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Gentrification no Parque Histórico do Pelourinho, Salvador - BA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA <strong>BA</strong>HIA<br />

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA<br />

<strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> <strong>Parque</strong><br />

<strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong><br />

Daniel de Albuquerque Ribeiro<br />

03/10/2011<br />

Salva<strong>do</strong>r, Bahia<br />

Outubro, 2011


DANIEL DE ALBUQUERQUE RIBEIRO<br />

GENTRIFICATION NO PARQUE HISTÓRICO DO PELOURINHO.<br />

Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong><br />

Dissertação apresentada, ao Mestra<strong>do</strong> de Geografia,<br />

Instituto de Geociências, como exigência para obtenção<br />

<strong>do</strong> grau de Mestre em Geografia pela Universidade<br />

Federal da Bahia.<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos<br />

Salva<strong>do</strong>r, Bahia<br />

Outubro, 2011<br />

1


Ficha Catalográfica<br />

Universidade Federal da Bahia<br />

Ribeiro, Daniel de Albuquerque<br />

<strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Salva<strong>do</strong>r – <strong>BA</strong> / Daniel de Albuquerque.<br />

Ribeiro. UF<strong>BA</strong>, 2011<br />

244 p.<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos<br />

Dissertação de Mestra<strong>do</strong>: Universidade Federal da Bahia, Instituto de<br />

Geociências, Departamento de Geografia.<br />

Inclui referências.<br />

1.<strong>Gentrification</strong> 2. Agentes Modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Espaço 3. <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong> 4. Salva<strong>do</strong>r 5. Globalização<br />

Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências.<br />

Departamento de Geografia.<br />

2


GENTRIFICATION NO PARQUE HISTÓRICO DO PELOURINHO<br />

Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong><br />

DANIEL DE ALBUQUERQUE RIBEIRO<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos<br />

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO<br />

Submetida em satisfação parcial <strong>do</strong>s requisitos <strong>do</strong> grau de<br />

MESTRE EM GEOGRAFIA<br />

<strong>BA</strong>NCA EXAMINADORA APROVAÇÃO<br />

Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos ___________________________________<br />

Profª. Drª. Rosalí Braga Fernandes ___________________________________<br />

Prof. Dr. Sylvio C. Bandeira de Mello e Silva ___________________________________<br />

Data da Defesa Pública: 03 de Outubro de 2011<br />

Salva<strong>do</strong>r, Bahia<br />

Outubro, 2011<br />

3


4<br />

A minha mãe<br />

Jandira de Albuquerque Ribeiro<br />

(em memória)<br />

Ao meu pai<br />

Hamilton Alves Ribeiro


AGRADECIMENTOS<br />

Agradeço a Deus, presente em to<strong>do</strong>s os momentos da minha vida, nunca me<br />

deixan<strong>do</strong> sozinho ou desprotegi<strong>do</strong>. Ao me<strong>no</strong>s nunca me senti assim, mesmo <strong>no</strong>s<br />

momentos mais difíceis sempre a mão divina esteve para me amparar, guiar e<br />

defender. E principalmente por ter me da<strong>do</strong> uma família tão maravilhosa e amigos<br />

tão bons e fieis.<br />

Agradeço a minha mãe Jandira de Albuquerque Ribeiro (em memória), não só<br />

por to<strong>do</strong> amor sempre dedica<strong>do</strong> a mim, mas, também por tantos ensinamentos que<br />

contribuem até hoje para que eu tenha uma vida mais feliz. Graças a minha mãe,<br />

aprendi que a vida deve ser encarada sempre com um olhar positivo, com uma<br />

alegria de criança, com força de vontade e transparência. Obriga<strong>do</strong> por me ensinar<br />

que a verdade deve ser dita independente de qualquer coisa e que as coisas devem<br />

ser feitas com muito amor e <strong>do</strong>ação.<br />

Agradeço a meu pai Hamilton Alves Ribeiro, por to<strong>do</strong> amor e atenção sempre<br />

da<strong>do</strong>s com muita satisfação e pela presteza em querer ensinar a qualquer instante.<br />

Obriga<strong>do</strong> por dizer sempre que se orgulha de mim, pois, me anima saber que lhe<br />

causo alegrias. Contigo aprendi a importância de conservar as amizades e de cativar<br />

as pessoas a quem gostamos. Devo agradecer especialmente, por tantos<br />

ensinamentos transmiti<strong>do</strong>s e principalmente por ser meu professor e incentiva<strong>do</strong>r em<br />

uma das maiores maravilhas que tenho em minha vida – a música.<br />

Agradeço à minha família, materna e paterna da qual me orgulho de ser<br />

membro. Se eu listasse todas as coisas pelo qual sou grato não caberiam em<br />

poucas páginas. Em especial agradeço à minha madrinha Janete de Albuquerque,<br />

meu padrinho Jurandir de Albuquerque, meus tios Jaime de Albuquerque, Jacira de<br />

Albuquerque, Iraci de Albuquerque e Aidil de Albuquerque, e os primos Francisco<br />

Madureira e Victor Lima - exemplos de alegria e inspiração para mim. Também<br />

agradeço a meu tio Harol<strong>do</strong> Ribeiro, minha tia Marina Ribeiro e meus primos Cesar<br />

Túlio Ribeiro, Marcos Paulo Ribeiro e Patrício Ribeiro, que além de to<strong>do</strong> admiração<br />

são exemplos e inspiração para os meus estu<strong>do</strong>s, desde criança.<br />

Agradeço a meu irmão Cássio de Albuquerque Ribeiro, que a cada dia me<br />

surpreende positivamente. Sinto muito orgulho de tê-lo em minha vida e o sou grato<br />

por me inspirar, principalmente na importância da responsabilidade <strong>no</strong> cumprimento<br />

das coisas.<br />

5


Agradeço ao Professor Pedro de Almeida Vasconcelos pelos momentos,<br />

prazerosos, leves e diverti<strong>do</strong>s de orientação nesses três a<strong>no</strong>s em que tenho a<br />

satisfação de ser seu orientan<strong>do</strong>. Sua influência na pesquisa é total, começan<strong>do</strong><br />

pela escolha <strong>do</strong> tema, que começou ainda em 2005, nas aulas de geografia urbana<br />

<strong>do</strong> terceiro semestre, quan<strong>do</strong> ouvi o conceito de gentrificação pela primeira vez.<br />

Depois, ao me emprestar ainda na graduação <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s principais livros que utilizei<br />

na mo<strong>no</strong>grafia e continuo a usar nessa dissertação. Por fim, ten<strong>do</strong> participa<strong>do</strong> da<br />

minha banca de mo<strong>no</strong>grafia e me convidan<strong>do</strong> para fazer o mestra<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> hoje meu<br />

orienta<strong>do</strong>r, com contribuições sempre coerentes e de importância fundamental para<br />

o amadurecimento de to<strong>do</strong> o trabalho.<br />

Agradeço à Professora Rosalí Braga Fernandes, que como sempre faço<br />

questão de registrar, é um exemplo de mulher e inspiração <strong>no</strong> caminho da<br />

Geografia. Obriga<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> carinho e atenção sempre dedica<strong>do</strong>s com muita<br />

alegria e um belo sorriso. Fico feliz de tê-la ti<strong>do</strong> em minha banca de mo<strong>no</strong>grafia e<br />

agora também na dissertação.<br />

Agradeço ao Professor Sylvio Bandeira de Mello e Silva, que também é um<br />

exemplo inspira<strong>do</strong>r de geógrafo, sempre demonstran<strong>do</strong> alegria em seu trabalho e<br />

amor por essa ciência magnífica. Também agradeço pelas contribuições, que<br />

começaram desde que tivemos a <strong>no</strong>ssa primeira conversa após uma mesa re<strong>do</strong>nda<br />

<strong>no</strong> ENEG de 2006 quan<strong>do</strong> me presenteou com o livro Estu<strong>do</strong>s sobre globalização<br />

território e Bahia.<br />

Agradeço a to<strong>do</strong>s os profissionais que contribuem com o mestra<strong>do</strong> de<br />

Geografia da UF<strong>BA</strong>, em especial, a professora Catherine Prost por toda<br />

preocupação, compreensão e disposição a ajudar, à Dirce Almeida e Itanajara,<br />

sempre prestativos e simpáticos e ao professor Wendel Henrique que também<br />

contribuiu para a realização deste trabalho, primeiramente com as aulas que<br />

participei ainda como alu<strong>no</strong> especial, depois ao permitir que fizesse o tirocínio com<br />

ele e por fim com contribuições sempre muito boas nas conversas que tivemos.<br />

Agradeço aos meus colegas <strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> em especial à minha turma de 2009<br />

que além de to<strong>do</strong> carinho e apoio com que pude contar, também são exemplo de<br />

superação e força de vontade, cada um em suas especificidades; Ione Rocha,<br />

Polyana Macha<strong>do</strong>, Gedeval Paiva, Paulo, Henrique, Ivam Alves, Denilson de<br />

Alcântara, Fádia Rebouças, Noelia Lopes e Adriana Bittencourt<br />

6


Também <strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> quero destacar outros colegas que foram importantes<br />

na trajetória deste trabalho, Daniela Araújo, Cintya Flores, Simone Costa, Lucillia<br />

Gomes e o Carlos Eduar<strong>do</strong> (Cadú).<br />

Os amigos que contribuíram para essa dissertação são muitos, alguns de<br />

forma direta e outros indiretamente. Com certeza, esse trabalho só saiu graças a<br />

ajuda de to<strong>do</strong>s. Desde os que compartilharam momentos de tristeza e alegria até os<br />

que ajudaram de alguma forma <strong>no</strong> processo de produção. Obriga<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s.<br />

Em especial agradeço aos amigos que ajudaram <strong>no</strong> cadastramento das<br />

unidades. São eles Laila Pacheco, Drielle Arruba, Vladmir Felix e Laila Bouças. Com<br />

destaque para Danilo Barreto e Vinicius Monteiro cujo comprometimento e trabalho<br />

executa<strong>do</strong> foram fundamentais e essenciais para o sucesso <strong>do</strong> cadastro. Agradeço<br />

também a Laila Bouças, pelo tempo <strong>do</strong>a<strong>do</strong>, ouvin<strong>do</strong> as minhas ideias, len<strong>do</strong> e até<br />

mesmo comentan<strong>do</strong> alguns <strong>do</strong>s textos que escrevi.<br />

Agradeço ao Professor, orienta<strong>do</strong>r na mo<strong>no</strong>grafia e grande amigo: Ricar<strong>do</strong><br />

Macha<strong>do</strong>, por to<strong>do</strong> apoio, atenção e ajuda dedicada sempre.<br />

No âmbito profissional, duas pessoas foram fundamentais na contribuição<br />

para o acontecimento deste trabalho.<br />

O Professor Euval<strong>do</strong> Carvalhal Britto, que primeiramente como professor na<br />

Universidade Católica <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r, depois como meu Supervisor na Companhia de<br />

Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), sempre me incentivou, apoiou e aju<strong>do</strong>u <strong>no</strong><br />

meu caminho como geógrafo. Além disso, se não fosse o seu apoio como de toda<br />

equipe da GERIDE, setor em que trabalhava, eu não teria consegui<strong>do</strong> fazer os <strong>do</strong>is<br />

primeiros semestres <strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> e trabalhar ao mesmo tempo.<br />

A segunda pessoa que foi de suma importância, também é da mesma<br />

empresa, porém em um momento diferente. Agradeço profundamente a Maria<br />

Angélica Barreto Ramos, que me convi<strong>do</strong>u a trabalhar <strong>no</strong> DEGET, pouco mais de<br />

um a<strong>no</strong>, após eu ter deixa<strong>do</strong> o meu antigo setor. Seu carinho, me acolhen<strong>do</strong> como<br />

uma mãe e me ajudan<strong>do</strong> muito, foram fundamentais para que eu conseguisse<br />

concluir minha dissertação.<br />

A esses <strong>do</strong>is anjos e a to<strong>do</strong>s os amigos que tenho nessa empresa que só me<br />

trás boas lembranças, quero agradecer de to<strong>do</strong> o coração, com destaque para José<br />

Amaral, José Doura<strong>do</strong>, José Carlos, Elizabeth Seydel, Alexandre Malaquias, Ivanara<br />

Santos, Eder Lima, Violeta Martins, Ema<strong>no</strong>el Macê<strong>do</strong>, Neide Ângela e Isabel Matos.<br />

7


Além <strong>do</strong>s amigos já menciona<strong>do</strong>s, existem muitos outros que com certeza<br />

contribuíram de forma direta ou indireta na construção dessa dissertação. Não quero<br />

cometer injustiças, esquecen<strong>do</strong> o <strong>no</strong>me de alguém, mas, alguns precisam ser<br />

destaca<strong>do</strong>s por terem maior participação <strong>no</strong> processo. Dessa forma agradeço:<br />

Ao Amigo João Paulo Cunha Meirelles por to<strong>do</strong> apoio desde sempre e pela<br />

ajuda com o Abstract. Também agradeço ao senhor José Carlos Meirelles que<br />

contribuiu diretamente na confecção <strong>do</strong> Abstract.<br />

Aos Sócios e amigos, Darlan Gomes, Elton Bahia e Gabriel Costa da empresa<br />

OCAZUL, pelo apoio técnico, principalmente na impressão e encadernação de<br />

excelente qualidade, das inúmeras versões que imprimi até aqui.<br />

Ao Padre Irineu de Jesus Menezes e to<strong>do</strong>s os amigos <strong>do</strong> Convento <strong>do</strong>s<br />

Perdões, onde encontrei conforto espiritual e alegria nas <strong>no</strong>vas amizades<br />

conquistadas.<br />

Ao amigo e afilha<strong>do</strong>, Anderson Magalhães e a to<strong>do</strong>s os amigos com quem<br />

toco, canto e me divirto.<br />

Aos amigos, Ananda Berenwinkel, Camilla Poulsen, Camille Gratierri, Mailson<br />

Ferreira e to<strong>do</strong>s que mesmo distantes sempre estão presentes.<br />

Aos amigos Murilo Aguiar, Jackson Andrade, Augusto Copque e to<strong>do</strong>s os que<br />

sempre me apoiaram na caminhada acadêmica.<br />

Ao amigo Bru<strong>no</strong> Lima pela amizade e por to<strong>do</strong> apoio da<strong>do</strong>, principalmente <strong>no</strong><br />

dia da minha defesa, onde pude contar com sua ajuda.<br />

Aos companheiros Tzadkiel, Haaiah e to<strong>do</strong>s os amigos que me acompanham<br />

desde sempre.<br />

OBRIGADO PELA AMIZADE<br />

OBRIGADO PELO AMOR<br />

8


“Vencer a sí próprio é a maior das vitórias”<br />

Platão<br />

“Ainda que eu falasse as línguas <strong>do</strong>s homens e <strong>do</strong>s anjos, e não tivesse amor, seria<br />

como o metal que soa ou como o si<strong>no</strong> que tine.<br />

E ainda que tivesse o <strong>do</strong>m de profecia, e conhecesse to<strong>do</strong>s os mistérios e toda a<br />

ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e<br />

não tivesse amor, nada seria.”<br />

(1º Coríntios 13)<br />

9


NO CAMINHO, COM MAIAKOVSKI<br />

Assim como a criança<br />

humildemente afaga<br />

a imagem <strong>do</strong> herói,<br />

assim me aproximo de ti, Maiakósvki.<br />

Não importa o que me possa acontecer<br />

por andar ombro a ombro<br />

com um poeta soviético.<br />

Len<strong>do</strong> teus versos,<br />

aprendi a ter coragem.<br />

Tu sabes,<br />

conheces melhor <strong>do</strong> que eu<br />

a velha história.<br />

Na primeira <strong>no</strong>ite eles se aproximam<br />

e roubam uma flor<br />

<strong>do</strong> <strong>no</strong>sso jardim.<br />

E não dizemos nada.<br />

Na segunda <strong>no</strong>ite, já não se escondem:<br />

pisam as flores,<br />

matam <strong>no</strong>sso cão,<br />

e não dizemos nada.<br />

Até que um dia,<br />

o mais frágil deles<br />

entra sozinho em <strong>no</strong>ssa casa,<br />

rouba-<strong>no</strong>s a luz e,<br />

conhecen<strong>do</strong> <strong>no</strong>sso me<strong>do</strong>,<br />

arranca-<strong>no</strong>s a voz da garganta.<br />

E já não podemos dizer nada.<br />

Nos dias que correm<br />

a ninguém é da<strong>do</strong><br />

repousar a cabeça<br />

alheia ao terror.<br />

Os humildes baixam a cerviz:<br />

e nós, que não temos pacto algum<br />

com os senhores <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />

por temor <strong>no</strong>s calamos.<br />

No silêncio de meu quarto<br />

a ousadia me afogueia as faces<br />

e eu fantasio um levante;<br />

mas amanhã,<br />

diante <strong>do</strong> juiz,<br />

talvez meus lábios<br />

calem a verdade<br />

como um foco de germes<br />

capaz de me destruir.<br />

Olho ao re<strong>do</strong>r<br />

e o que vejo<br />

e acabo por repetir<br />

são mentiras.<br />

Mal sabe a criança dizer mãe<br />

e a propaganda lhe destrói a consciência.<br />

A mim, quase me arrastam<br />

pela gola <strong>do</strong> paletó<br />

à porta <strong>do</strong> templo<br />

e me pedem que aguarde<br />

até que a Democracia<br />

se digne aparecer <strong>no</strong> balcão.<br />

Mas eu sei,<br />

porque não estou amedronta<strong>do</strong><br />

a ponto de cegar, que ela tem uma espada<br />

a lhe espetar as costelas<br />

e o riso que <strong>no</strong>s mostra<br />

é uma tênue cortina<br />

lançada sobre os arsenais.<br />

Vamos ao campo<br />

e não os vemos ao <strong>no</strong>sso la<strong>do</strong>,<br />

<strong>no</strong> plantio.<br />

Mas <strong>no</strong> tempo da colheita<br />

lá estão<br />

e acabam por <strong>no</strong>s roubar<br />

até o último grão de trigo.<br />

Dizem-<strong>no</strong>s que de nós emana o poder<br />

mas sempre o temos contra nós.<br />

Dizem-<strong>no</strong>s que é preciso<br />

defender <strong>no</strong>ssos lares,<br />

mas se <strong>no</strong>s rebelamos contra a opressão<br />

é sobre nós que marcham os solda<strong>do</strong>s.<br />

E por temor eu me calo.<br />

Por temor, aceito a condição<br />

de falso democrata<br />

e rotulo meus gestos<br />

com a palavra liberdade,<br />

procuran<strong>do</strong>, num sorriso,<br />

esconder minha <strong>do</strong>r<br />

diante de meus superiores.<br />

Mas dentro de mim,<br />

com a potência de um milhão de vozes,<br />

o coração grita - MENTIRA!<br />

EDUARDO ALVES DA COSTA<br />

Niterói, RJ, 1936<br />

1


RESUMO<br />

<strong>Gentrification</strong> é um processo urba<strong>no</strong> que ocorre em bairros históricos<br />

comumente centrais. Estan<strong>do</strong> associa<strong>do</strong> às transformações desencadeadas em um<br />

momento posterior à década de 1930, o mesmo implica a substituição de uma<br />

população de baixo poder aquisitivo por outra mais abastada. Essas características<br />

agregam a este objeto de estu<strong>do</strong> um tipo específico de recorte espacial, temporal e<br />

social. A presente análise sobre o processo <strong>no</strong> município de Salva<strong>do</strong>r recai <strong>no</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, que abrange três bairros tradicionais da cidade:<br />

Maciel, Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. Tanto o tema como a área de<br />

pesquisa são objetos de extrema riqueza e complexidade e, também por esse<br />

motivo, possuem conexões com todas as escalas geográficas. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

<strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, busca traçar um fio lógico que<br />

interliga os fenôme<strong>no</strong>s ocorri<strong>do</strong>s localmente com os grandes eventos mundiais. Para<br />

as questões locais, procurou-se observar detalhes que passam pela esfera <strong>do</strong><br />

cotidia<strong>no</strong>, da pesquisa de casa em casa e até mesmo <strong>do</strong>s peque<strong>no</strong>s<br />

acontecimentos. Para as questões globais, traçou-se um paralelo <strong>do</strong>s fatos<br />

históricos de repercussão e seu des<strong>do</strong>bramento <strong>no</strong> lugar em questão.<br />

PALAVRAS-CHAVE<br />

<strong>Gentrification</strong>, <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, Salva<strong>do</strong>r, Globalização<br />

1


ABSTRACT<br />

<strong>Gentrification</strong> is an urban process that usually occurs at central or <strong>do</strong>wntown<br />

historical neighborhoods. Being associated to the transformations that took place<br />

soon after the decade of 1930, it implies the substitution or replacement of a low<br />

income population by a<strong>no</strong>ther one more prosperous. These characteristcs aggregate<br />

to this object of study a specific spatial, historical and social outline. This analysis<br />

focuses on the process occurred in the city of Salva<strong>do</strong>r, at the Historical Park of<br />

<strong>Pelourinho</strong> wich encompasses three traditional neighborhoods: Maciel, Carmo e<br />

Santo Antonio Além <strong>do</strong> Carmo. Both the theme and the research area are of extreme<br />

richnesss and complexity and, also on account of this fact, have connections with all<br />

geographical scales. As a result of this, <strong>Gentrification</strong> at the Historical Park of<br />

<strong>Pelourinho</strong> is an attempt to delineate a logical thread connecting local phe<strong>no</strong>mena<br />

and global events. As to local questions, daily life aspects are observed, since house<br />

to house research to small occurrences. As far as the global questions a parallel is<br />

made regarding historical facts of great impact and their developments in the area<br />

object of study.<br />

KEYWORDS<br />

<strong>Gentrification</strong>, <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, Salva<strong>do</strong>r, Globalization<br />

2


Lista de Figuras<br />

Figura 01 – Mapa de Localização de Salva<strong>do</strong>r.........................................................................12<br />

Figura 02 – Mapa de Situação <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r .............................................12<br />

Figura 03 - Desfile <strong>do</strong> Dois de Julho, Salva<strong>do</strong>r-<strong>BA</strong>, 2010.......................................................20<br />

Figura 04. Forte <strong>do</strong> Santo Antônio, antes a pós a reforma, ......................................................23<br />

Figura 05. Gráfico de Lorenz ...................................................................................................28<br />

Figura 06. Região da Arkhêr Geográfica Soteropolitana. ........................................................37<br />

Figura 07. Arkhêr Geográfica Soteropolitana, .........................................................................38<br />

Figura 08. Delimitação da área de estu<strong>do</strong>.................................................................................42<br />

Figura 09 - Turista dinamarquesa, fazen<strong>do</strong> aula de dança silvestre – Liceu de Artes - 2007 ..53<br />

Figura 10 - Turistas dinamarquesas, jantan<strong>do</strong> ao som <strong>do</strong> Jazz <strong>no</strong> Restaurante Olivier - 2007 53<br />

Figura 11 - Bloco Natakatushia – 2006 – Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo..............................55<br />

Figura 12 - Bloco Natakatushia – 2009 – <strong>Pelourinho</strong> ..............................................................55<br />

Figura 13 - Jogo de Capoeira <strong>no</strong> largo <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>..............................................................56<br />

Figura 14 - Jogo de Capoeira, ao fun<strong>do</strong>, a cidade Baixa e Cidade Alta de Salva<strong>do</strong>r. ..............56<br />

Figura 15 - Esferário.................................................................................................................58<br />

Figura 16. Mapa mundi – WAR III – O Maracatu Atômico ....................................................65<br />

Figura 17 - Correlação das edificações com os logra<strong>do</strong>uros e numeração métrica. Santo<br />

Antônio Além <strong>do</strong> Carmo em 2007 .........................................................................................117<br />

Figura 18. Residências alugadas e próprias <strong>no</strong> Santo Antônio, 2007. ...................................118<br />

Figura 19. Atividades e Serviços <strong>do</strong> Santo Antônio, 2007.....................................................119<br />

Figura 20 - Praça da Sé...........................................................................................................125<br />

Figura 21 - Terreiro de Jesus ..................................................................................................125<br />

Figura 22 - Tradição ...............................................................................................................126<br />

Figura 23 - Rampa <strong>do</strong> Eleva<strong>do</strong>r, Salva<strong>do</strong>r <strong>BA</strong>, 1918.............................................................128<br />

Figura 24 - Desfile <strong>do</strong>s Merca<strong>do</strong>res de Bagdá – 1959 ...........................................................133<br />

Figura 25 - Nelson Maleiro – 1959 ........................................................................................133<br />

Figura 26 - Um <strong>do</strong>s Funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s Filhos de Gandhy .........................................................134<br />

Figura 27 - Filhos de Gandhy pegan<strong>do</strong> o bonde – Photo Pierre Verger................................134<br />

Figura 28 - Desfile <strong>do</strong> bloco Filhos de Gandhy – Photo Pierre Verger ................................134<br />

Figura 29- Bloco Os Fantasmas, Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong>, 1957 ..........................................................135<br />

Figura 30 – Flâmulas <strong>do</strong>s Blocos Fantasmas e Corujas .........................................................135<br />

Figura 31 – Maria Bethânia, madrinha <strong>do</strong> bloco os Corujas, 1980........................................135<br />

................................................................................................................................................135<br />

Figura 32 – Sr. Hamilton sen<strong>do</strong> carrega<strong>do</strong> pelos associa<strong>do</strong>s - a 1975 ..................................136<br />

Figuras 33 e 34 – Evolução <strong>no</strong> número de associa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Bloco Os Corujas – b 1964 – c 1978<br />

................................................................................................................................................136<br />

Figura 35: Sr. Clarin<strong>do</strong> Silva pousan<strong>do</strong> com a foto de Seu Pai..............................................144<br />

Figura 36: Paul Simon e Neguinho <strong>do</strong> Samba na sede <strong>do</strong> Olodum........................................146<br />

Figura 37: Michael Jackson e o Olodum,...............................................................................146<br />

Figura 38 - Salva<strong>do</strong>r Smile .....................................................................................................158<br />

Figura 39 - Mosaico de Fotos <strong>do</strong> 2 de Julho ..........................................................................161<br />

Figura 40 – Mapa de campo ...................................................................................................166<br />

Figura 41 – Mapa de edificações não habitadas .....................................................................168<br />

Figura 42 - O <strong>Pelourinho</strong> não é mais aquele ..........................................................................169<br />

Figura 43 – Mapa de função das edificações..........................................................................171<br />

3


Figura 44 - Desfile <strong>do</strong> 2 de Julho, Rua <strong>do</strong>s A<strong>do</strong>bes. Figura 45 – Desfile <strong>do</strong> 2 de Julho,<br />

Ladeira <strong>do</strong> Boqueirão. 172<br />

Figura 46: Mosaico Iguatemi, evento <strong>no</strong> Largo <strong>do</strong> Santo Antônio ........................................176<br />

Figura 47 – Mapa de hierarquia <strong>do</strong>s estabelecimentos segun<strong>do</strong> os Circuitos da Eco<strong>no</strong>mia ..178<br />

Figura 48 – Mapa de tempo <strong>do</strong> mora<strong>do</strong>r <strong>no</strong> lugar ..................................................................183<br />

Figura 49 – Mapa <strong>do</strong>s vetores da gentrification.....................................................................185<br />

Figura 50 – Mapa relacional da especulação imobiliária .......................................................192<br />

Figura 51: VENDEM-SE .......................................................................................................197<br />

Figura 52: Momentos bucólicos de brincadeira, Largo <strong>do</strong> Santo Antônio, Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong> ...202<br />

Figura 53: Carnaval <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong> (2011).............................................................................206<br />

Figura 54: São João <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong> (2011) .............................................................................206<br />

Figura 55: Trezena de Santo Antônio.....................................................................................207<br />

Figura 56: Show de Jerônimo na Escadaria <strong>do</strong> Passo ............................................................208<br />

Figura 57: Samba <strong>do</strong> Santo Antônio ......................................................................................210<br />

Lista de Quadros e Tabelas<br />

Quadro 01: Políticas públicas para o Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r ......................................148<br />

Quadro 02 - Impactos, das ações <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> por etapa....................152<br />

Quadro 03 - População <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>/Maciel em 1984 e 1997.............................................152<br />

Quadro 04 – Valor <strong>do</strong>s Investimentos por etapas x quantidade de imóveis recupera<strong>do</strong>s ......152<br />

Tabela 01: Perfil da população, segun<strong>do</strong> Origem...................................................................190<br />

Tabela 02 - Perfil da população, segun<strong>do</strong> Origem x conservação..........................................194<br />

Quadro 05: Análise <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> pelo méto<strong>do</strong> SWOT .......................212<br />

Lista de Gráficos<br />

Gráfico 1: Perfil da população, segun<strong>do</strong> Origem ...................................................................190<br />

Gráfico 2 Conservação das edificações segun<strong>do</strong> o perfil de origem da população...............194<br />

Gráfico 3 - Conservação das edificações segun<strong>do</strong> o perfil de origem da população. ............194<br />

4


SUMÁRIO<br />

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................8<br />

2 COMPREENDENDO A ESSÊNCIA DO OBJETO DE ESTUDO......................................20<br />

2.1. A cidade.........................................................................................................................21<br />

2.1.1. Forma/Função – Estrutura/Processo.......................................................................22<br />

2.1.2 Os agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço .........................................................................24<br />

2.1.3 Complexidade e Caos <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> .....................................28<br />

2.2 A área de estu<strong>do</strong> .............................................................................................................31<br />

2.2.1 A Arkher (αρκηέ) geográfica soteropolitana ...........................................................32<br />

2.2.1.1 Centro Original e Periferia Histórica................................................................33<br />

2.2.1.2 A Arkhê (Αρκηέ) Geográfica Soteropolitana ....................................................35<br />

2.2.1.3 Continuum Concreto Existente da Arkhê (Αρκηέ) Geográfica Soteropolitana 39<br />

2.2.2 A Cabeça Da Ponte..................................................................................................40<br />

2.2.3 O <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>...........................................................................41<br />

2.2.4 O conceito de território............................................................................................43<br />

2.3 O Espírito da gentrification ............................................................................................45<br />

2.3.1 A raiz <strong>do</strong> termo gentrification .................................................................................47<br />

2.3.2 Elitização, Aburguesamento, E<strong>no</strong>brecimento, Nobilização, Gentrificação ............48<br />

2.3.3 Os tipos de <strong>Gentrification</strong> .......................................................................................50<br />

3 UMA GLO<strong>BA</strong>LIZAÇÃO DA GENTRIFICATION OU UMA GENTRIFICATION DA<br />

GLO<strong>BA</strong>LIZAÇÃO? .................................................................................................................51<br />

3.1. A Globalização ..............................................................................................................59<br />

3.1.1 O tripé da imagem <strong>do</strong> consumo e da competição....................................................62<br />

3.2 Das i<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas à produção <strong>do</strong> consumo.....................................................63<br />

3.3 A cidade produto ............................................................................................................68<br />

3.4 O produto cultural...........................................................................................................71<br />

3.5 Patrimônio e Turismo, <strong>Gentrification</strong> e Globalização....................................................74<br />

3.5.1 Turismo....................................................................................................................79<br />

3.5.2 Uma Globalização da <strong>Gentrification</strong> ou uma <strong>Gentrification</strong> da Globalização?......83<br />

4 ANÁLISE DA ESPACIALIZAÇÃO DO PROCESSO DE GENTRIFICATION................85<br />

4.1 Debaten<strong>do</strong> o processo de <strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> recorte- espaço-tempo-social ....................85<br />

4.2 O milagre sem o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> santo .....................................................................................89<br />

4.3 Algumas considerações sobre o Capital .........................................................................90<br />

4.4 Rent Gap, Yuppies e os Ciclos da <strong>Gentrification</strong> ...........................................................93<br />

4.5 A reconquista de um espaço central ...............................................................................97<br />

5


4.6 Complexidade, Caos, <strong>Gentrification</strong>, Caos, Complexidade...........................................98<br />

4.7 Estu<strong>do</strong>s de caso.............................................................................................................101<br />

4.7.1 Soho - Nova Iorque - EUA....................................................................................102<br />

4.7.2 Ciutat Vella - Barcelona - Espanha .......................................................................104<br />

4.7.3 Saint-Georges – Lyon - França..............................................................................106<br />

4.7.4 Cidades Mexicanas................................................................................................108<br />

4.7.5 Bruxelas – Bélgica.................................................................................................110<br />

4.7.6 São Paulo - Brasil ..................................................................................................111<br />

4.7.7 Salva<strong>do</strong>r.................................................................................................................113<br />

4.8 Aplicação <strong>do</strong> conceito de <strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> caso de Salva<strong>do</strong>r.....................................120<br />

4.9 Rugosidade x Plasticidade............................................................................................122<br />

5 TRAÇOS DO COTIDIANO - DO PASSADO AO PRESENTE .......................................124<br />

5.1 Uma antiga estrutura, um antigo cotidia<strong>no</strong>...................................................................125<br />

5.1.1 Da Salva<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Carnavais a uma gentrification <strong>do</strong> carnavalis ...........................131<br />

5.1.2 Redefinin<strong>do</strong> o conceito <strong>do</strong> recorte espacial da gentrification ...............................138<br />

5.1.3 Das Imagens da cidade da Bahia à gentrification em Salva<strong>do</strong>r ............................139<br />

5.3 O Programa de Recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r....................................150<br />

5.3.1 A sétima etapa <strong>do</strong> programa e o Rememorar ........................................................156<br />

6 SALVADOR SMILE – FATOS E DADOS ........................................................................158<br />

6.1 Fatos e Da<strong>do</strong>s - O <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> <strong>no</strong> presente. .................................162<br />

6.3 Iguatemi (holding LGR) ...............................................................................................173<br />

6.4 Outros agentes econômicos e a mídia...........................................................................177<br />

6.5 A população..................................................................................................................181<br />

........................................................................................................................................183<br />

6.4.1 A pressão <strong>do</strong>s vetores da especulação sobre a população .....................................184<br />

6.4.2 A face mais perversa da gentrification..................................................................186<br />

6.4.3 O perfil da população ............................................................................................189<br />

6.4.4 Pa<strong>no</strong>rama geral sobre a população <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>................195<br />

6.5 Vendem-se Salva<strong>do</strong>r – Os Promotores Imobiliários ....................................................197<br />

6.6 A Igreja e as ordens leigas............................................................................................199<br />

6.7 O grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s ..................................................................................................200<br />

6.8 <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> – Transformações e Resistências ..............................201<br />

6.8.1 A Barraca de Dona Julia – a Morte <strong>do</strong> Lugar........................................................203<br />

6.8.2 As festas e tradições – A resistência......................................................................206<br />

6.9 SWOT............................................................................................................................211<br />

6.10 Por Uma Sociedade da Educação, Por uma Geografia <strong>do</strong> Ubuntu.............................215<br />

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................220<br />

6


7.1 As forças, fraquezas, oportunidades e ameaças <strong>do</strong> lugar. ............................................226<br />

7.2 Proposições para o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> ....................................................227<br />

7.2.1 Proposições estruturais ..........................................................................................228<br />

7.2.2 Proposições para os lugares...................................................................................230<br />

7.2.3 Proposição para conjuntura regional .....................................................................232<br />

7.3 Assim............................................................................................................................232<br />

8. REFEÊNCIAS...................................................................................................................234<br />

9. APÊNDICE A1 – Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo ............................................................240<br />

APÊNDICE A2 – Carmo........................................................................................................241<br />

APÊNDICE A3 – Maciel / <strong>Pelourinho</strong>...................................................................................242<br />

APÊNDICE B - Tabela de atributos <strong>do</strong> ARCGIS..................................................................243<br />

APÊNDICE C – Tabela de atributos para pesquisa de campo ..............................................244<br />

7


1. INTRODUÇÃO<br />

O processo de gentrification, que em seu conceito original implica a<br />

substituição de populações com me<strong>no</strong>r poder econômico, <strong>do</strong>s centros históricos, por<br />

populações com maior poder de compra, vem sen<strong>do</strong> alvo de estu<strong>do</strong>s por diversas<br />

ciências <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s. A Geografia forneceu, através das análises de Neil Smith,<br />

valorosas contribuições para a compreensão <strong>do</strong> mesmo.<br />

Poden<strong>do</strong> ser o produto de uma estratégia de planejamento urba<strong>no</strong> que visa a<br />

inserção da cidade na eco<strong>no</strong>mia global, muitas vezes o processo é fomenta<strong>do</strong> com<br />

a justificativa de preservar o patrimônio histórico e cultural. Percebe-se, <strong>no</strong> entanto,<br />

que o consumo <strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong> é um <strong>do</strong>s principais fundamentos em que se<br />

estruturam as ações <strong>do</strong> mesmo, disfarçadas <strong>no</strong> eufemismo de requalificação ou<br />

revitalização urbana.<br />

Verifican<strong>do</strong> outros casos de gentrification <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a partir de diferentes<br />

visões, percebe-se que o conceito é mais amplo <strong>do</strong> que se imagina sen<strong>do</strong> inclusive<br />

ponto de divergência entre os teóricos <strong>do</strong> tema. Entende-se que não existe uma<br />

fórmula exata de como o processo ocorre. Por outro la<strong>do</strong> sabe-se da existência de<br />

fenôme<strong>no</strong>s similares adapta<strong>do</strong>s às diferentes realidades, geográficas, jurídicas,<br />

culturais, sociais e econômicas de cada localidade. O próprio Smith realça a<br />

importância de não se tomar um modelo como padrão.<br />

Seria um erro considerar o modelo <strong>no</strong>va- iorqui<strong>no</strong> como uma espécie de<br />

paradigma, e medir o progresso da gentrificação em outras cidades pelos<br />

estágios que foram lá identifica<strong>do</strong>s. Não é isso que estou sugerin<strong>do</strong>. Por<br />

ser uma expressão de relações sociais, econômicas e políticas mais<br />

amplas, a gentrificação em uma cidade especifica irá exprimir as<br />

particularidades da constituição de seu espaço urba<strong>no</strong>. (SMITH, 2006, p.74)<br />

Alguns autores preferem trabalhar com um termo que se adéque melhor à<br />

língua portuguesa, como e<strong>no</strong>brecimento, aburguesamento ou elitização ou até<br />

mesmo gentrificação. A opção por continuar a trabalhar com gentrification é<br />

preferida pelo fato de que o termo já foi incorpora<strong>do</strong> à literatura cientifica mundial e<br />

ganhou uma carga que traduz diversas características por si mesmo.<br />

É possível ainda contestar os termos - e<strong>no</strong>brecimento, aburguesamento ou<br />

elitização, a partir de seus próprios significa<strong>do</strong>s. No caso <strong>do</strong> e<strong>no</strong>brecimento, por<br />

exemplo, podemos falar <strong>do</strong> e<strong>no</strong>brecimento de determinada área sem que para isso<br />

haja substituição populacional. Também é possível abordar sobre o e<strong>no</strong>brecimento e<br />

8


elitização de qualquer lugar que não seja centro histórico. Aburguesamento fica fora<br />

<strong>do</strong> contexto uma vez que o termo não necessariamente se adequaria a uma lógica<br />

e<strong>no</strong>brece<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> espaço.<br />

Poder-se-ia falar o mesmo da gentrification, já que os espaços afeta<strong>do</strong>s pelo<br />

fenôme<strong>no</strong>, não são “gentrifica<strong>do</strong>s” necessariamente pelos peque<strong>no</strong>s <strong>no</strong>bres<br />

ingleses. Mas, retoma-se a justificativa de que o termo já foi incorpora<strong>do</strong> na literatura<br />

mundial, sen<strong>do</strong> preferi<strong>do</strong> nesse trabalho assumi-lo devi<strong>do</strong> a um conjunto de<br />

características que representa.<br />

Um ponto a se refletir é se existe uma única forma de gentrification, ou o se o<br />

processo identifica<strong>do</strong> inicialmente em Londres teria subdivisões a partir <strong>do</strong> momento<br />

que ocorre em outros lugares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Estaríamos falan<strong>do</strong> de diferentes formas de<br />

gentrification, ou de diferentes processos?<br />

As relações possíveis de serem abordadas giram em tor<strong>no</strong> das variadas<br />

contradições que envolvem o tema - da parte de quem promove as ações e de quem<br />

é afeta<strong>do</strong>. Esses acontecimentos são observáveis também quanto a sua<br />

espacialização. Há uma conexão <strong>do</strong> local com o to<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> movimento que se<br />

dá de fora para dentro – como <strong>no</strong> caso da vinda de estrangeiros - e<br />

concomitantemente o inverso acontece – ocupações espontâneas <strong>do</strong>s cidadãos<br />

me<strong>no</strong>s favoreci<strong>do</strong>s da cidade.<br />

As contradições continuam ainda entre o discurso e a prática. Se pensarmos<br />

de forma não generalizante podemos afirmar que, em boa parte <strong>do</strong>s casos, o fator<br />

de atração da gentrification é a cultura local mais as estruturas físicas. Por um la<strong>do</strong> o<br />

fator cultura local que é proveniente <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> vivi<strong>do</strong> e produzi<strong>do</strong> pela população<br />

é enfraqueci<strong>do</strong> com o fortalecimento das ações que promovem a substituição<br />

populacional. Por outro la<strong>do</strong> o fator conservação das edificações costuma ser<br />

afeta<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à falta de recursos ou pouca instrução por parte <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res mais<br />

pobres.<br />

É possível afirmar que a tese para a gentrification <strong>no</strong> caso de Salva<strong>do</strong>r implica<br />

<strong>no</strong> fortalecimento das estruturas físicas e enfraquecimento <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong>, ou seja, a<br />

cultura local. Seria então a morte <strong>do</strong> lugar pela artificialização. A antítese para tal<br />

questão abrangeria o enfraquecimento das formas, mas, fortalecimento da cultura<br />

popular.<br />

9


Assim, <strong>no</strong> caso em estu<strong>do</strong>, o fator de atração – cultura local - é o mesmo que<br />

se torna escasso ao atrair o fator que será responsável pela redução <strong>do</strong> elemento de<br />

atração inicial – cultura local. A síntese delineia a implicação de que uma <strong>no</strong>va<br />

dinâmica se configura com a escassez <strong>do</strong> fator cultural e conservação das estruturas<br />

físicas com aumento da pressão imobiliária, geran<strong>do</strong>, com o tempo, um <strong>no</strong>vo<br />

cotidia<strong>no</strong>.<br />

Ainda dentro <strong>do</strong> jogo dialético de reflexões - a má conservação das estruturas<br />

não pode ser reduzida a um pensamento local, mas, entendida como algo que vem<br />

em cadeias relacionadas mundialmente. Essas cadeias promovem a atração para os<br />

lugares de um tipo de publico especifico que está relaciona<strong>do</strong> à gentrification, ou<br />

seja, atraem os agentes que expulsam aqueles que não têm como preservar as<br />

estruturas que habitam.<br />

A cidade é um espaço de conflitos, e na maioria das vezes os processos<br />

decorrentes <strong>no</strong> meio urba<strong>no</strong> são frutos desses conflitos ou ocasionam o mesmo. A<br />

afirmação anterior não anula uma posterior complementação de que a cidade é<br />

também um espaço de solidariedade e é essa diversidade de características que faz<br />

da mesma um objeto complexo de ser estuda<strong>do</strong>.<br />

Na atualidade as forças que atuam transforman<strong>do</strong> o meio urba<strong>no</strong><br />

permanecem em um jogo de interesses onde, quase sempre, prevalece a vontade<br />

<strong>do</strong>s mais poderosos. Isso porque as esferas <strong>do</strong> capital se confundem com as <strong>do</strong><br />

poder, sobretu<strong>do</strong> <strong>no</strong> neoliberalismo. Vale a pena realçar que o espaço é dinâmico e<br />

isso explica a perda de terre<strong>no</strong> que o atual modelo econômico vem sofren<strong>do</strong> na<br />

conjuntura global. Essa perda repercute direta e indiretamente na cidade.<br />

Na dinâmica da produção espacial urbana, os agentes modela<strong>do</strong>res podem<br />

ser classifica<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com Corrêa (2005) como os proprietários <strong>do</strong> meio de<br />

produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Esta<strong>do</strong>, e o grupo<br />

<strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s.<br />

È importante entender que a cidade é formada dentro de uma combinação e<br />

sobreposição de tempos em uma dinâmica de ordenamentos e reestruturações.<br />

Dessa forma, uma compreensão mais completa <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Centro<br />

<strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r deve combinar os agentes <strong>do</strong> presente, dentro <strong>do</strong> contexto de<br />

um mo<strong>do</strong> capitalista de produção, que para o trabalho serão considera<strong>do</strong>s, os já<br />

menciona<strong>do</strong>s, de Corrêa (2005), com os <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, que para Vasconcelos (2006,<br />

10


pg. 249) são: “A Igreja; as ordens leigas; o Esta<strong>do</strong>; os agentes econômicos; a<br />

população e os agentes sociais”<br />

Assumir já de principio que há um processo de gentrification <strong>no</strong> Centro<br />

<strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r, é admitir que substituições populacionais estão acontecen<strong>do</strong><br />

nesta área. É importante destacar que anterior ao processo menciona<strong>do</strong>, ocorre a<br />

invasão-sucessão (CORREA, 2005), onde uma área anteriormente habitada por<br />

uma população mais rica é ocupada por outra mais pobre. Diante desta abordagem,<br />

pode-se analisar o processo da gentrification, que como explica Smith (2006, p.63)<br />

“Seja qual for a sua forma, a gentrification implica <strong>no</strong> deslocamento <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res<br />

das classes populares <strong>do</strong>s centros”.<br />

O termo gentrification foi emprega<strong>do</strong> pela primeira vez em 1964, pela<br />

socióloga Ruth Glass, após isso os estu<strong>do</strong>s sobre o fenôme<strong>no</strong> ganharam maior<br />

repercussão, despertan<strong>do</strong> o interesse de muitos estudiosos. Alguns chegaram a<br />

afirmar que o processo consistia em um fenôme<strong>no</strong> pontual, limita<strong>do</strong> <strong>no</strong> espaço e<br />

tempo, ocorri<strong>do</strong> <strong>no</strong>s bairros londri<strong>no</strong>s e de algumas cidades estadunidenses. Porém,<br />

o que se percebe é que o fenôme<strong>no</strong> vem crescen<strong>do</strong> cada vez mais, “de forma tanto<br />

horizontal como vertical” (Smith, 2006, p.62). O processo não só se expande como<br />

assume diferentes facetas em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> assim inúmeras<br />

inquietações dentre os cientistas sobre os diversos aspectos da gentrification.<br />

A cidade <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r é bastante peculiar devi<strong>do</strong> a seu clima, cultura,<br />

paisagem e tantos outros aspectos, mas, principalmente por conta de sua história. A<br />

capital <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da Bahia foi durante três séculos a capital <strong>do</strong> Império português na<br />

América, segunda maior cidade <strong>do</strong> Império Português, fican<strong>do</strong> atrás apenas de<br />

Lisboa. Foi palco de inúmeros episódios que influenciaram direta e indiretamente na<br />

historia <strong>do</strong> país. Localizada a leste <strong>do</strong> país, encontra-se entre a latitude 10ºS e 20ºS<br />

e longitude 30ºW e 40ºW. (Figura 01)<br />

A área de estu<strong>do</strong> corresponde ao limite estabeleci<strong>do</strong> pelo decreto estadual<br />

número 7.984 de 04 de setembro de 1987 - <strong>BA</strong>, que Cria o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong> “inseri<strong>do</strong> na área tombada da Cidade de Salva<strong>do</strong>r reconhecida pela<br />

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)<br />

como Patrimônio da Humanidade” (Bahia, 1987). (Figura 02)<br />

11


Figura 01 – Mapa de Localização de Salva<strong>do</strong>r<br />

Figura 02 – Mapa de Situação <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Uma primeira justificativa para a pesquisa está <strong>no</strong> fato <strong>do</strong> tema gentrification<br />

ser pouco aborda<strong>do</strong> <strong>no</strong> âmbito acadêmico e principalmente da Geografia, sen<strong>do</strong> a<br />

contribuição <strong>do</strong> geógrafo importante para a compreensão <strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong> em sua<br />

dimensão espacial e não somente social. Observa-se ainda que os geógrafos que<br />

12


trabalham com o tema estão em sua maioria <strong>no</strong>s países europeus e <strong>no</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s, o que significa que abordar a gentrification a partir da realidade de um país<br />

emergente como o Brasil, é igual a contribuir com outro extremo ao que se está<br />

acostuma<strong>do</strong> observar nas literaturas sobre o termo.<br />

As ações da gentrification <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> são baseadas em modelos de<br />

planejamento urba<strong>no</strong> – ou da ausência deles - que encaram a cidade como um<br />

espaço a ser consumi<strong>do</strong> ao invés de um espaço <strong>do</strong> cidadão. Com isso elas<br />

envolvem aspectos relevantes <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre globalização, tais como a<br />

sociedade <strong>do</strong> consumo, a competição entre os lugares e a cultura da imagem. O<br />

processo se mascara através <strong>do</strong> turismo com a justificativa ideológica da<br />

preservação da cultura. A consequência para tal fato é a geração de espaços<br />

artificiais onde se perde cada vez mais a identidade cultural. Sen<strong>do</strong> esses temas<br />

bastante atuais, é de suma importância analisar o fenôme<strong>no</strong> em questão.<br />

Ten<strong>do</strong> em vista que a gentrification interfere e modifica a vida de pessoas nas<br />

cidades <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, encontrar uma proposta para o processo em análise pode<br />

contribuir à ciência geográfica, refletin<strong>do</strong> sobre os impactos sociais que o mesmo<br />

costuma causar e colaboran<strong>do</strong> para se pensar em um turismo de melhor qualidade<br />

para o turista e para a cidade.<br />

A área selecionada para análise é um importante conjunto urbanístico de<br />

relevância internacional cuja essência traduz muito da história <strong>do</strong> país, <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da<br />

Bahia, da cidade de Salva<strong>do</strong>r e sua relação com as diversas nações. Por isso é<br />

importante observar até quan<strong>do</strong> os projetos de cunho turístico não estão<br />

descaracterizan<strong>do</strong> o centro da cidade e “limpan<strong>do</strong>” desse espaço sua essência<br />

histórica.<br />

O estu<strong>do</strong> da gentrification não se resume a uma análise local, mas a uma<br />

conjuntura regional, pois ele vem acompanha<strong>do</strong> de inúmeros processos urba<strong>no</strong>s<br />

como a coesão e difusão, segregação espacial, a invasão populacional e juntamente<br />

com eles, problemas que afetam o cotidia<strong>no</strong> das populações urbanas.<br />

A perspectiva de análise pode trazer diferentes contribuições, uma vez que<br />

apesar de possuir uma base dialética, complementa-se a mesma com o paradigma<br />

da complexidade. Essa forma de trabalho vem justamente da concepção da<br />

complexidade que segun<strong>do</strong> Morin (1999), diz respeito à incompletude e não à<br />

completude. Com isso entende-se que a complexidade não se contrapõe à dialética,<br />

13


mas, procura complementar as lacunas deixadas pelos diferentes modelos de<br />

pensamento. Dentro das mesmas perspectivas ainda é vali<strong>do</strong> realçar o que autor<br />

chama de oitava avenida, que para ele: “A oitava avenida da complexidade é a volta<br />

<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r na sua observação” (MORIN, 1995, p.185). Assim, entende-se que<br />

cada visão de mun<strong>do</strong> produzirá diferentes abordagens e concepções sobre<br />

determina<strong>do</strong>s assuntos.<br />

A dialética é um instrumento de grande valia para as ciências sociais. Para<br />

corroborar essa afirmação basta citar que só nesse estu<strong>do</strong> re<strong>no</strong>ma<strong>do</strong>s autores<br />

trabalham com esse paradigma. Harvey, Santos, Smith, Hobsbawm dentre outros.<br />

Além <strong>do</strong> jogo das contradições os estu<strong>do</strong>s críticos oferecem uma visão com grande<br />

carga política, o que é de fundamental importância para o campo das ciências<br />

humanas.<br />

Em contrapartida a fe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>logia também oferece elementos interessantes<br />

para a compreensão <strong>do</strong> comportamento huma<strong>no</strong>. O entendimento da subjetividade<br />

como fator relevante nas transformações sociais não deve ser negligencia<strong>do</strong> em<br />

favor das grandes teorias geográficas, históricas, econômicas e sociais. Contu<strong>do</strong>, o<br />

caminho inverso também não é suficiente para suprir a demanda <strong>do</strong> entendimento<br />

sobre o homem.<br />

Ainda é possível mencionar a importância de méto<strong>do</strong>s como o hipotético<br />

dedutivo e o próprio pragmatismo que forneceram grandes avanços <strong>no</strong> pensar<br />

científico, como também na ciência geográfica. Infelizmente há uma tendência de se<br />

negar tu<strong>do</strong> o que não estiver adequa<strong>do</strong> a um paradigma X, Y ou Z e por outro la<strong>do</strong><br />

existe uma parcela de pesquisa<strong>do</strong>res que não concordam com tal postura.<br />

Não há dúvidas de que o paradigma da complexidade ainda é um caminho<br />

frágil e temi<strong>do</strong> por muitos como to<strong>do</strong> e qualquer caminho que seja desconheci<strong>do</strong><br />

pela maioria. No entanto ele oferece elementos que talvez, com uma ou outra<br />

exceção, não i<strong>no</strong>vem, mas, permitam a reunião de fatores que durante muito tempo<br />

na história da ciência buscaram se negar. Outra questão é que o mesmo não surge<br />

como um caminho final e autossuficiente para explicar o mun<strong>do</strong>, mas, como um<br />

complemento. “De fato, a inspiração à complexidade tende para o conhecimento<br />

multidimensional. Ela não quer dar todas as informações sobre um fenôme<strong>no</strong><br />

estuda<strong>do</strong>, mas respeitar suas diversas dimensões.” (MORIN, 1995, p.177)<br />

14


A Geografia é uma ciência complexa por sua própria natureza. É possível se<br />

observar traços <strong>do</strong> pensamento complexo em uma gama de trabalhos de caráter<br />

geográfico. Mesmo que na maioria <strong>do</strong>s casos, talvez não haja uma intencionalidade<br />

por parte <strong>do</strong>s autores. Os caminhos que levam até a complexidade são uma<br />

necessidade inerente a natureza humana. Para finalizar os comentários sobre esse<br />

paradigma ficam duas menções de Morin (1995) sobre as confusões que são feitas<br />

ao se falar <strong>do</strong> mesmo.<br />

“O primeiro mal entendi<strong>do</strong> consiste em conceber a complexidade como<br />

receita, como resposta, em vez de considerá-la como desafio e como uma<br />

motivação para pensar.” (...) O segun<strong>do</strong> mal entendi<strong>do</strong> consiste em<br />

confundir a complexidade com a completude. Acontece que o problema da<br />

complexidade não é o da completude, mas o da incompletude <strong>do</strong><br />

conhecimento. Num senti<strong>do</strong>, o pensamento complexo tenta dar conta<br />

daquilo que os tipos de pensamento mutilante se desfaz, excluin<strong>do</strong> o que eu<br />

chamo de simplifica<strong>do</strong>res e por isso ele luta, não contra a incompletude,<br />

mas contra a mutilação. (MORIN, 1995, p.176)<br />

A teoria <strong>do</strong> Caos por sua vez é mais um elemento que é incorpora<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

pensamento complexo. Sua existência levou o pensamento científico a rever sua<br />

postura descen<strong>do</strong> de um “pedestal da imponência” para o degrau de humilde<br />

instrumento que tenta compreender parte da realidade. O pensamento sob viés<br />

caótico, apesar de ter si<strong>do</strong> origina<strong>do</strong> matematicamente, se adéqua perfeitamente a<br />

realidade das ciências humanas, pois, não existe <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> pela ciência<br />

ser mais complexo e imprevisível <strong>do</strong> que o huma<strong>no</strong>. No caso da Geografia, o espaço<br />

produzi<strong>do</strong> pelo homem, por mais que busque a ordem sofrerá a ação da desordem,<br />

pois, este estará submeti<strong>do</strong> ao caos. Muitos autores já falaram da importância de<br />

“diversas geografias”. Porque não falar então de uma Geografia <strong>do</strong> complexo?<br />

O objetivo deste trabalho consiste em analisar o processo de gentrification <strong>no</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r. Esta pesquisa também visa responder, qual é o<br />

impacto sofri<strong>do</strong> e provoca<strong>do</strong> pelos bairros conti<strong>do</strong>s na poligonal da área estudada,<br />

com o des<strong>do</strong>bramento <strong>do</strong> processo em questão. Pretende-se a partir dessa análise<br />

alcançar os seguintes objetivos específicos:<br />

1. Criar uma concepção sobre a área de estu<strong>do</strong> para delimitá-la;<br />

2. Realizar um estu<strong>do</strong> da evolução <strong>no</strong> tempo e espaço <strong>do</strong> processo de<br />

<strong>Gentrification</strong> em Salva<strong>do</strong>r;<br />

3. Analisar os modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço em foco;<br />

15


4. Fazer uma breve comparação <strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong> ocorrente em Salva<strong>do</strong>r com os<br />

observa<strong>do</strong>s em algumas cidades <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a fim de buscar similaridades e<br />

divergências.<br />

5. Compreender quais as principais consequências da gentrification para a<br />

área de estu<strong>do</strong> e a cidade de Salva<strong>do</strong>r;<br />

6. Construir propostas para o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r a partir <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s estu<strong>do</strong>s.<br />

Como procedimento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para a análise inicialmente fez-se o<br />

levantamento bibliográfico teórico-conceitual, sobre gentrification, lugar, centro<br />

histórico, turismo e a história da cidade de Salva<strong>do</strong>r. Concomitantemente a essa<br />

ação, realizou-se o levantamento de mapas da localidade para a elaboração de<br />

cartografia temática, delimitan<strong>do</strong> a área a ser estudada, consideran<strong>do</strong> critérios,<br />

socioeconômicos, espaciais, culturais, históricos e urbanísticos.<br />

Após isso, criou-se um código de identificação das edificações na área<br />

selecionada, com o intuito de fornecer suporte para o trabalho de campo. Esse<br />

código consiste em uma chave única dentro da poligonal trabalhada, que permite<br />

uma fácil identificação da edificação <strong>no</strong> banco de da<strong>do</strong>s elabora<strong>do</strong> para a pesquisa.<br />

Em seguida, foi efetua<strong>do</strong> o levantamento das formas e funções, das<br />

edificações da poligonal selecionada – excluin<strong>do</strong>-se a maioria das situadas na borda<br />

da mesma. Foram organizadas equipes para realizar o recenseamento na área e<br />

com isso produziu-se material de apoio visan<strong>do</strong> orientar os cadastra<strong>do</strong>res durante a<br />

obtenção <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s na área selecionada.<br />

A partir disso, foram relacionadas as informações em cima <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s<br />

para se analisar, a gentrification, bem como as suas características peculiares.<br />

Foram compara<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s da análise obtida, nas distintas localidades dentro <strong>do</strong><br />

centro histórico e com aspectos observa<strong>do</strong>s nas análises <strong>do</strong> processo feitas por<br />

outros autores, a fim de se identificar, quais as relações <strong>do</strong> processo estuda<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

mun<strong>do</strong>, com localidades de outros espaços globais.<br />

Ten<strong>do</strong> processa<strong>do</strong> os da<strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s foi gera<strong>do</strong> o sistema de informações<br />

geográficas (SIG), para a área. Após estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da pesquisa juntamente<br />

com a pesquisa bibliográfica foram seleciona<strong>do</strong>s, alguns representantes - atores <strong>do</strong><br />

espaço em estu<strong>do</strong>, para efetuar entrevistas qualitativas de aprofundamento.<br />

16


Com a análise <strong>do</strong>s discursos, as informações <strong>do</strong>s meios de comunicação, o<br />

referencial teórico conceitual, e a produção coletada em campo, foi elabora<strong>do</strong> o<br />

entendimento <strong>do</strong> processo estuda<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong> analisar as contradições existentes<br />

<strong>no</strong> mesmo, bem como a percepção <strong>do</strong> processo em uma perspectiva da<br />

subjetividade. Iniciou-se uma reflexão a respeito das diversas variáveis existentes <strong>no</strong><br />

sistema em análise, para construir uma concepção complexa sobre o tema, visan<strong>do</strong><br />

relacionar a dinâmica dialógica <strong>do</strong> espaço com as dimensões da ordem, desordem,<br />

que fundamentaram uma visão ampliada <strong>do</strong> assunto.<br />

Dentro desse conjunto de relações, foram pensadas propostas para serem<br />

trabalhadas <strong>no</strong> espaço, consideran<strong>do</strong> a teoria e prática, o concreto e abstrato,<br />

levan<strong>do</strong> em conta as limitações da realidade, mas, pensan<strong>do</strong> soluções que talvez<br />

não tenham si<strong>do</strong> postas em prática.<br />

No capitulo <strong>do</strong>is (2), busca-se compreender as questões essenciais <strong>do</strong> objeto<br />

de estu<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> elas relacionadas diretamente com o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s principais<br />

aspectos a serem aborda<strong>do</strong>s. São esses, o processo em si e a termi<strong>no</strong>logia<br />

utilizada, o espaço onde a gentrification ocorre e os agentes modela<strong>do</strong>res que atuam<br />

nesse espaço ocasionan<strong>do</strong> as ações em questão.<br />

Para alcançar o objetivo de dissecar esses três aspectos, é necessário passar<br />

por outros conceitos, tanto para a compreensão <strong>do</strong> objeto estuda<strong>do</strong>, como para<br />

subsidiar futuras análises. É nesse contexto que os conceitos de estrutura, função,<br />

forma e processo (SANTOS, 1979) são aborda<strong>do</strong>s. Da mesma forma é feita uma<br />

explanação sobre a teoria <strong>do</strong> Caos.<br />

Ainda nesse capitulo alguns conceitos foram debati<strong>do</strong>s e questiona<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong><br />

subsequentemente a proposição de alternativas para os mesmos. É o caso <strong>no</strong> que<br />

diz respeito ao conceito de Centro Antigo que é desconstruí<strong>do</strong> para se chegar ao<br />

conceito de Periferia Histórica, ao mesmo tempo em que se desenvolve o conceito<br />

de Arkher Geográfica e Continuum Concreto Existente, para aprofundar em uma<br />

abordagem sobre território. Ao terminar a abordagem conceitual buscou-se a<br />

legitimação da área de estu<strong>do</strong> através <strong>do</strong> decreto estadual número 7.984 de 04 de<br />

setembro de 1987. É feito <strong>no</strong> fim a critica ao aportuguesamento de palavras cujo<br />

senti<strong>do</strong> fica desprovi<strong>do</strong> de nexo diante da “suposta tradução”. Desenvolven<strong>do</strong> o<br />

pensamento para justificar a utilização <strong>do</strong> termo trabalha<strong>do</strong> em inglês, ou seja,<br />

<strong>Gentrification</strong>.<br />

17


O capitulo três (3) , tem a pretensão de abordar as questões mais<br />

relacionadas à chamada psicosfera <strong>do</strong> processo. Ao tentar compreender as<br />

concepções que permeiam a globalização e a gentrification, se <strong>no</strong>rteia o debate<br />

sobre as relações cotidianas estabelecidas pelos agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço,<br />

bem como a estrutura ideológica que baseia o processo estuda<strong>do</strong>.<br />

Diante desse embate, a primeira questão a ser focada recai sobre o jogo<br />

dialético entre as relações locais de habitar e as ações homogeneizantes da<br />

globalização. Essa abordagem passa antes pelo realce da importância da teoria <strong>do</strong><br />

caos como um aspecto que salvaguarda qualquer pretensão de compreensão das<br />

relações sociais e espaciais.<br />

Apresenta-se também um modelo, de concepção espacial, de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> de<br />

Esferário. É interessante realçar, que apesar de pretender debater as estruturas<br />

psicológicas e ideológicas que circundam o processo em questão o capitulo termina<br />

por passar por diversas questões conceituais que constituem justamente o<br />

fundamento psicológico de percepção <strong>do</strong> autor diante <strong>do</strong> objeto de estu<strong>do</strong>.<br />

O capitulo quatro (4) , debate o conceito de <strong>Gentrification</strong> propriamente dito,<br />

incluin<strong>do</strong> algumas das teorias já levantadas envolven<strong>do</strong> o tema. Busca-se analisar<br />

como o processo tem se des<strong>do</strong>bra<strong>do</strong> <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> tanto <strong>no</strong> aspecto material, como <strong>no</strong><br />

aspecto <strong>do</strong> acontecer.<br />

Ainda nesse capitulo são demonstra<strong>do</strong>s alguns estu<strong>do</strong>s de casos em<br />

diferentes contextos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, como Nova Iorque, Lyon, Barcelona, Bruxelas,<br />

Cidades Mexicanas e São Paulo, dentro de diferentes visões fornecidas por autores<br />

distintos. Esses estu<strong>do</strong>s forneceram bases conceituais para a elaboração da<br />

aplicação <strong>do</strong> conceito <strong>no</strong> caso soteropolita<strong>no</strong>. Antes disso, é feita um breve<br />

apanha<strong>do</strong> de alguns autores que já utilizaram o termo para falar sobre o processo na<br />

cidade em trabalhos anteriores.<br />

No capitulo cinco (5) , é feita uma construção histórica sobre alguns <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos da cidade <strong>no</strong> passa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> seu cotidia<strong>no</strong>. Após isso foram<br />

demonstra<strong>do</strong>s, de forma sucinta, as principais tentativas de recuperação <strong>do</strong> <strong>Parque</strong><br />

<strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> culminan<strong>do</strong> com os acontecimentos que se iniciam em 1985,<br />

com o tombamento da área estudada pela Organização das Nações Unidas para<br />

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e os fatos posteriores a isso, como a vinda<br />

de celebridades internacionais para o lugar, o que deu visibilidade ao mesmo. O<br />

18


capítulo é encerra<strong>do</strong> com a avaliação <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Programa de Recuperação <strong>do</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

O capitulo seis (6) , apresenta os resulta<strong>do</strong>s da pesquisa de campo, sen<strong>do</strong><br />

uma analise que intercala os da<strong>do</strong>s registra<strong>do</strong>s com os fatos observa<strong>do</strong>s. Após a<br />

apresentação de algumas características da área, é feito o detalhamento <strong>do</strong> méto<strong>do</strong><br />

utiliza<strong>do</strong> para a realização <strong>do</strong> trabalho de campo. Na sequência, faz-se a<br />

contraposição de tabelas, gráficos e mapas com informações sociais espaciais e<br />

temporais sobre as áreas analisadas. Ao final <strong>do</strong> capitulo é retomada a abordagem<br />

<strong>do</strong>s fatos observa<strong>do</strong>s <strong>no</strong> lugar concluin<strong>do</strong> com o ensaio de uma analise diag<strong>no</strong>stico<br />

para o mesmo utilizan<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> <strong>do</strong> SWOT e de uma observação sobre a questão<br />

estrutural da sociedade e sua influência <strong>no</strong> lugar, através <strong>do</strong> comentário sobre o<br />

conceito <strong>do</strong> Ubuntu.<br />

Percebe-se que apesar de ter como tema central o processo de gentrification,<br />

o trabalho em foco termina por abordar muitas questões que vão além <strong>do</strong> proposto,<br />

chegan<strong>do</strong> a debater criticar e criar conceitos que estão relaciona<strong>do</strong>s com diversos<br />

aspectos da ciência geográfica.<br />

19


2 COMPREENDENDO A ESSÊNCIA DO OBJETO DE ESTUDO<br />

Compreender o contexto em que se dá a gentrification exige o entendimento<br />

<strong>do</strong> lugar onde o fenôme<strong>no</strong> acontece. Só assim é possível escapar da tentação de<br />

tentar enquadrar modelos ocorri<strong>do</strong>s em outros lugares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>no</strong> caso especifico<br />

da área estudada.<br />

Pode-se pensar em diversos tipos de gentrification, onde o termo serve como<br />

a chave que associa o fenôme<strong>no</strong>, mas, não busca o definir como um padrão para<br />

to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>. No entanto independente da diversidade com que o processo se<br />

manifesta em cada lugar, similaridades encontradas em to<strong>do</strong>s os espaços, permitem<br />

o agrupamento <strong>do</strong>s diferentes fenôme<strong>no</strong>s ocorri<strong>do</strong>s em um conceito. No caso<br />

soteropolita<strong>no</strong>, o principal elemento identifica<strong>do</strong> diz respeito ao binômio; estrutura<br />

física x estrutura social, que de des<strong>do</strong>bra <strong>no</strong>s bairros históricos da cidade. Para a<br />

melhor compreensão desse fenôme<strong>no</strong> heterogêneo, faz-se necessário<br />

primeiramente uma reflexão sobre a área que se pretende estudar ( Figura 03),<br />

explican<strong>do</strong> o porquê <strong>do</strong> recorte espacial toma<strong>do</strong>.<br />

Figura 03 - Desfile <strong>do</strong> Dois de Julho, Salva<strong>do</strong>r-<strong>BA</strong>, 2010<br />

a) b)<br />

c) d)<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 02 Jul 2010<br />

20


2.1. A cidade<br />

A cidade, como principal produto das transformações <strong>do</strong> espaço pelo homem,<br />

sempre representou objeto de profun<strong>do</strong> interesse das mais diversas áreas<br />

cientificas. Em sua evolução histórica, apresenta em cada momento da<br />

temporalidade humana, o reflexo da sociedade que a constrói.<br />

Justamente por conta de sua pluralidade, política, social e cultural, é possível<br />

se encontrar muitos conceitos que tentam defini-la. Também por isso ela é um objeto<br />

complexo de ser estuda<strong>do</strong>, proporciona diferentes formas de interpretação,<br />

proveniente das diversas visões de mun<strong>do</strong>.<br />

Para Marx e Engels (1846), “A cidade seria a “rea lidade da concentração da<br />

população, <strong>do</strong>s instrumentos de produção, <strong>do</strong> capital, <strong>do</strong>s prazeres, das<br />

necessidades...” (MARX, apud, VASCONCELOS, 1984, p.64,). Já o urbanista Lewis<br />

Munford (1938), afirma que a cidade “é um ponto de concentração máxima <strong>do</strong><br />

poderio e da cultura de uma comunidade” (p.11) “um produto da terra” bem como<br />

“um produto <strong>do</strong> tempo” (MUNFORD, apud, VASCONCELOS, 1945, p.12).<br />

Ambos os autores concordam <strong>no</strong> ponto em que a cidade é produto da<br />

concentração, ela tem por si só o poder de atrair e concentrar – o que não impede<br />

que o contrário também possa acontecer. Contu<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> geral, as áreas urbanas<br />

como polo de atração possuem a heterogeneidade relativa à quantidade de regiões<br />

que polariza. Quanto maior o poder de atração da cidade, maior será a região que<br />

ela polarizará e por consequência maior será a sua heterogeneidade.<br />

Por sua vez é certo que nem sempre a cidade exercerá fator de atração,<br />

poden<strong>do</strong> chegar a repelir seus habitantes, o que levará ao seu desaparecimento. A<br />

afirmação anterior leva a uma reflexão <strong>do</strong> que há de mais importante na cidade, os<br />

seus habitantes. Sen<strong>do</strong> assim, a cidade é antes de tu<strong>do</strong> o espaço onde vivem os<br />

cidadãos.<br />

Para David W. Harvey, (1973) a cidade é um “sistema dinâmico complexo <strong>no</strong><br />

qual a forma espacial e o processo social estão em continua interação” (HARVEY,<br />

