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NEGUINHA MINHA - Maringá - Odiario.com

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<strong>NEGUINHA</strong> <strong>MINHA</strong><br />

Alexandre Gaioto<br />

1


3. TREZE<br />

6. TRAFICANTE EU?<br />

8. VASSOURA E ALHO<br />

9. ME PROFANA DIABO!<br />

12. PRA DINARA<br />

13. SOU UMA PUTINHA DIFÍCIL<br />

15. POR CAUSA DO AMOR<br />

18. DUVIDA?<br />

20. NO TUZINHO NÃO<br />

23. POR QUÊ?<br />

24. TIRO NO ESCURO<br />

27. FOGUEIRA DE DEUS<br />

30. LINCHA VIADO!<br />

33. SORRISO DO DEMÔNIO<br />

36. MANÍACO DA MOTO<br />

38. TCHAU BEBÊ<br />

41. <strong>NEGUINHA</strong> <strong>MINHA</strong><br />

43. CADÊ A GRANA?<br />

45. KARAOKÊ DO TATÁ<br />

46. AGACHA E ENGOLE!<br />

49. INFIEL<br />

2


TREZE<br />

Se eu tivesse um revólver<br />

Mataria essa voz<br />

Tem uma voz na minha cabeça<br />

Uma voz que dá ordens<br />

Essa voz não me deixa dormir<br />

Ela ecoa de um lado<br />

Ecoa de outro<br />

E nunca sai lá de dentro<br />

Feito um sonâmbulo<br />

Insone<br />

Rondando<br />

Se eu tivesse uma faca<br />

Cortaria o peito adentro<br />

Depois esfaquearia meu olho<br />

Talvez o direito primeiro<br />

Enquanto o sangue jorra descontrolado córnea afora<br />

Eu não esqueceria o pulso<br />

Só para garantir<br />

Se me restassem forças ainda deceparia meu pau<br />

Mas isso não prometo<br />

Se eu tivesse uma chave<br />

De moto carro apartamento treminhão<br />

Eu a engoliria<br />

E tentaria engasgar<br />

Quantas vezes fosse necessário<br />

Um controle remoto talvez fosse mais eficiente<br />

Mas a voz não quer chave nem controle<br />

Ela quer algo preciso<br />

Eu preciso encontrar algo para a voz<br />

Ela manda balançar o braço desse jeito<br />

Se eu falo gritando assim ó a culpa é dela<br />

E ela diminui o tom olha só da minha voz quando bem quer<br />

E <strong>com</strong>eça a gritar novamente<br />

Que não há nada nem alguém mais triste do que “O Cão” do Goya<br />

Exceto eu<br />

Que nada no mundo soa tão triste quanto os acordes de "Spiegel im<br />

Spiegel" do Arvo Pärt<br />

Exceto eu<br />

Ela não gosta de vocês de branco<br />

Nem do Gordão<br />

Gordão<br />

3


Aquele cara que agora dorme do meu lado né?<br />

Dormia?<br />

Que pena<br />

Gostei dele desde o início<br />

Eu<br />

Ela não<br />

Eles não se identificaram<br />

O gordão e a voz<br />

Gordo filha da puta ela me disse<br />

E ficou zunindo<br />

Zunindo<br />

Zunindo<br />

Até que eu tive de falar por ela<br />

Gordo filho da puta<br />

Gordo filho da puta<br />

Gordo filho da puta<br />

Depois ela mandou eu pular nele<br />

Pular e bater <strong>com</strong> os punhos fechados<br />

Não vá quebrar seus dedos Treze<br />

Pule e puxe a barba Treze<br />

Corte um pouco para mim Treze<br />

A ideia de furar o olho do gordo <strong>com</strong> os óculos dele?<br />

Dela<br />

De quem mais seria?<br />

Duvido que pedirá desculpa<br />

Não<br />

Ela nunca me chama pelo nome<br />

Nunca quis tomar um chope <strong>com</strong>igo<br />

Nunca quis ficar de porre <strong>com</strong>igo<br />

Eu não passo de um número<br />

Treze<br />

É assim<br />

Treze isso<br />

Treze aquilo<br />

Pegue os óculos do Gordo Treze<br />

Pegue os óculos e mete no olho dele Treze<br />

Agora<br />

Sabe o que ela diz?<br />

Que vocês são idiotas<br />

Que a roupa de vocês é idiota<br />

Que vocês estão querendo mesmo é ver meu pau grande<br />

Babando decepado na guilhotina<br />

Ninguém mais aguenta o branco deles Treze<br />

4


Fala para eles Treze<br />

Nessa sala nessas roupas no corredor no banheiro<br />

Se eu pudesse deixar a voz<br />

Você não acha que eu já teria saído daqui?<br />

E deixado ela vagando no meu lugar?<br />

Tudo o que eu quero é que ela cale a boca<br />

Quero parar de tomar esses remédios<br />

Me livrar dessa blusa escrota<br />

Que prende minhas mãos<br />

E só livra pernas e cabeça<br />

Aliás a voz está mandando eu levantar dessa cadeira<br />

Ficar de pé<br />

Saltar no chão de ponta<br />

E que se me mandarem para aquele quarto sozinho<br />

Novamente nessa semana<br />

Ela entra em todos vocês<br />

E faz ainda pior<br />

5


TRAFICANTE EU?<br />

A perna perdi na linha do trem<br />

A direita<br />

Se dói não sei não lembro<br />

Desmaiei e acordei assim<br />

O eterno manquinho do Borba Gato<br />

Respeitador de todos muito trabalhador<br />

Meu último emprego na farmácia do bairro<br />

Levando na casa o remédio dos coitados<br />

E não ficava só na rotina<br />

Sempre muito humano sabe?<br />

Conversava <strong>com</strong> os velhinhos<br />

Aceitava o chá das senhoras<br />

Ria junto delas<br />

Fazia piada da minha perna<br />

Deixava o dia um pouco feliz<br />

De bicicleta pedalando das oito às oito<br />

Cruzando a Vila Operária<br />

Rasgando a Cerro Azul de cima pra baixo<br />

Com cuidado maior na Avenida Brasil<br />

Que não sou besta de ser atropelado ali viu?<br />

Dois meses manco já pegava a prática<br />

Nem sentia mais a falta pedalando<br />

Acho que até ia mais rápido<br />

Não sei de onde tiraram essa ideia<br />

Traficante eu?<br />

Só de amor se for<br />

Nunca nem usei essas coisas aí quando jovem<br />

Nem sei a cor o peso onde vende<br />

Na hora ali fiquei é <strong>com</strong> medo<br />

Cinco carros me encurralando cantando pneu<br />

Os brutamontes gritando <strong>com</strong> a cabeça pra fora da janela<br />

Que cê faria?<br />

Me joguei na magrela<br />

Pisei fundo<br />

Na confusão até perdi um chinelo<br />

Cansado de tanto trabalho tive mau desempenho<br />

Na subida da ladeira me alcançaram os trogloditas<br />

Rindo da minha cara<br />

E da falta que a perna me faz<br />

Quem me conhecia chegou junto<br />

6


Dizendo ele é do bem trabalha na farmácia<br />

De nada adiantou<br />

Deram uns tapas no meu rosto<br />

Ofenderam minha mãe morta ano passado<br />

Chamaram de puta maloqueira daí pra baixo<br />

Zombando disseram que vou traficar agora no xadrez<br />

Sei <strong>com</strong>o é na prisão<br />

Perneta e estuprador os prediletos dos marginais<br />

Tapam a boca<br />

Não tem <strong>com</strong>o gritar<br />

Amarram os braços<br />

Passam gel às vezes perfume<br />

Lambem todas as suas intimidades<br />

Mil loucuras na sua frente atrás no seu ouvido<br />

Um por um em fila organizada<br />

Todos famintos carentes de amor<br />

7


VASSOURA E ALHO<br />

Minha mãe 87 anos<br />

Há quatro nesse vai não vai<br />

Quantas vezes no H.U.?<br />

Comida só de aviãozinho<br />

Perdi o emprego no supermercado<br />

Ninguém aguentava saindo sempre pro hospital<br />

O gerente duvidando<br />

Doente de novo sua mãe?<br />

E lá vou eu <strong>com</strong> atestado assinado<br />

Um ano tudo bem<br />

No outro me botaram na rua<br />

Eu e minha mãe de 87 anos<br />

Depois o Baiano me deixou<br />

Tão bom falava em casamento<br />

Homem sério trabalhador<br />

Sua mãe ou eu<br />

O que cê faria?<br />

Banho só <strong>com</strong>igo<br />

E quando ela <strong>com</strong>eçava a brincar?<br />

Me jogando água?<br />

De birra não levantava o braço<br />

Me chamava de Eugênio<br />

Se apertando toda contra a parede<br />

Eu <strong>com</strong> a esponja na mão a água escorrendo<br />

Chorando<br />

Ela ria<br />

Parecia coisa do demônio<br />

A conta sempre infernal no fim do mês<br />

De vez em quando recusava <strong>com</strong>ida<br />

Não abria a boca de jeito algum<br />

O mesmo <strong>com</strong> o remédio<br />

