocorram durante o prazo <strong>de</strong> execução do contrato – ou<br />
daquele que vai da celebração até a execução – , que po<strong>de</strong>m alterar a previsão inicial <strong>de</strong><br />
distribuição <strong>de</strong> riscos e vantagens que representavam as preferências individuais informam,<br />
ou <strong>de</strong>vem informar as estratégias <strong>de</strong> negociação. Aqui um custo <strong>de</strong> transação.<br />
2.2 – Contratos <strong>de</strong> longa duração e custos <strong>de</strong> transação<br />
Contratos <strong>de</strong> duração ou <strong>de</strong> duratta como são <strong>de</strong>signados pela doutrina italiana,<br />
segundo os economistas, serão sempre incompletos em virtu<strong>de</strong> da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> distribuir<br />
riscos e perdas entre partes antecipadamente, segundo mudanças dos estados da natureza.<br />
Premissa é que, raramente, as circunstâncias ou o conjunto <strong>de</strong> fatos existentes e<br />
analisados no momento da contratação permanecerão constantes durante o tempo <strong>de</strong><br />
execução do contrato; ainda que as pessoas prevejam ou intuam algumas possíveis<br />
mudanças, a previsão <strong>de</strong> regras que mantenham o equilíbrio e garantam a eficiência das<br />
alocações, para todas as situações é difícil.<br />
Os efeitos que a passagem do tempo nas prestações <strong>de</strong> cada uma das partes difere,<br />
em comparação com as hipóteses em que a prestação seja adimplida imediatamente após a<br />
conclusão do contrato por uma das partes apenas, se ela for <strong>de</strong>vida durante o prazo do<br />
contrato <strong>de</strong> forma continuada ou periódica (a execução consistirá em série <strong>de</strong> atos<br />
escalonados); também não será igual se o contrato for <strong>de</strong> execução diferida e as prestações<br />
das partes forem simultâneas, em contraste com aquela em que as prestações <strong>de</strong> uma das<br />
partes são continuadas e a da outra é única e diferida; e mesmo quando as prestações das<br />
partes forem periódicas, se tal periodicida<strong>de</strong> for diferente.<br />
Assim, cada uma das possibilida<strong>de</strong>s é disciplinada <strong>de</strong> forma a respeitar as<br />
características da operação.<br />
9
Diante <strong>de</strong> tantas e significativas incertezas em relação às prestações futuras, curial<br />
seria a limitação da celebração <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> longo prazo que, entretanto, são recorrentes<br />
na organização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas. 7<br />
Explorar e dispor a respeito <strong>de</strong> todas as eventualida<strong>de</strong>s futuras seria tarefa árdua<br />
até para o mais cuidadoso profissional do direito, bem assessorado por espertos nas áreas<br />
que não domina, porque os cuidados envolveriam previsões a respeito <strong>de</strong> todas e quaisquer<br />
mudanças sociais, econômicas, políticas, legislativas, tecnológicas; que, propor medidas<br />
corretivas para cada uma <strong>de</strong>las neutralizando seus efeitos sobre a operação, <strong>de</strong>mandaria<br />
muita negociação além <strong>de</strong> minuciosa redação do instrumento <strong>contratual</strong>.<br />
Veja-se, a propósito, texto <strong>de</strong> Hart e Moore 8 no qual se lê que contratos<br />
configuram uma relação <strong>de</strong> resultados e as partes, ex ante, não listam todos os pontos da<br />
operação; alguns ficam para negociação futura, ex post, se e quando problema se<br />
apresentar. Explicam que se não estiverem especificadas formas ou mecanismos que<br />
regerão a escolha futura fácil incluir entre as contingências qualquer fato ou evento; que, <strong>de</strong><br />
outra parte, se relacionados <strong>de</strong> forma extensa, bastante flexível, as contingências futuras<br />
po<strong>de</strong>-se comprometer <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> investimento ex ante. Que, conforme a importância e<br />
magnitu<strong>de</strong> do investimento a ser feito, as partes reduzirão a lista <strong>de</strong> eventos, mas esse fato,<br />
por sua vez, po<strong>de</strong> comprometer a eficiência do acordo no futuro. 9<br />
Se a relação <strong>de</strong> eventos constante do clausulado <strong>contratual</strong> for fruto <strong>de</strong> negociação<br />
entre partes, uma lista longa e flexível lhes dá mais espaço para formular opções <strong>de</strong><br />
resultados <strong>de</strong>sejados para circunstâncias futuras. A flexibilida<strong>de</strong> tem dois lados: <strong>de</strong>ixa espaço<br />
para a inclusão <strong>de</strong> eventos não expressamente previstos mas po<strong>de</strong> ser fonte <strong>de</strong> efeitos<br />
in<strong>de</strong>sejados pelas partes no processo <strong>de</strong> negociação futura, quando será ineficiente ou<br />
<strong>de</strong>svantajosa.<br />
7 Sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o clausulado <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> longa duração contemplar todas e quaisquer<br />
mudanças das circunstâncias iniciais ou originais que alterem cálculos econômicos das partes, economistas<br />
dizem que, em alguns casos, isso po<strong>de</strong> ocorrer mas na maioria dos casos a redação do clausulado <strong>contratual</strong> é<br />
incompleta.<br />
8 Hart, Oliver e John Moore. Agreeing now to Agree Later: Contracts that Rule Out but do not Rule. In:<br />
http://www.nber.org/papers/w10397 Baixado em 25/07/2005.<br />
9 Exemplo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> operação é o fornecimento <strong>de</strong> papel para uma editora em que se fixa o preço para o<br />
primeiro ano acordando-se que variará nos anos subseqüentes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certos parâmetros. Supondo que as<br />
partes elaboram o contrato relacionando todos os possíveis resultados, ou seja, os outcome, a <strong>de</strong>scrição<br />
completa do que po<strong>de</strong> ocorrer – um vetor que liga preço, qualida<strong>de</strong> e quantida<strong>de</strong>, acordam que, qualquer<br />
evento não integrante da lista fica fora, enquanto os que a integram po<strong>de</strong>m ser escolhidos.<br />
10
Enten<strong>de</strong>m Hart e Moore que, muitas vezes, as partes preferem se acautelar em<br />
relação ao que não ocorrerá, (o que está previsto) e não em relação àquilo que po<strong>de</strong>rá<br />
acontecer. É uma forma complicada <strong>de</strong> dizer que a inclusão <strong>de</strong> eventos é restritiva e o que<br />
não for mencionado fica fora. Daí insistirem em que contrato bom, bem negociado, preverá<br />
incentivos para a cooperação ao longo <strong>de</strong> sua vigência.<br />
A opção referida pelos economistas – rule in but nor rule out – po<strong>de</strong> ser encontrada<br />
em serviços que envolvem tecnologias – telefonia e internet, por exemplo, em que a<br />
sofisticação e inovação são diárias. Comuns nesses contratos a inserção <strong>de</strong> cláusulas relativas<br />
à cessação <strong>de</strong> serviços a critério exclusivo do fornecedor ou provedor cuja razão se <strong>de</strong>ve<br />
exatamente à imprevisibilida<strong>de</strong> nos plano tecnológico e da concorrência, entre outros.<br />