1980, p.34). Ele trás três elementos importantes, primeiro o entendimento da cidade<br />

como um sistema complexo, depois os conceitos de forma e processo. Compreender<br />

os diferentes tipos de processos, ocorrentes <strong>no</strong> espaço urba<strong>no</strong> vem sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s<br />

desafios que a ciência geográfica se propõe a enfrentar.<br />

21


Dentro dessa conjuntura, entender os importantes processos urba<strong>no</strong>s que<br />

ocorrem nas cidades <strong>no</strong> passar <strong>do</strong>s tempos é interpretar qual o interesse<br />

representa<strong>do</strong> pela classe <strong>do</strong>minante e ao mesmo tempo sondar qual a reação <strong>do</strong>s<br />

grupos desfavoreci<strong>do</strong>s. Seja esse processo a centralização, descentralização,<br />

coesão, segregação, inércia, invasão, sucessão, ou qualquer outro (CORRÊA,<br />

1989).<br />

2.1.1. Forma/Função – Estrutura/Processo<br />

Os processos sociais ocorri<strong>do</strong>s <strong>no</strong> meio urba<strong>no</strong> resultam em formas<br />

espaciais, visíveis na cidade. Em contrapartida, os processos urba<strong>no</strong>s serão uma<br />

consequência, <strong>do</strong> modelo de cidade que é construí<strong>do</strong> pela sociedade vigente. Logo,<br />

a paisagem que a cidade apresenta é o produto da conjuntura desenvolvida pela<br />

ação <strong>do</strong> homem <strong>no</strong> espaço habita<strong>do</strong>.<br />

Santos em 1979 afirmou que o entendimento de processo perpassa pela idéia<br />

de movimento que expressa à totalidade:<br />

Os processos nada mais são <strong>do</strong> que uma expressão da totalidade, <strong>do</strong> que<br />

uma manifestação de sua energia na forma de movimento; eles são o<br />

instrumento e o veículo da metamorfose da universalidade em singularidade<br />

por que passa a totalidade. O conceito de totalidade constitui a base para a<br />

interpretação de to<strong>do</strong>s os objetos e forças. (SANTOS, 2007, p.119)<br />

Essa afirmação possibilita o discernimento de que os processos antes mesmo<br />

de movimento, são fatos expressos entre os lugares e melhor compreendi<strong>do</strong>s na<br />

visão mais ampla <strong>do</strong> espaço. Nesse senti<strong>do</strong> com a difusão de fenôme<strong>no</strong>s sociais a<br />

partir de um centro, cada lugar terá um tipo de resposta consequente. Primeiro,<br />

presume-se a existência de uma maior estabilidade <strong>no</strong> centro, cuja repercussão <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos é mais rápida, dispersan<strong>do</strong> maiores influencias para a sua periferia.<br />

Ao mesmo tempo essa periferia terá consequências diferenciadas <strong>do</strong> grande<br />

movimento, mas nela também estão as possibilidades de gerar <strong>no</strong>vos movimentos,<br />

frean<strong>do</strong> ou mudan<strong>do</strong> a direção <strong>do</strong> processo.<br />

Sen<strong>do</strong> assim o entendimento <strong>do</strong> processo como uma expressão da totalidade<br />

manifestada na forma de movimento, indica <strong>do</strong>is fatores: Primeiro que há um centro<br />

que comanda o movimento das partes, cuja repercussão em cada uma ocorre de<br />

maneira diferenciada. É importante frisar que se há um eixo é porque existem<br />

22


agentes exercen<strong>do</strong> o coman<strong>do</strong> nesses lugares centrais. A segunda a ser alcançada<br />

é que, se o processo é a totalidade expressa em movimento, pode-se dizer que o<br />

processo está inerente nas categorias da forma, função e estrutura, como explica<br />

Santos em 1979.<br />

Devemos levar em consideração, além das categorias tempo e escala que<br />

funcionam externamente, as categorias internas estrutura, função e forma.<br />

A <strong>no</strong>ção de processo permeia todas estas categorias. O processo,<br />

entretanto, nada mais é <strong>do</strong> que um vetor evanescente cuja vida é efêmera;<br />

é um breve momento, a fração de tempo necessária à realização da<br />

estrutura, que deve ser geografizada, ou melhor, espacializada, através de<br />

uma função, isto é, através de uma atividade mais ou me<strong>no</strong>s dura<strong>do</strong>ura e<br />

pela sua indispensável união a uma forma. A forma geralmente sobrevive à<br />

sua função especifica. (SANTOS, 2007, p.199).<br />

A forma é o produto <strong>do</strong> modelo estrutural vigente em da<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> histórico,<br />

consequência da influência exercida pelo processo e de sua diferente<br />

repercussão em cada parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong>. A remodelação da forma é o produto de um<br />

processo, porém o mais comum é que a forma permaneça, mudan<strong>do</strong> a sua<br />

função.<br />

É <strong>no</strong> entendimento de forma e função que se pode alcançar a essência <strong>do</strong><br />

processo de gentrification. Esse processo busca remodelar as funções através da<br />

reconstituição, reestruturação ou reformulação das formas. Ao contrário <strong>do</strong> que se<br />

observam em outros modelos especulativos onde o que impera é a introdução de<br />

<strong>no</strong>vas formas, na gentrification a forma é conservada, poden<strong>do</strong> ou não ter sua<br />

função alterada, mas, a grande consequência desse processo se dá na estrutura<br />

(figura 04).<br />

Figura 04. Forte <strong>do</strong> Santo Antônio, antes a pós a reforma,<br />

Fonte: RIBEIRO, 2007, p.45 e Daniel de Albuquerque Ribeiro, em 08 Jan 2010<br />

23


O que está em questão não é a transformação ou permanência da forma,<br />

mas, a sua reutilização, para o e<strong>no</strong>brecimento das funções, afetan<strong>do</strong> assim a<br />

estrutura espacial e por consequência os circuitos da eco<strong>no</strong>mia. Trata-se aí de<br />

uma <strong>no</strong>va forma de se fazer a mesma coisa que Santos em 1979 já alertara ao<br />

tratar da introdução das formas <strong>no</strong>s países em desenvolvimento “(...) “para ajudar<br />

o processo de superacumulação, cuja contrapartida é a superexploração. Aqueles<br />

países em que isto ocorre têm sua eco<strong>no</strong>mia distorcida, suas tradições<br />

sacrificadas e suas populações empobrecidas.” (SANTOS, 2007, p.198)<br />

2.1.2 Os agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço<br />

Na dinâmica da produção espacial urbana, os agentes modela<strong>do</strong>res podem<br />

ser classifica<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com Corrêa (1989) como os proprietár ios <strong>do</strong> meio de<br />

produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Esta<strong>do</strong>, e o grupo<br />

<strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s.<br />

Entende-se então, o Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r, como um produto <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>do</strong>s diversos agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço, ao longo <strong>do</strong> tempo,<br />

compreendi<strong>do</strong>s em sua relação de contradições e complementaridades em nível<br />

horizontal, bem como por ação vertical <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> capital, mas, que transcende<br />

o limite <strong>do</strong> seu entor<strong>no</strong>, abrange a região que polariza e por fim se conecta com o<br />

espaço através <strong>do</strong>s fluxos e redes estabeleci<strong>do</strong>s historicamente e que se reforçam<br />

em <strong>no</strong>vas relações de poder <strong>no</strong>s tempos atuais.<br />

A cidade é formada dentro de uma combinação e sobreposição de tempos em<br />

uma dinâmica de ordem e desordem. Dessa forma, uma compreensão mais<br />

completa <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r deve combinar<br />

os agentes <strong>do</strong> presente dentro <strong>do</strong> contexto de um mo<strong>do</strong> capitalista de produção, que<br />

para o trabalho serão considera<strong>do</strong>s os já menciona<strong>do</strong>s de Corrêa (1989), com os <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, que para Vasconcelos (2002, pg. 249) são: “A Igreja; as ordens leigas; o<br />

Esta<strong>do</strong>; os agentes econômicos; a população e os agentes sociais”<br />

A partir da combinação <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong> presente com<br />

os <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, é possível reconhecer <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r sete agentes<br />

a serem analisa<strong>do</strong>s nessa pesquisa. Começan<strong>do</strong> com os <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e<br />

“caminhan<strong>do</strong>” até os tempos atuais, temos:<br />

24


A Igreja<br />

As ordens leigas<br />

O Esta<strong>do</strong> ou instancias estatais<br />

Os promotores imobiliários<br />

Os agentes econômicos<br />

O grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s<br />

A população<br />

A Igreja que <strong>no</strong> passa<strong>do</strong> era representada unicamente pela Igreja Católica,<br />

hoje deve ter seu entendimento amplia<strong>do</strong>, com a seguinte pergunta: quais outras<br />

instituições religiosas possivelmente exercem influência na área em estu<strong>do</strong>? Qual o<br />

grau de interferência <strong>no</strong> processo analisa<strong>do</strong>?<br />

Passan<strong>do</strong> esse momento de questionamento, é possível retornar a atenção<br />

para a Igreja Católica, cuja força é ainda visível na área estudada, primeiramente<br />

através das formas - os grandes templos situa<strong>do</strong>s em uma média a cada 500 metros<br />

de um logra<strong>do</strong>uro para outro, estan<strong>do</strong> a maioria em funcionamento. Outro sintoma<br />

da presença ainda marcante da Igreja é observável <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong>s lugares,<br />

movimenta<strong>do</strong>s e influencia<strong>do</strong>s pelas festas religiosas, procissões e cultos que<br />

terminam por configurar uma dinâmica peculiar àquela região. Ao se aprofundar na<br />

pesquisa, sabe-se que a Igreja é ainda detentora de grande parte das terras dessas<br />

localidades, herança que vem <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.<br />

Ainda é possível compreender a influência da Igreja, <strong>no</strong>s aspectos<br />

administrativos e políticos. Como exemplo pode-se citar as freguesias, que<br />

influenciaram na atual divisão da cidade e das paróquias que territorializam os<br />

lugares.<br />

Uma característica bastante peculiar é a de que em Salva<strong>do</strong>r se encontra o<br />

Arcebispa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil, o que faz da cidade e mais especificamente da área<br />

estudada um centro religioso de influencia nacional e internacional, pois há uma<br />

grande confluência de religiosos de diversas nacionalidades para a cidade e da<br />

cidade para vários lugares <strong>do</strong> planeta. Essa forte influencia <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> é sondável<br />

através <strong>do</strong> seguinte fragmento retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> livro de Vasconcelos (2002, p.75):<br />

25


A Igreja: o Arcebispa<strong>do</strong> foi implanta<strong>do</strong> em 1676 (PERES, 2002, apud,<br />

VASCONCELLOS, 1974:78), e a Relação Eclesiástica foi estabelecida em<br />

1678 ((RUY, 2002, apud, VASCONCELLOS, 1949:217). O Arcebispa<strong>do</strong> da<br />

Bahia extrapolava o território brasileiro e tinha sua abrangência sobre<br />

Luanda e São Tomé, na África (VARNHAGEN, 2002, apud,<br />

VASCONCELOS, 1962:III:229).<br />

As ordens leigas perderam parte de sua influência <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mas, ainda<br />

estão diretamente ligadas com a estrutura <strong>do</strong> espaço estuda<strong>do</strong>, principalmente pelo<br />

fato de que algumas dessas ordens são detentoras de imóveis <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> bem como em toda cidade, participan<strong>do</strong> diretamente <strong>no</strong> jogo<br />

especulativo que envolve a região em questão. É o caso da Santa Casa de<br />

Misericórdia.<br />

Além disso, as procissões e festas organizadas pelas irmandades<br />

influenciam diretamente <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> e calendário <strong>do</strong>s lugares, sen<strong>do</strong> um elemento<br />

representativo de considerável importância para o entendimento da vida e <strong>do</strong>s<br />

hábitos locais.<br />

A influência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é incontestável, agin<strong>do</strong> desde o processo que<br />

acarretou <strong>no</strong> tombamento <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> pelo Instituto <strong>do</strong> Patrimônio <strong>Histórico</strong><br />

Artístico Nacional (IPHAN) (1984) que acarretou na declaração <strong>do</strong> sitio como<br />

Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a<br />

Ciência e a Cultura (UNESCO) (1985), passan<strong>do</strong> pelo processo de expulsão das<br />

famílias <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong> e restauração das edificações daquela área, e vin<strong>do</strong> até os<br />

tempos atuais, com inúmeros projetos e ações diretas que visam valorizar o espaço.<br />

Pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> que diz respeito ao caso brasileiro, é importante abrir um<br />

parêntese, quan<strong>do</strong> se falar <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, pois, apesar de teoricamente ser uma única<br />

face representativa, na prática não é bem isso o que acontece. Talvez, seja mais<br />

coerente falar nas instancias estatais.<br />

É um grande equivoco <strong>no</strong>s tempos atuais considerar o Esta<strong>do</strong> como uma<br />

única instância, pois, nem sempre o Esta<strong>do</strong> está coeso em suas ações, existe em<br />

alguns casos, uma grande disputa dentro das esferas sejam elas hierárquicas;<br />

municipal x estadual x federal, sejam elas as instâncias <strong>do</strong>s poderes executivo,<br />

legislativo, e judiciário, isso sem inserir <strong>no</strong> debate os órgãos públicos e os setores<br />

dentro de cada empresa, companhia, secretaria e demais instituições estatais.<br />

Os promotores imobiliários e os agentes econômicos quase que se<br />

confundem <strong>no</strong> estu<strong>do</strong> em questão, mas, a importância de distingui-los se dá<br />

26


justamente pelo diferente papel que cada qual exerce nas relações com o lugar. Um<br />

exemplo que será aborda<strong>do</strong> mais a frente é o <strong>do</strong> grupo Iguatemi que é um agente<br />

econômico que atua como promotor imobiliário na área de estu<strong>do</strong>. Da mesma forma<br />

a Santa Casa da Misericórdia, que é uma ordem leiga, funciona como um agente<br />

econômico e ao mesmo tempo promotor imobiliário na cidade.<br />

A população é o grupo mais heterogêneo e mais complexo de ser estuda<strong>do</strong>,<br />

justamente, porque cada unidade pode representar qualquer categoria de agentes<br />

ou nenhum deles, e porque <strong>no</strong> papel que representam podem ter inclinações<br />

distintas, desde posições políticas reacionárias até posturas colaborativas com o<br />

processo. A mesma representa a essência <strong>do</strong> lugar e devi<strong>do</strong> ao seu eleva<strong>do</strong> grau de<br />

complexidade, existem muitas limitações na conceituação <strong>do</strong> que possa ser a<br />

população da área estudada. Será a população composta somente pelos<br />

mora<strong>do</strong>res, ou é população aquele frequenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> lugar? Talvez uma postura<br />

pragmática incline a resposta para a primeira opção, mas, se o que estiver em foco<br />

for a analise <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> bem como a interligação <strong>do</strong> fragmento estuda<strong>do</strong> com as<br />

outras partes, então, a resposta engloba as duas opções.<br />

Diante da heterogeneidade desse grupo bem como da dificuldade em<br />

delimitar territorialmente a sua ação enquanto agente modela<strong>do</strong>r delineia-se a<br />

questão principal que é a de como definir essa população tão heterogênea e<br />

efêmera em uma única categoria?<br />

O grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s constitui a parte mais delicada e complexa <strong>do</strong> trabalho,<br />

justamente porque eles estão excluí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> sistema de leis e <strong>do</strong> que há de<br />

regulamentar, causan<strong>do</strong> assim, um grande impasse conceitual para o trabalho em<br />

questão. Ao se tomar a poligonal a<strong>do</strong>tada, as leis vigentes e as medidas estatais em<br />

curso, percebe-se claramente que o grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s fica de fora de todas elas e<br />

quan<strong>do</strong> não, as ações são executadas ten<strong>do</strong> por finalidade retira-los da área.<br />

Compreender a dinâmica que envolve esse grupo é de fundamental importância<br />

para alcançar respostas que fujam <strong>do</strong> trivial.<br />

27


2.1.3 Complexidade e Caos <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

O gráfico de Lorenz ( Figura 05) também conheci<strong>do</strong> popularmente como<br />

gráfico <strong>do</strong> efeito borboleta é o símbolo que melhor representa o sistema caótico. A<br />

grande diferença entre o caos e os sistemas determinísticos, diz respeito à<br />

previsibilidade. “Uma teoria pode ser dita determinística se, usan<strong>do</strong> apenas, a teoria<br />

e uma descrição completa <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de um sistema, cada esta<strong>do</strong> subsequente <strong>do</strong><br />

sistema é logicamente inevitável.” (SILVER, 2003, p.118)<br />

Figura 05. Gráfico de Lorenz<br />

28<br />

Eu voz digo: é preciso ter ainda caos dentro de si,<br />

para poder dar à luz uma estrela dançarina.<br />

Eu vos digo: ainda há caos dentro de vós<br />

(NIETZSCHE, 1885)<br />

Fonte: Elaboração própria, www.portaldascuriosidades.com, acessa<strong>do</strong> em 2011<br />

No que diz respeito à teoria <strong>do</strong> caos, ela surge como uma resposta aos<br />

diversos fenôme<strong>no</strong>s que não possuem uma previsibilidade e que <strong>no</strong> passa<strong>do</strong> eram<br />

despreza<strong>do</strong>s. A teoria <strong>do</strong> Caos representa uma quebra <strong>do</strong> paradigma determinístico,<br />

ao reconhecer que existem situações <strong>no</strong> campo das ciências em que as condições<br />

iniciais de um fator X não permitem a previsibilidade da consequência em um<br />

momento posterior. “Existem sistemas em que o desfecho de uma série de eventos<br />

é muito sensível às condições iniciais. Tão sensíveis, que o comportamento <strong>do</strong><br />

sistema pode ser impredizível na prática, mesmo que predizível na teoria.” (SILVER,<br />

2003, p.119)<br />

A palavra, caos ou caótica é desse mo<strong>do</strong> erroneamente confundida com<br />

desarruma<strong>do</strong>, ou desorganiza<strong>do</strong> o que não é coerente, uma vez que modelos<br />

caóticos são estrutura<strong>do</strong>s, porém referem-se justamente a sistemas que devi<strong>do</strong> à<br />

quantidade de elementos que interagem tornam qualquer tentativa de previsão <strong>do</strong>


futuro, mera especulação, sen<strong>do</strong> possível somente a tentativa de um resulta<strong>do</strong><br />

aproxima<strong>do</strong>, logo; “Previsibilidade é o problema não determinismo” por outro la<strong>do</strong>,<br />

“processos caóticos são, por definição, impredizíveis na prática, por causa de sua<br />

supersensibilidade às condições iniciais, mas processos impredizíveis não precisam<br />

ser caóticos”. (SILVER, 2003, p.116)<br />

Compreender o processo vigente <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r à luz <strong>do</strong><br />

caos é uma boa opção para buscar o esclarecimento das múltiplas dimensões<br />

existentes nesse espaço. Dentro disso, é importante a <strong>no</strong>ção de que a área de<br />

estu<strong>do</strong> recebe influencias tanto internas como externas, estan<strong>do</strong> sujeita a diversos<br />

fatores que interagem, combinam e divergem em um processo dialógico<br />

ocasionan<strong>do</strong> ruí<strong>do</strong>s e ordens.<br />

Quanto maior a quantidade de elementos que compõem um objeto de análise,<br />

mais complexo se torna a previsibilidade de condições futuras. A sociedade possui<br />

uma gama de fatores interagin<strong>do</strong> entre si e receben<strong>do</strong> influencia de outros fatores,<br />

de maneira a tornar o espaço geográfico um espaço caótico. O homem busca dentro<br />

de uma lógica racional ordenar o espaço, mas, o caos sempre acontecerá na ordem,<br />

pois, essas forças opostas precisam uma da outra para que haja um equilíbrio.<br />

Como dito anteriormente a cidade é o espaço da concentração e da<br />

heterogeneidade. Mencionar os inúmeros elementos que compõem esse sistema<br />

seria um exercício demasiadamente longo e que sempre estaria incompleto. Devi<strong>do</strong><br />

à limitação da inteligibilidade humana diante <strong>do</strong> caos, é possível pensar modelos<br />

espaciais que trarão respostas próximas <strong>do</strong> correto, mas, nunca <strong>do</strong> exato.<br />

Os diversos agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço <strong>no</strong> centro histórico de Salva<strong>do</strong>r<br />

promovem uma dinâmica caótica, onde as influências externas afetam diretamente<br />

nas condições <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong>, por outro la<strong>do</strong>, parte, <strong>do</strong>s mesmos agentes, tenta<br />

preservar a ordem resistin<strong>do</strong> às imposições verticais exercidas pelos órgãos de<br />

planejamento estatal como pelos detentores <strong>do</strong> capital. A combinação de elementos<br />

<strong>no</strong> espaço urba<strong>no</strong> não se dá somente entre os agentes modela<strong>do</strong>res, mas, também<br />

com a interferência <strong>do</strong>s fenôme<strong>no</strong>s naturais - meteorológicos, da influência<br />

geomorfológica, climática, biológica, cósmica. Em outro nível, exercen<strong>do</strong> uma<br />

influência mais expressiva estão os acontecimentos políticos, econômicos, religiosos<br />

exter<strong>no</strong>s ao lugar. Sen<strong>do</strong> assim, volta-se ao ponto inicial quan<strong>do</strong> a reflexão<br />

29


abordava o conceito de processo, como um movimento que expressa à realidade <strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong> e seu reflexo nas particularidades.<br />

Esse estu<strong>do</strong>, não se trata de uma explicação sobre a teoria <strong>do</strong> caos, o que<br />

limita a abordagem sobre o tema, que proporcionariam um maior entendimento<br />

sobre a base teórica da mesma. Existem formulas matemáticas que demonstram<br />

sistemas caóticos, bem como, teorias que ficarão negligenciadas nessa explicação<br />

pelo fato de não serem o foco da pesquisa. Contu<strong>do</strong>, a explicação de mais um<br />

conceito caótico é importante para a compreensão da teoria. Trata-se <strong>do</strong> atrator<br />

estranho.<br />

Entende-se como atrator estranho uma zona para onde convergem os vetores<br />

<strong>do</strong> gráfico de Lorenz, dessa forma as linhas tendem a passar próxima a um ponto,<br />

mas, nunca <strong>no</strong> mesmo ponto. A descoberta desse gráfico se deu através de uma<br />

comprovação matemática que conseguiu explicar fenôme<strong>no</strong>s não exatos.<br />

Apesar de ter sua origem nas ciências exatas, a teoria <strong>do</strong> caos serve<br />

justamente põe em critica o modelo determinístico das ciências exatas pensa<strong>do</strong> em<br />

sistemas fecha<strong>do</strong>s. Dessa forma essa teoria se aproxima como modelo de<br />

pensamento das ciências humanas, justamente por relativizar os fatos. Na historia<br />

da humanidade nunca um fato se repetiu de maneira idêntica, pois, os personagens<br />

mudam, o tempo muda e os espaços também são diferentes. Transpor isso para o<br />

entendimento <strong>do</strong> atrator estranho significa afirmar que declínios e ápices de<br />

estruturas sociais são variáveis presentes <strong>no</strong> decorrer da historia da humanidade.<br />

Em outras palavras os apogeus e crises, <strong>do</strong>s impérios, sociedades, modelos<br />

econômicos e demais estruturas sociais nunca se dá da mesma forma, mesmo que<br />

ocorram de maneiras semelhantes.<br />

No caso da gentrification, algumas características caóticas são facilmente<br />

identificáveis, como na teoria da rent gap (SMITH, 1993). A renda diferencial<br />

demonstra que há uma oscilação da especulação imobiliária que se dá em picos e<br />

declínios, contu<strong>do</strong> esse movimento nunca se dá da mesma maneira. A concepção<br />

caótica <strong>do</strong> processo também contribuiu para uma ampliação <strong>do</strong> entendimento de<br />

como ele se dá na área estudada com relação à sua forma de se especializar<br />

varian<strong>do</strong> entre uma substituição populacional e uma desertificação social, como será<br />

mais bem aborda<strong>do</strong> <strong>no</strong>s capítulos quatro (04) e seis (06). Entender o processo de<br />

gentrification é compreender a dinâmica de produção <strong>do</strong> espaço <strong>no</strong> centro histórico<br />

30


vinculada a um duplo atrator estranho: a ordem promotora da especulação<br />

imobiliária e a desordem reorganiza<strong>do</strong>ra da estrutura espacial ligada ao momento de<br />

desvalorização <strong>do</strong> espaço.<br />

2.2 A área de estu<strong>do</strong><br />

O objeto de estu<strong>do</strong> encontra-se localiza<strong>do</strong> na cidade de Salva<strong>do</strong>r-<strong>BA</strong>, a sua<br />

história confunde-se com a história da cidade até mesmo porque em determina<strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> a cidade resumia-se a ele. Contar a história da cidade é contar<br />

principalmente a história <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r.<br />

Com relação aos fatores climáticos a latitude influencia para que cidade tenha<br />

um clima tropical cuja condição climática é amenizada pelo fator da maritimidade,<br />

não sofren<strong>do</strong> maior influencia da altitude. “A cidade conta com um clima tropical<br />

suaviza<strong>do</strong> pelos ventos alísios <strong>do</strong>minantes de leste” (VASCONCELOS, 2002, p. 15).<br />

Possui grande concentração de chuvas <strong>no</strong> inver<strong>no</strong> e verão mais seco o que não<br />

significa que o nível de precipitação seja baixo nessa estação.<br />

A morfologia onde o sítio se encontra é caracterizada por ser acidenta<strong>do</strong><br />

composto de morros corta<strong>do</strong>s por vales, o que constitui uma formação similar ao que<br />

se encontra em toda região <strong>do</strong> Recôncavo. Há ainda uma forte influência da<br />

estrutura geológica para sua formação, como afirma o Geógrafo Jémison Santos:<br />

“Em relação à estratigrafia constata-se que as feições morfológicas da área<br />

em questão, são marcadamente influenciadas pela estrutura geológica<br />

subjacente. Originam espigões <strong>do</strong> cristali<strong>no</strong> delimita<strong>do</strong>s por vertentes<br />

íngremes e uma extensa superfície rebaixada (encharcada) dissecada por<br />

vales de amplitudes diversas.” (SANTOS, 2002, p.5)<br />

A composição <strong>do</strong> estrato rochoso da formação de Salva<strong>do</strong>r é basicamente de<br />

blocos de rocha “cristalina, calcários <strong>do</strong>lomíticos, metarenitos e metassiltitos, que<br />

ocorrem nas áreas proximais à falha de Salva<strong>do</strong>r, interdigita<strong>do</strong>s com os sendimentos<br />

de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong>s da formação Candeias, Ilhas e São Sebastião.” (SANTOS, 2002, p.5)<br />

Quanto ao tipo de solo encontramos basicamente formações superficiais<br />

are<strong>no</strong>-argilosas e argilo-are<strong>no</strong>sas com espessuras variadas sen<strong>do</strong> os solos das<br />

áreas elevadas caracteriza<strong>do</strong>s por serem latossolos.<br />

O clima da cidade, bem como a conformação <strong>do</strong> desenho urba<strong>no</strong> sobre o<br />

relevo contribui para que muitos <strong>do</strong>s viajantes desde o século XVI comentem ser<br />

31


esta a cidade mais bela ou a mais agradável <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Isso demonstra o potencial<br />

turístico natural da cidade. Entretanto, a combinação <strong>do</strong>s elementos cita<strong>do</strong>s com o<br />

tipo de solo <strong>do</strong> sítio geográfico e o volume de chuvas em determina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

a<strong>no</strong>, alia<strong>do</strong> a um planejamento ineficaz, desencadeia tragédias provocadas por<br />

deslizamentos, o que também evidencia a desigualdade regional e a pobreza na<br />

cidade.<br />

Com relação à vegetação: “Em áreas de topos pla<strong>no</strong>s a cobertura vegetal<br />

remanescente de mata atlântica, está bastante, alterada, salvo em reduzidíssimos<br />

trechos, num estágio primário de regeneração.” (SANTOS, 2002, p.7)<br />

A história da cidade pode ser compreendida através da interação de sua<br />

população com esses aspectos naturais, como <strong>no</strong> caso das telhas adaptadas ao<br />

escoamento da chuva. A conexão entre as cidades <strong>do</strong> Recôncavo com Salva<strong>do</strong>r<br />

através de seus rios e pela Baía de To<strong>do</strong>s os Santos fez a cidade se voltar para o<br />

mar durante séculos. A combinação <strong>do</strong> clima com o relevo, alia<strong>do</strong> ao tipo de<br />

ocupação proporcionaram tristes episódios de deslizamento. Entender quais as<br />

vocações e pontos fracos da cidade passa por se pensar a mesma a partir da sua<br />

geografia, ou seja, da interação de sua população com o meio através <strong>do</strong> tempo.<br />

2.2.1 A Arkher (αρκηέ) geográfica soteropolitana<br />

A ideia de arkher geográfica soteropolitana surgiu a partir de reflexões que<br />

buscavam uma delimitação para a área de estu<strong>do</strong>. O recorte dessa delimitação<br />

compreende o eixo que se inicia na Praça Municipal, passa pelos bairros de Maciel<br />

de cima e Maciel de baixo, avança <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Carmo findan<strong>do</strong> <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong><br />

Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo e Barbalho.<br />

Procurou-se com esse conceito algo que defina o original, entendi<strong>do</strong> como o<br />

centro e a periferia, na perspectiva geográfica observan<strong>do</strong> a questão temporal. De<br />

acor<strong>do</strong> com Houais (2007), etimologicamente arkhê é ”'o que está na frente', <strong>do</strong>nde<br />

'começo, origem, princípio'”. Todavia a palavra possui um senti<strong>do</strong> mais profun<strong>do</strong>,<br />

como explicou Heidegger em 1956 “Devemos compreender, em seu ple<strong>no</strong> senti<strong>do</strong>, a<br />

palavra grega arché. Designa aquilo de onde algo surge, Mas este “de onde” não é<br />

deixa<strong>do</strong> para trás <strong>no</strong> surgir; antes a arché torna-se aquilo que é expresso pelo verbo<br />

archein, o que impera.” (HEIDEGGER, 2009, p.29)<br />

32


A lógica para a escolha desses lugares foi pensada a partir da observação de<br />

uma sequência linear <strong>do</strong> processo estuda<strong>do</strong> que teve seu primeiro impulso na área<br />

<strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> e repercutiu posteriormente <strong>no</strong> Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong><br />

Carmo. Após aprofundar-se sobre a área foi observa<strong>do</strong> que essa sequência de<br />

áreas afetadas pela gentrification talvez pudesse fazer parte de uma confluência<br />

natural possibilitada inicialmente pela morfologia <strong>do</strong> terre<strong>no</strong> e posteriormente<br />

apropriada pelas estratégias <strong>do</strong>s promotores imobiliários e <strong>do</strong>s agentes econômicos.<br />

Uma questão levantada durante as reflexões a respeito das três áreas<br />

abordadas foi a da existência de alguma <strong>no</strong>menclatura que abranja ambas e que<br />

satisfaça o entendimento <strong>do</strong> processo em questão. O grande problema é que, caso<br />

se queira utilizar os conceitos existentes, o recorte de estu<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong> está<br />

“teoricamente” compreendi<strong>do</strong>, em duas áreas distintas.<br />

2.2.1.1 Centro Original e Periferia Histórica<br />

Com relação a essas áreas distintas, as definições existentes enquadrariam<br />

uma parte da área como Centro <strong>Histórico</strong> (bairro <strong>do</strong> Maciel) que também seria a<br />

cidade original. Outra parte corresponderia ao Centro Antigo, (bairros <strong>do</strong> Carmo e <strong>do</strong><br />

Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo). A problemática não finda aí, pois o entendimento de<br />

Centro Antigo abrange uma área maior <strong>do</strong> que a selecionada para análise, ou seja,<br />

além <strong>do</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e Santo Antônio, estão dentro <strong>do</strong> Centro Antigo bairros<br />

como Campo Grande, Nazaré, Saúde, etc.<br />

Em nível termi<strong>no</strong>lógico, o problema foi soluciona<strong>do</strong>, ao descobrir que a área<br />

em foco corresponde a um recorte espacial praticamente idêntico ao recorte jurídico<br />

<strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Somente isso já resolveria uma das questões da<br />

pesquisa. Contu<strong>do</strong>, as reflexões a seguir podem trazer contribuições para um<br />

entendimento maior da área e até mesmo <strong>do</strong> processo existente nela. O atual item<br />

é, portanto, um convite para reflexão de um debate conceitual.<br />

A existência de termos como o de centro antigo e centro histórico é algo<br />

profundamente incomo<strong>do</strong>, justamente porque as duas palavras: antigo e histórico,<br />

não só são insuficientes para traduzir a realidade em que elas são associadas, <strong>no</strong><br />

caso de Salva<strong>do</strong>r especificamente, bem como a distinção desses termos parece<br />

mais como uma solução temporária para uma necessidade de diferenciação entre o<br />

33


centro original – histórico – de uma área posterior, mas, quase tão antiga quanto à<br />

outra, porém que também é histórica.<br />

Na prática isso significa que essa definição será falha em certas situações.<br />

Por exemplo; em uma cidade com me<strong>no</strong>s de 100 a<strong>no</strong>s e que teve uma rápida<br />

expansão espacial, há senti<strong>do</strong> chamar de antiga a sua periferia original, porém<br />

agora central? O caso de Goiânia fundada entre 1930 e 1942 é emblemático.<br />

Grande parte das construções da cidade original data de 1940 e 1950 <strong>no</strong> estilo Art<br />

Déco – o mesmo <strong>do</strong> Eleva<strong>do</strong>r Lacerda em Salva<strong>do</strong>r. O reconhecimento da<br />

relevância <strong>do</strong> centro de Goiânia levou o IPHAN a tombá-lo em 2003.<br />

Com uma rápida expansão urbana, Goiânia tem o crescimento de seus<br />

bairros incorporan<strong>do</strong> sua antiga periferia ao centro geográfico da cidade. Um<br />

exemplo é o bairro de Vila Nova, que antes era periférico e agora é central. Ao<br />

mesmo tempo a cidade ao expandir “gera” <strong>no</strong>vas áreas periféricas como os bairros<br />

de Jardim Curitiba, Vila Regina, Jardim Petrópolis. É importante ressaltar que não é<br />

o centro que expandiu e sim a cidade, tornan<strong>do</strong> central a sua antiga periferia.<br />

Diante <strong>do</strong> exemplo de Goiânia pergunta-se. É esse <strong>no</strong>vo centro de Goiânia<br />

um centro antigo? Em uma possível expansão que triplique o atual tamanho da<br />

cidade, será essa <strong>no</strong>va periferia de Goiânia <strong>no</strong> futuro um <strong>no</strong>vo centro antigo?<br />

Já <strong>no</strong> caso de uma cidade bastante antiga cujo centro de origem não tem<br />

relativa importância se comparada com uma área posterior, deve-se diminuir a<br />

importância histórica dessa área antiga, em função da cro<strong>no</strong>logia de surgimento? O<br />

bairro Industrial em Aracaju, apesar de ser periférico ao bairro <strong>do</strong> Centro, possui<br />

uma importância histórica para a cidade.<br />

É coerente o entendimento de que só pelo fato de ser o marco inicial, lugar<br />

onde se encontra a pedra fundamental, o centro de origem é por excelência um<br />

centro histórico. Contu<strong>do</strong> a distinção feita entre o centro histórico e o antigo é<br />

conceitualmente perigosa e deve ser bem pensada antes de a<strong>do</strong>tada. É importante<br />

ressaltar que o centro original é sem duvidas o primeiro centro de uma cidade, logo,<br />

o seu continuum seria periférico em relação ao centro original, em certo contexto<br />

histórico, o que não faz dessa periferia histórica, um centro antigo. Mesmo que<br />

levantassem a possibilidade de que uma periferia histórica, fosse somente antiga e<br />

não histórica isso seria então algo questionável, pois, quais critérios dentro da <strong>no</strong>va<br />

historiografia definem então a importância de fatos dentro da história para dizer que<br />

34


um lugar é desprovi<strong>do</strong> de importância histórica? Pode-se dizer de que esses critérios<br />

nem sequer existem, principalmente na micro história.<br />

Entende-se ainda assim que o fato de chamar um centro de antigo não faz<br />

dele desprovi<strong>do</strong> de importância histórica, o problema está na distinção de <strong>do</strong>is<br />

centros como solução para uma diferenciação cro<strong>no</strong>lógica que não necessariamente<br />

corresponderá às diferentes realidades existentes.<br />

No caso de Salva<strong>do</strong>r, por exemplo, é complica<strong>do</strong> falar em centro antigo, pois<br />

as justaposições temporais existentes até o século XX levariam a cidade a ter então<br />

mais de um centro antigo, quan<strong>do</strong> o ideal seria se falar em periferias históricas.<br />

Ainda assim, essas periferias históricas se distinguiriam de tal maneira que <strong>no</strong><br />

contexto atual, algumas poderiam ser confundidas com o centro histórico se fossem<br />

levadas em consideração as questões urbanísticas e arquitetônicas dentro de uma<br />

cro<strong>no</strong>logia das edificações.<br />

Algumas dessas periferias, também estariam historicamente relacionadas de<br />

uma forma tão forte com o centro histórico, que é possível afirmar que elas estão<br />

diretamente ligadas à origem da cidade, mesmo que em um contexto urbanístico<br />

diferencia<strong>do</strong>. Logo o centro original e a sua periferia original é o que deveria ser<br />

pensa<strong>do</strong> como histórico. Periferia aqui <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de área que resguarda<br />

comunidades e habitações e não simplesmente como uma expansão territorial<br />

indefinida.<br />

Diante das considerações feitas, é mais interessante trabalhar com os<br />

conceitos de Centro Original e Periferia Histórica, sen<strong>do</strong> o Centro Original a área<br />

urbana inicial da cidade consolidada <strong>no</strong> tempo e <strong>no</strong> espaço. Por outro la<strong>do</strong>, a área<br />

contígua ao Centro Original que em um passa<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> periférica, mas, cuja<br />

posição se relativizou após a expansão da cidade, não sen<strong>do</strong> mais periférica<br />

atualmente, é a Periferia Histórica <strong>do</strong> Centro Original.<br />

2.2.1.2 A Arkhê (Αρκηέ) Geográfica Soteropolitana<br />

O geógrafo Milton Santos trabalha em 1979 com o conceito de rugosidades,<br />

definin<strong>do</strong> como “o espaço construí<strong>do</strong>, o tempo histórico que se transformou em<br />

paisagem, incorpora<strong>do</strong> ao espaço.” (SANTOS, 2007, p.138) A id eia de rugosidade<br />

apesar de explicar de forma satisfatória a questão das temporalidades distintas, não<br />

35


é aplicável <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> recorte espacial em questão, pois, não serve para definir a<br />

área estudada em sua totalidade, nem para distingui-la de outras áreas que também<br />

apresentem essas rugosidades.<br />

Se falássemos somente da arkhê soteropolitana, o conceito nem se<br />

aproximaria <strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong> para a reflexão que vem sen<strong>do</strong> construída. Por um la<strong>do</strong><br />

ele restringiria - se fosse pensa<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com a interpretação simples da palavra<br />

- e <strong>do</strong> outro ele abrangeria uma dimensão tão ampla que tornaria a área entendida<br />

para sua aplicação uma restrição ao conceito em si próprio. O uso da palavra<br />

geográfica, após arkhê, completa a ideia pretendida justamente pela carga que a<br />

palavra Geografia assumiu dentro da contemporaneidade como ciência e área <strong>do</strong><br />

saber. Faz-se necessário, porém uma breve explanação <strong>do</strong> entendimento de o que é<br />

a Geografia justamente para complementar o conceito de arkhê geográfica.<br />

A Geografia como ciência que em uma de suas múltiplas definições pode ser<br />

conceituada como o estu<strong>do</strong> da interação <strong>do</strong> homem com a natureza, tem como<br />

objeto de estu<strong>do</strong> o produto dessa interação que é o trabalho. Para alcançar tal<br />

entendimento ela precisa analisar a ação humana em um jogo de escalas,<br />

observan<strong>do</strong> que a interação transcende o local. Ao mesmo tempo ela necessita<br />

restringir cada fenôme<strong>no</strong> estuda<strong>do</strong> em um recorte espaço-temporal, devi<strong>do</strong> à<br />

limitação da inteligibilidade humana. Sen<strong>do</strong> assim, uma arkhê geográfica, se<br />

distingue da histórica, sociológica, arquitetônica, urbanística, justamente por<br />

considerar a interação <strong>do</strong> homem com o espaço geográfico e não com o urba<strong>no</strong>,<br />

arquitetônico, sociológico, ou simplesmente pela questão temporal.<br />

Esse espaço geográfico diz respeito justamente ao espaço em que se dá o<br />

conjunto de relações humanas fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, instrumento e ao mesmo tempo<br />

produto de transformação da natureza e <strong>do</strong> próprio homem.<br />

Pensar na arkhê geográfica soteropolitana, leva ao entendimento de que,<br />

trata-se <strong>do</strong> núcleo inicial da cidade (Centro <strong>Histórico</strong>), engloban<strong>do</strong> sua área<br />

imediatamente ligada, mas, em posição relativamente periférica (Periferia Histórica),<br />

associa<strong>do</strong> à região que corresponde à sua hinterland – (Região Geográfica<br />

Histórica) e conecta<strong>do</strong> aos pontos <strong>do</strong> planeta com que estabelecia relações (Rede<br />

Geográfica Histórica). Pode-se pensar em um esquema onde a arkhê geográfica<br />

soteropolitana corresponde a (Figuras 06 e 07):<br />

<strong>Pelourinho</strong> - Centro <strong>Histórico</strong> (núcleo inicial)<br />

36


Carmo, Santo Antônio A.C., Barbalho, São Bento, e São Pedro<br />

(periferia histórica)<br />

Salva<strong>do</strong>r e Recôncavo (Região Geográfica Histórica) (figura 06)<br />

Recife, Lisboa, Luanda, Londres, São Tomé, Paris, Lagos, Calecute...<br />

(Rede Geográfica)<br />

Figura 06. Região da Arkhêr Geográfica Soteropolitana.<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

37


Figura 07. Arkhêr Geográfica Soteropolitana,<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

38


2.2.1.3 Continuum Concreto Existente da Arkhê (Αρκηέ) Geográfica Soteropolitana<br />

Um palácio é bonito, um arranha-céu é bonito, uma Catedral é imponente,<br />

mas uma estrada é viva. Por isso, das construções <strong>do</strong> homem, talvez seja a<br />

estrada a que mais lhe fale ao coração, lhe sugira com aproximação maior o<br />

transitório, o inquieto, o rápi<strong>do</strong> da vida. A estrada é o rio sem água – quem<br />

desce nele são os viventes. A estrada é o longe e o perto, a presença da<br />

distância, o convite à caminhada, à aventura, à fuga. A estrada leva e traz, a<br />

estrada anda, vive e participa também. (Rachel de Queiroz)<br />

O Continuum Concreto Existente da arkhê geográfica soteropolitana, seria<br />

então a área material que existe <strong>no</strong>s tempos atuais e que possui uma continuidade<br />

espacial, leia-se sem interrupção concreta, <strong>no</strong> contexto da arkhê geográfica da<br />

cidade de Salva<strong>do</strong>r.<br />

Reforçan<strong>do</strong> o conceito já trabalha<strong>do</strong>, a arkhê geográfica soteropolitana<br />

corresponderia à região diretamente ligada ao Centro Original. Dessa forma, a arkhê<br />

geográfica pode ser o centro, mais a sua periferia histórica, ou a região agrícola que<br />

esse centro polarizava e a depender da escala de análise, ela pode ser<br />

compreendida através de uma rede que transcenderia o continente, como<br />

demonstra<strong>do</strong> anteriormente.<br />

Já ao falar de concreto existente, faz-se uma relação, com to<strong>do</strong>s os pontos<br />

materiais existentes nessa rede – regional ou internacional. Vale realçar que são<br />

pontos materiais que ainda existem e são oriun<strong>do</strong>s dessa relação geograficamente<br />

direta com o seu centro histórico, corresponden<strong>do</strong> assim à arkhê geográfica.<br />

Fechan<strong>do</strong> a conceituação, o continuum desse concreto existente seria o eixo<br />

material, que pode ser encontra<strong>do</strong> atualmente e possui uma continuidade sem<br />

interrupção material. É possível pensar dessa maneira, em continuum et<strong>no</strong>lógico<br />

existente, continuum cultural existente, ou em continuum arquitetônico existente.<br />

Assim, poderão haver diversos continuum – concretos – existente, dentro de<br />

uma única arkhê geográfica. Um exemplo seria a cidade de Cachoeira, que possui<br />

um Continuum Concreto Existente, da região histórica <strong>do</strong> Recôncavo, é possível<br />

dizer que a mesma cidade é um fragmento da arkhê geográfica soteropolitana. Tu<strong>do</strong><br />

depende da escala de análise, uma vez que Cachoeira também possui seu centro<br />

original e a sua periferia histórica, bem como sua região histórica que seria então a<br />

sua αρκηέ geográfica.<br />

Ao se falar <strong>do</strong> Continuum Concreto Existente da arkhê geográfica<br />

cachoeirense, estaria se fazen<strong>do</strong> referência ao núcleo urba<strong>no</strong> inicial histórico,<br />

39


existente, material, que corresponde ao centro original e toda sua periferia sem<br />

interrupções físicas por estruturas de outros perío<strong>do</strong>s se não os relaciona<strong>do</strong>s ao <strong>do</strong><br />

recorte temporal delimita<strong>do</strong> para ser a sua arkhê geográfica.<br />

Com relação ao Continuum Concreto Existente da arkhê geográfica<br />

soteropolitana, se o critério toma<strong>do</strong> para defini-lo for o das edificações, teremos um<br />

grande problema para identificação e datação de cada prédio e construção.<br />

Os logra<strong>do</strong>uros por sua vez podem <strong>no</strong>s oferecer a resposta, restan<strong>do</strong><br />

somente à definição de critérios. Podemos considerar as vias em seu formato e<br />

composição original, elas existem de maneira continua datan<strong>do</strong> <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> relativo à<br />

arkhê geográfica. Estaríamos falan<strong>do</strong> então <strong>do</strong> trecho que vai da Praça da Sé,<br />

passan<strong>do</strong> pelo Carmo chegan<strong>do</strong> até o bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo e<br />

Barbalho.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a característica urbanística e paisagística existentes <strong>no</strong> bairro<br />

<strong>do</strong> Barbalho o distingue consideravelmente das outras áreas. Além disso, apesar de<br />

fazer parte de um momento que configura a formação da arkhê geográfica de<br />

Salva<strong>do</strong>r a sua existência se deu mais como consolidação de área defensiva, pela<br />

existência <strong>do</strong> forte <strong>do</strong> Barbalho, que completava juntamente com o forte <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio a defesa <strong>do</strong> la<strong>do</strong> Norte da cidade. Enfim também se observa que o processo<br />

estuda<strong>do</strong> ainda não repercutiu diretamente nesse bairro. Por isso preferiu-se<br />

trabalhar com os bairros <strong>do</strong> Maciel, Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo.<br />

Vale ressaltar que mesmo com a possibilidade de que a matéria existente nas<br />

ruas dessa área abordada não seja original, o padrão urbanístico, o traça<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

logra<strong>do</strong>uros, e a consolidação <strong>do</strong> trabalho de criação das vias, não perderam sua<br />

característica original.<br />

2.2.2 A Cabeça Da Ponte<br />

O conceito da “Cabeça da Ponte” (VASCONCELOS, 2006) é a peça final para<br />

fundamentar o pensamento exerci<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong> Continuum Concreto Existente da<br />

arkhê geográfica soteropolitana. Em seu livro Salva<strong>do</strong>r Transformações e<br />

Permanências, Vasconcelos (2006), divide a cidade em perío<strong>do</strong>s, onde ele chama<br />

de Cabeça da Ponte o recorte temporal que compreende a formação inicial da<br />

cidade.<br />

40


No final <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, a “Cabeça da Ponte” estava consolidada. Dividida em<br />

duas partes, a cidade ocupava to<strong>do</strong> o primeiro platô na parte alta, a partir da<br />

implantação de um traça<strong>do</strong> em quadrícula, adapta<strong>do</strong> às dificuldades <strong>do</strong><br />

terre<strong>no</strong>. A parte baixa, ainda bastante estreita, era composta por apenas<br />

uma longa rua. (VASCONCELOS, 2002, p.70)<br />

Ao falar <strong>do</strong> crescimento da cidade nesse perío<strong>do</strong> o autor informa que, “No<br />

eixo sul, a cidade cresceu, inicialmente, em direção ao Mosteiro de São bento e <strong>no</strong><br />

final <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> alcançava a área <strong>do</strong> forte de São Pedro.” (VASCONCELOS, 2006,<br />

p.61), sen<strong>do</strong> então esse o limite periférico da cidade ao sul.<br />

A periferia histórica se expandiu seguin<strong>do</strong> a linha <strong>no</strong>rte - sul, relativa à<br />

primeira cumeada da cidade. “No eixo <strong>no</strong>rte, a cidade cresceu primeiro em direção<br />

às Portas <strong>do</strong> Carmo e, em seguida, ao Convento <strong>do</strong> Carmo, alcançan<strong>do</strong>, <strong>no</strong> final <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong>, as trincheiras de Santo Antônio e <strong>do</strong> Barbalho.” (VASCONCELOS, 2006, p.<br />

63)<br />

2.2.3 O <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

A reflexão anterior foi um caminho <strong>do</strong> pensamento sobre a área. Ainda era<br />

necessária uma concepção sólida que fornecesse um entendimento mais<br />

simplifica<strong>do</strong> e também oficial para a área em estu<strong>do</strong>. Optou-se pela poligonal <strong>do</strong><br />

decreto estadual número 7.984 de 04 de setembro 1987, que Cria o <strong>Parque</strong><br />

<strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> e dá outras providências, onde a delimitação da área fica<br />

então de acor<strong>do</strong> com o artigo 1º desse decreto (Figura 08)<br />

O fato de existir um decreto cuja poligonal apresente a união de duas áreas<br />

teoricamente distintas, demonstra a existência dessa relação que elas mantém entre<br />

si, estampada na paisagem, e na geografia que as conecta através <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong><br />

espaço. Como procedimento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para delimitar a poligonal, foi utiliza<strong>do</strong> o banco<br />

de da<strong>do</strong>s cria<strong>do</strong> para a análise da área em estu<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> uma relação entre os<br />

logra<strong>do</strong>uros cita<strong>do</strong>s <strong>no</strong> decreto e os logra<strong>do</strong>uros <strong>do</strong> banco de da<strong>do</strong>s. A delimitação é<br />

encontrada <strong>no</strong> artigo primeiro <strong>do</strong> decreto:<br />

41


Figura 08. Delimitação da área de estu<strong>do</strong><br />

Elaboração própria<br />

Art. 1º - Fica cria<strong>do</strong> o PARQUE HISTÓRICO DO PELOURINHO, inseri<strong>do</strong> na<br />

área tombada da Cidade de Salva<strong>do</strong>r reconhecida pela UNESCO como<br />

Patrimônio da Humanidade, assim delimita<strong>do</strong>:<br />

42


2.2.4 O conceito de território<br />

Inicia-se ao sul, <strong>no</strong> encontro da plataforma onde está implanta<strong>do</strong> o Palácio<br />

Tomé de Souza e a balaustrada da Praça Municipal, segue em direção<br />

leste, cursan<strong>do</strong> a rua da Misericórdia até encontrar a rua José Gonçalves,<br />

segue por este para o sul até a rua 28 de setembro, por onde prossegue na<br />

direção leste cruzan<strong>do</strong> as ruas <strong>do</strong> Saldanha, Oração e São Francisco até<br />

encontrar a rua J.J.Seabra, por esta prosseguin<strong>do</strong> em direção <strong>no</strong>rte,<br />

encontran<strong>do</strong> neste processo as extremidades da ladeira da Ordem 3ª de<br />

São Francisco, Ladeira de São Miguel, Ladeira <strong>do</strong> Ferrão e Travessa da<br />

Baixa <strong>do</strong>s Sapateiros. Prossegue até o encontro da rua das Flores com a<br />

rua Ramos de Queiroz por onde prossegue até encontrar a rua <strong>do</strong>s<br />

Marchantes, segue por este até a Ladeira <strong>do</strong> Boqueirão daí segue na<br />

direção oeste até encontrar os fun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s edifícios na encosta da rua<br />

Direita de Santo Antônio, prossegue pela meia encosta em direção ao sul<br />

até encontrar a Igreja <strong>do</strong> Paço, daí voltar para o oeste até a rua Caminho<br />

Novo <strong>do</strong> Taboão até onde esta se encontra com a rua <strong>do</strong> Pilar, segue por<br />

esta sempre em direção sul a base da ladeira <strong>do</strong> Taboão, segue pela meia<br />

encosta até a ladeira da Misericórdia e por esta prossegue até a praça<br />

Municipal. (<strong>BA</strong>HIA, 1987)<br />

O entendimento <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r pode variar a<br />

depender da escala de análise, ou seja, compreendê-lo é partir desde suas<br />

territorialidades internas que se comunicam com as <strong>do</strong> seu entor<strong>no</strong>, transcendem os<br />

fluxos da cidade, alcançam a região <strong>do</strong> recôncavo e extrapolam as redes de<br />

transporte conectan<strong>do</strong>-se com o mun<strong>do</strong>. Retornan<strong>do</strong> algumas décadas, o conceito<br />

de Santos (1959), sobre o Centro da Cidade de Salva<strong>do</strong>r, fornece elementos<br />

importantes para o entendimento dessa dinâmica territorial de Salva<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> o<br />

mesmo diz que:<br />

Salva<strong>do</strong>r fornece, na verdade, um bom exemplo de metrópole comercial<br />

que serve de traço de união entre um mun<strong>do</strong> colonial, que é o seu<br />

hinterland, e um mun<strong>do</strong> industrial, que compra matérias-primas exportadas<br />

por seu porto, em forma bruta. É o exutório de uma agricultura comercial<br />

cujo desti<strong>no</strong> é estreitamente liga<strong>do</strong> aos interesses das potências<br />

industriais. Nisto ela se parece a outras metrópoles coloniais. (SANTOS, p.<br />

191, 2008)<br />

A discussão sobre território é clássica na Geografia e como to<strong>do</strong> tema<br />

clássico é interessante iniciar a sua reflexão a partir de alguma contribuição de<br />

mesma importância. Sen<strong>do</strong> assim o conceito de Rafestin sobre território trás<br />

valorosa contribuição para o pensamento geográfico quan<strong>do</strong> o mesmo afirma que:<br />

“O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja<br />

energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo<br />

43


poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão que os homens<br />

constroem para si” (RAFFESTIN, 1993, p. 143)<br />

Há uma aproximação dessa definição com as ideias trabalhadas quanto a<br />

Αρκηέ Geográfica <strong>no</strong> que diz respeito ao uso <strong>do</strong> trabalho como energia<br />

transforma<strong>do</strong>ra de um espaço que é a “prisão original” em um espaço que é a prisão<br />

construída pelo homem para si próprio.<br />

O conceito de território incorporou <strong>no</strong>vas concepções <strong>no</strong>s tempos atuais,<br />

transcenden<strong>do</strong> uma visão física e continua, ao mesmo tempo em que não se limita à<br />

uma visão institucional, estatal. Dentre os conceitos que trabalham o território de<br />

maneira mais ampla, o aborda<strong>do</strong> por Souza, fornece elementos fundamentais para a<br />

concepção de território.<br />

O conceito de território deve abarcar infinitamente mais que o território <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>-Nação. To<strong>do</strong> espaço defini<strong>do</strong> e delimita<strong>do</strong> por e a partir de relações<br />

de poder é um território, <strong>do</strong> quarteirão aterroriza<strong>do</strong> por uma gangue de<br />

jovens até o bloco constituí<strong>do</strong> pelos países membros da OTAN. (SOUZA,<br />

1995, p.111)<br />

Souza trabalha consideran<strong>do</strong> as diversas escalas territoriais, dentre elas as<br />

locais, o que será um fundamento importante para a compreensão da formação <strong>do</strong><br />

mesmo a partir <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço que atuam, modificam, e,<br />

portanto produzem territórios. Sen<strong>do</strong> assim o território não deve ser compreendi<strong>do</strong> a<br />

partir de uma visão engessada que considera somente o esta<strong>do</strong>.<br />

Para Costa o território pode ser entendi<strong>do</strong> como territórios-rede, com isso, a<br />

<strong>no</strong>ção de território ultrapassa os aspectos de delimitação ou barreira, alcançan<strong>do</strong><br />

uma dimensão condicionada por fluxos e compreenden<strong>do</strong> também áreas<br />

descontínuas e fragmentadas <strong>no</strong> espaço, como afirma o autor:<br />

(...) as redes contemporâneas enquanto componentes <strong>do</strong>s processos de<br />

territorialização (e não simplesmente de desterritorialização), configuram<br />

territórios descontínuos, fragmenta<strong>do</strong>s, superpostos, bastante distintos da<br />

territorialização <strong>do</strong>minante na chamada modernidade clássica. (COSTA,<br />

2004, p.281)<br />

Entende-se então o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r, como um produto <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>do</strong>s diversos agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço, ao longo <strong>do</strong> tempo,<br />

compreendi<strong>do</strong>s em sua relação de contradições e complementaridades em nível<br />

horizontal, bem como por ação vertical <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> capital, mas, que transcende<br />

o limite <strong>do</strong> seu entor<strong>no</strong>, abrange a região que polariza e por fim se conecta com o<br />

44


espaço através <strong>do</strong>s fluxos e redes estabeleci<strong>do</strong>s historicamente e que se reforçam<br />

em <strong>no</strong>vas relações de poder <strong>no</strong>s tempos atuais.<br />

2.3 O Espírito da gentrification<br />

Deve ser menciona<strong>do</strong> aqui, só de passagem, o fato de que o patriotismo,<br />

quan<strong>do</strong> tem a pretensão de se fazer valer <strong>no</strong> rei<strong>no</strong> das ciências, não passa<br />

de um acompanhante indecente, <strong>do</strong> qual é preciso se livrar. Quan<strong>do</strong> se<br />

trata de questões puras e gerais da humanidade e quan<strong>do</strong> a verdade, a<br />

clareza e a beleza devem ser os únicos critérios, o que pode ser mais<br />

impertinente <strong>do</strong> que a tentativa de pôr na balança a preferência pela nação<br />

à qual certa pessoa pertence e, em <strong>no</strong>me desse privilégio, ou cometer uma<br />

violência contra a verdade, ou uma injustiça contra os grandes espíritos de<br />

nações estrangeiras para destacar espíritos inferiores da própria nação?<br />

No entanto, encontramos exemplos dessa vulgaridade to<strong>do</strong>s os dias, entre<br />

os escritores de todas as nações européias. Esse traço foi satiriza<strong>do</strong> por<br />

Iriarte na trigésima terceira de suas ótimas fábulas literárias.<br />

(SCHOPENHAUER, 2009, p.35)<br />

Esse é um trecho da critica feita, <strong>no</strong> século XIX, por Schopenhauer aos<br />

acadêmicos de sua época quan<strong>do</strong> se iniciou o processo de popularização da ciência<br />

e com isso as traduções de textos filosóficos e científicos escritos originalmente em<br />

grego e latim. Fazen<strong>do</strong> algumas considerações com relação ao assunto, é<br />

importante destacar que aqui não há um compartilhamento com a visão radical <strong>do</strong><br />

autor, pelo me<strong>no</strong>s com relação à abertura da ciência para as línguas que não sejam<br />

somente as “eruditas”.<br />

Contu<strong>do</strong>, existe algo de essencial que é alerta<strong>do</strong> pelo mesmo. As traduções<br />

são perigosas porque costumam dilacerar os senti<strong>do</strong>s originários das palavras.<br />

Certos termos possuem uma carga tão única dentro de sua língua, que ao serem<br />

simplesmente traduzi<strong>do</strong>s, saem <strong>do</strong> contexto. Quem aprende uma língua, aprende<br />

também um <strong>no</strong>vo conjunto de conceitos.<br />

São muitos os exemplos que podem ilustrar como uma tradução ou<br />

apropriação de uma palavra por outra língua pode desencadear na perda ou<br />

alienação de uma sociedade com relação ao conceito que tal termo pode trazer. É o<br />

caso da palavra amor, que pode ser eros, storgé, philos ou ágape, como é bem<br />

explica<strong>do</strong> nesse trecho <strong>do</strong> livro O monge e o executivo (1998):<br />

Se bem me lembro, uma dessas palavras era eros, da qual se deriva a<br />

palavra erótico, e significa sentimentos basea<strong>do</strong>s em atração sexual e<br />

desejo ardente. Outra palavra grega para amor, storgé, é afeição,<br />

especialmente com a família e entre os seus membros. Nem eros nem<br />

storgé aparecem nas escrituras <strong>do</strong> Novo testamento. Outra palavra grega<br />

para amor era philos, ou fraternidade, amor recíproco. Uma espécie de<br />

45


amor condicional, <strong>do</strong> tipo “você me faz o bem e eu faço o bem a você “<br />

Finalmente os gregos usavam o substantivo ágape e o verbo<br />

correspondente agapaó para descrever um amor incondicional, basea<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

comportamento com os outros, sem exigir nada em troca. É o amor da<br />

escolha deliberada. Quan<strong>do</strong> Jesus fala de amor <strong>no</strong> Novo Testamento, usa a<br />

palavra ágape, um amor traduzi<strong>do</strong> pelo comportamento e pela escolha, não<br />

o sentimento <strong>do</strong> amor. (HUNTER, 1998, p.77/78)<br />

Da mesma forma que a palavra amor em <strong>no</strong>ssa sociedade, cujo senti<strong>do</strong> está<br />

relaciona<strong>do</strong> a sentimento, é utilizada para representar as diversas “formas de amor”,<br />

outros exemplos são possíveis. Isso demonstra até que ponto pode estar aliena<strong>do</strong> o<br />

homem pelo fato de não está atento à raiz originaria <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s das palavras<br />

ditas em seu cotidia<strong>no</strong>.<br />

Leão (1991) em uma leitura órfica de uma sentença grega aborda sobre:<br />

(Tzov logos ego) ao falar de como essa sentença <strong>no</strong>s foi traduzida<br />

ele explica que:<br />

Nela os gregos concentraram, para toda a evolução por-vin<strong>do</strong>ura <strong>do</strong><br />

Ocidente, as possibilidades de sua experiência histórica com o mo<strong>do</strong> de ser<br />

próprio <strong>do</strong> homem. É uma experiência que <strong>no</strong>s chegou por duas vias<br />

distintas: pela via romana da tradição latina – animal rationale, o homem é<br />

um ser racional, e pela via lingüística de uma tradução pretensamente literal<br />

– ser vivo, que tem língua e discurso: o homem é um ser que fala. Em<br />

ambas as traduções, perdeu-se não apenas to<strong>do</strong> respeito oracular como,<br />

sobretu<strong>do</strong>, o vigor originário da experiência grega. (LEÃO, 2000, p.130)<br />

Apesar da discussão sobre o assunto ser de grande relevância, a mesma<br />

demandaria bastante espaço. Entrar nesse debate, <strong>no</strong> entanto, desvirtuaria o foco<br />

<strong>do</strong> trabalho. Fica, porém mais um exemplo <strong>do</strong> perigo das traduções, apontan<strong>do</strong> o<br />

que Leão (1991) diz ser necessário para se retomar o significa<strong>do</strong> de tal sentença:<br />

“Para tentarmos, de alguma maneira, ressarcir a perda, temos de partir de uma<br />

análise em que se pensa radicalmente a experiência própria <strong>do</strong>s gregos,<br />

concentrada em cada palavra.” (LEÃO, 2000, p.130)<br />

Há nesse trabalho uma preocupação em primeiro demonstrar exemplos<br />

exter<strong>no</strong>s a realidade estudada a fim de fundamentar o debate estabeleci<strong>do</strong>, para<br />

depois tentar compreender cada conceito dentro da experiência vivenciada <strong>no</strong> lugar.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, se pergunta como deveria ser traduzi<strong>do</strong> para o inglês o termo baba?<br />

Talvez Saci-Pererê pudesse ser chama<strong>do</strong> de: black man with one leg. Como se<br />

traduzir tirar o pé da jaca? Take out your foot of the Jackfruit?<br />

E boia-fria? Traçan<strong>do</strong> uma possibilidade de que um autor brasileiro ao<br />

observar um fenôme<strong>no</strong> na zona rural resolveu o chamar de Processo de<br />

boiafriatização. Fará algum senti<strong>do</strong> para o leitor inglês traduzir isso para<br />

46


oiafriatizacion? Da mesma maneira, peasant (camponês) ou rural worker<br />

(trabalha<strong>do</strong>r rural) subtrairão a carga <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> que carrega consigo o termo<br />

boia-fria, pois to<strong>do</strong> boia-fria é um trabalha<strong>do</strong>r rural, mas, nem to<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r rural<br />

é um boia-fria. A palavra só faz senti<strong>do</strong> se pensada <strong>no</strong> contexto em que surgiu e sua<br />

modificação é um barbarismo, como o próprio Vasconcelos afirma partin<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

senti<strong>do</strong> inverso. “A <strong>no</strong>ção de “gentrificação”, barbarismo que não tem senti<strong>do</strong> nas<br />

línguas latinas, pois a palavra vem <strong>do</strong> inglês gentry, ou seja pequena <strong>no</strong>breza (...)”<br />

(VASCONCELOS, 2011, p.21)<br />

Existem palavras, e expressões específicas de um lugar cujo significa<strong>do</strong> só<br />

faz senti<strong>do</strong> se for entendi<strong>do</strong> <strong>no</strong> contexto em que ele surgiu. Nesses casos, a<br />

tradução para outra língua ao invés de facilitar, distancia o termo de sua raiz original.<br />

É esse o princípio utiliza<strong>do</strong> aqui para justificar o porquê de se trabalhar com o termo<br />

gentrification em sua expressão originária, ao invés de termos como e<strong>no</strong>brecimento,<br />

elitização, aburguesamento ou simplesmente a versão portuguesa gentrificação.<br />

2.3.1 A raiz <strong>do</strong> termo gentrification<br />

Há <strong>do</strong>is tipos de de<strong>no</strong>minação para os <strong>no</strong>bres <strong>no</strong>s países que compõem o<br />

Rei<strong>no</strong> Uni<strong>do</strong>. O peerage é a alta <strong>no</strong>breza, aqueles que possuem títulos, como<br />

duques, marqueses, condes, viscondes e barões. A gentry, diz respeito aos<br />

peque<strong>no</strong>s <strong>no</strong>bres ingleses. O termo gentrification, foi usa<strong>do</strong> pela primeira vez pela<br />

socióloga Ruth Glass em 1964, para explicar o fenôme<strong>no</strong> da vinda desses<br />

“peque<strong>no</strong>s <strong>no</strong>bres ingleses” para o centro histórico de Londres.<br />

A palavra por sua vez é anterior ao século XX. Ela deriva <strong>do</strong> francês antigo<br />

genterise que significa de nascimento <strong>no</strong>bre ou nascimento suave. Esse termo<br />

corresponderia na Inglaterra à aristocracia rural que compunha a posição de<br />

senhores na estratificação social da sociedade anglo-saxônica. As próprias ações<br />

com características similares ao processo podem ser observadas em momentos<br />

anteriores da história, como será aborda<strong>do</strong> <strong>no</strong> capitulo quatro (4).<br />

O termo por sua vez ganhou repercussão, ten<strong>do</strong> o processo desperta<strong>do</strong> o<br />

interesse de muitos estudiosos. Alguns chegaram a afirmar que o mesmo consistia<br />

em um fenôme<strong>no</strong> pontual, limita<strong>do</strong> <strong>no</strong> espaço e tempo, ocorri<strong>do</strong> <strong>no</strong>s bairros<br />

londri<strong>no</strong>s e de algumas cidades estadunidenses. Porém, o que se percebe é que o<br />

47


fenôme<strong>no</strong> vem crescen<strong>do</strong> cada vez mais, “de forma tanto horizontal como vertical”<br />

(SMITH, 2006, p.62). O processo não só se expande como assume diferentes<br />

facetas em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> assim inúmeras inquietações dentre os<br />

cientistas sobre os diversos aspectos da gentrification.<br />

2.3.2 Elitização, Aburguesamento, E<strong>no</strong>brecimento, Nobilização, Gentrificação<br />

Algumas propostas de termos alternativos para designar o processo de<br />

gentrification foram encontradas durante as leituras ou até mesmo em conversas a<br />

respeito <strong>do</strong> tema. Pretende-se aqui explicar o porquê de não se trabalhar com cada<br />

uma delas, voltan<strong>do</strong> <strong>no</strong> fim a justificar o uso <strong>do</strong> termo em sua língua original.<br />

O primeiro deles é elitização. Segun<strong>do</strong> o dicionário Aurélio (2004) Elite é “O<br />

que há de melhor em uma sociedade ou num grupo; nata, flor, fina flor, escol.”. Já<br />

para o dicionário Houaiss (2007), o termo serve para designar: “O que há de mais<br />

valoriza<strong>do</strong> e de melhor qualidade, especial em um grupo social; mi<strong>no</strong>ria que detém o<br />

prestígio e <strong>do</strong>mínio sobre o grupo social.”.<br />

O termo elite sempre foi utiliza<strong>do</strong> para designar algo que está <strong>no</strong> topo de uma<br />

cadeia, o melhor dentro de uma categoria, poden<strong>do</strong> ser desde produtos até um<br />

grupo <strong>do</strong>minante. Sen<strong>do</strong> assim, dizer que uma área está passan<strong>do</strong> pelo processo de<br />

elitização, é como afirmar que o que há de melhor na cidade, está sen<strong>do</strong> direciona<strong>do</strong><br />

para o lugar. Ou que este lugar está se tornan<strong>do</strong> o melhor da cidade. Diante <strong>do</strong>s<br />

aspectos já aborda<strong>do</strong>s a respeito <strong>do</strong> contexto original em que foi aplica<strong>do</strong> o termo<br />

gentrification, fica claro que o elitizar não é o mesmo que “gentrificar”.<br />

Outro termo já escuta<strong>do</strong> foi aburguesamento. De acor<strong>do</strong> com o Aurélio<br />

(2004), Burguês é “Aquele que se caracterizava pelas suas atividades lucrativas e<br />

por não exercer trabalho braçal ou artesanal.”. Já para o Houaiss (2007) o termo é<br />

“relativo à burguesia ou indivíduo pertencente à classe média.”.<br />

A palavra burguesia chega a ser antagônica à <strong>no</strong>breza, em muitos aspectos<br />

principalmente <strong>no</strong> contexto histórico. A utilização <strong>do</strong> termo, aburguesar trás a ideia<br />

de que um espaço está se inserin<strong>do</strong> nessa lógica burguesa abordada pelos<br />

dicionários, o que dentro <strong>do</strong> sistema capitalista é uma verdade. Por outro la<strong>do</strong> o<br />

senti<strong>do</strong> de aburguesamento é oposto ao termo gentrification que estaria mais<br />

próximo de e<strong>no</strong>brecer.<br />

48


Os termos e<strong>no</strong>brecer ou <strong>no</strong>bilitar por sua vez abrangem uma esfera maior,<br />

enquanto que o significa<strong>do</strong> de gentry restringe. Como já dito, a <strong>no</strong>breza inglesa é<br />

composta pelos peerage que pertencem à alta <strong>no</strong>breza e pela gentry. Então ao se<br />

dizer que um espaço sofre o processo de gentrification, delimita-se uma categoria<br />

populacional que apesar de <strong>no</strong>bre não corresponde à alta <strong>no</strong>breza.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o termo gentrification por si só, não traduz muita coisa para a<br />

