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Edição 137 - Jornal Rascunho

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22<br />

setembro de 2010<br />

“usa bem a<br />

tua liberdade”<br />

Jonathan franzen explora com maestria o atual desacordo dos americanos em relação a alguns valores universais<br />

: : sergio vilas-boas<br />

são paulo – sp<br />

1. das denominaÇões<br />

inevitavelmente imPerfeitas<br />

Nos Estados Unidos, enquanto<br />

o pós-modernismo<br />

esbanjava vigor nos<br />

anos 1990, uma nova geração<br />

de autores emergiu disposta a<br />

se livrar da ironia, da auto-reflexão e<br />

da metalinguagem que marcam seus<br />

contemporâneos. Richard Powers,<br />

William Vollmann, Dave Eggers, Nicole<br />

Krauss, Jonathan Safran Foer,<br />

David Foster Wallace e jonathan<br />

Franzen são alguns nomes dessa turma<br />

que o crítico literário Stephen<br />

Burn chama de pós-pós-modernista.<br />

No livro Jonathan Franzen<br />

at the End of Postmodernism<br />

(2009), Burn estabeleceu três distinções<br />

marcantes dos pós-pós: 1)<br />

questionar as diretrizes do pós-modernismo;<br />

2) representar situações<br />

mais reais; 3) resgatar a importância<br />

dos personagens para a ficção.<br />

Burn situa Franzen como um dos<br />

sucessores de Don Delillo, William<br />

Gaddis, john Barth e Thomas Pynchon.<br />

Sobre este último, Franzen<br />

leu-o aos 22 anos, quando estava na<br />

faculdade, e teve um estalo.<br />

“Aquilo literalmente me consumiu.<br />

ler aquele livro (O Arco-Íris<br />

da Gravidade) foi como ficar gripado.<br />

Foi como se eu estivesse reagindo<br />

a uma infecção muito agressiva”, disse<br />

em entrevista à Paris Review.<br />

Comecei a escrever cartas pynchonianas<br />

para minha noiva na época,<br />

e acho significativo que ela tenha<br />

odiado essas cartas e tornado público<br />

esse ódio, e que eu tenha me afastado<br />

daquela voz. (...) hoje sinto que<br />

devo muito mais a diversas mulheres<br />

escritoras — Alice Munro, Christina<br />

Stead, Flannery O’Connor, Jane<br />

Smiley, Paula Fox, para mencionar<br />

algumas — do que devo a Pynchon.<br />

As cartas à noiva continham<br />

“aquelas frases emaranhadas, a profusão,<br />

a franqueza sacana, o fastio<br />

moderno”, como se o remetente estivesse<br />

dizendo para si mesmo: vi tudo,<br />

fiz de tudo, não quero saber de mais<br />

nada. Franzen passou quase toda a<br />

década de 1990 trabalhando em As<br />

correções (2001), primeiro romance<br />

em que tenta escapar (1) do realismo<br />

primário, que pressupõe que o<br />

escritor tem acesso a uma verdade, e<br />

(2) do romance de idéias, que evidenciou<br />

uma espécie de soberba dos pósmodernos<br />

em relação à noção que se<br />

tinha a respeito de personagens.<br />

Em seu processo formativo,<br />

Franzen levou quase duas décadas<br />

de tentativas e erros para entender<br />

que é preciso começar pelos personagens,<br />

não por documentos, pesquisas<br />

ou abstrações, aceitando que<br />

não lhe cabe escrever “de cima para<br />

baixo”. As correções é o desfecho<br />

de seu processo de desintoxicação<br />

de certas influências alheias, um<br />

romance que se ocupa do irreal, do<br />

auto-engano no qual incorremos intencionalmente<br />

para nos proteger.<br />

Na visão de Franzen, “o autoengano<br />

é engraçado”, e as doses de humor<br />

do livro acabam nos conduzindo irresistivelmente<br />

ao riso.<br />

Outra característica importante<br />

da ficção norte-americana do século<br />

21 é a dedicação ao específico,<br />

ao close-up, à miniatura, à tribo, ao<br />

microcosmo. Mas Franzen parece<br />

mais antenado com os grandes panoramas<br />

de época dos anos 1990,<br />

como a trilogia sobre a vida na América<br />

do Pós-Guerra, de Philip Roth,<br />

composta por Pastoral americana,<br />

Casei com um comunista e<br />

A marca humana, e outros livros<br />

marcantes da década, como Submundo,<br />

de Don Delillo, e Infinite<br />