Manter o equilíbrio da distribuição <strong>de</strong> riscos, perdas e vantagens ou do surplus da<br />
operação é quase impossível. Por isso empresários, habituados à dinâmica dos mercados, à<br />
concorrência, aos efeitos <strong>de</strong> avanços tecnológicos, da mudança <strong>de</strong> preferências, que afetam<br />
custos <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>de</strong> bens, não se assustam com a <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> contratos<br />
<strong>de</strong> longa duração, mas incorporam as incertezas aos custos <strong>de</strong> transação.<br />
Luca An<strong>de</strong>rlini e Leonardo Felli 10 enten<strong>de</strong>m haver relação direta entre a<br />
<strong>incompletu<strong>de</strong></strong> dos contratos <strong>de</strong> longa duração e os custos relacionados à complexida<strong>de</strong> da<br />
redação do instrumento e implementação da operação. Redigir contratos <strong>de</strong> forma incompleta<br />
se explica pelos custos envolvidos e, em função da complexida<strong>de</strong> da redação extensiva e<br />
completa, o instrumento contém menos informações do que seria ótimo.<br />
Se a complexida<strong>de</strong> da operação, a redação do instrumento <strong>contratual</strong>, negócio<br />
concebido com instrumento jurídico para a realização <strong>de</strong> novas relações, a disciplina que o<br />
rege é fruto do momento em que seja celebrado, numa relação entre regra e regulado, pelo<br />
que a <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> do contrato se explica por consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> eficiência, estratégia,<br />
magnitu<strong>de</strong> da operação, que levam à partilha e alocação dos ganhos entre partes, refletindo o<br />
cálculo do custo <strong>de</strong> implementação dos resultados que o contrato prescreva para cada estado<br />
da natureza 11 em particular.<br />
10 Incomplete Contracts and Complexity Costs. Discussion Paper Series – Coll P DP 20/96. London:<br />
London School of Economics / Centre for the Philosophy of the Natural and Social Sciences.<br />
11 Por estado da natureza entenda-se qualquer mudança em relação à situação inicial.<br />
11
Para Rodotà, o conteúdo do contrato i<strong>de</strong>ntificará tutte le <strong>de</strong>terminazione poste in<br />
essere dalle parti per regolare i propri interessi, 12 porque o conteúdo do contrato <strong>de</strong>ve<br />
espelhar o acordo quanto aos efeitos <strong>de</strong>sejados.<br />
Contratos <strong>de</strong> longo prazo e execução continuada po<strong>de</strong>m ser vistos como<br />
procedimento ao qual estão associados custos, ex ante e ex post; aqueles presos à escolha do<br />
procedimento, sua <strong>de</strong>finição; estes associados aos resultados que o procedimento <strong>de</strong>screver<br />
para cada estado da natureza. Se o contrato previr conjunto finito <strong>de</strong> hipóteses (cláusulas),<br />
para cada estado da natureza haverá um valor <strong>de</strong>terminado cuja repartição estará prevista no<br />
respectivo instrumento o que permite calcular os efeitos da repartição entre as partes a cada<br />
mudança do estado da natureza.<br />
Compare-se ou relacione-se o custo da previsão <strong>de</strong> cada uma das possíveis e<br />
antevisíveis mudanças do estado da natureza e o custo <strong>de</strong> redigir o instrumento, com o <strong>de</strong><br />
implementação das regras nele predispostas – é isso o que preocupa os economistas quando<br />
se referem a custos <strong>de</strong> transação e utilida<strong>de</strong>s: se as utilida<strong>de</strong>s esperadas pelas partes forem<br />
afetadas pelos estados da natureza, pessoas avessas a riscos preferirão incorrer custos ex<br />
ante: as propensas a riscos preferirão equacioná-los e incorrer os custos ex post, dado que<br />
relacionados à implementação das cláusulas ou regras contratuais. Demais disso, é preciso<br />
consi<strong>de</strong>rar o oportunismo das partes, ambas ou uma <strong>de</strong>las, entre as estratégias possíveis.<br />
Não estranha, pois, que Oliver Hart e John Moore 13 consi<strong>de</strong>rem difícil que contratos<br />
<strong>de</strong> execução continuada ou diferida contemplem todas as hipóteses <strong>de</strong> adimplemento perfeito<br />
e que, conquanto seja possível prever certo resultado (payoff) para cada uma das partes se a<br />
execução for perfeita, não há como comprovar ou verificar, antecipadamente, se a previsão<br />
será concretizada.<br />
Os autores lembram que a expressão contrato incompleto é empregada em mais<br />
<strong>de</strong> um sentido; po<strong>de</strong> indicar casos <strong>de</strong> <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> das obrigações, ambigüida<strong>de</strong>s<br />
terminológicas ou falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> contingências. 14 Sabe-se que obrigação completa<br />
12 RODOTÀ, Stefano. Le fonti di integrazione <strong>de</strong>l contratto. Milano : A. Giuffrè, 1969, p. 79 (“todas as<br />
<strong>de</strong>terminações criadas pelas partes para reger seus interesses”).<br />
13 Foundations of incomplete Contracts. Disponível em http://www.nber.org/papers/w6726.pdf?<br />
new_window=1 (baixado em 23/07/2005)<br />
14 Exemplo oferecido: o ven<strong>de</strong>dor entregará um bem pelo preço <strong>de</strong> R$ 10,00; se as partes <strong>de</strong>sejavam que o<br />
preço do bem fosse fixado conforme os estados da natureza o contrato é incompleto porque as partes não<br />
lograram <strong>de</strong>screver as contingências relevantes que po<strong>de</strong>m impedir ou dificultar a entrega do bem ou até tornar<br />
a quebra do contrato eficiente.<br />
12
nem sempre significa contrato completo; po<strong>de</strong> haver disposições prevendo mecanismos<br />
para hipóteses <strong>de</strong> inadimplemento por impossibilida<strong>de</strong> ou adimplemento imperfeito, ou por<br />
dificulda<strong>de</strong>s subseqüentes que com a obrigação incompleta e o contrato quase completo.<br />
Intrigante o fato <strong>de</strong> empresários, agentes econômicos racionais e sofisticados,<br />
conviverem com termos vagos, ambigüida<strong>de</strong>s no clausulado <strong>contratual</strong>, imprecisão no<br />
regramento negocial. Uma possível explicação, para quem teme o custo <strong>de</strong> litígios,<br />
notadamente se o contrato é um programa em que há ambigüida<strong>de</strong>s ou falta a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong><br />
algum evento, é que a celebração <strong>de</strong> contratos incompletos reduz custos <strong>de</strong> transação.<br />
Lacunas <strong>de</strong>liberadas e racionais, dizem alguns, servem para diminuí-los; outros afirmam que<br />
é irrelevante, no que diz respeito à eficiência e equilíbrio, pensar em suprimir lacunas ou<br />
conviver com elas.<br />
A divisão <strong>de</strong> custos associada a eventos futuros, tanto previsíveis quanto<br />
imprevisíveis, seja ela ex ante ou ex post, permite escolher os riscos que se <strong>de</strong>seja prevenir e<br />
os custos <strong>de</strong> transação que se aceita suportar. É <strong>de</strong>ssa avaliação ou comparação entre reduzir<br />
custos <strong>de</strong> transação e aceitar algum, ou alguns riscos, em momento futuro, que resulta um<br />