<strong>no</strong>ssa realidade. Afinal de contas, não são os gentrys que estão atuan<strong>do</strong> como<br />

agentes de transformação <strong>do</strong> espaço estuda<strong>do</strong>. Aportuguesar o termo é o mesmo<br />

que traduzir Saci Pererê <strong>no</strong> inglês como Sacy Perer (Seici Peirer - uma tentativa de<br />

ilustrar foneticamente a “tradução”). Como <strong>no</strong> exemplo <strong>do</strong> bóia-fria, modifica-se a<br />

forma de escrever e com ela transforma o termo que possui um contexto dentro de<br />

sua língua. Para reforçar o que se diz a palavra gentrificação não consta <strong>no</strong>s<br />

dicionários consulta<strong>do</strong>s Hoauiss (2007) e Aurélio (2004).<br />

Volta-se para o ponto inicial da questão. O termo gentrification tem sua base<br />

conceitual fundamentada <strong>no</strong>s países anglo-saxões se for interpreta<strong>do</strong> ao “pé da<br />

letra” não traduzirá o fenôme<strong>no</strong> de acor<strong>do</strong> com a realidade <strong>do</strong> que acontece em<br />

Salva<strong>do</strong>r. Por outro la<strong>do</strong> a expressão já foi incorporada na literatura mundial, sen<strong>do</strong><br />

uma chave que liga características especificas relativa a um fenôme<strong>no</strong> observa<strong>do</strong><br />

inicialmente em Londres e posteriormente em outros lugares <strong>do</strong> planeta.<br />

Tratar sobre gentrification é especificar já de inicio um recorte espacial,<br />

temporal e social. É um processo que começou a ocorrer <strong>no</strong>s “centros históricos” ou<br />

antigos bairros centrais de cidades após o perío<strong>do</strong> de evasão da elite desses<br />

centros (recorte espacial e temporal) e que implica na substituição de uma<br />

população de baixo poder aquisitivo, por uma mais abastada. Essa população que<br />

inicia o processo de substituição por outro la<strong>do</strong>, não se trata de uma população<br />

qualquer, mas, de uma “pequena <strong>no</strong>breza” que pode estar em diversas categorias<br />

da sociedade (recorte social) que se identificam com um estilo de vida pitoresco<br />

desses bairros.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, para que um processo seja enquadra<strong>do</strong> como gentrification,<br />

precisa estar dentro desses três recortes: espacial – temporal – social. Pode-se<br />

pensar em elitização da Avenida Paralela, por exemplo, mas, nunca em<br />

gentrification. O mesmo é possível de se dizer quanto ao e<strong>no</strong>brecimento da orla<br />

Atlântica de Salva<strong>do</strong>r ou com relação ao aburguesamento <strong>do</strong> Cabula.<br />

49


O fato de não ser coerente falar em gentrification dentro de outro recorte que<br />

não seja o já comenta<strong>do</strong>, não implica que os outros fenôme<strong>no</strong>s menciona<strong>do</strong>s não<br />

possam acontecer nas áreas centrais e históricas, mas, então estaremos falan<strong>do</strong> de<br />

e<strong>no</strong>brecimento, <strong>no</strong>bilização, aburguesamento e ou elitização.<br />

2.3.3 Os tipos de <strong>Gentrification</strong><br />

Os próximos capítulos pretendem debater o processo em si a partir <strong>do</strong>s<br />

estu<strong>do</strong>s sobre o mesmo <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>. Como se trata de um fenôme<strong>no</strong> observa<strong>do</strong> em<br />

diversas cidades <strong>do</strong> planeta, ele termina toman<strong>do</strong> diferentes características. Essa<br />

diferença será consequência principalmente da distinta dinâmica exercida pelos<br />

agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço, que em cada lugar repercutirá com duas<br />

características:<br />

A primeira característica diz respeito às singularidades observadas <strong>no</strong><br />

processo, sen<strong>do</strong> elas o fruto de uma imposição da hegemonia capitalista mundial<br />

sobre os lugares. Essa imposição vertical produzirá as ações provenientes <strong>do</strong><br />

processo estuda<strong>do</strong> que são decorrentes de uma estratégia de produção <strong>do</strong> espaço<br />

pelas classes <strong>do</strong>minantes.<br />

A segunda característica diz respeito à dinâmica caótica proveniente da<br />

interação entre os agentes espaciais em cada lugar. Esse caos pode acarretar na<br />

imprevisibilidade <strong>do</strong>s acontecimentos diante <strong>do</strong> efeito homogeneizante que a<br />

gentrification proporciona, originan<strong>do</strong> diversas formas <strong>do</strong> processo. As mesmas<br />

serão ainda acentuadas pelo fator econômico <strong>do</strong> momento em que ocorrerem, bem<br />

como a espacialidade <strong>do</strong> lugar afeta<strong>do</strong> e o contexto histórico que permeia o mesmo,<br />

além das questões socioculturais. A combinação de cada um desses fatores poderá<br />

alavancar ou travar o processo a depender das ações <strong>do</strong>s agentes que atuarem <strong>no</strong><br />

espaço.<br />

50


3 UMA GLO<strong>BA</strong>LIZAÇÃO DA GENTRIFICATION OU UMA GENTRIFICATION DA<br />

GLO<strong>BA</strong>LIZAÇÃO?<br />

“Não só a relação entre lugar e espaço como também o relacionamento<br />

entre o lugar e o homem que nele se demora residem na essência dessas<br />

coisas assumidas como lugares.” (HEIDEGGER, 2009, p.134)<br />

No capitulo anterior foi observa<strong>do</strong> que um <strong>do</strong>s elementos mais relevantes da<br />

cidade são os seus habitantes. Os mesmos são habitantes, não somente porque<br />

vivem, mas, porque viven<strong>do</strong> também modelam o espaço habita<strong>do</strong>. É vali<strong>do</strong> destacar<br />

a importância de diferenciar morar de habitar. Não necessariamente quem mora<br />

habita, da mesma forma que nem to<strong>do</strong> que habita mora. Heidegger, ao explanar<br />

sobre o habitar, escreve em tom de critica que “Trabalhamos aqui e habitamos ali.<br />

Não habitamos simplesmente. Isso soaria até mesmo como uma preguiça e ócio.”<br />

(HEIDEGGER, 2008, p.127). Compreender essa questão <strong>do</strong> habitar é fundamental<br />

para alcançar o entendimento de que a singularidade <strong>do</strong>s lugares é um produto da<br />

interação das questões estruturais com as sociais.<br />

Com relação à importância de não se privilegiar um único elemento dentro de<br />

determinada abordagem, Harvey em seu livro Espaços de Esperança após construir<br />

e desconstruir entendimentos sobre o que chama de dialética histórica geográfica<br />

chega a um <strong>do</strong>s pontos cruciais de sua tese ao demonstrar que: “Se as utopias<br />

materializadas deram erra<strong>do</strong> por causa <strong>do</strong>s processos sociais mobiliza<strong>do</strong>s em sua<br />

construção, o foco passa a ser questões acerca <strong>do</strong> processo.” (HARVEY, 2000,<br />

p.228). Ele demonstra que os grandes erros cometi<strong>do</strong>s pelas diversas utopias ao<br />

longo da história estiveram e estão: ou em privilegiar o autoritarismo dialético e<br />

estrutural <strong>do</strong> isso ou aquilo; ou porque nas versões que privilegiaram os processos<br />

sociais terminaram por pecar pela ausência de uma abordagem espacializada. “As<br />

versões idealizadas <strong>do</strong>s processos sociais, em contrapartida costumam exprimir-se<br />

em termos puramente temporais. (...) As qualidades espaciais e temporais são<br />

completamente ig<strong>no</strong>radas.” (HARVEY, 2000, p.228)<br />

Além da dicotomia entre o fator físico e o social, existe a questão da escala.<br />

Não há dúvidas de que a gentrification ocorre na esfera local. O fato é que focar a<br />

visão sobre o processo somente na escala <strong>do</strong> lugar é o mesmo que querer entender<br />

a chuva que ocorreu em Salva<strong>do</strong>r <strong>no</strong> dia 31 de Janeiro de 2011, somente com os<br />

elementos <strong>do</strong> lugar. Da mesma forma que o entendimento <strong>do</strong>s fatores climáticos<br />

requer uma visão em escala global, o processo da gentrification tem os seus<br />

51


“ventos” conecta<strong>do</strong>s em uma cadeia de relações que estão intrinsecamente liga<strong>do</strong>s<br />

com a globalização.<br />

Dentro de uma reflexão sobre os <strong>do</strong>is processos - gentrification e globalização<br />

- é possível questionar se o primeiro é um produto <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>, resulta<strong>do</strong> de uma<br />

consequência que se des<strong>do</strong>bra nas escalas locais, ou se os <strong>do</strong>is não seriam a<br />

mesma coisa, sen<strong>do</strong> o me<strong>no</strong>r somente uma forma de personificação <strong>do</strong> maior na<br />

esfera <strong>do</strong> lugar. A resposta pode ser dada de imediato ao analisar cro<strong>no</strong>logicamente<br />

os processos o que <strong>no</strong>s aponta que a gentrification é anterior à atual forma de<br />

Globalização. Aprofundar o entendimento de cada um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fenôme<strong>no</strong>s pode<br />

trazer elementos importantes para a compreensão <strong>do</strong> primeiro.<br />

Dessa forma, é necessário percorrer um caminho, que vise à compreensão<br />

das questões partin<strong>do</strong> da escala planetária, até chegar ao des<strong>do</strong>bramento regional e<br />

finalmente alcança o lugar. É importante perceber que as inúmeras relações<br />

estabelecidas em todas essas escalas afetam em inúmeros aspectos o desti<strong>no</strong> <strong>do</strong><br />

processo em questão.<br />

Sen<strong>do</strong> a dissertação um instrumento que pode ser utiliza<strong>do</strong>, para posteriores<br />

reflexões e talvez até para subsidiar análises para possíveis intervenções nas<br />

localidades estudadas, se faz de suma importância realçar que, qualquer planeja<strong>do</strong>r,<br />

sempre estará submeti<strong>do</strong> às intempéries <strong>do</strong> caos.<br />

O entendimento da Teoria <strong>do</strong> Caos tem muito a contribuir em qualquer<br />

análise, reflexão e estratégia de planejamento, pois, fenôme<strong>no</strong>s caóticos ocorrem<br />

principalmente pela combinação entre os diversos elementos, agentes e escalas.<br />

Essa soma de fatores pode fornecer infinitas e caóticas consequências a partir de<br />

questões longínquas ou que aparentemente possam ser desprezíveis.<br />

Sabe-se que o fenôme<strong>no</strong> observa<strong>do</strong> <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> está<br />

explicitamente justifica<strong>do</strong> pela lógica <strong>do</strong> turismo. É justamente nas intervenções de<br />

cunho turístico que os quatro aspectos menciona<strong>do</strong>s até aqui se inter - relacionam.<br />

Ou seja, a dicotomia entre as estruturas físicas e a sociedade a conexão entre a<br />

escala local e global e a complexidade das relações entre esses elementos que<br />

submete sua abordagem às oscilações caóticas espaciais.<br />

Haverá um momento para trabalhar somente com o tema <strong>do</strong> turismo, <strong>no</strong><br />

entanto, faz-se necessário aqui uma breve abordagem sobre o mesmo.<br />

52


Primeiramente, porque o turismo é um modelo de investimento extremamente frágil<br />

às oscilações financeiras e sociais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, como é constata<strong>do</strong> a seguir.<br />

... após os acontecimentos políticos e terroristas <strong>do</strong> dia 11 de setembro de<br />

2001. [...] De 2001 a 2003, os fluxos globais <strong>do</strong> turismo diminuíram quan<strong>do</strong><br />

se pensava que tu<strong>do</strong> havia volta<strong>do</strong> à <strong>no</strong>rmalidade, o turismo recebe mais<br />

uma desagregação com a catástrofe da Ásia fican<strong>do</strong> mais difíceis de serem<br />

avaliadas tendências. (CORIOLANO; SILVA, 2005, p. 15)<br />

Além disso, não é demais, observar que Salva<strong>do</strong>r está na periferia da periferia<br />

<strong>do</strong> turismo mundial. O que é importante ter em vista para relativizar a cidade como<br />

sen<strong>do</strong> turística. Ela é parcialmente turística, não necessariamente por falta de<br />

“vocação”, e até por um publico que a visita, mas, muito mais por uma combinação<br />

de fatores, que vão desde questões estruturais a até mesmo sua posição geopolítica<br />

<strong>no</strong> mun<strong>do</strong>, como é afirma<strong>do</strong> a seguir. “A participação mundial da África, Ásia e<br />

América <strong>do</strong> Sul <strong>no</strong> turismo de mo<strong>do</strong> geral é muito pequena e com alguns polos<br />

localiza<strong>do</strong>s. Os maiores fluxos turísticos se dão entre fronteiras de países.”<br />

(CORIOLANO; SILVA, 2005, p.118)<br />

Sen<strong>do</strong> assim, como fica o entendimento da dinâmica caótica <strong>no</strong> turismo? O<br />

primeiro exemplo é da<strong>do</strong> com as visitas <strong>do</strong>s dinamarqueses à Salva<strong>do</strong>r. Para ser<br />

mais preciso, anualmente, havia um fluxo de dinamarquesas, que visitavam a<br />

cidade, <strong>no</strong> intuito de fazer aulas de dança e exercer outras atividades culturais como<br />

participar <strong>do</strong>s festivais, irem à praia, aprender a língua e a cultura (Figuras 09 e 10).<br />

Figura 09 - Turista dinamarquesa, fazen<strong>do</strong> aula de dança silvestre – Liceu de Artes - 2007<br />

Figura 10 - Turistas dinamarquesas, jantan<strong>do</strong> ao som <strong>do</strong> Jazz <strong>no</strong> Restaurante Olivier - 2007<br />

Fonte: Daniel de Albuquerque Ribeiro, 2007<br />

A visitação era facilitada por <strong>do</strong>is aspectos. O primeiro era econômico - a<br />

moeda brasileira estava me<strong>no</strong>s valorizada <strong>no</strong> perío<strong>do</strong>, o que possibilitava maior fluxo<br />

53


turístico vin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s países europeus. O segun<strong>do</strong> se dava a um fator, talvez para<br />

muitos, desprezível, mas, que fez em alguns aspectos a diferença como interposto<br />

inicial e facilita<strong>do</strong>r da criação de vínculos entre aquelas que faziam o turismo e a<br />

comunidade que estava estabelecida <strong>no</strong> lugar. As redes sociais estabelecidas entre<br />

um peque<strong>no</strong> grupo de dinamarqueses e brasileiros entre os <strong>do</strong>is países. Destaca-se<br />

a combinação de apenas <strong>do</strong>is elementos <strong>do</strong>s fatores observa<strong>do</strong>s – o da escala<br />

mundial com o <strong>do</strong> fator social.<br />

Um exemplo é o de uma mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong><br />

Carmo, que aluga quartos de sua casa às turistas, principalmente as<br />

dinamarquesas. Essa mora<strong>do</strong>ra também oriunda da Dinamarca tem sua posição em<br />

muitos aspectos estratégica para facilitar esse intercâmbio inicial entre os visitantes<br />

e os “nativos” – mesmo que os hospedes não fiquem na residência por muito tempo.<br />

O que aconteceria se essa habitante, que atualmente participa de um grupo de<br />

maracatu, fosse morar em Recife?<br />

Essa pequena mudança de um único elemento poderia influenciar em uma<br />

redução “insignificante” da leva turística vinda <strong>do</strong> país Nórdico para a “Roma Negra”.<br />

Da mesma forma, que, com a valorização da moeda brasileira, essas turistas que<br />

vinham anualmente, deixaram de vir ao país, ou em alguns casos à cidade.<br />

Alia<strong>do</strong> a isso, está o papel de um grupo que trabalha com aspectos culturais<br />

brasileiros na Dinamarca, o Bagunçaço. Esse grupo tem uma importante<br />

contribuição na difusão da cultura brasileira sen<strong>do</strong> ponte entre os dinamarqueses<br />

que conhecem teoricamente sobre o Brasil em seu país e se deslocam para o país<br />

lati<strong>no</strong> america<strong>no</strong> <strong>no</strong> intuito aprender mais. Qual seria o impacto <strong>do</strong> fim desse grupo<br />

que é coordena<strong>do</strong> por um baia<strong>no</strong> que vive em Copenhague? Provavelmente um<br />

pa<strong>no</strong>rama negativo de cada situação isolada possa oferecer uma modificação<br />

irrisória, mas, em um efeito de cadeia ou ainda e se somarmos os três fatores a<br />

outros? É a combinação desses peque<strong>no</strong>s aspectos que passam despercebi<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s<br />

olhares <strong>do</strong>s pla<strong>no</strong>s estatais e que na maioria <strong>do</strong>s casos fica esqueci<strong>do</strong> nas grandes<br />

teses que buscam compreender o espaço e os processos sociais. São<br />

acontecimentos aparentemente insignificantes que podem desencadear um efeito<br />

caótico que afete toda ordem de uma estrutura.<br />

Outro exemplo de como se configura a questão defendida pode ser<br />

demonstra<strong>do</strong> com o bloco de Japoneses Natakatushia. Há algum tempo que um<br />

54


migrante Japonês veio residir <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. O Sr.<br />

Nagoya aprendeu instrumentos percussivos da cultura baiana e começou a ensinar<br />

para os japoneses que vinham visitar a cidade (Figuras 11 e 12).<br />

Figura 11 - Bloco Natakatushia – 2006 – Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo<br />

Figura 12 - Bloco Natakatushia – 2009 – <strong>Pelourinho</strong><br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. 2006 e 2009<br />

A casa <strong>do</strong> mesmo em perío<strong>do</strong>s próximo ao Carnaval chama a atenção devi<strong>do</strong><br />

à quantidade de Nipônicos que hospeda. To<strong>do</strong>s participam <strong>do</strong> bloco Natakatushia<br />

que já ultrapassa o número de 50 integrantes. As questões hipotéticas a serem<br />

pensadas tanto na conjuntura global como na local são: será que esse mesmo<br />

número de participantes estaria presente <strong>no</strong> Carnaval de 2011, se o episodio <strong>do</strong><br />

Tsunami¹ que afetou o Japão tivesse ocorri<strong>do</strong> um mês antes da festa? Se o líder <strong>do</strong><br />

bloco por algum motivo fosse embora da cidade, será que a “tradição” continuaria?<br />

Uma ressalva sobre o coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> grupo é que ele está na estatística de<br />

estrangeiros que passam parte <strong>do</strong> a<strong>no</strong> em seu país de origem e a outra parte em<br />

algum <strong>do</strong>s bairros <strong>do</strong> parque. No caso em questão o mesmo trabalha seis meses <strong>no</strong><br />

Japão para ganhar dinheiro e vem passar os outros seis meses na cidade de<br />

Salva<strong>do</strong>r.<br />

Por fim, é possível pensar quais seriam as possíveis consequências para o<br />

turismo da cidade se um filme que falasse sobre capoeira, fizesse sucesso <strong>do</strong> nível<br />

de Roque Balboa, por exemplo. Sabe-se que os grupos de capoeira já exercem<br />

grande importância para a atração de levas turísticas para a cidade. Basta dizer, que<br />

muitas escolas de Capoeira que estão se disseminan<strong>do</strong> pelo mun<strong>do</strong>, exigem como<br />

critério para a formação <strong>do</strong> capoeirista uma espécie de “peregrinação” à Salva<strong>do</strong>r,<br />

onde o alu<strong>no</strong> recebe o cordão (Figuras 13 e 14).<br />

55


Figura 13 - Jogo de Capoeira <strong>no</strong> largo <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

Figura 14 - Jogo de Capoeira, ao fun<strong>do</strong>, a cidade Baixa e Cidade Alta de Salva<strong>do</strong>r.<br />

Fonte: http://www.emule.com.br/, acessa<strong>do</strong> em 07 Jul 2011<br />

Durante a pesquisa conversou-se com estrangeiros que vieram para a cidade<br />

<strong>no</strong> intuito de aprender a arte. Oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Canadá, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, Argentina e<br />

diversos países da Europa. Esses visitantes buscam inicialmente aprimorar as<br />

técnicas de capoeirista, mas, <strong>no</strong> processo, criam laços com o lugar. Em muitos<br />

casos esse grupo de pessoas termina voltan<strong>do</strong> quase que anualmente e também<br />

funcionam como agentes multiplica<strong>do</strong>res da difusão turística da cidade. Houve o<br />

caso de uma canadense que passou “clandestinamente” mais de três a<strong>no</strong>s moran<strong>do</strong><br />

<strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong>, ten<strong>do</strong> se casa<strong>do</strong> com um baia<strong>no</strong> depois de um<br />

tempo. Atualmente ambos estão <strong>no</strong> Canadá. Ela veio a Salva<strong>do</strong>r por intermédio de<br />

uma amiga também canadense e capoeirista e em uma de suas visitas depois de<br />

casada já trouxe consigo <strong>no</strong>vos visitantes.<br />

O fato é que a capoeira representa um grande potencial para a promoção<br />

turística soteropolitana. Essa expressão cultural não foi planejada, concebida e<br />

muito me<strong>no</strong>s promovida pelas esferas estatais. O que as ações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> tem feito<br />

para fortalecer a mesma? Nessas questões há a dicotomia entre o que é<br />

genuinamente popular e o que é apropria<strong>do</strong> pelas ações chamadas “revitaliza<strong>do</strong>ras”,<br />

que terminam por “limpar” a população que promove as mesmas. É aí que se<br />

encontra, em todas as esferas, o perigo da gentrification.<br />

É vali<strong>do</strong> realçar que <strong>no</strong> meio desse jogo de escalas entre eventos mundiais e<br />

ações de indivíduos, existe o Esta<strong>do</strong> como agente fundamental para regulações<br />

regionais. Esse pode aproveitar as oportunidades que surjam <strong>no</strong> cenário mundial e<br />

buscar proteger o lugar das ameaças conjunturais. Essa proteção pode ocorrer<br />

56


através <strong>do</strong> fortalecimento de fraquezas e incentivo de forças e a depender das<br />

estratégias utilizadas esse agente terá papel decisivo <strong>no</strong>s resulta<strong>do</strong>s da dinâmica<br />

caótica <strong>do</strong> espaço.<br />

Outra questão que chama a atenção é que a escala de atuação local<br />

demonstrada está muito mais relacionada a uma questão da subjetividade <strong>do</strong> ser, <strong>do</strong><br />

que necessariamente aos aspectos intervencionistas <strong>no</strong> espaço concreto. É claro<br />

que a estrutura física é importante como fator de fortalecimento social e econômico,<br />

principalmente se <strong>no</strong> lugar há uma atmosfera cultural propicia ao exercício da<br />

criatividade <strong>do</strong> indivíduo.<br />

É por conta de tantos fatores que se faz preciso realçar esses aspectos<br />

intercomunicáveis das infinitas possibilidades de interação <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> espaço. Esses, em suas diferentes escalas de atuação, bem como das<br />

influências físicas, estruturais, econômicas, geopolíticas e psicológicas que<br />

combina<strong>do</strong>s, produzem os diferentes lugares que compõem o espaço geográfico.<br />

Foi pensan<strong>do</strong> nessas questões que se elaborou o modelo esquemático abaixo,<br />

de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> de Esferário (Figura 15).<br />

O Esferário é uma tentativa de representar o espaço estuda<strong>do</strong> a partir da<br />

visão caótica. O modelo apresenta<strong>do</strong> não traz <strong>no</strong>vidades uma vez que só<br />

esquematiza conceitos clássicos da Geografia. É importante realçar de que não se<br />

trata de uma visão compartimentada, como <strong>no</strong> tradicional exemplo das gavetas que<br />

não se conectam, fragmentan<strong>do</strong> os conceitos geográficos.<br />

As esferas e os pla<strong>no</strong>s abrangem os elementos gerais que compõem a<br />

análise Geográfica. Dentro da pirâmide que conecta os três pla<strong>no</strong>s – local, regional<br />

e mundial, ficam os elementos a serem foca<strong>do</strong>s, <strong>no</strong> caso em questão, trata-se <strong>do</strong>s<br />

agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço. Essa pirâmide permite uma flexibilidade <strong>no</strong>s<br />

elementos pensa<strong>do</strong>s, o que significa dizer que um estu<strong>do</strong> geomorfológico, trará<br />

aspectos diferencia<strong>do</strong>s de um estu<strong>do</strong> urba<strong>no</strong> e de um estu<strong>do</strong> sobre climatologia.<br />

O primeiro ponto a se pensar é como reproduzir a relação complexa <strong>do</strong><br />

espaço geográfico, sem correr o risco de tolher o mesmo. Esse é o grande desafio<br />

para to<strong>do</strong> geógrafo. O modelo trabalha<strong>do</strong> trás os pla<strong>no</strong>s: local, regional e mundial,<br />

bem como a paisagem abrangen<strong>do</strong> os três pla<strong>no</strong>s.<br />

Cruzan<strong>do</strong> as quatro categorias de análise, tem-se o tempo. Através de seu<br />

estu<strong>do</strong> é possível perceber o ritmo <strong>do</strong> processo. Sen<strong>do</strong> assim, estrutura e processo<br />

57


são o que compõem o movimento <strong>do</strong> espaço. O tempo por sua vez, é o único<br />

elemento que tange o pla<strong>no</strong> cósmico que engloba todas as esferas. Pode-se dizer<br />

que a tec<strong>no</strong>sfera também exerce um alcance limita<strong>do</strong> <strong>no</strong> Cosmus.<br />

Figura 15 - Esferário<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Ainda circuncidan<strong>do</strong> os pla<strong>no</strong>s, os elementos físicos que compõem a<br />

paisagem, influenciam <strong>no</strong>s aspectos culturais que compõem as regiões e os lugares.<br />

São eles o Clima, Relevo, Litologia, Fauna, Flora e Hidrografia. To<strong>do</strong>s esses<br />

elementos estão presentes nas quatro categorias de análise, logo, também são<br />

consequência <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> tempo e, por fim, estão na base das esferas sociais.<br />

As estruturas humanas podem ser estruturas sociais e estruturas físicas, contu<strong>do</strong> o<br />

segun<strong>do</strong> tipo é consequência direta <strong>do</strong> primeiro.<br />

Em meio a isso, estão os agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço, exercen<strong>do</strong><br />

inúmeras relações, que variarão de lugar para lugar, região para região. A divisão<br />

desses, em três grupos, possibilita compreender alguns aspectos relativos aos<br />

mesmos. Os grupos estão relaciona<strong>do</strong>s com as categorias de análise.<br />

58


Assim, existem agentes modela<strong>do</strong>res que estão mais próximos de serem<br />

atores hegemônicos e que exercem uma influência <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> um fluxo de<br />

relações que vai <strong>do</strong> Global para o local. Por outro la<strong>do</strong>, essa mesma divisão<br />

demonstra que existem agentes mais relaciona<strong>do</strong>s com o lugar e que ao sofrerem a<br />

imposição da homogeneização globalizante, podem responder de diversas formas,<br />

ten<strong>do</strong> como os <strong>do</strong>is extremos, in<strong>do</strong> da alienação à oposição. Ainda na esfera local<br />

está o grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s, que apesar de excluí<strong>do</strong> – nem sempre de toda estrutura,<br />

é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> modelo estrutural que compõem, sen<strong>do</strong> portanto, parte integrante<br />

dessa organização.<br />

No centro, receben<strong>do</strong> influência e influencian<strong>do</strong> os outros <strong>do</strong>is pla<strong>no</strong>s, está a<br />

esfera Regional que pode ser vinculada com os aspectos locais ou globais, a<br />

depender <strong>do</strong>s arranjos produtivos que se dão a partir desse jogo entre as outras<br />

duas esferas. Dessa forma a dicotomia entre Globalização e Cultura, Geopolítica<br />

Mundial e Cotidia<strong>no</strong>, Circuito Superior e Circuito Inferior da Eco<strong>no</strong>mia,<br />

complementarão as infinitas possibilidades de combinação <strong>do</strong> Esferário.<br />

Diante <strong>do</strong> exposto, a questão a se pensar nesse capítulo é a de como<br />

transcorre a psicosfera que envolve o fenôme<strong>no</strong> da <strong>Gentrification</strong>. Para respondê-la,<br />

será necessário percorrer um caminho que passará por quatro direções. As duas<br />

primeiras visam compreender a lógica sistêmica hegemônica mundial e o modelo<br />

ideológico que impera <strong>no</strong> atual sistema. Os outros <strong>do</strong>is rumos analisarão a essência<br />

<strong>do</strong> lugar e a concepção sobre o processo a partir da visão <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res<br />

que estão mais liga<strong>do</strong>s ao mesmo.<br />

3.1. A Globalização<br />

A história da globalização se confunde com a história <strong>do</strong> sistema capitalista.<br />

Um exemplo é que até mesmo o termo utiliza<strong>do</strong> para de<strong>no</strong>minar o fenôme<strong>no</strong> foi<br />

toma<strong>do</strong> empresta<strong>do</strong> da expressão cunhada por uma empresa em estratégia de<br />

marketing, como afirma Harvey (2000, p.27): “ “Globalização” parece ter adquiri<strong>do</strong><br />

proeminência pela primeira vez quan<strong>do</strong> a American Express fez propaganda <strong>do</strong><br />

alcance global de seu cartão na metade <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s 1970.” O mesmo, lembra que o<br />

fenôme<strong>no</strong> já existe há muito tempo, “pelo me<strong>no</strong>s desde 1492” (HARVEY, 2000,<br />

p.37), ten<strong>do</strong> ti<strong>do</strong> roupagens diferentes.<br />

59


O autor explica que a difusão <strong>do</strong> termo contribuiu para que a ideia da redução<br />

<strong>do</strong> poder estatal fosse inevitável <strong>no</strong> que diz respeito à regulamentação <strong>do</strong>s fluxos de<br />

capital tornan<strong>do</strong>-se “instrumento político extremamente potente de privação <strong>do</strong> poder<br />

<strong>do</strong>s movimentos operários e sindicais nacionais e internacionais” (HARVEY, 2000,<br />

p.27).<br />

Muitos <strong>do</strong>s debates que se sucedem com relação ao termo costumam fazer a<br />

relação entre a dialética <strong>do</strong> movimento globalizante homogeneizante, vin<strong>do</strong> de uma<br />

escala mundial e se impon<strong>do</strong> nas questões locais ao mesmo tempo em que são os<br />

mesmos lugares que podem reagir a esse vetor através das forças que se<br />

configuram na cultura e na solidariedade de cada comunidade. “E, os lugares<br />

parecem revelar todas as contradições <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>: <strong>no</strong>s lugares esse mun<strong>do</strong> se revela<br />

cruel, perverso, tornan<strong>do</strong> o cotidia<strong>no</strong> de cada um quase uma fatalidade.” (SOUZA,<br />

1997, p.13)<br />

Há o questionamento de se a <strong>Gentrification</strong> é somente mais um processo que<br />

se dá <strong>no</strong> lugar - o que caberia a afirmação de que tratamos então da Globalização<br />

da <strong>Gentrification</strong>, já que <strong>no</strong> caso em questão é o processo que se difunde com a<br />

Globalização. Em contraposição, cabe também refletir se não é a <strong>Gentrification</strong><br />

somente mais uma face da Globalização que, para a sua realização, se des<strong>do</strong>bra<br />

<strong>no</strong>s lugares com as características especifica. Nesse caso estaríamos falan<strong>do</strong> de<br />

uma <strong>Gentrification</strong> da Globalização.<br />

É importante percorrer esse caminho que passa por diversos aspectos como<br />

as características que permeiam o processo global antes mesmo de aprofundar<br />

sobre o processo que se dá em nível local. Após refletir sobre os aspectos que<br />

envolvem ambos os processos, será possível responder a pergunta que dá <strong>no</strong>me a<br />

este capítulo.<br />

Vale realçar que a questão apontada não trata somente de esclarecer a si<br />

mesma, pois, na pretensão de procurar uma resposta para tal, busca-se ao mesmo<br />

tempo compreender quais são os aspectos ideológicos, culturais e talvez até<br />

filosóficos que permeiam o mesmo. Sen<strong>do</strong> assim, vale iniciar essa reflexão com os<br />

estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s pelo eco<strong>no</strong>mista José Eli da Veiga, que ao falar <strong>do</strong> livro escrito<br />

por Held e Anthony McGrew intitula<strong>do</strong> A Introduction to the Globalization, explica o<br />

que eles apontam como sen<strong>do</strong> os cinco consensos entre os estudiosos sobre a<br />

globalização:<br />

60


a) Maior interligação econômica nas e entre regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ainda que<br />

com conseqüência multifacetadas:<br />

b) Novas desigualdades e abalo das velhas hierarquias, ambos provoca<strong>do</strong>s<br />

pela competição inter-regional:<br />

c) Ampliação de problemas transnacionais e transfronteiriços (como<br />

lavagem de dinheiro ou disseminação de OGMs – Organismos<br />

Geneticamente Modifica<strong>do</strong>s):<br />

d) Expansão das formas de gestão internacional – como a EU (União<br />

Européia e a OMC (Organização Mundial <strong>do</strong> Comércio) – que traz <strong>no</strong>vas<br />

interrogações sobre o tipo de ordem mundial a ser construída;<br />

e) Exigência de <strong>no</strong>vas maneiras de pensar e de dar respostas criativas<br />

sobre as futuras formas democráticas de regulação política.<br />

(HELD, apud VEIGA, 2005, p.3)<br />

Todas as questões apontadas introduzem elementos para a compreensão a<br />

respeito das consequências <strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong> da globalização para o lugar, <strong>no</strong> caso<br />

específico, para as localidades <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Um primeiro<br />

aspecto aponta sobre a interligação econômica entre as regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, que<br />

termina influencian<strong>do</strong> diretamente <strong>no</strong>s fluxos tanto emigratórios como imigratórios,<br />

ao mesmo tempo em que podem contribuir também para um impacto positivo ou<br />

negativo na eco<strong>no</strong>mia local.<br />

Atrelada a essas questões encontra-se a competição inter-regional que será<br />

abordada mais adiante como componente <strong>do</strong> tripé principal da globalização. Essa<br />

competição tende a reduzir a solidariedade entre os povos e incentivar a luta pelo<br />

merca<strong>do</strong> e para atração de investimentos o que termina por direcionar o<br />

pensamento estatal para o econômico, negligencian<strong>do</strong> muitas vezes o mais<br />

importante que é o fator social, bem como o equilíbrio desses com o ambiental.<br />

O terceiro tópico tem consequências negativas principalmente <strong>no</strong> que diz<br />

respeito ao tráfico de drogas. No caso <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, com as<br />

inúmeras transformações que vem ocorren<strong>do</strong>, a questão <strong>do</strong> tráfico é um <strong>do</strong>s sérios<br />

problemas aponta<strong>do</strong>s não só pelos mora<strong>do</strong>res, mas que também pode ser<br />

constata<strong>do</strong> pelos visitantes mais observa<strong>do</strong>res. Por fim, o quarto e quinto tópico<br />

afetam o lugar mais como uma consequência em cadeia das questões que afetam o<br />

Esta<strong>do</strong> de uma forma geral.<br />

Santos em 1999 traz <strong>no</strong> seu livro Por uma outra globalização, três formas de<br />

reflexão sobre o processo. Primeiramente ele aponta a globalização como fábula,<br />

sen<strong>do</strong> aquela disseminada pelos meios de comunicação. Essa representa uma<br />

imagem falsa <strong>do</strong> processo, promoven<strong>do</strong> a ideia de que as distâncias se reduziram e<br />

de que o mun<strong>do</strong> tende a uma harmonia entre to<strong>do</strong>s os povos.<br />

61


Na segunda parte <strong>do</strong> livro o autor revela a Globalização como ela é com as<br />

suas perversidades que na verdade tendem a aumentar as distâncias e agravar as<br />

diferenças sociais. Na terceira parte ele trata de uma Globalização como pode ser<br />

apresentan<strong>do</strong> uma visão otimista de um possível futuro melhor. Para esse capitulo,<br />

interessa por sua vez debater a face real <strong>do</strong> processo.<br />

3.1.1 O tripé da imagem <strong>do</strong> consumo e da competição<br />

É comum a associação <strong>do</strong> termo globalização ao alcance mundial de ações<br />

locais. O processo também está relaciona<strong>do</strong> com o poder de influência que centros<br />

de decisões locais exercem <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>. Retoma-se aqui o conceito de territórios-rede<br />

apresenta<strong>do</strong> <strong>no</strong> capitulo II, como importante para a compreensão dessa conexão<br />

que se dá pela transposição territorial que deixa de ser algo preso a uma<br />

continuidade e se configura em uma malha com diversas escalas de atuações.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, não se deve negligenciar o fato de que essa mundialização<br />

das ações possui uma ideologia que está ligada a uma classe <strong>do</strong>minante capitalista.<br />

Harvey (2000, p.41) afirma que: “A ascensão da burguesia está, desde o começo da<br />

discussão, intimamente ligada as suas atividades e estratégias geográficas <strong>no</strong> palco<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.” Assim sen<strong>do</strong>, a Globalização trás muito mais <strong>do</strong> que a sincronia <strong>do</strong>s<br />

motores, ou melhor, dizen<strong>do</strong> a existência de um “motor único”.<br />

Havia com o imperialismo, diversos motores, cada qual com sua força e<br />

alcance próprios: o motor francês, o motor inglês, o motor alemão, o motor<br />

português, o belga, o espanhol. Que eram to<strong>do</strong>s motores <strong>do</strong> capitalismo,<br />

mas empurravam as máquinas e os homens segun<strong>do</strong> ritmos diferentes,<br />

modalidades diferentes, combinações diferentes. Hoje haveria um motor<br />

único que é exatamente, a mencionada mais valia universal. (SANTOS,<br />

2003, p.29)<br />

Como uma reprodução <strong>do</strong> capitalismo a mundialização traz consigo três<br />

elementos que compõem sua base de sustentação.<br />

Em primeiro lugar a imagem assume um papel prioritário nas sociedades,<br />

superan<strong>do</strong> muitas vezes a importância <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

Outro elemento que compõe a essência desse tripé é o consumo. O principal<br />

objetivo da sociedade globalizada e capitalista é a promoção <strong>do</strong> consumo<br />

com a finalidade de se ampliar o lucro <strong>do</strong>s agentes econômicos.<br />

62


Por fim, as distintas estâncias da sociedade são condicionadas a uma<br />

atmosfera de competição.<br />

Nessa relação que se tem com as coisas que deixam de ter seus significa<strong>do</strong>s<br />

para se tornar produtos, há ao mesmo tempo o incentivo ao consumo frenético <strong>do</strong>s<br />

recursos. Os produtos por sua vez deixam de representar o que seria a sua essência<br />

e passam a se artificializar cada vez mais. O importante passa ser a imagem e não o<br />

seu conteú<strong>do</strong>. Por fim, tratan<strong>do</strong> a tu<strong>do</strong> como produto a ser consumi<strong>do</strong> o homem<br />

entra em uma atmosfera de competição, uma vez que se há um produto a ser<br />

consumi<strong>do</strong>, é necessário atrair aqueles que o consumirão.<br />

Essa competição está presente em to<strong>do</strong> o espaço, e “pode ser sentida na<br />

atmosfera” como afirma Santos (2003, p.57) . “Num mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>, regiões e<br />

cidades são chamadas a competir e, diante das regras atuais da produção e <strong>do</strong>s<br />

imperativos atuais <strong>do</strong> consumo, a competitividade se torna também uma regra da<br />

convivência entre as pessoas”.<br />

3.2 Das i<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas à produção <strong>do</strong> consumo<br />

As i<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas decorrentes das últimas décadas foram<br />

fundamentais para o fortalecimento das três características apontadas como o tripé<br />

<strong>do</strong> processo de globalização. Encabeçan<strong>do</strong> essas transformações esteve a<br />

revolução <strong>no</strong>s meios de comunicação.<br />

No fim <strong>do</strong> século XX e graças ao avanço da ciência, produziu-se um<br />

sistema de técnicas presidi<strong>do</strong> pelas técnicas da informação que passaram<br />

a exercer um papel de elo entre as demais, unin<strong>do</strong>-as e asseguran<strong>do</strong> ao<br />

<strong>no</strong>vo sistema técnico uma presença planetária. (SANTOS, 2000, p.23).<br />

Alia<strong>do</strong> a isso, outros <strong>do</strong>is acontecimentos contribuíram para fortalecer o ideal<br />

<strong>do</strong> sistema capitalista. Além das i<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas, os últimos a<strong>no</strong>s foram<br />

marca<strong>do</strong>s pela desregulamentação financeira e a transferência de tec<strong>no</strong>logia. De<br />

fato esses três aspectos foram fomento e consequência um <strong>do</strong>s outros, como afirma<br />

Harvey:<br />

A desregulamentação financeira, por exemplo, não poderia ter ocorri<strong>do</strong> sem<br />

a revolução da informação, e a transferência de tec<strong>no</strong>logia (que também se<br />

63


alicerçou fortemente na revolução da informação) não teria feito senti<strong>do</strong><br />

sem uma facilidade bem maior de circulação de merca<strong>do</strong>rias e de pessoas<br />

por to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>. (HARVEY, 2000, p.92)<br />

Concomitantemente a isso estiveram às difusões de teorias geopolíticas<br />

fundamentadas durante a IIª Guerra e reformuladas <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> da guerra fria. Dessa<br />

forma a difusão da ideologia capitalista pelo processo de mundialização foi ao<br />

mesmo tempo causa e consequência de uma serie de fatores que se<br />

retroalimentaram e proporcionaram uma atmosfera favorável para o seu<br />

acontecimento <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Em um trabalho que publiquei em 2009 já foi comenta<strong>do</strong> sobre as inúmeras<br />

“guerras” travadas <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> da guerra fria e que muitas vezes são negligenciadas<br />

na análise histórica devi<strong>do</strong> à importância que a bipolaridade entre o mun<strong>do</strong><br />

capitalista e o mun<strong>do</strong> socialista teve durante esse episódio <strong>do</strong> planeta.<br />

Ao observar diversos analistas que comentam a guerra fria, percebe-se que<br />

muitas vezes as evoluções ocorridas dentro <strong>do</strong> espaço capitalista como<br />

socialista são esquecidas por conta <strong>do</strong>s acontecimentos e disputas<br />

existentes entre as duas grandes potências. O fato é que o mun<strong>do</strong><br />

fervilhava de acontecimentos que muitas vezes são estuda<strong>do</strong>s<br />

separadamente. Causan<strong>do</strong> a sensação que só com o final da guerra fria,<br />

surgem as trans-nacionais e os blocos econômicos. (RIBEIRO, 2009, p.6)<br />

Nesse trabalho é demonstra<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> a partir de uma projeção azimutal<br />

que toma por base o hemisfério Sul como sen<strong>do</strong> central. As inúmeras questões<br />

atreladas a isso são debatidas ao se apontar que, apesar <strong>do</strong> centro das atenções se<br />

voltarem para os <strong>do</strong>is protagonistas da corrida atômica, é justamente <strong>no</strong>s países <strong>do</strong><br />

hemisfério sul que se projetava o palco <strong>do</strong>s conflitos. (Figura 16)<br />

Um <strong>do</strong>s pontos aborda<strong>do</strong>s nesse artigo chama a atenção para o fato de que é<br />

nesse perío<strong>do</strong> em que <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> se iniciam diversas questões que tem sua<br />

intensificação <strong>no</strong>s tempos atuais, como <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> tráfico de drogas. De forma<br />

sincronizada é nessa fase que surgem os blocos econômicos e de até certo ponto<br />

uma mudança na estratégia de atuação das potencias imperialistas, que passasse<br />

da beligerância para o <strong>do</strong>mínio por outras estratégias.<br />

O fato é que esses fenôme<strong>no</strong>s aconteciam paralelamente e<br />

concomitantemente, e por isso tinham o des<strong>do</strong>bramento das ações<br />

repercutin<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> espaço. Sen<strong>do</strong> assim, o perío<strong>do</strong> da guerra fria<br />

representou muito mais <strong>do</strong> que a corrida armamentista entre os EUA e a<br />

URSS, ou as ameaças atômicas, ou a corrida espacial.<br />

64


O pós-guerra é marca<strong>do</strong> também pela disputa das empresas<br />

transnacionais pelos merca<strong>do</strong>s globais, pelo surgimento e estruturação das<br />

redes de tráfico, bem como as diversas organizações estatais de caráter<br />

cooperativo e o surgimento de blocos econômicos. Enfim o homem<br />

percebia em meio ao antagonismo da guerra fria que assim como na teoria<br />

<strong>do</strong>s jogos ou como as instruções de Sun Tzu, é mais vantajoso iniciar<br />

cooperações <strong>do</strong> que abrir diversas frentes de batalha. (RIBEIRO, 2009,<br />

p.8)<br />

Se percorrermos os fatores que envolvem to<strong>do</strong>s os aspectos da chamada<br />

psicosfera da disseminação e fortalecimento <strong>do</strong> processo de mundialização, temos<br />

então a revolução das tec<strong>no</strong>logias principalmente como uma consequência da<br />

segunda guerra mundial, o que representa um grande avanço da tec<strong>no</strong>sfera.<br />

Figura 16. Mapa mundi – WAR III – O Maracatu Atômico<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

65


Atrela<strong>do</strong> a isso se tem os outros <strong>do</strong>is aspectos aponta<strong>do</strong>s por Harvey que são<br />

a revolução da informação e a circulação de merca<strong>do</strong>rias e pessoas. Essa revolução<br />

da informação, consequência também da difusão tec<strong>no</strong>lógica, permitiu que a classe<br />

<strong>do</strong>minante fizesse circular os projetos e ideais capitalistas que são alicerça<strong>do</strong>s <strong>no</strong><br />

tripé da imagem, consumo e competição.<br />

Ainda é possível acrescentar que muitos <strong>do</strong>s estratagemas geopolíticos <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> da 2ª guerra inspiraram as ações das empresas internacionais que<br />

buscan<strong>do</strong> firmar seus “impérios” econômicos, assumiram uma postura de guerra<br />

ferrenha umas com as outras, competin<strong>do</strong> pelo espaço, pelos consumi<strong>do</strong>res e acima<br />

de tu<strong>do</strong>, produzin<strong>do</strong> o espaço e os consumi<strong>do</strong>res.<br />

O mun<strong>do</strong> da guerra fria caminhou justamente nessas perspectivas da<br />

inteligência e contra-inteligência, atacar a tática <strong>do</strong> inimigo, e para isso é<br />

necessário a informação. Daí o porquê da evolução tec<strong>no</strong>lógica <strong>no</strong>s meios<br />

de comunicação com a proliferação de satélites e expansão das redes<br />

informacionais. (RIBEIRO, 2009, p.5)<br />

Em meio às estratégias trabalhadas e <strong>do</strong> ápice da ideologia capitalista, tem-<br />

se os três elementos que acompanharão a lógica <strong>do</strong> produto. Ainda é importante<br />

fazer uma ponte com o perío<strong>do</strong> anterior ao da 2ª guerra, relativo à revolução<br />

industrial, cuja base permitiu a difusão das tec<strong>no</strong>logias e a ampliação da<br />

possibilidade de consumo, consequência da produção em série e <strong>do</strong> acesso ao<br />

crédito pela classe trabalha<strong>do</strong>ra.<br />

À medida que os aparelhos de rádio a pilha e posteriormente os televisores<br />

vão se enraizan<strong>do</strong> nas famílias, a possibilidade de manipular as mesmas -<br />

através da informação - aumenta, e com isso amplia-se a <strong>do</strong>minação<br />

ideológica e o cultivo da imagem. (RIBEIRO, 2007, p.21)<br />

Santos (2003, p.35) afirma que a “Tirania <strong>do</strong> dinheiro e tirania da informação<br />

são os pilares da produção da história atual <strong>do</strong> capitalismo globaliza<strong>do</strong>”, o que <strong>no</strong>s<br />

leva a duas relações. A primeira é que há um <strong>do</strong>mínio exerci<strong>do</strong> pelo fator de ter. O<br />

segun<strong>do</strong> é que esse fator de ter está combina<strong>do</strong> com o conhecer.<br />

Como a sociedade é induzida a consumir, muitas vezes <strong>no</strong> processo de<br />

consumo desenfrea<strong>do</strong> há um aban<strong>do</strong><strong>no</strong> da atitude reflexiva, para simplesmente<br />

seguir coman<strong>do</strong>s. O coman<strong>do</strong> por sua vez é o de consumir visan<strong>do</strong> ostentar a<br />

imagem e satisfazer às necessidades que muitas vezes podem ser questionadas se<br />

são realmente necessárias. Para manter o status da imagem é necessário ter capital<br />

para consumir o produto que permitirá que se ostente a imagem.<br />

66


Nesse circulo vicioso o papel da mídia como <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> consumismo é<br />

fundamental e assim deixa-se de estabelecer uma relação consciente <strong>do</strong> que é<br />

necessário, para se criar um exército aliena<strong>do</strong> em busca de saciar a necessidade de<br />

comprar, mesmo que o produto compra<strong>do</strong> não tenha um real senti<strong>do</strong> para a vida <strong>do</strong><br />

indivíduo.<br />

O consumismo se amplia <strong>no</strong> decorrer <strong>do</strong> tempo estabelecen<strong>do</strong> relações mais<br />

graves, passan<strong>do</strong> <strong>do</strong> ato da compra de objetos para se projetar o lucro sobre o lucro.<br />

Dessa forma, além <strong>do</strong> valor agrega<strong>do</strong> e virtual que o capital estabelece sobre si<br />

mesmo, há uma substituição de valores culturais, religiosos, educacionais e<br />

familiares pelos valores financeiros.<br />

[...] tu<strong>do</strong> se torna valor de troca. A monetarização da vida cotidiana ganhou,<br />

<strong>no</strong> mun<strong>do</strong> inteiro, um e<strong>no</strong>rme terre<strong>no</strong> <strong>no</strong>s últimos 25 a<strong>no</strong>s. Essa presença<br />

<strong>do</strong> dinheiro em toda parte acaba por constituir um da<strong>do</strong> ameaça<strong>do</strong>r da<br />

<strong>no</strong>ssa existência cotidiana. (SANTOS, 2003, p.44)<br />

Dessa forma a era da imagem e a sociedade <strong>do</strong> consumo são aspectos<br />

fundamentais para a estruturação <strong>do</strong> sistema capitalista em sua fase atual, como<br />

afirma Santos (2003 p.38), “Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu<br />

caráter perverso atual, encontram-se a forma como a informação é oferecida à<br />

humanidade e a emergência <strong>do</strong> dinheiro em esta<strong>do</strong> puro como motor da vida<br />

econômica e social.”<br />

Assistiu-se também uma ampliação das forças competitivas. Se em um<br />

perío<strong>do</strong> inicial as bases capitalistas impulsionavam a competição entre as nações,<br />

na atual fase da história a competição assume uma face mais avassala<strong>do</strong>ra<br />

invadin<strong>do</strong> as me<strong>no</strong>res instanciais sociais, “acaban<strong>do</strong> com a solidariedade e<br />

infiltran<strong>do</strong> cada vez mais a destruição <strong>do</strong>s valores de ética e moral, constituin<strong>do</strong> uma<br />

sociedade mais egoísta.” (RIBEIRO, 2008, p.22)<br />

Após o caminho que visou à análise das questões mundiais que envolvem a<br />

globalização, é necessário voltar a atenção para a escala das cidades, pois, as<br />

mesmas ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> incorporadas à lógica de produção capitalista, deixam de ser o<br />

espaço <strong>do</strong> cidadão para tornar-se mais um espaço a ser consumi<strong>do</strong>.<br />

A especulação imobiliária surge então como um des<strong>do</strong>bramento <strong>do</strong><br />

consumismo, afinal de contas, para que haja o consumo <strong>do</strong> espaço é necessário<br />

trabalhar a imagem <strong>do</strong> mesmo para que esse se valorize. Nessa produção <strong>do</strong><br />

espaço com pretensões econômicas há a disputa pelo mesmo por diversos atores.<br />

67


A perversidade dessa relação se dará em <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s. O primeiro diz<br />

respeito ao desrespeito à vida de uma forma geral. Quanto maior o lucro, maior será<br />

o interesse <strong>do</strong> capital, não interessan<strong>do</strong> aos agentes detentores <strong>do</strong> mesmo que tipos<br />

de impacto podem ser ocasiona<strong>do</strong>s <strong>no</strong> ambiente em que ele interfere.<br />

A globalização envolve, por exemplo, um alto nível de autodestruição, de<br />

desvalorização e de falência em diferentes escalas e distintos lugares. Ela<br />

torna populações inteiras seletivamente vulneráveis à violência da redução<br />

de níveis funcionais, ao desemprego, ao colapso <strong>do</strong>s serviços, à<br />

degradação <strong>do</strong>s padrões de vida e à perda de recursos e qualidades<br />

ambientais. Ela põe em risco instituições políticas e legais existentes, bem<br />

como inteiras configurações culturais e mo<strong>do</strong>s de vida, e o faz numa<br />

variedade de escalas espaciais. A globalização faz tu<strong>do</strong> isso ao mesmo<br />

tempo que concentra riqueza e poder e promove oportunidades políticoeconômicas<br />

numas poucas localidades seletivamente escolhidas e <strong>no</strong><br />

âmbito de uns poucos estratos restritos da população. (HARVEY, 2000,<br />

p.115)<br />

O segun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> é mais cruel, pelo fato da produção <strong>do</strong>s efeitos<br />

supracita<strong>do</strong>s serem causa<strong>do</strong>s por algo que em teoria não é necessário. Com isso,<br />

as necessidades são inventadas para que mais consumo seja realiza<strong>do</strong>. Com mais<br />

consumo acontecen<strong>do</strong> mais impactos degradantes acontecerão. Tu<strong>do</strong> isso<br />

subsidia<strong>do</strong> pela mídia que é o grande instrumento de <strong>do</strong>utrinação das massas<br />

consumi<strong>do</strong>ras.<br />

Junto com essa inversão de valores, há uma transformação também na lógica<br />

<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, o que significa que antes se produzia o produto para assim convencer o<br />

público da sua eficiência. “Atualmente, as empresas hegemônicas produzem o<br />

consumi<strong>do</strong>r antes mesmo de produzir os produtos” (SANTOS, 2003, p.47)<br />

Essa lógica empresarial <strong>do</strong> sistema capitalista incorpora também a produção<br />

<strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong>, que passa a ser pensa<strong>do</strong> de forma estratégica <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de<br />

reproduzir uma ação de consumo de lugares seleciona<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com as suas<br />

características peculiares. Os espaços com apelo natural, bem como, forte teor<br />

cultural, são os principais alvos dessas medidas estratégicas. É <strong>no</strong>s apelos culturais<br />

que a <strong>Gentrification</strong> tem suas bases de repercussão.<br />

3.3 A cidade produto<br />

A cidade produto, deriva da concepção estratégica de conceber e planejar o<br />

espaço urba<strong>no</strong>. Dentro <strong>do</strong> tripé capitalista da imagem, <strong>do</strong> consumo e da competição,<br />

os espaços que antes pertenciam ao cidadão, se incorporam à lógica financeira<br />

68


agregan<strong>do</strong> valor à eco<strong>no</strong>mia. “Os projetos imobiliários se tornam a peça central da<br />

eco<strong>no</strong>mia produtiva da cidade” (SMITH, 1996, p.79)<br />

A produção <strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong> pelos agentes econômicos <strong>no</strong> mo<strong>do</strong> de<br />

produção capitalista tem si<strong>do</strong> baseada <strong>no</strong>s moldes da contradição. Os espaços<br />

comuns são negligencia<strong>do</strong>s para se partir em busca <strong>do</strong> diferente. Ao modelar os<br />

espaços distintos, esses são homogeneiza<strong>do</strong>s e, portanto perdem parte <strong>do</strong> seu<br />

valor.<br />

Há abundantes sinais da existência de to<strong>do</strong> gênero de contra movimentos<br />

que variam da propaganda da diversidade cultural como merca<strong>do</strong>ria a<br />

intensas reações culturais à influência homogeneiza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s<br />

globais e estridentes afirmações da vontade de ser diferente ou especial.<br />

(HARVEY, 2000, p.97)<br />

Durante décadas as distintas correntes científicas e políticas desenvolveram<br />

modelos de planejamento que privilegiavam o econômico. Acreditava-se que com o<br />

crescimento da eco<strong>no</strong>mia, ocorreria o desenvolvimento das sociedades. Os muitos<br />

pla<strong>no</strong>s e modelos elabora<strong>do</strong>s tiveram respostas pontuais, mas, costumavam<br />

fracassar <strong>no</strong> momento em que eram generaliza<strong>do</strong>s.<br />

No perío<strong>do</strong> da guerra fria, ocorreram crises mundiais, relativas à questão <strong>do</strong><br />

petróleo, <strong>do</strong>s acidentes nucleares, bem como as questões climáticas e da<br />

biodiversidade. Evidenciou-se que somente uma visão eco<strong>no</strong>micista era insuficiente<br />

para um verdadeiro desenvolvimento sócio espacial. Ao mesmo tempo, com a maior<br />

difusão de informações pelo mun<strong>do</strong> das problemáticas sociais e das condições<br />

desumanas a que muitas sociedades estavam submetidas, ampliaram-se os debates<br />

relaciona<strong>do</strong>s com as questões humanitárias.<br />

É a partir dessas crises que surge o modelo <strong>do</strong> “desenvolvimento sustentável”<br />

basea<strong>do</strong> <strong>no</strong> equilíbrio entre eco<strong>no</strong>mia, sociedade e meio ambiente, além da<br />

solidariedade com as gerações futuras. A grande questão que permeia esse ideal é:<br />

como promover o tal “desenvolvimento sustentável” em uma sociedade que tem<br />

como base o consumo desenfrea<strong>do</strong> <strong>do</strong>s recursos, <strong>do</strong> trabalho e <strong>do</strong> espaço?<br />

Por outro la<strong>do</strong>, essa questão que está relacionada com uma escala<br />

planetária, não impede que medidas pontuais sejam tomadas para a melhoria <strong>do</strong>s<br />

arranjos produtivos locais. O fato que precisa ser realça<strong>do</strong> é que, essas ações de<br />

“conta gota” não são suficientes para “salvar o planeta”, e as ameaças continuarão<br />

69


existin<strong>do</strong>, enquanto os grandes agentes econômicos, apoia<strong>do</strong>s, pelas maiores<br />

potencias estatais, continuarem a explorar os recursos huma<strong>no</strong>s e ambientais <strong>do</strong><br />

planeta de maneira inescrupulosa.<br />

O des<strong>do</strong>bramento dessa questão global se dá diretamente <strong>no</strong> espaço urba<strong>no</strong>.<br />

Dois aspectos são valoriza<strong>do</strong>s como atrativos na especulação imobiliária. O contato<br />

com a área verde e ou o contato com o cultural. Todavia, as estratégias de<br />

marketing urba<strong>no</strong> buscam atender às diferentes necessidades das camadas sociais.<br />

“(...) i<strong>do</strong>sos podem querer calma e grande número de serviços médicos, religiosos<br />

podem preferir grande concentração de lugares de retiro e prece, jovens podem<br />

estar buscan<strong>do</strong> certos tipos de entretenimento e lazer” (VAINER, 2002, p.79)<br />

Há também os empreendimentos que visam o isolamento das classes<br />

médias, e alta <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong>. O foco <strong>do</strong> marketing nesses casos é feito<br />

<strong>no</strong> contato com as áreas verdes, mas também <strong>no</strong> oferecimento de serviços e<br />

equipamentos <strong>no</strong> próprio con<strong>do</strong>mínio. Caldeira (2003) chama a esses<br />

empreendimentos de enclaves fortifica<strong>do</strong>s:<br />

Os con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s são a versão residencial de uma categoria mais<br />

ampla de <strong>no</strong>vos empreendimentos urba<strong>no</strong>s que chamo de enclaves<br />

fortifica<strong>do</strong>s<br />

Os enclaves fortifica<strong>do</strong>s incluem conjuntos de escritórios, shopping centers,<br />

e cada vez mais outros espaços (...) como escolas, hospitais, cen tros de<br />

lazer e parques temáticos. (CALDEIRA, 2003, p.258)<br />

No caso da área verde e da cultura, o fator que é o motivo de atração, é o<br />

mesmo que se extingue com a chegada <strong>do</strong>s empreendimentos imobiliários. Por<br />

exemplo, os con<strong>do</strong>mínios que tem seu marketing feito com as áreas verdes. As<br />

árvores, matas, florestas, vão se reduzin<strong>do</strong>, cada vez mais, na medida em que<br />

<strong>no</strong>vos empreendimentos chegam ao lugar e, em alguns casos, até mesmo com a<br />

ampliação <strong>do</strong> empreendimento que termina reduzin<strong>do</strong> a “área verde” em focos de<br />

vegetação. Henrique (2009) em seu livro O direito à natureza, trata sobre as às<br />

estratégias imobiliárias pautadas na natureza <strong>no</strong> espaço soteropolita<strong>no</strong><br />

Com relação aos “espaços culturais”, é fato que a cultura é uma dimensão<br />

humana, portanto inerente à população. Esses lugares ao serem apropria<strong>do</strong>s pelos<br />

agentes econômicos sofrem transformações muito mais <strong>do</strong> que estruturais. O<br />

produto “lugar” é prepara<strong>do</strong> para um público consumi<strong>do</strong>r específico, via de regra,<br />

abasta<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> assim, na maioria <strong>do</strong>s casos, há uma substituição da população<br />

que dá vida e compõe o cotidia<strong>no</strong> desses lugares. Isso implica em uma consequente<br />

70


perda <strong>do</strong>s aspectos culturais visto que o lugar deixa de ser original para se tornar<br />

artificial.<br />

Assim a cidade produto é construída primeiramente na imagem <strong>do</strong> marketing<br />

feito para atrair os consumi<strong>do</strong>res. Em seguida pela competição entre os lugares em<br />

todas as escalas <strong>no</strong> intuito de buscar investimentos e consumi<strong>do</strong>res. Por fim, o<br />

consumo <strong>do</strong>s lugares se dá, seja pela exaustão <strong>do</strong>s recursos para produção <strong>do</strong>s<br />

ambientes a serem consumi<strong>do</strong>s, seja pela ação direta <strong>do</strong>s que buscam os atrativos<br />

ofereci<strong>do</strong>s pelo produto cidade.<br />

Em uma escala regional e mundial, as cidades competem entre si buscan<strong>do</strong><br />

atrair os investimentos e aqueles que consumirão o espaço urba<strong>no</strong>. De acor<strong>do</strong> com<br />

Vainer, os principais aspectos da competitividade urbana estão volta<strong>do</strong>s para:<br />

Competir pelo investimento de capital, tec<strong>no</strong>logia e competência<br />

gerencial;<br />

Competir na atração de <strong>no</strong>vas indústrias e negócios;<br />

Ser competitivas <strong>no</strong> preço e na qualidade <strong>do</strong>s serviços;<br />

Competir na atração de força de trabalho adequadamente qualificada.<br />

(VAINER, 2002, p.76)<br />

No caso <strong>do</strong> processo de <strong>Gentrification</strong>, a imagem vendida <strong>do</strong> “produto” cidade<br />

está atrelada a uma dimensão cultural. Esse aspecto não impede que fatores<br />

ambientais também sejam adiciona<strong>do</strong>s <strong>no</strong> pacote da especulação. Um exemplo é o<br />

<strong>do</strong> Bairro <strong>do</strong> Carmo <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, onde as edificações com<br />

vista para o mar (Baía de to<strong>do</strong>s os Santos) têm um maior valor agrega<strong>do</strong>. Todavia é<br />

a cultura quem <strong>no</strong>rteará as ações estratégicas <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> processo em questão.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, faz-se necessário um aprofundamento nas diretrizes que envolvem o<br />

produto cultural.<br />

3.4 O produto cultural<br />

Algumas questões precisam ser trabalhadas para que se possa alcançar um<br />

maior entendimento da dimensão cultural e da importância que ela assume para e<br />

frente à globalização. Da mesma forma, pelo fato <strong>do</strong> processo de gentrification se<br />

utilizar <strong>do</strong>s aspectos culturais como base ideológica propulsora, faz-se necessário o<br />

conhecimento desses aspectos para sua melhor compreensão.<br />

71


O primeiro ponto diz respeito à proliferação das tec<strong>no</strong>logias da informação,<br />

que passam a servir como instrumento de difusão e massificação das ideologias<br />

<strong>do</strong>minantes. Ao mesmo tempo esses meios também servem como educativos – para<br />

não dizer <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res – das ideias que são importantes de serem transmitidas às<br />

populações de mo<strong>do</strong> geral.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong> que a televisão popular faz as massas acreditarem que as<br />

vidas das pessoas ricas e célebres representam a <strong>no</strong>rma social à qual to<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> pode aspirar, a gentrificação produz agora uma paisagem urbana<br />

que veicula as mesmas aspirações. Nessa paisagem aparentemente<br />

democrática, a extraordinária desigualdade <strong>do</strong> consumo exprime o poder<br />

re<strong>do</strong>bra<strong>do</strong> das classes que fizeram a linguagem da “gentrificação” chegar<br />

ao primeiro pla<strong>no</strong>. (SMITH, 2006, p.73)<br />

Esse ideal é então dissemina<strong>do</strong> para que haja uma comoção social em apoio<br />

<strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s projetos de revitalização. O uso de o termo é questionável, todavia é<br />

essa a ideia que povoa a mente das diversas camadas sociais, ou seja, a de que é<br />

importante promover uma revitalização <strong>do</strong>s centros históricos. Isso pode ser<br />

detecta<strong>do</strong> seja entre os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s bairros em processo de degradação, ou<br />

entre os visitantes <strong>do</strong> lugar, e até mesmo com os mora<strong>do</strong>res da cidade que mal<br />

conhecem os espaços degrada<strong>do</strong>s. Há uma unidade na conceituação de que é<br />

importante uma intervenção para promover a mudança da situação desses lugares.<br />

O que não é perceptível nessa falsa unidade <strong>do</strong> discurso são as distintas<br />

intenções <strong>do</strong>s que visam à intervenção <strong>do</strong>s centros e periferias históricas. Os<br />

mora<strong>do</strong>res dessas localidades clamam pelos investimentos na expectativa de que<br />

com os mesmos, haja uma melhoria na qualidade de vida <strong>do</strong> lugar. O que eles não<br />

imaginam é que na maior parte <strong>do</strong>s casos, essas intervenções proporcionarão a<br />

“expulsão” destes de suas residências. Expulsão essa que se dá seja pela<br />

especulação imobiliária, pela alta <strong>do</strong> aluguel ou simplesmente pelo assedio <strong>do</strong>s<br />

promotores imobiliários. No último caso, por sua vez, não seria coerente o uso <strong>do</strong><br />

termo expulsão.<br />

A população mais externa a essas localidades costuma enxergá-las como<br />

focos de criminalidade, prostituição ou simplesmente como lugares desinteressantes<br />

de serem frequenta<strong>do</strong>s. Por isso tende a apoiar as ações “revitaliza<strong>do</strong>ras”, mesmo<br />

que na maioria das vezes o apoio seja da<strong>do</strong> sem maior conhecimento <strong>do</strong> que as<br />

mesmas possam significar.<br />

72


O Esta<strong>do</strong> por sua vez pode ter uma postura de apoio aos agentes<br />

econômicos e promotores imobiliários, preparan<strong>do</strong> em muitos casos o terre<strong>no</strong> para<br />

que esses agentes possam intervir com segurança. Todavia existem casos onde o<br />

Esta<strong>do</strong> cria mecanismos na tentativa de evitar que a especulação avassala<strong>do</strong>ra<br />

promova a substituição populacional.<br />

Independente da postura frente ao processo de gentrification, quan<strong>do</strong> o<br />

Esta<strong>do</strong> intervém nesses tipos de espaços através de investimentos em<br />

equipamentos para a promoção <strong>do</strong> “desenvolvimento local” os mesmos não<br />

costumam surtir os efeitos idealiza<strong>do</strong>s. Nesses casos há necessidade de <strong>no</strong>vas<br />

intervenções, sempre a espera <strong>do</strong> público consumi<strong>do</strong>r.<br />

Para tornar compensa<strong>do</strong>ra cada leva de investimentos públicos, faz-se<br />

necessária mais uma leva. A parceria entre o poder público e a iniciativa<br />

privada significa que o poder público entra com os riscos e a iniciativa<br />

privada fica com os lucros. Os cidadãos ficam à espera de benefícios que<br />

nunca chegam. (HARVEY, 2000, p.190)<br />

No caso <strong>do</strong>s espaços da gentrification, os investimentos feitos pelo Esta<strong>do</strong><br />

visam promover a valorização <strong>do</strong> patrimônio, com a criação de <strong>no</strong>vas estruturas que<br />

tem por meta subsidiar o turismo. Ainda buscam efetivar o ordenamento social com<br />

medidas que vão desde o cuida<strong>do</strong> da segurança até a promoção <strong>do</strong>s “shows<br />

culturais”.<br />

No caso de Salva<strong>do</strong>r, em específico a Igreja Católica e as ordens religiosas,<br />

parecem estar em um posicionamento passivo diante dessas questões.<br />

Primeiramente pelo fato de que esses investimentos <strong>no</strong> patrimônio cultural afetam<br />

positivamente a Igreja, uma vez que a mesma é detentora de grande parte desses<br />

equipamentos. Um segun<strong>do</strong> motivo é que há uma combinação de desconhecimento<br />

da mesma para com os impactos sociais que o processo pode ocasionar o que por<br />

consequência implica em sua desarticulação frente ao fenôme<strong>no</strong>.<br />

Focan<strong>do</strong> ainda mais <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, há o grupo <strong>do</strong>s<br />

excluí<strong>do</strong>s, que configuram a grande questão a ser pensada. Esse grupo é composto<br />

por pessoas que habitam as encostas ou cortiços dentro e nas bordas da poligonal<br />

estudada. Muitos problemas estão associa<strong>do</strong>s à parte deles, como a questão <strong>do</strong><br />

tráfico de drogas, ou <strong>no</strong> caso das invasões, o fato de estarem em área de risco e<br />

desarmônicos com o conjunto urbanístico. Por último, <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s cortiços, estes<br />

73


epresentam uma ameaça à conservação deste Patrimônio que tanto é realça<strong>do</strong> nas<br />

chamadas ações de revitalização.<br />

Algumas considerações ainda precisam ser feitas. Também os mora<strong>do</strong>res de<br />

classe média e média alta, promovem alterações que comprometem o conjunto<br />

urbanístico da área, seja com a construção de garagens ou com a adição de<br />

azulejos na fachada. Esses mora<strong>do</strong>res cometem verdadeiros crimes – alguns<br />

conscientes outros não.<br />

Chega-se a um <strong>do</strong>s pontos principais a ser pensa<strong>do</strong> nesse trabalho. Diante<br />

das relações entre os diferentes agentes que modelam o espaço <strong>no</strong> <strong>Parque</strong><br />

<strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> quais aspectos são valoriza<strong>do</strong>s para a conservação <strong>do</strong><br />

Patrimônio dessa área? Antes mesmo de responder essa questão, é importante uma<br />

explanação sobre o conceito de Patrimônio.<br />

3.5 Patrimônio e Turismo, <strong>Gentrification</strong> e Globalização<br />

Nos tempos atuais, a palavra patrimônio tem si<strong>do</strong> utilizada constantemente e<br />

isso ocorre principalmente quan<strong>do</strong> as matrizes da cultura são abordadas. O<br />

processo de gentrification tem sua fundamentação na conservação <strong>do</strong>s patrimônios<br />

estruturais. Essas ações costumam ser justificadas pelo argumento de que trazem<br />

dinamismo aos chama<strong>do</strong>s “espaços culturais”. Por outro la<strong>do</strong> o meio ambiente<br />

também não deixa de ser incorpora<strong>do</strong> <strong>no</strong>s aspectos culturais e <strong>no</strong>s casos de regiões<br />

com valor ambiental de destaque, essas áreas também são consideradas como<br />

patrimônios.<br />

Paul Claval <strong>no</strong> livro Matrizes da Geografia Cultural organiza<strong>do</strong> por Corrêa e<br />

Rosendhal em 2001, explica que o meio ambiente até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX era<br />

considera<strong>do</strong> como parte dissociada da sociedade, sen<strong>do</strong> os espaços naturais,<br />

províncias a serem conquistadas, exploradas. O autor ao falar sobre o conceito de<br />

cultura aponta que o mesmo difere de acor<strong>do</strong> com a base filosófica, como <strong>no</strong> caso<br />

da europeia e japonesa.<br />

Tetsuro Wastsuji, um discípulo japonês de Heidegger que desenvolveu uma<br />

interpretação original de seu pensamento. A natureza não está situada <strong>no</strong><br />

exterior da realidade social, mas faz parte dela, <strong>do</strong>nde a necessidade de<br />

analisar as relações homens/meio ambiente em termos de trajection, isto é,<br />

de apreensão sintética das vertentes objetivas e subjetivas dessas relações.<br />

(CLAVAL, 2001, p.56)<br />

74


No que diz respeito à compreensão sobre o patrimônio, Castriota (2009),<br />

contrapõe a concepção eurocêntrica da japonesa. Segun<strong>do</strong> o autor, a primeira é<br />

baseada na <strong>no</strong>ção de monumentalidade e autenticidade, já a segunda seria uma<br />

ideia alternativa, porém complementar, uma vez que trata sobre o patrimônio<br />

intangível.<br />

Enraiza<strong>do</strong> na compreensão oriental – principalmente japonesa – <strong>do</strong><br />

patrimônio cultural, o conceito <strong>do</strong> patrimônio intangível emergiu a nível<br />

internacional <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1990, dentro da UNESCO, como um conceito<br />

alternativo e complementar à compreensão eurocêntrica <strong>do</strong> patrimônio<br />

cultural, <strong>do</strong>minada até então pelas idéias de monumentalidade e<br />

autenticidade. (CASTRIOTA, 2009, p.13)<br />

O autor explica que essa ideia é tomada como a base conceitual em diversos<br />

países que relativizam a ênfase <strong>no</strong>s aspectos técnicos e estéticos <strong>do</strong>s artefatos.<br />

Com isso, além <strong>do</strong>s objetos e estruturas materiais são valorizadas as dimensões<br />

culturais que sobrevivem com o passar <strong>do</strong> tempo.<br />

Assim, de um discurso patrimonial basea<strong>do</strong> na idéia consolidada <strong>do</strong><br />

“monumento histórico e artístico”, que se referia aos grandes monumentos<br />

<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, passou-se em <strong>no</strong>ssa era para uma concepção <strong>do</strong> patrimônio<br />

entendi<strong>do</strong> como o conjunto <strong>do</strong>s “bens culturais”, referente às diversas<br />

identidades coletivas. (Art. 216) (CASTRIOTA, 2009, p.12)<br />

A partir dessa concepção, é possível transpor tais conceitos apresenta<strong>do</strong>s<br />

para a realidade <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, isso levará a uma serie de<br />

constatações. A primeira é que o patrimônio existente nessa área é muito maior <strong>do</strong><br />

que o das construções. Entende-se então que este patrimônio será composto pelo o<br />

que há de material, mas, também de imaterial e que tenha sobrevivi<strong>do</strong> às gerações.<br />

Assim, compõem o patrimônio <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, as diversas<br />

manifestações culturais, estan<strong>do</strong> entre elas:<br />

Os grupos de capoeira<br />

A história <strong>do</strong>s blocos carnavalescos e os blocos que ainda existem<br />

nesse espaço<br />

As tradições religiosas promovidas pela Igreja<br />

A musicalidade<br />

A culinária<br />

As histórias, lendas e estórias que permeiam as mentes da população<br />

Os costumes e peculiaridades locais<br />

75


É importante realçar que to<strong>do</strong>s os aspectos menciona<strong>do</strong>s, dizem respeito a<br />

atividades ou características relativas à população. Em uma cidade que se diz<br />

turística, como promover a preservação destes patrimônios diante da crescente<br />

substituição populacional da tradicional área que é o foco desse estu<strong>do</strong>? Essa<br />

população é justamente a vida <strong>do</strong> lugar, sua substituição pode configurar uma<br />

possível morte das características culturais que deixarão de pulsar como atividades<br />

existentes para compor o campo da memória.<br />

O patrimônio não constitui apenas a herança cultural <strong>do</strong>s povos, as<br />

expressões “mortas” de sua cultura, tais como os sítios arqueológicos, a<br />

arquitetura colonial, os objetos antigo e em desuso, mas, também tu<strong>do</strong> o<br />

que é cultura visível e invisível, material e imaterial, como a língua, o<br />

artesanato, a <strong>do</strong>cumentação, os conhecimentos a comunicação e tu<strong>do</strong> o<br />

que é deriva<strong>do</strong> da indústria cultural. (CORIOLANO; SILVA, 2005, p. 119)<br />

Se recorrermos às questões jurídicas, constataremos que na própria<br />

Constituição, essa concepção sobre patrimônio abrange o imaterial uma vez que<br />

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,<br />

toma<strong>do</strong>s individualmente ou em conjunto, porta<strong>do</strong>res de referência à identidade, à<br />

ação, à memória <strong>do</strong>s diferentes grupos forma<strong>do</strong>res da sociedade brasileira”<br />

(BRASIL, 1988, art.216). O mesmo artigo ainda entende esses bens como sen<strong>do</strong>:<br />

I - as formas de expressão;<br />

II - os mo<strong>do</strong>s de criar, fazer e viver;<br />

III - as criações científicas, artísticas e tec<strong>no</strong>lógicas;<br />

IV - as obras, objetos, <strong>do</strong>cumentos, edificações e demais espaços<br />

destina<strong>do</strong>s às manifestações artístico-culturais;<br />

V - os conjuntos urba<strong>no</strong>s e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,<br />

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. ( BRASIL, 1988,<br />

art.216)<br />

É interessante realçar que ainda nesse artigo é atribuída à população, junto<br />

com o Esta<strong>do</strong>, a preservação <strong>do</strong>s aspectos culturais ao mesmo tempo em que cabe<br />

ao Esta<strong>do</strong> a preservação <strong>do</strong> patrimônio bem como a punição <strong>no</strong>s casos em que<br />

esse patrimônio, material e imaterial, se encontrar ameaça<strong>do</strong> ou danifica<strong>do</strong>. Isso<br />

leva a constatação de que os redatores desse texto não só compreendem o<br />

patrimônio a partir da concepção já explanada a respeito da imaterialidade, como<br />

também entendem que não é possível preservá-lo sem a manutenção e colaboração<br />

das comunidades que perpetuam as tradições.<br />

Ao abordar sobre as questões que envolvem a temática <strong>do</strong> patrimônio,<br />

Castriota (2009), inicia o debate comentan<strong>do</strong> a importância que o mesmo adquiriu<br />

76


<strong>no</strong>s tempos atuais. Em seu livro ele faz uma abordagem que vai desde o<br />

entendimento sobre o tempo e o conceito de tradição e modernidade, passan<strong>do</strong><br />

pelas políticas que tratam <strong>do</strong> assunto até os instrumentos que envolvem a temática.<br />

Mais um aspecto importante, levanta<strong>do</strong> pelo autor diz respeito à subjetividade<br />

para a definição de critérios <strong>do</strong> que venha a ser um patrimônio ou não. Mesmo<br />

dentro de uma mesma lógica alguns <strong>no</strong>mes são realça<strong>do</strong>s, alguns episódios são<br />

lembra<strong>do</strong>s, mas, nunca to<strong>do</strong>s, pois “(...) para se criar uma memória, privilegiam-se<br />

certos aspectos em detrimento de outros, iluminam-se certos aspectos da história,<br />

enquanto outros permanecem na obscuridade. (CASTRIOTA, 2009, p.15)”<br />

Um exemplo a ser da<strong>do</strong> diz respeito ao carnaval de Salva<strong>do</strong>r. Talvez uma<br />

parcela pouco representativa da população saiba que importantes acontecimentos<br />

que ocorreram <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, contribuíram – em alguns<br />

aspectos até mais <strong>do</strong> que a fubica elétrica – para a atual configuração da festa na<br />

cidade.<br />

Primeiramente porque <strong>no</strong>s bairros dessa área, surgiram os primeiros blocos<br />

forma<strong>do</strong>s por rapazes da classe média soteropolitana, de acor<strong>do</strong> com informações<br />

obtidas em entrevista com o Sr. Hamilton Ribeiro, um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bloco Os<br />

Fantasmas. Outros blocos existiram anteriormente, como será demonstra<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

capítulo cinco (5), contu<strong>do</strong>, o diferencial a partir <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong>s Fantasmas que<br />

origi<strong>no</strong>u outros <strong>do</strong>is blocos: os Internacionais e os Corujas, esteve na participação<br />

com blocos <strong>no</strong> Carnaval de Rua em Salva<strong>do</strong>r de uma classe média “branca”, o que<br />

reconfigurou a festa na cidade, como será aponta<strong>do</strong> mais adiante.<br />

Com a morte <strong>do</strong> pai <strong>do</strong>s irmãos Ribeiro (Sr. Hamilton e Sr. Harol<strong>do</strong>) que<br />

fundaram o bloco carnavalesco <strong>do</strong>s Fantasmas, os mesmos não quiseram brincar o<br />

carnaval naquele a<strong>no</strong> de 1961. Um grupo de amigos foi solidário, enquanto que<br />

outro grupo resolveu sair, crian<strong>do</strong> outro bloco: os Internacionais. Dois a<strong>no</strong>s depois o<br />

grupo solidário à família Ribeiro, fun<strong>do</strong>u junto com os <strong>do</strong>is irmãos Ribeiro o bloco os<br />

Corujas. A ordem de saída <strong>no</strong> circuito oficial ainda segue a data de fundação, sen<strong>do</strong><br />

os Internacionais o primeiro bloco (1961), segui<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Corujas (1963). A lógica na<br />

época era simplesmente a de brincar. Com a globalização e o sucesso <strong>do</strong> Trio<br />

Elétrico, o Carnaval deixou de ser uma diversão entre amigos para se tornar um<br />

grande merca<strong>do</strong> cujo ti<strong>no</strong> empresarial é importante para a sobrevivência na<br />

concorrência entre as empresas carnavalescas.<br />

77


Sen<strong>do</strong> assim, muitas foram às modificações <strong>no</strong> carnaval e a grande maioria<br />

<strong>do</strong>s blocos antigos não conseguiram acompanhar essas transformações. Os poucos<br />

blocos que duram até hoje, foram compra<strong>do</strong>s pelas grandes empresas <strong>do</strong> carnaval e<br />

não conservam mais as tradições – com exceção <strong>do</strong>s “Filhos de Gandhy”, que<br />

também sofrem com a descaracterização apesar da luta <strong>do</strong>s associa<strong>do</strong>s em manter<br />

suas tradições. O próprio circuito tradicional está ameaça<strong>do</strong> com a crescente<br />

migração <strong>do</strong>s blocos para o circuito da Barra Ondina, mais visa<strong>do</strong> comercialmente.<br />

Ainda que <strong>no</strong> processo de eleição <strong>do</strong>s patrimônios culturais, parte da história<br />

seja esquecida em favorecimento de episódios, existem questões especificas a<br />

serem observadas como fundamentais para a definição <strong>do</strong> que seria relevante. Um<br />

aspecto importante para o estu<strong>do</strong> em questão diz respeito à tradição.<br />

Objetivan<strong>do</strong> explicar de onde surge a <strong>no</strong>ção de Patrimônio, Castriota (2009)<br />

tece uma abordagem sobre a evolução <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> clássico e <strong>do</strong> moder<strong>no</strong><br />

fazen<strong>do</strong> inicialmente uma explanação sobre o entendimento <strong>do</strong> tempo. Ele aponta<br />

que a visão sobre a temporalidade era cíclica tanto para os gregos como para os<br />

india<strong>no</strong>s. No caso <strong>do</strong>s gregos, havia então uma ideia <strong>do</strong> retor<strong>no</strong> para o arquétipo, ou<br />

seja, para o que fundamentaria a essência, o inicio, a origem. Apesar de o modelo<br />

india<strong>no</strong> negar o anterior, “um ser imóvel sempre igual a si mesmo (brâmane) ou o<br />

vazio igualmente imóvel (nirvana)” (CASTRIOTA, 2009, p.45/46), eles também<br />

trabalharão com um longo tempo cíclico.<br />

O autor também explica que essa visão cíclica da temporalidade finda a partir<br />

<strong>do</strong> cristianismo. As coisas só acontecem uma vez e não retornam a ocorrer, como<br />

por exemplo, a vida que é somente uma, não há reencarnação. Ainda assim a<br />

concepção <strong>do</strong> que seriam clássicos continua por muito tempo representan<strong>do</strong> um<br />

retor<strong>no</strong> ao passa<strong>do</strong>. A própria definição <strong>do</strong> ser moder<strong>no</strong> derivada <strong>do</strong> latim também<br />

diz respeito a um retor<strong>no</strong>, uma re<strong>no</strong>vação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, uma volta ao mesmo.<br />

Com o vanguardismo há um rompimento dessa perspectiva de retor<strong>no</strong> ao<br />

passa<strong>do</strong> para definir como clássico tu<strong>do</strong> o que fosse propulsor, autêntico, i<strong>no</strong>va<strong>do</strong>r.<br />

Nesse momento os movimentos vanguardistas assumem um papel de importância,<br />

pelo fato de explorarem o <strong>no</strong>vo e desconheci<strong>do</strong>. Ao mesmo tempo o antigo assume<br />

uma co<strong>no</strong>tação até certo ponto negativa.<br />

Com tal modelo, que rejeita a autoridade <strong>no</strong>rmativa <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, coloca-se<br />

então pela primeira vez, claramente, o problema da auto-fundamentação da<br />

modernidade, a que aludimos <strong>no</strong> início. “(...) a modernidade não pode nem<br />

78


quer mais tomar empresta<strong>do</strong> os próprios critérios de orientação de modelos<br />

de uma outra época; ela deve atingir a sua própria <strong>no</strong>rmatividade por si<br />

mesma”, escreve (Habermas (citação 37) (HABERMAS, apud CASTRIOTA,<br />

2009, p.55)<br />

A contradição dentro de toda a relação estabelecida com o tempo, é que<br />

somente a partir dessa ruptura brusca com o passa<strong>do</strong>, que surgirão os subsídios<br />

para fomentar as necessidades de se buscar resgatar o passa<strong>do</strong>, estabelecen<strong>do</strong><br />

vínculos com a ideia <strong>do</strong> patrimônio e da tradição, como afirma o autor.<br />

Vai ser, então, apenas <strong>no</strong> âmbito da modernidade, com a peculiar relação<br />

que esta estabelece com o tempo, que vai poder aparecer uma idéia como<br />

a de “patrimônio cultural”, que pressupõe, como veremos, uma relação<br />

reflexiva com o passa<strong>do</strong> e com a tradição. (CASTRIOTA, 2009, p.61)<br />

O desfecho de esse movimento contraditório <strong>no</strong> tratar <strong>do</strong> tempo torna-se<br />

ainda mais interessante ao considerar a peculiaridade em que o fenôme<strong>no</strong> da<br />

globalização tem em homogeneizar as culturas, tradições, lugares. Ainda para<br />

reforçar essa dialética encontra-se o processo de gentrification que ocorre<br />

justamente <strong>no</strong>s espaços onde essa tradição pulsa com maior originalidade.<br />

Justamente a gentrification, vai promover as consequências da globalização<br />

<strong>no</strong>s espaços tradicionais, representan<strong>do</strong> uma ameaça ao Patrimônio <strong>do</strong> qual o<br />

processo se vale para ocorrer. Chega-se ao cruzamento desses três pontos:<br />

Globalização, <strong>Gentrification</strong> e Patrimônio na forma de tradição.<br />

Essa ampliação da abrangência <strong>do</strong> campo <strong>do</strong> patrimônio, que leva alguns a<br />

falarem até de uma “inflação patrimonial”, pode ser explicada, em parte,<br />

para<strong>do</strong>xalmente, pelo avanço da globalização, que nas últimas décadas<br />

parece conduzir a certa “padronização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, com a uniformização de<br />

valores, comportamentos e estilos de vida, e a conseqüente ameaça às<br />

diferenças regionais e à própria tradição. (CASTRIOTA, 2009, p.11 )<br />

Já existem elementos suficientes para responder a questão levantada <strong>no</strong> titulo<br />

deste capitulo, todavia, antes mesmo de iniciar as elucubrações sobre tal pergunta,<br />

faz-se importante, abordar outro tema que está relaciona<strong>do</strong> com to<strong>do</strong>s os aspectos<br />

pontua<strong>do</strong>s, o turismo.<br />

3.5.1 Turismo<br />

O turismo teve seu surgimento após a Revolução Industrial, onde o homem<br />

passa a viajar simplesmente pelo prazer de conhecer <strong>no</strong>vos lugares. Antes disso, as<br />

viagens eram feitas com outras finalidades, dentre as quais podem ser citadas as<br />

79


eligiosas, políticas, militares e comerciais. De acor<strong>do</strong> com a Organização Mundial<br />

<strong>do</strong> Turismo (OMT), o turismo pode ser defini<strong>do</strong> como: " as atividades das pessoas<br />

que viajam e permanecem em lugares fora <strong>do</strong> seu ambiente habitual por não mais<br />

de um a<strong>no</strong> consecutivo para lazer, negócios ou outros objetivos" (OMT, 2003, p.18).<br />

Ele difere <strong>do</strong> lazer, basicamente pelo fato de que o lazer é realiza<strong>do</strong> por<br />

qualquer pessoa, independente <strong>do</strong> lugar, <strong>do</strong> tempo e da disponibilidade de recursos<br />

para tal atividade. Além disso, os estudiosos sobre o assunto apontam que há uma<br />

necessidade de deslocamento, para que uma atividade se configure turística.<br />

Contu<strong>do</strong>, pode-se falar da questão <strong>do</strong> tempo, ou seja, para ser considera<strong>do</strong><br />

turista o viajante precisa realizar pelo me<strong>no</strong>s um per<strong>no</strong>ite fora de sua localidade de<br />

origem. Tem também o aspecto econômico, pois há quem aponte o consumo como<br />

sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s focos <strong>do</strong> turismo. Ainda assim, existem debates que falam sobre fazer<br />

turismo na própria cidade, o que não implicaria em um deslocamento para outro<br />

lugar. De qualquer maneira parece ser consenso que o turismo está relaciona<strong>do</strong><br />

com o consumo.<br />

Ten<strong>do</strong> surgi<strong>do</strong> <strong>no</strong> âmbito <strong>do</strong> capitalismo, a atividade, implica em circulação de<br />

capital, bem como, em possibilidades de lucro. É por natureza uma expressão que<br />

claramente reúne os aspectos da globalização e <strong>do</strong> patrimônio. Primeiramente<br />

porque foi facilita<strong>do</strong> pela difusão tec<strong>no</strong>lógica o maior conhecimento <strong>do</strong> planeta e as<br />

fabulações <strong>do</strong> espaço. Em contraposição essas características da globalização<br />

permitem que as peculiaridades locais sejam apropriadas pelos agentes econômicos<br />

que espetacularizam as culturas.<br />

O mesmo consiste em uma atividade genuinamente geográfica, pois, explora<br />

a diversidade entre os diferentes lugares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Se tu<strong>do</strong> fosse igual não haveria<br />

senti<strong>do</strong> fazer turismo. “O turismo materializa-se de forma contundente na lógica da<br />

diferenciação geográfica <strong>do</strong>s lugares e das regiões.” (CORIOLANO; SILVA, 2005, p.<br />

12)<br />

A lógica turística dentro <strong>do</strong> sistema capitalista confunde-se com a mesma<br />

lógica <strong>do</strong> tripé da globalização. Primeiro porque quem prática o turismo é de mo<strong>do</strong><br />

geral um consumi<strong>do</strong>r. Trata-se de um público que visita o espaço com a finalidade<br />

de consumi-lo. Sen<strong>do</strong> assim, é uma atividade a ser exercida por quem disponha de<br />

capital para pagar por ela. “É um fenôme<strong>no</strong> próprio das classes ricas e médias.”<br />

(CORIOLANO; SILVA, 2005, p. 13)<br />

80


Segun<strong>do</strong> porque na “guerra” para atrair os consumi<strong>do</strong>res, os diferentes<br />

lugares que promovem o turismo, produzem uma imagem, da área a ser consumida.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, a atividade é vendida como um produto, onde mais uma vez, para se<br />

tornar atraente é preciso um bom pla<strong>no</strong> de marketing. Muitas vezes essas ações<br />

implicam em criar verdadeiros espetáculos ou em maquiar a realidade das coisas.<br />

Muitos exemplos sobre o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> podem ilustrar essa<br />

afirmação. O mais emblemático é o da coloração das construções <strong>no</strong> Centro<br />

<strong>Histórico</strong>. Sabe-se que as cores aplicadas para tornar a paisagem mais bela, não<br />

correspondem ao original. Até aí tu<strong>do</strong> bem, mas e o que dizer das baianas <strong>do</strong><br />

acarajé com suas roupas multicoloridas?<br />

Em to<strong>do</strong> o caso, aparentemente essas questões são puramente estéticas,<br />

mas, e <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> Forte <strong>do</strong> Santo Antônio, hoje Forte da Capoeira? Ao ser<br />

reforma<strong>do</strong> teve como objetivo uma promoção estética e turística, que termi<strong>no</strong>u por<br />

deixar diversas camadas sociais insatisfeitas. Dos capoeiristas que utilizavam o forte<br />

à população local que não se sente contemplada com a utilização <strong>do</strong> mesmo.<br />

Neste processo, a autenticidade é “paga, encapsulada, mumificada,<br />

localizada e exibida para atrair turistas muito mais que para promover<br />

continuidades da tradição ou as vidas de seus cria<strong>do</strong>res históricos”. Mesmo<br />

as chamadas “cidades históricas” e os centros históricos preserva<strong>do</strong>s são<br />

vitimas dessa desvalorização <strong>do</strong> meio ambiente cultural, e os críticos falam<br />

de uma “disneyficação” <strong>do</strong> entretenimento e da recreação, processo que<br />

afetaria também a própria forma construída das cidades, como mostra o<br />

relatório cita<strong>do</strong>. (CASTRIOTA, 2009, p.111)<br />

Com relação a essas formas, em 1979 Santos em Eco<strong>no</strong>mia Espacial já as<br />

apontava como constituintes de um instrumento para a manipulação <strong>do</strong> espaço. Ele<br />

explica que ao mesmo tempo em que elas compõem ferramentas da estratégia para<br />

consolidação capitalista, podem ser utilizadas <strong>no</strong> movimento contrário e como meios<br />

de resistência <strong>do</strong>s mais desfavoreci<strong>do</strong>s. Todavia, o que se observa é o agravamento<br />

<strong>do</strong>s problemas locais como consequência das modelações das formas pelos<br />

grandes agentes econômicos.<br />

As formas se tornaram instrumentos ideais para promover a introdução <strong>do</strong><br />

capital tec<strong>no</strong>lógico estrangeiro numa eco<strong>no</strong>mia subdesenvolvida e para<br />

ajudar o processo de superacumulação, cuja contrapartida é a<br />

superexploração. Aqueles países em que isto ocorre têm sua eco<strong>no</strong>mia<br />

distorcida, suas tradições sacrificadas e suas populações empobrecidas.<br />

(SANTOS, 2007, p.198)<br />

81


Da mesma maneira que a manipulação das formas representa na dimensão<br />

espacial um instrumento de poder, na dimensão social é a cultura quem será o<br />

grande propulsor das estratégias, econômicas e turísticas. No que diz respeito aos<br />

centros históricos é com base <strong>no</strong>s moldes culturais que ocorrerão as justificativas<br />

ideológicas para a promoção da “gentrification”.<br />

[...] à medida que a cultura passava a ser o principal negócio das cidades<br />

em vias de gentrificação, ficava cada vez mais evidente para os agentes<br />

envolvi<strong>do</strong>s na operação que era ela, a cultura, um <strong>do</strong>s mais poderosos<br />

meios de controle urba<strong>no</strong> <strong>no</strong> atual momento de reestruturação da<br />

<strong>do</strong>minação mundial. (ARANTES, 2002, p.33)<br />

A cidade produto, consequência da globalização, cultuan<strong>do</strong> o tripé da venda<br />

da imagem, em uma competição com outras localidades, <strong>no</strong> intuito de atrair<br />

consumi<strong>do</strong>res, termina produzin<strong>do</strong> fabulações, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s espaços culturais e<br />

promoven<strong>do</strong> os patrimônios.<br />

O turismo como expressão de um mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>, utiliza-se das<br />

estratégias desta cidade produto, ao mesmo tempo em que serve de justificativa<br />

ideológica para a promoção das intervenções espaciais que visam o dinamismo<br />

econômico das localidades através da atração <strong>do</strong>s turistas.<br />

A gentrification como mais uma estratégia da cidade produto para a promoção<br />

da especulação imobiliária, da atração de um público específico que consumirá esse<br />

espaço é pautada nas peculiaridades e diferenças das áreas tradicionais centrais –<br />

assim como o turismo. Todavia ao intervir <strong>no</strong>s lugares objetivan<strong>do</strong> atrair um público<br />

consumi<strong>do</strong>r abasta<strong>do</strong>, o processo termina comprometen<strong>do</strong> o patrimônio cultural<br />

dessas localidades ten<strong>do</strong> como base a preservação <strong>do</strong> patrimônio estrutural, bem<br />

como o dinamismo econômico.<br />

Assim como o turismo é uma atividade voltada para um público que vem<br />

consumir o espaço, “A gentrificação produz agora paisagens urbanas que as classes<br />

médias e médias altas podem consumir uma vez que os sem-teto foram rapidamente<br />

evacua<strong>do</strong>s”. (SMITH, 2006, p.73)<br />

É importante frisar que, apesar de to<strong>do</strong>s os aspectos que configuram um<br />

perigo às diversas realidades, o turismo pode ser uma forma de mitigar as<br />

desigualdades dentro <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de produção capitalista. Tu<strong>do</strong> estará condiciona<strong>do</strong> a<br />

como essa atividade será fomentada.<br />

82


Isso significa que para o turismo promover benefícios à população que sofre<br />

os impactos <strong>do</strong> mesmo, é importante que a estruturação <strong>do</strong> mesmo seja feito para a<br />

comunidade e não somente para os grandes agentes econômicos. Uma possível<br />

forma de trabalhar essa possibilidade é o turismo comunitário.<br />

A isso, se chama de turismo comunitário entendi<strong>do</strong> como “aquele em que<br />

as comunidades de forma associativa e solidária organizam arranjos<br />

produtivos locais, possuin<strong>do</strong> o controle efetivo das terras e das atividades<br />

econômicas associadas à exploração <strong>do</strong> turismo”. (CORIOLANO; SILVA,<br />

2005, p.23)<br />

Assim como Santos (1999) aponta as três faces da globalização – fabula,<br />

perversidade e como ela pode ser. É possível terminar esse item sobre o turismo,<br />

também de forma otimista. Mesmo, sen<strong>do</strong> uma atividade que se intensificou com a<br />

atual forma de globalização, o turismo, assim como a gentrification tem a subversão<br />

de suas estruturas pelas camadas populares, da mesma forma como ocorre na<br />

globalização. É possível promover nesses espaços, de esperança, outra<br />

globalização.<br />

3.5.2 Uma Globalização da <strong>Gentrification</strong> ou uma <strong>Gentrification</strong> da<br />

Globalização?<br />

Como já demonstra<strong>do</strong> anteriormente, os especialistas sobre a globalização<br />

apontam seu surgimento datan<strong>do</strong> por volta <strong>do</strong> século XV. Em contraposição, o<br />

recorte temporal da gentrification data de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX, o que não significa<br />

que outros fenôme<strong>no</strong>s similares já não tenham aconteci<strong>do</strong> em perío<strong>do</strong>s anteriores.<br />

Enquanto o primeiro é um fenôme<strong>no</strong> de extensão mundial, o segun<strong>do</strong> é<br />

limita<strong>do</strong> também <strong>no</strong> espaço, sen<strong>do</strong> produto de estratégias de promoção <strong>do</strong>s espaços<br />

urba<strong>no</strong>s. Ainda assim, ambos apresentam as mesmas características em sua<br />

composição, mesmo que a globalização esteja em um estágio diferente <strong>do</strong> que<br />

estava <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> em que a gentrification foi datada inicialmente.<br />

Partin<strong>do</strong> dessa afirmação, evidencia-se o fato de que a gentrification, é<br />

produto de uma globalização, sen<strong>do</strong> a expressão local e específica de um fenôme<strong>no</strong><br />

mundial. Contu<strong>do</strong>, seria precipita<strong>do</strong> finalizar o entendimento sobre a questão a partir<br />

dessa única análise. Olhan<strong>do</strong> por outro ângulo, o fenôme<strong>no</strong> local, tem sua origem,<br />

fortalecimento e difusão, a partir de um acontecimento específico, de uma localidade<br />

83


específica. Não observar isso, pode induzir ao erro de pensar que o fenôme<strong>no</strong>,<br />

como característica particular de algo geral, teve seu surgimento simultâneo em<br />

diversas localidades <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Como será aborda<strong>do</strong> mais tarde, tal afirmação é precipitada. Sen<strong>do</strong> assim a<br />

gentrification, como estratégia de produção <strong>do</strong> espaço, tem origem especifica em um<br />

lugar, sen<strong>do</strong> sua difusão a consequência de uma indução por meio <strong>do</strong>s agentes<br />

econômicos mundiais. Portanto, é possível afirmar que ao mesmo tempo em que se<br />

constata a existência de uma gentrification da globalização, uma vez que essa teve<br />

seu surgimento em um local como consequência da força globalizatoria, há em<br />

contrapartida uma globalização da gentrification, ten<strong>do</strong> por base que as estratégias<br />

de promoção <strong>do</strong> processo local tiveram sua difusão facilitada e intensificada pelo<br />

fenôme<strong>no</strong> mundial.<br />

84


4 ANÁLISE DA ESPACIALIZAÇÃO DO PROCESSO DE GENTRIFICATION<br />

Se a <strong>Gentrification</strong> num pla<strong>no</strong> psicológico se faz presente <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong>s<br />

lugares ela se dá como um fato, contu<strong>do</strong> esse não se dá meramente <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> das<br />

ideias se espacializan<strong>do</strong> de maneira concreta e assumin<strong>do</strong> diferentes nuanças em<br />

cada lugar onde se manifestará. Neste caso o fato é também materializa<strong>do</strong>.<br />

Três objetivos serão busca<strong>do</strong>s nesse capítulo. O primeiro é debater os<br />

conceitos referentes ao processo. O segun<strong>do</strong> será o de analisar diferentes estu<strong>do</strong>s<br />

de casos comparan<strong>do</strong> os conceitos originais com as peculiaridades de outros<br />

lugares <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>. O terceiro é o de traçar uma concepção sobre a gentrification <strong>no</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, através da comparação e reflexão.<br />

Os fatos e as estruturas estarão intrínsecos na análise deste capitulo. Se por<br />

um la<strong>do</strong> as “necessidades” produzidas para um público consumi<strong>do</strong>r é um fato que se<br />

dá <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> psicológico, a materialização dessa demanda através da gentrification<br />

se dá <strong>no</strong> espaço pelas estruturas. Contu<strong>do</strong> esse corpo físico também proporciona<br />

<strong>no</strong>vos trabalhos <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> psicológico, o que acarretará em <strong>no</strong>vos fatos.<br />

4.1 Debaten<strong>do</strong> o processo de <strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> recorte- espaço-tempo-social<br />

Como comenta<strong>do</strong> <strong>no</strong> capítulo II a raiz gentry é muito mais antiga <strong>do</strong> que<br />

de<strong>no</strong>ta a sua utilização por Ruth Glass em 1964. Contu<strong>do</strong>, um questionamento<br />

importante a ser levanta<strong>do</strong> diz respeito a se já houve processo semelhante em<br />

perío<strong>do</strong>s anteriores ao delimita<strong>do</strong> pelo recorte temporal que está atrela<strong>do</strong> ao termo.<br />

Esse recorte temporal foi menciona<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> que se dá após<br />

a evasão <strong>do</strong>s mais ricos que habitavam os centros das cidades. É importante<br />

destacar que essa saída foi facilitada pela revolução tec<strong>no</strong>lógica que está<br />

diretamente conectada ao capitalismo. O fato é que a produção em massa de<br />

automóveis, possibilitada pelo modelo fordista proporcio<strong>no</strong>u aos mais ricos a chance<br />

de desfrutar <strong>do</strong>s serviços ofereci<strong>do</strong>s pelos centros, ao mesmo tempo em que<br />

ficariam livres <strong>do</strong>s incômo<strong>do</strong>s <strong>do</strong> barulho e da pobreza, ao sair deles. Alia<strong>do</strong> a isso,<br />

muitas das antigas construções foram aban<strong>do</strong>nadas, por essa classe mais abastada,<br />

por se tornarem grandes e antigas para o <strong>no</strong>vo padrão familiar que vinha se<br />

configuran<strong>do</strong> <strong>no</strong>s <strong>no</strong>vos tempos.<br />

85


Então, antes mesmo de se falar de um processo de gentrification, é preciso<br />

apontar a existência de uma plebeização. Ou seja, o processo posterior à difusão da<br />

“<strong>no</strong>breza” é o da convergência da “plebe” para os centros que iam esvazian<strong>do</strong>. Não<br />

fosse por isso, o retor<strong>no</strong> de um tipo de <strong>no</strong>breza para esses centros urba<strong>no</strong>s, talvez,<br />

não tivesse chama<strong>do</strong> tanto a atenção <strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>res <strong>no</strong> que diz respeito ao<br />

impacto social.<br />

É provável também que entre um ciclo e outro possa existir até mesmo uma<br />

espécie de desertificação social. Caso isso se confirme, tu<strong>do</strong> indica que o processo<br />

de gentrification, é precedi<strong>do</strong> por uma desertificação ao qual se sucede uma<br />

plebeização. No entanto, ainda não foi respondida a questão levantada sobre a<br />

existência de acontecimento semelhante ao da gentrification em perío<strong>do</strong> anterior.<br />

A resposta é obtida <strong>no</strong>s escritos de Elisée Reclus, mais especificamente em<br />

um texto data<strong>do</strong> de 1896 intitula<strong>do</strong>: Re<strong>no</strong>vação de uma cidade (RECLUS, 2010,<br />

p.81). Ao falar sobre a capital escocesa Edimburgo, o autor a situa em um contexto<br />

geográfico histórico e cultural, realçan<strong>do</strong> as suas belezas e alguns aspectos<br />

gloriosos da mesma.<br />

Ao explanar sobre a principal artéria da velha cidade, onde em outros tempos<br />

já havia si<strong>do</strong> lugar frequenta<strong>do</strong> pela <strong>no</strong>breza, ele chega à conclusão de que “High<br />

Street não era mais que, nesses últimos tempos, uma rua imunda.” (RECLUS, 2010,<br />

p.85). Ele contextualiza o aban<strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong> centro da cidade pela “<strong>no</strong>breza” que seguiu o<br />

rei Jaime VI para Londres quan<strong>do</strong> o mesmo her<strong>do</strong>u a Cora inglesa finalizan<strong>do</strong> esse<br />

trecho com seu sentimento sobre a rua.<br />

De ruína em ruína High Streeet tor<strong>no</strong>u-se um local de miséria, um bairro<br />

sórdi<strong>do</strong>. Prostitutas estendiam seus colchões de palha sobre antigos<br />

parquetes; chaminés monumentais, forradas de madeiras <strong>no</strong>bres e<br />

decoradas de esculturas, eram fechadas e transformadas em toaletes, <strong>no</strong>s<br />

wynds ou pátios, <strong>no</strong>s closes ou nas extremidades <strong>do</strong>s corre<strong>do</strong>res, o lixo<br />

acumulava-se a vários metros de altura. O bairro insuportavelmente féti<strong>do</strong>,<br />

tais becos sem saída, tais ruelas ainda são sentinas de infecção. E a<br />

miséria ali pulula, lixo huma<strong>no</strong> sobre o lixo das coisas. (RECLUS, 2010,<br />

p.85)<br />

O autor comenta com entusiasmo sobre a afirmação de Patrick Geddes, que<br />

resolven<strong>do</strong> intervir naquele lugar disse: “Dessa podridão, dessa infecção, dessa<br />

miséria somos os responsáveis. E se há culpa nesse caso os culpa<strong>do</strong>s não são os<br />

mortos de fome, mas aqueles que vivem as suas custas” ( GEDDES, appud,<br />

86


RECLUS, 2010, p.85). Geddes recebeu de Reclus em 1986 os elogios de homem<br />

inteligente e de coração.<br />

De acor<strong>do</strong> com o que vai contan<strong>do</strong>, Reclus explica que Geddes preocupa<strong>do</strong><br />

com as condições de vida da qual os estudantes universitários de Edimburgo eram<br />

submeti<strong>do</strong>s, foi adquirin<strong>do</strong> com os próprios recursos casas na degradada High<br />

Street, e na medida em que as restaurava, ia abrigan<strong>do</strong> os estudantes de ambos os<br />

sexos, bem como os jovens professores da Universidade naquele tempo.<br />

Logo se fez uma clientela de estudantes de ambos os sexos, de jovens<br />

professores e outros universitários. Resolveu proporcionar-lhes moradias<br />

me<strong>no</strong>s odiosas, uma existência me<strong>no</strong>s pe<strong>no</strong>sa. O local mais abjeto, talvez,<br />

de High Street, foi aquele pelo qual começou – tratava-se de um antro de<br />

meretrizes; ele não hesitou em comprá-lo e transformá-lo em University Hall;<br />

inclusive instalou o grupo <strong>do</strong>s estudantes. Ele não tinha duvidas de que,<br />

mudan<strong>do</strong> os ocupantes, a vizinhança mudaria, depois to<strong>do</strong> o meio.<br />

(RECLUS, 2010, p.88)<br />

É interessante que a concepção <strong>do</strong> projeto era social, tinha um caráter<br />

espacial e inclusive uma visão estratégica. Fica claro que apesar de não se tratar de<br />

um projeto com bases que visassem o lucro, havia, contu<strong>do</strong> uma seleção <strong>do</strong> público<br />

que mereceria habitar aqueles espaços. Público esse com certeza “mais <strong>no</strong>bre” <strong>do</strong><br />

que o das meretrizes que teriam transforma<strong>do</strong> aqueles espaços em antros.<br />

Não há dúvidas que em sua essência tratava-se de um projeto com as<br />

mesmas características da gentrification. No entanto, seria desatencioso definir as<br />

ações <strong>do</strong> cientista como gentrifica<strong>do</strong>ras por um peque<strong>no</strong> detalhe. Dentre as<br />

principais características <strong>do</strong> processo, encontra-se a especulação imobiliária e<br />

apropriação <strong>do</strong> espaço pelo capital com o objetivo de atrair um público que virá<br />

consumi-lo.<br />

No caso de Geddes o objetivo era claramente urbanístico e ao mesmo tempo<br />

social e mesmo que em seu projeto não estivessem inclusos os “mortos de fome”, as<br />

aquisições <strong>do</strong>s imóveis ocupa<strong>do</strong>s pela população mais pobre além de ser mediante<br />

compra, buscava inclusive se precaver <strong>do</strong>s interesses de banqueiros e outros<br />

agentes mais relaciona<strong>do</strong>s ao capital.<br />

Por outro la<strong>do</strong> isso não o impedia de ter o retor<strong>no</strong> <strong>do</strong> dinheiro investi<strong>do</strong>,<br />

através <strong>do</strong>s aluguéis cobra<strong>do</strong>s aos <strong>no</strong>vos hóspedes. De acor<strong>do</strong> com o ânimo em<br />

que Reclus fez seus relatos, tu<strong>do</strong> parecia ser um projeto extremamente interessante<br />

como aponta<strong>do</strong> <strong>no</strong> trecho a seguir.<br />

87


O dinheiro ali gasto retorna em aluguéis. Ele demonstra facilmente que com<br />

inteligência e savoir-faire, e desde que a empresa se faça em vasta escala,<br />

os jovens pelos quais se interessa podem ser muito bem aloja<strong>do</strong>s, bem<br />

alimenta<strong>do</strong>s a um custo me<strong>no</strong>r <strong>do</strong> que lhes custa para ser mal alimenta<strong>do</strong>s<br />

e mal aloja<strong>do</strong>s. (RECLUS, 2010, p.88)<br />

Outra característica interessante da sociedade de <strong>no</strong>me “Geddes e amigos” é<br />

que sob a coordenação <strong>do</strong> cientista, inúmeros projetos de valorização cultural<br />

estavam previstos, como a criação de biblioteca, laboratórios, uma casa de artistas<br />

além <strong>do</strong> destaque à atenção <strong>do</strong> mesmo para as questões urbanísticas.<br />

Somai a isso o fato de que Geddes é um artista, que ele tem o senti<strong>do</strong><br />

apura<strong>do</strong> <strong>do</strong> décor. Sabe conservar o pitoresco das antigas construções e,<br />

inclusive desenvolve-o graças a grama<strong>do</strong>s e parterres, por judiciosos<br />

ornamentos, afrescos e esculturas. (RECLUS, 2010, p.88)<br />

Dentro <strong>do</strong> que foi levanta<strong>do</strong>, o caso de Geddes é o que mais se aproxima de<br />

um modelo similar à gentrification fora <strong>do</strong> recorte temporal considera<strong>do</strong> nessa<br />

pesquisa. Outra possibilidade é a de questionar a existência de um exemplo <strong>do</strong><br />

processo em áreas não centrais. Para essa questão duas possibilidades foram<br />

pensadas.<br />

Diante da literatura sobre o fenôme<strong>no</strong>, tu<strong>do</strong> indica que ele é específico de<br />

antigos centros urba<strong>no</strong>s. O fato de ser um antigo centro urba<strong>no</strong>, não<br />

necessariamente significa que esse centro seja o Centro <strong>Histórico</strong> da cidade.<br />

Contu<strong>do</strong> parece que há uma generalização <strong>do</strong> conceito até mesmo para áreas que<br />

talvez não fossem centrais, mas, que abrigam um conteú<strong>do</strong> histórico e urbanístico<br />

relevante. Alguns estu<strong>do</strong>s de casos foram feitos em áreas que possivelmente estão<br />

nesse contexto. Contu<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta-se aqui o conceito de Smith onde se afirma que<br />

“Seja qual for a sua forma, a gentrificação implica <strong>no</strong> deslocamento <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res<br />

das classes populares <strong>do</strong>s centros”. (SMITH, 2006, p.63). Não somente pelo fato <strong>do</strong><br />

autor ser geógrafo, o que lhe dá uma auto<strong>no</strong>mia <strong>no</strong> quesito espacial da análise,<br />

mas, também pelo próprio re<strong>no</strong>me <strong>do</strong> mesmo <strong>no</strong>s estu<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s ao processo<br />

é que se utilizará essa conceituação. Tu<strong>do</strong> indica, <strong>no</strong> entanto, que na transcrição <strong>do</strong><br />

senti<strong>do</strong> de centro histórico para o português, ocorreu alguma confusão <strong>no</strong> significa<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> termo, o que será retoma<strong>do</strong> mais adiante.<br />

88


4.2 O milagre sem o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> santo<br />

Como na expressão popular, “diz o milagre, mas não diz o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> santo”,<br />

ainda existem muitos casos onde o processo foi estuda<strong>do</strong>, mas, não foi utiliza<strong>do</strong> o<br />

termo gentrification para designar o mesmo. Esses estu<strong>do</strong>s não devem ser<br />

negligencia<strong>do</strong>s. Muitos deles ocorreram em perío<strong>do</strong>s bastante próximos ao de Ruth<br />

Glass em 1964.<br />

Um exemplo que pode ilustrar essa questão é o de Manuel Castells, quan<strong>do</strong><br />

em 1975 <strong>no</strong> livro Luttes urbaines et pouvoir politique, escreve <strong>no</strong> capitulo I sobre as<br />

lutas de classe e contradições urbanas, e <strong>do</strong> surgimento de movimentos sociais<br />

urba<strong>no</strong>s <strong>no</strong> capitalismo mo<strong>no</strong>polista. Ao tratar sobre Paris, o autor define a posição<br />

central da cidade <strong>no</strong>s aspectos tanto econômicos quanto administrativos. Em<br />

contrapartida, demonstra a falta de auto<strong>no</strong>mia política <strong>do</strong> gover<strong>no</strong> na própria,<br />

relacionada com problemas relativos à rápida transformação <strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong>,<br />

como falta de estrutura e serviços de transporte ou licença para serviços de<br />

construção.<br />

« De son côté, l’administration de la Ville de Paris, tout em partageant<br />

l’essentiel des tendances prospectives, et des promoteurs, et de l’evolution<br />

d’ensemble de la structure urbaine parisienne, a des problèmes particuliers:<br />

par exemple, la transformation accélérée de l’espace parisien exige um<br />

aménagement des services, des transports, des permis de construire, le<br />

groupement des travaux em tranches, em secteurs, etc. Mais surtout, dans<br />

la mesure où la Ville de Paris est en fait le gouvernement français, Paris é<br />

etant la seule ville française à ne pás avoir une auto<strong>no</strong>mie locale depuis la<br />

Commune de 1871, des intérêts politiques sont em jeu: implanter dans cet<br />

espace une population qui serve d’assisse électorale au parti du<br />

gouvernement (car l’U.D.R., majoritaire aux élections parleme ntires depuis<br />

1958, a toujours échouée dans ses tentatives d'organiser une base locale<br />

stable) et qui condamme à l'isolement le <strong>no</strong>uveau mouvement<br />

révolutionnaire issu de Mai 1968 et qui, pour le moment, trouve dans les<br />

grandes concentrations dans les rues de Paris la seule expression<br />

organisée et unitaire de as force potentielle. » (CASTELLS, 1975, p.22/23)<br />

Diante <strong>do</strong> pa<strong>no</strong>rama exposto, ele faz em meio a uma abordagem sobre o<br />

capitalismo a descrição de ações com características de gentrification por parte <strong>do</strong><br />

Gover<strong>no</strong> francês, a essas ações ele de<strong>no</strong>mina de Reconquista significativa de Paris.<br />

Castells explica que a partir de 1956 e principalmente entre 1964 até 1970, ocorre<br />

essa reconquista <strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong> pelo gover<strong>no</strong> que posteriormente passa “o<br />

bastão” para o setor priva<strong>do</strong> que tem suas ações apoiadas pelo gover<strong>no</strong> sob o<br />

pretexto de depuração de bioonvilles. Há um fator social aponta<strong>do</strong> pelo autor. Ele<br />

89


evela que o público de trabalha<strong>do</strong>res que é retira<strong>do</strong> dessas áreas é basicamente de<br />

imigrantes e é justamente lá onde haverá mais rentabilidade com a instalação <strong>do</strong>s<br />

escritórios e apartamentos de luxo. Há também um destaque para a reestruturação<br />

espacial <strong>do</strong>s imóveis, onde um <strong>no</strong>vo conforto é da<strong>do</strong>.<br />

« Ainsi, de la convergence des tendances de l’organisation spatiale dans<br />

une éco<strong>no</strong>mie capitaliste développée des intérêts financiers des sociétés<br />

immobilières et des le grand programme public de ré<strong>no</strong>vation urbaine qui<br />

porte le tire significatif de Reconquête urbaine de Paris. Démarrant<br />

lentement des 1956, battant son plein de 1964 à 1970 et passant<br />

ultérieurement le relais aux operations privées, mais soutenues par<br />

l’administration, la Reconquête urbaine se présentait sous le couvert de<br />

l’élimination des taudis. En fait, il n’en est rien : secteurs les plus détériorés<br />

ne sont pas ré<strong>no</strong>vés. Par contre, le sont ceux où la population ouvrière et<br />

immigrée est la plus importante, ceux où les bureaux et les logements de<br />

luxe seront le plus retanbles. Un <strong>no</strong>uveau confort y est installé – mais pour<br />

une <strong>no</strong>uvelle population, celle qui y habitait étant rejetée dans la bandieue<br />

sous-équipée. C’est la reconquête de Paris, mais la reconquête du Paris<br />

populaire par la <strong>no</strong>uvelle bourgeoisie des cadres supérieurs, par leurs lieux<br />

de travail et de loisir. Utilisant les prérogatives publiques d’expropriation,<br />

subventionnant avec des fond publics les travaux d’infrastructure<br />

nécesaires, la rée<strong>no</strong>vation sert de fer de lance à la transformation de Paris<br />

en ville directionnelle et en gheto international pour cadres assoiffés de<br />

modernité, mais consommateurs d’une histoire qu’on transforme en musée<br />

et qu’on clôture (clôture = niveau des prix) pour s’y promener le samedi<br />

soir. » (CASTELLS, 1975, p.23/24)<br />

Trata-se claramente de um caso de gentrification onde é importante realçar a<br />

proximidade <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em que foi escrito com o da criação <strong>do</strong> termo, o que, talvez,<br />

explique a não utilização <strong>do</strong> mesmo. Como já aborda<strong>do</strong> <strong>no</strong> capitulo II, na citação de<br />

Schopenhauer, o patriotismo em certos casos da ciência é perigosamente uma<br />

venda que pode confundir a verdade. O que há de mais importante em se manter o<br />

termo difundi<strong>do</strong> na sua originalidade, é justamente a possibilidade de facilitar a<br />

busca sobre o tema por outros pesquisa<strong>do</strong>res. Imaginemos que cada pesquisa<strong>do</strong>r<br />

quisesse nacionalizar os termos científicos, provavelmente causariam uma maior<br />

dificuldade para uma futura comunicação entre os próprios cientistas.<br />

4.3 Algumas considerações sobre o Capital<br />

Ao observar os <strong>do</strong>is casos aponta<strong>do</strong>s por Reclus e Castells, algumas<br />

características sobre as reformas urbanas podem ser extraídas para inclusive<br />

subsidiarem as análises que serão tecidas mais adiante. A primeira dessas<br />

características é que tu<strong>do</strong> indica que nessas intervenções não há espaço para as<br />

camadas mais pobres da sociedade, independente da intenção <strong>do</strong> agente.<br />

90


Na fala de Geddes, transcrita por Reclus, é interessante realçar que ele atribui<br />

a culpa das condições decadentes em que se encontrava a High Street, aos que<br />

vivem a custa da miséria alheia. Mesmo que em seu projeto não coubesse espaço<br />

para essa camada social, havia da parte dele uma consciência sobre a exploração<br />

crescente de uma maioria por uma mi<strong>no</strong>ria abastada. Vale ressaltar esse aspecto<br />

interessante de <strong>no</strong>ssa sociedade.<br />

A miséria incomoda de maneira geral a to<strong>do</strong>s, desde os miseráveis até os<br />

milionários. A grande diferença está <strong>no</strong> grau de contato de cada um com a mesma.<br />

Para as camadas superiores da sociedade, é mais fácil fugir, camuflar ou expulsar<br />

os pobres. Para a classe média cujo pensamento é homogeneiza<strong>do</strong> pela forma<br />

burguesa de pensar, há uma conformação com a situação e até mesmo apoio às<br />

ações <strong>do</strong>s agentes <strong>do</strong>minantes.<br />

Pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> Brasil é certo afirmar que mesmo que a miséria<br />

incomode diretamente as classes abastadas, seja pelos crimes, seja pelo fato de<br />

entrarem em contato com as áreas e pessoas mais desfavorecidas, a classe média<br />

e alta, costumam pensar de forma relativamente igual.<br />

No caso das camadas desfavorecidas, cabe a eles gritar e incomodar, mesmo<br />

que esses gritos sejam abafa<strong>do</strong>s pelas ações policiais ou que seja feito um<br />

sensacionalismo barato através de programas de televisão que lucram ao expor o<br />

cotidia<strong>no</strong> dessas pessoas de maneira vulgar. Esses programas televisivos fazem a<br />

fama expon<strong>do</strong> a miséria alheia, sem a me<strong>no</strong>r ética ou escrúpulo.<br />

Ainda analisan<strong>do</strong> a situação brasileira, muito se faz para reclamar, para<br />

esconder ou expulsar as camadas incomodas de perto de si, mesmo que essas<br />

ações sejam em parte inúteis, pois as classes <strong>do</strong>minantes encontram-se ilhadas<br />

pela pobreza. A contradição então gira em tor<strong>no</strong> de duas questões. Primeiro é que<br />

há uma ausência de medidas que busquem resolver o problema da pobreza,<br />

problema esse que é consequência direta da concentração de riqueza. Segun<strong>do</strong> é<br />

que a maior parte <strong>do</strong>s ricos da sociedade, eternamente insatisfeita e<br />

convenientemente alienada, trata de se apropriar <strong>do</strong>s espaços que possuam valor<br />

cultural, ambiental, paisagístico, econômico, ou seja, o planeta. Não há espaço<br />

nesse mun<strong>do</strong> para os desvali<strong>do</strong>s, restam a eles as áreas de risco ou o<br />

amontoamento em cubículos. Quan<strong>do</strong> a consequência dessa pressão se des<strong>do</strong>bra<br />

sobre a própria classe alta, há então uma hipócrita comoção que se repercute em<br />

91


marchas pela paz. Lefebvre ao analisar o pensamento marxista se manifesta sobre<br />

essa situação.<br />

Pois bem, dê-se aos pobres a propriedade, garanta-se-lhes a existência. É<br />

muito mais fácil incriminar a cidade ou a imoralidade generalizada ou as<br />

forças <strong>do</strong> mal, <strong>do</strong> que fazer incidir o araque <strong>no</strong> seu verdadeiro pla<strong>no</strong>, o da<br />

política.<br />

Friederich Engels rejeita o moralismo e a prédica: para ele, é natural e<br />

inevitável – que a situação criada por uma classe – a burguesia – gere o<br />

alcoolismo a prostituição, o crime, e é deste mo<strong>do</strong> que manifesta o<br />

desprezo pela ordem social com particular clareza <strong>no</strong> caso extremo: o <strong>do</strong><br />

crime. Se as casas que tornam o operário imoral actuarem com mais força,<br />

com maior intensidade <strong>do</strong> que habitualmente este torna-se um crimi<strong>no</strong>so.<br />

(LEFEBVRE, 1972, p. 26 )<br />

Há pouco tempo <strong>do</strong>is episódios interessantes ocorreram. Um foi o polêmico e<br />

impactante filme Tropa de Elite. Ao tratar sobre a questão das drogas o enre<strong>do</strong> deixa<br />

claro que se existem traficantes é porque existem compra<strong>do</strong>res. Ele põe na classe<br />

média e alta a responsabilidade de toda a miséria, violência e morte que há nas<br />

favelas <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Ao conversar com alguns usuários de drogas da alta<br />

camada da sociedade, foi interessante constatar a indignação <strong>do</strong>s mesmos com a<br />

visão <strong>do</strong> filme. Parece conveniente aos mesmos fugir da responsabilidade, oprimir o<br />

tráfico, continuar usan<strong>do</strong> as drogas e <strong>no</strong> final das contas fazer uma passeata em pró<br />

da paz, quan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s seus morrer vitima da violência <strong>do</strong> tráfico.<br />

Outro fato se deu na vida real, não que o filme se trate de uma fábula. Uma<br />

professora <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte fez um discurso que chamou a atenção <strong>do</strong> país<br />

para algo que to<strong>do</strong>s já sabem. As más condições relativas à baixa remuneração,<br />

bem como falta de estrutura e turmas superlotadas em que os professores são<br />

submeti<strong>do</strong>s, é um problema recorrente <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> brasileiro. Como uma sociedade<br />

pode se desenvolver se a educação não for priorizada? Na Carta da Terra,<br />

<strong>do</strong>cumento escrito durante o Rio 92, fala-se muito em dignidade da pessoa humana.<br />

Ela é inclusive um <strong>do</strong>s princípios da Constituição Federal. Mas, parece que estamos<br />

muito longe de chegar perto de tal dignidade, principalmente enquanto o modelo de<br />

acumulação <strong>do</strong> capital estiver vigente. Resta então à burguesia esconder os<br />

problemas.<br />

Não se quer aqui colocar uma mão acusa<strong>do</strong>ra e muito me<strong>no</strong>s tornar maligna<br />

a globalização, a gentrification ou as classes <strong>do</strong>minantes. Podem inclusive ser<br />

destaca<strong>do</strong>s pontos positivos e avanços com relação aos últimos tempos, todavia se<br />

92


esse estu<strong>do</strong> estivesse desprovi<strong>do</strong> de uma visão critica sobre as contradições<br />

apontadas, estaria de certa forma, incompleto.<br />

4.4 Rent Gap, Yuppies e os Ciclos da <strong>Gentrification</strong><br />

Há um conceito a ser diferencia<strong>do</strong>, entre reestruturações urbanas e<br />

gentrification. No caso de simples reestruturações, se aplicaria de maneira mais<br />

adequada a história contada por Reclus. Já o segun<strong>do</strong> caso é configura<strong>do</strong><br />

perfeitamente como na abordagem feita por Castells. Isso significa dizer que<br />

reestruturações urbanas sempre ocorreram e provavelmente continuarão existin<strong>do</strong>,<br />

mas, a grande diferença <strong>do</strong> que se dá agora é que há a total incorporação da<br />

globalização nessas reestruturações que <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s centros, se manifesta como<br />

gentrification.<br />

“But there is a second question of scale concerning levels of generality. We<br />

accept here that the restructuring of urban space is general but by <strong>no</strong> means<br />

universal. What <strong>do</strong>cs this mean? It means, first, that the restructuring of<br />

urban space is <strong>no</strong>t, strictly speaking, a new phe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>n. The entire<br />

process of urban growth and development is a constant patterning,<br />

structuring and restructuring of urban space. What is new today is the<br />

degree to which this restructuring of space is an immediate and systematic<br />

component of a larger eco<strong>no</strong>mic and social restructuring of advanced<br />

capitalist eco<strong>no</strong>mics.” (Smith, 1996, p.21)<br />

Como o autor explica qualquer processo de crescimento urba<strong>no</strong> já é uma<br />

reestruturação, porém há diferentes formas de como cada cidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

experimentará esse modelo de reestruturação, liga<strong>do</strong> ao capital. Mais adiante ele<br />

ainda realça uma clara distinção entre as cidades <strong>do</strong> primeiro e terceiro mun<strong>do</strong>.<br />

Ao focar sobre os principais fatores que podem levar a esses diferentes<br />

resulta<strong>do</strong>s na reestruturação <strong>do</strong> espaço urba<strong>no</strong>, Smith (1996) chama a atenção para<br />

que não se crie uma lista e sim, se observe o contexto de cada lugar em uma visão<br />

integrada de aspectos. Contu<strong>do</strong>, ele aponta cinco causas principais sen<strong>do</strong> elas:<br />

a) A diferença <strong>do</strong> aluguel como resulta<strong>do</strong> de uma sub-urbanização;<br />

b) A ampliação <strong>do</strong>s empregos de “colarinho branco” como resulta<strong>do</strong> da<br />

desindustrialização;<br />

c) Os fluxos <strong>do</strong> capital para o centro e para fora dele, simultaneamente;<br />

d) Diminuição da taxa de lucro e <strong>do</strong> movimento cíclico <strong>do</strong> capital;<br />

e) Mudanças demográficas e <strong>no</strong> padrão de consumo.<br />

93


Com esses cinco aspectos o autor delineia alguns <strong>do</strong>s conceitos intrínsecos<br />

ao processo. Os fatores (a), (b) e (c) estão relaciona<strong>do</strong>s ao “rentgap” traduzi<strong>do</strong> por<br />

alguns autores como renda diferencial. Em síntese, <strong>no</strong> caso das cidades <strong>do</strong>s<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s com a expansão da cidade, rumo a sub-urbanização, como uma<br />

consequência da busca de terras baratas para investimentos imobiliários, há um<br />

fluxo <strong>do</strong> capital sain<strong>do</strong> <strong>do</strong>s centros para a periferia, o que gera uma desvalorização<br />

<strong>do</strong>s núcleos urba<strong>no</strong>s. Essa desvalorização é o que permitirá uma <strong>no</strong>va valorização<br />

das áreas centrais para então uma <strong>no</strong>va leva de investimentos. Em outro livro, pode-<br />

se encontrar em português o conceito da rentgap:<br />

“Segun<strong>do</strong> a teoria da renda diferencial (rent gap, as causas originais da<br />

gentrificação, estavam na mobilidade geográfica <strong>do</strong> capital e <strong>no</strong>s modelos<br />

históricos <strong>do</strong> investimento e desinvestimento <strong>no</strong> campo urba<strong>no</strong>: o<br />

investimento nas áreas periurbanas em detrimento da região central,<br />

<strong>do</strong>minante <strong>no</strong> século XX, criou condições espaciais de reinvestimentos<br />

sobre locais específicos <strong>do</strong> centro, toman<strong>do</strong> a forma de gentrificação.”<br />

(Smith, 1979 e 1996, apud, Smith, 2006, p.66)<br />

A compreensão disto permite analisar como a diferenciação espacial<br />

interferirá nas ações econômicas. Atrela<strong>do</strong> a isso, vem toda gama de conceitos já<br />

debati<strong>do</strong>s, como a difusão tec<strong>no</strong>lógica e a fase que se dá após a segunda guerra<br />

mundial e também após a expansão <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de produção fordista.<br />

Houve, <strong>no</strong> entanto um perío<strong>do</strong> onde as questões da especulação imobiliária e<br />

da terra tiveram o seu auge. Os conheci<strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s (HOBS<strong>BA</strong>WM, 1997)<br />

entre as décadas de 60 e 70, justamente a fase onde a gentrification tivera uma<br />

grande expansão <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> capitalista desenvolvi<strong>do</strong>. “A era <strong>do</strong> ouro foi um<br />

fenôme<strong>no</strong> mundial, embora a riqueza geral jamais chegasse à vista da maioria da<br />

população <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (HOBS<strong>BA</strong>WM, 1997, p.250).<br />

É importante destacar que apesar da cro<strong>no</strong>logia ser feita de forma<br />

generalizada, os efeitos desses acontecimentos se deram de formas diferenciadas,<br />

entre os países que estavam <strong>no</strong> “centro” e a periferia mundial. No caso <strong>do</strong> Brasil, por<br />

exemplo, o próprio processo de gentrification, só vai ocorrer a partir da década de<br />

1980. Então dentro de <strong>no</strong>vos contextos, as questões já antigas nas grandes cidades<br />

mundiais, acontecerão posteriormente nas cidades <strong>do</strong>s países em desenvolvimento.<br />

Isso não impede que essas questões continuem ocorren<strong>do</strong> com sua <strong>no</strong>va roupagem<br />

nas localidades em que tais fenôme<strong>no</strong>s surgiram inicialmente.<br />

94


Compreender o contexto em que o processo estuda<strong>do</strong> eclodiu é importante<br />

não somente para situá-lo na história, mas para comparar os traços <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> com<br />

o fato <strong>no</strong> presente. O fenôme<strong>no</strong> observa<strong>do</strong> por Glass na década de 1960 está <strong>no</strong><br />

contexto <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s, a renda diferencial, explicada por Smith, é então<br />

favorecida por um perío<strong>do</strong> de boom econômico, como aponta Hobsbawm (1997):<br />

Sobretu<strong>do</strong> para os construtores de estradas e “incorpora<strong>do</strong>res” imobiliários,<br />

que descobriram os incríveis lucros a serem obti<strong>do</strong>s numa era de boom<br />

secular de especulação que não podia dar erra<strong>do</strong>. Tu<strong>do</strong> que se precisava<br />

fazer era esperar que o valor <strong>do</strong> terre<strong>no</strong> certo subisse até a estratosfera.<br />

Um único prédio bem situa<strong>do</strong> podia fazer <strong>do</strong> sujeito um multimilionário,<br />

praticamente sem custo (HOBS<strong>BA</strong>WM, 1997, p.259).<br />

Um elemento que proporcio<strong>no</strong>u o “sucesso” das substituições populacionais<br />

foi a existência de um público consumi<strong>do</strong>r para os espaços que vinham sen<strong>do</strong><br />

modifica<strong>do</strong>s. São as variáveis (b) e (e), apontadas por Smith (1996) como as<br />

mudanças demográficas e <strong>no</strong> padrão de consumo, associadas a um aumento da<br />

população que possui empregos de colarinho branco, que configurarão um tipo de<br />

classe média apta a promover essas ações. Na década de 1980 a essa classe seria<br />

atribuí<strong>do</strong> o termo yuppies.<br />

Os empregos de colarinho branco são aqueles em que não há um contato<br />

braçal com máquinas, sen<strong>do</strong> mais administrativos ou de escritório. Tem seu contexto<br />

defini<strong>do</strong> na divisão social <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res ingleses, onde as golas de cor azul<br />

eram usadas por operários a de cor marrom para os supervisores e branca para<br />

engenheiros ou os que não fizessem esforço físico.<br />

Para Sayer (apud, SMITH, 1996,) colarinho branco é um conceito claramente<br />

caótico. "White collar" is clearly a "chaotic concept" (SAYER, 1982) with two distinct<br />

components. Each with a distinct spatial expression.”(Smith, 1996, p.29). O autor<br />

percorre um caminho para chegar a tal afirmação.<br />

Primeiro ele explica que com o surgimento <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> capitalista de produção<br />

há uma centralização social e <strong>do</strong> capital, para logo em seguida afirmar que essa<br />

centralização <strong>do</strong> capital promoverá uma relação dialética de centralização e<br />

descentralização espacial que é uma consequência <strong>do</strong>s arranjos geográficos<br />

produzi<strong>do</strong>s pela própria centralização.<br />

Ao afirmar que essa relação se dá em diversas escalas ele aponta que, se por<br />

um la<strong>do</strong> a expansão <strong>do</strong> capital <strong>no</strong> século XIX por to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é uma manifestação<br />

95


<strong>do</strong> processo de descentralização, o crescimento das metrópoles urbanas é por outro<br />

la<strong>do</strong> um produto da concentração espacial.<br />

A partir dessa concentração como uma necessidade cada vez maior da<br />

combinação de atividades ele explica que, se por um la<strong>do</strong> houve um<br />

enfraquecimento da eco<strong>no</strong>mia de aglomeração, produto da descentralização das<br />

atividades industriais que foram facilitadas pela revolução <strong>do</strong>s meios de transporte,<br />

esse mesmo movimento proporcionará o aumento <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s empregos de<br />

colarinho branco.<br />

Por fim Smith (1996) conclui que há cada vez mais uma concentração de<br />

atividades de escritório <strong>no</strong>s centros da cidade. O autor afirma que ao mesmo tempo<br />

há uma tendência em que essas atividades migrem para os subúrbios<br />

caracterizan<strong>do</strong> a existência simultânea de atividades aparentemente opostas. Ele<br />

explica que, se por um la<strong>do</strong> há uma descentralização das atividades mais rotineiras<br />

de escritório, por outro para as atividades que exigem decisões rápidas e reuniões<br />

imediatas há uma crescente necessidade da centralização <strong>do</strong>s profissionais.<br />

Nunca é demais realçar que o caso estuda<strong>do</strong> pelo autor está situa<strong>do</strong> nas<br />

grandes eco<strong>no</strong>mias capitalistas mundiais, principalmente <strong>no</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Não<br />

seria coerente transpor a teoria de maneira engessada para a realidade brasileira,<br />

contu<strong>do</strong>, alguns traços de tal explicação sobre os empregos de colarinho branco são<br />

úteis para a compreensão <strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong> como um to<strong>do</strong>. Principalmente para explicar<br />

a localização da classe média detentora desses empregos <strong>no</strong>s centros urba<strong>no</strong>s.<br />

É importante destacar que quan<strong>do</strong> se refere a esse público que promove o<br />

processo não se trata <strong>do</strong>s grandes detentores <strong>do</strong> capital como explica Zachariassen<br />

(2006, p.26) “Os gentrifica<strong>do</strong>res são os que servem à <strong>no</strong>va eco<strong>no</strong>mia mundial e<br />

ainda que bem pagos não correspondem aos muito ricos.”<br />

No entanto, é importante questionar até onde realmente são os yuppies os<br />

verdadeiros promotores da gentrification ou pelo me<strong>no</strong>s até que ponto são eles os<br />

principais agentes intervin<strong>do</strong> nesses espaços. De fato, se a vinda dessa camada<br />

populacional fosse um fenôme<strong>no</strong> totalmente espontâneo, talvez fosse mais coerente<br />

usar o termo yuppification (HALL,1995). No entanto, mesmo que em um primeiro<br />

momento esses lugares possam receber uma leva de <strong>no</strong>vos migrantes que se<br />

identifiquem com o cotidia<strong>no</strong> local, é num segun<strong>do</strong> momento que as estratégias<br />

daqueles que produzem o espaço intervirão diretamente <strong>no</strong>s bairros históricos.<br />

96


De acor<strong>do</strong> com Silva (2006) esse fenômen o ocorre por <strong>do</strong>is processos, que<br />

podem ser combina<strong>do</strong>s ou não. Pelo la<strong>do</strong> da demanda, da classe média, tida como<br />

yuppies (famílias jovens com maior escolaridade) ou pela oferta, devi<strong>do</strong> decisões<br />

<strong>do</strong>s produtores de espaço e estratégias <strong>do</strong>s governantes, em acor<strong>do</strong> com o setor<br />

priva<strong>do</strong> para tornar as cidades competitivas.<br />

Essa combinação de fatores pode resultar em um processo ame<strong>no</strong>, talvez por<br />

ser justamente fruto de algo espontâneo, ou em casos de substituição intensificada<br />

pelas ações das instituições privadas e o Esta<strong>do</strong>. Observan<strong>do</strong> isso é que Smith<br />

(2006) identificou três ciclos de gentrification ao estudar o caso de New York.<br />

O primeiro seria o de uma substituição esporádica.<br />

O segun<strong>do</strong> ciclo corresponderia à consolidação <strong>do</strong> processo.<br />

O terceiro seria a generalização por outros bairros e localidades.<br />

4.5 A reconquista de um espaço central<br />

Ao citar o ensaio seminal sobre "O significa<strong>do</strong> da fronteira na história da<br />