Só eu virar as costas<br />

Que ela cuspia longe<br />

Tudo isso rindo de mim<br />

Quatro anos essa a minha rotina<br />

Passear <strong>com</strong> ela na rua<br />

Ouvir no rádio a missa do padre Zezinho<br />

Aviãozinho de <strong>com</strong>ida<br />

Vendendo vassoura e alho no Borba Gato<br />

Olha vassoura e alho<br />

8


De casa em casa<br />

E pensando na mãe<br />

Eu tava na cozinha ouvindo a bênção<br />

Longe senti os dentes tremendo<br />

Os pezinhos batendo na cadeira de rodas<br />

Menos de trinta segundos<br />

Desliguei o rádio<br />

Fui até o quarto<br />

Sem espiar fechei a porta<br />

Assoviei a musiquinha da TV<br />

Aquela do fim de ano<br />

Peguei a bolsa fechei o portão de casa<br />

Com o cartão quase acabando liguei da esquina pro Baiano<br />

Nunca é tarde pra correr atrás do grande amor<br />

9


ME PROFANA DIABO!<br />

Na voz vi um sujeito aflito<br />

Tropeçando em palavra e silêncio<br />

Cheio de três pontinhos sabe?<br />

Cinco anos de rua conheço bem o tipo<br />

Combina no Meu Pato e dá balão<br />

Esperando feito trôxa eu sozinha na mesa<br />

Matando o bicho aqui dentro <strong>com</strong> goles de Presidente<br />

O lugar?<br />

Uma sobreloja na Vila Marumby<br />

Pra surpresa não cancela não<br />

Até bonito o apê em cima duma loja de sapato<br />

Toquei o interfone no primeiro andar<br />

Da linha abriu o portão<br />

Sem dizer oi pode subir vem tesão<br />

Sem elevador parti pra escada<br />

Bem metida num vestido azul curtinho salto alto<br />

No 101 o olho me espera atrás da porta meio aberta<br />

Salivando espia de baixo pra cima e empurra a porta<br />

É quatro talvez cinco mãos menor que eu<br />

Tão miúdo capaz de subir nas coxas daqui?<br />

Num risinho digo bem gostoso hem<br />

Se todos fossem assim que nem cê<br />

Ele fica suado acho que sente a mentira<br />

Não insisto<br />

Tinha um sofá laranja no centro da salinha nada demais<br />

Na mesa o portarretrato derrubado à pressa<br />

Quem abraçado a ele jurando amor eterno?<br />

Peguei pela mão e levei pro sofá<br />

Numa lambidinha na orelha ele todo contorcido<br />

Sete anos sem bimbar?<br />

Louco <strong>com</strong> as gemidas da leoa em mim ao pé do ouvido<br />

Escancara o tuzinho da tua cotovia faminta<br />

Benze de leite meu rosto minha boca não perdoa nem a covinha<br />

Soca tudo inteiro de uma vez sou tua<br />

Me profana diabo!<br />

Ele ficou louco ainda mais suado<br />

Lambendo atordoado meu decote até aqui<br />

Daí veio a campainha <strong>com</strong> alguém batendo na porta<br />

Tão branco tremendo assustado<br />

A voz pela primeira vez fraquinha<br />

10


Calma tô me trocando<br />

Corri pra trás do sofá abaixei muda<br />

Pra minha surpresa ele veio do lado<br />

Levantei achando que tinha outro esconderijo<br />

Nisso a mulher <strong>com</strong> razão mandando abrir e batendo<br />

Fraco ainda não sei <strong>com</strong>o fez aquilo<br />

Me erguendo <strong>com</strong> tudo de uma só vez no colo<br />

Tão rápido não gritei só fechei o olho<br />

Arremessada um andar sem dó pelo escroto<br />

Aqui ó a queda dói <strong>com</strong>o uma faca no tuzinho<br />

Na hora dor alguma<br />

Só a sede de enforcar aquela garganta<br />

Buscar meu dinheiro bolsa dignidade<br />

Ninguém ali se importou <strong>com</strong>igo<br />

Nem perguntaram de onde <strong>com</strong>o se eu mesma caí<br />

Enquanto um velho abria o portão aproveitei e corri<br />

Sangue no zóio!<br />

Empurrei a porta num grito alto não lembro o que disse<br />

Quem descia a mão nele era a coitada<br />

Que me jogou vinte pila a bolsa e um olhar de mulher<br />

11


PRA DINARA<br />

Fui despedido e caí na vida<br />

Precisando <strong>com</strong>prar leite e pão pros dois filhos<br />

De costa <strong>com</strong> a família sem um centavo pra dívida<br />

Enterrado pra sempre na miséria e azar?<br />

Pensei que sim<br />

Deus tinha então me abandonado<br />

Ah cotovia no terror é tão triste lembrar o dia feliz<br />

No bairro já não me olhavam mais<br />

O alvo favorito das mentiras do Tatá<br />

Dedão na minha frente gritando ofensa e palavrão<br />

Logo eu roubando dinheiro do caixa do karaokê?<br />

Jurei em nome de Deus mostrei bolso carteira debaixo do boné<br />

Não quiseram ver lugares íntimos<br />

Tiram a honestidade sem prova numa sexta qualquer<br />

Pra sempre traidor até o fim dos dias<br />

Verdade sim cotovia me envolvi em coisa ruim<br />

Arrependido cada vez que deito a cabeça e durmo<br />

Teve mesmo o lance do roubo no velho<br />

Na mansão sem machucar ninguém<br />

Pra pegar só um dinheiro de quem tem muito<br />

Tudo isso <strong>com</strong> bebida sem dormir e maldito<br />

Longe de ser perfeito<br />

Ao seu lado morro de orgulho<br />

Aqui ó a pontinha de vergonha da tua pureza<br />

Todo meu carinho e agradecimento<br />

Trabalhar no culto me deu uma coisa boa<br />

Dentro fundo sabe <strong>com</strong>o é?<br />

Cotovia<br />

Sou um homem só<br />

Mas sou todo seu<br />

Se quiser claro<br />

Com carinho<br />

Seu devoto<br />

Baiano<br />

Viu só Marta?<br />

Que grandalhão assim te manda flor <strong>com</strong> carta no sábado?<br />

12


SOU UMA PUTINHA DIFÍCIL<br />

Sou uma putinha difícil<br />

Não entro no carro se tão drogados<br />

Desconto não faço se o cara é bonito<br />

Não fico gemendo<br />

Não libero o tuzinho<br />

Não sinto prazer algum na bimbada<br />

Quando eu conseguir a grana<br />

Vou embora daqui<br />

Tudo isso por causa da minha mãe<br />

Que tá em casa há um ano passando mal<br />

Nessa coisa do morre não morre<br />

Minha mãe matou a minha vida<br />

Não deu pra continuar <strong>com</strong> o namorado<br />

Deixei tudo muito claro<br />

Ele me bateu<br />

No meio da rua<br />

Na frente de todo mundo<br />

Cê sempre foi uma puta mesmo<br />

Tão difícil a gente ouvir essas coisas<br />

Ainda bem até agora dei sorte<br />

As histórias das outras não são nada boas<br />

Quando será a minha hora?<br />

A gente nunca sabe quem é o motorista<br />

Tão dizendo que agora tem um cara aqui na cidade<br />

Espancando geral<br />

Um cara bonitão<br />

Do seu tipo<br />

Não é cê não né?<br />

Quem me contou foi a Marta<br />

Eles tavam no motel<br />

Diz que o cara foi um anjo<br />

Quando voltavam parou o carro<br />

Desce sua puta<br />

Ela ficou assustada<br />

No meio do nada<br />

Que cê vai fazer <strong>com</strong>igo?<br />

Arrancou a roupa dela<br />

Bateu <strong>com</strong> uma barra de ferro<br />

Nas coxas<br />

Nas costas<br />

13


Na cabeça<br />

Diz a polícia que o cara ainda rasgou a blusa<br />

E continuou dando paulada <strong>com</strong> o ferro<br />

Com tudo ensanguentado<br />

Como ele teve estômago?<br />

Tem maníaco pra tudo em <strong>Maringá</strong><br />

Sozinha<br />

No meio da plantação de milho<br />

Cheia de porra no rosto<br />

E se não fosse o motoqueiro que passou e deu ajuda?<br />

Por isso que eu digo<br />

Quero o meu dinheiro<br />

Só pra pagar o hospital<br />

Vou desaparecer pra sempre dessa merda de cidade<br />

14


POR CAUSA DO AMOR<br />

Como matei meu marido?<br />

Que absurdo doutor<br />

Não aguento mais chorar<br />

Repito sim<br />

Só posso tirar o chinelo?<br />

Meu pé ta coçando bem na sola<br />

Acho que é frieira<br />

Coça o dia todo ó<br />

Esfolado quase sangrando<br />

Frieira infeliz que não me deixa morrer de tédio<br />

Minha história <strong>com</strong> o Zal não foi assim <strong>com</strong>o tão dizendo<br />