contrato com ou sem lacunas. O cálculo é baseado em probabilida<strong>de</strong>s 15 <strong>de</strong> as circunstâncias<br />
não se manterem ao longo do prazo <strong>de</strong> execução do contrato tal e qual no momento da<br />
contratação. Investigar o que as partes <strong>de</strong>sejavam, em que medida o futuro projetado foi<br />
<strong>de</strong>scrito <strong>de</strong> forma consi<strong>de</strong>rada completa, ou não, tem que ver com o custo <strong>de</strong> alocar riscos. Se<br />
for menor do que o custo <strong>de</strong> alocar perdas, dada a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua materialização, a<br />
opção lógica é não aceitar lacunas no clausulado <strong>contratual</strong>.<br />
3 – TIPOS DE CONTRATOS INCOMPLETOS E SUA INTEGRAÇÃO<br />
A literatura econômica distingue dois tipos <strong>de</strong> contratos em que po<strong>de</strong> haver falta <strong>de</strong><br />
previsão para todos os estados da natureza que <strong>de</strong>signa contratos frouxos ou flexíveis e<br />
contratos incompletos. O contrato será frouxo quando flexível e incompleto se, em razão da<br />
complexida<strong>de</strong> da operação, contiver expressões ambíguas, faltar <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> algum<br />
elemento, houver previsão da inserção futura <strong>de</strong> cláusulas que, no momento da celebração,<br />
por algum fato (estado da natureza), são impossíveis <strong>de</strong> conformar ou redigir <strong>de</strong> forma<br />
satisfatória; estes são contratos manifestamente incompletos.<br />
15 Probabilida<strong>de</strong> é medida estatística que me<strong>de</strong> o grau <strong>de</strong> segurança com que se po<strong>de</strong> esperar a realização <strong>de</strong><br />
um evento, <strong>de</strong>terminado pela freqüência relativa dos eventos do mesmo tipo numa série <strong>de</strong> tentativas.<br />
13
Um contrato é consi<strong>de</strong>rado incompleto relativamente a contingências quando gera<br />
incentivos para, conforme o estado da natureza, levar à renegociação ou ao <strong>de</strong>scumprimento<br />
da obrigação por qualquer das partes, o que po<strong>de</strong> ser até pensado como incentivo para<br />
<strong>de</strong>scumprir o acordado.<br />
São funcionalmente completos (ou tão completos quanto possível) aqueles contratos<br />
que exploram todas as distinções verificáveis entre estados da natureza, 16 quando a execução<br />
é boa tendo em vista dificulda<strong>de</strong>s das partes em distinguir todos os estados da natureza e a<br />
habilida<strong>de</strong> dos julgadores para verificar que estado ocorreu.<br />
Contratos incompletos refletem a capacida<strong>de</strong> limitada <strong>de</strong> se <strong>de</strong>screver os infinitos<br />
estados da natureza, predispor medidas para a execução da operação se ou quando sofrerem<br />
alterações. Nesses casos boa-fé e correção são fundamentais para a preservação das relações<br />
negociais.<br />
Consi<strong>de</strong>rando a boun<strong>de</strong>d rationality, racionalida<strong>de</strong> viesada, <strong>de</strong> Oliver Williamson,<br />
para quem as pessoas são influenciadas pelo meio em que vivem, pelo conhecimento e<br />
informações que <strong>de</strong>tenham, fatores esses que aparecem nas suas <strong>de</strong>cisões, portanto, não se<br />
trata <strong>de</strong> dissimetria <strong>de</strong> informação, mas da individualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um dos contratantes na<br />
tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />
A confiança em que cada um dos contratantes agirá com correção, <strong>de</strong> boa-fé, o que<br />
se comprova em negociações reiteradas entre mesmas partes, que por isso mesmo se<br />
<strong>de</strong>spreocupam em face <strong>de</strong> lacunas ou ambigüida<strong>de</strong>s, agindo racionalmente, cabem na ótica da<br />
boun<strong>de</strong>d rationality.<br />
No comércio internacional a confiança serve <strong>de</strong> fundamento para que muitos<br />
empresários aceitem a estranha prática <strong>de</strong> empregar termos genéricos.<br />
A maximização da eficiência permite que, agindo racionalmente, celebrem<br />
contratos incompletos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conheçam as políticas econômico-sociais que po<strong>de</strong>rão ser<br />
invocadas em face <strong>de</strong> uma dada operação internacional. Não se <strong>de</strong>spreza o fato <strong>de</strong> que a<br />
diminuição da probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações judiciais que imponham custos externos não<br />
previstos se coadune melhor ao senso comum, nesse campo.<br />
16 Segundo os economistas, são verificáveis as ações que cada uma das partes adota diante <strong>de</strong> um estado da<br />
natureza.<br />
14
Sendo custos <strong>de</strong> transação a boun<strong>de</strong>d rationality, a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativos, a<br />
assimetria e a distribuição <strong>de</strong>sigual da informação, assim como o moral hazard 17 e o<br />
oportunismo, estarão compreendidos, serão imputados no cálculo que antece<strong>de</strong> as <strong>de</strong>cisões<br />
<strong>de</strong> agentes econômicos sofisticados, portanto lacunas, ambigüida<strong>de</strong>s ou imprevisões não<br />
atemorizam aqueles que compreen<strong>de</strong>m que são quantificáveis.<br />
A opção pela <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> ou pela flexibilida<strong>de</strong> é parte da adoção <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong><br />
cooperação fundamentais para a execução <strong>de</strong> programas negociais <strong>de</strong>senhados nos contratos.<br />
Decorre das observações acima enten<strong>de</strong>r-se não eficiente a intervenção <strong>de</strong> terceiros<br />
relativamente ao cumprimento do contrato, notadamente ao fixar valor para a composição <strong>de</strong><br />
danos causados em face <strong>de</strong> inadimplemento porque, para tal terceiro, o estado da natureza<br />
relevante não é observável. Fatores “ambientais”, sistema jurídico, idioma em que o contrato<br />
tiver sido redigido, normas sociais observadas em certas comunida<strong>de</strong>s, provocam impactos<br />
na complexida<strong>de</strong> da redação do instrumento <strong>contratual</strong> que nem sempre são claras para o<br />
terceiro estranho à relação.<br />
A complexida<strong>de</strong> das operações comerciais, na visão <strong>de</strong> Jeffrey M. Lipshaw, 18 parte<br />
da premissa <strong>de</strong>, em matéria <strong>de</strong> contratos, não se trata a<strong>de</strong>quadamente a maneira com que<br />
advogados lidam com incertezas em operações comerciais complexas. O autor atribui o<br />
<strong>de</strong>scasamento entre teoria e prática ao fato <strong>de</strong> se pensar sobre mo<strong>de</strong>los legalmente<br />
tipificados; que ao focar as análises na economia normativa fazem-no por pura intuição,<br />
como se o homo economicus não figurasse nas relações econômicas e as incertezas<br />
comerciais fossem um apêndice das individuais e sociais.<br />
Critica a maneira pela qual os legisladores se propõem a dispor e regular o<br />
comportamento das pessoas, mo<strong>de</strong>lando situações i<strong>de</strong>ais e perfeitas esquecendo-se, diz, <strong>de</strong><br />