América", escrito em 1893 por Frederick Jackson Turner (1958 edn), Smith faz uma<br />

comparação entre os desertos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e os da atualidade. Os primeiros eram os<br />

desertos de barbáries e selvagerias que eram conquista<strong>do</strong>s a custo <strong>do</strong><br />

derramamento de sangue, pelos pioneiros desbrava<strong>do</strong>res que seguiam rumo a oeste<br />

america<strong>no</strong>, “em sua missão civilizatoria”. Os segun<strong>do</strong>s são os desertos da paisagem<br />

urbana vistos pela maioria da classe média desse país como territórios de “<strong>do</strong>ença,<br />

crime, perigo e desordem” (WARNER, 1972, apud, SMITH p.15 e 16)<br />

O autor chama a atenção para a arrogância embutida <strong>no</strong>s termos designa<strong>do</strong>s<br />

para os chama<strong>do</strong>s pioneiros urba<strong>no</strong>s, que são analogicamente como os cowboys<br />

conquistan<strong>do</strong> esses desertos da cidade. Arrogância tal qual a <strong>do</strong>s antigos<br />

conquista<strong>do</strong>res que me<strong>no</strong>sprezaram a existência de povos <strong>no</strong> avanço das <strong>no</strong>vas<br />

fronteiras, e quan<strong>do</strong> não o fizeram incorporaram esses nativos na “barbarie <strong>do</strong>s<br />

desertos”.<br />

“Turner was explicit about this when he called the frontier "the meeting point<br />

between savagery and civilization," and although today's frontier vocabulary<br />

of gentrification is rarely as explicit, it treats the inner-city population in much<br />

the same W'1y” (STRATTON 1977, in, SMITH, 1996, p.16)<br />

97


É interessante a relação que o autor traça entre a expansão para oeste <strong>do</strong>s<br />

“pioneiros” e as reconquistas <strong>do</strong>s espaços urba<strong>no</strong>s centrais. No primeiro caso o que<br />

se configurava na verdade era uma projeção na arena geográfica subsidiada pelos<br />

bancos, ferrovias o esta<strong>do</strong> dentre outros especula<strong>do</strong>res. Essa mesma realidade não<br />

difere muito <strong>do</strong> cenário existente <strong>no</strong> processo de gentrification.<br />

4.6 Complexidade, Caos, <strong>Gentrification</strong>, Caos, Complexidade.<br />

No que diz respeito à <strong>Gentrification</strong>, um exemplo que pode apontar elementos<br />

para esse <strong>no</strong>vo caminho a ser desbrava<strong>do</strong> que é a complexidade está <strong>no</strong> trabalho<br />

realiza<strong>do</strong> por Beauregard (1996). Ao explanar sobre as formas como o processo é<br />

percebi<strong>do</strong>, ele aponta três estratificações <strong>do</strong> senti<strong>do</strong>.<br />

A camada mais fina e “ultra periférica” seria a que é transmitida pela mídia,<br />

composta por jornais locais e revistas ou por organizações estabelecidas pelas<br />

prefeituras, instituições preservacionistas e associações de bairro formadas por<br />

proprietários de classe média.<br />

A segunda camada consiste nas concepções obtidas através de avaliações<br />

empíricas, sen<strong>do</strong> quase todas de caráter positivista, que se utilizam de pesquisa de<br />

opinião e estu<strong>do</strong>s de caso para avaliar o processo através de da<strong>do</strong>s secundários. O<br />

autor aponta que esses estu<strong>do</strong>s não conseguem explicar a dinâmica que provocam<br />

as mudanças sobre o ambiente construí<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong> tempo.<br />

Segun<strong>do</strong> Beauregard um terceiro nível mais próximo à essência da<br />

gentrification, é o de estu<strong>do</strong>s com base teórica <strong>no</strong> materialismo histórico. Dessas<br />

análises o autor destaca <strong>do</strong>is trabalhos de Smith – a quem o mesmo dirige seus<br />

agradecimentos <strong>no</strong> final <strong>do</strong> artigo pela base concedida para o entendimento <strong>do</strong><br />

processo. No entanto para Beauregard o argumento <strong>do</strong> “rent gap” oferece somente<br />

uma das condições necessárias para o acontecimento <strong>do</strong> processo que por si só<br />

não seria suficiente.<br />

“However, although these theoretical explanations are commendable, since<br />

they penetrate empirical appearances and unsheath an "essence" of<br />

gentrification, they suffer from a number of problems. The "rent gap"<br />

argument provides only one of the necessary conditions for gentrification<br />

and <strong>no</strong>ne of the sufficient ones. Observation shows that many areas of<br />

central cities have rent gaps greatly in excess of those areas that gentrify.<br />

Thus the theory can<strong>no</strong>t easily explain why Hoboken (New Jersey) becomes<br />

gentrified, but Newark - where capitalized ground rents are extremely low<br />

98


and whose locational advantages relative to Manhattan and transportation<br />

facilities are on a par with Hoboken's - <strong>do</strong>es <strong>no</strong>t. Moreover, there is the<br />

question of how the potential ground rent is perceived, thus establishing a<br />

crucial element in determining the rent gap.” (BEAUREGARD, 1996, p.39)<br />

Mais para frente ele demonstra três fraquezas teóricas na rent gap. A primeira<br />

diz respeito ao fato de que o desenvolvimento desigual é usa<strong>do</strong> para explicar a<br />

gentrification e a diferença de renda. Para ele os <strong>do</strong>is últimos têm que ser explica<strong>do</strong>s<br />

inicialmente pelas tendências estruturais <strong>do</strong> capitalismo, para daí explicar o próprio<br />

desenvolvimento desigual.<br />

O outro ponto fraco <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> rent gap consiste em não se fazer<br />

nenhuma tentativa para explicar a diversidade da gentrification. Assim, a renda<br />

diferencial é tida como um conceito ideal. Além disso, para Beauregard, o argumento<br />

apresenta<strong>do</strong> consta de uma desatenção para o papel da reprodução e <strong>do</strong> consumo<br />

<strong>no</strong> processo estuda<strong>do</strong>. Ele finaliza afirman<strong>do</strong> que as três falhas são inter-<br />

relacionadas.<br />

Ao continuar sua explanação o autor então explica que gentrification deve ser<br />

considera<strong>do</strong> como um conceito caótico primeiro porque é necessário levar em<br />

consideração as diversidades de casos que envolveram diferentes tipos de<br />

indivíduos. Sen<strong>do</strong> assim, é importante pensar em distintas tipologias para<br />

gentrification ao invés de reunir tu<strong>do</strong> em um único fenôme<strong>no</strong>.<br />

“The diversity of gentrification must be recognized, rather than conflating<br />

diverse aspects into a single phe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>n. Thirdly, the above observations<br />

suggest that a diversity of social forces and contradictions within the social<br />

formation cohere in some fashion to bring about various types of<br />

gentrification. Moreover, it additionally suggests that gentrification is <strong>no</strong>t<br />

inevitable in older declining cities.” (BEAUREGARD, 1996, p.40)<br />

Segun<strong>do</strong> a visão deste autor, para compreender um pouco mais sobre o<br />

processo, é necessário explorar três peças de um quebra cabeça. A primeira diz<br />

respeito à explicação <strong>do</strong>s potenciais “gentrifica<strong>do</strong>res”, a segunda é explicar a criação<br />

de habitações para esse público e a terceira é compreender o indivíduo que sofre<br />

diretamente com o processo.<br />

No que diz respeito ao perfil deste público consumi<strong>do</strong>r, uma série de<br />

características estão atreladas a sua preferência pelas áreas centrais. A mudança<br />

<strong>do</strong> comportamento de uma classe média que é consequência da mudança de<br />

necessidades <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> atual, assim como a combinação de elementos como os<br />

aponta<strong>do</strong>s por Smith quan<strong>do</strong> aborda sobre o crescimento <strong>do</strong>s empregos de<br />

99


colarinho branco, e sua convergência para áreas centrais. Soma<strong>do</strong> a isso há o<br />

fortalecimento <strong>do</strong> movimento feminista e aumento da participação de mulheres <strong>no</strong><br />

mun<strong>do</strong> profissional.<br />

Esses aspectos definem alguns traços <strong>do</strong>s “yuppies”. De uma forma geral<br />

esses dispõem de empregos de colarinho branco e que muitas vezes tem seu local<br />

de trabalho localiza<strong>do</strong> em áreas centrais urbanas. Há também um poder aquisitivo<br />

desse público que dispõe de capital para adquirir bens relaciona<strong>do</strong>s ao seu estilo de<br />

vida. Por outro la<strong>do</strong> a estrutura familiar sofre uma alteração, onde esse público é<br />

constituí<strong>do</strong> de pessoas solteiras ou de casais na faixa etária entre os 23 e 33 a<strong>no</strong>s,<br />

muitas vezes sem filhos. Essa mudança está associada basicamente à ampliação da<br />

presença <strong>do</strong> sexo femini<strong>no</strong> de classe média em empresas. Para essas profissionais,<br />

ter um filho em muitos <strong>do</strong>s casos pode representar uma barreira em sua ascensão<br />

econômica e profissional.<br />

Juntamente a isso vem a demanda pelo baixo custo de moradias, que uni<strong>do</strong> à<br />

produção das necessidades veiculada pelos agentes <strong>do</strong>minantes de maior<br />

influência, está diretamente ligada à discussão já feita sobre a questão <strong>do</strong><br />

patrimônio, cultura e outras formas de produção e apropriação <strong>do</strong> espaço pelos<br />

processos globalizantes.<br />

100<br />

Thus the dynamic of capital accumulation, fueled by affluence, is wedded to<br />

conspicuous consumption. Moreover, the purchase and rehabilitation of<br />

existing commercial establishments as a neighborhood begins to gentrify<br />

contribute to further residential gentrification. The two are mutually<br />

supportive. (BEAUREGARD, 1996, p.44)<br />

Com relação à criação de habitações o autor traça <strong>do</strong>is extremos que vão<br />

desde gentrification até o total aban<strong>do</strong><strong>no</strong> de um bairro, fazen<strong>do</strong> depois o realce de<br />

que bairros e habitações não precisam ser deteriora<strong>do</strong>s para que sofram o processo.<br />

Há ainda o caso clássico relativo à saída de uma classe média <strong>do</strong>s bairros centrais<br />

que ao deixarem suas moradias, essas são ocupadas por famílias de me<strong>no</strong>r renda<br />

que não possuem recursos suficientes para a manutenção das edificações, o que<br />

termina por possibilitar uma degradação das mesmas. Um terceiro caso diz respeito<br />

à criação de habitações de baixo custo a partir de uso misto de distritos<br />

particularmente industriais ou armazéns estabeleci<strong>do</strong>s antes da Segunda Guerra.<br />

(Beauregard, 1996, p.48) Essas localidades adjacentes às áreas centrais de


negócios por diversos motivos não são mantidas ou preservadas, o que contribui<br />

para uma desvalorização e deterioração.<br />

Por fim, vem a questão <strong>do</strong> indivíduo que sofre com o processo. Não é correto<br />

dizer que o mesmo é “gentrifica<strong>do</strong>”, mas o fato é que esse agente configura o grupo<br />

<strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s, o mesmo apresenta<strong>do</strong> na representação esquemática <strong>do</strong> capitulo três<br />

(3). Assim, as famílias que se encontram nesse grupo estão mais próximas da linha<br />

da pobreza ao mesmo tempo em que encontram-se <strong>no</strong> caminho <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong><br />

capital. Em meio ao emaranha<strong>do</strong> de questões que envolvem a localização desse<br />

grupo nesses lugares, surgem questões que indicam casos onde parte <strong>do</strong> mesmo<br />

continua a habitar os espaços que sofrem as ações da gentrification. “This group<br />

merely points up, once again, the chaotic nature of gentrification.” (<strong>BA</strong>UREGARD,<br />

1996, p.50)<br />

Algumas ressalvas precisam ser feitas com relação ao conjunto teórico<br />

apresenta<strong>do</strong>. Primeiro, parece que muitos <strong>do</strong>s pontos considera<strong>do</strong>s por Bauregard<br />

como fracos em Smith, foram mais produto de um foco <strong>do</strong> primeiro <strong>no</strong> rent gap <strong>do</strong><br />

que em toda explicação que é apresentada pelo segun<strong>do</strong>. Ainda assim, em to<strong>do</strong> o<br />

debate teórico que foi realiza<strong>do</strong> até o momento, só foram trabalha<strong>do</strong>s os casos de<br />

países situa<strong>do</strong>s <strong>no</strong> topo da cadeia econômica mundial. Além disso, a própria<br />

realidade geográfica, jurídica, cultural, histórica e econômica desses países diverge<br />

muito <strong>do</strong>s de outros países <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Com a intenção de enriquecer o entendimento sobre o processo. Será<br />

necessário desconstruir muitas das explicações apresentadas dentro de uma<br />

concepção anglo-americana <strong>do</strong> mesmo. Certamente a intenção de ambos os<br />

autores não foi a de traçar uma teoria geral para todas as cidades que sofrem com o<br />

processo. Cabe aos estudiosos de cada parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> somar suas contribuições<br />

para que seja possível ampliar um entendimento complexo da realidade.<br />

4.7 Estu<strong>do</strong>s de caso<br />

Antes de sistematizar a aplicação da teoria sobre a gentrification em Salva<strong>do</strong>r<br />

será feito um apanha<strong>do</strong> de alguns estu<strong>do</strong>s de caso <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>no</strong> Brasil ten<strong>do</strong> duas<br />

finalidades. Uma é constatar a diversidade com que o processo se manifesta em<br />

101


cada situação distinta. A segunda é levantar elementos que possam servir de apoio<br />

para a compreensão <strong>do</strong> processo na cidade de Salva<strong>do</strong>r.<br />

4.7.1 Soho - Nova Iorque - EUA<br />

Ao estudar Nova Iorque, Smith (2006), considerou o perío<strong>do</strong> que vai da<br />

década de 1970 até o início <strong>do</strong> século XXI, como sen<strong>do</strong> o <strong>do</strong> surgimento de um <strong>no</strong>vo<br />

tipo de urbanismo cujo processo de gentrification representa uma dimensão central.<br />

Apesar disso o surgimento <strong>do</strong> processo como fenôme<strong>no</strong> se dá em perío<strong>do</strong> anterior,<br />

como já visto anteriormente.<br />

A esse processo que ocorre de forma mais espontânea e pontual Smith<br />

(2006) vai chamar de gentrification esporádica. Ela é a primeira fase de uma divisão<br />

<strong>do</strong> processo em três ondas. “A primeira poderia ser chamada de gentrificação<br />

esporádica, a segunda seria a consolidação <strong>do</strong> processo; enquanto que na terceira<br />

estamos frente a uma gentrificação generalizada”. (SMITH, 2006, p. 63)<br />

A primeira onda é, portanto caracterizada pela migração de uma população<br />

de classe média para os bairros <strong>do</strong> centro. O perío<strong>do</strong> data das décadas de 1950 e<br />

1960. Nessa fase ainda não há uma presença relevante das instituições financeiras<br />

na promoção de investimento e recuperação dessas áreas tidas como decadentes.<br />

A segunda onda definida como consolidação da gentrification teve seu início<br />

<strong>no</strong> fim <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s setenta até 1989. É nesse estágio que os agentes econômicos<br />

atuarão e que o processo se firmará. Também nessa fase os primeiros agentes<br />

promotores <strong>do</strong> processo, geralmente caracteriza<strong>do</strong>s por artistas, universitários,<br />

arquitetos começam a ser substituí<strong>do</strong>s por promotores imobiliários profissionais e a<br />

rent gap, tem uma maior intensificação.<br />

102<br />

Tu<strong>do</strong> isso não aconteceu sem reações. Enquanto que <strong>no</strong>s rui<strong>do</strong>sos a<strong>no</strong>s<br />

oitenta a linguagem e a realidade da gentrificação haviam invadi<strong>do</strong> a mídia,<br />

e <strong>no</strong>vos jovens urba<strong>no</strong>s das classes médias passavam a ser chama<strong>do</strong>s de<br />

yuppies, os efeitos da gentrificação se tornaram mais evidentes. O número<br />

de famílias expulsas de suas moradias subiu vertigi<strong>no</strong>samente, assim como<br />

o número de sem-teto, estima<strong>do</strong> em cerca de 100 mil, ou seja, 1,5% da<br />

população da cidade. (SMITH, 2006, p. 68)<br />

Com a crise que se desencadeou após o crack da Bolsa de 1987 ocorreu uma<br />

recessão <strong>no</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário, que implicou na baixa <strong>do</strong>s aluguéis e o aumento da


taxa de vacância que levou alguns acadêmicos a sugerir uma <strong>no</strong>va realidade da qual<br />

eles chamaram de desgentrification. O autor então relata que:<br />

103<br />

Nos bairros mais marginais, onde a primeira transformação marcante<br />

emergiu durante a segunda onda – Williamsburg e Fort Green, <strong>no</strong> Brooklyn,<br />

a cidade de Long Island, <strong>no</strong> Queens, Hells’s Kitchen, em Manhattan, e<br />

muitas outras – a gentrificação certamente esgotou as fontes para outros<br />

tipos de investimentos em imóveis residenciais. Também <strong>no</strong> Harlem, a<br />

reabilitação das casas de tijolo, que aconteceu <strong>no</strong> fim <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s oitenta,<br />

acabou definitivamente. Mas <strong>no</strong>s bairros mais centrais, <strong>do</strong> Soho e Upper<br />

West Side, o processo não parou completamente <strong>no</strong> início <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s<br />

<strong>no</strong>venta; na verdade, ele prosseguiu até mais que de forma pontual (SMITH,<br />

2006, p. 71)<br />

Após essa fase de recessão que não se deu em to<strong>do</strong>s os lugares como<br />

demonstra<strong>do</strong>, ocorreu um fortalecimento <strong>do</strong> processo que se reiniciou em 1993, foi<br />

retoma<strong>do</strong> em 1994 e amplia<strong>do</strong> em 1996. Com isso ocorre a terceira onda de<br />

<strong>Gentrification</strong>, onde há uma generalização <strong>do</strong> processo para áreas mais afastadas<br />

das centrais.<br />

O autor então explica que o motivo de ter foca<strong>do</strong> esse estu<strong>do</strong> em Nova Iorque<br />

se deu pelo fato de que “em quase quatro décadas essa cidade viu evoluir sua<br />

gentrificação de uma a<strong>no</strong>malia local para uma estratégia urbana articulada.” (SMITH,<br />

2006, p. 73) Para ele essa estratégia urbana se torna global toman<strong>do</strong> características<br />

peculiares em cada lugar onde ocorre. Essa generalização <strong>do</strong> processo apresenta<br />

cinco características interligadas que são “o <strong>no</strong>vo papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>; a penetração <strong>do</strong><br />

capital financeiro; as mudanças <strong>no</strong>s níveis de oposição política; a dispersão<br />

geográfica; e a generalização da gentrificação setorial, já evocada.” (SMITH, 2006,<br />

p. 74)<br />

Dessa forma, o <strong>no</strong>vo pa<strong>no</strong>rama que propicia essa generalização da<br />

gentrification como estratégia urbana ocorre primeiramente por uma participação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> principalmente em parceria <strong>do</strong> capital priva<strong>do</strong> com os gover<strong>no</strong>s locais. Ao<br />

mesmo tempo o capital global se faz presente <strong>no</strong>s investimentos feitos nas áreas<br />

onde ocorre o processo. Concomitantemente, surgem movimentos que se<br />

contrapõem ao processo como os <strong>do</strong>s sem tetos. Há ainda a difusão <strong>do</strong> mesmo para<br />

áreas que não são mais centrais.<br />

O modelo de difusão varia bastante e é influencia<strong>do</strong> por elementos<br />

relaciona<strong>do</strong>s com a arquitetura, com a presença de parques da água, mas<br />

acima de tu<strong>do</strong> ele é adapta<strong>do</strong> aos modelos históricos de investimentos e<br />

desinvestimentos na urbanização. Quanto me<strong>no</strong>res tiverem si<strong>do</strong> os<br />

investimentos na periferia, me<strong>no</strong>res serão os desinvestimentos <strong>no</strong>s bairros


104<br />

aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, e me<strong>no</strong>r terá si<strong>do</strong> a difusão da gentrificação. (SMITH, 2006,<br />

p. 71)<br />

Por último o autor ao falar de uma setorização da gentrification demonstra que<br />

através das estratégias de um grupo que visa certos interesses econômicos há uma<br />

articulação entre diversos aspectos que proporcionarão que essas cidades tornem-<br />

se globais.<br />

Uma <strong>no</strong>va “gentrificação complexa” e institucional inaugura agora uma<br />

re<strong>no</strong>vação urbana de dimensão classista. Essa gentrificação classista<br />

complexa conecta o merca<strong>do</strong> financeiro mundial com os promotores<br />

imobiliários (grandes e médios), com o comércio local, com agentes<br />

imobiliários e com lojas de marcas, to<strong>do</strong>s estimula<strong>do</strong>s pelos poderes locais,<br />

para os quais os impactos sociais serão <strong>do</strong>ravante mais asseguradas pelo<br />

merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> que por sua própria regulamentação. (SMITH, 2006, p. 79)<br />

O estu<strong>do</strong> de caso realiza<strong>do</strong> por Smith em Nova Iorque é de suma importância<br />

para o entendimento <strong>do</strong> processo <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> como em<br />

qualquer lugar. Não é sem motivos que o autor é cita<strong>do</strong> pela grande maioria <strong>do</strong>s<br />

pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> tema. A relevância <strong>do</strong>s aspectos levanta<strong>do</strong>s não está unicamente<br />

nas teorias desenvolvidas pelo mesmo, mas, também porque apesar de o modelo<br />

ocorri<strong>do</strong> <strong>no</strong>s EUA, não servir como uma formula a ser aplicada em outros casos <strong>no</strong><br />

mun<strong>do</strong>, ele serve para orientar a compreensão de como a lógica homogeneizante <strong>do</strong><br />

capital global intervirá <strong>no</strong>s lugares.<br />

4.7.2 Ciutat Vella - Barcelona - Espanha<br />

O caso de Barcelona é um <strong>do</strong>s mais emblemáticos não tanto por ser defini<strong>do</strong><br />

como exemplo de gentrification, mas, por ser modelo de planejamento estratégico<br />

urba<strong>no</strong>. Os planeja<strong>do</strong>res da cidade de Barcelona conseguiram produzir um conjunto<br />

de medidas estratégicas com a finalidade de impulsionar a cidade a se destacar <strong>no</strong><br />

cenário internacional.<br />

Para Nuria Claver (2006) o processo de gentrification pode ser observa<strong>do</strong> em<br />

diferentes lugares da cidade, particularmente onde foram realiza<strong>do</strong>s os<br />

investimentos mais importantes para acolher os Jogos Olímpicos e em certas zonas<br />

contíguas, como o centro antigo, a Ciutat Vella. Segun<strong>do</strong> a autora existem traços de<br />

semelhança entre o processo ocorri<strong>do</strong> em Barcelona com o de outras cidades,<br />

dentre eles o rent-gap e a vinda <strong>do</strong>s yuppies.


Ao levantar os pontos mais relevantes <strong>do</strong> processo em distinção com o tipo<br />

de gentrification anglo-saxão ela chama atenção primeiramente para a lentidão <strong>no</strong><br />

avanço <strong>do</strong> processo ao mesmo tempo em que o caráter de intervenção estatal<br />

também se distingue.<br />

A situação <strong>no</strong> caso da cidade antes de se iniciar o processo é similar ao das<br />

cidades onde ele ocorre, ou seja, primeiramente a burguesia incomodada com o<br />

adensamento populacional migra <strong>do</strong> centro para áreas periféricas o que possibilitou<br />

uma ocupação <strong>do</strong>s bairros centrais pelos mais pobres, caracterizan<strong>do</strong> essa primeira<br />

substituição populacional.<br />

Com a proximidade <strong>do</strong>s jogos olímpicos a própria população lançou uma<br />

campanha em 1987, reclaman<strong>do</strong> por investimentos <strong>no</strong> centro histórico que segun<strong>do</strong><br />

a autora “apresentava uma degradação urbanística avançada, que coincidia com<br />

uma imagem pública negativa, associada também à presença muito densa de bares<br />

onde se concentrava a prostituição.” (CLAVER, 2006, p.149) Havia também uma<br />

grande quantidade de migrantes que vieram desde 1955, inicialmente <strong>do</strong> Sul da<br />

Espanha e depois de outros países.<br />

O Esta<strong>do</strong> teve um papel fundamental <strong>no</strong> processo, primeiramente porque o<br />

próprio sentimento de crise expresso pela população é produto de uma ação <strong>do</strong><br />

planejamento estratégico (BORJ A e CASTELLS, 1997). Depois porque <strong>no</strong> modelo<br />

de ações estratégicas, o Esta<strong>do</strong> criou equipamentos públicos que terminaram por<br />

valorizar o seu entor<strong>no</strong>, contribuin<strong>do</strong> para o aumento <strong>do</strong> aluguel e um modelo de<br />

gentrification induzi<strong>do</strong>.<br />

105<br />

A prefeitura baseou sua estratégia na localização das atividades<br />

econômicas consideradas “regenera<strong>do</strong>ras”, assim como <strong>no</strong>s equipamentos<br />

culturais em pontos estratégicos. Dilyis Hill (1994) realizou uma análise das<br />

políticas de “regeneração” baseadas <strong>no</strong> surgimento de espaços de atração<br />

cultural e de atividades econômicas alternativas. Essas medidas foram<br />

promovidas pelo gover<strong>no</strong> local e tinham como objeto principal diversificar o<br />

espaço público, objetivo este considera<strong>do</strong> como premissa necessária á<br />

qualquer dinâmica “auto-regenera<strong>do</strong>ra” <strong>do</strong> bairro. (CLAVER, 2006, p.157)<br />

Os agentes econômicos só intervieram <strong>no</strong>s espaços após as ações de<br />

valorização por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Com os investimentos <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong> o preço das<br />

habitações não parou de subir. Também tiveram como fatores contribuintes para a<br />

especulação o crescimento <strong>do</strong> turismo após as Olimpíadas de 1992<br />

Os proprietários de imóveis situa<strong>do</strong>s nas zonas que foram revalorizadas<br />

começaram a vender seus bens às grandes empresas imobiliárias. Agora os


106<br />

investi<strong>do</strong>res redescobriam o bairro, porque ali era possível conseguir lucros<br />

significativos. (...) Muitas vezes, os promotores imobiliários adquirem<br />

imóveis ocupa<strong>do</strong>s, e em seguida recorrem a diferentes estratagemas legais<br />

para obrigar os mora<strong>do</strong>res a partir. Os <strong>no</strong>vos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s imóveis<br />

reabilita<strong>do</strong>s correspondem a uma população de classe média, jovem e<br />

qualificada. Vivem geralmente sós ou em casais, e possuem de um bom<br />

poder compra. (CLAVER, 2006, p.157)<br />

A associação de mora<strong>do</strong>res se mobilizou para mitigar a expulsão <strong>do</strong>s<br />

mora<strong>do</strong>res e conseguiu que eles morassem em habitações <strong>do</strong> centro construídas<br />

pelo gover<strong>no</strong>. A prefeitura por sua vez nega o caráter gentrifica<strong>do</strong>r de suas ações e<br />

diz que a intenção é promover a mistura social.<br />

4.7.3 Saint-Georges – Lyon - França<br />

O que é interessante <strong>no</strong> caso de Lyon é que o Esta<strong>do</strong> tentará impedir o<br />

acontecimento <strong>do</strong> processo. Nesse caso os agentes econômicos entram em conflito<br />

com a esfera pública. Como já visto, o Esta<strong>do</strong> de forma geral é um agente que<br />

contribui para a realização da <strong>Gentrification</strong>, seja em um primeiro momento através<br />

de incentivos ou em um perío<strong>do</strong> posterior a consolidação <strong>do</strong> processo em parceria<br />

com o capital priva<strong>do</strong>. Independente da justificativa ideológica que permeia as ações<br />

“gentrifica<strong>do</strong>ras” esse agente tem ocupa<strong>do</strong> papel de destaque na promoção <strong>do</strong><br />

processo.<br />

Para Authier (2006) o processo que ocorre em Lyon já é algo comum <strong>no</strong>s<br />

centros das cidades francesas. O autor estu<strong>do</strong>u o bairro de Saint-Georges em Lyon<br />

e identificou a ocorrência de gentrification em três fases. Primeiramente há uma<br />

ocupação <strong>do</strong>s espaços me<strong>no</strong>s degrada<strong>do</strong>s <strong>do</strong> bairro pelas famílias de classe média.<br />

Depois há o apoio <strong>do</strong> Gover<strong>no</strong> às mudanças ocorridas na tentativa de impedir as<br />

especulações imobiliárias ten<strong>do</strong> os agentes econômicos se beneficia<strong>do</strong> com isso.<br />

Por ultimo há uma ampliação <strong>do</strong> processo como será demonstra<strong>do</strong> a seguir.<br />

Outro aspecto importante presente <strong>no</strong>s estu<strong>do</strong>s feitos pelo mesmo é a<br />

influência geográfica <strong>no</strong> vetor <strong>do</strong> processo. No caso de Barcelona os equipamentos<br />

urba<strong>no</strong>s são cria<strong>do</strong>s de forma estratégica para promover uma valorização <strong>do</strong><br />

entor<strong>no</strong>. Em Saint-Georges a proximidade com outro bairro também histórico - Saint<br />

Jean – será um fator de valorização espacial. Assim, quanto mais próximo desse<br />

bairro, maior será a quantidade de famílias de classe média, enquanto que <strong>no</strong> outro<br />

extremo a quantidade de famílias mais pobres aumenta. Sen<strong>do</strong> assim é possível


identificar em Saint-Georges uma gentrification estratificada seguin<strong>do</strong> um vetor<br />

induzi<strong>do</strong> por uma proximidade geográfica com Saint-Jean.<br />

O contexto aponta<strong>do</strong> por Authier (2006) não é diferente <strong>do</strong>s já apresenta<strong>do</strong>s.<br />

Saint-Georges é um bairro muito antigo, situa<strong>do</strong> <strong>no</strong> centro de Lyon que já teve um<br />

momento de pujança econômica, mas que se encontrava em decadência, em<br />

contraposição a área <strong>do</strong> seu entor<strong>no</strong> (Lyon Velha) que havia recu pera<strong>do</strong> em parte<br />

seu prestigio. Na primeira fase de “retomada social” há uma invasão desse bairro<br />

por famílias jovens, caracterizadas por casais ou de pessoas solteiras que<br />

compunham segun<strong>do</strong> o autor três camadas distintas da população.<br />

107<br />

A primeira é composta de “accédents culturels”: trata-se de jovens casais<br />

trabalha<strong>do</strong>res, pertencentes à nebulosa das classes médias assalariadas,<br />

as quais freqüentemente após um perío<strong>do</strong> de forte mobilidade residencial<br />

conseguem ter acesso a um apartamento próprio financia<strong>do</strong>. (...) A<br />

segunda, muito mais marginal em termos efetivos, é constituída pelos<br />

“accédents techniques”: famílias geralmente jovens, provenientes das<br />

camadas superiores da “classe” operária, que também têm acesso à<br />

propriedade. (...) Enfim, a terceira grande categoria de “invasores”, a mais<br />

numerosa, mas também a mais frágil, é formada pelo “<strong>no</strong>vos locatários”:<br />

nessa categoria estão principalmente indivíduos jovens, geralmente<br />

solteiros, provenientes de diferentes meios sociais, que estudam na<br />

universidade, às vezes exercen<strong>do</strong> ao mesmo tempo uma atividade<br />

profissional precária, muitas vezes <strong>no</strong> campo sócio-cultural ou <strong>no</strong> meio<br />

artístico.” (AUTHIER, 2006, p.127)<br />

Na segunda fase o gover<strong>no</strong> tenta impedir as ações da especulação, lançan<strong>do</strong><br />

programas de reabilitação das casas, através de uma “Operação Programada de<br />

Melhoria <strong>do</strong> Habitat (OPAH)” (AUTHIER, 2006, p.130) , que visava a reabilitação de<br />

420 habitações sen<strong>do</strong> 250 privadas de aluguel. O programa oferecia subvenções<br />

ampliadas se reformassem seus imóveis. Ten<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> por uma implementação<br />

dificultosa o programa só “funcio<strong>no</strong>u” com o interesse de agentes que dispunham de<br />

capital que se aproveitaram <strong>do</strong> programa por meio das sociedades civis para adquirir<br />

esses imóveis <strong>no</strong> intuito de se beneficiarem das vantagens fiscais. Outro aspecto<br />

atrela<strong>do</strong> a isso é que a operação surtiu efeito na zona <strong>no</strong>rte <strong>do</strong> bairro, onde<br />

justamente está mais próxima de Saint-Jeans.<br />

O terceiro momento se dá com a amplificação dessas ações, porém com a<br />

peculiaridade da estratificação espacial. Dessa forma mesmo que o processo tenha<br />

se amplifica<strong>do</strong> <strong>no</strong> que diz respeito até mesmo a <strong>no</strong>vas substituições nas mesmas<br />

áreas que já haviam ocorri<strong>do</strong> a gentrification, essa ampliação ficou concentrada na


porção <strong>no</strong>rte <strong>do</strong> bairro que continuou caracteriza<strong>do</strong> por uma heterogeneidade social<br />

mesmo que de forma estratificada.<br />

4.7.4 Cidades Mexicanas<br />

Dos estu<strong>do</strong>s sobre gentrification em países estrangeiros, talvez, os que foram<br />

feitos por Mele (2006) possam se aproximar mais da realidade brasileira. Não<br />

somente por serem países emergentes, mas também pelo fato de serem antigas<br />

colônias <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> mercantilista da história e que tiveram sua independência em<br />

a<strong>no</strong>s aproxima<strong>do</strong>s – 1821 a <strong>do</strong> México e 1822 a <strong>do</strong> Brasil. Também porque apesar<br />

de uma independência política, continuaram sob uma dependência econômica com<br />

relação às grandes potências imperialistas. Além disso, ambos são países que<br />

experimentaram uma grande mistura cultural, com a presença mais forte <strong>do</strong>s grupos<br />

indígenas e espanhóis <strong>no</strong> caso mexica<strong>no</strong>, e <strong>do</strong>s africa<strong>no</strong>s, indígenas e portugueses<br />

<strong>no</strong> caso brasileiro. A força cultural e a história <strong>do</strong> povo brasileiro e mexica<strong>no</strong> é um<br />

ponto de destaque. Sen<strong>do</strong> a gentrification um processo que se pauta nesses<br />

aspectos como justificativa ideológica, essas semelhanças talvez possam apontar<br />

elementos significativos para a análise <strong>do</strong> caso de Salva<strong>do</strong>r.<br />

O pa<strong>no</strong>rama das cidades mexicanas antes <strong>do</strong> processo ocorrer, mais uma<br />

vez é similar aos já estuda<strong>do</strong>s anteriormente. O que muda aqui é que de mo<strong>do</strong> geral<br />

a classe mexicana mais abastada não tem interesse em viver <strong>no</strong>s centros preferin<strong>do</strong><br />

as orlas e áreas que retratem a modernidade. Sen<strong>do</strong> assim não haverá “pioneiros”<br />

<strong>no</strong> mesmo grau de intensidade <strong>do</strong>s que já foram observa<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s outros casos.<br />

Ainda tem a própria estratégia <strong>do</strong>s <strong>do</strong><strong>no</strong>s de imóveis localiza<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s centros<br />

históricos que muitas vezes deixam as edificações chegarem ao seu pior esta<strong>do</strong>,<br />

para que quan<strong>do</strong> incendia<strong>do</strong>s ou em ruínas, possam negociar com o Esta<strong>do</strong> que por<br />

sua vez tem participação <strong>no</strong> processo de tombamentos e de buscar a preservação<br />

patrimonial.<br />

A cultura popular de habitar o centro por sua vez é o que há de mais forte<br />

nessas cidades mexicanas. Esse mo<strong>do</strong> de vida <strong>do</strong>s mais pobres gera uma cadeia de<br />

relações e de centralidades comerciais que permeiam o cotidia<strong>no</strong>. É caracterizada<br />

pela presença de feiras e de uma circulação nesses bairros de populações de baixa<br />

renda.<br />

108


O Esta<strong>do</strong> tenta <strong>no</strong>rmatizar essa cultura removen<strong>do</strong> as feiras das localidades<br />

centrais, ou interferin<strong>do</strong> nas práticas populares de habitat <strong>do</strong> centro tentan<strong>do</strong><br />

estimular a volta <strong>do</strong>s atores priva<strong>do</strong>s, mas que tende a fracassar em suas ações por<br />

<strong>do</strong>is motivos. Primeiro por sua estrutura jurídica burocrática que dificulta as ações <strong>do</strong><br />

setor priva<strong>do</strong>, apesar das tentativas de atraí-lo. E segun<strong>do</strong> pela força da cultura<br />

popular de ir ao centro que, em combinação com o desinteresse <strong>do</strong>s mais ricos pelo<br />

mesmo, termina frustran<strong>do</strong> as ações estatais.<br />

109<br />

As relações entre os atores públicos e os atores priva<strong>do</strong>s são complexas.<br />

Os projetos públicos tentam canalizar a inscrição territorial de uma parte <strong>do</strong>s<br />

investi<strong>do</strong>res priva<strong>do</strong>s e se colocar ao serviço de suas supostas<br />

necessidades. Julga-se que o acesso às mais valias e à transformação das<br />

valorizações relativas ao espaço urba<strong>no</strong> provocada pelos investimentos<br />

públicos é suscetível de atrair os investi<strong>do</strong>res priva<strong>do</strong>s, por lhes dar a<br />

possibilidade de obter benefícios da valorização <strong>do</strong> espaço central. No<br />

entanto, a “iniciativa privada” é duplamente frágil. Por um la<strong>do</strong>, os<br />

proprietários e demais atores priva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> centro são considera<strong>do</strong>s<br />

incapazes de manter suas propriedades e, portanto, o espaço urba<strong>no</strong><br />

central. Por outro la<strong>do</strong>, os <strong>no</strong>vos investi<strong>do</strong>res que deviam ser mobiliza<strong>do</strong>s<br />

pelas intervenções públicas continuam afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> centro. (...) A<br />

reabilitação e a restauração não se constituíram como um merca<strong>do</strong>, apesar<br />

das ajudas aos proprietários ou das medidas de solvabilização da demanda.<br />

Os empresários, promotores sociais ou organizações populares que tentam<br />

realizar programas de moradia <strong>no</strong> centro ou desenvolver a reabilitação<br />

enfrentam dificuldades de relação com o setor bancário, com certos setores<br />

da administração local ou com as organizações de proteção <strong>do</strong> patrimônio.<br />

(MELE, 2006, p.215)<br />

Soma-se a isso o preço <strong>do</strong>s imóveis e <strong>do</strong>s aluguéis serem baratos e que até<br />

mesmo tentativas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em melhorar a imagem da cidade crian<strong>do</strong> espaços<br />

vazios (com a remoção <strong>do</strong>s feirantes, por exemplo), terminam proporcionan<strong>do</strong> um<br />

ambiente favorável para a existência da prostituição e da ilegalidade.<br />

O autor afirma não ter ocorri<strong>do</strong> uma gentrification <strong>no</strong>s moldes observa<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s<br />

países europeus ou <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s EUA, onde há substituição de uma população<br />

pobre por outra mais rica que é expressiva não só pela quantidade, mas também<br />

pela espacialidade que segue um zoneamento.<br />

Ele conclui constatan<strong>do</strong> que há uma gentrification pontual que não segue uma<br />

continuidade, mas, se expressa pelas ações estatais de “limpeza social” e que se<br />

concretiza de forma dispersa em vários lugares, seja em um edifício recupera<strong>do</strong>,<br />

seja em con<strong>do</strong>mínios isola<strong>do</strong>s.


4.7.5 Bruxelas – Bélgica<br />

Criekingen (2006) após debater o caso de Bruxelas chega à constatação de<br />

que a gentrification não ocorre na cidade. Para obter tais resulta<strong>do</strong>s ele explica sua<br />

meto<strong>do</strong>logia que é composta de três caminhos. O primeiro através de parâmetros<br />

obti<strong>do</strong>s dentro <strong>do</strong> que ele conceitua o processo estuda<strong>do</strong>, depois através da<br />

avaliação de quem seriam os promotores <strong>do</strong> processo e por último ao trabalhar com<br />

os da<strong>do</strong>s estatísticos.<br />

Apesar de conter um teor crítico em sua análise, a rigidez pragmática com<br />

que trabalhou os conceitos e os da<strong>do</strong>s leva a questionar a interpretação <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s demonstra<strong>do</strong>s pelo próprio autor. Apesar disso, o mesmo oferece uma<br />

quantidade de conceitos e reflexões de grande relevância para a compreensão <strong>do</strong><br />

que seria gentrification. O primeiro ponto dessa dureza com o que o autor trata o<br />

processo diz respeito ao conceito.<br />

110<br />

Eu proponho falar de gentrificação quan<strong>do</strong> estamos em presença de um<br />

processo de produção de um espaço sofistica<strong>do</strong> e homogêneo a partir de<br />

um espaço urba<strong>no</strong> originalmente degrada<strong>do</strong> (seja ele habita<strong>do</strong> ou não), o<br />

qual, desde então, apresenta transformações <strong>no</strong> seu aspecto exterior pela<br />

re<strong>no</strong>vação das edificações existentes (conservan<strong>do</strong> ou transforman<strong>do</strong> a<br />

função original <strong>do</strong>s edifícios) ou pela construção de <strong>no</strong>vos edifícios, e que<br />

se assenta sobre uma mobilidade residencial que ocorre pela instalação de<br />

uma <strong>no</strong>va população, e, se for o caso, pela partida da população<br />

previamente existente, mais ou me<strong>no</strong>s forçada por diferentes tipos de<br />

pressão. (CRIEKINGEN, 2006, p.100)<br />

Se por um la<strong>do</strong> o autor define um excelente conceito para o processo, por<br />

outro <strong>no</strong> momento em que faz a sua análise, ele enrijece o mesmo. A flexibilidade<br />

talvez pudesse levar o mesmo a uma constatação diferente, o fato é que tu<strong>do</strong> leva a<br />

crer que o mesmo se prendeu aos padrões de gentrification das cidades globais,<br />

como o mesmo coloca. Além disso, ele também caracterizou um perfil para os tipos<br />

de “gentrifica<strong>do</strong>res”, como se fossem somente yuppies. Por último ao analisar o<br />

processo pelo viés estatístico toman<strong>do</strong> como base a renda das famílias em uma<br />

proporção geral o mesmo desconsiderou as substituições que ocorreram como<br />

sen<strong>do</strong> frutos de uma gentrification, por conta de uma posição relativa ao de outras<br />

camadas mais ricas da cidade de Bruxelas. Ainda há mais um fator a ser<br />

questiona<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> mesmo que constatan<strong>do</strong> casos pontuais o autor não os


considerou expressivos para que seja enquadra<strong>do</strong> o processo como existin<strong>do</strong> na<br />

cidade.<br />

Se os critérios estabeleci<strong>do</strong>s pelo autor forem segui<strong>do</strong>s, então de to<strong>do</strong>s os<br />

relatos apresenta<strong>do</strong>s até aqui, talvez somente o de Nova Iorque, será defini<strong>do</strong> como<br />

gentrification. Existem mais questões que implicam o processo que passaram<br />

despercebi<strong>do</strong>s por Criekingen. Dentre eles o fator da intencionalidade de um agente<br />

versus o grau de sucesso das suas ações. O impacto sócio espacial que as ações<br />

possam estabelecer. E por fim a expressividade <strong>do</strong> relativismo pontual de fatos.<br />

Os da<strong>do</strong>s informa<strong>do</strong>s por Criekingen levam a uma suposição de que talvez o<br />

caso de Bruxelas esteja em um intermediário entre Barcelona e o das cidades<br />

mexicanas. Contu<strong>do</strong> existem mais <strong>do</strong>is conceitos utiliza<strong>do</strong>s pelo autor que podem<br />

responder a tais suposições. Primeiro ele elabora o conceito de “<strong>Gentrification</strong><br />

Marginal” e depois trata sobre o upgrade. Sobre a “<strong>Gentrification</strong> Marginal” ele diz:<br />

111<br />

Trata-se de um processo pelo qual certos bairros centrais se vêm toma<strong>do</strong>s<br />

por uma população jovem, muito escolarizada, globalmente mais abastada<br />

que os antigos mora<strong>do</strong>res, sem, <strong>no</strong> entanto, serem “os ricos” na escala da<br />

cidade. (...) Dito de outro mo<strong>do</strong>, a gentrificação marginal não é um estágio<br />

transitório para a chegada de uma gentrificação total a mais ou me<strong>no</strong>s curto<br />

prazo. (CRIEKINGEN, 2006, p.100)<br />

Já o conceito de upgrading é utiliza<strong>do</strong> pelo autor para definir uma ascensão<br />

da própria população dessas localidades centrais de Bruxelas o que possibilita que a<br />

mesma melhore suas condições de habitação. Nesse caso realmente não se trataria<br />

de gentrification. Um aspecto importante na contribuição deste autor com o termo<br />

upgrading, é que provavelmente estas melhorias, ao que se refere a palavra,<br />

ocorrem na maioria <strong>do</strong>s casos de gentrification, mesmo que fiquem negligenciadas<br />

nas análises.<br />

4.7.6 São Paulo - Brasil<br />

D’Arc, (2006) compara a urbanização das cidades lati<strong>no</strong>-americanas como<br />

sen<strong>do</strong> rápidas em relação ao das europeias, após comentar sobre a afirmação de<br />

Smith de que São Paulo não conheceu as duas primeiras fases da gentrification,<br />

ten<strong>do</strong> uma generalização <strong>do</strong> processo. A autora menciona também sobre análises<br />

que consideram “a cidade que se desfaz” se referin<strong>do</strong> à proliferação <strong>do</strong>s<br />

con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s e a difusão como estratégia produtiva. Para ela o processo


que ocorre nas cidades brasileiras é produto de uma incerteza de fatores <strong>do</strong>s<br />

planeja<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s espaços urba<strong>no</strong>s que “somada a certeza de que é preciso fazer<br />

qualquer coisa, conduziu os promotores <strong>do</strong>s projetos brasileiros a buscar <strong>no</strong>s<br />

modelos europeus supostamente comprova<strong>do</strong>s, mais <strong>do</strong> que <strong>no</strong>s <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s,<br />

as referências e o savoir-faire.” (D’ARC, 2006 p.267)<br />

Em seguida a autora faz uma comparação entre São Paulo e as demais<br />

cidades brasileiras, primeiramente <strong>no</strong> que diz respeito ao crescimento demográfico,<br />

que mesmo em casos como o de Salva<strong>do</strong>r que experimentou um grande boom<br />

demográfico nas ultimas décadas, se comparada com São Paulo não alcança<br />

tamanha dimensão. Ainda aborda o patrimônio histórico e cultural de Salva<strong>do</strong>r e<br />

Recife. “onde pode circunscrever bastante bem “o perímetro simbólico da memória<br />

urbana”.”<br />

Sobre o que ela de<strong>no</strong>mina como O projeto de revitalização <strong>do</strong> centro de São<br />

Paulo, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2001 houveram ”reciclagens pontuais” <strong>no</strong> Centro Velho. Segun<strong>do</strong> a<br />

autora o Cone Sul da América Latina sofreu uma grande influência em to<strong>do</strong>s os<br />

projetos de planejamento urba<strong>no</strong> <strong>do</strong> modelo estratégico a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por Barcelona.<br />

Ao lançar em diversas instâncias os debates públicos sobre o Pla<strong>no</strong> Diretor<br />

Estratégico 2001-2010, “o pla<strong>no</strong> propõem como ponto três <strong>do</strong> cenário para 2010:<br />

“centro principal requalifica<strong>do</strong>, com muitos habitantes e atividades econômicas”<br />

(D’ARC”, 2006 p.267). O pla<strong>no</strong> foca a recomposição <strong>do</strong>s espaços urba<strong>no</strong>s e<br />

problemas clássicos da cidade como ambiente/poluição.<br />

Traçan<strong>do</strong> uma comparação entre algumas recomendações <strong>do</strong>s pla<strong>no</strong>s<br />

diretores <strong>do</strong> México e São Paulo, a autora chama a atenção para a semelhança<br />

entre ambos, a preocupação com as questões sociais bem como estruturais. No<br />

entanto ela alerta para o fato de que em nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is pla<strong>no</strong>s há menção da<br />

inclusão <strong>do</strong> capital <strong>do</strong>s grandes agentes econômicos, o que segun<strong>do</strong> a autora já é<br />

fato inclusive aponta<strong>do</strong> por estu<strong>do</strong>s de outro autor <strong>no</strong> mesmo livro sobre a Cidade <strong>do</strong><br />

México.<br />

112<br />

“Entretanto, que esses programas não dizem, o que é <strong>no</strong>rmal se tratan<strong>do</strong> de<br />

programas da prefeitura e das instituições com as quais eles pretendem<br />

estabelecer parcerias (associações, ONGs, bancos de desenvolvimento) é<br />

que o recurso aos grandes investi<strong>do</strong>res <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> é inevitável e está em<br />

curso.” (D’ARC”, 2006 p.267)


D’Arc alerta sobre o pensamento <strong>do</strong>s planeja<strong>do</strong>res em São Paulo que é de se<br />

inspirar nas supostas bem sucedidas experiências europeias que recuperam suas<br />

habitações em áreas centrais a um custo inferior ao da construção de uma unidade.<br />

Ainda é relevante o destaque <strong>do</strong> Banco de Boston, como agente econômico de<br />

grande influência na promoção cultural na cidade.<br />

A prefeitura buscou na gestão <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> analisa<strong>do</strong> (2006) atuar como um<br />

facilita<strong>do</strong>r para que as famílias de classe média possam ter acesso às habitações.<br />

Isso através de créditos ofereci<strong>do</strong>s pelo Gover<strong>no</strong> Federal, sen<strong>do</strong> um deles o <strong>do</strong><br />

Programa de Arrendamento Residencial – PAR – e outro o Programa de Ação em<br />

Cortiços – PAC. Ainda há um projeto de alteração na lei sobre o IPTU que faria com<br />

que os grandes deve<strong>do</strong>res por conta da soma da dívida de imóveis, pudessem quitar<br />

essas dívidas oferecen<strong>do</strong> os mesmos como forma de quitação total ou parcial.<br />

Esses por sua vez seriam utiliza<strong>do</strong>s pela prefeitura em programas de habitação.<br />

A autora conclui com a constatação de que, apesar de um esvaziamento <strong>do</strong><br />

centro, não há um interesse da classe média em se deslocar para ele, muito me<strong>no</strong>r<br />

o interesse de uma classe ainda mais rica. No senti<strong>do</strong> contrário parece haver uma<br />

tendência a um isolamento – similar aos aponta<strong>do</strong>s anteriormente como enclaves<br />

fortifica<strong>do</strong>s. Enquanto que os artistas preferem se identificar mais por seu<br />

pertencimento à periferia ou à favela.<br />

4.7.7 Salva<strong>do</strong>r<br />

Dentro <strong>do</strong> referencial bibliográfico levanta<strong>do</strong>, a primeira utilização <strong>do</strong> termo<br />

gentrificação em Salva<strong>do</strong>r data de 2002 <strong>no</strong> livro: Salva<strong>do</strong>r, Transformações e<br />

Permanências (1549-1999) <strong>do</strong> professor Pedro Vasconcelos. Isso não significa que<br />

não possam existir escritos que apontem o mesmo em a<strong>no</strong>s anteriores. No entanto,<br />

sabe-se que houve estu<strong>do</strong>s sobre substituições populacionais ocorridas <strong>no</strong> centro<br />

histórico. Com relação à menção sobre o processo Vasconcelos diz que:<br />

113<br />

O segun<strong>do</strong> movimento foi de re<strong>no</strong>vação, por iniciativa <strong>do</strong> gover<strong>no</strong> estadual,<br />

da parte <strong>no</strong>rte da área central, inician<strong>do</strong> em 1992: nas áreas <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>,<br />

<strong>do</strong> Passo e <strong>do</strong> Carmo e, recentemente, na praça da Sé, transforman<strong>do</strong> e<br />

revalorizan<strong>do</strong> a principal parte <strong>do</strong> patrimônio monumental e urbanístico da<br />

cidade, que estava em processo de avançada deterioração, através da<br />

restauração e da recriação de parte da antiga cidade colonial, num total de<br />

334 prédios em 16 quarteirões, com um custo total de 23 milhões de dólares<br />

nas quatro primeiras etapas, com uma mudança total <strong>do</strong>s usos e funções


114<br />

anteriores, e com o deslocamento da maior parte da população residente<br />

(1.967 famílias foram indenizadas com 1.850.000 dólares) (Ipac, 1995), o<br />

que resultou na implantação das <strong>no</strong>vas atividades comerciais, de serviços,<br />

de lazer e culturais, o que pode ser considera<strong>do</strong> como um processo parcial<br />

de “gentrificação”. Com a implantação de <strong>do</strong>is estacionamentos rotativos<br />

(sen<strong>do</strong> um com 120 vagas), a acessibilidade foi melhorada, com reforço <strong>do</strong><br />

policiamento e, sobretu<strong>do</strong>, com a realização de eventos culturais, foram<br />

amplia<strong>do</strong>s os fluxos de turistas (nacionais e estrangeiros, e os próprios<br />

habitantes da metrópole voltaram a freqüentar a área, anteriormente<br />

considerada decadente e perigosa. (VASCONCELOS, 2002, p.385)<br />

O autor delimita o processo como relativo à área que vai <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> até o<br />

Carmo, o que de fato corresponde ao que ocorria naquele momento. Primeiro pelos<br />

focos onde as ações <strong>do</strong> Gover<strong>no</strong> ocorreram e também porque as consequências<br />

dessas ações ainda não haviam repercuti<strong>do</strong> de forma significante em outras áreas<br />

<strong>do</strong> centro, como o Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo por exemplo. Ele fala de três<br />

cidades, sen<strong>do</strong> a primeira o recorte da Salva<strong>do</strong>r antiga e com relação a ela aponta<br />

as transformações e permanências:<br />

A “primeira” cidade, a cidade original, corresponde ao centro histórico, ou<br />

seja, ao território da antiga Salva<strong>do</strong>r, construída pelos agentes <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>,<br />

segun<strong>do</strong> o padrão urbanístico português, embora adapta<strong>do</strong> às condições<br />

ambientais e sociais locais, cujo conjunto urbanístico sobrevivente justificou<br />

que a cidade recebesse o título de “Patrimônio da Humanidade” pela<br />

Unesco, eem 1985, e cuja parte central está em completo processo de<br />

re<strong>no</strong>vação (por um la<strong>do</strong> recupera um magnífico patrimônio ameaça<strong>do</strong> de<br />

ruína, por outro la<strong>do</strong> perde seus habitantes, através da “reconquista”<br />

realizada pelo comércio e outras atividades vinculadas ao turismo,<br />

transforman<strong>do</strong>-a <strong>no</strong> “Shopping <strong>do</strong> Pelô”)” (VASCONCELOS, 2002, p.423)<br />

Um artigo de 2003 publica<strong>do</strong> <strong>no</strong> Encontro Nacional da Anpur tem como titulo:<br />

“Intervenções urbanas em Salva<strong>do</strong>r: turismo e “gentrificação” <strong>no</strong> processo de<br />

re<strong>no</strong>vação urbana <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.” (NOBRE, 2003, p.1). O autor faz um breve<br />

apanha<strong>do</strong> sobre as questões estruturais <strong>do</strong>s grandes projetos de intervenção urbana<br />

e comenta o caso de Salva<strong>do</strong>r <strong>no</strong> contexto desses grandes projetos. Aborda<br />

também algumas das diferentes estratégias de promoção urbana que são<br />

conhecidas <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

As estratégias variaram de cidade para cidade, basean<strong>do</strong>-se na promoção<br />

de eventos internacionais ou espetáculos, como <strong>no</strong>s casos das Olimpíadas<br />

de Barcelona, da Expo98 de Lisboa e da Feira de Baltimore, na criação de<br />

<strong>no</strong>vos distritos de negócios através da re<strong>no</strong>vação urbana das áreas<br />

degradadas, como em Londres, Nova Iorque e Paris, ou na criação de<br />

centros governamentais e edifícios públicos, como em Berlim e Kuala<br />

Lumpur. (NOBRE, 2003, p.2)<br />

Ao tratar de forma sucinta sobre o histórico da cidade de Salva<strong>do</strong>r, ele aponta<br />

que a partir <strong>do</strong> século XIX se intensifica o processo de deterioração <strong>do</strong> que chama


de <strong>Pelourinho</strong>, para o autor esse processo foi consequência da especulação<br />

imobiliária fora <strong>do</strong>s limites da área e das obras públicas fruto de um urbanismo<br />

moder<strong>no</strong>. Explica por fim que a construção da Avenida 7 de Setembro em 1910<br />

“forjou o eixo central da expansão das classes altas em direção à orla sul.<br />

(VILLAÇA, apud, NOBRE, 2003)<br />

O processo de recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> foi impulsiona<strong>do</strong> por um<br />

grupo de intelectuais, e tem seu ponto de partida em 1985 com o <strong>Pelourinho</strong> sen<strong>do</strong><br />

considera<strong>do</strong> Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Há um primeiro projeto de<br />

1986 a 1989 - que tinha por características a recuperação estrutural e física das<br />

edificações com a manutenção da população e da diversidade cultural. Porém o<br />

projeto não obteve êxito, como será demonstra<strong>do</strong> <strong>no</strong> capítulo cinco (5). Há então um<br />

segun<strong>do</strong> momento onde o Gover<strong>no</strong> muda de estratégia e decide intervir de maneira<br />

pesada ten<strong>do</strong> ciência <strong>do</strong> potencial turístico que a área representa.<br />

Nobre (2003) revela os estu<strong>do</strong>s de Wipfli de 2000, que relatam as<br />

intervenções na área como ten<strong>do</strong> a intenção de promoção turística. Para isso de<br />

1992 até 1999, seis estágios de intervenção já haviam si<strong>do</strong> consolida<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong><br />

investi<strong>do</strong>s US$ 76.453.088,00, <strong>no</strong> restauro de 1.350 casas, igrejas, monumentos e<br />

museus. Conclui questionan<strong>do</strong> a que preço o Esta<strong>do</strong> conseguiu restaurar o<br />

complexo arquitetônico <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> ao mesmo tempo em que não nega a<br />

importância econômica da ação. Com relação à gentrification, ele afirma que apesar<br />

de existente ainda não havia se consolida<strong>do</strong>.<br />

Outro estu<strong>do</strong> que apontou o termo foi o de Bonfim (2007) que em uma parte<br />

de sua tese, chegou através da análise de da<strong>do</strong>s estatísticos sobre o Centro<br />

<strong>Histórico</strong>, à conclusão de que não existe gentrification na cidade, pelo me<strong>no</strong>s em<br />

sua forma original: “Não houve gentrificação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r, pelo<br />

me<strong>no</strong>s da forma como foi definida originalmente. Apesar da expulsão da população<br />

de baixa renda ter ocorri<strong>do</strong>, esta não foi substituída por uma população de maior<br />

renda”. (BONFIM, 2007, p.487)<br />

Em 2007 um trabalho <strong>do</strong> presente autor (RIBEIRO, 2007) tratou sobre o<br />

processo de gentrification na localidade <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. Dentre os<br />

resulta<strong>do</strong>s aponta<strong>do</strong>s, um de relevância foi que o fenôme<strong>no</strong> que ocorre nesse bairro<br />

é uma consequência das ações de remoção populacional exercidas pelo esta<strong>do</strong> nas<br />

etapas de “revitalização” <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. O trabalho contou com uma discussão<br />

115


sobre o planejamento urba<strong>no</strong> <strong>no</strong>s moldes da globalização fazen<strong>do</strong> uma evolução<br />

histórica <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, e culminan<strong>do</strong> com uma pesquisa de<br />

campo que exami<strong>no</strong>u algumas questões relativas à origem e tempo <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res,<br />

bem como sexo <strong>do</strong>s chefes de família e esta<strong>do</strong> civil. Ainda foi analisa<strong>do</strong> se os<br />

mora<strong>do</strong>res viviam de aluguel ou casa própria e a quantidade de estabelecimentos<br />

comerciais além de sua função.<br />

Os resulta<strong>do</strong>s foram apresenta<strong>do</strong>s distribuí<strong>do</strong>s espacialmente e<br />

representa<strong>do</strong>s em cada edificação <strong>do</strong> bairro. Constatou-se que estava acontecen<strong>do</strong><br />

uma substituição da população original <strong>do</strong> bairro <strong>no</strong>s últimos quinze a<strong>no</strong>s - 2007,<br />

principalmente na rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio que é a principal <strong>do</strong> bairro e que faz<br />

uma conexão direta com o Carmo e na sequência o <strong>Pelourinho</strong> (Figura 17).<br />

A meto<strong>do</strong>logia utilizada para realizar o cadastro também merece um<br />

comentário ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> promovida dentro de limitações financeiras, foi organiza<strong>do</strong> um<br />

levantamento com a ajuda de grupos da igreja que coletaram as informações<br />

baseada em uma folha de questionário que reunia em uma única linha todas as<br />

questões. Cada linha tinha um número que estava relaciona<strong>do</strong> com as edificações<br />

que foram numeradas em mapas que os grupos levaram para relacionar as<br />

informações.<br />

Essa numeração seguiu o critério da numeração métrica que como já dito em<br />

outro trabalho; “A numeração métrica consiste em enumerar as edificações de<br />

acor<strong>do</strong> com a sua distância em relação ao inicio <strong>do</strong> logra<strong>do</strong>uro, arre<strong>do</strong>ndan<strong>do</strong> para<br />

número inteiro e par a medida tomada à direita e para impar à esquerda.” (RIBEIRO,<br />

2007, p.16)<br />

Foi verificada a presença de estrangeiros e pessoas de outros esta<strong>do</strong>s e<br />

municípios <strong>no</strong> bairro que, soma<strong>do</strong>s, representavam cerca de 28% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.<br />

Se for considera<strong>do</strong> como critérios o tempo na localidade, os da<strong>do</strong>s apontaram 14%<br />

moran<strong>do</strong> a me<strong>no</strong>s de cinco a<strong>no</strong>s, 23% entre cinco e <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s e 63% acima de<br />

<strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s. É importante realçar que além de a população que passou a morar <strong>no</strong><br />

bairro a partir de 1997 somar 37%, houve aí uma brecha na pesquisa de pelo me<strong>no</strong>s<br />

quatro a<strong>no</strong>s, onde acontecimentos relevantes ocorreram <strong>no</strong> Centro <strong>Histórico</strong> e que<br />

poderiam ter influencia<strong>do</strong> como um fator proveniente da gentrification.<br />

Ao analisar os da<strong>do</strong>s de esta<strong>do</strong> civil não foram fornecidas as informações em<br />

porcentagem, mas, o contraste visual alia<strong>do</strong> com as informações <strong>do</strong> texto<br />

116


demonstrou a presença de uma quantidade significativa de solteiros e de uma<br />

população adulta na faixa entre os 30 e 60 a<strong>no</strong>s.<br />

Figura 17 - Correlação das edificações com os logra<strong>do</strong>uros e numeração métrica. Santo<br />

Antônio Além <strong>do</strong> Carmo em 2007<br />

Fonte: Ribeiro, 2007, Base: CONDER, SICAR 1992<br />

117


O grupo de i<strong>do</strong>sos também foi expressivo. O mapa de que trata sobre a<br />

quantidade de casas de aluguel ou que eram próprias <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, (Figura 18)<br />

revela que em 2007 a grande maioria da população era proprietária das edificações<br />

em que viviam, representan<strong>do</strong> o aluguel 16% e a casa própria 84% <strong>do</strong>s<br />

entrevista<strong>do</strong>s.<br />

Figura 18. Residências alugadas e próprias <strong>no</strong> Santo Antônio, 2007.<br />

Fonte: Ribeiro, 2007, Base: CONDER, SICAR 1992<br />

Destacou-se a quantidade de pousadas, hotéis, restaurantes e outros<br />

empreendimentos de finalidade turística que foram registra<strong>do</strong>s principalmente na rua<br />

118


Direita <strong>do</strong> Santo Antônio. A maioria desses empreendimentos era de proprietários<br />

estrangeiros (Figura 19).<br />

Figura 19. Atividades e Serviços <strong>do</strong> Santo Antônio, 2007.<br />

Fonte: Ribeiro, 2007, Base: CONDER, SICAR 1992<br />

Porém a analise não ficou limitada <strong>no</strong> campo da estatística e foi feito um<br />

reconhecimento das ações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> em diversos espaços <strong>do</strong> bairro, que iam desde<br />

a reforma de equipamentos públicos até a promoção cultural <strong>do</strong> lugar. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

foi aponta<strong>do</strong> um enfraquecimento das relações cotidianas <strong>do</strong> bairro consideran<strong>do</strong> o<br />

processo em sua fase esporádica – o que equivaleria à primeira onda de<br />

119


gentrification apontada por Smith (2006). Esse processo estaria caminhan<strong>do</strong> para<br />

uma segunda onda a da consolidação.<br />

Finalizan<strong>do</strong> há a constatação de que seria muito difícil reverter a situação que<br />

se delineava, ao mesmo tempo em que não se pretendia ter uma visão maniqueísta<br />

das ações estatais. Contu<strong>do</strong> evidenciou-se que a maior justificativa para as ações<br />

realizadas tinham caráter econômico de promoção turística sen<strong>do</strong> assim conclui-se o<br />

trabalho escreven<strong>do</strong> que:<br />

120<br />

Ao substituir a população de um local, com suas tradições e hábitos, para<br />

reestruturá-lo em uma lógica de inserção global com organizações<br />

estruturais idênticas, se perde o que é mais procura<strong>do</strong> <strong>no</strong> turismo que é o<br />

diferencia entre os lugares e as culturas.<br />

É preciso compreender que tão importante como preservar o patrimônio<br />

urbanístico da cidade é preservar, como menciona<strong>do</strong> acima, o maior<br />

patrimônio <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, que é a população e sua<br />

histórica relação com a localidade. Qualquer ação que desprivilegie tanto<br />

uma característica quanto a outra será deficiente e prejudicial, logo<br />

vulnerável às criticas. (RIBEIRO, 2007, p.65)<br />

É fato que ocorreu um amadurecimento em muitos aspectos na concepção <strong>do</strong><br />

processo, que vão desde a própria forma de tratar o termo até com relação a<br />

meto<strong>do</strong>logia trabalhada que será apresentada <strong>no</strong> próximo capitulo. Todavia, antes<br />

mesmo de apresentar os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s através da pesquisa de campo, seria<br />

interessante ousar em elaborar uma espécie aplicação da teoria da gentrification em<br />

Salva<strong>do</strong>r.<br />

4.8 Aplicação <strong>do</strong> conceito de <strong>Gentrification</strong> <strong>no</strong> caso de Salva<strong>do</strong>r<br />

Se tomarmos as teorias de Smith (1996/2006) temos como pontos principais a<br />

rent gap e as ondas de gentrification que soma<strong>do</strong>s aos elementos <strong>do</strong> pensamento<br />

caótico trazi<strong>do</strong> por Bauregard (1996) podem adicionar outros fatores como a atenção<br />

para as peculiaridades da combinação entre os promotores <strong>do</strong> processo e aqueles<br />

que são afeta<strong>do</strong>s, além de outros questões relativas a própria espacialização e<br />

cro<strong>no</strong>logia <strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong>.<br />

Os estu<strong>do</strong>s de Barcelona indicaram a existência de um processo induzi<strong>do</strong><br />

pelo Esta<strong>do</strong> por meio da valorização <strong>do</strong> entor<strong>no</strong> de equipamentos públicos<br />

instala<strong>do</strong>s estrategicamente. Estaríamos falan<strong>do</strong> nesse caso de uma gentrification<br />

por indução estratégica.