Eu amava o pai dos meus filhos<br />

Mesmo <strong>com</strong> quase um ano sem bimbada<br />

Na última vez foi meu presente de natal<br />

Nesse ano nem isso<br />

Cada vez mais frio distante<br />

Piorou <strong>com</strong> a bebida<br />

Me batia na segunda terça quarta quinta<br />

Com pausa na sexta<br />

Re<strong>com</strong>eçava tudo no sábado quando falava <strong>com</strong> uma mulher no celular<br />

Nunca descobri quem era<br />

Um dia ouvi sussurrando<br />

Neguinha minha<br />

Me proibiu de usar saia<br />

Obrigada a sair de casa <strong>com</strong> blusa até nos dias mais quentes<br />

Ai se olhasse pro lado<br />

Lá vinha a mão pesada no meu dorso<br />

No meio da rua<br />

No supermercado<br />

Em frente do Meu Pato<br />

Decote?<br />

Queimou todas as blusinhas num domingo depois do jogo do Grêmio<br />

Rindo alto barriga de fora as crianças assustadas<br />

Dois meninões toda minha vida<br />

Pra <strong>com</strong>emorar os sete anos de casada fiz surpresa<br />

Depois do trabalho voltei <strong>com</strong> as unhas pintadas de vermelho<br />

E pimba!<br />

Me bateu <strong>com</strong> a vara de pescar na área de serviço<br />

As marcas do molinete até hoje aqui na minha coxa ó<br />

Quando casamos ele adorava minhas unhas assim<br />

15


Agora dizia que eram de puta vadia biscate<br />

O senhor já apanhou de vara?<br />

Sabe <strong>com</strong>o dói?<br />

Eu sei<br />

Depilação sorvete no shopping<br />

Andar no Parque do Ingá<br />

Atravessar o portão de casa<br />

Ele proibiu tudo<br />

Com ciúmes até do carteiro Valdemar<br />

Homem tão bom de conversa e conselho<br />

Minha vida foi isso um ano<br />

Longe das amigas que escreviam bilhetes<br />

Jogando pelo muro atrás da nossa casa<br />

Eu sei que tem essa lei da mulher<br />

Mas nunca aconteceu na sua pele<br />

Cê não sabe o que é isso não<br />

Com todo o perdão<br />

O inferno te consome<br />

Tendo que fazer tudo escondido inclusive as <strong>com</strong>pras pros almoços né?<br />