Jest, de David Foster Wallace, que<br />

foi amigo pessoal de Franzen.<br />

Estes e tantos outros romances<br />

englobaram a idiossincrasia e<br />

a singularidade, mas por ângulos<br />

bem abertos, em uma perspectiva<br />

macro. O estilo singular que Franzen<br />

apresenta em As correções e<br />

Liberdade (recém-lançado pela<br />

Companhia das letras) é fruto da<br />

combinação entre o realismo résdo-chão<br />

e a panorâmica não historicista.<br />

A história é feita pelas pessoas<br />

que todo dia se levantam da<br />

cama e se ocupam, mas elas estão<br />

sujeitas à mesma história da qual<br />

não sabem que estão participando.<br />

Os romances desse autor nascido<br />

em Western Spring, Illinois,<br />

tampouco se assemelham ao Grande<br />

Romance Americano que seus predecessores<br />

— Saul Bellow, Norman<br />

Jonathan franzen por robson vilalba<br />

Mailer e john Updike, por exemplo<br />

— produziram. Portentosos, robustos<br />

e abrangentes, As correções<br />

e Liberdade remetem-nos às ficções<br />

realistas do século 19, mas com<br />

uma particularidade crucial: a profundidade<br />

de campo. Franzen põe<br />

simultaneamente em foco inúmeros<br />

aspectos da atualidade, cativando<br />

tanto quanto refletindo (mas sem<br />

pegadas ensaísticas).<br />

Ele fragmenta as emoções de<br />

seus personagens e cria conteúdos<br />

vastos a partir de cada experiência ou<br />

sentimento expostos. Em Liberdade,<br />

especialmente, explora com maestria<br />

o desacordo atual entre americanos<br />

de todas as classes e etnias<br />

em relação aos seus ideais de independência,<br />

autonomia e individualidade.<br />

Os Estados Unidos da primeira<br />

década do século 21 atravessam<br />

um momento complicado. Além de<br />

guerras inglórias, facilitaram a vida<br />

de especuladores financeiros, feriram<br />

a inteligência ambiental, deturparam<br />

a ciência e fizeram da política<br />

uma espécie de religião.<br />

Mais que nunca, portanto, o<br />

conteúdo (a temática) é importante<br />

em um romance. “A importância do<br />

conteúdo é o que, por exemplo, Harold<br />

Bloom de fato subestima no romance.<br />

O melhor de Bloom é quando<br />

fala de poesia, porque a poesia é<br />

puramente linguagem. Mas a abordagem<br />

dele beira o nonsense quando<br />

se aplica ao romance, porque ele<br />

continua a olhar para o romance<br />

como linguagem. A linguagem é importante,<br />

claro, mas a história do romance<br />

é apenas em parte estilística.<br />

Faulkner gerou obviamente muita<br />

influência, assim como Hemingway,<br />

joyce, Carver e Delillo. Mas a inovação<br />

retórica é apenas um dos muitos<br />

rios que deságuam na ficção”,<br />

disse Franzen à Paris Review.<br />

2. do engaJamento<br />

teoriCamente Correto<br />

Os romances de Franzen parecem<br />

ter sempre um inimigo em mente.<br />

Em As correções, que vendeu<br />

quase três milhões de cópias mundo<br />

afora, o inimigo é o materialismo,<br />

que deu ao mundo drogas para mudar<br />

a personalidade e a cultura do<br />

consumismo, fenômeno antes assumidamente<br />

americano e hoje global.<br />

As correções foi publicado dias antes<br />

da tragédia do Onze de Setembro<br />

e vendeu bem em parte porque os<br />

Estados Unidos que Franzen retrata<br />

no livro contêm elementos muito<br />

atuais, como se o autor estivesse antevendo<br />

as ocorrências.<br />

A história da família lambert,<br />

do Meio-Oeste, se fragmenta a partir<br />

do momento em que o pai, Alfred, começa<br />

a sucumbir lentamente ao Mal<br />

de Parkinson. Os filhos do casal idoso<br />

vão para a Costa leste tentar uma<br />

vida melhor e livre da influência dos<br />

pais. Movendo-se para frente e para<br />

trás no tempo, Franzen procura retratar<br />

em detalhes o crescimento pessoal<br />

e os erros de cada membro da família,<br />

criando uma atmosfera de tensão em<br />

torno da bolha de crescimento causada<br />

pelas empresas de tecnologia.

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