No caso <strong>do</strong> bairro de Saint-Georges, em Lyon, há um processo que é<br />

condiciona<strong>do</strong> por uma posição geográfica relativa a outro bairro o de Saint-Jeans.<br />

Sua evolução se configura em estratos que tendem a se caracterizar pela redução<br />

<strong>do</strong> poder aquisitivo na medida em que se caminha para o sul. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

poderíamos falar de uma gentrification em estratos.<br />

Criekingen (2006) trás <strong>do</strong>is conceitos interessantes, o de gentrification<br />

generalizada e o de upgrade. No caso estuda<strong>do</strong> por Mele sobre as cidades <strong>do</strong><br />

México há a constatação da força cultural da população em combinação <strong>do</strong><br />

desinteresse pelo centro <strong>do</strong>s mais ricos. Isso proporcionaria o fracasso das<br />

tentativas estatais em promover o processo, o que resultou em uma gentrification<br />

pontual.<br />

Por último o caso de São Paulo que apesar de ser uma cidade brasileira<br />

possui um contexto histórico bem diferente <strong>do</strong> de Salva<strong>do</strong>r, mas, que aponta a<br />

tentativa de promover o processo como uma cópia <strong>do</strong>s modelos europeus, que<br />

fracassou também pelo desinteresse de um público interessa<strong>do</strong> em vir para as áreas<br />

centrais. Configuran<strong>do</strong> uma intenção mal sucedida de gentrification.<br />

Pretende-se ao resumir to<strong>do</strong>s esses aspectos demonstrar que Salva<strong>do</strong>r reúne<br />

um pouco de tu<strong>do</strong> o que foi aponta<strong>do</strong> e ainda mais. A começar pelo Esta<strong>do</strong> que é o<br />

maior promotor <strong>do</strong> processo através de duas formas. A primeira se caracteriza por<br />

um processo forçoso e o segun<strong>do</strong> por uma indução. Apesar das ações estatais há<br />

também um desinteresse pela elite soteropolitana em vir morar nesses centros o que<br />

não configura uma generalização. Sen<strong>do</strong> assim o processo de gentrification em<br />

Salva<strong>do</strong>r contará com focos de yupiezation, de gentrification marginal e também de<br />

upgrade, mas também conta com uma Estrangerização, bem como um fluxo de<br />

pessoas vindas de outras cidades.<br />

Ainda deve-se apontar que o processo pode ser caracteriza<strong>do</strong> como estan<strong>do</strong><br />

em um estágio intermediário entre a esporádica e consolidada, sen<strong>do</strong> que a mesma<br />

é estratificada em um vetor retilíneo que vai <strong>do</strong> Terreiro de Jesus, passan<strong>do</strong> pelo<br />

Largo <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, Rua <strong>do</strong> Carmo, Rua Direita até o Largo <strong>do</strong> Santo Antônio. Esse<br />

vetor é condiciona<strong>do</strong> por três aspectos, sen<strong>do</strong> o primeiro a vista para a baía de<br />

To<strong>do</strong>s os Santos, o segun<strong>do</strong> a própria continuidade das ruas e o terceiro é a<br />

localização das melhores edificações que se encontram nesse eixo. Ainda devem-se<br />

mencionar focos espessa<strong>do</strong>s que representariam um processo pontual.<br />

121


O objetivo ao demonstrar to<strong>do</strong> o pluralismo que envolve o processo <strong>no</strong><br />

município de Salva<strong>do</strong>r não é somente de buscar um conceito, mas, também apontar<br />

para o fato de que qualquer tentativa de generalização correrá o perigo de ser<br />

fadada ao erro. Uma fusão de vários tipos de gentrification faz <strong>do</strong> caso<br />

soteropolita<strong>no</strong> quase que calei<strong>do</strong>scópico, mas, na verdade não é a presença de<br />

vários tipos <strong>do</strong> processo que se dá na cidade e sim, um modelo especifico que<br />

apresenta semelhanças com outros diferentes tipos <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

4.9 Rugosidade x Plasticidade<br />

No caso de Salva<strong>do</strong>r a preocupação maior das ações estatais implícita<br />

inclusive nas justificativas ideológicas de ações <strong>no</strong>s espaços <strong>do</strong> centro histórico é<br />

sem duvida o da preservação patrimonial <strong>do</strong> conjunto urbanístico. Em outras<br />

palavras a conservação da forma com um objetivo paisagístico como foco<br />

estratégico para investimentos turísticos.<br />

Santos, ao explanar em diversos trabalhos sobre a importância das formas<br />

para o processo social, explica que a cada momento em que os processos sociais<br />

se reconfiguram, as formas que são as condições preexistentes tendem a<br />

acompanhar essa reconfiguração. Essas formas trarão as características <strong>do</strong><br />

momento em que foram concebidas. A sobreposição <strong>do</strong>s tempos pode condicionar a<br />

existência de formas, que retratam um passa<strong>do</strong>, encravadas em meio às paisagens,<br />

que remetem uma maior contemporaneidade, a isso ele de<strong>no</strong>mina rugosidades<br />

(1996).<br />

122<br />

“Chamemos de rugosidade ao que fica <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> como forma, espaço<br />

construí<strong>do</strong>, paisagem, o que resta <strong>do</strong> processo de supressão, acumulação,<br />

superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em to<strong>do</strong>s os<br />

lugares. As rugosidades se apresentam como formas isoladas ou como<br />

arranjo.” (SANTOS, 2008, p.140)<br />

O conceito apresenta<strong>do</strong> por Santos é uma excelente analogia. Se as<br />

rugosidades representam essas formas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, da mesma forma que uma ruga<br />

é o sinal <strong>do</strong> envelhecimento de um corpo elas carregam consigo e denunciam a sua<br />

história que representa o passa<strong>do</strong>. As ações promotoras da gentrification <strong>no</strong> caso de<br />

Salva<strong>do</strong>r buscam conservar essa história através de uma re<strong>no</strong>vação da forma. O<br />

objetivo é estético, retomar a beleza <strong>do</strong> que se encontra decadente, mesmo que a


consequência disso seja uma artificialização através da substituição da vida e <strong>do</strong><br />

que há de original por algo <strong>no</strong>vo.<br />

A palavra plasticidade possui uma dupla analogia. De um la<strong>do</strong> como<br />

derivativo da plástica que é a operação realizada para o embelezamento, a<br />

re<strong>no</strong>vação <strong>do</strong> corpo, o que implica também na remoção das rugas, é a procura pelo<br />

estético. Por outro la<strong>do</strong> o plástico é sinônimo <strong>do</strong> moder<strong>no</strong>, mas também <strong>do</strong> artificial.<br />

Em um processo que se pauta visan<strong>do</strong> a forma, a estrutura e o estético, em<br />

contrapartida ao conceito de Santos de rugosidade, entende-se que o seu oposto<br />

será então plasticidade. Assim para a rugosidade restam quatro desti<strong>no</strong>s: o fim, a<br />

inércia, a conservação que em partes se confunde com a inércia e por último a<br />

plasticização.<br />

As ações que promovem a gentrification em Salva<strong>do</strong>r, ao focar nas questões<br />

estruturais promoven<strong>do</strong> uma artificialização cultural, terminam promoven<strong>do</strong> espaços<br />

de plasticidade. A dialética então se configura na dicotomia rugosidade x<br />

plasticidade. O processo pode ser conceitua<strong>do</strong> <strong>no</strong> caso soteropolita<strong>no</strong> como<br />

plasticização.<br />

123


5 TRAÇOS DO COTIDIANO - DO PASSADO AO PRESENTE<br />

124<br />

Acor<strong>do</strong> de manhã, pão sem manteiga<br />

E muito, muito sangue <strong>no</strong> jornal<br />

Aí a criançada toda chega<br />

E eu chego a achar Herodes natural<br />

Mas não tem nada, não<br />

Tenho o meu violão<br />

(Vinicius de Moraes, Cotidia<strong>no</strong> Nº 2)<br />

O principal objetivo deste capítulo é fazer um exercício em busca de<br />

elementos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> que marcavam não somente a rotina da cidade, mas que<br />

configuravam as tradições da mesma. Por não ser essa a meta principal <strong>do</strong> trabalho<br />

foi necessário, dentro <strong>do</strong>s aspectos pesquisa<strong>do</strong>s, selecionar alguns fatos com o<br />

objetivo de construir uma evolução entre os costumes e práticas de décadas<br />

anteriores com as atuais. Nesse senti<strong>do</strong>, muitos elementos não serão comenta<strong>do</strong>s,<br />

ou por uma limitação <strong>do</strong> foco de pesquisa ou por não exercerem uma ligação direta<br />

com os fenôme<strong>no</strong>s que resistem <strong>no</strong>s tempos atuais. Um exemplo é o Ter<strong>no</strong> de Reis<br />

que era uma prática tradicional <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mas, que deixou de acontecer nas<br />

ultimas décadas nas ruas de Salva<strong>do</strong>r.<br />

Três são as áreas em que foi dividi<strong>do</strong> o objeto de estu<strong>do</strong> com finalidades de<br />

facilitar o seu entendimento, sen<strong>do</strong> elas o Centro Original, área que corresponde ao<br />

bairro <strong>do</strong> Maciel, o Carmo e o Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. Essas duas áreas<br />

correspondem ao que seria a Periferia Histórica da cidade dentro <strong>do</strong> que se<br />

pretende estudar. A distinção entre as duas se dá por motivos que vão desde a<br />

própria divisão histórica das freguesias (NASCIMENTO, 1986) até a própria forma<br />

como o processo se deu, nas duas áreas.<br />

É importante realçar que não são poucas as matérias de jornal e televisão<br />

que consideram o Carmo e o Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, como sen<strong>do</strong> a mesma<br />

coisa. Isso representa em parte um perigo para estu<strong>do</strong>s futuros, pois, a desatenção<br />

para esse detalhe pode confundir os da<strong>do</strong>s <strong>no</strong> estu<strong>do</strong> sobre o Santo Antônio Além<br />

<strong>do</strong> Carmo por exemplo. Ao mesmo tempo a ideia já se enraíza <strong>no</strong> pensar de parte<br />

da população que ali vive e desconhece a história desses lugares. Ainda é<br />

necessário esclarecer que essa periferia histórica abrange uma área muito maior <strong>do</strong><br />

que a poligonal e a relação estabelecida entre as áreas ficarão evidenciadas <strong>no</strong>s<br />

textos a serem disseca<strong>do</strong>s mais adiante.


A diferença entre as três áreas, não será obedecida a rigor quan<strong>do</strong> estiverem<br />

sen<strong>do</strong> feitas as análises me<strong>no</strong>s estatísticas e mais textuais. Busca-se com isso a<br />

fluidez da descrição <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> e <strong>do</strong>s elementos que foram levanta<strong>do</strong>s que de uma<br />

forma geral retratam até certo ponto traços da realidade de toda a cidade e até<br />

mesmo <strong>do</strong> Recôncavo.<br />

5.1 Uma antiga estrutura, um antigo cotidia<strong>no</strong><br />

Através de leituras de jornais antigos, músicas, livros e fotos, (Figuras 20 e<br />

21) da observação de vídeos <strong>do</strong>cumentários sobre a cidade de Salva<strong>do</strong>r e<br />

principalmente de conversas com a população mais antiga <strong>do</strong>s bairros que<br />

compõem o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> foi possível reconstruir alguns traços <strong>do</strong><br />

que representou esses bairros <strong>no</strong> século passa<strong>do</strong> e como muitas das características<br />

tão peculiares a essas áreas foram enfraquecen<strong>do</strong> com o passar <strong>do</strong> tempo a ponto<br />

de serem em alguns casos esquecidas.<br />

Figura 20 - Praça da Sé<br />

Figura 21 - Terreiro de Jesus<br />

Fonte: picasaweb.google.com/, acessa<strong>do</strong> em 07/07/2011<br />

Muitos desses aspectos são recorrentes nas diversas fontes de informação.<br />

Isso permite a constatação da importância <strong>do</strong>s mesmos para o cotidia<strong>no</strong> vivi<strong>do</strong> pela<br />

população de Salva<strong>do</strong>r nas décadas que antecederam o inicio <strong>do</strong> processo de<br />

gentrification na cidade. Ao mesmo tempo através dessa pesquisa é possível<br />

identificar os elementos que sobreviveram durante o tempo, enquanto o processo<br />

tomava a sua forma <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. É importante realçar que a<br />

grande maioria <strong>do</strong>s traços que mudaram com o passar <strong>do</strong> tempo não está<br />

125


elacionada com a gentrification. Com certeza é a manifestação das transformações<br />

de uma cidade que está inserida <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> da Globalização. Um <strong>do</strong>s textos que<br />

aponta fatos interessantes sobre a Salva<strong>do</strong>r antiga é a música Tradição de Gilberto<br />

Gil, composta em 1974, mas que segun<strong>do</strong> o autor retrata a década de 1950 (Figura<br />

22).<br />

Figura 22 - Tradição<br />

Fonte: picasaweb.google.com/, acessa<strong>do</strong> em 07/07/2011 e Gilberto Gil, Realce, 1979<br />

Ao ler a música de Gil é possível sondar alguns aspectos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> da<br />

cidade. Um exemplo é o relato da existência <strong>do</strong> sistema de transporte de bondes,<br />

que segun<strong>do</strong> Vasconcelos (2002), constituíam uma rede que integrava a cidade.<br />

“As linhas de bonde foram apresentadas em um mapa, que mostra a excelente<br />

cobertura da cidade” (VASCONCELOS, 2002, p.321).<br />

Os traços <strong>do</strong> regime militar que marcaram o perío<strong>do</strong> da composição da<br />

música também ficam presentes <strong>no</strong> jogo de palavras que o autor explica em seu<br />

126


site, onde teve que substituir um verso: “Onde to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ia procurar porrada,” por:<br />

“Onde to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ia jogar pernada.” Evidencian<strong>do</strong> aí a censura.<br />

A estratificação social espacializada também está presente na música, é o<br />

caso <strong>do</strong> preto não entrar <strong>no</strong> Baia<strong>no</strong>, bem como algumas expressões que ainda<br />

podem ser escutadas <strong>no</strong>s tempos atuais, como ir à cidade, que significava ir ao<br />

Centro <strong>Histórico</strong>. O autor também explica que há um senti<strong>do</strong> para o <strong>no</strong>me da<br />

música ser Tradição e não Garota <strong>do</strong> Barbalho.<br />

127<br />

"Para dar um senti<strong>do</strong> aristocratizante a um tempo e espaço (Bahia, a<strong>no</strong>s 50)<br />

da minha história social; uma qualificação <strong>no</strong>biliza<strong>do</strong>ra a uma realidade,<br />

somente possível a posteriori, a partir de um olhar que se deslocou para um<br />

pla<strong>no</strong> superior - 'Tradição' é um título afasta<strong>do</strong>, um sobrevôo -, elevan<strong>do</strong><br />

com ele o conceito <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> relata<strong>do</strong>. (É como Caeta<strong>no</strong> falan<strong>do</strong> de<br />

Santo Amaro da Purificação em Trilhos Urba<strong>no</strong>s; a ambição aristócratica é a<br />

mesma. Em Tradição, Lessa, o goleiro <strong>do</strong> Bahia, é um <strong>no</strong>bre.)<br />

" 'Tradição', também, para dar a idéia de uma mentalidade de época; de um<br />

mo<strong>do</strong> tradicional de um agrupamento social da cidade de Salva<strong>do</strong>r que se<br />

pereniza ou que se transforma; para sugerir como uma célula cultural se<br />

reproduz num macro-organismo social; e 'tradição', ainda, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> da<br />

importância, na minha formação, de tu<strong>do</strong> o que a letra retrata - <strong>no</strong> senti<strong>do</strong>,<br />

portanto, <strong>do</strong> meu compromisso afetivo com aquilo.” (GIL, acessad o em<br />

2011)<br />

Dois elementos interessantes que podem ser correlaciona<strong>do</strong>s tanto a partir da<br />

entrevista de Gil como na música <strong>do</strong> próprio são a presença <strong>do</strong>s Saveiros como<br />

elemento que compunha culturalmente e estruturalmente o cotidia<strong>no</strong> de uma<br />

Salva<strong>do</strong>r que ainda tinha olhos para o mar. Além disso, traços culturais que hoje são<br />

expressivos e que já era presente na época como o enraizamento de uma cultura<br />

futebolística caracterizada pela paixão da grande maioria <strong>do</strong>s soteropolita<strong>no</strong>s pelo<br />

Esporte Clube Bahia. Também a própria estratificação social existente <strong>no</strong> carnaval,<br />

desde a época.<br />

No que diz respeito ao mar, esse é um elemento que não deveria ser<br />

negligencia<strong>do</strong> em qualquer estu<strong>do</strong> sobre a cidade de Salva<strong>do</strong>r. Não somente pela<br />

influência geográfica da maritimidade na península soteropolitana, ou pelo potencial<br />

econômico e turístico que a geografia soteropolitana possibilita. Nem tanto pela<br />

história que aponta inúmeros viajantes que admiraram a cidade ao vê-la pela<br />

primeira vez, quan<strong>do</strong> se aproximavam a barco. Essa beleza paisagística pode ser<br />

constatada em diversas citações <strong>do</strong> livro de Vasconcelos (2002), como é também<br />

destacada em diversas outras literaturas.


128<br />

Os viajantes europeus que se aproximavam da Cidade <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r, vin<strong>do</strong>s<br />

pelo mar, eram unânimes em descrevê-la como uma paisagem<br />

deslumbrante, com seu casario bati<strong>do</strong> pelo sol <strong>no</strong> alto da montanha, na<br />

entrada de uma das mais bonitas baías <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. De tal sorte se<br />

entusiasmavam com a surpreendente visão que, geralmente, ao entrarem<br />

na cidade e perceberem suas deficiências, sobretu<strong>do</strong> higiênicas, ou se<br />

assustarem com o aspecto de alguns <strong>do</strong>s seus habitantes, manifestavam<br />

certa decepção. (NASCIMENTO, p.23, 1985)<br />

To<strong>do</strong>s esses fatores são importantes, mas, eles servem mais para comprovar<br />

<strong>do</strong> que para justificar algo que parece ter si<strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong> pelos planeja<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong> da Bahia. Salva<strong>do</strong>r tem uma vocação marítima que está encravada em sua<br />

essência. Estudar o Centro <strong>Histórico</strong> da cidade é voltar os olhos para o mar também.<br />

Não é por pouco que a especulação imobiliária que promove a gentrification <strong>no</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> segue uma linearidade que acompanha a<br />

geomorfologia da falha geológica de Salva<strong>do</strong>r, ten<strong>do</strong> sempre em vista a baía de<br />

To<strong>do</strong>s os Santos como elemento de valorização <strong>do</strong> imóvel.<br />

Essa relação com o mar vai muito além <strong>do</strong> duplo vetor paisagístico, ou seja,<br />

de quem olha o mar estan<strong>do</strong> na escarpa e de quem olha a escarpa chegan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

mar ( Figura 23), mas, é também possível observar a importância que essa baía<br />

possui como fator de integração regional, desde os primórdios da cidade, como<br />

relata Araújo.<br />

Figura 23 - Rampa <strong>do</strong> Eleva<strong>do</strong>r, Salva<strong>do</strong>r <strong>BA</strong>, 1918<br />

Fonte: picasaweb.google.com/, acessa<strong>do</strong> em 07/07/2011


129<br />

Em 1584, o jesuíta José de Anchieta indicava a existência de 40 engenhos<br />

e o cronista Gabriel Soares de Souza atesta o funcionamento de 36<br />

engenhos, a construção de mais 4 e a existência de 8 casas de cozer<br />

meles. Segun<strong>do</strong> Gabriel Soares, o transporte por via aquática funcionava<br />

muito bem. Podiam-se contar mais de 1400 embarcações em serviço dentro<br />

da baía. (ARAUJO, 2000, p.13)<br />

Segun<strong>do</strong> vai explican<strong>do</strong> em seu artigo o autor aponta o crescimento dessa<br />

relação entre a região <strong>do</strong> Recôncavo e o mar, onde pela navegação conectava a<br />

capital portuguesa nas Américas a toda região. Salva<strong>do</strong>r nasceu voltada para o mar<br />

e são os rios aos quais ele chama de braços <strong>do</strong> Recôncavo que interligava a rede de<br />

vilas e cidades da região, através também <strong>do</strong> mar.<br />

Da mesma forma que a solução de grande parcela <strong>do</strong>s problemas urba<strong>no</strong>s<br />

está relacionada a um desenvolvimento regional, pode-se afirmar que o<br />

fortalecimento das qualidades de um lugar percorre pela necessidade de uma soma<br />

de suas forças com as de outros lugares. O exemplo <strong>do</strong> turismo é um deles. Os<br />

modelos turísticos trabalha<strong>do</strong>s na cidade tem ti<strong>do</strong> uma atuação pontual. Assim como<br />

a maioria <strong>do</strong>s projetos de to<strong>do</strong>s os gêneros. Há uma concentração de investimentos<br />

o que implica em um desequilíbrio regional que não tem surti<strong>do</strong> o efeito deseja<strong>do</strong>.<br />

Não é o foco desse trabalho falar sobre o planejamento regional, nem tão<br />

pouco da região <strong>do</strong> recôncavo, mas, não se poderia deixar passar despercebi<strong>do</strong> que<br />

uma grande possibilidade a ser pensada para a parte mais antiga da cidade implica<br />

na busca de uma integração regional. Tal integração foi perdida em um passa<strong>do</strong> não<br />

tão distante, mas, que ofuscou uma vocação que nasceu com a cidade e que pode<br />

gerar muitos frutos <strong>no</strong> campo da eco<strong>no</strong>mia, comércio, indústria, lazer, educação,<br />

turismo e dentre outros.<br />

Essa relação de Salva<strong>do</strong>r com o mar que perdurou até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século<br />

XX, ten<strong>do</strong> inclusive se combina<strong>do</strong> com a rede ferroviária <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da Bahia, era<br />

conhecida existin<strong>do</strong> um grande circuito de comércio regional, chama<strong>do</strong> de viagem<br />

re<strong>do</strong>nda. A viagem re<strong>do</strong>nda representava um fator positivo para ampliação <strong>do</strong><br />

potencial econômico. Mais <strong>do</strong> que isso ela talvez seja uma grande pista para o<br />

resgate daquilo a que chamamos <strong>no</strong> capítulo II de Arkhêr Geográfica Soteropolitana.<br />

Quase tu<strong>do</strong> passava pelas águas da Bahia, tanto as pessoas e<br />

merca<strong>do</strong>rias da grande viagem re<strong>do</strong>nda, quanto aquelas das pequenas<br />

viagens <strong>do</strong>s próximos recôncavos. Segun<strong>do</strong> depoimento <strong>do</strong> jornalista João<br />

Falcão, ainda em 1940 vinha-se, de trem, de Feira de Santana, per<strong>no</strong>itavase<br />

em Cachoeira e embarcava-se <strong>no</strong> dia seguinte <strong>no</strong> Vapor de Cachoeira,<br />

para chegar finalmente em Salva<strong>do</strong>r (ARAÚJO, 1999; 2000, p.21)


Já nas décadas de 1930 e 1940 o sistema de comunicação da região<br />

abrangia a possibilidade da construção de uma rede de transportes multimodal -<br />

hoje tão festejada pelos diversos modelos de planejamento. Todavia, a era pós-<br />

fordista e a implementação <strong>do</strong> sistema ro<strong>do</strong>viário, ao invés de complementar, veio<br />

decapitar os <strong>do</strong>is sistemas de transporte que vingavam <strong>no</strong> esta<strong>do</strong>, tanto o hidroviário<br />

como o ferroviário. Associa<strong>do</strong> a isso veio também a implementação <strong>do</strong> Pólo<br />

Petroquímico, que deu o golpe final nessa relação comentada. Apesar das questões<br />

levantadas, sabe-se que por outro la<strong>do</strong> essas mudanças trouxeram um crescimento<br />

econômico para outras áreas e setores. Ao abordar sobre o contexto da inserção de<br />

Salva<strong>do</strong>r <strong>no</strong>s moldes da globalização Silva (2003) comenta:<br />

130<br />

É nesse contexto que coloco o atual exemplo de Salva<strong>do</strong>r, onde<br />

dramaticamente se inserem, de forma bem clara, duas opções: a de<br />

procurar um processo de desenvolvimento resultan<strong>do</strong> em mais exclusão<br />

social e comprometimento ambiental, mesmo com soluções “cosméticas”,<br />

ou seja, setoriais e, conseqüentemente, pouco abrangentes, ou a de tentar<br />

construir um outro tipo de desenvolvimento que possibilite ampliar a<br />

inclusão social e a valorização <strong>do</strong> meio ambiente. Para tanto, torna-se<br />

estratégico definir Salva<strong>do</strong>r em <strong>no</strong>ssos dias e a partir daí analisar seus<br />

des<strong>do</strong>bramentos analíticos e aplica<strong>do</strong>s. (SILVA, 2003, p.110)<br />

O autor faz então suas considerações sobre o que pensa ter si<strong>do</strong> a trajetória<br />

que a cidade tomou <strong>no</strong>s últimos 50 a<strong>no</strong>s, dentro de um contexto onde a mesma<br />

sujeita às oportunidades e ameaças <strong>do</strong>s cenários nacionais e internacionais<br />

ultrapassa o chama<strong>do</strong> enigma baia<strong>no</strong>¹ para um desenvolvimento, atrela<strong>do</strong> na época<br />

à condição industrial.<br />

Penso que, até aqui, a trajetória <strong>do</strong> desenvolvimento de Salva<strong>do</strong>r se<br />

aproxima, <strong>no</strong>s últimos 50 a<strong>no</strong>s, muito mais da primeira opção, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de<br />

que têm ocorri<strong>do</strong> fortes impactos exter<strong>no</strong>s (nacionais e globais) com uma<br />

dinâmica adaptação interna e, muitas vezes, i<strong>no</strong>va<strong>do</strong>ras formas endógenas<br />

de ação, mas com exclusão social e problemas ambientais. Isso explica o<br />

rompimento de Salva<strong>do</strong>r, e de resto, de toda a Bahia, em termos gerais,<br />

com o chama<strong>do</strong> “enigma baia<strong>no</strong>”, <strong>do</strong>minante <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 50, qual seja, o de<br />

que, apesar da grande importância histórica da Bahia e de seu potencial, a<br />

mesma não conseguia se desenvolver satisfatoriamente. Essa situação só<br />

vai mudar com o trinômio PETROBRAS – CIA – Polo Petroquímico, nas<br />

décadas de 50, 60 e 70, respectivamente, com seus múltiplos e<br />

diferencia<strong>do</strong>s impactos, especialmente em Salva<strong>do</strong>r e em sua região de<br />

influência imediata. (SILVA, 2003, p.110)<br />

Vale frisar que as transformações ocorridas <strong>no</strong> esta<strong>do</strong> da Bahia são<br />

consequências de uma estrutura nacional que se repercutiu em Salva<strong>do</strong>r e na sua<br />

região. Essas mudanças estruturais interferiram em to<strong>do</strong>s os aspectos nas questões<br />

culturais. Seja com o exemplo <strong>do</strong>s bondes que foram substituí<strong>do</strong>s pelos automóveis


e ônibus, in<strong>do</strong> até aspectos mais profun<strong>do</strong>s como a grande transformação que o<br />

carnaval soteropolita<strong>no</strong> sofreu graças a um elemento especifico da era pós-fordista -<br />

o carro. Uma relativização ainda deve ser feita com o intuito de não generalizar a<br />

afirmação anterior. Deve-se destacar que nem to<strong>do</strong>s os espaços bem como nem<br />

to<strong>do</strong>s os segmentos econômicos estão na era pós-fordista<br />

A parte interessante da historia é que o mesmo sistema ferroviário urba<strong>no</strong> que<br />

foi removi<strong>do</strong> com as pretensões modernistas agora busca ser “reimplementa<strong>do</strong>” –<br />

<strong>no</strong>s moldes de metrô – a custos astronômicos em um projeto extremamente<br />

contesta<strong>do</strong>. Se não tivesse si<strong>do</strong> o automóvel e posteriormente o caminhão, não teria<br />

ocorri<strong>do</strong> uma mudança profunda <strong>no</strong> carnaval de Salva<strong>do</strong>r, ao me<strong>no</strong>s que ao invés<br />

<strong>do</strong> Trio elétrico tivesse surgi<strong>do</strong> o bonde elétrico. Dedica-se uma parte deste capítulo<br />

ao Carnaval, não só pela importante conexão histórica que o mesmo estabelece<br />

com o Centro e a periferia histórica da cidade, como pela relevância atual da<br />

atividade que direta e indiretamente se relaciona com a área de estu<strong>do</strong>.<br />

5.1.1 Da Salva<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Carnavais a uma gentrification <strong>do</strong> carnavalis<br />

O carnaval de Salva<strong>do</strong>r é essencialmente uma grande fusão entre as culturas<br />

que originaram a sociedade soteropolitana, assim como grande parte da cultura<br />

baiana que partilha da mistura <strong>do</strong>s traços culturais indígenas com os africa<strong>no</strong>s e<br />

europeus. Por outro la<strong>do</strong> era – e continua sen<strong>do</strong> - um retrato da estratificação social,<br />

como constata<strong>do</strong> na música Tradição de Gil.<br />

Em entrevista com o Sr. Hamilton Ribeiro, funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bloco Os Corujas, o<br />

mesmo relata como era o Carnaval em sua infância:<br />

“Havia homens que saiam vesti<strong>do</strong>s de demônios, caveiras e outras figuras<br />

assusta<strong>do</strong>ras que corriam atrás <strong>do</strong>s meni<strong>no</strong>s para amedrontá-los.” (...)<br />

Depois ao falar sobre sua juventude o carnavalesco relata algumas das<br />

características da festa em sua mocidade, como os grupos de amigos que saiam<br />

fantasia<strong>do</strong>s para cortejar as meninas, as casas onde os senhores e senhoras de<br />

família colocavam as cadeiras nas portas para assistir ao movimento e aos blocos<br />

que desfilavam. Os blocos até certo perío<strong>do</strong> eram característicos das camadas<br />

me<strong>no</strong>s abastadas da sociedade.<br />

131


“Existiam os blocos de pipoqueiros, garis, baleiros, enquanto que as pessoas<br />

de classe media brincavam <strong>no</strong>s clubes.”<br />

Três clubes faziam desfiles com as pessoas da alta sociedade, sen<strong>do</strong> o Cruz<br />

Vermelha, Fantoches e I<strong>no</strong>centes <strong>do</strong> Progresso. A importância desses e de outros<br />

como o clube Baia<strong>no</strong> e o Português, na sociedade soteropolitana era considerável,<br />

segun<strong>do</strong> o Sr. Hamilton, eles promoviam quatro festas por mês.<br />

“Os Fantoches geralmente davam duas Matinês, um Matinal e um Suarê”<br />

Muitas figuras históricas, populares e interessantes podem ser encontradas a<br />

partir de uma breve esmiuçada sobre a história <strong>do</strong> carnaval soteropolita<strong>no</strong>.<br />

Vasconcelos (2002, p.318) informa que “Nos a<strong>no</strong>s 50 começou a sair, <strong>no</strong> carnaval<br />

de Salva<strong>do</strong>r o bloco Merca<strong>do</strong>res de Bagdá, com numerosos componentes da classe<br />

média negra, formada por trabalha<strong>do</strong>res da Petrobrás” (MOURA , 1998:26, apud<br />

VASCONCELOS, 2003).<br />

Uma figura ilustre que marcou não só esse bloco como o perío<strong>do</strong> é a <strong>do</strong><br />

Nelson Maleiro ( Figura 24). Ten<strong>do</strong> o <strong>no</strong>me maleiro, empresta<strong>do</strong> de um de seus<br />

ofícios, Nelson Cruz se destacou em inúmeras atividades, como cria<strong>do</strong>r de<br />

instrumentos, compositor, músico, desportista, e participan<strong>do</strong> de programas de TV..<br />

Fun<strong>do</strong>u o clube de regatas Vera Cruz, participou de programas famosos como: A<br />

Hora da Criança que ocorria ainda <strong>no</strong> Instituto Normal da Bahia (ICEIA), tocava<br />

percussão em vários blocos famosos da época, como os Ritmistas <strong>do</strong> Samba, Nega<br />

Maluca, Vai Levan<strong>do</strong>, Barroquinha Zero Hora. Fun<strong>do</strong>u <strong>do</strong>is blocos, os Merca<strong>do</strong>res<br />

de Bagdá (1959) ( Figura 25) e os Cavaleiros de Bagdá (1960) . A insatisfação <strong>do</strong><br />

personagem com a forma como os governantes tratavam o carnaval levou o mesmo<br />

a encerrar esse bloco. A sua importância para o carnaval, é tão grande quanto a <strong>do</strong>s<br />

próprios inventores <strong>do</strong> trio elétrico, mas, como boa parte da história brasileira,<br />

Maleiro teve seu <strong>no</strong>me esqueci<strong>do</strong> nas entrelinhas <strong>do</strong>s fatos.<br />

132<br />

"É <strong>no</strong>ite de <strong>do</strong>mingo de Carnaval e a Ladeira da Praça está praticamente<br />

deserta em comparação com a efervescência momesca nas proximidades<br />

<strong>do</strong> centro. Os poucos passantes observam com muita admiração a descida<br />

de um peque<strong>no</strong> trator puxan<strong>do</strong> um lagarto grande e brilhoso. Parece um<br />

dragão, mas é um pouco difícil de entender, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1965, como alguém<br />

conseguiu construir, de forma absolutamente artesanal, um dragão que se<br />

locomove pelas ruas de Salva<strong>do</strong>r. (Fonte:<br />

http://tempomusica.blogspot.com/2009/05/nelson-maleiro-um-gigante-dabahia.html,<br />

acessa<strong>do</strong> em 26/07/2011)


Figura 24 - Desfile <strong>do</strong>s Merca<strong>do</strong>res de Bagdá – 1959<br />

Figura 25 - Nelson Maleiro – 1959<br />

Fonte: Photo Pierre Verger©Fundação Pierre Verger<br />

A sua importância é constatada nas afirmações feitas em conversas com<br />

diversas fontes, o artista não só produzia alegorias expressivas como a relatada<br />

anteriormente, mas, instrumentos percussivos que nutriam as baterias <strong>do</strong>s diversos<br />

blocos. Ele era um verdadeiro carnavalesco, cuja importância parece dever algum<br />

tipo de referência a cidade <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r.<br />

133<br />

"Maleiro era a personificação <strong>do</strong> Carnaval <strong>do</strong> próprio povo. Hoje, não somos<br />

mais carnavalescos, somos especta<strong>do</strong>res de shows da melhor qualidade,<br />

mas que não fomentam uma folia participativa", analisaria o jornalista Ruy<br />

Botelho, autor de <strong>do</strong>is livros com crônicas sobre a Velha Bahia. "Na época,<br />

o espírito de Carnaval impregnava a to<strong>do</strong>s, cada cidadão era o Carnaval.<br />

Maleiro permitia ao pessoal da comunidade sair <strong>no</strong> bloco dele e também<br />

dava o espetáculo de suas alegorias", sustentaria Botelho. "Não seria<br />

exagero pedir que um artista desse nível <strong>no</strong>measse pelo me<strong>no</strong>s um circuito<br />

de Carnaval", cobraria Queiroz.<br />

(Fonte: http://tempomusica.blogspot.com/2009/05/nelson-maleiro-umgigante-da-bahia.html,<br />

acessa<strong>do</strong> em 26/07/2011)<br />

Com o passar <strong>do</strong> tempo muitos blocos de índios que também brincavam <strong>no</strong>s<br />

circuitos, como os Apaches <strong>do</strong> Tororó e os Comanches, a cidade tinha fluxos<br />

carnavalescos circulan<strong>do</strong> em todas as direções. Dos mais antigos blocos desse<br />

perío<strong>do</strong> que ainda sobrevivem manten<strong>do</strong> as tradições, mesmo com algumas<br />

alterações e sob ameaças de descaracterização, é o bloco <strong>do</strong>s Filhos de Gandhy<br />

funda<strong>do</strong> em 1949. (Figuras 26, 27 e 28)


Figura 26 - Um <strong>do</strong>s Funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s Filhos de Gandhy<br />

Figura 27 - Filhos de Gandhy pegan<strong>do</strong> o bonde – Photo Pierre Verger<br />

Figura 28 - Desfile <strong>do</strong> bloco Filhos de Gandhy – Photo Pierre Verger<br />

26) 27)<br />

28)<br />

Fonte: http://alem<strong>do</strong>qsev.blogspot.com/2011/01/historia-<strong>do</strong>-afoxe-filhos-de-gandhy_06.html<br />

134<br />

No dia 18 de fevereiro de 1949 os estiva<strong>do</strong>res <strong>do</strong> porto de Salva<strong>do</strong>r,<br />

estavam senta<strong>do</strong>s ao pé de uma mangueira perto da sede da entidade<br />

(Sindicato <strong>do</strong>s Estiva<strong>do</strong>res), preocupa<strong>do</strong>s com a falta de trabalho <strong>no</strong>s portos<br />

e a política de arrocho salarial, gerada pela crise <strong>do</strong> pós-guerra. A idéia<br />

original de botar um "careta" na rua, partiu de Durval Marques da Silva<br />

(Vavá Madeira), ti<strong>do</strong> como o maior festeiro da turma. A sugestão foi<br />

acatada. (Fonte: http://alem<strong>do</strong>qsev.blogspot.com/2011/01/historia -<strong>do</strong>-afoxefilhos-de-gandhy_06.html,<br />

acessa<strong>do</strong> em 26/07/2011)<br />

Pode-se dizer que a elitização <strong>do</strong> carnaval teve seu inicio <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, quan<strong>do</strong> um grupo de jovens brancos de classe média<br />

resolveu criar o bloco de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> os Fantasmas (Figura 30). Ten<strong>do</strong> saí<strong>do</strong> <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s<br />

de forma oficiosa, ao terceiro a<strong>no</strong> (1957) o bloco foi funda<strong>do</strong> oficialmente . Desse


loco surgiram os <strong>do</strong>is blocos mais antigos <strong>do</strong> circuito carnavalesco oficial da<br />

cidade: os Internacionais 1962 e os Corujas 1964. Segun<strong>do</strong> relata o Sr. Hamilton, a<br />

rivalidade entre os <strong>do</strong>is blocos era grande, e após explicar o motivo da separação <strong>do</strong><br />

bloco inicial em outros <strong>do</strong>is, ele se empolga contan<strong>do</strong> alguns <strong>do</strong>s grandes momentos<br />

<strong>do</strong>s Corujas (Figuras 29 à 34).<br />

135<br />

No a<strong>no</strong> que meu pai morreu, meu irmão e eu resolvemos que não íamos<br />

brincar então <strong>no</strong>s reunimos com a diretoria e pedimos para que eles<br />

saíssem sem nós, após uma reunião <strong>do</strong>s membros em <strong>no</strong>ssa ausência, eles<br />

<strong>no</strong>s comunicaram que em solidariedade ao meu pai que aju<strong>do</strong>u bastante o<br />

bloco, eles não sairiam naquele a<strong>no</strong>. Rubinho <strong>do</strong>s Carnavais que também<br />

fun<strong>do</strong>u o bloco com agente, não estava na reunião então resolveu colocar<br />

um bloco com outro <strong>no</strong>me, foi quan<strong>do</strong> surgiu Os Internacionais. Dois a<strong>no</strong>s<br />

depois, os amigos que foram solidários <strong>no</strong>s chamaram para que<br />

pudéssemos colocar um bloco, foi então que fundamos Os Corujas. (...) No<br />

primeiro a<strong>no</strong> saímos de Arqueiro <strong>do</strong> Rei lá de Macaúbas com 78 homens,<br />

com as mulheres tu<strong>do</strong> carregan<strong>do</strong> a corda, não tinha puxa<strong>do</strong>r de corda<br />

ainda não (...) Quan<strong>do</strong> chegou <strong>no</strong>s Perdões, agente era bom de batuque<br />

eles não sabiam bater, eu aí, eu tinha uns clarins, que eu copiei <strong>do</strong>s Filhos<br />

de Gandhy que até hoje tem PARAAMMM PAM PAM era Sancho Pancho e<br />

Sancho Mim, <strong>do</strong>is caras desse tamanho, aí eu contratei três e disse, olhe<br />

quan<strong>do</strong> chegar em cima da bateria deles vocês sopram, rapaz, quan<strong>do</strong><br />

chegou bem ali <strong>no</strong> Quitandinha que agente bateu, porquê eu subia os<br />

Perdões e vinha <strong>do</strong> Largo, fazia saudação aos presos que era detenção que<br />

funcionava, aí pra pegar Rua Direita, aí quan<strong>do</strong> agente se encontrou, que<br />

colocou os clarins, aí eles se perderam to<strong>do</strong>s, e agente TCHUC TE QUI<br />

TUQUITI QUE TCHUQUE, cantan<strong>do</strong> um samba que eu fiz, Coruja aie, ainda<br />

vou corujar, Coruja de Noite, Coruja de Dia (...) Seguramos <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s com<br />

pouca gente, quan<strong>do</strong> chegou <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de Índio America<strong>no</strong> nós botamos 320<br />

homens, saímos assim de 100 pra 320, porque eu tinha perdi<strong>do</strong> pra eles <strong>no</strong><br />

a<strong>no</strong> anterior, eles ganharam, que eles botaram marinheiro, marinheiro<br />

bonito da porra. Aí eu escrevi pra um amigo meu <strong>do</strong> Rio e disse pra ele me<br />

mandar custe o que custar, uma fantasia <strong>do</strong> desfile <strong>do</strong> Cacique de Ramos,<br />

um bloco de índios <strong>do</strong> Rio, ele man<strong>do</strong>u, aí eu peguei, transformei, botei<br />

mais luxo, tanto que esse cara veio sair com agente., quan<strong>do</strong> ele chegou<br />

aqui disse, porra se o cacique fosse isso Hamilton, ninguém encostava na<br />

gente (...)<br />

Figura 29- Bloco Os Fantasmas, Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong>, 1957<br />

Figura 30 – Flâmulas <strong>do</strong>s Blocos Fantasmas e Corujas<br />

Figura 31 – Maria Bethânia, madrinha <strong>do</strong> bloco os Corujas, 1980<br />

Fonte: Álbum de Fotografia <strong>do</strong> Sr. Hamilton Ribeiro


Figura 32 – Sr. Hamilton sen<strong>do</strong> carrega<strong>do</strong> pelos associa<strong>do</strong>s - 1975<br />

Figuras 33 e 34 – Evolução <strong>no</strong> número de associa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Bloco Os Corujas – 1964 – 1978<br />

32<br />

)<br />

34)<br />

Fonte: Álbum de Fotografia <strong>do</strong> Sr. Hamilton Ribeiro<br />

Apesar das transformações o Carnaval soteropolita<strong>no</strong>, ainda era uma festa<br />

que mesmo com estratificações sociais, conseguia preservar espaços para to<strong>do</strong>s os<br />

foliões e acima de tu<strong>do</strong>, havia a criação <strong>do</strong>s blocos como uma manifestação<br />

espontânea. Os blocos carnavalescos eram, sobretu<strong>do</strong>, para brincar e a criatividade<br />

era fruto da falta de recursos <strong>do</strong>s foliões. Havia as fantasias, os blocos eram<br />

compostos de bateria, os carnavalescos saiam em to<strong>do</strong>s os lugares da cidade. Era<br />

um carnaval diferente, mas, que está tão liga<strong>do</strong> ao Centro de Salva<strong>do</strong>r, como a<br />

história da cidade.<br />

33)<br />

136


É de se questionar o porquê de hoje, com toda a facilidade da tec<strong>no</strong>logia,<br />

mesmo com a difusão <strong>do</strong>s trios elétricos e com a apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong> carnaval<br />

pelas empresas, não haja um retor<strong>no</strong> dessa espontaneidade e criatividade como as<br />

relatadas. As distâncias aumentaram, mas as possibilidades de reação também.<br />

Uma grande parte <strong>do</strong> soteropolita<strong>no</strong> hoje tem <strong>do</strong>is desti<strong>no</strong>s <strong>no</strong> Carnaval, ou viajar ou<br />

trabalhar. Os “blocos de índios” que eram comuns <strong>no</strong> passa<strong>do</strong>, praticamente<br />

sumiram. Há uma proliferação de blocos afros que se amontoam em um desfile curto<br />

e sem nenhuma repercussão que sai da Praça da Sé em um trajeto que dura me<strong>no</strong>s<br />

de uma hora em alguns casos. Além disso, o carnaval se tor<strong>no</strong>u totalmente<br />

merca<strong>do</strong>lógico viran<strong>do</strong> um produto que requer k<strong>no</strong>w-how, e também uma grande<br />

quantidade de capital. O produto <strong>do</strong> carnaval soteropolita<strong>no</strong> <strong>do</strong>mi<strong>no</strong>u o cenário<br />

nacional com os chama<strong>do</strong>s carnavais fora de época – As micaretas.<br />

Pode-se afirmar que a maior gentrification de Salva<strong>do</strong>r ocorre em um espaço<br />

curto de tempo e é personificada <strong>no</strong> Carnaval. Os espaços passam a ser<br />

apropria<strong>do</strong>s por uma população abastada que vem de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, adquirin<strong>do</strong> por<br />

um valor exorbitante os chama<strong>do</strong>s camarotes, ou as “fantasias” da festa moderna<br />

chamadas de abadá. A relação <strong>do</strong> carnaval tor<strong>no</strong>u-se extremamente capitalista e é<br />

<strong>do</strong>minada por um peque<strong>no</strong> grupo de agentes econômicos que atuam não somente<br />

para manter a sua hegemonia, impedin<strong>do</strong> outros <strong>no</strong>mes de aparecerem se for<br />

necessário, como lucran<strong>do</strong> com a exploração da miséria da cidade. Tal afirmação foi<br />

fácil de constatar fazen<strong>do</strong> a seguinte experiência.<br />

No a<strong>no</strong> de 2006 visan<strong>do</strong> coletar da<strong>do</strong>s para outro trabalho, foram<br />

entrevista<strong>do</strong>s 100 cordeiros e 100 foliões em blocos de grande porte, como o<br />

Camaleão, o Coruja e o Eva por exemplo. O que ficou claro é a discrepância entre<br />

os <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s – o <strong>do</strong> cordeiro, cata<strong>do</strong>r de latinha, vende<strong>do</strong>r de cerveja e o <strong>do</strong>s<br />

foliões que desfrutam da segurança de dentro das cordas.<br />

Uma cidade que conheceu o nascimento de tantas expressões culturais <strong>no</strong><br />

seio de sua Arkhêr, também assistiu na medida em que se globaliza a morte dessas<br />

manifestações espontâneas. Ao mesmo tempo persiste a sobrevivência <strong>do</strong>s poucos<br />

filhos genuí<strong>no</strong>s que ainda existem, mesmo que a custos de uma modificação da sua<br />

essência. A cada a<strong>no</strong> há a descaracterização e industrialização <strong>do</strong> festejo para <strong>no</strong><br />

fim experimentar uma espécie diferente de gentrification, a gentrification sazonal <strong>do</strong><br />

carnaval.<br />

137


5.1.2 Redefinin<strong>do</strong> o conceito <strong>do</strong> recorte espacial da gentrification<br />

A ideia da arkhêr geográfica soteropolitana transcende a de uma delimitação<br />

espacial, pois, nessa <strong>no</strong>ção <strong>do</strong> essencial o que se busca são os elementos que<br />

compõem uma estrutura que formou e influenciou na construção daquele espaço.<br />

Por isso, mesmo fechan<strong>do</strong> a poligonal de estu<strong>do</strong> <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>,<br />

é preciso estar ciente de que não se deve focar a visão somente nela. Esse é o<br />

principal motivo para uma constante necessidade de se fazer um jogo de escalas<br />

in<strong>do</strong> <strong>do</strong> global ao local, dentro <strong>do</strong> tema analisa<strong>do</strong>.<br />

Diversos bairros estão relaciona<strong>do</strong>s diretamente ao <strong>Parque</strong>, e caso houvesse<br />

uma generalização da gentrification pela cidade, é para eles que haveria a expansão<br />

<strong>do</strong> fenôme<strong>no</strong>. De fato já é possível observar a ocorrência pontual <strong>do</strong> processo em<br />

grande parte desses lugares. Essa ocorrência está associada a inúmeros fatores,<br />

que vão desde a proximidade às instituições de ensi<strong>no</strong> superior, até a me<strong>no</strong>r<br />

pressão da especulação imobiliária nessas áreas que reduz o valor <strong>do</strong>s alugueis.<br />

No exemplo das instituições de ensi<strong>no</strong> superior, bairros como a Vitória, Graça,<br />

Barra, Ondina e Rio Vermelho, além de fornecerem um ambiente cultural e histórico<br />

bastante peculiar também estão próximos aos diversos campus da UF<strong>BA</strong>, da UCSal<br />

e outras universidades. Esse ambiente atrai um público peculiar e provavelmente<br />

não sofre uma maior ação da especulação imobiliária porque desde sua<br />

consolidação como bairros esses lugares sempre representaram áreas “<strong>no</strong>bres” da<br />

cidade.<br />

Outros bairros, como Barbalho, Macaúbas, Nazaré, Piedade, Mouraria, Barris<br />

e Dois de Julho já possuem uma maior heterogeneidade social e concentram uma<br />

população de classe média baixa a classe média alta. São bairros centrais e<br />

continuam oferecen<strong>do</strong> as vantagens da localização apesar de não sofrerem uma<br />

pressão especulativa como <strong>no</strong>s cita<strong>do</strong>s anteriormente.<br />

O Comércio e suas adjacências. como Águas de Meni<strong>no</strong>s e Contor<strong>no</strong>, vivem<br />

um momento particularmente confuso que indica a existência de ações de<br />

gentrification. Contu<strong>do</strong> a realidade aponta que pelo me<strong>no</strong>s em curto prazo essas<br />

áreas continuarão em decadência, que pode ser relativizada por algumas ações<br />

pontuais que estimularam a circulação de pessoas nesses bairros durante os últimos<br />

a<strong>no</strong>s.<br />

138


Ainda existem bairros mais periféricos que compõem a periferia histórica e<br />

possuem peculiaridades, espaciais sociais, urbanísticas, paisagísticas e históricas.<br />

Essas características fazem <strong>do</strong>s mesmos, possíveis alvos para uma expansão da<br />

gentrification. Também, por conta da distância dessas localidades com relação ao<br />

centro original, essas periferias são muito mais heterogêneas e peculiares. Alguns<br />

exemplos são encontra<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s bairros de São Tomé de Paripe, Ribeira, Brotas e<br />

Itapuã.<br />

As leituras apontaram a delimitação espacial <strong>do</strong> processo estuda<strong>do</strong> como<br />

específica de centros históricos. Contu<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o caminho percorri<strong>do</strong> até aqui,<br />

desconstruin<strong>do</strong> conceitos e agrupan<strong>do</strong> outros, levam à constatação de que há uma<br />

confusão na própria ideia <strong>do</strong> que seria esse Centro <strong>Histórico</strong>. Para esse trabalho o<br />

processo de gentrification tem seu recorte espacial que é entendi<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong><br />

especifico de concretos existentes de uma arkhêr geográfica urbana.<br />

5.1.3 Das Imagens da cidade da Bahia à gentrification em Salva<strong>do</strong>r<br />

O livro imagens da cidade da Bahia (2007) reúne uma coletânea de textos<br />

que fazem estu<strong>do</strong>s geográficos de Salva<strong>do</strong>r a partir de poemas, músicas, fotos e<br />

vídeos que registraram o passa<strong>do</strong> da cidade. A maior parte <strong>do</strong>s escritos encontra<strong>do</strong>s<br />

<strong>no</strong> mesmo relata parte <strong>do</strong> que é conceitua<strong>do</strong> aqui como arkhêr geográfica<br />

soteropolitana.<br />

Neste livro há um interessante texto de Martins (2007) que estuda o poema<br />

Ladeira da Misericórdia composto por Go<strong>do</strong>fre<strong>do</strong> Filho. A autora explica que o<br />

primeiro passo que percorreu para analisar a obra foi “compreender o poema <strong>no</strong><br />

contexto <strong>do</strong> seu espaço e <strong>do</strong> seu tempo.” (MARTINS, 2007, p.37) Ela chama<br />

atenção para como o poeta começa a poesia destacan<strong>do</strong> a ironia <strong>do</strong> fato de uma<br />

ladeira que contém tal <strong>no</strong>me esteja perdida. Após isso chama ressalta a existência<br />

<strong>do</strong>s aspectos huma<strong>no</strong>s e físicos <strong>do</strong> lugar para em seguida comentar a força da<br />

geografia humana e da percepção presente <strong>no</strong>s versos destaca<strong>do</strong>s.<br />

É ladeira da Bahia,<br />

cruel ladeira perdida,<br />

que por boca da ironia,<br />

se diz da Misericórdia<br />

(...)<br />

Que de sobra<strong>do</strong>s fantasmas<br />

varandas ermos de sonho,<br />

139


arcos, muralhas de sombra,<br />

janelas, portais vazios,<br />

molduras de pedra suja<br />

sem apoio de mais nada,<br />

com rios <strong>do</strong>i<strong>do</strong>s de vento<br />

saltan<strong>do</strong> <strong>no</strong> eter<strong>no</strong> golfo<br />

<strong>do</strong> inútil azul das tardes!<br />

(...)<br />

Sila, Silu, Clementina,<br />

Eurides <strong>no</strong>s braços de Elza,<br />

Zezé com seu filho morto,<br />

Cantan<strong>do</strong> a canção de Ofélia...<br />

Juracy longa e fragílima<br />

que amor abrasou na fulva,<br />

nevrose das consunções<br />

e Judith, a flor <strong>do</strong> ciúme<br />

que a <strong>no</strong>ite acendeu <strong>no</strong> espanto<br />

das convulsões fesceninas,<br />

Judith que eu redimira<br />

(ó alma, ó clarão de alma!)<br />

.........................<br />

Onde andais, sombras sumidas,<br />

Floricéia negra e tantas<br />

que nunca tiveram <strong>no</strong>me,<br />

espumas das torvas ondas<br />

ondas <strong>do</strong> mar da dissolução<br />

(GODOFREDO FILHO, apud, MARTINS, 2007, p.38)<br />

A autora destaca a intimidade <strong>do</strong> poeta que mesmo sen<strong>do</strong> de Feira de<br />

Santana ao passar pelos trechos da cidade “vozes o saudavam das janelas antigas:<br />

“Godô, Go<strong>do</strong>zinho, Go<strong>do</strong>zão!”, apontan<strong>do</strong> que por conta dessa relação a realidade<br />

e a ficção se unificam <strong>no</strong>s elementos existentes em cada verso declama<strong>do</strong>.<br />

Ao comentar <strong>do</strong>s contemporâneos da época em que o poema foi publica<strong>do</strong><br />

pela primeira vez em 1949, Martins, cita uma reportagem de Riachão, famoso<br />

sambista baia<strong>no</strong> que em seu depoimento sentia saudades das “amigas” da ladeira<br />

da Misericórdia bem como da boemia vivida nesses lugares naqueles tempos.<br />

Martins explica a história da ladeira como ligada a necessidade de conexão<br />

entre a cidade baixa e a cidade alta, datan<strong>do</strong> a mesma <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de fundação da<br />

cidade, receben<strong>do</strong> o <strong>no</strong>me da Misericórdia “quan<strong>do</strong> foram ergui<strong>do</strong>s na parte alta<br />

desse caminho, entre os a<strong>no</strong>s de 1549 a 1572, o hospital e a Igreja de Santa Casa<br />

da Misericórdia” (MARTINS, 2007, p.42).<br />

Ao tratar <strong>do</strong>s fatores que levaram ao declínio <strong>do</strong> movimento na ladeira, ela<br />

cita o abastecimento de água canaliza<strong>do</strong> para chafariz que substituía as antigas<br />

fontes e nascentes, a existência <strong>do</strong>s bondes que possibilitou um êxo<strong>do</strong> de<br />

populações para lugares mais longínquos, o acesso aos automóveis que foi o fator<br />

140


de difusão <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res mais abasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> centro e a dificuldade de mão de obra<br />

para manutenção <strong>do</strong>s casarões como consequência da abolição da escravatura.<br />

Conta também que em um perío<strong>do</strong> onde se tor<strong>no</strong>u comum a substituição <strong>do</strong>s<br />

<strong>no</strong>mes originais das ruas pelos de personalidades famosas, a mesma teve seu<br />

<strong>no</strong>me modifica<strong>do</strong> para rua Padre Nóbrega, mas que com o passar <strong>do</strong>s tempos as<br />

letras foram danificadas restan<strong>do</strong> somente brega, <strong>no</strong>me que passou a ser associa<strong>do</strong><br />

à rua e que por consequência virou sinônimo de zona de meretrício. Ainda relata<br />

uma ação conjunta da Policia Federal com a Prefeitura Municipal que fin<strong>do</strong>u a vida<br />

<strong>no</strong>turna da cidade - o que contribuiu para que esse lugar se tornasse deserto e<br />

perigoso.<br />

141<br />

Os poucos casarios inteiros são fruto <strong>do</strong> projeto de recuperação ocorri<strong>do</strong> na<br />

segunda metade <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s 80. O pla<strong>no</strong> piloto, idealiza<strong>do</strong> pela arquiteta Lina<br />

Bo Bardi, caracteriza-se como uma intervenção arquitetônica<br />

contemporânea, evidenciada pelo contraste harmônico e interativo com a<br />

arquitetura da antiga ladeira” (MARTINS, 2007, p.44)<br />

Nesse ponto os caminhos percorri<strong>do</strong>s pela pesquisa chegam até a entrevista<br />

feita <strong>no</strong> dia 09 de julho de 2011, com o Sr. Clarin<strong>do</strong> Silva, que é <strong>do</strong><strong>no</strong> de um <strong>do</strong>s<br />

mais antigos e tradicionais restaurantes <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, a Cantina da Lua. O<br />

entrevista<strong>do</strong> contou a sua trajetória de vida que pode também ser encontrada <strong>no</strong><br />

livro: Memórias da Cantina da Lua, relatan<strong>do</strong> muitos fatos e acontecimentos que<br />

cruzaram com leituras e outras entrevistas, até chegar ao momento em que adquiriu<br />

o espaço falan<strong>do</strong> em seguida da crise que o Centro de Salva<strong>do</strong>r já vivia naquele<br />

perío<strong>do</strong>:<br />

(...) Então, eu assumo a Cantina a partir de 71, mas, assumo com uma<br />

visão de que aquilo seria uma experiência que eu poderia ficar por <strong>do</strong>is ou<br />

três a<strong>no</strong>s, fazer mais ou me<strong>no</strong>s o meu pé de meia e partir para outro<br />

negocio, assim que a coisa começou a dar certo, tomei gosto, comprei uma<br />

geladeira <strong>no</strong>va (...) Lançamos a feijoada da lua e essa feijoada era eu<br />

mesmo que fazia, você imagina que essa feijoada ganhou tanta fama que<br />

foi <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s consecutivos ti<strong>do</strong> pela revista amiga como a melhor feijoada<br />

da Bahia. E aí eu em 75 comprei o ponto na mão de Renato, eu já estava<br />

mais ou me<strong>no</strong>s equilibra<strong>do</strong> e em 78 eu comprei o ponto de meu ex-patrão<br />

que desistiu <strong>do</strong> negocio e eu comprei o ponto na mão dele.<br />

O entrevista<strong>do</strong>, conta que nessa época o <strong>Pelourinho</strong> já estava passan<strong>do</strong> por<br />

uma fase extremamente difícil, porque os comerciantes haviam enfrenta<strong>do</strong> o<br />

problema <strong>do</strong> esvaziamento, que começa na década de 40. Quan<strong>do</strong> as ditas<br />

famílias tradicionais saem de lá para o Corre<strong>do</strong>r da Vitória, Graça, Barra. Ainda


aponta que na década de 70, enfrentavam um <strong>no</strong>vo problema de esvaziamento por<br />

parte <strong>do</strong>s equipamentos que funcionavam <strong>no</strong> bairro.<br />

142<br />

Sai a faculdade de Medicina, sai o Instituto Medico Legal, saiu a sede <strong>do</strong><br />

INCRA, saiu a academia da Bahia. Fecharam o Cine Santo Antônio,<br />

fecharam o Cine Popular, desativaram o Pla<strong>no</strong> Inclina<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pilar,<br />

desativaram o Eleva<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Tabuão, houve um incêndio <strong>no</strong> Liceu de Artes e<br />

Ofícios, tiraram a administração <strong>do</strong> município, tiraram a administração <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, veio é, saiu o <strong>BA</strong>NEB, saiu a Caixa Econômica e se nós fossemos<br />

ficar falan<strong>do</strong> nós íamos ficar até as seis horas, então eu prefiro ficar por<br />

aqui.<br />

E ai, <strong>no</strong>s tomamos uma medida e criamos uma entidade chamada Revicentro,<br />

que envolvia a Sociedade Protetora <strong>do</strong>s Desvali<strong>do</strong>s, os artistas, as<br />

associações que mais estavam organizadas, Congregação Mariana e outras<br />

entidades. Isso teve uma importância muito grande, só que em determina<strong>do</strong><br />

momento começou a ter algumas influências políticas e que desarticulou o<br />

<strong>no</strong>sso trabalho o que uma parte começou a apoiar determina<strong>do</strong> verea<strong>do</strong>r e<br />

o transformou presidente da entidade e deixou de ser uma entidade política<br />

para fazer politicagem. E ai agente, nós recuamos e em 83 agente reúne<br />

aqui na cantina boêmios, intelectuais e alguns bons amigos e criamos o<br />

Projeto Cultural Cantina da Lua com a perspectiva de lutarmos pela<br />

revitalização e pela preservação da <strong>no</strong>ssa memória cultural.<br />

Você imagina que o preconceito com o <strong>Pelourinho</strong> era tão grande, que nós<br />

trouxemos, a época a imprensa chamou os onze, onze de ouro, os onze<br />

melhores artistas da cidade, naquele momento. Era Batatinha, Ederal<strong>do</strong><br />

Gentil, Edil Pacheco, Tião Montorista, Miriam Tereza, Chocolate da Bahia,<br />

Paulinho Camafel, Valmir Lima, eram onze e o preconceito era tão grande<br />

que nós armamos um palco aí na frente da cantina e não deu 60 pessoas<br />

na frente <strong>do</strong> palanque.<br />

O Sr. Clarin<strong>do</strong> conta <strong>do</strong> espanto que o grupo organiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s eventos sentiu<br />

com esse preconceito porque as pessoas que faziam parte da diretoria eram como<br />

se dizia na época da alta sociedade, que segun<strong>do</strong> o mesmo haviam si<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong>s<br />

para dar maior credibilidade ao projeto. Dois <strong>do</strong>s que faziam parte <strong>do</strong> grupo<br />

pediram para sair após o fracasso <strong>do</strong> evento, e foram então substituí<strong>do</strong>s.<br />

Em 84 foi o primeiro aniversário e nós continuamos fazen<strong>do</strong> a festa da<br />

benção toda terça feira e dia de sába<strong>do</strong> <strong>no</strong>s tínhamos samba <strong>no</strong> terreiro,<br />

tínhamos um samba lá <strong>no</strong> Merca<strong>do</strong> Modelo, quan<strong>do</strong> <strong>no</strong> Merca<strong>do</strong> Modelo<br />

saia de lá vinha pra cá. Como ficou muito caro pra gente que nós é que<br />

bancávamos com isso, aí nós resolvemos manter a festa da Benção porque<br />

com a saída <strong>do</strong> terminal de ônibus da Praça da Sé, saiu também boa parte<br />

da população que vinha pra o <strong>Pelourinho</strong> e ai nós criamos a benção que era<br />

exatamente uma maneira não só de atrair o povo e segurar a comunidade<br />

que vinha pra benção, mas, também uma proposta de chamar a atenção<br />

das autoridades pra o aban<strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

Aí veio o primeiro aniversario, nós trouxemos Zezé Mota que era a grande<br />

atriz da <strong>no</strong>vela Roda Baiana. E nós conseguimos botar mais de duas mil<br />

pessoas na praça, isso nós tínhamos trazi<strong>do</strong> já o Olodum pra fazer o ensaio<br />

<strong>do</strong> Olodum na terça feira, tínhamos trazi<strong>do</strong> os Filhos de Gandhy que<br />

reuniam de duas a três mil pessoas já fora <strong>do</strong> carnaval através <strong>do</strong><br />

presidente J. Passos <strong>no</strong>s conseguimos criar uma seresta <strong>do</strong> Gandhy que<br />

trazia boa parte da comunidade <strong>do</strong> Gandhy, e aí, trouxemos o Comanche,<br />

trouxemos o Apache que ensaiava <strong>no</strong> Tororó, mas, toda terça feira tinha


143<br />

uma grande atração e aí em 85 vem a primeira grande vitória <strong>no</strong>ssa que é<br />

exatamente o tombamento <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong>, como patrimônio da<br />

humanidade.<br />

Nesse a<strong>no</strong> e <strong>no</strong> posterior há a convergência de <strong>do</strong>is fatos que foram<br />

fundamentais para desencadear a repercussão <strong>do</strong> agora <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong> <strong>no</strong> país e posteriormente <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>. Primeiro é o tombamento aponta<strong>do</strong><br />

pelo Sr. Clarin<strong>do</strong>, e depois é o sucesso da música Faraó que colocou em evidencia<br />

a força da cultura e da música que pulsava <strong>no</strong>s bairros históricos de Salva<strong>do</strong>r<br />

desde os carnavais antigos. Só para fazer uma correlação desses laços, o Sr.<br />

Hamilton Ribeiro, informou que o inventor <strong>do</strong> Samba Reggae, Neguinho <strong>do</strong> Samba,<br />

tocava na bateria <strong>do</strong> bloco os Corujas. É interessante, observar como a sequência<br />

de fatos que passam despercebi<strong>do</strong>s na história desencadeou os fatos principais<br />

que criaram condições para a revalorização <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r. O Sr.<br />

Clarin<strong>do</strong> continua a entrevista falan<strong>do</strong> de <strong>do</strong>is (2) marcos que sucederam o a<strong>no</strong> de<br />

1985. Que foi o sucesso da música Faraó e posteriormente a visita de astros<br />

internacionais ao <strong>Pelourinho</strong>.<br />

E aí em 86 estoura Faraó e o estouro <strong>do</strong> Faraó teve uma importância muito<br />

grande porque conseguiu trazer um publico fantástico para o <strong>Pelourinho</strong> foi<br />

quan<strong>do</strong> veio Paul Simon, depois, éee, Michael Jackson. E isso pra gente<br />

teve não só toda uma visibilidade ao <strong>Pelourinho</strong>, ao Centro <strong>Histórico</strong>, mas,<br />

também deu uma mexida econômica com agente. Apesar de o tombamento<br />

como patrimônio da humanidade ele teve, eu diria assim, um viés negativo<br />

que foi em 86 agente teve a impressão que tava viven<strong>do</strong> na Roma de Nero<br />

porque aconteceu 19 incêndios. Incêndios que eram crimi<strong>no</strong>sos, que agente<br />

não tinha como controlar, porque eram crimi<strong>no</strong>sos, e agente foi ver o foco<br />

onde estava acontecen<strong>do</strong> e quem eram os incendiários, que<br />

lamentavelmente estavam usan<strong>do</strong> os <strong>no</strong>ssos jovens, as crianças de <strong>no</strong>ssa<br />

comunidade para fazer isso e ai mais uma vez <strong>no</strong>s mobilizamos, criamos<br />

um projeto chama<strong>do</strong> Criançarte, isso se você chegasse dia de Sába<strong>do</strong> aqui<br />

uma hora dessas tava aqui crianças fazen<strong>do</strong> trabalho com guache, com<br />

argila, mas o <strong>no</strong>sso foco principal era educação patrimonial, aí <strong>no</strong>s<br />

levávamos esses meni<strong>no</strong>s, quan<strong>do</strong> terminava esse trabalho, nós levamos<br />

eles aqui <strong>no</strong> pé da faculdade aí dizíamos, olha isso aqui foi a primeira<br />

escola jesuíta <strong>do</strong> Brasil e depois foi a primeira faculdade de medicina, e isso<br />

foi inaugura<strong>do</strong> com a vinda de Dom João VI com a fuga das guerras<br />

napoleônicas, mas, sabe quem foi que construiu isso aqui? Foram os<br />

<strong>no</strong>ssos antepassa<strong>do</strong>s, <strong>no</strong>ssas bisavós, <strong>no</strong>ssos tataravós, que vieram <strong>do</strong><br />

continente africa<strong>no</strong>, que não pediram pra vir e que não veio só pobre e<br />

miserável, vieram reis e rainhas que eram derrota<strong>do</strong>s nas guerras tribais e<br />

eram vendi<strong>do</strong>s como escravos, e vocês, e nós precisamos preservar isso<br />

para os <strong>no</strong>ssos netos, para os <strong>no</strong>ssos bisnetos, para os <strong>no</strong>ssos tataranetos.<br />

Na hora que você está queiman<strong>do</strong> isso ai, você está botan<strong>do</strong> fogo na <strong>no</strong>ssa<br />

memória, na <strong>no</strong>ssa história e história não se queima, história se constrói e<br />

isso foi de uma importância extraordinária até porque naquele momento nós<br />

conseguimos fazer um convenio com a EMTURSA que hoje é SECTUR pra<br />

os meni<strong>no</strong>s mais bem <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s serem aproveita<strong>do</strong>s como guias mirins, pra<br />

<strong>no</strong>ssa alegria a maior parte deles foi absorvi<strong>do</strong> pela EMTURSA.