que perfeição po<strong>de</strong> ser pior do que o mito e que acreditar que a perfeição seja possível é<br />
<strong>de</strong>sastroso.<br />
Há que reconhecer que as pessoas agem no seu próprio interesse e são,<br />
primordialmente, seres racionais. Que o egoísmo individual não exclui o respeito aos <strong>de</strong>mais,<br />
ao sentimento <strong>de</strong> honra, responsabilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>veres.<br />
17 Empregado no sentido <strong>de</strong> culpa, ação negligente, impru<strong>de</strong>nte ou imperita.<br />
18 Contingency and Contracts: A Philosophy of Complex Business Transactions. DePaul Law Review, vol.<br />
54 (2005). Chicago: DePaul College of Law.<br />
15
Por isso que negócios estruturados com base em comfort agreements, (por exemplo<br />
gentlemen’s agreements, tratativas preliminares), não obrigatórios ou legalmente vinculantes,<br />
são bastante comuns nas relações econômicas empresariais.<br />
Muitas vezes, antes <strong>de</strong> celebrar um contrato, prefere-se avaliar aptidões, analisar<br />
mercados, consolidar relações, enfim, estabelecer parceria e confiança antes <strong>de</strong> obrigar-se<br />
formalmente.<br />
Lipshaw enten<strong>de</strong> haver quem dê pouca ou nenhuma importância a <strong>de</strong>cisões judiciais<br />
o que os leva a aceitar ou optar por instrumentos incompletos mesmo que legalmente não<br />
vinculativos.<br />
Empresários que convivem com contingências se habituam a nem sempre invocar<br />
a lei para exercer algum controle sobre os resultados das operações acordadas porque<br />
confiança, diálogo, e a<strong>de</strong>são a um programa são por elas sopesados antes do<br />
estabelecimento do vínculo <strong>contratual</strong>; imaginam que serão, igualmente, elementos levados<br />
em consi<strong>de</strong>ração na interpretação ou integração <strong>de</strong> qualquer contrato incompleto.<br />
Para o sucesso da interpretação ou integração <strong>de</strong>sses contratos o terceiro precisa<br />
adivinhar ou imaginar o que fora negociado inicialmente, o que as partes queriam no<br />
momento da conclusão do contrato, como previam a execução do programa ao longo do<br />
tempo, e que evidências, por elas produzidas, existem e <strong>de</strong>vem ser sopesadas.<br />
O lapso temporal <strong>de</strong>corrido entre a conclusão do contrato e o momento em que as<br />
divergências se manifestem é outro fator <strong>de</strong> complicação porque, quanto mais longo o<br />
prazo para execução do contrato, mais problemático e menos fácil será a alocação <strong>de</strong> riscos<br />
e perdas não previstos. A observação se aplica a contratos <strong>de</strong> execução continuada <strong>de</strong> longo<br />
prazo quando se preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>svendar, <strong>de</strong>scobrir o que as partes quereriam ter disposto se<br />
tivessem cogitado a respeito do evento. 19<br />
Lipshaw parte <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> vista filosófico vendo contratos como uma das formas <strong>de</strong><br />
dispor sobre contingências, da mesma forma em que controvérsias são submetidas a<br />
julgadores. Ao celebrar um contrato visa-se a reduzir as contingências que, muitas vezes,<br />
estarão fora do controle das partes. 20 Explica que o direito dos contratos se volta para o<br />
19 COOTER, Robert e ULEN, Thomas. Law and Economics. 2. ed. Addison-Wesley-Longman, 1997, p<br />
184, explicam que embora completar contratos <strong>de</strong>penda <strong>de</strong> investigação acurada dos costumes e das<br />
informações <strong>de</strong>tidas pelas partes, uma vez que o tomador <strong>de</strong> riscos eficiente prevê o risco ou <strong>de</strong>veria prevêlo,<br />
e sobre esse pressuposto é que o contrato será interpretado.<br />
20 Autorização <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ou governos para uma <strong>de</strong>terminada empreitada.<br />
16
cumprimento das obrigações, as quais po<strong>de</strong>m ser incompletas se, em todos os futuros estados<br />
da natureza, faltar um termo ou elemento o que, para os economistas seria um contrato<br />
completo no plano obrigacional, mas incompleto por não prever a distribuição <strong>de</strong> ganhos da<br />
operação em face <strong>de</strong> contingências futuras.<br />
Interpretação feita por terceiro do que as partes pretendiam ou teriam acordado se<br />
tivessem disposto sobre o fato e riscos relevantes a ele atribuíveis, costuma tomar como<br />
parâmetro a realida<strong>de</strong> fática.<br />
Segundo Cooter e Ulen, 21 em hipóteses <strong>de</strong> complicada comprovação o<br />
preenchimento <strong>de</strong> lacunas ou <strong>incompletu<strong>de</strong></strong>s contratuais por terceiros nem sempre alocará<br />
direitos <strong>de</strong> modo eficiente, nem fixará os preços com razoabilida<strong>de</strong>.<br />
Eficiência, bem-estar social ou o preenchimento <strong>de</strong> alguma outra função ou<br />
finalida<strong>de</strong> interessam ainda mais, na integração ou interpretação <strong>de</strong> contratos<br />
<strong>de</strong>liberadamente incompletos, porque a mera aplicação <strong>de</strong> normas supletivas nem sempre<br />
resolve as dificulda<strong>de</strong>s e, mais grave, po<strong>de</strong> gerar conseqüências socialmente inaceitáveis.<br />
A aplicação <strong>de</strong> normas supletivas apenas se justifica quando representarem a<br />
melhor opção na distribuição <strong>de</strong> direitos, <strong>de</strong>veres, riscos e perdas, hipótese em que po<strong>de</strong>riam<br />
ser consi<strong>de</strong>radas cogentes. Até porque a aplicação <strong>de</strong> normas supletivas a contratos<br />
contingencialmente incompletos altera outras variáveis, entre as quais a assimetria <strong>de</strong><br />
informações ou o valor atribuído à operação pelas partes produzindo ineficiências, estratégica<br />
ou informacionais.<br />
Para Lipshaw, observações sociológicas a respeito do papel da lei em operações<br />
complexas são menos relevantes do que a doutrina e os advogados imaginam; reconhece a<br />
importância do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coerção do Estado para <strong>de</strong>terminar a adjudicação judicial <strong>de</strong><br />
direitos, nada obstante, mas, prossegue, contratos estabelecem vínculos morais tanto quanto<br />
relações jurídicas e as operações complexas não são mo<strong>de</strong>ladas apenas por normas jurídicas<br />
ou econômicas. São inúmeras as contingências e há espectro muito largo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s.<br />
21 Cooter e Ulen, op. cit., p. 183<br />
17
Estudo <strong>de</strong> Lisa Bernstein 22 dá conta da importância das relações sociais no trato <strong>de</strong><br />
contingências imprevistas na indústria <strong>de</strong> diamantes nos Estados Unidos da América em que<br />
a confiança prevalece sobre normas jurídicas.<br />
Portanto, se não há como, no plano fático, impedir a concretização <strong>de</strong><br />
contingências, indaga-se se estará o sistema jurídico apto a incentivar a cooperação e o<br />
equilíbrio na divisão <strong>de</strong> riscos e benefícios. Que mo<strong>de</strong>lo é mais compatível, está melhor<br />