Senão ele me batia porque não tinha feito a <strong>com</strong>ida<br />

Mas se eu fazia me batia também porque saía de casa<br />

E ficava perguntando <strong>com</strong>o me enganava<br />

Que horas meus encontros<br />

Com qual amigo dele<br />

Me enganando a vida toda neguinha?<br />

Tentei a morte quatro vezes<br />

Todas nesse ano<br />

As duas primeiras <strong>com</strong> estilete<br />

Na terceira engoli as pilhas que cê me lembrou antes<br />

Pra sair um horror né?<br />

Nunca mais<br />

Depois tentei o atropelamento que também não deu certo<br />

Não é muito fácil suicídio em <strong>Maringá</strong><br />

Como acusada de assassina se nem eu mesma consigo me matar?<br />

Mas o senhor veja<br />

Tô aqui repetindo meu amor<br />

Continuei um ano <strong>com</strong> ele por causo de amor<br />

Acreditava de verdade que aquele homem voltaria pra mim<br />

Nunca vi igual na cama<br />

Um fogo uma coisa daquelas sempre disposto<br />

Vamos dar uma bimbada?<br />

Aí vinha aquela covinha bonita que eu casei<br />

Mas depois parou a bimbada<br />

16


E <strong>com</strong>eçou a pancadaria<br />

Não que deixei de amar um dia<br />

Sempre acreditei que o Zal ia melhorar<br />

O senhor sabe<br />

Duas vezes já repeti isso nessa sala<br />

Sofri aqui dentro do peito<br />

Mas isso não dá pra ver né?<br />

Não ia caber aí no papel<br />

O maior amor do mundo<br />

Pode acreditar<br />

17


DUVIDA?<br />

Meu nome é Dinara<br />

No quinto copo pronta pro abate<br />

Solteira que Deus o tenha<br />

Não tive mãe nem pai<br />

Criada <strong>com</strong> os filhos do pastor Messias na Vila Operária<br />

Obrigada a chupar o pau dele segurando a Magali<br />

Tadinha da minha boneca de pano<br />

Hoje é fácil de rir<br />

O velho safado destruiu a minha infância<br />

Como estudar <strong>com</strong> aquela pica enorme na cabeça?<br />

Mas ensinei tudo às amigas<br />

De <strong>com</strong>o pegar botar na boca passar na bochecha sorrindo<br />

E fechar o olho rapidinho<br />

Antes da porra espirrar<br />

Uma última passada no rosto melecado<br />

Todos à loucura<br />

Quando fugi daquele lugar<br />

Já era mulher da vida<br />

A mais procurada aqui do Skolzinho<br />

Com o tempo cê sabe<br />

Mais caro o de pau grande<br />

Senão cê não guenta<br />

Ai meu bem<br />

Você é dos grandão que eu sei<br />

Quarenta o programa mais quinze do quarto<br />

Vinte a chupetinha mais os quinze<br />

Ainda tô no terceiro copo hoje<br />

Não me paga um vinho não?<br />

Mas por que tantas perguntas querido?<br />

Já conheceu nossas garotas?<br />

Chegou uma nova mês passado<br />

Marta loira 18 anos<br />

Um anjo de garota que só<br />

Novinha da sua idade<br />

Linda pra namorar<br />

Ou algo mais experiente?<br />

Quer tentar meu bem?<br />

Para de roer a unha<br />

Faz mal<br />

Te mato de prazer atrás da porta<br />

18


De calcinha vermelha bem fina<br />

Comigo sempre a experiência mais gostosa<br />

Qual é seu nome?<br />

Fala aqui pertinho vem<br />

Medo de mim?<br />

Que delícia de nome<br />

Te faço latir feito cachorrão Celso<br />

Celsão selvagem<br />

Hum<br />

Não tem medo não<br />

Com um quarto mudo sua vida<br />

Duvida?<br />

19


NO TUZINHO NÃO<br />

Com 14 anos já era assim<br />

Ele assanhado <strong>com</strong> as mãos em cada parte da minha perna<br />

Joelho<br />

Beijinhos na orelha<br />

Lambidinhas na orelha<br />

Na pontinha sabe?<br />

Ele vinte e cinco anos mais velho<br />

Perdido na vida desde aquele tempo<br />

Bem rapidinho colocava lá dentro<br />

Na minha pititita<br />

Pra onde o pulso dele ia?<br />

Todinho enfiado em mim?<br />

Deu medo<br />

Me chamava de amor<br />

Tirava aquela coisa grande e gosmenta<br />

Não o pulso<br />

Aquela outra coisa<br />

Batia de leve na minha cabeça enquanto eu abocanhava<br />

E me colocava no colo<br />

Pocotó<br />

Pocotó<br />

Pocotó<br />

Vem minha neguinha<br />

Como eu ia<br />

Tudo isso pra eu ficar de cachorrinho no final sabe?<br />

Até que gostava<br />

Fazia um pouco de cosquinha<br />

Mas de repente entrou no buraco<br />

Na coisa<br />

Lá<br />

Apertado<br />

Minha vida ali em desespero<br />

Sangrando toda a alma<br />

Quase dois meses sentindo aquela coisa dentro de mim<br />

Por trás<br />

E pocotó<br />

Pocotó<br />

Pocotó<br />

Com meu segundo namorado deixei tudo muito claro<br />

Não na portinha de trás jamais<br />

20


De nada adiantou<br />

Se eu bobeava lá vinha ele<br />

E pimba!<br />

De uma só vez<br />

Reclamar <strong>com</strong>o na hora do amor?<br />

Sorrindo alucinado olhando pra mim<br />

Eu a mulher da vida dele<br />

Durante quatro semanas<br />

No terceiro namorado me adiantei<br />

Sexo sim<br />

No tuzinho não<br />

Bem respeitoso o Celso<br />

Mais jovem<br />

Tímido<br />

Muito magrelo é verdade<br />

Mas de grande coração<br />

Eu que mexia nele<br />

Colocava a mão dele em mim<br />

Tava tudo bem<br />

O trauma passado<br />

Ficamos dois anos<br />

Depois não deu mais<br />

Ele sempre <strong>com</strong> sangue no zóio<br />

Pensando na bimbada<br />

Enlouqueceu o coitado<br />

Tô viciado no cê!<br />

Sem avisar na hora da bimbada escapou pro buraco de trás<br />

No tuzinho não!<br />

Aí ele não me largou<br />

Pegou <strong>com</strong> mais força<br />

Segurando pelo ombro ia <strong>com</strong> tudo<br />

Três vezes sem parar<br />

Pocotó<br />

Pocotó<br />

Pocotó<br />

Três vezes no tuzinho<br />

Por Deus<br />

Acho que é por isso<br />

Quer dizer<br />

Acho né?<br />

Eles os homens nunca vão entender a gente<br />

Cê nunca me fez esse tipo de proposta Marta<br />

21


Ou coisa parecida<br />

Desisti deles pra sempre sabe?<br />

22


POR QUÊ?<br />

Doce às vezes caramelo <strong>com</strong> hortelã<br />

Do amargo do tomate seco uma lembrança<br />

Menos acentuada que o azedo do maracujá doce<br />

Se passo a língua<br />

E não é o mistério a preliminar favorita?<br />

Nunca sei o que encontrar<br />

Muda de dia <strong>com</strong> o humor<br />

Triste tão singelo calado<br />

Alegre meio amarelo<br />

Na semana sente minha falta<br />

Sem quem regue <strong>com</strong> carinho<br />

Primeiro a língua caminha apreensiva<br />

Pequenos círculos<br />

Lenta sente na ponta quando treme<br />

Desbravando molha <strong>com</strong> força<br />

Tira e enfia<br />

Te pega no susto encharca de desejo<br />

Você pede<br />

Mete!<br />

Mas não<br />

Ainda não<br />

De costas te viro puxo o cabelo<br />

Uma ou outra sacanagem<br />

Antes meu amor<br />

Mão cheia um tapa ardido na sua bunda<br />

De quatro<br />

Mando<br />

Você me recebe quente<br />

Arrepia a coxa afogada em suspiros<br />

Seus pelos<br />

Não sabia que tão bom<br />

Você grita<br />

O salgado da cachaça<br />

Esse cheiro de amora no café fresco<br />

Por isso Luana gosto tanto de lamber seu cu<br />

23


TIRO NO ESCURO<br />

Saí do Skolzinho bem cedo até<br />

Com a crise ninguém mais quer gozar<br />

Foi depois do terceiro programa<br />

Acho que por volta das duas da manhã<br />

Isso naquele sábado amaldiçoado<br />

O último cliente era um garoto virjão<br />

Virjão mesmo<br />

Lembro bem<br />

Celso<br />

Brinquei dizendo que era Celsão garanhão<br />

Garanhão selvagem<br />

Magina?<br />

Fiz o programa em seguida fui embora<br />

Peguei minha bolsa lá atrás no puxadinho<br />

Disse tchau pra Marta<br />

O segurança não tava na porta pra me ver sair<br />

Tava ameaçando chover eu quase chamei o mototáxi<br />

Mas resolvi economizar<br />

Que azar<br />

Na esquina o carro parou do meu lado<br />

Uma Pampa velha toda arrebentada<br />

Tem cigarro gostosa?<br />

Dois caras lá dentro me encarando<br />

Olhei pra ver se o segurança tinha voltado<br />

E pimba!<br />

Abriram a porta desceram<br />

Só um cigarro gostosa<br />

Não tenho seus nóia!<br />

Brilhando o dente dele na luz do poste<br />

Me meteu uma muqueta no meio da boca<br />

Desmaiei<br />

Fui ver tava na caçamba <strong>com</strong> mão pé e boca tudo amarrado<br />

O que me bateu era um tal de Bode<br />

O motorista um tal de Baiano<br />

Bode e Baiano<br />

Nessa foto daí é o Bode mesmo<br />

Não demorei pra acordar não<br />

Eles me levaram pra perto da UEM naquele prédio vazio<br />

O Bode saiu do carro e empurrou o portão<br />

Os dois rindo sempre alto muito alto<br />

24


Dava pra ver de longe que tavam loucos<br />

Falavam de um assalto que tinham feito naquele dia<br />

Não sei se isso ajuda<br />

Parece que tinha dado tudo certo<br />

Era eu a <strong>com</strong>emoração deles<br />

Entramos no prédio<br />

Tudo vazio <strong>com</strong> um cachorro latindo<br />

Bateram no bicho coitado mais um crime deles<br />

O Baiano disse que ia pegar algema e fogo pra me mutilar<br />

Bem assim mesmo<br />

Vou mutilar o cê sua puta véia do carai<br />

Me espera <strong>com</strong> o fogo desgraçada<br />

Meu Deus <strong>com</strong>o eu chorava<br />

O Bode veio pra cima<br />

Neguinha minha<br />

Tentou me beijar<br />

Cuspi na cara<br />

Me meteu uma coronhada aqui desse lado<br />

Putinha difícil cê<br />

Abriu sorrisão<br />

Meteu a boca no meu pescoço e arrancou minha blusa<br />

Derrubada não conseguia equilíbrio<br />

Mas <strong>com</strong> o pé amarrado ele não conseguia meter<br />

Quando tirou a fita aproveitei<br />

Me joguei no braço dele<br />

Caímos rolamos no chão frio da construção<br />

Não sei <strong>com</strong>o a arma foi parar na minha mão<br />

Nunca fiz um disparo<br />

Um tiro só bastou<br />

Senti que ele me largou<br />

Não olhei pra trás<br />

Corri corri corri<br />

Alcancei a rua<br />

Tava tonta desesperada ainda não sentia dor nem vi sangue<br />

Naquela confusão o maldito arrancou um pedaço da minha bochecha pode?<br />

Só senti no dia seguinte<br />

Por sorte o crente tava passando ali mais a esposa<br />

Esse mesmo<br />

Juvenal da Silva Dias<br />

Esqueço o nome de um ou outro peguete<br />

Aquele ou outro cliente de sempre<br />

Mas esse jamais<br />

Eu não sei o que fazer<br />

25


Sei que vocês acharam meus papéis bolsa celular<br />

Enfim tudo lá <strong>com</strong> o corpo<br />

Nem sabia que o cara tava morto<br />

Foi um tiro no escuro<br />

E ainda consegui salvar minha vida<br />

Não tenho dinheiro pra pagar um bom advogado<br />

Mas nunca vou achar justo ser julgada por isso<br />

Legítima defesa viu?<br />

Eles mesmos disseram<br />

Iam me mutilar <strong>com</strong> fogo e tudo mais<br />

Não tive culpa de acertar<br />

Disso não me arrependo<br />

Se pudesse metia uma bala nesse Baiano também<br />

Corro risco de ser presa?<br />

Cêis vão conseguir prender o maldito?<br />

26


FOGUEIRA DE DEUS<br />

Jesus levou tudo<br />

Nunca mais devolveu<br />

Nadinha<br />

Primeiro foi a casa<br />

Suíte banheiro grande quintal e puxadinho<br />

Eu não queria dar não<br />

Mas eles pediram tão alto né?<br />

Daí tinha que dar sim<br />

Saí do banco que dividia <strong>com</strong> minha mulher e outros cinco fiéis<br />

Ela segurando forte minha mão quase não soltou quando levantei<br />

Bem sabia que eu tava indo pro mal caminho<br />

Senão eu não tava aqui né?<br />

Mulher sábia<br />

Lá na frente o pastor chamava<br />

Que a gente precisava pagar a viagem<br />

Que eles iam rezar no nome de todo mundo na frente do muro<br />

Não lembro o nome dele<br />

Não do pastor<br />

O nome do muro<br />

Mas por que viajar tão longe só pra rezar na frente do muro né?<br />

<strong>Maringá</strong> já não tem muro bastante?<br />

Cachorro não mija naquele muro não?<br />

Pedi licença pra senhora do meu lado<br />

Tão velha tadinha<br />

Deu tudo o que tinha<br />

Até os brincos o pastor pediu<br />

Eu mesmo queria ir embora<br />

Mas não podia sair no meio de todo mundo né?<br />

O que iam pensar de mim?<br />

Filho de satanás?<br />

Não queria a oração deles?<br />

Traindo Jesus de novo Juvenal?<br />

E se perguntassem isso?<br />

Fui tremendo<br />

Lá na frente o pastor não me olhava<br />

Botou os olhos pra cima da minha cabeça<br />

E lá as duas mãos<br />

E a sua casa Juvenal?<br />

Aquela que benzi eu mais o Senhor?<br />

Vamos colocar ela aqui no nome do Senhor Juvenal<br />

27


Vamos Juvenal<br />

Vamos não<br />

Pensei mas não consegui falar<br />

Então ele olhou sorriu e <strong>com</strong>eçou a gritar<br />

Palmas pro Juvenal que agora será abençoado<br />

Na vida eterna pra todo sempre irmãos amém<br />

E todo mundo aplaudia<br />

Quando eu voltava pro banco ele me puxou de novo<br />

Juvenal e o seu carro Juvenal?<br />

Não meu carro não pastor respondi baixinho<br />

Juvenal cê não precisa disso Juvenal<br />

Não deixe o Satanás te guiar Juvenal<br />

Que cê vai ter em dobro irmão<br />

Tudo em dobro em nome de Jesus<br />

Daí cê viu né?<br />

As quarenta pessoas aplaudindo de novo e chorando<br />

Mas quem chorava no fundo era eu<br />

Como eu ia pro trabalho?<br />

Toda manhã de carona <strong>com</strong> Jesus?<br />

Desespero muito sim<br />

Acho que nunca suei tanto<br />

O pastor me empurrou pra mesinha do lado<br />

Onde sentava uma moça bonita<br />

É Juvenal do quê?<br />

Aquele perfume o sorriso eu nunca esqueço<br />

Juvenal da Silva Dias<br />

Pediu meu documento<br />

Tirei do bolso da calça<br />

Essa mesma que tô usando<br />

Ela anotou umas coisas lá<br />

E me deu um papel pra escrever nome e R.G.<br />

Aí o pastor já tava do meu lado<br />

Começou a gritar tudo de novo<br />

Que Juvenal a gente tem que rezar pra todos no muro e pôr as orações lá<br />

E que pra ir no muro tem hotel passagem de avião conta de luz<br />

Mas que doasse<br />

Em dobro ainda em vida<br />

Tudo em sete meses<br />

Bem no tempo que sempre foi do Criador<br />

Quando terminei de assinar ele mandou todo mundo aplaudir<br />

Logo chamou outra pessoa<br />

A sensação?<br />

De liberdade<br />

28


Sai a pressão do mundo e da situação né?<br />

Não deram só carro e casa não<br />

Eles aceitavam de tudo<br />

Quem não tinha casa dava microondas <strong>com</strong>putador TV tênis brinco<br />