Por fim o Sr. Clarin<strong>do</strong> (Figura 35) comenta também sobre as mudanças <strong>no</strong>s<br />

pla<strong>no</strong>s entre os gover<strong>no</strong>s que é mais um elemento que interfere <strong>no</strong>s processos<br />

urba<strong>no</strong>s. Conta das primeiras experiências obtidas anteriormente que não visavam<br />

a remoção populacional, mas, assume que o grupo cometeu uma falha grave. Não<br />

houve uma preocupação em educar as famílias que estavam sen<strong>do</strong> beneficiadas<br />

<strong>no</strong>s programas de recuperação <strong>do</strong> qual participou. Ao ser questiona<strong>do</strong> das ações,<br />

posteriores aos primeiros projetos, que acarretaram <strong>no</strong> processo de gentrification<br />

<strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> o entrevista<strong>do</strong> se posicio<strong>no</strong>u a favor,<br />

consideran<strong>do</strong> as mesmas positivas e negan<strong>do</strong> que tenha ocorri<strong>do</strong> uma limpeza<br />

social na área.<br />

144<br />

Lamentavelmente, esse país é um país onde quan<strong>do</strong> muda de Gover<strong>no</strong>,<br />

muda os projetos, mudam os pla<strong>no</strong>s, nós perdemos esse viés de continuar<br />

aproveitan<strong>do</strong> esses meni<strong>no</strong>s.<br />

E aí de 83 à 91 nós fazíamos shows aqui na cantina, (...) lançamos mais de<br />

quarenta livros, (...) e não desistirmos de lutar pela revitalização e pela<br />

preservação de <strong>no</strong>ssa memória cultural. Veio o processo de restauração e<br />

um processo mais amplo, porque anteriormente o gover<strong>no</strong> Antônio Carlos<br />

Magalhães tinha feito algumas intervenções isoladas, <strong>no</strong> Gover<strong>no</strong> Waldir<br />

Pires, <strong>do</strong> qual nós participamos como assessor <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong> Patrimônio<br />

Artístico e Cultural, nós conseguimos colocar em prática um pla<strong>no</strong> que era<br />

restaurar os pardieiros, transforman<strong>do</strong> em residências pluri-familiares e foi<br />

um projeto tão bom que nós colocamos em prática e de certa forma ficamos<br />

meio decepciona<strong>do</strong>s porque nós conseguimos recuperar o 31 da rua<br />

Gregorio de Mattos, o 16 da Vicente, o 15 e o 28 da João de Deus e não<br />

trabalhamos a questão da educação patrimonial e em me<strong>no</strong>s de três a<strong>no</strong>s<br />

eu tive o desprazer de visitar esses prédios os apartamentos que<br />

entregamos, com toda pompa, tu<strong>do</strong> arrumadinho, tu<strong>do</strong> limpinho. Alguns<br />

deles, até o vaso sanitário tinham arranca<strong>do</strong>, outros até tinham corta<strong>do</strong> a<br />

parede para tirar a fiação pra vender e fazer “gato”. Isso <strong>no</strong>s decepcio<strong>no</strong>u<br />

muito, mas, nós continuamos baten<strong>do</strong> na tecla. (...)<br />

Figura 35: Sr. Clarin<strong>do</strong> Silva pousan<strong>do</strong> com a foto de Seu Pai<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro, 09 jul 2011


A ação de um grupo de comerciantes e pessoas preocupadas com o centro<br />

histórico foi então a grande mola propulsora de to<strong>do</strong> o processo que é estuda<strong>do</strong> na<br />

cidade de Salva<strong>do</strong>r. O primeiro projeto de intervenção <strong>no</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de<br />

Salva<strong>do</strong>r não teve pretensões de expulsar a comunidade que ali residia, como<br />

afirmou em entrevista o Sr. Clarin<strong>do</strong> e como também é constata<strong>do</strong> nas leituras sobre<br />

o acontecimento.<br />

145<br />

Em 1985 o <strong>Pelourinho</strong> foi considera<strong>do</strong> Patrimônio da Humanidade pela<br />

UNESCO. Pressionada por grupos intelectuais soteropolita<strong>no</strong>s para intervir<br />

mais pesadamente para reverter a degradação física da área, a Prefeitura<br />

chamou a arquiteta italiana Lina Bó Bardi para desenvolver um projeto da<br />

reabilitação para o Centro <strong>Histórico</strong> (Instituo Lina Bo e P.M.Bardi, 1993,<br />

apud, NOBRE, 2003, p.5)<br />

É nesse ponto em que se cruzam as informações obtidas na entrevista, com o<br />

artigo de Martins (2007) sobre a ladeira da Misericórdia que podem ser corrobora<strong>do</strong>s<br />

<strong>no</strong> artigo de Nobre (2003) e em outras fontes que confirmam a importância dessa<br />

rua como ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s principais focos desse primeiro processo<br />

intervencionista, mas que não obteve o resulta<strong>do</strong> satisfatório justamente por não ter<br />

si<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> em consideração um trabalho com ações educativas, mesmo que em<br />

primeira instância tenha ocorri<strong>do</strong> a preocupação em manter a diversidade<br />

populacional <strong>do</strong> centro.<br />

Contu<strong>do</strong>, o projeto mais importante de Lina em Salva<strong>do</strong>r foi, sem dúvida, o<br />

da Ladeira da Misericórdia, projeto piloto que seria expandi<strong>do</strong> para to<strong>do</strong> o<br />

<strong>Pelourinho</strong>. Um grupo de casarões deteriora<strong>do</strong>s, localiza<strong>do</strong>s na ladeira atrás<br />

<strong>do</strong> Convento e da Santa Casa de Misericórdia, foi restaura<strong>do</strong> para o uso<br />

residencial da população de baixa renda local, junto com atividades<br />

comerciais <strong>no</strong>s térreos. (NOBRE, 2003, p.6)<br />

A partir de 1985, uma combinação de fatores e de diversos agentes<br />

modela<strong>do</strong>res desencadeariam mais tarde o processo de gentrification na cidade.<br />

Primeiramente a importância que a marca Olodum, teve para a divulgação de<br />

Salva<strong>do</strong>r e principalmente <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> da cidade <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>. A esse aspecto<br />

podemos atribuir como propulsores tanto os agentes econômicos locais como a<br />

população. Como tem si<strong>do</strong> constatada, a i<strong>no</strong>vação, a superação e a força criativa<br />

que dá ânimo à cidade de Salva<strong>do</strong>r é algo que surge <strong>no</strong> meio <strong>do</strong> povo, ou por parte<br />

de um grupo da população ou às vezes de um único cidadão. No caso <strong>do</strong> Olodum é<br />

importante realçar a figura de Neguinho <strong>do</strong> Samba (Figura 36), que em sua história,


fun<strong>do</strong>u o Olodum e a banda feminina Didá. Mas a sua contribuição mais significativa<br />

para a historia da cidade foi a criação de um <strong>no</strong>vo ritmo o Samba reggae.<br />

Adiante há o crescimento da significância desse espaço da cidade o que é<br />

ainda mais reforça<strong>do</strong> com a vinda para gravação de músicas e clipes por cantores<br />

de re<strong>no</strong>me internacional, dentre eles Paul Simon e o pop star Michael Jackson.<br />

(figura 37) Nesse momento Salva<strong>do</strong>r dá um grande salto <strong>no</strong>s degraus <strong>do</strong> circuito<br />

turístico mundial.<br />

Figura 36: Paul Simon e Neguinho <strong>do</strong> Samba na sede <strong>do</strong> Olodum.<br />

Figura 37: Michael Jackson e o Olodum,<br />

Fonte: http://entretenimento.r7.com/musica/<strong>no</strong>ticias/neguinho-<strong>do</strong>-samba-morre-na-bahia-aos-53a<strong>no</strong>s-20091102.html<br />

Acessa<strong>do</strong> em 22/07/2011<br />

Fonte: http://www.bahia<strong>no</strong>ticias.com.br/<strong>no</strong>ticias/<strong>no</strong>ticia/2009/11/01/50549,morre-neguinho-<strong>do</strong>samba.html<br />

Acessa<strong>do</strong>: em 22/07/2011<br />

Combina<strong>do</strong> a isso há o fortalecimento <strong>do</strong> movimento da negritude<br />

caracteriza<strong>do</strong> por ser um movimento artístico e cultural que teve o <strong>Pelourinho</strong>, como<br />

o principal lócus <strong>do</strong> acontecimento, sen<strong>do</strong> então o ponto de encontro <strong>do</strong>s jovens<br />

negros e mestiços da cidade, como conta Bonfim (2007), ao falar <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s 1980 <strong>no</strong><br />

Centro.<br />

146<br />

As festas aí organizadas reúnem multidões e fazem reviver o velho teci<strong>do</strong><br />

urba<strong>no</strong>. A expressão maior dessas manifestações se produz <strong>no</strong> carnaval e<br />

nas <strong>no</strong>ites de terça-feira, quan<strong>do</strong> ocorre a missa <strong>do</strong> Santo Antônio, às 18h,<br />

com a Benção de São Francisco, na majestosa “Igreja de ouro”. O hábito<br />

<strong>do</strong>s freqüenta<strong>do</strong>res da missa irem, após a função religiosa, para os bares e<br />

restaurantes da área deu inicio a uma grande festa popular, a Terça da<br />

Benção que se espalha pelas ruas, clubes e bares <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong>.<br />

(BONFIM, 2007, p.440)


O Esta<strong>do</strong> por sua vez teve um papel decisivo nas ações que promoveram<br />

essa reconfiguração da cidade, não só por fortalecer os laços institucionais de<br />

entidades como os Filhos de Gandhy e o Olodum, mas, porque foi o autor da<br />

polêmica e criticada “revitalização” <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r a ser realizada<br />

em 10 etapas, ten<strong>do</strong> fica<strong>do</strong> estagnada na sétima, voltan<strong>do</strong> a ser tocada <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de<br />

2010.<br />

5.2 O Esta<strong>do</strong><br />

Em seu estu<strong>do</strong> sobre o Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r, Bonfim (2007) faz uma<br />

detalhada revisão sobre as intervenções estatais que aconteceram nesse espaço,<br />

desde as “re<strong>no</strong>va<strong>do</strong>ras” como as promovidas por J.J. Seabra, até as ações que<br />

visavam a dita revitalização <strong>do</strong> espaço.<br />

O autor explica que para a preservação de um patrimônio é necessário se<br />

passar por <strong>do</strong>is momentos, sen<strong>do</strong> um primeiro de planejamento que vise elaborar<br />

um projeto ou um pla<strong>no</strong> e o segun<strong>do</strong> onde ocorre a implantação <strong>do</strong> mesmo. “A<br />

intervenção tem como natureza sanear, asseptizar, e provoca considerável impacto<br />

social, pois ao se intervir <strong>no</strong> imóvel também se interfere na vida de seu ocupante.<br />

(BONFIM, 2007, p.376)<br />

Segun<strong>do</strong> o autor, após o declínio <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong>, que culmi<strong>no</strong>u com a<br />

proliferação de atividades consideradas pouco <strong>no</strong>bres como a prostituição a área<br />

ficou estigmatizada de forma negativa. Nesse momento em 1959 o delega<strong>do</strong> de<br />

Jogos e Costumes de Salva<strong>do</strong>r, Dr. Mozart Pedrosa, inicia uma luta contra o<br />

meretrício com “o intuito de libertar para a Bahia e para os turistas a parte histórica e<br />

artística da cidade que se encontrava transformada em bordel (...) libertar e<br />

resguardar um patrimônio que se encontrava aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>” (IPAC, 1997, apud<br />

BONFIM, 2007, p.385).<br />

A ação consistiria em transferir a atividade <strong>do</strong> meretrício para uma única<br />

zona, o porto. O procedimento se daria em oito etapas e de forma pacífica. Da<strong>do</strong> as<br />

características, já é possível considerar essa ação como uma primeira tentativa de<br />

gentrification, porém o projeto não obteve sucesso.<br />

147<br />

O ambicioso projeto chegou a transferir muitas prostitutas para a Cidade<br />

Baixa. Porém, a guerra contra o bordel foi perdida, pois a crise política que<br />

se instalou resultante de incidentes com proprietárias de bordéis elegantes


148<br />

<strong>no</strong> centro da cidade, que dispunham de cobertura política e a simpatia de<br />

um órgão de imprensa local, resultou na demissão <strong>do</strong> delega<strong>do</strong> e <strong>no</strong><br />

aban<strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong> projeto. A rede de meretrício logo se recompôs na área <strong>do</strong><br />

Centro <strong>Histórico</strong>. (BONFIM, 2007, p.386)<br />

Seguin<strong>do</strong> uma cro<strong>no</strong>logia das ações estatais de conservação e preservação<br />

patrimonial pode-se delinear uma sequência que se inicia em 1959 quan<strong>do</strong> o<br />

Instituto <strong>do</strong> Patrimônio <strong>Histórico</strong> e Artístico Nacional (IPHAN) tombou edificações <strong>do</strong><br />

Centro <strong>Histórico</strong>. O IPAC e outras instituições realizaram uma série de estu<strong>do</strong>s sobre<br />

a área que foi tabulada por Bonfim (2007, p.401)<br />

Quadro 01: Políticas públicas para o Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r<br />

ANO AÇÃO INSITITUIÇÃO<br />

1937<br />

Criação <strong>do</strong> Serviço <strong>do</strong> Patrimônio <strong>Histórico</strong> e Artístico<br />

Nacional; tombamento de monumentos SPHAN<br />

1959 Medidas de proteção e obras de conservação SPHAN<br />

1967<br />

Criação da FPAC<strong>BA</strong> (IPAC). Promoção da conservação<br />

<strong>do</strong> patrimônio artístico e cultural da Bahia Gover<strong>no</strong> da Bahia<br />

1971 1ª etapa <strong>do</strong> Pla<strong>no</strong> de Recuperação <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> IPAC SEPLAN/PR<br />

1972 Pla<strong>no</strong> de Desenvolvimento da Comunidade <strong>do</strong> Maciel IPAC, PMS, UF<strong>BA</strong><br />

1976- Restauração de imóveis e instalações de serviços<br />

1979<br />

1977 -<br />

públicos e priva<strong>do</strong>s IPAC<br />

1979 Pla<strong>no</strong> Diretor <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> (PLANDIP) CONDER, IPAC<br />

1981-<br />

1985<br />

1981-<br />

1982<br />

1978<br />

1983<br />

1986<br />

Proposta de Valorização <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de<br />

Salva<strong>do</strong>r CONDER<br />

Projeto Centro Administrativo Municipal Integra<strong>do</strong><br />

(CAMI) OCEPLAN, PMS<br />

Projeto de Recuperação Habitacional <strong>do</strong> Centro<br />

<strong>Histórico</strong> (<strong>Pelourinho</strong>) IPAC, UIS/HOAB BNH<br />

Criação <strong>do</strong> Escritório Técnico de Licenças e<br />

Fiscalização IPAC, PMS, SPHAN/FNPM<br />

Criação da Fundação Gregório de Matos (FGM)<br />

Criação <strong>do</strong> Programa Especial de Recuperação <strong>do</strong>s<br />

Sítios <strong>Histórico</strong>s de Salva<strong>do</strong>r PMS<br />

1986<br />

Seminário <strong>do</strong> Programa Nacional de Recuperação e<br />

Revitalização de Núcleos <strong>Histórico</strong>s MinC, MDU<br />

1987 Criação <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

1991-<br />

FGM-PMS<br />

2006 Programa de Recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> IPAC-CONDER<br />

Fonte: Bonfim (2007)


Ao analisar a tabela observa-se que desde 1937 já há uma preocupação <strong>no</strong><br />

nível nacional com a questão patrimonial, ten<strong>do</strong> ti<strong>do</strong> as primeiras medidas<br />

implementadas na cidade de Salva<strong>do</strong>r em 1959. Com a criação pelo Gover<strong>no</strong> baia<strong>no</strong><br />

<strong>do</strong> FPAC<strong>BA</strong> em 1967 que mais tarde se tornaria o IPAC há em 1971 a primeira<br />

etapa <strong>do</strong> Pla<strong>no</strong> de Recuperação <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> que contou com o IPAC e<br />

SEPLAN/PR.<br />

Em 1972 é pensa<strong>do</strong> em um pla<strong>no</strong> de Desenvolvimento da comunidade <strong>do</strong><br />

Maciel, com um caráter mais social contan<strong>do</strong> com as instituições <strong>do</strong> IPAC, PMS e<br />

UF<strong>BA</strong>. De 1976 a 1979 o IPAC restaurou imóveis e instalou serviços públicos e<br />

priva<strong>do</strong>s – informação que contrasta com a declaração em entrevista <strong>do</strong> Sr. Clarin<strong>do</strong><br />

Silva. De 1977 a 1979 a Companhia de Desenvolvimento <strong>do</strong> Recôncavo (CONDER),<br />

elabora a proposta de Valorização <strong>do</strong> Centro e <strong>do</strong> Pla<strong>no</strong> Diretor <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

(PLANDIP) junto com o IPAC.<br />

Bonfim também informa sobre um convênio realiza<strong>do</strong> entre a CONDER e o<br />

Departamento de Trânsito da Bahia (DETRAN) <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1978 que culmi<strong>no</strong>u com o<br />

<strong>do</strong>cumento: Proposta de Valorização <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r onde; “É da<strong>do</strong><br />

ênfase a problemas liga<strong>do</strong>s à circulação de veículos e de pedestres e considera-se<br />

que a estratégia para valorização <strong>do</strong> centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r deve ser orientada<br />

<strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de minimizar a participação de veículos na dinâmica da área”. (BONFIM,<br />

2007, p. 408)<br />

A partir daí muitos projetos foram cria<strong>do</strong>s, estu<strong>do</strong>s elabora<strong>do</strong>s, seminários<br />

realiza<strong>do</strong>s, algumas tentativas postas em práticas, mas de forma frustrada, até o a<strong>no</strong><br />

de 1991 quan<strong>do</strong> o IPAC juntamente com a CONDER – agora já de<strong>no</strong>minada de<br />

Companhia de Desenvolvimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia, elaboram o Programa de<br />

Recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> que foi implementa<strong>do</strong> em 1993 pelo Gover<strong>no</strong> <strong>do</strong><br />

PFL em seis etapas das dez previstas, até o a<strong>no</strong> de 2002. Com a mudança de<br />

corrente política <strong>do</strong> Gover<strong>no</strong>, que passa a ser regi<strong>do</strong> pelo PT, há uma freada <strong>no</strong><br />

processo que se configurava para ser retoma<strong>do</strong> mais tarde – em 2010.<br />

Com a criação <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> inúmeras medidas são<br />

executadas para tentar alavancar a revitalização da área, ten<strong>do</strong> culmina<strong>do</strong> com as<br />

intervenções pontuais coordenadas pela arquiteta Lina Bom Bardi. Contu<strong>do</strong> <strong>do</strong>is<br />

foram os grandes lega<strong>do</strong>s da administração desse perío<strong>do</strong> para as bases <strong>do</strong> projeto<br />

realiza<strong>do</strong> em 1993. Primeiro, o estabelecimento de quarteirões como unidade de<br />

149


intervenção. Segun<strong>do</strong> o marketing utiliza<strong>do</strong> para mudar a imagem <strong>do</strong> lugar e atrair<br />

investimentos.<br />

150<br />

O marketing realiza<strong>do</strong> coisificou o <strong>Pelourinho</strong>, transforman<strong>do</strong>-o num produto<br />

merca<strong>do</strong>lógico, lugar com potencial para realização de negócios turísticos,<br />

isso de certa maneira “dessacralizou” o <strong>Pelourinho</strong>, abrin<strong>do</strong> espaço para a<br />

integração sócio-urbana da área e a sua incorporação à dinâmica<br />

econômica da cidade – o que virá a ocorrer <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> logo imediato.<br />

(NOBRE, 2007, p.429)<br />

5.3 O Programa de Recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de Salva<strong>do</strong>r<br />

Em 1991 Antônio Carlos Magalhães ( ACM) político de poder e prestigio<br />

vincula<strong>do</strong> às antigas oligarquias locais, assumiu o gover<strong>no</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> pela terceira<br />

vez. Na sua gestão frente ao Parti<strong>do</strong> da Frente Liberal (PFL), ele executa o<br />

programa de recuperação que tinha como fundamento a transformação da área<br />

residencial habitada por uma população de baixa renda, com justificativas<br />

econômicas pautadas <strong>no</strong> turismo. O objetivo era tornar essa área apta a ser<br />

consumida por um público de alta renda, o que configura os três recortes <strong>do</strong><br />

conceito de gentrification – espacial, temporal e social.<br />

Para inicio <strong>do</strong> processo, foi lança<strong>do</strong> ainda em 1991 Uma Carta de Referência,<br />

sen<strong>do</strong> o projeto previsto para dez etapas, a serem executadas <strong>no</strong>s quarteirões da<br />

poligonal <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> com a primeira etapa inicia<strong>do</strong> em 1993<br />

ten<strong>do</strong> como objetivo:<br />

a) manter os bens e valores culturais;<br />

b) Recuperar a estrutura física das áreas;<br />

c) Desenvolver seu potencial produtivo e sua organização social;<br />

d) Implementar um pla<strong>no</strong> de Ação Integrada entre os setores: público, priva<strong>do</strong>,<br />

organismos internacionais e comunidade.<br />

A forma como o projeto foi executa<strong>do</strong> recebeu diversas criticas primeiro<br />

porque parte da população que optou pela indenização termi<strong>no</strong>u receben<strong>do</strong> um valor<br />

irrisório. Outro ponto questiona<strong>do</strong> é que apesar da justificativa da substituição<br />

populacional ser o da conservação <strong>do</strong> patrimônio, sabe-se que uma parte da<br />

população que habitava a área contribuía com a conservação das edificações,<br />

mesmo que de forma precária ten<strong>do</strong> em vista suas condições financeiras limitadas.<br />

A maior prova disso é que a maioria das edificações aban<strong>do</strong>nadas na área estudada


está arruinada, já as invadidas, encontram-se mal conservadas, mas, não em esta<strong>do</strong><br />

de ruína.<br />

151<br />

No que se refere à população residente, ela foi quase inteiramente<br />

removida para outras áreas, visto que optou por deixar os imóveis em troca<br />

de indenizações que variaram de R$ 300,00 e R$ 500.00 da primeira a<br />

sexta etapa de restauração <strong>do</strong>s casarões, e de R$1.200,00 a R$1.500,00<br />

na sétima etapa (SILVA, 1999, p.263).<br />

Parte dessa população removida corresponde ao que Marx chama de<br />

lupemproletaria<strong>do</strong>, uma camada da sociedade que está em uma posição<br />

desprivilegiada, como <strong>no</strong> caso das prostitutas. Além disso, o <strong>Pelourinho</strong> era também<br />

reduto <strong>do</strong> tráfico de drogas e em meio a esse pa<strong>no</strong>rama viviam famílias e<br />

trabalha<strong>do</strong>res formais e informais. Em outro trabalho feito pelo autor dessa<br />

dissertação foram apontadas entrevistas que indicam como se deu o processo em<br />

alguns casos.<br />

Segun<strong>do</strong> relato de entrevista<strong>do</strong>s, os primeiros a serem retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong> local<br />

foram justamente os traficantes e os nichos de prostituição, receben<strong>do</strong><br />

indenizações. Porém a grande maioria <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res não queria sair <strong>do</strong><br />

lugar. As informações <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res da localidade e proximidades que<br />

presenciaram to<strong>do</strong> o processo contam que nessa fase os promotores de<br />

justiça faziam pressões diariamente para que os “ocupantes”<br />

aban<strong>do</strong>nassem suas residências, “muitos <strong>do</strong>s mais i<strong>do</strong>sos chegaram a<br />

falecer, alguns por tristeza, outros por ataque cardíaco” (D. Leila Brito de<br />

Souza, 2007). (RIBEIRO, 2007, p.40)<br />

O efeito dessa pressão exercida sobre a população mais i<strong>do</strong>sa, não fica muito<br />

distante <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> na atualidade. O autor <strong>do</strong> trabalho presenciou a história de uma<br />

senhora de mais de 80 a<strong>no</strong>s que ao saber que teria que deixar a casa em que viveu<br />

desde que nasceu, teve sérios problemas de saúde fican<strong>do</strong> por um a<strong>no</strong> internada <strong>no</strong><br />

Hospital Santa Isabel. Essa história será mais detalhada <strong>no</strong> capítulo VI.<br />

Ainda sobre o que aconteceu nessas primeiras etapas <strong>do</strong> processo <strong>no</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong> uma entrevistada informou que “em uma das casas onde a proprietária<br />

se recusava a aban<strong>do</strong>nar o local, o promotor deu ordem para que os agentes de<br />

reforma invadissem a residência pelo telha<strong>do</strong>, e o fizeram” (RIBEIRO, 2007, p.40)<br />

Tais ações também são informadas por matérias <strong>do</strong> IPHAN e CREA: “Detectamos<br />

que, na verdade, estavam pressionan<strong>do</strong> as pessoas para receberem indenização ou<br />

serem relocadas para Coutos, explica o promotor de Justiça e Cidadania Lidival<strong>do</strong><br />

Brito.” (CREA, 2007)


Ocorreu um esvaziamento da população <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Da<strong>do</strong>s informa<strong>do</strong>s<br />

pelo IPHAN (2007) indicam que da primeira etapa até a atual “de 1.674 famílias<br />

apenas 103 optaram por permanecer na área”. A palavra optar por sua vez é<br />

contestável, pois, como constata<strong>do</strong> na maioria das vezes não foi dada a população a<br />

opção de escolher, além de quê como aponta<strong>do</strong> por Silva (1999) a indenização<br />

variava de 300 R$ à 1.500R$, o que configurava um valor irrisório, mesmo para os<br />

padrões financeiros <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> e ainda que se considere o esta<strong>do</strong> precário de<br />

conservação das edificações. O quadro 02 demonstra de forma quantitativa o<br />

impacto das ações tanto <strong>no</strong> âmbito social quan<strong>do</strong> <strong>no</strong> das estruturas recuperadas. O<br />

quadro 03 aponta a redução da população <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> de 1984 até 1997. O<br />

quadro 04 indica o valor <strong>do</strong>s investimentos<br />

Quadro 02 - Impactos, das ações <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> por etapa.<br />

ÁREA<br />

IMÓVEIS<br />

MORADORES COMERCIANTES<br />

ETAPA m² CONCLUSÃO RESTAURADOS QUARTEIRÕES IDENIZADOS IDENIZADOS<br />

1 33.053 1993 89 4 338 100<br />

2 11.088 1994 47 2 158 18<br />

3 12.476 1994 58 3 374 55<br />

4 47.525 1994 140 7 718 222<br />

5 1996 130 2 45 22<br />

6 1996 101 5 592 93<br />

7<br />

Ate o<br />

momento 141 10 357 98<br />

Fonte: Bonfim 2007, IPAC 2007<br />

Quadro 03 - População <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>/Maciel em 1984 e 1997<br />

ANO 1984 1997<br />

População 1.297 107<br />

Fonte: MIRANDA, SANTOS, apud BONFIM 2007<br />

Quadro 04 – Valor <strong>do</strong>s Investimentos por etapas x quantidade de imóveis recupera<strong>do</strong>s<br />

INVESTIMENTO /<br />

US$ ETAPA IMÓVEIS RECUPERADOS<br />

43.223.000 1 ATÉ 5 464<br />

26.000.000 6 ATÉ 7 242<br />

Fonte: IPAC apud BONFIM (2007)<br />

As ações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nas seis primeiras fases dividiram a opinião pública com<br />

relação a terem si<strong>do</strong> positivas ou negativas para a área afetada. De fato ao final fica<br />

claro que tu<strong>do</strong> é uma questão de interesses. Para os empresários locais que tiveram<br />

na oportunidade uma chance de fortalecer seus negócios as ações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> foram<br />

altamente benéficas.<br />

152


153<br />

O interessante a ser observa<strong>do</strong> é que o então Gover<strong>no</strong> Estadual,<br />

responsável pelo processo de revitalização <strong>do</strong> CHS, simpatizante da política<br />

neoliberal vigente, atua, nesse caso, justamente às avessas, de forma<br />

paternalista junto à iniciativa privada, lembran<strong>do</strong> os bons momentos da<br />

política regulatória assistencialista que pregavam como superada.<br />

(PORTELA, 2009, p.84)<br />

Também não é interessante tornar maléficas as ações estatais em uma visão<br />

maniqueísta. É importante destacar que em muitos aspectos o Programa de<br />

Recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong>, foi positivo. Primeiro pela visibilidade que a cidade<br />

ganhou até mesmo em um circuito turístico, abrin<strong>do</strong> oportunidades para uma<br />

pequena parcela da população. Além disso, há o sucesso da restauração das<br />

estruturas que salvou parte desse patrimônio que estava ameaça<strong>do</strong>.<br />

No inicio das ações o <strong>Pelourinho</strong> pulsava em eventos e festas. O policiamento<br />

era presente na área o que garantia uma maior segurança para população que ali<br />

circulasse. Foi pensada a questão <strong>do</strong> acesso, ten<strong>do</strong>-se cria<strong>do</strong> um estacionamento<br />

para 70 carros na primeira etapa e um edifício garagem com capacidade para 500<br />

veículos na terceira etapa e outro com capacidade para 450 na quarta etapa.<br />

A idéia de transformar a área em um shopping center a céu aberto falhou em<br />

alguns aspectos, principalmente porque com as etapas iniciais ten<strong>do</strong> requalifica<strong>do</strong><br />

as áreas que tinham caráter residencial em espaços comerciais, o <strong>Pelourinho</strong><br />

perdeu o seu movimento da<strong>do</strong> pela eco<strong>no</strong>mia interna, o que enfraqueceu o fator que<br />

poderia segurar o movimento em tempos de crise econômica.<br />

Com relação à população que foi retirada, houve então diferentes situações.<br />

Uma parte <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res sofreu com a perversidade das expulsões. Porém também<br />

houve uma parcela <strong>do</strong>s que aceitaram as indenizações e outros que foram<br />

beneficia<strong>do</strong>s sen<strong>do</strong> retira<strong>do</strong>s de suas casas, mas in<strong>do</strong> para outras localidades a<br />

custeio <strong>do</strong> próprio gover<strong>no</strong>. Portela (2009) aponta em seus estu<strong>do</strong>s a forma como as<br />

negociações foram conduzidas.<br />

Para poder intervir <strong>no</strong>s imóveis de propriedade particular, foram<br />

estabeleci<strong>do</strong>s alguns tipos de negociações-padrão, a saber:<br />

Obra + comodato: <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> proprietário possuir um único imóvel, o<br />

Esta<strong>do</strong> fazia as obras e ele cedia sua posse em comodato, cujo perío<strong>do</strong><br />

poderia variar entre 5 e 17 a<strong>no</strong>s;<br />

Obra + <strong>do</strong>ação: se o proprietário possuísse mais de um imóvel, havia<br />

uma negociação entre o que seria recupera<strong>do</strong> e o que seria <strong>do</strong>a<strong>do</strong> ao<br />

Esta<strong>do</strong> (poderia ser tanto um imóvel quanto um andar de uma edificação);<br />

Desaproriação: quan<strong>do</strong> o proprietário se negava a negociar e a<br />

recuperar o imóvel nas áreas concernidas pelas etapas;


154<br />

Promessa de compra e venda: negociação mais flexível entre o<br />

Esta<strong>do</strong> e o proprietário;<br />

Adjudicação compulsória: transferência de determina<strong>do</strong> bem <strong>do</strong><br />

patrimônio <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r para o cre<strong>do</strong>r. (IPAC, apud FERNANDES, apud,<br />

PORTELA, 2009, p.79)<br />

O público acadêmico também se dividiu quanto a opinião. Se por um la<strong>do</strong> as<br />

correntes estruturalistas e eco<strong>no</strong>micistas viam nas ações um grande sucesso, não<br />

demorou muito para que outra corrente fizesse oposição às ações justamente pela<br />

gravidade da questão social decorrente das desapropriações.<br />

Em entrevista com alguns membros da CONDER, os mesmos alegaram o<br />

problema que enfrentaram <strong>no</strong> caso das realocações. Alguns conjuntos habitacionais<br />

foram cria<strong>do</strong>s em bairros periféricos da cidade para que parte da população<br />

desapropriada fosse morar. O problema é que houve dificuldade dessa população<br />

de se inserir <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo espaço, pois, to<strong>do</strong> o seu cotidia<strong>no</strong> e mo<strong>do</strong> de vida estavam<br />

liga<strong>do</strong>s ao centro. O projeto estava fada<strong>do</strong> ao fracasso e logo parte <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res<br />

retor<strong>no</strong>u ao centro.<br />

Soma<strong>do</strong> a isso mais <strong>do</strong>is grupos de antigos mora<strong>do</strong>res também tentaram<br />

continuar na região. Os que foram desapropria<strong>do</strong>s terminaram por invadir <strong>no</strong>vas<br />

casas em bairros próximos, como <strong>no</strong> Santo Antônio, Baixa <strong>do</strong>s Sapateiros, Água de<br />

Meni<strong>no</strong>s e até mesmo <strong>no</strong> próprio Maciel nas áreas onde não havia ocorri<strong>do</strong> a<br />

intervenção. Em outro trabalho <strong>do</strong> autor dessa dissertação isso foi relata<strong>do</strong>.<br />

O projeto de “revitalização” <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> trouxe conseqüências diretas<br />

para o Santo Antonio. Inicialmente, com a vinda de algumas famílias<br />

desalojadas, que se instalaram em algumas edificações da localidade, como<br />

o Forte <strong>do</strong> Santo Antônio, a casa <strong>do</strong> Oitão, localizada <strong>no</strong> Largo <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio, e algumas propriedades que se encontravam aban<strong>do</strong>nadas.<br />

Seguin<strong>do</strong> essa linha, algumas pessoas também se instalaram na escarpa<br />

que separa o mesmo da Cidade Baixa. O principal motivo para essas<br />

ocupações é que o Santo Antonio está perto das atividades de trabalho<br />

dessas pessoas, que sem maiores opções diante da expulsão de suas<br />

moradias <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong>, terminaram por escolher os casarões aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s<br />

em outras localidades <strong>do</strong> centro dentre elas o Santo Antônio. (RIBEIRO,<br />

2007, p.46)<br />

A Igreja foi uma grande beneficiaria <strong>do</strong> processo, pois com as reformas teve<br />

seu patrimônio recupera<strong>do</strong>, o que talvez explique um comportamento extremamente<br />

omisso em to<strong>do</strong> o processo. Também é importante destacar uma diferença <strong>no</strong><br />

comportamento da igreja secular, das ordens religiosas e das ordens leigas, onde a<br />

última das três teve uma influência distinta <strong>no</strong> processo.


As ordens leigas influenciaram não tanto nas poligonais onde os processos de<br />

intervenção ocorreram, mas, <strong>no</strong> seu entor<strong>no</strong>, ten<strong>do</strong> se da<strong>do</strong> de duas formas. Por um<br />

la<strong>do</strong> foram responsáveis por manter o preço <strong>do</strong>s alugueis de suas propriedades fora<br />

<strong>do</strong> boom especulativo, o que explica o fato de até hoje existirem casas na área onde<br />

os mora<strong>do</strong>res pagam alugueis relativamente baixos se compara<strong>do</strong>s ao de lotes<br />

vizinhos. Ao mesmo tempo essas mesmas ordens promoveram também a<br />

gentrification ou pelo aumento constante <strong>do</strong>s alugueis em algumas de suas<br />

propriedades ou pelo pedi<strong>do</strong> de despejo com o intuito de venda posterior.<br />

A população <strong>do</strong> entor<strong>no</strong> agiu de forma diversa ao processo, sen<strong>do</strong> difícil<br />

definir um padrão o que seria uma generalização errônea em qualquer característica<br />

apresentada. O impacto maior nesses agentes vai começar com a especulação<br />

imobiliária que é ainda mais acentuada a partir da sétima etapa, onde o projeto de<br />

recuperação de bairros como Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, termina valorizan<strong>do</strong> a<br />

área e desencadean<strong>do</strong> <strong>no</strong>vas remoções. Além das remoções, a população desses<br />

bairros, principalmente <strong>do</strong> Carmo e <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, foi<br />

modifican<strong>do</strong>-se devi<strong>do</strong> a outros fatores, como:<br />

Venda <strong>do</strong>s imóveis (inicialmente a preços irrisórios) para pessoas vindas de<br />

outros lugares, principalmente estrangeiros, que vinham com o objetivo de<br />

estabelecer algum tipo de negocio, geralmente pousadas, restaurantes ou até<br />

mesmo ONG’s<br />

Mudança das casas, por diversos motivos, dentre eles o aumento <strong>do</strong>s<br />

alugueis. Essa população termina por buscar casas na localidade a preços<br />

me<strong>no</strong>res.<br />

Houve também um grupo da população que não teve interesse de vender<br />

suas moradias <strong>no</strong> primeiro momento, passan<strong>do</strong> adiante os imóveis quan<strong>do</strong> a<br />

especulação ficou ainda mais forte.<br />

Por fim os mora<strong>do</strong>res que resistiram a to<strong>do</strong> tipo de assédio – financeiro e em<br />

alguns casos até físico, permanecen<strong>do</strong> <strong>no</strong> lugar, por não ter interesse em se<br />

mudar.<br />

155


5.3.1 A sétima etapa <strong>do</strong> programa e o Rememorar<br />

156<br />

A restauração completa <strong>do</strong> centenário casarão que abrigou o Seminário São<br />

Dâmaso, na rua Monte Alverne, próximo ao Convento de São Francisco,<br />

marca o começo da 7ª etapa das obras de recuperação <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong><br />

de Salva<strong>do</strong>r, iniciada em agosto, sob o coman<strong>do</strong> da Companhia de<br />

Desenvolvimento Urba<strong>no</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia, CONDER, empresa<br />

vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urba<strong>no</strong>. (CONDER, 2003,<br />

http://www.conder.ba.gov.br/cthistorico.htm)<br />

A sétima etapa <strong>do</strong> programa foi marcada por uma mudança <strong>no</strong> modelo de<br />

ação, mas, também pela lentidão em que o processo vem se arrastan<strong>do</strong>. Muitas são<br />

as questões burocráticas e técnicas que dificultam o avanço <strong>do</strong> processo. A começar<br />

pela escassez de corpo técnico especializa<strong>do</strong> para agilizar os trâmites legais <strong>do</strong><br />

processo fundiário. Em uma experiência vivenciada <strong>no</strong> setor de regularização<br />

fundiária da CONDER, foi possível entender melhor as grandes dificuldades que a<br />

máquina estatal enfrenta.<br />

Por um la<strong>do</strong>, há uma forte pressão <strong>do</strong> Gover<strong>no</strong> para que os estu<strong>do</strong>s e obras<br />

sejam realiza<strong>do</strong>s, mas, na linha de frente <strong>do</strong>s trabalhos o que se encontra é um<br />

corpo técnico reduzi<strong>do</strong> e muitas vezes sem qualificação para tocar os projetos na<br />

qualidade e precisão necessária. Ainda para agravar a situação o sistema<br />

burocrático brasileiro emperra a celeridade <strong>do</strong>s processos, principalmente <strong>no</strong> que diz<br />

respeito a financiamento. Vale ressaltar que se por um la<strong>do</strong> a burocracia é um fator<br />

de lentidão, por outro ela garante uma maior chance de impedir certos problemas<br />

comuns nas obras e estu<strong>do</strong>s estatais. Essa necessidade é ainda mais latente <strong>no</strong><br />

caso brasileiro onde a corrupção e a baixa qualificação são corriqueiras em<br />

membros que compõem quadros técnicos das empresas publicas.<br />

Observan<strong>do</strong> o grande problema das etapas anteriores que foi a desertificação<br />

das áreas atingidas o que termi<strong>no</strong>u retiran<strong>do</strong> a vida <strong>do</strong> lugar, o gover<strong>no</strong> então muda<br />

a estratégia, recuperan<strong>do</strong> os casarões com finalidades habitacionais. Há a<br />

incorporação da sétima etapa a outros programas - o que amplia também os<br />

recursos para investimento. Outra característica também é que as obras passam a<br />

ser coordenadas somente pela CONDER.<br />

O desafio de transformar imóveis em ruínas, recuperan<strong>do</strong> suas antigas<br />

fachadas e transforman<strong>do</strong> o seu interior, que agora abrigam 41<br />

apartamentos, de um, <strong>do</strong>is e três quartos, contempla <strong>do</strong>is importantes<br />

aspectos: aumenta a oferta de unidades habitacionais em Salva<strong>do</strong>r e, ao<br />

mesmo tempo, inclui <strong>no</strong>vas áreas <strong>no</strong> processo de revitalização <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong>. O Projeto RemeMorar bem como a 7ª etapa de recuperação <strong>do</strong><br />

Centro <strong>Histórico</strong> são obras executadas pela Conder. (CONDER, 2004)


Com a mudança de gover<strong>no</strong> sain<strong>do</strong> o Parti<strong>do</strong> da Frente Liberal e entran<strong>do</strong> o<br />

Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res, o programa também é altera<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> uma ruptura<br />

<strong>no</strong> processo anterior. Após um longo perío<strong>do</strong> de estagnação o <strong>Pelourinho</strong> entra em<br />

uma <strong>no</strong>va crise, com a população de classe média deixan<strong>do</strong> de frequentar os seus<br />

espaços e com o fechamento de mais de cinquenta lojas.<br />

Novos pla<strong>no</strong>s são lança<strong>do</strong>s agora com caráter mais abrangente envolven<strong>do</strong><br />

outra poligonal de<strong>no</strong>minada de Centro Antigo. Uma área que abrange o Centro<br />

Original e parte <strong>do</strong> que seria a Periferia Histórica da cidade. Até agora nada de<br />

efetivo foi feito com exceção da remoção da comunidade da Rocinha, em uma área<br />

<strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong>.<br />

Notas<br />

¹ O “enigma baia<strong>no</strong>” foi o termo utiliza<strong>do</strong> por Otavio Mangabeira, quan<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r<br />

da Bahia de 1941 à 1951, quan<strong>do</strong> tratou <strong>do</strong>s motivos pelo qual o Esta<strong>do</strong> não crescia<br />

eco<strong>no</strong>micamente.<br />

² Os blocos de índios, segun<strong>do</strong> o Sr. Hamilton Ribeiro, eram blocos de carnavais<br />

onde os foliões se trajavam como índios. Dentre os mais famosos de Salva<strong>do</strong>r,<br />

temos os Apaches <strong>do</strong> Tororó, os Comanches (<strong>Pelourinho</strong>), Tupis (Garcia) e<br />

Guaranís (Liberdade).<br />

157


6 SALVADOR SMILE – FATOS E DADOS<br />

No dia <strong>do</strong>is de julho, se comemora a independência <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da Bahia. Na<br />

luta pela libertação os baia<strong>no</strong>s se reuniram ten<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong> a resistência na cidade de<br />

Cachoeira em um a<strong>no</strong> de luta que culmi<strong>no</strong>u na data citada onde as tropas<br />

portuguesas fogem após a histórica batalha de Pirajá. Essa data traduz juntamente<br />

com o seu hi<strong>no</strong> muitas das características deste povo que apesar de to<strong>do</strong> o<br />

sofrimento pelo qual passa, batalha para vencer a labuta diária e ainda assim<br />

estampa um sorriso, sen<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> por sua alegria. Esse sorriso também<br />

esconde a tristeza da cidade. (Figura 38)<br />

Figura 38 - Salva<strong>do</strong>r Smile<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 02 Jul. 2010<br />

158<br />

Smile, though your heart is aching<br />

Smile, even though it's breaking<br />

When there are clouds in the sky<br />

You'll get by...<br />

If you smile<br />

With your fear and sorrow<br />

Smile and maybe tomorrow<br />

You'll find that life is still worthwhile if you'll just...<br />

Light up your face with gladness<br />

Hide every trace of sadness<br />

Although a tear may be ever so near<br />

That's the time you must keep on trying<br />

Smile, what's the use of crying?<br />

You'll find that life is still worthwhile<br />

If you'll just...<br />

If you smile<br />

With your fear and sorrow<br />

Smile and maybe tomorrow<br />

You'll find that life is still worthwhile<br />

If you'll just Smile...<br />

That's the time you must keep on trying<br />

Smile, what's the use of crying<br />

You'll find that life is still worthwhile<br />

If you'll just Smile.<br />

(Chaplin)<br />

Nesse ponto a cidade de Salva<strong>do</strong>r pode ser comparada à música Smile de<br />

Charles Chaplin. Ela apesar de dizer sorrir, é uma canção que transmite tristeza e<br />

isso ocorre porque reflete a alma de um palhaço. Segun<strong>do</strong> o dicionário Houaiss<br />

(2007), palhaço é o “ator cômico, esp. de circo, que usa maquiagem e trajes<br />

bizarros, divertin<strong>do</strong> o público com pantomimas e piadas”. Essa definição é


superficial, pois, não explica a essência de um palhaço. To<strong>do</strong> palhaço é triste por<br />

dentro, mas, é dessa tristeza que ele tira forças para gerar a alegria. O palhaço<br />

então é aquele que ri, mesmo estan<strong>do</strong> triste em seu íntimo.<br />

Ao se comparar fotos da cidade com a música Smiler, é possível relacionar e<br />

revelar parte da realidade por trás das cortinas. Observan<strong>do</strong> a estratégia de<br />

marketing turístico soteropolitana, percebe-se que ela é pautada <strong>no</strong> próprio povo. A<br />

mesma busca transmitir a imagem <strong>do</strong> baia<strong>no</strong> com um sorriso sempre aberto e<br />

acolhe<strong>do</strong>r. Esse lugar que se diz <strong>do</strong> sol, da alegria e <strong>do</strong> carnaval, também é <strong>do</strong><br />

choro e da fome escondi<strong>do</strong>s nas entranhas de seus becos e favelas. Salva<strong>do</strong>r a<br />

cidade que smile, é um palhaço? O termo smile, combina bem com o caso, pois,<br />

realmente o sorriso se dá em inglês ou qualquer outra língua estrangeira, pois é a<br />

estampa vendida para o turismo<br />

O desfile <strong>do</strong> Dois de Julho <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s tem si<strong>do</strong> marca<strong>do</strong> por elementos<br />

que revelam essa tristeza apesar de toda a alegria que o próprio dia representa. Em<br />

sua história, sabe-se que a existência <strong>do</strong> mesmo com seus elementos é fruto da<br />

resistência <strong>do</strong> povo soteropolita<strong>no</strong>. Esse festejo que tem seu inicio na cidade de<br />

Cachoeira passan<strong>do</strong> por outros pontos <strong>do</strong> Recôncavo até chegar ao Centro <strong>Histórico</strong><br />

de Salva<strong>do</strong>r é hoje um grande elo que ainda resta da arkhêr geográfica<br />

soteropolitana. É também um <strong>do</strong>s poucos momentos onde se vê na cidade<br />

manifestações política e protestos de todas correntes e temas. Nos últimos a<strong>no</strong>s, em<br />

especial os de 2010 e 2011, acontecimentos peculiares marcaram os festejos da<br />

independência da Bahia.<br />

A foto de Bira <strong>do</strong> Jegue ( Figura 38), vesti<strong>do</strong> de Chaplin, tem como pa<strong>no</strong> de<br />

fun<strong>do</strong> um dia chuvoso em uma Rua da Misericórdia vazia. Ela retrata um pouco <strong>do</strong><br />

sentimento vivi<strong>do</strong> <strong>no</strong> dia em que foi tirada. Bira <strong>do</strong> Jegue é um personagem da<br />

política baiana conheci<strong>do</strong> por sua irreverência na forma em que faz sua campanha.<br />

To<strong>do</strong> a<strong>no</strong> sai com um jegue, critican<strong>do</strong> a política e pedin<strong>do</strong> para que votem nele. A<br />

foto expressa poderia representar a tristeza existente <strong>no</strong>s bairros onde o tradicional<br />

desfile passou <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2010.<br />

Tristeza não só sentida na gota de água da chuva que na lente causa a<br />

impressão de uma lágrima na visão de quem olha para a cena. Não se trata também<br />

da tristeza alienada <strong>do</strong> país ao assistir a seleção brasileira de futebol perder por 2 x<br />

1 contra a Holanda nas quartas de final da copa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> - o que para muitos não<br />

159


fez a me<strong>no</strong>r diferença. A principal melancolia <strong>no</strong> cenário daquele desfile foi a <strong>do</strong><br />

esvaziamento das ruas, que quase sem publico para contemplar a passagem <strong>do</strong>s<br />

caboclos deixaram a festa <strong>do</strong> <strong>do</strong>is de Julho com um ar mórbi<strong>do</strong>. Ainda assim foi<br />

emocionante assistir ao belo desfile <strong>do</strong>s tropeiros, <strong>do</strong>s índios, das fanfarras e das<br />

duas estátuas <strong>do</strong>s caboclos mesmo sob a chuva, mas manten<strong>do</strong> a tradição e<br />

expressan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> evento para aquelas pessoas. Vale realçar que não<br />

há momento em que o povo baia<strong>no</strong> demonstra tanto orgulho de algo da terra, – ao<br />

me<strong>no</strong>s aqueles que participam <strong>do</strong> desfile.<br />

Essa relação era transmitida de família para família, de pais para filhos e a<br />

tradição de assistir o desfile era preservada, mesmo em dias de chuva. Havia,<br />

porém, algo <strong>no</strong> trajeto que na medida em que foi diminuin<strong>do</strong> desencadeou o<br />

esvaziamento <strong>do</strong> mesmo. As casas eram habitadas por uma população nativa da<br />

cidade, e os processos de substituição populacional <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, ocorriam de forma<br />

que proporcionavam aos que chegavam uma troca de conhecimento de mo<strong>do</strong> aos<br />

<strong>no</strong>vos habitantes se integrar às tradições e cultura local. Nos últimos a<strong>no</strong>s com a<br />

diminuição da população <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong>, ocorreu um progressivo esvaziamento<br />

das ruas <strong>no</strong> dia <strong>do</strong> desfile. A maior parte da população que ainda assiste, é a<br />

oriunda <strong>do</strong>s bairros por onde passa o cortejo.<br />

Na paisagem <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, muitas das casas se enfeitavam com pelo me<strong>no</strong>s<br />

uma bandeira <strong>do</strong> Brasil e uma da Bahia, ou com as cores da bandeira. As janelas<br />

ficavam abertas e as pessoas que circulavam pelas ruas vindas <strong>do</strong>s lugares de onde<br />

o desfile não passava, cumprimentavam os conheci<strong>do</strong>s que estavam em suas<br />

casas. Vale realçar que conhecer pessoas <strong>no</strong>s bairros históricos por onde o desfile<br />

ocorre não era algo difícil para os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s mesmos. Essa característica<br />

peculiar em bairros como o Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, foi muitas vezes<br />

mencionada em diversos jornais, ao comentarem <strong>do</strong> clima desse lugar que lembra<br />

uma cidadezinha de interior encravada em meio à Salva<strong>do</strong>r. É essa vida<br />

experimentada <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> que estão perden<strong>do</strong> as localidades onde o processo de<br />

gentrification tem ocorri<strong>do</strong>. O esvaziamento da festa é uma consequência <strong>do</strong><br />

esvaziamento <strong>do</strong>s lugares, mas, a repercussão disso se dá na própria festa com<br />

manifestações políticas, como as <strong>do</strong> mosaico de fotos <strong>do</strong> <strong>do</strong>is de julho (Figura 39).<br />

160


Figura 39 - Mosaico de Fotos <strong>do</strong> 2 de Julho<br />

Fotos <strong>do</strong> autor: 2 de Julho de 2011<br />

161<br />

Nasce o sol a 2 de julho<br />

Brilha mais que <strong>no</strong> primeiro<br />

É sinal que neste dia<br />

Até o sol é brasileiro<br />

Nunca mais o despotismo<br />

Referá <strong>no</strong>ssas ações<br />

Com tira<strong>no</strong>s não combinam<br />

Brasileiros corações<br />

Salve, oh! Rei das campinas<br />

De Cabrito e Pirajá<br />

Nossa pátria hoje livre<br />

Dos tira<strong>no</strong>s não será<br />

Cresce, oh! Filho de minha alma<br />

Para a pátria defender,<br />

O Brasil já tem jura<strong>do</strong><br />

Independência ou morrer.


6.1 Fatos e Da<strong>do</strong>s - O <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> <strong>no</strong> presente.<br />

Para compreender como o processo de gentrification ocorre na área<br />

estudada, foram combina<strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s que vão desde a observação em campo com<br />

entrevistas e conversas, com a coleta de informações em revistas jornais e outros<br />

meios de comunicação, até a análise de da<strong>do</strong>s estatísticos e espaciais que foram<br />

levanta<strong>do</strong>s em campo.<br />

Os fatos e fotos, algumas entrevistas e informações obtidas através de<br />

conversas com diversos agentes, foram apresentadas durante os capítulos<br />

anteriores, restan<strong>do</strong> ainda os acontecimentos mais relaciona<strong>do</strong>s ao atual momento.<br />

Essa correlação <strong>do</strong> presente será combinada com a análise os da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s a<br />

partir da pesquisa de campo. Tal pesquisa foi dividida em quatro etapas, sen<strong>do</strong> a<br />

primeira o planejamento, a segunda a organização, terceira a execução e a quarta a<br />

análise.<br />

A cro<strong>no</strong>logia da coleta de da<strong>do</strong>s pode ser considerada como ten<strong>do</strong> o inicio <strong>no</strong><br />

dia sete de julho de 2010, sen<strong>do</strong> concluída <strong>no</strong> dia sete de Julho de 2011. Apesar<br />

disso, muitas informações que foram cruzadas com os da<strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s em campo,<br />

datam de análise anterior a esse perío<strong>do</strong>. Um exemplo é o da pesquisa realizada <strong>no</strong><br />

bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, na mo<strong>no</strong>grafia <strong>do</strong> presente autor<br />

(RIBEIRO. 2007). Ou <strong>do</strong> próprio estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> por Santos em sua tese sobre o<br />

centro da cidade de Salva<strong>do</strong>r.<br />

Em alguns aspectos a concentração de informações em determinadas áreas<br />

poderá, até certo ponto, proporcionar um desequilíbrio nas informações apreciadas,<br />

todavia isso não comprometerá o objetivo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is motivos. O primeiro é<br />

que a maior concentração de informações se dá na área principal <strong>do</strong> processo<br />

observa<strong>do</strong>, ou seja, o bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. No caso <strong>do</strong> Maciel,<br />

os da<strong>do</strong>s disponíveis em outras fontes podem fornecer as respostas para o recorte<br />

temporal apresenta<strong>do</strong>. A maior deficiência seria então <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Carmo, onde não<br />

foi encontra<strong>do</strong> nenhum tipo de da<strong>do</strong> anterior que possa ser cruza<strong>do</strong>, de forma<br />

satisfatória, com os obti<strong>do</strong>s na atual pesquisa. De toda mo<strong>do</strong>, isso não compromete<br />

uma análise <strong>do</strong> bairro a partir <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s através da mesma.<br />

Outro aspecto relevante é que, com o méto<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>, <strong>do</strong>is fatores são<br />

garanti<strong>do</strong>s. Primeiro que haja uma maior quantidade de informações, segun<strong>do</strong> é que<br />

162


essa quantidade também representa uma qualidade, através da garantia de uma<br />

boa distribuição espacial das informações pesquisadas. Isso se dá pelo fato de que<br />

apesar de se utilizar a técnica da amostragem, houve a preocupação de que os<br />

da<strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>s tivessem o caráter geográfico preserva<strong>do</strong>. Isso só foi possível<br />

com a pesquisa sen<strong>do</strong> feita de porta em porta na maior parte da poligonal <strong>do</strong> <strong>Parque</strong><br />

<strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

Um exemplo simples foi utiliza<strong>do</strong> para testar essa ideia. Em uma dada<br />

empresa, o número de homens é superior ao de mulheres, representan<strong>do</strong> 60% o<br />

sexo masculi<strong>no</strong>, contra, 40% <strong>do</strong> sexo femini<strong>no</strong>. Um pesquisa<strong>do</strong>r posicio<strong>no</strong>u-se em<br />

um determina<strong>do</strong> horário <strong>no</strong> corre<strong>do</strong>r da empresa, e considerou a quantidade de<br />

pessoas que passariam por ali, para saber a porcentagem de cada gênero na<br />

mesma. Por essa coleta de da<strong>do</strong>s, a constatação foi que havia mais mulheres <strong>do</strong><br />

que homens naquele lugar. Tal resulta<strong>do</strong> pode ser atribuí<strong>do</strong> a muitos fatores.<br />

Primeiro, a quantidade de mulheres que precisam passar pelos corre<strong>do</strong>res<br />

pode ser maior, segun<strong>do</strong> o horário em que a pesquisa foi realizada pode ter induzi<strong>do</strong><br />

o resulta<strong>do</strong> e por ultimo o próprio lugar onde o mesmo se posicio<strong>no</strong>u, poderia ter<br />

uma quantidade maior de funcionários <strong>do</strong> sexo femini<strong>no</strong>. Têm-se então três fatores<br />

que combina<strong>do</strong>s com os eventos caóticos, podem comprometer qualquer méto<strong>do</strong><br />

estatístico. O fator da espacialização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, o da temporalidade <strong>do</strong>s fatos e o da<br />

qualidade <strong>do</strong>s elementos pesquisa<strong>do</strong>s.<br />

É certo que muitas dessas questões poderiam ser amenizadas através de<br />

algumas medidas de segurança. A primeira implica <strong>no</strong> fato de que uma amostragem<br />

bem feita deveria ter mais elementos <strong>do</strong> que somente um percentual quantitativo. O<br />

primeiro elemento seria a aplicação <strong>do</strong>s questionários em diferentes lugares,<br />

tentan<strong>do</strong> alcançar a maior heterogeneidade espacial possível. O segun<strong>do</strong> ponto é<br />

que ainda nesses lugares as pesquisas deveriam ser realizadas em diferentes<br />

perío<strong>do</strong>s <strong>do</strong> dia e se possível em to<strong>do</strong>s os dias de uma semana.<br />

Ainda assim, a veracidade da generalização de tais informações poderia estar<br />

comprometida em um ou <strong>do</strong>is aspectos <strong>do</strong> acaso. Todavia, essas medidas já seriam<br />

suficientes para garantir uma melhor qualidade <strong>no</strong>s resulta<strong>do</strong>s. É a partir dessa<br />

constatação que se buscou dissecar com o maior critério possível as informações<br />

pesquisadas, na tentativa de chegar o mais próximo da totalidade na poligonal<br />

estudada.<br />

163


O modelo de pesquisa em campo já havia si<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong> anteriormente<br />

(RIBEIRO, 2007) <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, contu<strong>do</strong>, ocorreram<br />

algumas alterações com o objetivo de facilitar o trabalho que teve a sua área<br />

ampliada em mais de 100%. A necessidade dessa ampliação se deu pelo motivo de<br />

que, durante as pesquisas realizadas <strong>no</strong> trabalho que estudava o processo de<br />

gentrification <strong>no</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, constatou-se de que o fenôme<strong>no</strong><br />

ocorri<strong>do</strong> foi uma consequência de ações relativas à gentrification, realizadas<br />

anteriormente <strong>no</strong> Maciel, como já afirma<strong>do</strong> anteriormente.<br />

Inicialmente levantou-se a cartografia da área, utilizan<strong>do</strong> a base da CONDER<br />

SICAR RMS 92 (Sistema Cartográfico da Região Metropolitana de Salva<strong>do</strong>r 1992).<br />

Após isso foi necessário tratar as informações, primeiramente eliminan<strong>do</strong> as<br />

duplicatas na base, depois melhoran<strong>do</strong> as feições de alguns polígo<strong>no</strong>s e por fim<br />

selecionan<strong>do</strong> os da<strong>do</strong>s que seriam uteis. Para isso delimitou-se a poligonal <strong>do</strong><br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, seguin<strong>do</strong> o memorial descritivo <strong>do</strong> decreto estadual<br />

7.894 de 1987 e com essa poligonal usou-se um coman<strong>do</strong> de geoprocessamento de<br />

seleção por área, extrain<strong>do</strong> os lotes, eixo de logra<strong>do</strong>uros e pontos de referência.<br />

Após isso, dividiu-se a poligonal delimitada em três subáreas: a <strong>do</strong> Maciel,<br />

Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. Também foram definidas as quadras<br />

toman<strong>do</strong> por referência os logra<strong>do</strong>uros, para cada quadra foi defini<strong>do</strong> um número<br />

totalizan<strong>do</strong> 50 quadras que foram da 00 até a 49. Por fim foi utiliza<strong>do</strong> um coman<strong>do</strong><br />

visan<strong>do</strong> gerar um número especifico para cada lote da base trabalhada. Após a<br />

coleta em campo, esse número serviu de chave para ligar as informações<br />

pesquisadas com a base digital por meio de outro coman<strong>do</strong> - o Relate. (APÊNDICE<br />

B)<br />

Para a pesquisa havia a limitação de tempo e financeira. Era preciso elaborar<br />

um modelo de questionário que contemplasse as principais questões a serem<br />

quantificadas na área sem gerar grandes custos de material, nem tomar muito tempo<br />

da entrevista. As questões de campo foram pensadas então a partir de três<br />

premissas.<br />

Eficácia e Eficiência<br />

Eco<strong>no</strong>mia<br />

Velocidade<br />

164


Pensan<strong>do</strong> nisso, o modelo <strong>do</strong> formulário foi elabora<strong>do</strong> para que pudesse<br />

reunir varias unidades pesquisadas em uma única folha, com perguntas simples e<br />

que deveriam ser feitas em entrevista pelo agente pesquisa<strong>do</strong>r. Apesar de objetivar<br />

quantificar os da<strong>do</strong>s as questões foram abertas, porém elaboradas de maneira a ter<br />

uma resposta curta. O fato de não ter questões fechadas possibilitou que a pesquisa<br />

fosse aplicada diretamente, sem a necessidade de um teste. (APÊNDICE C)<br />

Ainda foi preciso reunir uma equipe que pudesse ajudar <strong>no</strong> levantamento e<br />

para isso aproveitou-se da oportunidade cedida pelo Professor Wendel Henrique da<br />

UF<strong>BA</strong>, <strong>no</strong> momento em que o autor dessa dissertação realizou o tirocínio <strong>do</strong>cente na<br />

disciplina Planejamento Urba<strong>no</strong> e Territorial. De 23 alu<strong>no</strong>s interessa<strong>do</strong>s, foram<br />

seleciona<strong>do</strong>s quatro para o trabalho, mas, só ficaram até o final <strong>do</strong>is.<br />

Para qualificar os cadastra<strong>do</strong>res foi realiza<strong>do</strong> um curso de oito horas sen<strong>do</strong><br />

cinco de teoria e três de prática e mais seis horas de revisão, sen<strong>do</strong> quatro de teoria<br />

e duas de prática. Além disso, ocorreram 11 reuniões com o objetivo de esclarecer<br />

duvidas acompanhar a evolução da pesquisa e compartilhar experiências. No<br />

decorrer <strong>do</strong> processo, foram agrega<strong>do</strong>s outros pesquisa<strong>do</strong>res e com isso havia a<br />

necessidade de revisar o assunto. Para a pesquisa em campo foi confecciona<strong>do</strong> um<br />

material de apoio, composto por mapas de orientação com pontos de referência,<br />

logra<strong>do</strong>uros com os <strong>no</strong>mes e a aerofotogrametria de 2006 da área. Além desse<br />

material foram elabora<strong>do</strong>s mapas com cada quadra e os números <strong>do</strong>s lotes, para<br />

facilitar a identificação de cada unidade pesquisada (Figura 40).<br />

A pesquisa percorreu diferentes escalas de análise. A poligonal pesquisada é<br />

a <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, porém as unidades de referência são os lotes,<br />

todavia, o que se pesquisa não são informações <strong>do</strong> lote e sim das unidades<br />

imobiliárias. Isso significa que um lote pode conter mais de 10 unidades distintas,<br />

então apesar de representa<strong>do</strong>s dentro <strong>do</strong> lote as informações serão relativas à<br />

quantidade de entrevistas feitas por unidade. Por fim, entende-se que uma análise<br />

pontual de cada situação observada seria exaustiva e ineficaz para a necessidade<br />

de simplificação estatística das ciências, sen<strong>do</strong> assim, as quadras foram a<strong>do</strong>tadas<br />

como área de generalização <strong>do</strong>s fenôme<strong>no</strong>s.<br />

165


Figura 40 – Mapa de campo<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

166


6.2 Função X Desfunção<br />

Após a identificação na planilha de campo da quadra e <strong>do</strong> número chave, a<br />

primeira questão a ser averiguada foi a <strong>do</strong> uso da edificação. Inicialmente pensou-se<br />

em três possibilidades, sen<strong>do</strong> a função residencial, que seria para o caso onde a<br />

residência fosse utilizada exclusivamente para moradia familiar. Função comercial,<br />

que além de lojas e outros ramos <strong>do</strong> comércio também agrega serviços, como<br />

hotéis, pousadas e restaurantes. A função mista seria utilizada quan<strong>do</strong> as duas<br />

atividades fossem identificadas na unidade.<br />

Contu<strong>do</strong>, algumas distinções foram necessárias durante o processo de<br />

pesquisa, como por exemplo, <strong>no</strong> caso de ONG’s, igrejas, prédios governamentais e<br />

<strong>no</strong> caso de edificações fechadas, vazias, aban<strong>do</strong>nadas e em esta<strong>do</strong> de ruína. Ainda<br />

houve situações onde foi identifica<strong>do</strong> especificamente que o imóvel pertence ao<br />

grupo Iguatemi, mas, esse caso será trabalha<strong>do</strong> de forma mais aprofundada mais<br />

adiante. Também houve ocorrências me<strong>no</strong>s expressivas, como imóvel em reforma,<br />

museus e associações. Existem ainda os imóveis a venda ou a alugar que<br />

receberam essa <strong>no</strong>menclatura pelo fato de não se ter encontra<strong>do</strong> alguém para<br />

entrevistar, isso não significa, contu<strong>do</strong> que não haja outras edificações a venda,<br />

como será constata<strong>do</strong> mais adiante<br />

Com relação às situações de edificações, vazias, aban<strong>do</strong>nadas, em ruína e<br />

fechadas, apesar de em algumas situações parecerem ser a mesma coisa, há a<br />

níveis práticos algumas distinções. No caso das vazias, trata-se das edificações que<br />

possuem <strong>do</strong><strong>no</strong>s que não moram na residência. O índice de mais de 50 casos<br />

registra<strong>do</strong>s, (Figura 41) retratam em parte a situação de esvaziamento que é<br />

relativamente baixo, se generaliza<strong>do</strong> para toda área. A importância da<br />

espacialização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s começa a partir daí.<br />

Ao observar a localização <strong>do</strong>s imóveis vazios, evidencia-se a concentração<br />

<strong>do</strong>s casos <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, porém atrela<strong>do</strong> a<br />

essa informação vem a <strong>do</strong>s imóveis aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, que configuram os que apesar de<br />

não serem habita<strong>do</strong>s não estão mal conserva<strong>do</strong>s a ponto de serem considera<strong>do</strong>s<br />

arruina<strong>do</strong>s. A soma desses três elementos com a de imóveis fecha<strong>do</strong>s agrava ainda<br />

mais os da<strong>do</strong>s, já passan<strong>do</strong> a representar uma porcentagem expressiva dentro da<br />

estatística das edificações pesquisadas.<br />

167


Figura 41 – Mapa de edificações não habitadas<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

168


Os imóveis <strong>do</strong> Iguatemi para essa análise configuram também como<br />

fecha<strong>do</strong>s, pois, trata-se de edificações que foram adquiridas pelo grupo empresarial,<br />

mas, que se encontram sem utilização até o momento. A soma desses cinco grupos<br />

ainda pode ser mais relativizada devi<strong>do</strong> a um fator que pode lubridiar a análise se<br />

ela ficar meramente <strong>no</strong> olhar estatístico.<br />

As entrevistas feitas apontaram que mais de cinquenta estabelecimentos<br />

comerciais fecharam <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s, só <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Tal informação pode ser<br />

constatada na foto da Figura 42. Como as unidades de referência da pesquisa foram<br />

os lotes as informações de uma unidade imobiliária, terminaram por camuflar as de<br />

outras unidades de uma mesma edificação que estavam vazias. Ainda existe o caso<br />

onde não foi encontra<strong>do</strong> ninguém para entrevistar.<br />

Figura 42 - O <strong>Pelourinho</strong> não é mais aquele<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 02 Jul 2011<br />

A convenção estabelecida para a pesquisa foi clara <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de que, em<br />

caso de dúvidas, sobre se a edificação estava vazia ou fechada colocava-se que o<br />

proprietário não foi encontra<strong>do</strong>. A edificação foi definida como fechada <strong>no</strong>s caso em<br />

que o <strong>do</strong><strong>no</strong> não está <strong>no</strong> lugar <strong>no</strong> momento, por motivo de viagem ou outros. Esse<br />

grupo identifica<strong>do</strong> é importante, pois, parte dele corresponde a estrangeiros que<br />

passam um tempo em seus países e outro <strong>no</strong> Brasil – como o exemplo <strong>do</strong> Japonês<br />

Nagoya, cita<strong>do</strong> <strong>no</strong> capitulo III.<br />

169


O índice de proprietários não encontra<strong>do</strong>s traz uma gama de possibilidades a<br />

serem pensadas. Em muitos <strong>do</strong>s casos, sabe-se que havia pessoas moran<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

lugar <strong>no</strong> momento da pesquisa, porém as mesmas não foram encontradas em casa,<br />

contu<strong>do</strong>, muitas situações podem estar relacionadas também à população sazonal<br />

desses bairros, composta majoritariamente por estrangeiros, segui<strong>do</strong>s por pessoas<br />

de outros esta<strong>do</strong>s, principalmente <strong>do</strong> eixo Sul-Sudeste <strong>do</strong> Brasil. Essa informação<br />

pode contribuir para relativizar para mais o número de estrangeiros identifica<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s<br />

da<strong>do</strong>s. Isso só foi possível através de uma análise subjetiva <strong>do</strong> espaço.<br />

Ainda há a possibilidade de se associar parte <strong>do</strong> numero de proprietários não<br />

encontra<strong>do</strong>s com a de casos relativos a edificações fechadas ou vazias. Por fim<br />

sabe-se que o grupo Iguatemi também pretende adquirir cerca de 64 (já contan<strong>do</strong><br />

com as atuais) edificações nas ruas principais <strong>do</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio Além <strong>do</strong> Carmo, o que significa que parte das edificações que foram dadas<br />

como proprietário não encontra<strong>do</strong> podem pertencer também ao grupo Iguatemi.<br />

Ao se cruzar to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>s relativos à função o pa<strong>no</strong>rama da<br />

distribuição espacial <strong>do</strong> processo de gentrification começa a se delinear (Figura 43).<br />

O verbo começar é duplamente apropria<strong>do</strong>, pois, com os próximos da<strong>do</strong>s que serão<br />

demonstra<strong>do</strong>s, fica claro que o processo <strong>no</strong>s bairros da poligonal pesquisada ainda<br />

está sain<strong>do</strong> de uma fase esporádica para uma tentativa de consolidação. Mais <strong>do</strong><br />

que isso, é possível fazer um zoneamento <strong>do</strong> processo a partir <strong>do</strong> mapa de função<br />

das unidades imobiliárias cadastradas. (Figura 43)<br />

O motivo para ter se cria<strong>do</strong> três grupos, foi o de unir elementos encontra<strong>do</strong>s<br />

na pesquisa que sozinhos não teriam muita representatividade, seguin<strong>do</strong> critérios de<br />

relativa semelhança entre as funções ou entre o que elas representam. Assim sen<strong>do</strong><br />

o grupo I diz respeito às edificações que estão vazias por conta de alguma das<br />

situações apresentadas <strong>no</strong> mapa de edificações não habitadas. (Figura 41)<br />

O grupo 2 representa instituições que não tem um objetivo comercial, mas,<br />

que também não poderiam ficar <strong>no</strong>s grupos residenciais, como prédios <strong>do</strong> Gover<strong>no</strong>,<br />

Igrejas, ONGs, outras religiões e associações. O grupo 3 reúne as situações me<strong>no</strong>s<br />

expressivas quantitativamente, mas, que podem ajudar a compreender um pouco<br />

da realidade vivida na área de estu<strong>do</strong>. Um exemplo é a identificação de uma casa<br />

invadida que aponta ao se correlacionar com a história <strong>do</strong> espaço estuda<strong>do</strong>,<br />

resquícios de um grupo que possa ter sofri<strong>do</strong> com as ações da gentrification.<br />

170


Figura 43 – Mapa de função das edificações<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

171


Esse grupo pode ser enquadra<strong>do</strong> como o <strong>do</strong>s socialmente excluí<strong>do</strong>s na área.<br />

No entanto, é importante ressaltar que esse grupo excluí<strong>do</strong>, ao invadir o espaço se<br />

inclui espacialmente, mesmo que socialmente continue marginaliza<strong>do</strong>.<br />

Mais uma vez a espacialização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s poderá induzir os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

mesmos se não forem feitas ressalvas diante da leitura geográfica <strong>do</strong> espaço. A<br />

ausência de mais imóveis invadi<strong>do</strong>s dentro da área pesquisada também é fruto <strong>do</strong><br />

próprio recorte seleciona<strong>do</strong> para a análise. Com isso entende-se que existem<br />

lugares não pesquisa<strong>do</strong>s na poligonal <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, que<br />

concentram um grande número de pessoas inseridas <strong>no</strong> dito grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s.<br />

Nas áreas onde ocorreram as seis primeiras etapas de remoção populacional,<br />

praticamente não se encontra a função residencial, ten<strong>do</strong> a pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> grupo<br />

II e da função comercial. Isso é o retrato de uma refuncionalização <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

No extremo oposto ao Norte <strong>do</strong> mapa, observa-se duas manchas bem distintas. No<br />

Noroeste, onde fica a rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio há uma grande quantidade de<br />

edificações <strong>no</strong> contexto <strong>do</strong> grupo 1, e um peque<strong>no</strong> grupo de áreas comerciais, o que<br />

representa um decréscimo se compara<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s com os levanta<strong>do</strong>s em 2007<br />

(RIBEIRO) e em 2010 (PORTELA)<br />

A grande concentração de residências <strong>no</strong> <strong>no</strong>rdeste <strong>do</strong> bairro aponta para o<br />

foco onde ainda existe a população nativa <strong>do</strong> mesmo. Essa é a população que ainda<br />

mantém em parte as tradições. Um fato que comprova isso é o <strong>do</strong> próprio desfile <strong>do</strong><br />

Dois de Julho já cita<strong>do</strong>. Dentro da poligonal comentada, a parte que mais concentra<br />

pessoas é justamente a das ruas que ainda existe grande quantidade de função<br />

residencial. (Figuras 44 e 45)<br />

Figura 44 - Desfile <strong>do</strong> 2 de Julho, Rua <strong>do</strong>s A<strong>do</strong>bes.<br />

Figura 45 – Desfile <strong>do</strong> 2 de Julho, Ladeira <strong>do</strong> Boqueirão.<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 02 Jul 2011<br />

172


O Carmo apresenta por sua vez uma mistura de todas as situações, ten<strong>do</strong><br />

uma grande parcela de propriedades adquiridas pelo grupo Iguatemi, bem como,<br />

imóveis vazios e fecha<strong>do</strong>s, mas, concentra um conjunto de atividades “<strong>no</strong>bres”,<br />

como a Joalheria G’Klems, restaurantes de requinte como o Al Carmo e o único<br />

hotel histórico cinco estrelas <strong>do</strong> Brasil, o Hotel Convento <strong>do</strong> Carmo. Essas atividades<br />

convivem também com áreas de pobreza como a rua das Flores e a própria rua <strong>do</strong><br />

Passo. Tu<strong>do</strong> isso faz <strong>do</strong> Carmo uma área bastante peculiar dentre as analisadas.<br />

As análises dentro da função levam à reflexão de até onde há uma função ou<br />

talvez uma disfunção da área na medida em que ela vai se desertifican<strong>do</strong>. Sabe-se<br />

que até certo ponto essa desertificação é temporária, pois, acompanha a<br />

especulação imobiliária que provavelmente se intensificará com a aproximação da<br />

Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> de 2014 e com o investimento que o grupo Iguatemi vem realiza<strong>do</strong><br />

<strong>no</strong> lugar. Por ser o agente econômico de maior relevância que atua <strong>no</strong> espaço, foi<br />

reserva<strong>do</strong> para o mesmo um item especifico para sua análise.<br />

6.3 Iguatemi (holding LGR)<br />

O grupo Iguatemi que atua em Salva<strong>do</strong>r na verdade trata-se da holding LGR,<br />

uma empresa <strong>do</strong> ramo de shopping centers que foi fundada na década de 1970 pelo<br />

empresário Newton Rique, que tem participação em negócios <strong>do</strong> ramo na Bahia e<br />

em to<strong>do</strong> o Brasil. O interessante é que seu primeiro empreendimento – o Shopping<br />

Iguatemi – foi um <strong>do</strong>s importantes fatores para o declínio <strong>do</strong> Centro <strong>Histórico</strong> de<br />

Salva<strong>do</strong>r.<br />

173<br />

“Na década de 1970, Newton Rique dedicou-se a um negócio i<strong>no</strong>va<strong>do</strong>r na<br />

época: os shoppings centers. Um <strong>do</strong>s pioneiros dessa indústria <strong>no</strong> Brasil, foi<br />

responsável pelo desenvolvimento <strong>do</strong> Shopping Iguatemi de Salva<strong>do</strong>r,<br />

segun<strong>do</strong> shopping center a ser construí<strong>do</strong> <strong>no</strong> Brasil.” ( http://lgr.com.br/,<br />

acessa<strong>do</strong> em 11/08/2011)<br />

Em 2008, começou a circular a <strong>no</strong>ticia de que o Iguatemi estava adquirin<strong>do</strong><br />

casas <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. Muitos boatos<br />

circularam sobre o que será feito nesses lugares, mas, o fato é que até agora não há<br />

nada de muito concreto a não ser o esvaziamento das duas ruas principais <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

bairros. A rua <strong>do</strong> Carmo e a Rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio.