predisposto para diminuir contingências jurídicas, o contrato rígido, formal ou o flexível,<br />
maleável?<br />
No que tange ao comércio internacional as dúvidas são claras em relação aos<br />
investimentos e financiamentos internacionais, assim como no fornecimento <strong>de</strong> bens e<br />
serviços.<br />
4 – CONTRATOS INCOMPLETOS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL<br />
Comércio internacional compreen<strong>de</strong> enorme área disciplinada por acordos<br />
bilaterais, regionais e multilaterais que <strong>de</strong>terminam o espaço <strong>de</strong>ntro do qual os agentes<br />
econômicos, os particulares, atuam e contratam.<br />
Relativamente aos investimentos feitos por empresas <strong>de</strong> um país em outro,<br />
estrangeiro, na implantação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s industriais, para a distribuição <strong>de</strong> bens e serviços,<br />
a preocupação com a possível expropriação que venha a ser <strong>de</strong>cidida pelos governos dos<br />
países investidos, é causa <strong>de</strong> incertezas que se conhece como risco país.<br />
A perda do investimento sem correspon<strong>de</strong>nte e justa in<strong>de</strong>nização não difere do<br />
investimento idiossincrático, aquele que tem <strong>de</strong>stinação específica e, portanto, é fonte <strong>de</strong><br />
incertezas e custos <strong>de</strong> transação.<br />
Barreiras tarifárias, cotas ou barreiras comerciais <strong>de</strong> qualquer natureza, proteção<br />
da indústria doméstica ou dos agentes econômicos nacionais são outros fatores importantes<br />
no <strong>de</strong>senvolvimento, ou não, do comércio internacional. Comum que se tente garantir<br />
fornecedores <strong>de</strong> bens e serviços nacionais quando há concorrência <strong>de</strong> estrangeiros mediante<br />
restrições <strong>de</strong> acesso aos mercados internos.<br />
22 Opting Out of the Legal System: Extra-Contractual Relations in the Diamond Industry. The Journal of<br />
Legal Studies, Vol. XXI (1992). Chicago: Chicago University Press.<br />
18
Tem-se tornado comum facultar-se às partes o exercício <strong>de</strong> ações privadas para a<br />
cobrança <strong>de</strong> perdas nos investimentos internacionais em oposição às operações comerciais.<br />
No caso <strong>de</strong> contratos internacionais <strong>de</strong> longo prazo, às dificulda<strong>de</strong>s inerentes a<br />
esse tipo <strong>de</strong> negócio acrescem os aspectos acima referidos que amplificam incertezas que<br />
po<strong>de</strong>m, até, <strong>de</strong>ixar em segundo plano vantagens comparativas entre as quais mão <strong>de</strong> obra<br />
qualificada, disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> matérias primas, acesso a mercados locais, por exemplo.<br />
Operações transfronteiras são mais complicadas porque envolvem além <strong>de</strong><br />
transporte <strong>de</strong> bens ou pessoas, a transferência <strong>de</strong> fundos <strong>de</strong> um para outro país e, o câmbio,<br />
a relação <strong>de</strong> parida<strong>de</strong> entre moeda nacional e moeda estrangeira, tem peso tanto no<br />
estímulo à importação quanto à exportação <strong>de</strong> produtos nacionais.<br />
Para o produtor que vai exportar, uma das formas <strong>de</strong> obter recursos para a<br />
produção é a apresentação do contrato <strong>de</strong> fornecimento ou <strong>de</strong> venda que serve <strong>de</strong> garantia<br />
para a instituição financeira que adiante recursos. No caso <strong>de</strong> importador, a garantia usual é<br />
a carta <strong>de</strong> crédito e, nesse caso, as cláusulas relativas a preço, quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> dos<br />
bens não po<strong>de</strong>m variar muito em face do que nela seja especificado. Isto vale, igualmente,<br />
para a contratação <strong>de</strong> seguro e na imposição fiscal quando se cuidar <strong>de</strong> bens sujeitos a<br />
tarifas <strong>de</strong> importação/exportação, as quais, sabe-se, po<strong>de</strong>m variar conforme o produto,<br />
origem e qualida<strong>de</strong>.<br />
As ca<strong>de</strong>ias produtivas internacionais são fenômenos recentes, mas, nem por isso,<br />
escapam da aplicação <strong>de</strong> princípios típicos <strong>de</strong> organização industrial, proprieda<strong>de</strong> e<br />
contratos. A existência <strong>de</strong> empresas não societárias, estruturas em feixes ou nexos <strong>de</strong><br />
contratos, criadas para reduzir custos <strong>de</strong> transação, não po<strong>de</strong>ria ignorar a <strong>incompletu<strong>de</strong></strong><br />
<strong>contratual</strong> e os custos <strong>de</strong> transação envolvidos.<br />
Contratos <strong>de</strong> fornecimento e investimentos específicos estão, na maior parte dos<br />
casos, associados, sendo irrelevante qual das partes os faça, se a que produzirá o bem ou a<br />
que, para produzir algum outro, necessite daquele. As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas por ambas<br />
se entrelaçam e se complementam criando uma relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre elas.<br />
Há situações em que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las po<strong>de</strong> subsistir ainda que a<br />
antece<strong>de</strong>nte ou a posterior <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> estar ligada, o que configura a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>ssa<br />
parte da ativida<strong>de</strong> em relação à(s) outra(s). O fato, entretanto, não remove as incertezas do<br />
19
processo produtivo, na medida em que quantida<strong>de</strong>s e preço do bem po<strong>de</strong>m variar no tempo.<br />
Essas incertezas são típicas dos contratos incompletos.<br />
A encomenda <strong>de</strong> componentes (bens intermediários) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
produção e do volume <strong>de</strong> vendas esperado. Novos investimentos po<strong>de</strong>rão ser requeridos<br />
para aten<strong>de</strong>r ao aumento <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>, alterando o equilíbrio <strong>contratual</strong>, exigindo, pois, a<br />
adoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> produção distintas.<br />
As instituições presentes em cada país são parte do quadro <strong>de</strong>cisório empresarial;<br />
investimentos em tecnologia ou transferência <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> ponta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da<br />
proteção dos direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> intelectual; contratos com agentes sediados em países<br />
nos quais paralisações <strong>de</strong> trabalhadores são freqüentes, pela insegurança quanto ao<br />
atendimento dos pedidos, são vistos como ligação com parceiros menos <strong>de</strong>sejáveis. As<br />
vantagens comparativas entre países <strong>de</strong>slocam investimentos específicos para aqueles mais<br />
confiáveis, cujas instituições são mais sólidas.<br />
A qualida<strong>de</strong> do judiciário, quando existem ou se manifestam vieses i<strong>de</strong>ológicos, é<br />
outro fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestabilização e <strong>de</strong>sincentivo a investimentos estrangeiros.<br />