Minha mulher desmaiou no meio do culto<br />

Calor infernal o daquela fogueira<br />

Fomos pra casa<br />

Mas já tinha gente da igreja lá<br />

Três homens fortes que nunca vi<br />

Mostravam o papel <strong>com</strong> meu nome assinado e R.G.<br />

Implorei por um banho em nome de Jesus<br />

Depois de muito insistir deixaram<br />

Mas não pude tocar nem pegar em nada<br />

Tomei banho <strong>com</strong> o cara sentado na privada<br />

Uma prova?<br />

A única coisa que tenho é isso aqui ó<br />

Esse papel dizendo que um pedaço do céu é meu<br />

Aqui embaixo assinado pelo Senhor Jesus Cristo<br />

Perdi o emprego porque não tinha carro<br />

Sem carro não Juvenal<br />

Nem quiseram ouvir sobre o dia da fogueira<br />

Logo você Juvenal?<br />

Ninguém foi rezar por mim no tal muro<br />

Faz sete meses já<br />

Enganado sim feito idiota<br />

Que eu faço <strong>com</strong> esse papel aqui?<br />

Sem carro casa nem oração?<br />

29


LINCHA VIADO!<br />

Tava queto no meu canto<br />

Esperando o três três cinco pra voltar pra casa<br />

Sempre espero ali sim senhor<br />

Na Avenida Mauá em frente do shopping Avenida Center<br />

Se tenho dinheiro <strong>com</strong>pro um pastel no japonês<br />

De pizza<br />

Mas esses dias tão foda cê sabe<br />

É a crise né?<br />

O ponto tava vazio às cinco e meia<br />

Meia hora que faz toda a diferença<br />

Quando eu saio às seis já tá lotado<br />

Daí que eu esperava o meu<br />

Tava sem óculos<br />

E fico forçando a vista pra longe<br />

Miopia da brava doutor<br />

Minha mulher reclama diz que dá ruga<br />

Melhor a ruga que perder o três três cinco<br />

Nem tinha reparado que aquela tranqueira já tava lá<br />

Só vi quando provocou<br />

Que olhar sério<br />

Olhei pra bicha e achei melhor nem ligar sabe?<br />

Sou de paz não procuro encrenca<br />

Magricela de camisa cavada<br />

Chinelo rosa no pé<br />

Bermuda laranja<br />

Não levo desaforo pra casa mas deixei passar<br />

Que gato<br />

Fiquei na minha ainda doutor<br />

O nervo pulsando<br />

É a nossa Maringay né?<br />

Tem que respeitar<br />

Dei um olhar de ódio pra bicha<br />

E adiantou?<br />

Cara feia é fome vai uma <strong>com</strong>idinha?<br />

Porra aí não deu<br />

Aquele viado já me achando da turma dele?<br />

Logo eu?<br />

Meti uma bica no estômago<br />

Ele caiu de frente<br />

Pulei em cima da costa <strong>com</strong> meu coturno antigo<br />

30


85 quilos que era só pra assustar<br />

Dei uns seis ou sete pulos assim<br />

Ele lá sentindo prazer<br />

Não pedia uma desculpa<br />

O chinelo rosa longe do pé<br />

Pede desculpa seu filho da puta!<br />

Nada doutor<br />

Gemia de prazer o masoquista magricela<br />

Uns três carros pararam no lugar do ônibus<br />

Lincha viado!<br />

Daí que não sei de onde surgiu aquele maluco ali da outra sala<br />

O gordo barbudo metaleiro<br />

Me deu um empurrão fui sentar no banco do ponto<br />

Levantou o viado que continuava gemendo<br />

A plateia mais alto<br />

Lincha viado!<br />

O gordão olhou pros carros<br />

O viado preso pelo cangote<br />

Jogou a bicha no chão<br />

Doeu até em mim<br />

Baixou a bermuda laranja<br />

Aí o viado <strong>com</strong>eçou a gritar <strong>com</strong> medo mesmo pela primeira vez<br />