Fornecimento internacional e <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> do contrato são compatíveis?<br />
Veja-se a aplicação das discussões relacionadas a contratos incompletos feita por<br />
Pierpaolo Battigalli e Giovanni Maggi, 23 em Direito Internacional Público, ao tratarem da<br />
padronização <strong>de</strong> produtos negociada entre Estados. Detecta-se nos acordos <strong>de</strong> padronização<br />
<strong>de</strong> produtos semelhança com o que se discutia em relação a mudanças do estado da<br />
natureza.<br />
Como fixar padrões relativamente a bens inexistentes? O preço <strong>de</strong> novos produtos<br />
que venham a substituir, com mais qualida<strong>de</strong>, tecnologia <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong>, ainda<br />
quando previstos, porque as partes estão informadas a respeito das pesquisas, será igual ao<br />
dos atuais? Ou, novas versões do mesmo produto? Ambos co-existirão no mercado? Como<br />
prever, no clausulado <strong>contratual</strong>, salvo a negociação futura, a continuida<strong>de</strong> do<br />
fornecimento? Que padrão doméstico será <strong>de</strong>finido para o novo produto? Trata-se <strong>de</strong> riscos<br />
cuja previsão ex ante po<strong>de</strong> ser ineficiente ex post, razão pela qual se prefere <strong>de</strong>ixar lacunas<br />
para preenchimento se e quando o novo produto vier ao mercado.<br />
23 International Agreements on Product Standards: An Incomplete-contract Theory. In:<br />
http://www.nber.org/papers/w9533 (consultado em 27/07/2005).<br />
20
Alguns países, seja por disporem <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra qualificada, seja por serem<br />
menos restritivos em questões <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, meio-ambiente, ou ainda pela abundância <strong>de</strong> certas<br />
matérias primas, tornam-se bases <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> produtos para exportação. (Assim<br />
como muitos países são base <strong>de</strong> experimento <strong>de</strong> fármacos ou alimentos).<br />
Se, em momento futuro, os estados da natureza que suportaram as políticas<br />
industriais mudarem, talvez faltem disposições negociadas ex ante, quer no plano do direito<br />
nacional quer no do internacional, para redistribuir benefícios, e ônus, o que dará razão aos<br />
economistas quando questionam a previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos e quaisquer efeitos externos que<br />
venham a incidir sobre o acordo entre Estados.<br />
Como se antecipou, regras rígidas são remédios, ao menos tentam sê-lo, para<br />
evitar problemas gerados pela <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> dos acordos e contratos. A cláusula <strong>de</strong> nação<br />
mais favorecida e a regra <strong>de</strong> tratamento nacional para produtos importados, <strong>de</strong> mesmo<br />
padrão que os nacionais, são outro mecanismo <strong>de</strong> completamento <strong>de</strong> contratos.<br />
Lacunas <strong>de</strong>liberadas e racionais e minimização <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> transação estão<br />
intrinsecamente correlacionadas. Por isso os institucionalistas voltam o olhar e analisam<br />
usos e costumes <strong>de</strong> praças, aqueles criados e respeitados em alguns setores da ativida<strong>de</strong><br />
econômica, a repetição <strong>de</strong> operações entre mesmos agentes, o que estabelece laços <strong>de</strong><br />
confiança, para oferecer explicação para os contratos incompletos nas relações negociais<br />
inter-empresariais.<br />
Talvez por isso o jurista, mais afeito à dogmática, às formas e estruturas e, por<br />
vezes, avesso à função, relute em discutir contratos incompletos fora do quadro da<br />
integração e da interpretação, sem levar em conta os efeitos que o recurso a regras<br />
<strong>de</strong>duzidas para situações individuais geram no <strong>de</strong>senvolvimento da ativida<strong>de</strong> econômica<br />
organizada em ca<strong>de</strong>ias produtivas. Há que encontrar respostas propositivas, incentivos para<br />
a renegociação e cooperação que preservem as múltiplas ativida<strong>de</strong>s quando a integração<br />
vertical seja menos eficiente do que a externa.<br />
Se a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordos e contratos internacionais for <strong>de</strong>finida consi<strong>de</strong>rando<br />
o número esperado <strong>de</strong> contingências e os resultados, que são especificados, a magnitu<strong>de</strong> da<br />
variância do fluxo dos resultados entre partes e a compreensão do contrato, po<strong>de</strong>-se concluir<br />
que no comércio internacional todos os elementos estão presentes. Então, regras frouxas<br />
requerem, para um acordo ótimo, seja ele estruturado sobre cláusulas específicas para<br />
21
produtos existentes, norma rígida <strong>de</strong> não discriminação e procedimento <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />
disputas <strong>de</strong>finido.<br />
Evi<strong>de</strong>nte a preocupação em separar produtos existentes, conhecidos, daqueles que<br />
possam entrar no mercado futuramente, e esta é a contingência ou <strong>incompletu<strong>de</strong></strong><br />
fundamental presente nos acordos internacionais. A impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prever que produtos<br />
(ou serviços) serão criados e que necessida<strong>de</strong>s ou utilida<strong>de</strong>s aparecerão, é similar àquela<br />
acima exposta que presi<strong>de</strong> a discussão da <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> contratos.<br />
A cláusula <strong>de</strong> hardship, cuja função é oferecer solução para problemas gerados<br />
por eventos imprevisíveis ou fora <strong>de</strong> controle das partes, que costuma ser acompanhada da<br />
previsão <strong>de</strong> renegociação do contrato ou <strong>de</strong> suspensão da execução <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong>vida<br />
pela parte que a invoca, é outro indício da percepção <strong>de</strong> que as incertezas requerem<br />
mecanismos especiais.<br />
Em contrato <strong>de</strong> fornecimento com prestações continuadas <strong>de</strong> um lado e periódicas<br />
<strong>de</strong> outro; a distribuição <strong>de</strong> riscos, perdas, custos, benefícios entre partes é complexa,<br />
particularmente se uma <strong>de</strong>las fizer investimentos vultosos para aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s da<br />
outra. Imagine-se que os investimentos sejam específicos ou idiossincráticos. 24 O cálculo<br />
econômico recomendará se faça o investimento apenas quando houver mínima certeza <strong>de</strong><br />
amortização, recuperação do valor que representa durante ou, no máximo, até o termo final<br />
do contrato.<br />
Quanto menor a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperação do investimento, maiores serão as<br />
exigências <strong>de</strong> garantia (ou preço) em razão do perigo, dos riscos associados E, ainda que<br />
sejam prestadas as garantias requeridas o investidor consi<strong>de</strong>rará o lapso temporal entre a<br />
conclusão do contrato, início da produção e o termo final do contrato, tendo em vista a<br />
mutabilida<strong>de</strong> dos estados da natureza.<br />
Na esteira das incertezas que envolvem não apenas eventos externos, mas<br />