Acho que até ouvi uma desculpa<br />

Tinha umas dez pessoas já em volta<br />

Uma cega pedindo detalhes<br />

O japonês abandonou o pastel empolgado<br />

O gordo abriu uma bolsa e tirou um pau de bateria<br />

Daqueles que toca o instrumento<br />

É baqueta?<br />

Se o senhor diz<br />

Sem mais nem menos enfiou o troço quase inteiro na bunda do cara<br />

Nem deu pra perceber o que o gordo ia fazer doutor<br />

Falei que eu tava sentado<br />

Quando vi o pau da bateria<br />

Dois segundos ele já tinha desaparecido no cu do viado<br />

Tenho estômago forte<br />

Mas aquilo foi demais<br />

Aquele gordão ali é barra pesada<br />

O pior inimigo da face da terra<br />

Não me deixa junto dele não<br />

Uma coisa de trinta centímetros assim ó<br />

Desaparecer quase toda sem uma cuspida no rabo?<br />

O japonês do pastel sorria feito aniversariante<br />

31


Os motoristas <strong>com</strong>emoravam<br />

Lincha viado!<br />

Foi ouvir o sinal da polícia<br />

Que o gordo saiu <strong>com</strong>o foguete<br />

Mas é gordo né?<br />

Desceu à esquerda chegou na Avenida Brasil cruzou que nem louco<br />

E prenderam o bicho acho que na frente daquela escolinha de criança né?<br />

E eu que só queria chegar em casa<br />

Tenho um primo viado doutor<br />

Nada contra<br />

Sempre tratei muito bem ele e o namorado<br />

Respeito os maringays<br />

Mas eles me respeitam?<br />

Tá foda viver por aqui viu?<br />

Esse mundo muda rápido<br />

Acho barbaridade o que fizeram <strong>com</strong> o viado de verdade<br />

O que ele menos deve tá reclamando é do meu coturno antigo<br />

Não sei <strong>com</strong>o aquele gordo surgiu na história<br />

Pode perguntar pra quem tava lá<br />

Pro japonês<br />

Apareceu já <strong>com</strong> mochila e baqueta<br />

Trabalho de pedreiro de segunda a segunda<br />

Tô fazendo um prédio ali no centro novo<br />

O doutor pode trazer um pouco de água?<br />

32


SORRISO DO DEMÔNIO<br />

Minha vida arruinada<br />

Não fosse a força do pastor Messias que evitou o suicídio<br />

Lendo a palavra ao lado da minha caminha<br />

Vem às nove da manhã todo dia<br />

Não posso andar<br />

Cê tá vendo?<br />

Envergonhado até o último suspiro<br />

Dos amigos recebo todo apoio<br />

A minha vergonha eterna entrando no H.U.<br />

Jamais esquecerei<br />

Escoltado pela polícia<br />

Mancando feito doente<br />

Minha bermuda laranja toda ensanguentada na parte de trás<br />

Dói só de lembrar<br />

Só uma coisa da polícia<br />

Me trataram muito bem<br />

Me levaram no carro de sirene tocando desrespeitando sinal<br />

A urgência do caso né?<br />

Mas sumiram <strong>com</strong> 150 reais<br />

Meu vale refeição e celular<br />

Ainda bem deixaram passe de ônibus e documento<br />

Tudo dentro da bermuda laranja<br />

No bolso fechado <strong>com</strong> zíper<br />

Nunca mexi <strong>com</strong> ninguém<br />

Namoro sério o Baiano<br />

Não queria que aparecesse aí no papel<br />

Sério casado tá pra separar da mulher<br />

Vamos viver juntos e felizes aqui na Vila Marumby<br />

No ponto de ônibus chegou o desgraçado<br />

Queria saber meu nome de onde eu era<br />

Não dei papo<br />

O ponto vazio ninguém às cinco e meia<br />

Pego sempre o três três cinco ali<br />

Saio da frente do shopping Avenida Center e paro no Cesumar<br />

Venho andando até aqui em casa<br />

Sou fiel sabe?<br />

E insistia<br />

Que eu era lindo<br />

Veio me pegando<br />

Me agarrou lascou um beijo quase na boca<br />

33


Não faz meu tipo não<br />

Elogiando minha camisa cavada<br />

Voz baixa grave de sedutor<br />

De que vale a vida sem fidelidade?<br />

Amo Baiano meu namorado<br />

Na vida um príncipe<br />

Na cama um animal<br />

Sou incapaz de qualquer traição<br />

Empurrei sim<br />

Disse que não jamais se afaste seu puto<br />

Cê podia imaginar<br />

Ó <strong>com</strong>o tá escuro aqui<br />

Essa é do primeiro chute<br />

A marca do coturno pesado preto feito a morte<br />

Caí no chão<br />

Pulava em cima de mim feito louco<br />

Gritei por Jesus Nossa Senhora São Mateus<br />

Me chamava de masoquista<br />

Eu sufocado ia morrer ali?<br />

Olha aqui nas costas o estrago<br />

Marcas que não saem tão fácil<br />

Quando achei que era o fim do inferno<br />

Surgiu então satanás<br />

Gordo de camiseta preta <strong>com</strong> estampa do capeta<br />

Barba grande cortada <strong>com</strong> navalha<br />

Cabelo ensebado um nojo<br />

O que seria de mim?<br />

Me puxou pra cima na cara dele<br />

Senti a barba roçando minha fuça<br />

O banguelo sorriso do demônio<br />

Já tinha uns carros parados no ponto de ônibus<br />

Todo mundo gritava<br />

Eu não conseguia escutar nada<br />

Me jogou no chão<br />

Ele ia pisar em mim?<br />

Não<br />

Arrancou minha bermuda ali mesmo<br />

O pessoal do carro sorrindo batendo palma<br />

Me ajudem<br />

Era o cão em todos eles<br />

Meu dia tinha chegado<br />

Pai nosso que estás no céu santificado seja o vosso nome venha a nós o<br />

vosso reino<br />

34


No meio da oração achei que tava sendo estuprado pelo gordo<br />

Doeu <strong>com</strong>o doeu<br />

Sentia o sangue saindo da minha bunda<br />

Aquilo não era um pinto jamais não<br />

Um pedaço de madeira todo enfiado em mim<br />

Sem dó nem lubrificação<br />

Que eu desmaiei<br />

Ainda bem esses anjos passaram ali e me botaram no carro da polícia<br />

Me ajudaram no hospital<br />

São homens de Deus<br />

Salvaram minha vida<br />

Minha honra<br />

Nada de mim seria sem eles<br />

Minha situação tá difícil<br />

É remédio remédio remédio e café pras visitas<br />

Sei que é pedir muito<br />

Mas tem <strong>com</strong>o eu ter meu dinheiro de volta?<br />

E o celular?<br />

35


MANÍACO DA MOTO<br />

Eu tinha brigado <strong>com</strong> o Baiano<br />

Ele já tava bêbo<br />

De olho na gordinha da mesa ao lado<br />

Vai saber o que fez <strong>com</strong> ela depois do Meu Pato<br />

No meio da briga me chamou de puta<br />

Gorda baranga do carai<br />

Com o taco de sinuca ameaçou uma surra<br />

Ali mesmo no meio do bar<br />

O Gordão e o Bode tavam junto<br />

Eles pensam que sou trôxa<br />

Bem sabia o motivo da alegria<br />

Comemorando mais um assalto<br />

Pagando cerveja pra todo mundo<br />

Era só pedir<br />

Daí na esquina mesmo liguei pro mototáxi<br />

Esperei cinco minutos<br />

O cara parou na minha frente<br />

Esticou o capacete<br />

Corrida pra onde mesmo?<br />

Moro perto dali<br />

Pouco pra lá do Bar do Vermelho<br />

Mas não arrisco voltar andando<br />

Terra de maníaco é <strong>Maringá</strong><br />

Rua Vasco da Gama<br />

A cor?<br />

Preto feito a morte<br />

Que era bonito era<br />

Não tava nervoso<br />

Subimos pra Avenida Cerro Azul<br />

Ele virou o redondo certinho<br />

Seguiu<br />

No meio da Cerro Azul o pedido<br />

Se eu in<strong>com</strong>odava de passar num amigo<br />

Coisa rápida cinco minutos<br />

Só pegar um boné emprestado<br />

Não quis não<br />

Ele disse que não ia cobrar<br />

Ainda fazia desconto<br />

Entrou numa vilinha<br />

Uma coisa esquisita<br />

36


Ruas estranhas<br />

Logo me perdi<br />

Vi que tinha algo errado<br />

Parou a moto numa rua deserta<br />

Na pressa de descer queimei a perna no escapamento<br />

Neguinha minha<br />

Todo fogoso pra cima de mim<br />

Musculoso<br />

Macho pra danar<br />

Se não gritei?<br />

Não parava de tremer<br />

A voz nessas horas desaparece<br />

Em momento algum tirou o capacete<br />

Deu uns tapinhas na minha bunda<br />

Eu abandonada<br />

Me fodeu feito um animal<br />

Descontrolado<br />

Um último tapa na bunda pra marcar a carne<br />

Antes de levantar a viseira<br />

Com o salto do sapato chutei no olho<br />

E corri<br />

Minha salvação de estar aqui<br />

Não posso ouvir barulho de moto<br />

Começo a tremer<br />

Lembro dos detalhes<br />

Do Baiano me ameaçando <strong>com</strong> taco<br />

Da vilinha<br />

Dele deitado sobre eu<br />

A voz desaparece<br />

Fico muda sem palavras<br />

Forte dispara o coração<br />

37


TCHAU BEBÊ<br />

O nome?<br />

Confesso nem tinha escolhido<br />

Eu tão moça<br />

Não saberia cuidar de criança não<br />

Cê imagina?<br />

Como tratar <strong>com</strong> carinho?<br />

E a escola?<br />

Com que dinheiro <strong>com</strong>prar fralda leite roupinha?<br />

Tava apavorada<br />

Quem me conhece viu<br />

A barriga crescendo<br />

O medo<br />

O desespero<br />

Tudo piorou quando fiquei sozinha<br />

Assim<br />

Nunca soube quem era o pai<br />

Podia ser o Baiano<br />

Podia ser o Gordão<br />

Podia ser o Bode<br />

Nunca fui mulher de um homem só<br />

Sempre tinha mais de um ovo na minha cestinha<br />

Aí me despediram das Lojas Americanas<br />

Entrei fundo na bebida<br />

Era cachaça todo o santo dia<br />

Cachaça no Bar do Moacir<br />

Cerveja no Bar do Moacir<br />

E Torcida de pimenta e queijo<br />

A primeira a chegar bem cedo<br />

Seis da tarde<br />

A última a sair<br />

Depois não acabava<br />

Ia direto pro Meu Pato<br />

Já ia meio bêba<br />

Era cerveja no Meu Pato<br />

Cachaça no Meu Pato<br />

E Torcida de pimenta e queijo<br />

Sempre saindo às cinco às seis da manhã<br />

Carregada<br />

Por quem?<br />

Baiano<br />

38


Bode<br />

Gordão<br />

Daí cê já viu né?<br />

Depois do Meu Pato nada recordo<br />

Liguei uma vez pro Baiano<br />

Tô vomitando demais acho que grávida<br />

Sabe o que ele fez?<br />

Desligou na minha cara<br />

Fiz o teste<br />

Positivo<br />

Grávida e desempregada<br />

Comprei umas pílulas pra abortar<br />

De nada funcionou<br />

Um enfermeiro dum hospital de Sarandi que me vendeu<br />

Amigo de amiga<br />

Tomei chá de canela quase todo dia<br />

Enfiei o controle remoto inteiro dentro de mim<br />

Com medo coloquei o salto da sandália<br />