abrangem questões <strong>de</strong>rivadas da organização da ca<strong>de</strong>ia produtiva, não se vê como escapar<br />
da <strong>incompletu<strong>de</strong></strong>, ou no mínimo, <strong>de</strong> lacunas contratuais.<br />
Qual a garantia para fazer investimentos se a relação preço/quantida<strong>de</strong> estimada<br />
não for constante? Seria mais simples contratar com margem <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> e estabelecer-<br />
24 Impe<strong>de</strong> ou onera sua utilização para cumprir outra finalida<strong>de</strong>, se possível, ou produz gran<strong>de</strong> perda <strong>de</strong><br />
eficiência<br />
22
se que, futuramente, as partes renegociarão ou negociarão <strong>de</strong> forma a que os ganhos da<br />
operação sejam repartidos <strong>de</strong> maneira eqüitativa?<br />
Associar contratos e ativida<strong>de</strong> econômica organizada em que a distribuição <strong>de</strong><br />
riscos e perdas, redução <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> transação requer incentivos que preservem a<br />
cooperação, implica aceitar e conviver com lacunas e ambigüida<strong>de</strong>s ao redigir o<br />
instrumento.<br />
O operador do Direito, formado na tradição da dogmática civilista, <strong>de</strong> forte<br />
influência alemã, partindo das gran<strong>de</strong>s codificações do século XIX, não se compa<strong>de</strong>ce com<br />
a noção econômica <strong>de</strong> contrato incompleto que é, para ele, inadmissível. Quando faltam<br />
disposições positivadas para o contrato típico, recorre-se às normas supletivas; se evento<br />
futuro, imprevisto ou imprevisível altera o sinalagma genético, o remédio é a aplicação da<br />
cláusula da imprevisão (rebus sic stantibus 25 ). Poucos perguntam se a resolução do contrato<br />
constitui mecanismo <strong>de</strong> completamento, aí incluída aquela por onerosida<strong>de</strong> excessiva se<br />
falta <strong>de</strong> previsão <strong>de</strong> algum evento futuro.<br />
Adaptar a operação a contingências não parece imperativo salvo, talvez, aos mais<br />
pragmáticos. A percepção <strong>de</strong> que existe risco na operação <strong>de</strong>ve ser acompanhada <strong>de</strong><br />
propostas <strong>de</strong> solução inovadoras, sobretudo porque em operações complexas as regras<br />
predispostas ex ante nem sempre são suficientes. Simplicida<strong>de</strong>, equida<strong>de</strong>, confiança,<br />
<strong>de</strong>sincentivo a oportunismos, presentes nas negociações e espelhados nos instrumentos <strong>de</strong><br />
contrato permitem lacunas e negociação ex post eficientes.<br />
A repetição <strong>de</strong> operações cujos resultados são positivos ten<strong>de</strong> a formar padrões que<br />
se tornam usos e costumes e auxiliam na interpretação ex post, daquela operação, por<br />
terceiros estranhos ao negócio. Pragmatismo combina melhor com flexibilida<strong>de</strong>, com<br />
racionalida<strong>de</strong> em negociar e respeito às instituições.<br />
Se a preferência das partes é alocar riscos sobre distribuir perdas, racionalmente<br />
escolherão celebrar contratos incompletos criando relações voluntárias, cabendo-lhes<br />
25 Quem a invoca, à cláusula rebus sic stantibus, parte do pressuposto <strong>de</strong> que a modificação das<br />
circunstâncias originais – não do motivo ou da operação econômica <strong>de</strong>sejada – é genérica, aplica-se a<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> contrato em que a conclusão e a execução são separados por algum lapso temporal por isso<br />
que não se po<strong>de</strong> invocá-la nos contratos <strong>de</strong> execução instantânea. Também há quem consi<strong>de</strong>re possível a<br />
confusão entre resolução do contrato por onerosida<strong>de</strong> excessiva e a cláusula rebus sic stantibus, o que<br />
parece incompatível com a função <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las no direito dos contratos.<br />
23
espon<strong>de</strong>r às mudanças na medida em que perseguem seus interesses, <strong>de</strong> forma a assegurar a<br />
cooperação. 26<br />
A eficiência na obtenção dos resultados visados combina cuidado e confiança;<br />
quanto mais cuidado, maiores os custos <strong>de</strong> transação e, inversamente, quanto maior a<br />
confiança, menores eles serão.<br />
A internalização dos benefícios da cautela contra a quebra do contrato <strong>de</strong>ve ser<br />
comparada com a esperada composição <strong>de</strong> danos, daí que, sem incentivos corretos, as partes<br />
não se sentirão vinculadas às promessas recíprocas.<br />
Sendo contratos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> cooperação baseados na confiança, a existência <strong>de</strong><br />
lacunas ou ambigüida<strong>de</strong>s no clausulado ou, como é comum nos contratos mercantis, o<br />
emprego <strong>de</strong> expressões como “razoabilida<strong>de</strong>, boa-fé, melhores esforços”, que embora<br />
vagas é freqüente, 27 facilita recorrer a muitos dos argumentos dos economistas<br />
relativamente à <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> contratos.<br />
O temor <strong>de</strong> que a quebra da confiança imporá sanções – por exemplo ficar fora do<br />
mercado, aumentará custos <strong>de</strong> transação no futuro por exigência <strong>de</strong> garantias – incentiva as<br />
pessoas a cumprirem o programa negocial, mesmo quando em face <strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>s.<br />
Instituições sociais sólidas baseiam a adoção <strong>de</strong> estratégias que preservam as obrigações [e<br />
<strong>de</strong>veres paralelos (nebenpflichten)].<br />
Trabalhos recentes <strong>de</strong> Giuseppe Bellantuono 28 e Antonio Fici 29 trazem a discussão<br />
sobre <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> <strong>contratual</strong> para o plano do Direito. Fici diz que contratos incompletos,<br />
lacunosos, não são fenômenos recentes, conhecidos que eram há muito; que, no codice civile<br />
há disposições legais a respeito do completamento ou interpretação e integração <strong>de</strong> contratos.<br />
Não explica se a referência é aos contratos funcionalmente incompletos.<br />
Segundo o autor, o exercício da autonomia privada faculta às partes <strong>de</strong>ferir a<br />
terceiros o po<strong>de</strong>r para preencher lacunas, voluntárias, <strong>de</strong>liberadas, ou não, existentes no<br />
contrato, assim como lhes estaria facultado, pelo jus variandi, permitir que uma ou outra<br />
26 Op. cit. p. 193<br />
27 Quanto a imprecisões talvez a venda a contento seja exemplo simples. O adimplemento da obrigação pelo<br />
ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> a qualida<strong>de</strong> do bem, que po<strong>de</strong> variar, ser a <strong>de</strong>sejada pelo adquirente que aceita, ou não o<br />
produto. Óleo e vinho são casos clássicos <strong>de</strong> contrato incompleto porque a variabilida<strong>de</strong> da qualida<strong>de</strong> do<br />
produto não é <strong>de</strong>scrita em todas as suas possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ferindo-se ao adquirente o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> aceitar, ou não, o<br />