Ô criança mais difícil de sair<br />

Tudo isso e eu tava sem emprego<br />

Ninguém quer uma grávida no trabalho<br />

O jeito foi esperar<br />

Não fui no médico<br />

Ninguém veio me visitar<br />

Ajuda recebi do vizinho<br />

Nos últimos dias trouxe umas <strong>com</strong>pras<br />

Disse que não preciso pagar<br />

No meio da noite senti aquela dor<br />

Eu sabia que era a criança<br />

Abri as pernas <strong>com</strong> tudo<br />

De uma vez só<br />

No lençol ele surgiu<br />

Ele<br />

Puxei o moleque <strong>com</strong> força<br />

Sem choro<br />

Achei que fosse desmaiar<br />

Nunca mais quero essa dor de novo<br />

Que horrível<br />

Sangue pra todo lado<br />

No lençol no rosto nas pernas do bebê<br />

Sangue na minha mão<br />

Deixei o corpo na cama<br />

Dormi acho que por uma hora<br />

39


Acordei<br />

Aquilo não tinha a minha cara<br />

Não parecia nenhum dos pais<br />

Não tinha rosto de nada<br />

Fui pra cozinha meio mancando<br />

Deixei na mesa de madeira<br />

Alcancei a faca e cortei o cordão fedido<br />

Peguei a coisa pela perna<br />

Levei pro quintal<br />

Com a pá cavei um buraco na grama<br />

Ajoelhei<br />

Rezei um Pai Nosso<br />

Depois uma Salve Rainha<br />

Dentro da cova joguei<br />

De costas<br />

Tchau bebê<br />

Pensei que todos os meus problemas tavam enterrados<br />

Mas não<br />

Começou a doer muito<br />

Dor de todo o tipo<br />

De toda a forma<br />

Sete facas espetando meu corpo<br />

Não aguentei<br />

E vim pra cá<br />

Já tô cansada de ficar deitada<br />

Da <strong>com</strong>ida sem gosto<br />

Só esperando cêis me darem alta<br />

40


<strong>NEGUINHA</strong> <strong>MINHA</strong><br />

Aquele anão me deu um frio na espinha<br />

Bem ali na frente do Bar do Vermelho<br />

Andava rápido mancando<br />

A perna direita dez centímetros menor<br />

Mais três quadras eu já tava em casa<br />

Ai azar meu<br />

Devia ter voltado <strong>com</strong> o Celso não de ônibus<br />

Ninguém na rua numa hora dessa<br />

Madrugada em <strong>Maringá</strong> vazia sem gente nem proteção<br />

Braços fortes de homem de verdade<br />

Negro quase azul<br />

Se eu mudo de calçada a coisa piora?<br />

Continuo no passo apertado<br />

Do meu lado ele passa rápido<br />

Nem olhou pro meu vestido novo<br />

Vermelho decotado bem curtinho<br />

Como pode?<br />

Tão bem sucedida em qualquer lugar?<br />

Ali sozinha nem ao menos uma espiadinha?<br />

Anão viado?<br />

Curiosa que só virei depois<br />

E pimba!<br />

Ele virou também<br />

Sorriso de viado aquilo nunca<br />

Macho pra danar isso sim<br />

Olhar de desejo tesão e bebida<br />

Fiquei quente deu medo<br />

Voltei pro passo rápido desviando das árvores<br />

Já ouvia ele tropeçando agora perto de mim<br />

Neguinha minha<br />

Além de anão manco ainda por cima fanho<br />

Como me alcançou tão rápido?<br />

Já me puxando pelo braço<br />

Me encostou numa parede<br />

Um chute apenas bastaria<br />

As pernas chacoalhando de um lado pro outro<br />

Um frio na espinha quente se espalhando pelo corpo<br />

Como sem reação?<br />

Quente quase <strong>com</strong> febre<br />

Aqueles dedinhos passando na minha perna por dentro por fora<br />

41


Encostada firme contra a parede áspera<br />

Com os dedos chegou até a barriga<br />

Nunca senti igual<br />

Me mandou abaixar<br />

Tive que obedecer<br />

Ele <strong>com</strong>eçou a lamber meu decote<br />

Olhava alucinado<br />

Não sabia mais onde enfiar a mão<br />

Tentaria meu ouvido meu umbigo?<br />

Eu puxava o cabelo dele pra trás<br />

Lambeu meu dois mamilos durinhos durinhos durinhos<br />

Um relevinho surgiu na calça dele<br />

Entrou debaixo do vestido<br />

Apoiando nas minhas pernas lambia toda minha intimidade<br />

Primeiro na frente<br />

Depois atrás<br />

Ficou assim roçando<br />

Minha mão no corpo dele<br />

A língua os dedinhos em mim<br />

Até o último suspiro<br />

Me deu um beijo na bunda do lado esquerdo<br />

Fechou o zíper<br />

Saiu mancando sem olhar pra trás<br />

Deve morar aqui na Vila Marumby<br />

Abri a porta liguei pro Celso<br />

Boa noite amor te amo cheguei bem em casa<br />

42


CADÊ A GRANA?<br />

Quinta-feira<br />

Quase quatro da matina<br />

Encosto a Pampa na praça Rocha Pombo<br />

Apoiado na janela ele me mostra a cruz no braço<br />

Cadê a grana vacilão?<br />

Mais de vinte dias pra ajeitar a dívida<br />

Isso por causo de pedra<br />

Vício maldito<br />

O punhal prateado brilhando à luz do poste<br />

Desce da Pampa doidão!<br />

A Pampa<br />

Presente do meu pai antes de morrer<br />

Eu vou mas ela fica pra te guiar meu filho<br />

A Pampa<br />

Onde <strong>com</strong>i algumas namoradas<br />

Desce da Pampa doidão da porra!<br />

O punhal espetando o peito cheira à morte<br />

Ou ferida das bravas<br />

Como explicar depois na construção em casa no barbeiro?<br />

Sequestro por engano?<br />

O mistério do roubo da Pampa?<br />

Nem seguro tem<br />

Fuça dentro do carro<br />

Confere se algo na carteira<br />

Apalpa minhas partes rindo<br />

Meio bêbo chapado<br />

Sabe que tá fudido né?<br />

Sou só o menor deles vacilão<br />

Não é mesmo pra ter medo de eu<br />

Lê alto meu endereço na carteira<br />

Ainda hoje só mais umas horas seu puto!<br />

Na Pampa entro vou embora<br />

Mas volto<br />

Contorno o quarteirão<br />

Estaciono debaixo da mesma árvore<br />

Do lado da banca de jornal<br />

Ele vem furioso<br />

Arregaça a manga pra intimidar<br />

Sabe que sou cagão<br />

Que tenho família emprego além de tudo boa reputação<br />

43


O punhal prateado volta a brilhar sob a luz do poste<br />

Abre a boca o banguela vem falando merda<br />

Gritando na praça vazia<br />

Três disparos no meio da fuça dele<br />

Impiedosos<br />

Aos pombos um banquete in<strong>com</strong>um de carne fresca<br />

44


KARAOKÊ DO TATÁ<br />

Falei pra ele<br />

Tua putinha!<br />

Contra a parede sem fuga meu amor<br />

De mim o que bem quer<br />

O tuzinho em flor cotovelo<br />

Na minha boca o mindinho do teu pé<br />

Triste pensando em quem naquelas outras?<br />

Ai Baiano<br />

Setembro senti que já distante<br />

Suas negras de vastas nádegas<br />

Enchendo tua cabeça na minha frente?<br />

Ódio é não escutar o papo inteiro no karaokê<br />

Sei bem que além do parabéns<br />

No sorriso daquelas promessas de uma cama mais quente talvez<br />

Domingos de fúria e gozo sem pausa?<br />

Invencível no Karaokê do Tatá<br />

Da voz profunda sedutora de cadeiras<br />

Em pé quase todos batendo palma<br />

Gente que sai longe até da Vila Operária<br />

Se fala amor aqui bem pertinho capaz de matar<br />

Sozinha já tão achando que eu louca<br />

Ranjando briga errada no Meu Pato<br />

Negando homem machão do teu tamanho sabia?<br />

Perdida quem sabe sem volta pra pinga e cachaça<br />

Nem dó tem aí dentro de mim?<br />

No mar a âncora cê me prendendo pra todo sempre?<br />

Choro o sono por ti de raiva e tesão<br />

Enfia a faca em mim mas não me despreza Baiano<br />

45


AGACHA E ENGOLE!<br />

Depois do cinema me levou pra casa dele<br />

Descemos perto do Prever ali na Vila Marumby<br />

Ele sem nenhuma palavra<br />

Tava agitado<br />

Manolo?<br />

E nada<br />

Mal fechou a porta deixou a chave na mesinha<br />

Acho que tremia<br />

Agacha e engole<br />

O quê?<br />

Agacha e engole<br />

Ham?<br />

Os dedos gordinhos abaixando a bermuda florida no meio da sala<br />

O troço dele ali durinho durinho<br />

Na hora ri um montão<br />

Agacha e engole!<br />

Isso?<br />

Rindo apontando já <strong>com</strong> dor no estômago<br />

Sua tonta!<br />

Nenhum tapete no chão<br />

Eu de vestido florido<br />

Não sabia que era assim<br />

Todo tortinho pro lado direito<br />

O troço<br />

Ele <strong>com</strong>eça reto<br />

No meio também é reto<br />

Mas depois vira tudo pra direita sabe?<br />

De uma só vez coloquei inteiro na boca<br />

Ai meu santo Deus quase vomitei!<br />

Sabe esse sininho na garganta aqui no fundo?<br />

Senti o troço do Manolo batendo nele bem forte<br />

Tossi tossi tossi<br />

Mas não gorfei<br />

Impaciente ele não tava gostando é nada<br />

Sua tonta!<br />

Tentei devagarzinho<br />

Lembrei da minha irmã mais velha contando pra amiga<br />

Tipo chupar sorvete Maria<br />

Que sorvete nada<br />

Aquilo nem gosto doce tinha<br />

46


É o amargo mais horrível tipo peixe fedido encardido sabe?<br />

E tem que esconder o dente que se morder dói<br />

O do Manolo doeu tanto que ele me afastou na hora<br />

Mas o pior é depois<br />

A coisa<br />

A meleca<br />

Aquela gosma branca meio amarela<br />

Um nojo só<br />

Ninguém sabe quando ela vem<br />

Pelo menos o Manolo não soube ou não me avisou o panaca<br />

Assim rápido sem alerta alarme sirene<br />

Nada<br />

Vai hum vai!<br />

Não dá pra fechar o olho não<br />

Eu tava preocupada já<br />

Tantos vai hum vai<br />

Vou onde <strong>com</strong> o troço na boca Jesus?<br />

Quando vi tava em mim<br />

Toda lambuzada no rosto<br />

Minha prova de amor?<br />

Levantei<br />

Os joelhos vermelhos<br />

Abracei o Manolo pedindo beijo<br />

Sua tonta!<br />

Assim mesmo me afastou <strong>com</strong> cara de nojo<br />

Com nojo da coisa dele<br />

Pode uma coisa dessa?<br />

Subiu a bermuda florida<br />

Os dedos gordinhos tremendo<br />

Rápido tonta!<br />

Fui pro banheiro me lavei<br />

Como é difícil tirar aquilo do rosto<br />

Pior que chiclete<br />

Enroscou no cabelo não saía de jeito algum<br />

Só <strong>com</strong> sabonete mesmo<br />

Limpinha pedi outro beijo<br />

Nem assim<br />

Nunca mais quis sair <strong>com</strong>igo<br />

No colégio me excluiu<br />

Não ligou de volta<br />

Fiquei só<br />

Amiga cuidado <strong>com</strong> esses garotos de <strong>Maringá</strong><br />