produto. Impreciso é, também, o contrato que contenha previsão <strong>de</strong> diferentes preços para o bem (gênero) se<br />
houver <strong>de</strong>le duas ou mais varieda<strong>de</strong>s (espécies).<br />
28 I Contratti Incompleti nel Diritto e nell’Economia. Padova: Cedam, 2000.<br />
29 Il Contratto “incompleto”. Torino: G. Giapichelli Editore, 2005.<br />
24
<strong>de</strong>las preenchessem os vazios. Consi<strong>de</strong>ra possível i<strong>de</strong>ntificar situações intermédias entre<br />
contratos completos e incompletos, entre as quais o que <strong>de</strong>nomina contratos flexíveis, <strong>de</strong> que<br />
seria exemplo o fornecimento em que o preço pactado será corrigido por um índice, ou pela<br />
variação <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> um bem, diante <strong>de</strong> mudanças do estado da natureza.<br />
A cláusula <strong>de</strong> revisão na <strong>de</strong>terminação do preço flexibiliza o contrato que seria, sob<br />
a ótica jurídica, completo e, parece-me, da econômica, também. Talvez esse contrato não seja<br />
flexível porque o índice <strong>de</strong> fixação do preço está <strong>de</strong>terminado ex ante, logo, a divisão <strong>de</strong><br />
riscos e sua partilha entre fornecedor e fornecido igualmente <strong>de</strong>finida.<br />
Referindo-se ao que enten<strong>de</strong> ser contrato econômica e juridicamente incompleto,<br />
Fici exemplifica com a venda sem indicação <strong>de</strong> preço ou da quantida<strong>de</strong> do bem, ou seja, um<br />
contrato <strong>de</strong> compra e venda que não contém os elementos essenciais em seu bojo.<br />
Tratar-se-á <strong>de</strong> compra e venda ou <strong>de</strong> contrato quadro ou pré-contrato? A compra e<br />
venda está perfeita e acabada quando as partes se põem <strong>de</strong> acordo sobre res et pretium. Ainda<br />
que este possa ser <strong>de</strong>terminável segundo critério estipulado no instrumento, o contrato<br />
contempla os elementos essenciais. Entretanto, coisa não <strong>de</strong>terminada, salvo se no quesito<br />
quantida<strong>de</strong> – que variará <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> limites máximo e mínimo – ou preço sem previsão <strong>de</strong><br />
critério <strong>de</strong> fixação, não se ajustam à previsão normativa e mesmo social, <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong><br />
compra e venda.<br />
Consenso sobre coisa não <strong>de</strong>finida, em quantida<strong>de</strong>, qualida<strong>de</strong>, espécie ou gênero,<br />
não <strong>de</strong>terminável seria, na melhor das hipóteses, um acordo preliminar. O autor explica: È<br />
altrettanto evi<strong>de</strong>nte, in secondo luogo, come la completezza giuridica renda il contratto<br />
<strong>de</strong>finitivamente incompleto dal punto di vista econômico. ... il contratto incompleto può<br />
costituire una peculiare risposta al problema <strong>de</strong>ll’incompletezza econômica. 30<br />
É possível comparar a <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> jurídica com a econômica? A existência <strong>de</strong><br />
lacunas jurídicas não se confun<strong>de</strong> com a <strong>de</strong>cisão, voluntária, <strong>de</strong> não dispor sobre<br />
contingências econômicas.<br />
A <strong>incompletu<strong>de</strong></strong> econômica pressupõe incapacida<strong>de</strong> fisiológica do contrato e dos<br />
contratantes <strong>de</strong> lidar com todas as modificações <strong>de</strong> circunstâncias posteriores à sua<br />
conclusão. A jurídica pressupõe que eventuais lacunas, mesmo as involuntárias, serão<br />
30 Op. cit., p. 43<br />
25
completadas por normas supletivas, princípios gerais <strong>de</strong> direito, interpretação, e integração,<br />
razão pela qual o contrato incompleto o é enquanto não interpretado ou integrado.<br />
Assim, se há instrumentos para completar o contrato, a discussão parece vazia ainda<br />
que os estados da natureza mu<strong>de</strong>m. Mas, quando as lacunas <strong>de</strong>liberadas se <strong>de</strong>stinarem a<br />
incentivar negociação futura, facilita-se que cada parte <strong>de</strong>cida, <strong>de</strong> maneira ótima, em relação<br />
a cada evento, tornando mais eficientes as alocações <strong>de</strong> recursos.<br />
Por isso se insiste em que a integração ou interpretação <strong>de</strong>sses contratos, quando<br />
feitas por terceiros, dadas as assimetrias informacionais, possa redundar em alocações<br />
perversas e <strong>de</strong>sincentivar novas operações entre aquelas partes, <strong>de</strong>ve ser adotada com cautela.<br />
A <strong>de</strong>cisão empresarial relativamente a contratar fornecedor estrangeiro, po<strong>de</strong> ser<br />
compreendida da óptica da busca <strong>de</strong> benefícios maiores do que os propiciados pela<br />
integração vertical da produção em território nacional, realizada <strong>de</strong>ntro da mesma empresa,<br />
ou não. Contratos celebrados por tempo in<strong>de</strong>terminado, ou open en<strong>de</strong>d, <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar o<br />
lapso necessário para a amortização dos investimentos, notadamente aqueles específicos ou<br />
idiossincráticos que amplificam riscos nas operações internacionais.<br />
Como o nível <strong>de</strong> empregos e a satisfação dos consumidores po<strong>de</strong>m ser<br />
comprometidos pela ruptura do contrato, multas por resilição unilateral <strong>de</strong>stinam-se,<br />
precipuamente, a estimular a renegociação pena <strong>de</strong> se aceitar comportamentos oportunistas<br />
sempre que a <strong>de</strong>cisão interesse a uma das partes ainda que venha a comprometer a ca<strong>de</strong>ia<br />
produtiva.<br />
No que diz respeito à padronização <strong>de</strong> produtos, ressalta-se que a existência, ou<br />
não, <strong>de</strong> diferenças entre nacionais e importados, quando produzem externalida<strong>de</strong>s, que po<strong>de</strong><br />
ser causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> padrões voltados para limitar ou reduzir importações. Tal risco é<br />
previsível, não, porém, quanto ao tempo em que barreiras sejam impostas nem sua duração.<br />
Padrões adotados pelo país exportador para os mesmos bens são, nesses casos,<br />
irrelevantes, portanto, não será possível invocá-los em momento futuro. Decisões <strong>de</strong> política<br />
industrial <strong>de</strong> cada país são baseadas na maximização do bem-estar nacional, assim regras que<br />
onerem ou criem barreiras à importação não <strong>de</strong>vem ser ignoradas, particularmente quando os<br />
investimos são idiossincráticos ou <strong>de</strong> longo tempo para amortização, em especial porque nem<br />
sempre a cooperação entre contratantes é suficiente para contornar normas internas ou<br />
internacionais.<br />
26
Se qualquer dos países envolvidos no processo <strong>de</strong> comércio internacional notar que<br />
há perda <strong>de</strong> bem-estar ou que, ao revés, o bem-estar aumentará se houver maiores exigências<br />
na padronização dos bens, dificilmente <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> impor novos parâmetros que po<strong>de</strong>m alterar<br />
a divisão <strong>de</strong> riscos e benefícios inicialmente <strong>de</strong>sejada pelas partes.<br />
27