Cidade cheia de tarado<br />

47


Sei que gosta dele de verdade<br />

No primeiro momento sozinha pode esperar<br />

Fugir da situação<br />

Rir?<br />

Fingir desmaio?<br />

Morte morrida?<br />

Ligar para quem socorrer resgatar?<br />

Seja adulta<br />

Na hora mesmo tira o troço da frente<br />

Mira a coisa lá pro outro lado<br />

Esquece o beijo no final faz só o que ele mandar<br />

Sem dar risada vá em frente<br />

Agacha e engole tudo de uma vez<br />

Depois me diz se o dele também é tortinho pro lado direito<br />

48


INFIEL<br />

Gosto de <strong>com</strong>er mulheres. Muito. Desde que minha ex - que fodia mal e<br />

tinha uma bunda mole - me meteu um pé na bunda, há uns meses atrás, não<br />

tenho do que me queixar. <strong>Maringá</strong> acolheu um órfão de braços - e pernas -<br />

abertos. Amém. Um notívago <strong>com</strong>o eu, míope, exilado de academias, é a<br />

prova de que qualquer sujeito escroto pode <strong>com</strong>er bem nessa cidade.<br />

Quando Caio me ligou no domingo passado, dizendo ter recebido um fora<br />

da namorada de quatro anos, tentei acalmá-lo. Caio, vamos pro bar. Vamos<br />

nessa, tenho que te contar daquela morena - uma estudante de educação<br />

física da UEM que eu havia conhecido e fodido na semana passada.<br />

Chegamos no Democrático, na Zona Sete. Gosto de lá porque toca rock,<br />

AC/DC, Metallica, e o litrão é barato. Chegamos sozinhos. Na mesa da<br />

esquerda, duas morenas e uma loira bebiam Brahma: uma mesa de futuro.<br />

Para você saber seu efeito sobre as mulheres de <strong>Maringá</strong>, basta notar os pés<br />

debaixo da mesa de plástico. Se <strong>com</strong>eçarem a bater logo após você sentar,<br />

meu amigo, sua noite está garantida. Notei que uma das garotas tinha um<br />

pescoço esbelto, que me lembrou os quadros de Modigliani - além de seios,<br />

coxas e decote. Mas eu não cheguei <strong>com</strong> essa cantada por dois motivos<br />

óbvios.<br />

Se ela fosse inteligente, característica extremamente rara em mulheres<br />

maringaenses, talvez ficasse ofendida. Você, me chamando de pescoçuda?<br />

Talvez. Mas, <strong>com</strong>o essa garota certamente tinha um nível de estupidez<br />

considerável, não seria agradável chegar citando Modigliani. Ninguém quer<br />

ser um alienígena munido de pintores numa mesa de bar.<br />

Por isso cheguei na mesa, sentei e disse algo sobre seu pescoço. Como é<br />

lindo o seu pescoço. Ela me olhou, assustada. Sei que ninguém nunca<br />

elogiou o seu pescoço. No máximo, continuei, você sabe que arrepia e<br />

esquenta na língua ou na barba mal feita, algum ex, atual, algum noivo,<br />

você não é casada e têm filhos?<br />

Não tenho certeza. Faz tempo que parei de olhar aliança. Já me dei bem<br />

<strong>com</strong> uma casada, e não abordaria a mesa em que ela estava sentada, nem<br />

teria fodido ela atrás do Senac, numa rua deserta, se soubesse do seu<br />

<strong>com</strong>prometimento – mas isso eu não falei para a Modigliani.<br />

49


Na verdade, ela gostou de ter, pela primeira vez na vida, seu pescoço<br />

elogiado por um estranho num bar de rock. E logo chamou o Caio para<br />

conversar na mesa também - afinal, o que fazer <strong>com</strong> as outras duas garotas?<br />

O problema é que Caio não fala. Quieto, olha, a<strong>com</strong>panha, ri e, quando<br />

quer, dá o bote, astuto. Caio fala <strong>com</strong> silêncios. Perguntei, em seguida, no<br />

terceiro diálogo da noite, há quanto tempo ela não fodia.<br />

Vermelha, rindo alto, loucamente, bateu os braços na mesa, apoiando os<br />

dois cotovelos: taí a resposta, há seis meses, eu disse. Ela ficou ainda mais<br />

vermelha, respondeu que era a coisa mais inconveniente que alguém já<br />

havia perguntado. Cortei aquela baboseira toda, perguntei se de quatro ou<br />

de lado. Ela me encarou. De quatro, claro. As amigas, que até então<br />

estavam em silêncio, também disseram suas posições favoritas. E abriram o<br />

jogo: Modigliani namorando sério há um ano e meio, e não via seu amado,<br />

que infelizmente mora em São Paulo, há cerca de seis meses. Em três<br />

perguntas, totalmente exposta.<br />

Ficamos mais meia hora no bar. Fomos para o apartamento da morena –<br />

não lembro o nome -, na rua ao lado do Democrático. Caio pegou a garota,<br />

logo tocou para o quarto. Eu fui para a cozinha, preparei uma caipirinha,<br />

<strong>com</strong>o quem não quer foder, <strong>com</strong>o quem ignora o sexo: foi o bastante para<br />

ela ficar puta. Mulher, meu amigo, é extremamente <strong>com</strong>petitiva. Me<br />

empurrou para o quarto, arranhou minhas costas, esqueceu de fechar a<br />

porta, deu de quatro, de lado, de quatro novamente, deu em pé, apoiada na<br />

cômoda, gritou <strong>com</strong> a janela aberta, gritou me fode, seu animal, me fode,<br />

seu escroto, nossa, meu Deus, nunca senti isso antes, que tesão, e eu já<br />

estava satisfeito.<br />

Para encerrar o primeiro tempo, ela ainda me puxou, no momento em que<br />

eu ia gozar, e gritou dentro não! Goza aqui, na minha boca, seu canalha.<br />

Não é assim que o seu amigo te chama, canalha? Gozei primeiro em seu<br />

olho. Depois na testa. Em seguida no queixo, gozei nos lábios e no nariz<br />

dela. Pegando meu pau, vencido na batalha dos justos, passou no rosto<br />

inteiro, batendo aos poucos, feliz, no sorriso aberto. Nunca fiz isso, ela<br />

disse. Acho que te amo, Gaioto. Segurei a risada, claro. Ela foi para a<br />

cozinha, bebeu água, voltou de toalha, fodemos novamente, ela tomou<br />

banho, e dormiu.<br />

Deixei o apartamento no meio da noite - nunca durmo <strong>com</strong> uma mulher na<br />

primeira noite. Antes, notei a foto do corno da Modigliani, pregado na<br />

parede do quarto num desses corações que servem de portarretrato. Um<br />

corno exemplar. De camisa xadrez e bermuda. Um desses bombadões de<br />

academia. Deve ser publicitário.<br />

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Modigliani acordou solitária. Talvez vá se masturbar durante algumas<br />

semanas, lembrando a noite passada em que deu para um estranho<br />

fascinado em seu pescoço. Talvez ligue para o bombadão só à noite, não no<br />

almoço, <strong>com</strong>o sempre faz, dizendo eu te amo, meu amor, sinto sua falta,<br />

me guardando só para você. Aliás, quando você vem me visitar? <strong>Maringá</strong>,<br />

túmulo dos infiéis.<br />

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Alexandre Gaioto, 24, formado em Jornalismo (CESUMAR) e Letras<br />

(UEM). Colaborou <strong>com</strong> o caderno de cultura dos jornais Folha de<br />

Londrina, O Estado do Paraná, Gazeta do Povo, Zero Hora e Jornal do<br />

Brasil. Reside em <strong>Maringá</strong> (PR), onde é repórter do jornal O Diário do<br />

Norte do Paraná. Escreve contos e poemas no blog:<br />

www.alexandregaioto.blogspot.<strong>com</strong>.<br />

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