A entrevista com uma das quatro herdeiras de Newton Rique, em matéria da<br />

revista Muito (2009) revelou parcialmente os projetos da empresaria Luciana Rique<br />

que é a principal protagonista da compra <strong>do</strong>s imóveis <strong>no</strong>s bairros estuda<strong>do</strong>s.<br />

Primeiramente ela revela os seus pla<strong>no</strong>s, negan<strong>do</strong> a afirmação de que o projeto é<br />

fazer um Shopping Center a céu aberto, como <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

174<br />

Depois de restaurar esse casarão aqui <strong>do</strong> Carmo, o que vai acontecer<br />

com ele?<br />

Ainda não sei. Eu estou com 35 imóveis aqui <strong>no</strong> Carmo. Meu projeto vai<br />

daqui, da Praça <strong>do</strong> Santo Antônio, até a Ladeira <strong>do</strong> Boqueirão. Quero fazer<br />

um mix de restaurantes, lojas bacanas, galerias de arte, espaços culturais,<br />

moradias (algumas de frente pra o mar), escritórios... Eu ainda não defini o<br />

que será <strong>no</strong> casarão, mas ele é a âncora <strong>do</strong> projeto. (MUITO, 2009, p.11)<br />

A empresaria explica que já fora investi<strong>do</strong> R$ 40 milhões e que pretendia<br />

iniciar o projeto a partir de fevereiro de 2010 quan<strong>do</strong> receberia o masterplan.<br />

Em fevereiro, eu vou receber o masterplan e aí vou ter todas as casas <strong>no</strong><br />

Shell (reformadas, mas ocas), sabe? Como num shopping, onde você<br />

entrega o espaço vazio, para que seja decora<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com o modelo<br />

<strong>do</strong> negócio. Aí vou fazer um grande evento, mas antes vou revitalizar a<br />

praça, ajeitar a igreja, fazer algumas coisas preparatórias. Tem uma escola<br />

<strong>no</strong> Boqueirão onde já coloquei o meu instituo, o Iris (antigo instituto Newton<br />

Rique), quero fazer os projetos sociais primeiro para, depois, partir para a<br />

execução <strong>do</strong> negócio. Estou fazen<strong>do</strong> uma biblioteca lá. No caso deste<br />

casarão, eu tive de restaurar logo porque estava em ruínas, as paredes<br />

estavam cain<strong>do</strong>, mas foi demora<strong>do</strong>. Só o Iphan levou um a<strong>no</strong> para aprovar.<br />

As outras agente vai esperar acabar as aquisições para começar as obras.<br />

(MUITO, 2009, p.12)<br />

De acor<strong>do</strong> com o que vai contan<strong>do</strong> o espaço não será destina<strong>do</strong> para lojas<br />

comuns e sim para grifes e produtos mais artísticos:<br />

Lojas diferenciadas, que ainda não tenha em Salva<strong>do</strong>r. Lojas mais<br />

artísticas, de design mesmo. Uma coisa que não vai muito pra shopping.<br />

Tipo, tenho vários amigos estilistas que têm marcas bacanas, como Raia de<br />

Goeye, Isabela Capeto, que poderiam vir pra cá. E tem marcas<br />

diferenciadas que estão <strong>no</strong>s shoppings também, como a Osklen. Será um<br />

lugar onde as pessoas possam passear. Quero trazer também um cinema<br />

de arte e um teatro. (MUITO, 2009, p.12)<br />

A proposta apresentada pela Rique expressa o pensamento de projetos pelo<br />

viés da classe <strong>do</strong>minante brasileira que sempre se espelha <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> capitalista<br />

desenvolvi<strong>do</strong>. Ao mesmo tempo já revela a preocupação em manter a vida <strong>do</strong> lugar<br />

dada pela população.<br />

Veja em Londres, por exemplo, to<strong>do</strong>s os lugares bacanas tem gente<br />

moran<strong>do</strong>, tem lojas bacanas. Acho que é isso que dá vida a um lugar. Não


175<br />

quero que seja como <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong>, onde quem chega acaba tu<strong>do</strong> e pronto.<br />

To<strong>do</strong>s os investimentos vão embora. (MUITO, 2009, p.12)<br />

O único problema é que não necessariamente as pessoas da qual a<br />

empresária se refere são as nativas <strong>do</strong> bairro. O próprio projeto que mescla<br />

moradias com lojas já prevê espaços residenciais, porém, é fácil deduzir-se que,<br />

visan<strong>do</strong> um público de alto poder aquisitivo.<br />

O fato é que com a chegada da LGR, há então <strong>do</strong>is processos implícitos à<br />

gentrification. Por um la<strong>do</strong>, há um esvaziamento das principais ruas <strong>do</strong>s bairros <strong>do</strong><br />

Carmo e <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo. Por outro la<strong>do</strong> há a incorporação <strong>do</strong><br />

grande capital, o que expressa um avanço na consolidação <strong>do</strong> processo de<br />

<strong>Gentrification</strong> na área que ainda não conseguiu ter uma maior expressividade devi<strong>do</strong><br />

a um conjunto de aspectos limita<strong>do</strong>res. Os <strong>do</strong>is processos não são atribuí<strong>do</strong>s<br />

exclusivamente às ações desse grupo. Já é <strong>no</strong>tada a ocorrência de substituição<br />

populacional na rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio desde 2007 (RIBEIRO, 2007)<br />

principalmente devi<strong>do</strong> a leva de estrangeiros e empresários de outros esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

país que adquiriram propriedades nessa área para construir empreendimentos.<br />

Ao mesmo tempo a especulação começou a atuar na região e com o boom<br />

imobiliário, muitas famílias colocaram suas casas a venda ou tiveram que deixar<br />

suas residências devi<strong>do</strong> ao aumento <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s aluguéis. Essa população de<br />

classe média e média baixa, em alguns casos, foi prejudicada pela especulação<br />

imobiliária e pelo processo de gentrification, que avança em sua segunda onda<br />

nesses bairros históricos. Contu<strong>do</strong>, não é ela quem provavelmente trará incômo<strong>do</strong>s<br />

para os ricos que vão se instalan<strong>do</strong> <strong>no</strong> lugar, mas, a população me<strong>no</strong>s favorecida,<br />

que da mesma forma que foi removida nas seis primeiras etapas <strong>do</strong> projeto de<br />

recuperação <strong>do</strong> Centro Original de Salva<strong>do</strong>r, continua a ser expulsa agora de outras<br />

áreas <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

A correlação feita <strong>no</strong> capitulo IV com o filme BOPE, é interessante nesse<br />

momento ao se observar a forma como os acontecimentos se dão na área. Por um<br />

la<strong>do</strong> na reconquista pelo centro, os ricos expulsam os mais pobres. Mais tarde essa<br />

mesma população preocupada com a violência faz Marchas pela Paz.<br />

A abertura da exposição coletiva “2.234” movimentou a <strong>no</strong>ite desta quintafeira<br />

na Galeria <strong>do</strong> Casarão, <strong>no</strong> Santo Antonio Além <strong>do</strong> Carmo, em<br />

Salva<strong>do</strong>r. Artistas de estilos diferentes – a convite de Gustavo More<strong>no</strong> e<br />

Luciana Rique – mostraram seus trabalhos, ten<strong>do</strong> como tema um protesto<br />

contra a violência. Durante o vernissage, convida<strong>do</strong>s e artistas uni<strong>do</strong>s por


um lenço branco fizeram um simbólico abraço à Paz. Emocionante!<br />

(http://liciafabio.uol.com.br/atitude/abracan<strong>do</strong>-a-paz/, acessa<strong>do</strong> em 14/06/2011)<br />

É importante ressaltar que apesar de mais expressivo, o Iguatemi, não é o<br />

único a se apropriar <strong>do</strong> espaço <strong>no</strong>s bairros já comenta<strong>do</strong>s. É interessante observar<br />

também a “invasão” desses lugares quan<strong>do</strong> ocorrem eventos de grande porte<br />

(Figura 46). Alguns exemplos são o <strong>do</strong> casamento de uma cantora famosa <strong>no</strong> Hotel<br />

<strong>do</strong> Carmo ou festas que ocorreram <strong>no</strong> Forte <strong>do</strong> Santo Antônio que chamaram a<br />

atenção de parte da população que acompanhou os eventos <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora.<br />

Figura 46: Mosaico Iguatemi, evento <strong>no</strong> Largo <strong>do</strong> Santo Antônio<br />

Fotos <strong>do</strong> autor, 2009<br />

176


A mídia por fim é um elemento que tem reforça<strong>do</strong> a presença <strong>do</strong> grande<br />

capital através de duas estratégias. A primeira tem si<strong>do</strong> a da denuncia, que cria um<br />

sentimento de crise sobre o lugar e a necessidade de intervenções urgentes. Ao<br />

mesmo tempo, uma segunda estratégia apresenta o grande capital como a solução.<br />

Um exemplo desse elo entre a mídia e os que promovem o processo, pode ser<br />

<strong>no</strong>ta<strong>do</strong> em inúmeras reportagens exibidas na televisão ou em revista que ressaltam<br />

as ações <strong>do</strong> grupo Iguatemi na área. Essa “parceria” ficou clara em um evento de<br />

inauguração de um <strong>do</strong>s imóveis recupera<strong>do</strong>s pelo grupo <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2009, onde<br />

dentre os apoios constava a emissora filiada a Rede Globo – Rede Bahia e o Jornal<br />

a Tarde.<br />

6.4 Outros agentes econômicos e a mídia<br />

Ao falar sobre os circuitos da eco<strong>no</strong>mia, Santos (2007) aborda o circuito<br />

superior e o circuito inferior. O Esferário demonstra<strong>do</strong> <strong>no</strong> capítulo III aponta como<br />

mundial, a rede de relações <strong>do</strong>s agentes econômicos que correspondem ao circuito<br />

superior da eco<strong>no</strong>mia, contu<strong>do</strong>, ainda há o circuito inferior da eco<strong>no</strong>mia, composto<br />

pelas atividades comerciais de me<strong>no</strong>r expressão, mas, que influenciam nas relações<br />

locais. Poderia se pensar ainda na possibilidade de se trabalhar um circuito<br />

intermediário, pois, se tratariam de agentes econômicos de influência regional.<br />

Ao dissecar os circuitos econômicos dessa maneira, podem-se interpretar as<br />

relações <strong>do</strong>s três <strong>no</strong>s bairros que compõem a poligonal estudada. No mapa de<br />

função (Figura 43) foi registrada a presença de atividades comerciais e de unidades<br />

imobiliárias de uso misto. Já o mapa de edificações vazias (Figura 41) faz a<br />

discriminação <strong>do</strong>s tipos de imóveis vazios, ten<strong>do</strong> o Iguatemi uma expressividade que<br />

o fez se distinguir na lista de proprietários.<br />

Ao combinar esses da<strong>do</strong>s e ao se avaliar a expressão que cada atividade<br />

representa, chegou-se até o mapa de zona de influência das atividades <strong>do</strong>s agentes<br />

econômicos identifica<strong>do</strong>s (Figura 47). É importante ressaltar que a análise foi gerada<br />

a partir de uma arbitração de graus, basea<strong>do</strong>s em suposições, diante das<br />

informações – superficiais – obtidas da influência econômica de cada atividade<br />

mapeada. Com esses da<strong>do</strong>s, foi gera<strong>do</strong> um coman<strong>do</strong> de buffer, para expressar o<br />

raio de atuação a partir de cada ponto mapea<strong>do</strong>.<br />

177


Figura 47 – Mapa de hierarquia <strong>do</strong>s estabelecimentos segun<strong>do</strong> os Circuitos da Eco<strong>no</strong>mia<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

178


Dessa forma, o grau (1), foi atribuí<strong>do</strong> para as atividades <strong>do</strong> circuito inferior,<br />

que apesar de estarem limita<strong>do</strong>s ao seu raio de atuação, podem alcançar um âmbito<br />

global – devi<strong>do</strong> à grande quantidade de visitas ao lugar de pessoas vindas de todas<br />

as partes <strong>do</strong> planeta. A esse grupo pode-se relacionar atividades como a de<br />

vende<strong>do</strong>res de geladinho, lanches e camelôs.<br />

O grau (2) foi estabeleci<strong>do</strong> para as atividades que exercem influência em<br />

âmbito local, como merca<strong>do</strong>s e mercearias peque<strong>no</strong>s. As mesmas já não poderiam<br />

ser <strong>do</strong> circuito inferior da eco<strong>no</strong>mia, mas, também não se adequam ao circuito<br />

superior, consistin<strong>do</strong> uma transição entre o primeiro e o circuito intermediário.<br />

O grau (3) foi defini<strong>do</strong> para as empresas de expressão regional dentro da<br />

cidade. Um exemplo é a Cantina da Lua, que exerce poder de atração em to<strong>do</strong><br />

município. A sede <strong>do</strong>s Filhos de Gandhi é outro exemplo que até extrapola o âmbito<br />

urba<strong>no</strong>, mas, que é mais pelo mesmo motivo menciona<strong>do</strong> nas atividades <strong>do</strong> grau<br />

(1), <strong>do</strong> que por se configurar como uma expressão de grau (4).<br />

O grau (4), assim como o (2), é de transição, sen<strong>do</strong> que entre o circuito<br />

intermediário e o circuito superior. Nesse nível estão as empresas de influência<br />

regional que vão desde intermunicipal até interestadual. Um exemplo é o de<br />

algumas pousadas, estilistas e outras atividades que exercem um grau de influência<br />

e atração em to<strong>do</strong> território nacional. Nesse caso, já se configuram redes mais bem<br />

elaboradas o que reforça a ideia <strong>do</strong> território rede, apresentada <strong>no</strong> capítulo II.<br />

O grau (5) agrupou as empresas que possuem grande rede de influência<br />

desde o território nacional, até o grande capital internacional, apesar de que há<br />

ainda aí uma grande distinção <strong>no</strong> que diz respeito à expressividade das cifras de<br />

cada uma. De toda forma o poder de influência, <strong>no</strong> lugar, dessas grandes redes de<br />

circulação <strong>do</strong> capital, é decisivo para a reconfiguração <strong>do</strong> espaço e ampliação <strong>do</strong><br />

processo de gentrification.<br />

O mapa de influência <strong>do</strong>s circuitos da eco<strong>no</strong>mia foi produzi<strong>do</strong> para ilustrar a<br />

ideia apresentada, bem como retratar dentro <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s em campo uma<br />

imagem <strong>do</strong> que seria a realidade na área estudada. Contu<strong>do</strong> as informações foram<br />

arbitradas de maneira superficial, analisan<strong>do</strong> somente características como o tipo de<br />

estabelecimento, a qual empresa pertence, quantidade de funcionários que emprega<br />

grau de conservação e valor <strong>do</strong>s serviços ofereci<strong>do</strong>s. Os da<strong>do</strong>s também não foram<br />

coleta<strong>do</strong>s em toda a poligonal, só servin<strong>do</strong> para uma amostragem.<br />

179


Seguin<strong>do</strong> a lógica exposta, o Hotel Pestana e o Holding LGR foram<br />

pontua<strong>do</strong>s <strong>no</strong> grau de influência (5), enquanto que a maior parte das pousadas<br />

recebeu grau (3). Os estabelecimentos como supermerca<strong>do</strong>s, farmácias, bares,<br />

casas de material de construção e alguns albergues ou casas que funcionam como<br />

pousada, receberam o grau (2). Atividades móveis, como carrinhos de churrasco ou<br />

peque<strong>no</strong>s empreendimentos caseiros ficaram com o grau (1). As baianas de acarajé<br />

receberam o grau (2), devi<strong>do</strong> a influência dessa atividade na rotina da cidade bem<br />

como a polarização que as mesmas exercem o que as só não coloca em uma<br />

posição (3) de influência pelo fato <strong>do</strong> alcance de sua atividade estar limita<strong>do</strong> ao que<br />

é produzi<strong>do</strong> <strong>no</strong> lugar.<br />

A mídia também é um agente econômico de grande influência, que pode<br />

interferir na área de maneira tanto direta, como indireta. No primeiro caso, trata-se<br />

de uma apropriação <strong>do</strong>s espaços de forma temporária para a produção de<br />

<strong>do</strong>cumentários, filmes, seria<strong>do</strong>s. A depender <strong>do</strong> poder desse agente econômico as<br />

transformações <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> lugar sob efeito podem ser de grande relevância.<br />

Um exemplo é o da gravação <strong>do</strong> seria<strong>do</strong> Oh pai ó, exibi<strong>do</strong> na rede Globo de<br />

televisão. Parte da população se sentiu incomodada, com a invasão <strong>do</strong>s espaços,<br />

que em alguns casos chegou-se a fechar as ruas para que os transeuntes não<br />

incomodassem as gravações. O cotidia<strong>no</strong> também é espetaculariza<strong>do</strong> e com isso há<br />

o risco de se interferir ainda mais <strong>no</strong> que resta de essencial dessas relações vividas<br />

<strong>no</strong>s lugares em questão.<br />

Outra forma de ação da mídia é pela informação. O poder de veicular as<br />

<strong>no</strong>ticias pode não agir diretamente nas estruturas, mas, exerce uma grande<br />

influência <strong>no</strong>s demais agentes modela<strong>do</strong>res que devi<strong>do</strong> à diversidade de<br />

pensamentos e a conjuntura caótica espacial, podem reagir de maneiras distintas ao<br />

que é transmiti<strong>do</strong> pelas reportagens televisivas, além de revistas e jornais, bem<br />

como a própria internet.<br />

Nessas reportagens foram identifica<strong>do</strong>s três perfis. O primeiro é o de<br />

denúncia, onde a mídia retrata os problemas <strong>do</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong>s bairros históricos<br />

estuda<strong>do</strong>s, além da criminalidade nessas áreas. Nesse caso cria-se um sentimento<br />

de crise, e descaso com uma área de valor que precisa ser Salva. No segun<strong>do</strong><br />

modelo de <strong>no</strong>ticia as ações de gentrification são apontadas como positivas e os<br />

agentes que promovem o processo aparecem como os salva<strong>do</strong>res daquela área que<br />

180


antes estava em perigo. Um exemplo disso é o da reportagem feita com a<br />

empresaria Luciana Rique, já comentada anteriormente. O terceiro tipo de<br />

reportagem tem um caráter de denuncia da perda das tradições por conta das<br />

substituições populacionais, essas vertentes realçam a importância da população<br />

para conservar o maior patrimônio desses bairros históricos que se configura em<br />

parte na forma de tradição.<br />

6.5 A população<br />

Um <strong>do</strong>s objetivos da pesquisa de campo foi buscar elementos que<br />

identificassem o perfil da população que vive <strong>no</strong>s bairros estuda<strong>do</strong>s. A primeira<br />

questão a ser analisada era a função da unidade imobiliária, ou seja, se residencial,<br />

comercial ou mista. Essa análise espacializada <strong>no</strong> mapa de Função ( Figura 43)<br />

deixa clara a existência de três áreas na poligonal estudada.<br />

Na área ao Sul, onde os projetos de intervenção estatal foram mais fortes, há<br />

uma grande concentração de função comercial, e <strong>do</strong> grupo (2) que representa<br />

diversas instituições, como Igrejas, ONGs e órgãos governamentais. Nessa parte a<br />

função residencial quase inexiste. No centro da poligonal expandin<strong>do</strong>-se para o<br />

Norte (pela rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio) há uma mescla entre imóveis vazios e<br />

outros de função residencial. O grupo <strong>do</strong>s imóveis vazios também incorpora os 35<br />

<strong>do</strong> grupo Iguatemi. Essa visualização é facilitada <strong>no</strong> mapa de edificações não<br />

habitadas (Figura 4 1). No topo <strong>do</strong> Norte e to<strong>do</strong> o Nordeste da poligonal estudada<br />

pode ser constata<strong>do</strong> a forte presença da função residencial, como é aponta<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

mapa de função (Figura 43)<br />

A partir dessa análise já é possível definir que a regionalização da população<br />

<strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> pode ser feita em <strong>do</strong>is polos. O polo Sul é<br />

habita<strong>do</strong> por uma população que vem a trabalho. O polo Norte ainda concentra uma<br />

função residencial que sofre com uma desfuncionalização, que é consequência <strong>do</strong><br />

avanço da desertificação social, que por sua vez é produto da forte especulação<br />

imobiliária que a área vem sofren<strong>do</strong>.<br />

É importante destacar que ação dessa especulação imobiliária é um<br />

desencadeamento direto da valorização que esses espaços vêm sofren<strong>do</strong> desde o<br />

tombamento da poligonal e que teve seu agravamento a partir das ações<br />

181


“gentrifica<strong>do</strong>ras” <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>no</strong> eixo Sul <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Com isso<br />

há um avanço <strong>do</strong>s agentes econômicos que seguiram uma linearidade em direção<br />

ao Carmo e o Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo.<br />

Ten<strong>do</strong> por base essas informações foram delimita<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is marcos:<br />

tombamento da área em 1985 e ações estatais a partir de 1993. Com isso, utilizan<strong>do</strong><br />

as informações levantadas em campo, foram cria<strong>do</strong>s três grupos populacionais a<br />

partir <strong>do</strong> quesito tempo <strong>no</strong> lugar <strong>do</strong> chefe de família entrevista<strong>do</strong> (Figura 48).<br />

Os grupos ficaram então dividi<strong>do</strong>s como o <strong>do</strong>s que passaram morar na área<br />

após as ações estatais, o que corresponde dentro <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s a 47%, os que<br />

se mudaram para o lugar entre 1986 e 1992, o que representa 11%, e os que já<br />

vivem <strong>no</strong> lugar antes de 1985, o que representa 42% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.<br />

O primeiro grupo pode corresponder a uma parcela da população que está<br />

diretamente ligada às características <strong>do</strong>s “gentrifca<strong>do</strong>res”, sen<strong>do</strong> que o segun<strong>do</strong><br />

grupo diz respeito a uma margem de segurança para mais e para me<strong>no</strong>s, fican<strong>do</strong><br />

com 11%. O terceiro grupo, dentro <strong>do</strong>s critérios arbitra<strong>do</strong>s seria o de uma população<br />

anterior às ações de gentrification fican<strong>do</strong> um pouco abaixo <strong>do</strong> grupo I com 42%. É<br />

importante realçar que pode haver pessoas com características de “gentrifica<strong>do</strong>res”<br />

<strong>no</strong> grupo III e que o contrário também pode acontecer, ou seja, pessoas que apesar<br />

de viverem há me<strong>no</strong>s de 18 a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> lugar, não se mudaram para lá<br />

necessariamente por questões relacionadas com as especificidades <strong>do</strong> processo de<br />

gentrification.<br />

É necessário realçar que essa porcentagem analisada corresponde à<br />

aproximadamente 61% da área pesquisada, o que significa que se fossem<br />

agrega<strong>do</strong>s os valores presentes <strong>no</strong> mapa de função (F igura 43), como edificações<br />

vazias, aban<strong>do</strong>nadas, fechadas, ou <strong>do</strong> Iguatemi, a porcentagem <strong>do</strong> grupo I subiria<br />

consideravelmente em relação aos outros <strong>do</strong>is. Contu<strong>do</strong>, o objetivo é analisar a<br />

população que foi encontrada, e como ocorre a espacialização da mesma na área<br />

de estu<strong>do</strong>.<br />

182


Figura 48 – Mapa de tempo <strong>do</strong> mora<strong>do</strong>r <strong>no</strong> lugar<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

183


6.4.1 A pressão <strong>do</strong>s vetores da especulação sobre a população<br />

Ao agregar todas as informações de funções a análise de tempo <strong>no</strong> lugar, foi<br />

possível visualizar e traçar três vetores bem defini<strong>do</strong>s <strong>no</strong> tempo e <strong>no</strong> espaço da<br />

especulação imobiliária sobre a população das áreas estudadas. No mapa de<br />

vetores da gentrification (Figura 49), o vetor (1) de cor verde, se dá <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> Sul-<br />

Norte, seguin<strong>do</strong> a direção das etapas <strong>do</strong> Programa de Recuperação <strong>do</strong> Centro<br />

<strong>Histórico</strong>, inicia<strong>do</strong> em 1993. Ao checar as quadras dessa área percebem-se <strong>no</strong>s<br />

da<strong>do</strong>s levanta<strong>do</strong>s a ausência de um caráter residencial, fican<strong>do</strong> os sectogramas de<br />

cada quadra dividi<strong>do</strong>s entre instituições e vazios. Onde há presença de um <strong>do</strong>s três<br />

grupos defini<strong>do</strong>s, ressalta-se que são unidades voltadas para atividades comerciais<br />

com uma leve preponderância <strong>do</strong> Grupo (I) com focos de comerciantes <strong>do</strong> Grupo (II)<br />

e (3).<br />

O vetor 2 aponta juntamente com os sectogramas a área central da poligonal<br />

como sen<strong>do</strong> a de maior concentração <strong>do</strong>s vazios, bem como da população mais<br />

<strong>no</strong>va. Vale lembrar que a análise foi feita em quadras, o que significa dizer que em<br />

alguns casos as informações são um pouco distorcidas, pelo fato de que <strong>no</strong> caso<br />

estuda<strong>do</strong>, não são as quadras que influenciam <strong>no</strong> vetor de especulação e sim a<br />

situação das unidades imobiliárias. Dessa forma, se a análise fosse feita toman<strong>do</strong> só<br />

as unidades da Rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio, por exemplo, a quantidade de<br />

unidades vazias e dentro <strong>do</strong> perfil da gentrification seria muito maior <strong>do</strong> que em<br />

quadras que agregam unidades na Rua Direita e nas ruas secundarias como as 31 e<br />

33.<br />

Ainda assim é possível observar o fato comenta<strong>do</strong> nas quadras 46 e 29 onde<br />

só foram analisadas as unidades que ficam de frente para as ruas principais. A<br />

quase total ausência de mora<strong>do</strong>res antigos nessas quadras, explicasse pela pressão<br />

maior que vem ocorren<strong>do</strong> nestas unidades. Isso ocorre porque além de bem<br />

situadas e próximas de equipamentos que as valorizaram – como o Convento <strong>do</strong><br />

Carmo, as mesmas possuem vista para a baía.<br />

Por fim o Vetor (III) pode ser considera<strong>do</strong> mais como um resistor, pois, na<br />

verdade é composto pelo grupo populacional que resiste à pressão imobiliária.<br />

Nunca é demais lembrar que essa população está distribuída em to<strong>do</strong> o espaço<br />

estuda<strong>do</strong>, porém ela se concentra nas quadras destacadas.<br />

184


Figura 49 – Mapa <strong>do</strong>s vetores da gentrification<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

185


Da mesma forma, os indícios de gentrification também são encontra<strong>do</strong>s de<br />

forma pontual nas quadras <strong>do</strong> vetor III, o que já consistiria uma gentrification<br />

esporádica, contu<strong>do</strong>, ela se concentra nas áreas apontadas pelos vetores (I) e (II),<br />

de forma distinta.<br />

6.4.2 A face mais perversa da gentrification<br />

Desde o inicio tentou-se conservar uma postura livre de julgamentos<br />

maniqueístas sobre o fenôme<strong>no</strong> estuda<strong>do</strong>. Entende-se que o processo de maneira<br />

direta beneficia um grupo enquanto prejudica outro. Da mesma forma as<br />

consequências trazem vantagens estruturais para o lugar com prejuízos sociais.<br />

Contu<strong>do</strong>, com as entrevistas realizadas, muitas informações foram se agregan<strong>do</strong> de<br />

forma que foi possível desenvolver uma concepção para a face mais perversa da<br />

gentrification. Essa face não atua somente na população mais desvalida – o que<br />

configuraria o grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s, mas, também na classe média que habita o<br />

lugar.<br />

Para ilustrar a situação serão aponta<strong>do</strong>s quatro exemplos. O primeiro diz<br />

respeito ao arrependimento de quem cedeu ao assédio <strong>do</strong> capital, o segun<strong>do</strong> diz<br />

respeito ao caso de famílias expulsas pela pressão <strong>do</strong> aluguel, o terceiro pelo caso<br />

de famílias que tiveram que sair de suas moradias porque os <strong>do</strong><strong>no</strong>s as retomaram<br />

com a finalidade de vendê-las e o quarto caso é o de pessoas que sofrerão com<br />

ações até crimi<strong>no</strong>sas para cederem ao processo.<br />

O primeiro caso é o me<strong>no</strong>s grave, foi identifica<strong>do</strong> em conversas com ex<br />

mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s bairros que sofreram o processo, os mesmos falaram com<br />

sau<strong>do</strong>sismo e um tom de arrependimento de como eram felizes quan<strong>do</strong> viviam <strong>no</strong>s<br />

bairros <strong>do</strong> Carmo ou <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo e por fim afirmavam com um<br />

pesar de que venderam mal suas casas, pois, na época as ofertas pareciam boas<br />

para casas que se encontravam em uma área desvalorizada.<br />

A situação em que famílias deixaram suas residências devi<strong>do</strong> a alta <strong>do</strong><br />

aluguel, também demonstra como a valorização induzida da área pode ser uma<br />

forma de promover a gentrification. Com o inicio da valorização <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, agentes importantes foram atraí<strong>do</strong>s para o lugar, como o grupo<br />

186


Pestana, por exemplo, que ao adquirir o Convento <strong>do</strong> Carmo, crian<strong>do</strong> o primeiro<br />

hotel histórico 5 estrelas <strong>do</strong> Brasil, termi<strong>no</strong>u por valorizar o entor<strong>no</strong>.<br />

A recuperação de outros equipamentos como o Forte <strong>do</strong> Santo Antônio Além<br />

<strong>do</strong> Carmo e o Pla<strong>no</strong> Inclina<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pilar também serviram de pontos de valorização da<br />

área. A mídia também agiu divulgan<strong>do</strong> matérias que demonstravam as<br />

peculiaridades pitorescas <strong>do</strong>s bairros históricos. To<strong>do</strong>s esses fatores agrega<strong>do</strong>s<br />

culminaram com o aumento <strong>do</strong> aluguel <strong>no</strong> eixo principal. A população que ali vivia<br />

quan<strong>do</strong> não conseguiu se estabelecer <strong>no</strong>s logra<strong>do</strong>uros mais próximos se mu<strong>do</strong>u<br />

para bairros em me<strong>no</strong>r evidência como Macaúbas, Lapinha, dentre outros.<br />

No caso das famílias que tiveram que entregar suas moradias, muitos casos<br />

podem ser comenta<strong>do</strong>s, como o conta<strong>do</strong> em entrevista pelo senhor Jorge – <strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong><br />

restaurante Ulisses. Seu pai, conheci<strong>do</strong> como Barbeirinho, que trabalhava na casa<br />

<strong>do</strong> oitão <strong>no</strong> Largo <strong>do</strong> Santo Antônio, teve que deixar a edificação junto com outros<br />

comerciantes. O mesmo entrevista<strong>do</strong> conta que também a casa na Ladeira <strong>do</strong><br />

Baluarte onde viviam, teve que ser devolvida para uma ordem religiosa que era a<br />

proprietária. A ordem leiga vendeu a casa tempos depois.<br />

Outro barbeiro muito conheci<strong>do</strong> <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo,<br />

viveu uma historia parecida. O Sr. Antônio Gomes, conheci<strong>do</strong> como Cachoeira, teve<br />

que entregar para o proprietário a casa onde vivia com a família na Cruz <strong>do</strong> Pascoal<br />

a mais de sete a<strong>no</strong>s. Ao sair de sua antiga residência o mesmo foi para a Rua <strong>do</strong>s<br />

Ossos situada na área onde foi traça<strong>do</strong> o vetor três (figura 49). Antes dessa casa ele<br />

já havia mora<strong>do</strong> em outros lugares situa<strong>do</strong>s também <strong>no</strong> bairro.<br />

Até então os casos comenta<strong>do</strong>s afetaram as vidas das famílias de forma a<br />

não causar um impacto tão grave como o <strong>do</strong> caso de <strong>do</strong>na Carlota. Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong><br />

criada por seus pais em sua residência na Rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio, a senhora<br />

de mais de 80 a<strong>no</strong>s, criou sua filha Sra. Vanda e sua Neta Sra. Cecilia, <strong>no</strong> mesmo<br />

lugar, ten<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> toda sua historia naquela casa, onde sempre pagaram o aluguel<br />

sem atraso.<br />

Em 2008 a família de <strong>do</strong>na Carlota, recebeu a <strong>no</strong>ticia de que deveriam deixar<br />

a residência em um a<strong>no</strong>. No relato da Sra. Cecilia Leal, elas ainda tentaram comprar<br />

a casa, mas, a Santa Casa da Misericórdia não queria negociar. De fato a residência<br />

faz parte de um conjunto de três casas adquiridas pelo grupo Iguatemi, o que explica<br />

o fato da Santa Casa não querer negociar com as ex-inquilinas. Ao recorrerem à<br />

187


justiça, as mora<strong>do</strong>ras, foram informadas que se viven<strong>do</strong> a to<strong>do</strong> esse tempo, elas não<br />

pagassem o aluguel, seria fácil validar a usucapião. Vale realçar que para que uma<br />

situação se configure como usucapião ela deve está enquadrada em três elementos<br />

que são a posse mansa e pacifica. Destrinchan<strong>do</strong> a ideia significa que a pessoa que<br />

tem a posse <strong>do</strong> imóvel, a tenha de forma pacifica o que significa que nunca ninguém<br />

o tenha exigi<strong>do</strong>, ao mesmo tempo em que de maneira mansa o possui<strong>do</strong>r não tenha<br />

se utiliza<strong>do</strong> de fraude ou coação para com o imóvel. No entanto, devi<strong>do</strong> ao fato de<br />

terem honra<strong>do</strong> o contrato de aluguel durante to<strong>do</strong>s os a<strong>no</strong>s em que viveram na<br />

propriedade, por consequência legitimaram a relação contratual.<br />

Ao receber a <strong>no</strong>ticia de que teria que aban<strong>do</strong>nar o imóvel, Dona Carlota<br />

sofreu ataque cardíaco e precisou ser internada <strong>no</strong> Hospital Santa Isabel, onde ficou<br />

por um a<strong>no</strong>. O transtor<strong>no</strong> na vida daquela família foi grande, ten<strong>do</strong> modifica<strong>do</strong> a<br />

rotina de to<strong>do</strong>s, inclusive o da Sra. Cacilda Leal que aban<strong>do</strong><strong>no</strong>u o emprego para<br />

cuidar de sua avó. Após passar um tempo de saúde melhorada e ten<strong>do</strong> volta<strong>do</strong> para<br />

a <strong>no</strong>va casa situada na Rua <strong>do</strong>s Marchantes, <strong>do</strong>na Carlota faleceu. Outras histórias<br />

de remoção forçada também são conhecidas, algumas já comentadas na<br />

mo<strong>no</strong>grafia deste autor (RIBEIRO, 2007). Nesses casos o processo se dá de<br />

maneira mais perversa.<br />

O quarto exemplo dessa face <strong>do</strong> processo foi identifica<strong>do</strong> com alguns<br />

entrevista<strong>do</strong>s que sen<strong>do</strong> possui<strong>do</strong>res de estabelecimentos ou propriedades sofreu a<br />

pressão da especulação imobiliária lembran<strong>do</strong> em alguns casos o comentário teci<strong>do</strong><br />

pelo Sr. Clarin<strong>do</strong> Silva sobre o perío<strong>do</strong> em que o <strong>Pelourinho</strong> viveu algo pareci<strong>do</strong> com<br />

uma “Roma de Nero”.<br />

Ele conta que, na década de 1980, ocorreram muitos incêndios crimi<strong>no</strong>sos <strong>no</strong><br />

bairro <strong>do</strong> Maciel. E fala <strong>do</strong> assédio que sofreu da parte de um italia<strong>no</strong> que insistiu<br />

para comprar o espaço chegan<strong>do</strong> até mesmo a desqualificar o lugar e a tentar<br />

desencorajar o proprietário.<br />

Um exemplo é o da pousada de Dona Márcia, localizada na Rua Direita <strong>do</strong><br />

Santo Antônio. Mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> bairro a mais de 30 a<strong>no</strong>s, a viúva resolveu montar uma<br />

pousada para se beneficiar com o turismo na região. O assédio para que ela<br />

vendesse sua casa foi grande da parte de alguns promotores, porém com a recusa,<br />

a mesma começou a receber ameaças por telefone. No A<strong>no</strong> de 2008 sua casa foi<br />

188


incendiada e a proprietária acredita que o incêndio tenha si<strong>do</strong> crimi<strong>no</strong>so. A mesma já<br />

conseguiu se restabelecer.<br />

6.4.3 O perfil da população<br />

Para avaliar <strong>do</strong> perfil da população, foi necessário reunir a heterogeneidade<br />

das informações obtidas em grupos que apresentassem características em comum,<br />

a fim de se obter algum resulta<strong>do</strong> que permita inferir sobre os da<strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>s.<br />

Sen<strong>do</strong> assim a tabela 6 agrupa informações da população segun<strong>do</strong> a sua origem<br />

bem como a distribuição de cada um desses grupos de acor<strong>do</strong> com os grupos de<br />

tempo <strong>no</strong> lugar, já detalha<strong>do</strong>s <strong>no</strong> mapa de tempo <strong>no</strong> lugar ( Figura 48). Por fim a<br />

função analisada <strong>no</strong> mapa de função também é relacionada, bem como a razão de<br />

quantidade de carros por grupo de origem.<br />

A combinação <strong>do</strong>s elementos apresenta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> gráfico <strong>do</strong> perfil da população<br />

segun<strong>do</strong> origem (Tabela 01 e Gráfico 01), com a Tabela 05, é complementada para<br />

uma melhor compreensão com sobreposição <strong>do</strong>s grupos de tempo <strong>no</strong> lugar sobre os<br />

grupos segun<strong>do</strong> a origem. Um exemplo dessa ampliação na qualidade da<br />

observação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s é que, nem to<strong>do</strong>s que foram classifica<strong>do</strong>s como nativos <strong>no</strong><br />

lugar estão <strong>no</strong> grupo III, que corresponde aos que vivem a mais de 25 a<strong>no</strong>s na<br />

localidade. Isso demonstra que parte <strong>do</strong>s que estão <strong>no</strong> grupo <strong>do</strong>s que vivem há<br />

pouco tempo na atual residência, já moraram <strong>no</strong> lugar anteriormente. Isso também<br />

serve para demonstrar como é complexo fazer um retrato da área estudada por<br />

conta da velocidade com que as informações se alteram por unidade, o que pode<br />

levar a confusões caso essas informações não sejam bem interpretadas.<br />

Foi possível perceber essa volatilidade com a própria aplicação <strong>do</strong>s<br />

cadastros, onde um mês era suficiente, para a alteração da realidade de algumas<br />

unidades pesquisadas. Ou seja, unidades que não estavam à venda passam a ser<br />

vendidas. Edificações em ruína passam a ser reformadas. Pessoas que foram<br />

entrevistadas há três meses em um lugar são encontradas tempo depois em outro.<br />

Tu<strong>do</strong> isso serviu para demonstrar <strong>no</strong> decorrer <strong>do</strong> processo que somente uma<br />

pesquisa que fosse executada em poucos dias, poderia retratar com maior precisão<br />

a realidade <strong>do</strong> lugar naquele momento. Contu<strong>do</strong>, percebeu-se ao mesmo tempo,<br />

189


que o perfil geral das localidades estudadas poderia ser traça<strong>do</strong> a partir da<br />

identificação das características principais dessa população.<br />

Tabela 01: Perfil da população, segun<strong>do</strong> Origem<br />

TEMPO NO LUGAR FUNÇÃO<br />

QUANT. ORIGEM GRUPO_I GRUPO_II GRUPO_III COM/MIST RESID CARRO<br />

15 NATIVO 4 1 10 10 5 5<br />

199 LOC_SAL 114 18 67 49 118 59<br />

96 MUN_<strong>BA</strong> 42 9 45 33 63 47<br />

30 EST_BR 12 4 14 14 16 10<br />

47 OUT_PAIS 34 6 7 30 17 18<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Gráfico 1: Perfil da população, segun<strong>do</strong> Origem<br />

GRUPO_I<br />

120<br />

CARRO<br />

RESIDENCIAL<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

100<br />

80<br />

60<br />

40<br />

20<br />

0<br />

COMERCIAL<br />

GRUPO_II<br />

GRUPO_III<br />

NATIVO<br />

LOC_SAL<br />

MUN_<strong>BA</strong><br />

EST_BR<br />

Ainda com relação à análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, constatou-se que há uma<br />

preponderância de uma população oriunda de outras localidades da cidade com um<br />

destaque para o grupo I caracteriza<strong>do</strong> pelos que se mu<strong>do</strong>u para o lugar <strong>no</strong>s últimos<br />

18 a<strong>no</strong>s. Ao se contrapor as informações desse grupo com a <strong>do</strong>s originários de<br />

outros municípios baia<strong>no</strong>s, percebe-se que há uma leve pre<strong>do</strong>minância de melhor<br />

condição financeira <strong>do</strong>s originários de outros municípios <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> da Bahia se<br />

190


compara<strong>do</strong>s com os soteropolita<strong>no</strong>s. Isso pode ser constata<strong>do</strong> com a combinação<br />

<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s que dão um indica<strong>do</strong>r econômico. Para evitar constrangimentos ou<br />

desconfianças <strong>no</strong> momento das entrevistas com relação à renda, preferiu-se sondar<br />

o padrão financeiro <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s através de outros parâmetros, como a<br />

localização de sua residência, se possuem carro, quantos carros e quais os tipos e o<br />

esta<strong>do</strong> de conservação da edificação.<br />

A localização da residência ou <strong>do</strong> estabelecimento comercial, bem como a<br />

área da unidade imobiliária já demonstra a condição financeira, que pode ser mais<br />

bem compreendida com a visualização <strong>do</strong> mapa relacional da especulação<br />

imobiliária <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> (Figura 5 0). Esse mapa aponta<br />

algumas curiosidades, como a concentração de áreas a venda <strong>no</strong> eixo onde a<br />

pressão imobiliária está mais forte. Essa concentração não ocorre mais na área<br />

principal, onde os agentes econômicos como o Iguatemi já adquiriram a maior parte<br />

das casas, e onde os mora<strong>do</strong>res remanescentes não têm interesse de vender suas<br />

casas. A variação <strong>do</strong> aluguel vai de 110,00R$ a 2.200 e a variação <strong>do</strong> preço de um<br />

imóvel foi identificada entre 48.000 e 4.000.000R$, o que comprova a<br />

heterogeneidade econômica vivenciada <strong>no</strong> lugar, bem como serve de indica<strong>do</strong>r para<br />

a constatação da pressão imobiliária como fruto <strong>do</strong> processo de gentrification.<br />

Vale realçar também aqui que essa heterogeneidade se dá <strong>no</strong>s extremos,<br />

pois justamente próximo a área mais valorizada estão os grupos socialmente<br />

excluí<strong>do</strong>s, inseri<strong>do</strong>s na área, apesar de localiza<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s espaços me<strong>no</strong>spreza<strong>do</strong>s<br />

pela pressão imobiliária – como as encostas. A localização desse grupo em áreas<br />

como encostas é perceptível ao visualizar as curvas de nível <strong>no</strong> mapa relacional da<br />

especulação imobiliária <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> ( Figura 51). O papel <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> também deve ser destaca<strong>do</strong> aqui, pois, o mesmo continua removen<strong>do</strong> esse<br />

grupo das áreas sinalizadas. Outro ponto de destaque é que boa parte da própria<br />

população <strong>do</strong>s bairros estuda<strong>do</strong>s também é a favor da remoção desse grupo <strong>do</strong>s<br />

excluí<strong>do</strong>s.<br />

191


Figura 50 – Mapa relacional da especulação imobiliária<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

192


Ao avaliar o critério carro, observou-se um equilíbrio na distribuição para a<br />

população originaria de outros esta<strong>do</strong>s, o que pode ser compreendi<strong>do</strong> melhor ao<br />

dissecar a origem dessa população e o tempo <strong>no</strong> lugar de cada um deles. Ao se<br />

fazer isso, percebe-se que parte considerável dessa população vinda de outros<br />

esta<strong>do</strong>s, é de um momento anterior ao processo de gentrification, possuin<strong>do</strong> uma<br />

renda me<strong>no</strong>r <strong>do</strong> que os que configuram o grupo I. No que diz respeito ao perfil<br />

residencial, o Gráfico 1 também aponta uma diferença entre a população originária<br />

de Salva<strong>do</strong>r, para os vin<strong>do</strong>s de outros esta<strong>do</strong>s ou países.<br />

A maior parte da população oriunda de Salva<strong>do</strong>r está <strong>no</strong> lugar com a intenção<br />

puramente residencial. Há uma pre<strong>do</strong>minância residencial <strong>do</strong>s que vieram de outros<br />

municípios baia<strong>no</strong>s. Contu<strong>do</strong> há um equilíbrio <strong>no</strong>s migrantes de outros esta<strong>do</strong>s<br />

brasileiros com relação a função e uma pre<strong>do</strong>minância da função mista ou comercial<br />

<strong>do</strong>s originários de outros países.<br />

Essa população vinda de outros países apresentou um perfil similar. Trata-se<br />

na sua maioria de europeus com destaque para os italia<strong>no</strong>s e franceses<br />

principalmente e em segun<strong>do</strong> lugar, para os espanhóis, portugueses e ingleses.<br />

Essa constatação aponta algumas curiosidades. Primeiro é a permanência de uma<br />

relação que vem desde o perío<strong>do</strong> de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> o da Arkhêr geográfica<br />

soteropolitana, aponta<strong>do</strong> <strong>no</strong> capítulo <strong>do</strong>is (2).<br />

A outra constatação sobre o grupo de estrangeiros é que eles chegam na<br />

maioria das vezes com uma visão empresarial. Isso pode ser percebi<strong>do</strong> com a<br />

proporção de estrangeiros <strong>do</strong><strong>no</strong>s de estabelecimentos como pousadas ou<br />

restaurantes que supera a de soteropolita<strong>no</strong>s na área, mesmo com os originários de<br />

outros países estan<strong>do</strong> em me<strong>no</strong>r número com relação aos nativos. Também há<br />

pre<strong>do</strong>minância <strong>no</strong> grupo I <strong>do</strong>s vin<strong>do</strong>s de outros países o que aponta esse grupo<br />

como um potencial gentry. O padrão financeiro <strong>do</strong>s estrangeiros também é mais<br />

eleva<strong>do</strong> com relação ao resto da população, o que não significa que o restante da<br />

população tenha um padrão financeiro baixo. Isso pode ser constata<strong>do</strong> na análise da<br />

tabela que contrapõe a origem <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res com a conservação das edificações<br />

(Gráfico 2).<br />

A tabela e o gráfico demonstram que a maior parte das edificações habitadas<br />

está em bom esta<strong>do</strong> de conservação, é importante ressaltar o termo habita<strong>do</strong>, pois é<br />

considerável a quantidade de edificações em mal esta<strong>do</strong> de conservação ou em<br />

193


uína, se forem soma<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s das mais de 100 unidades vazias apresentadas<br />

<strong>no</strong> mapa que revela a desertificação social (Figura 41). Se retirarmos a quantidade<br />

de unidades em bom esta<strong>do</strong> de conservação, podemos ter um melhor pa<strong>no</strong>rama da<br />

diferenciação sócio econômico entre os grupos segun<strong>do</strong> a origem (Gráfico 3)<br />

Tabela 02 - Perfil da população, segun<strong>do</strong> Origem x conservação.<br />

TEMPO NO LUGAR CONSERVAÇÃO<br />

ORIGEM GRUPO_I GRUPO_II GRUPO_III CARRO OTIMA BOA REG. RUIM<br />

NATIVO 4 1 10 5 1 9 2 1<br />

LOC_SAL 114 18 67 59 22 117 18 3<br />

MUN_<strong>BA</strong> 42 9 45 47 15 68 8 3<br />

EST_BR 12 4 14 10 5 24 1 1<br />

OUT_PAIS 34 6 7 18 7 25 4<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Gráfico 2 Conservação das edificações segun<strong>do</strong> o perfil de origem da população.<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Gráfico 3 - Conservação das edificações segun<strong>do</strong> o perfil de origem da população.<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

194


A ausência de propriedades mal conservadas <strong>no</strong> grupo originário de outros<br />

países aponta mais uma vez o padrão econômico eleva<strong>do</strong> desses migrantes. No<br />

caso <strong>do</strong>s migrantes de outros esta<strong>do</strong>s, juntamente com os estrangeiros e oriun<strong>do</strong>s<br />

de outros municípios baia<strong>no</strong>s, a pre<strong>do</strong>minância de edificações em ótimo esta<strong>do</strong> de<br />

conservação com relação às outras classes é mais um indica<strong>do</strong>r de que os que<br />

vieram de fora de Salva<strong>do</strong>r, possuem um padrão econômico mais eleva<strong>do</strong> de uma<br />

forma geral. O critério para ótimo foi estabeleci<strong>do</strong> para distinguir <strong>do</strong> bom, <strong>no</strong> caso de<br />

propriedades que muito mais <strong>do</strong> que bem conservadas, apresentam um requinte e<br />

certo luxo perceptível já <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora.<br />

Se tira<strong>do</strong> o padrão de boa conservação, observa-se que os nativos <strong>do</strong>s<br />

bairros e da cidade já possuem um maior numero de edificações em esta<strong>do</strong> regular<br />

e ruim de conservação. É importante destacar que esses grupos representam a<br />

maioria <strong>no</strong> que diz respeito à quantidade. Contu<strong>do</strong> a existência de muitas<br />

edificações em ótimo esta<strong>do</strong> de conservação também indica a possibilidade de que<br />

os mora<strong>do</strong>res tenham realiza<strong>do</strong> melhorias o que remete ao termo upgrading<br />

aponta<strong>do</strong> na análise <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de Crienkingen (2006) feita <strong>no</strong> capítulo quatro.<br />

6.4.4 Pa<strong>no</strong>rama geral sobre a população <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

Ao avaliar, os gráficos e da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s pode-se constatar então que a<br />

população <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> está bem setorizada em três áreas que<br />

também coincidem com os diferentes vetores <strong>do</strong> processo de gentrification. Ao <strong>no</strong>rte<br />

está a área residencial dividida em duas sub-áreas. A primeira a <strong>no</strong>rdeste concentra<br />

a população mais antiga e com um bom perfil econômico, o que permite a<br />

permanência <strong>no</strong> lugar uma vez que a grande maioria das residências são próprias.<br />

No la<strong>do</strong> <strong>no</strong>roeste há uma mistura entre os estrangeiros que vieram na primeira leva<br />

de gentrification, com parte <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res mais antigos e com grandes vazios<br />

provenientes da especulação imobiliária e das ações <strong>do</strong> grupo Iguatemi.<br />

No eixo central mais propriamente localiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Carmo, há também<br />

uma distinção em <strong>do</strong>is polos. No la<strong>do</strong> oeste há uma forte pre<strong>do</strong>minância de vazios e<br />

estabelecimentos comerciais e mistos. A presença de estrangeiros nessa área<br />

também é alta e a grande maioria <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res está enquadrada <strong>no</strong> grupo I, que<br />

configura o tempo que estaria mais relaciona<strong>do</strong> ao processo de gentrification. Essa<br />

195


área que foi a mais afetada pela especulação imobiliária conserva uma grande<br />

quantidade de vazios configurada pelas ações <strong>do</strong> grupo Iguatemi, mas, que também<br />

aponta um avanço da desertificação social. No outro eixo a leste há uma<br />

pre<strong>do</strong>minância da função residencial com uma população de renda mais baixa.<br />

Ao sul <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong>, há uma característica essencialmente comercial.<br />

Percebe-se com o fechamento de mais de 50 estabelecimentos nessa área que a<br />

maioria <strong>do</strong>s que resistiram à crise que vive o lugar, possuem atividades de destaque<br />

na cidade e também estão enquadra<strong>do</strong>s na leva <strong>do</strong> grupo I. Poucos são os<br />

comerciantes mais antigos da região.<br />

Ao contrapor os da<strong>do</strong>s atuais com outras informações, conclui-se que o<br />

<strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> já sofreu um primeiro processo de gentrification, que<br />

durou entre os a<strong>no</strong>s 1996 e 2008, quan<strong>do</strong> ocorreu um declínio <strong>no</strong> boom imobiliário e<br />

consequentemente a ampliação da desertificação social. Um exemplo disso é que<br />

muitos <strong>do</strong>s estrangeiros que adquiriram propriedades <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e <strong>do</strong><br />

Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo as venderam <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s.<br />

Justamente nesse perío<strong>do</strong> de crise é que se iniciaram os investimentos <strong>do</strong><br />

grupo Iguatemi e com isso uma ampliação <strong>do</strong>s espaços vazios. Ao mesmo tempo<br />

<strong>no</strong>vos grupos excluí<strong>do</strong>s socialmente tentam se inserir <strong>no</strong>s espaços aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s. A<br />

população que precisou deixar suas residências por conta da pressão imobiliária<br />

quan<strong>do</strong> possível se realocou <strong>no</strong>s logra<strong>do</strong>uros próximos a sua antiga moradia.<br />

Um <strong>no</strong>vo perfil populacional também se estabeleceu, com o aumento <strong>do</strong><br />

poder econômico <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, o que pode ser constata<strong>do</strong> pelo crescimento <strong>do</strong><br />

número de automóveis nas ruas, o que tem causa<strong>do</strong> transtor<strong>no</strong>s. De fato, ocorreu<br />

também <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s uma política que facilitou a aquisição de automóveis pela<br />

classe média brasileira. Os tipos de automóveis observa<strong>do</strong>s estaciona<strong>do</strong>s em frente<br />

as residências, denuncia um padrão eleva<strong>do</strong> de renda. A qualidade da conservação<br />

das edificações, bem como o fato de os <strong>no</strong>vos mora<strong>do</strong>res serem em sua maioria<br />

proprietários das residências em que vivem, também aponta que houve uma<br />

substituição de uma população com baixo poder aquisitivo por outra mais abastada.<br />

As ações <strong>do</strong> grupo Iguatemi atrela<strong>do</strong>s à desertificação reconhecida na área, bem<br />

como as estratégias midiáticas, revelam a possibilidade de uma <strong>no</strong>va substituição<br />

que está por vir.<br />

196


6.5 Vendem-se Salva<strong>do</strong>r – Os Promotores Imobiliários<br />

197<br />

Em Janeiro, de 2007, em uma viagem de Salva<strong>do</strong>r a Lisboa, a revista de<br />

bor<strong>do</strong> da empresa aérea divulgava uma grande feira de imóveis localiza<strong>do</strong>s<br />

na Bahia a ser realizada em Lisboa, com a frase “Agora você não precisa<br />

conquistar, pode comprar”. (HENRIQUE, 2009, p.156)<br />

Quem não souber que a música, Aluga-se <strong>do</strong> cantor Raul Seixas, foi escrita<br />

<strong>no</strong> final da década de 1970 e lançada em 1980, pode até associar que o mesmo a<br />

compôs inspira<strong>do</strong> na atual situação <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> – para não<br />

falar da cidade, apesar de que a letra se refere ao país (figura 51).<br />

Figura 51: VENDEM-SE<br />

Fotos: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 24 Jun 2011<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

A solução pro <strong>no</strong>sso povo<br />

Eu vou dá<br />

Negócio bom assim<br />

Ninguém nunca viu<br />

Tá tu<strong>do</strong> pronto aqui<br />

É só vim pegar<br />

A solução é alugar o Brasil!...<br />

Nós não vamo paga nada<br />

Nós não vamo paga nada<br />

É tu<strong>do</strong> free!<br />

Tá na hora agora é free<br />

Vamo embora<br />

Dá lugar pros gringo entrar<br />

Esse imóvel tá prá alugar<br />

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!...<br />

Os estrangeiros<br />

Eu sei que eles vão gostar<br />

Tem o Atlântico<br />

Tem vista pro mar<br />

A Amazônia<br />

É o jardim <strong>do</strong> quintal<br />

E o dólar dele<br />

Paga o <strong>no</strong>sso mingau...<br />

(Raul Seixas)


A Figura 51 demonstra algumas placas que retratam uma pequena parcela da<br />

quantidade de propriedades que foram postas a venda <strong>no</strong>s últimos 20 a<strong>no</strong>s.<br />

A ação <strong>do</strong>s promotores imobiliários na área estudada se dá seguin<strong>do</strong> um<br />

vetor condiciona<strong>do</strong> por três fatores. O primeiro foi inicialmente o da proximidade com<br />

o <strong>Pelourinho</strong> e com o Hotel Convento <strong>do</strong> Carmo. Esse fator está diretamente liga<strong>do</strong><br />

ao processo de gentrification induzi<strong>do</strong> experimenta<strong>do</strong> pelo <strong>Pelourinho</strong> em mea<strong>do</strong>s<br />

da década de 1990, que resultou diretamente na valorização <strong>do</strong> entor<strong>no</strong>.<br />

O segun<strong>do</strong> vetor de ação <strong>do</strong>s promotores imobiliários é decorrente <strong>do</strong><br />

primeiro, mais relaciona<strong>do</strong> à forma. Trata-se de uma linearidade que se dá desde o<br />

Terreiro de Jesus, passan<strong>do</strong> pelo Carmo e in<strong>do</strong> até o Largo <strong>do</strong> Santo Antônio. Essa<br />

linearidade é justificável por três aspectos que são causa e consequência um <strong>do</strong><br />

outro e se intercomunicam. Nessa região estão as melhores casas. As ruas, por<br />

onde a especulação atua, são as principais de cada bairro e os equipamentos<br />

urba<strong>no</strong>s que valorizam a região estão situa<strong>do</strong>s também nesses espaços (figura 45).<br />

O terceiro fator é relaciona<strong>do</strong> à questão paisagística. No vetor da especulação<br />

imobiliária. As edificações situadas a leste possuem seus fun<strong>do</strong>s volta<strong>do</strong>s para a<br />

Baía de To<strong>do</strong>s os Santos, o que além de proporcionar a visualização de um belo<br />

espetáculo da natureza também contribui para uma melhor circulação <strong>do</strong> ar. A ação<br />

<strong>do</strong>s promotores imobiliários se baseia dessa forma seguin<strong>do</strong> os preceitos<br />

destaca<strong>do</strong>s por Correa.<br />

198<br />

“ As estratégias <strong>do</strong>minantes, de construir habitações para a população que<br />

constitui a demanda solvável, têm um significativo rebatimento espacial. De<br />

fato, a ação <strong>do</strong>s promotores se faz correlacionada a: preço eleva<strong>do</strong> da terra<br />

de auto-status <strong>do</strong> bairro; acessibilidade, eficiência e segurança <strong>do</strong>s meios<br />

de transporte; amenidades naturais ou socialmente produzidas; e<br />

esgotamento <strong>do</strong>s terre<strong>no</strong>s para a construção e as condições físicas <strong>do</strong>s<br />

imóveis anteriormente produzi<strong>do</strong>s.” (CORREA, 1995, p.03)<br />

Os promotores imobiliários <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s bairros em estu<strong>do</strong> se confundem em<br />

parte com to<strong>do</strong>s os outros agentes, exceto o grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s. Parte da<br />

população se beneficiou com a especulação ten<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong> suas propriedades.<br />

Quem esperou um momento de maiores preços fez bons negócios, porém, muitos<br />

precipita<strong>do</strong>s terminaram se arrependen<strong>do</strong> pela venda <strong>do</strong>s imóveis por preços<br />

irrisórios se compara<strong>do</strong>s aos padrões atuais.


Os agentes econômicos atuam na área diretamente como promotores<br />

imobiliários, principalmente o Iguatemi já comenta<strong>do</strong> anteriormente. Já o Esta<strong>do</strong> com<br />

os programas <strong>do</strong> Rememorar e as outras etapas <strong>do</strong> Projeto de Recuperação <strong>do</strong><br />

Centro <strong>Histórico</strong>, atua “exercen<strong>do</strong> sua função” que não deixa de ter uma co<strong>no</strong>tação<br />

de promoção imobiliária <strong>no</strong>s casos cita<strong>do</strong>s.<br />

Há hoje <strong>do</strong>is vetores da especulação que têm seu ponto centrifugo partin<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Carmo. Na direção <strong>do</strong> Maciel há um declínio e uma desvalorização da área. Na<br />

direção <strong>do</strong> Santo Antônio há um boom imobiliário que sofreu <strong>no</strong>s últimos meses um<br />

processo de estagnação (Figura 49 ). A esse recesso, pode-se atribuir inúmeros<br />

fatores dentre eles a crise econômica que o mun<strong>do</strong> tem vivi<strong>do</strong> <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s, que<br />

afeta diretamente na localidade.<br />

A consequência da especulação imobiliária se des<strong>do</strong>brou <strong>no</strong> valor <strong>do</strong>s<br />

imóveis que alcançou níveis astronômicos e também <strong>no</strong>s alugueis, bem nas diárias<br />

das pousadas. Um imóvel localiza<strong>do</strong> na Rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio hoje pode<br />

chegar a mais de um milhão de reais. Na pesquisa soube-se de um imóvel em<br />

esta<strong>do</strong> de ruína sen<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong> por R$100 mil. A mesma coisa com relação ao valor<br />

<strong>do</strong>s alugueis. O Sr. Hamilton Ribeiro, em entrevista conta que antes de comprar a<br />

casa que mora atualmente na Rua Professor Palma, teve o valor <strong>do</strong> aluguel, de sua<br />

antiga residência na Ladeira <strong>do</strong> Boqueirão, aumenta<strong>do</strong> inúmeras vezes a cada a<strong>no</strong><br />

que se passava. O valor da diária em uma pousada ou hotel na área pode variar de<br />

50,00 R$ a mais de R$1.000,00.<br />

O vetor de especulação apesar de seguir uma retilineidade, ele também se<br />

espraia de maneira mais tímida <strong>no</strong>s logra<strong>do</strong>uros lindeiros aos principais, também<br />

ocorren<strong>do</strong> de forma pontual em lugares me<strong>no</strong>s próximos, como demonstra<strong>do</strong> <strong>no</strong><br />

mapa <strong>do</strong> vetor da especulação imobiliária <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>.<br />

6.6 A Igreja e as ordens leigas<br />

A Igreja tem uma postura mais passiva diante <strong>do</strong> processo, porém, ela exerce<br />

influência <strong>no</strong> lugar de três formas o que pode consistir em um fator de força para<br />

agregação social. Primeiramente a igreja polariza não somente a região como a<br />

cidade (relativizan<strong>do</strong> em grau) com suas festas e atividades tradicionais que<br />

terminam <strong>no</strong>rtean<strong>do</strong> o calendário e o cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong>s bairros estuda<strong>do</strong>s. Festas como<br />

199


Natal, Páscoa, Santa Barbara, dentre outras configuram uma influência social da<br />

Igreja na sociedade local.<br />

Além disso, a igreja reúne a maior parte da população mais antiga <strong>do</strong> bairro<br />

de fé católica principalmente, o que permite a manutenção das relações sociais,<br />

mesmo que alteradas pelo esvaziamento <strong>do</strong>s bairros. Por fim a Igreja como estrutura<br />

também exerce por si só um elemento de valorização <strong>do</strong> espaço, por toda carga<br />

paisagística e cultural que ela carrega consigo. Vale salientar que a gentrification é<br />

pautada também na justificativa com a recuperação desses elementos.<br />

A Igreja e algumas ordens leigas inicialmente foram agentes que promoveram<br />

de certa forma um contra movimento, pois, mantiveram o valor <strong>do</strong>s alugueis para as<br />

famílias antigas que ali viviam. Porém em momento posterior com o assedio <strong>do</strong><br />

grande capital a situação se altera e a Igreja e as ordens leigas terminam agin<strong>do</strong><br />

também como promotores imobiliários.<br />

Apesar de a Igreja também deter terre<strong>no</strong>s o que a inclui <strong>no</strong> contexto da<br />

especulação, são na verdade as ordens leigas que assumirão uma maior<br />

responsabilidade <strong>no</strong> jogo de relações especulativas que envolvem os espaços sob a<br />

pressão da gentrification. As ordens leigas em alguns casos funcionam como um<br />

elemento que freia o avanço <strong>do</strong> processo, mas, em outros casos contribui para o<br />

agravamento <strong>do</strong> mesmo, como <strong>no</strong> caso de <strong>do</strong>na Ana – já comenta<strong>do</strong>.<br />

Elas também possuem uma quantidade considerável de lotes na área<br />

estudada, na pesquisa feita, foram identifica<strong>do</strong>s mais de 30 lotes só da Santa Casa<br />

da Misericórdia e também se sabe que ela tem muito mais <strong>do</strong> que isso. Outra<br />

questão é que esses agentes funcionam como promotores imobiliários, pois, foram<br />

identifica<strong>do</strong>s muitos imóveis que pertenciam à ordens e que foram adquiri<strong>do</strong>s por<br />

outros agentes, como <strong>no</strong> próprio caso de <strong>do</strong>na Ana.<br />

As ordens leigas também se combinam com a Igreja na promoção e<br />

manutenção das tradições. Muitos exemplos interessantes podem ser conta<strong>do</strong>s<br />

como <strong>no</strong> caso da Trezena <strong>do</strong> Santo Antônio, Festa <strong>do</strong> Divi<strong>no</strong> Espírito Santo, Terça<br />

da Benção e da Irmandade <strong>do</strong> Carmo.<br />

6.7 O grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s<br />

200


Segun<strong>do</strong> Correa (1995) esse grupo é composto pelos que não possuem<br />

renda suficiente para pagar o aluguel de uma habitação digna restan<strong>do</strong> a eles<br />

habitar em cortiços, favelas ou em loteamentos forneci<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>. No caso <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong>, as ações tomadas pelo esta<strong>do</strong> <strong>no</strong> dito Programa de Recuperação <strong>do</strong><br />

Centro <strong>Histórico</strong>, foram incisivas na remoção dessa população. Restou a parte<br />

desse grupo se refugiar em <strong>no</strong>vas invasões nas áreas próximas a sua rotina de<br />

atividades. Muitas das famílias em um momento inicial ocuparam alguns prédios <strong>no</strong><br />

bairro <strong>do</strong> Carmo e principalmente <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo.<br />

Prédios como o forte <strong>do</strong> Santo Antônio, e a casa <strong>do</strong> Oitão foram ocupa<strong>do</strong>s,<br />

para mais tarde terem essas famílias expulsas <strong>no</strong>vamente <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo processo de<br />

gentrification. Hoje, sabe-se que esse grupo ocupa principalmente as extremidades<br />

da poligonal. É possível inclusive observar estratificações sociais bem delimitadas<br />

espacialmente <strong>no</strong>s bairros, essas camadas tiveram uma maior definição após a<br />

intensificação <strong>do</strong> processo nas áreas. No zoneamento esse grupo termina por<br />

ocupar as áreas mais desprezadas pelo capital, como a falha geológica de Salva<strong>do</strong>r,<br />

que configura inclusive como uma área de risco (Figura 50).<br />

6.8 <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> – Transformações e Resistências<br />

Sabe-se que a essência <strong>do</strong> Maciel foi modificada com os pla<strong>no</strong>s de<br />

intervenção estatal que transformaram aquele bairro em um “shopping center” a céu<br />

aberto, perden<strong>do</strong> quase que completamente sua função residencial. Após isso os<br />

bairros <strong>do</strong> Carmo e <strong>do</strong> Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo foram os que conseguiram<br />

manter suas peculiaridades - ao se tratar da poligonal de estu<strong>do</strong>.<br />

Um aspecto que <strong>no</strong>ta-se em quase todas as reportagens que abordam sobre<br />

a área é o da confusão dessas duas localidades historicamente distintas, como<br />

sen<strong>do</strong> uma única coisa. Não é preciso muita argumentação para desconstruir esse<br />

erro que de tanto se repetir começa a aparecer como a verdade diante <strong>do</strong> imaginário<br />

da população. Basta observar o próprio <strong>no</strong>me <strong>do</strong> bairro que diz Santo Antônio Além<br />

<strong>do</strong> Carmo, para entender que o mesmo fica após outro bairro, sen<strong>do</strong> esse o Carmo.<br />

Se forem desconta<strong>do</strong>s os erros da delimitação histórica entre essas duas<br />

áreas, fica o questionamento. Qual característica vem sen<strong>do</strong> alterada <strong>no</strong>s mesmos,<br />

mas, ainda mais importante, quais são os aspectos da cultura, <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> e da<br />

201


tradição que ainda resistem. Para iniciar a resposta desse questionamento, pode-se<br />

recorrer a uma matéria <strong>do</strong> Jornal a Tarde sobre o que ele chama de Santo Antônio –<br />

onde fica claro se tratar <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is bairros Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo<br />

(Figura 52).<br />

Figura 52: Momentos bucólicos de brincadeira, Largo <strong>do</strong> Santo Antônio, Salva<strong>do</strong>r - <strong>BA</strong><br />

Fonte: A TARDE, 13/02/2011.<br />

202<br />

“Conversas informais, namoros na porta de casa e boa vizinhança são<br />

tradições simples que a cada dia estão ameaçadas <strong>no</strong> bairro Santo Antônio<br />

Além <strong>do</strong> Carmo. Onde reinava uma atmosfera bucólica há poucas décadas,<br />

hoje se observa a insegurança <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res; o avanço da compra <strong>do</strong>s<br />

casarões; o interesse da iniciativa privada por criar empreendimentos<br />

comerciais e a falta de manutenção de calçadas praças e outros serviços<br />

públicos.<br />

Quem já passou por lá pode perceber que as calçadas são estreitas –<br />

característica histórica inalterável – mas que poderiam servir melhor a<br />

locomoção de pedestres se não fossem os inúmeros carros para<strong>do</strong>s sobre<br />

elas devi<strong>do</strong> à falta de estacionamento. A praça <strong>do</strong> Largo <strong>do</strong> Santo Antônio<br />

ainda guarda de lembrança o coreto, mas os equipamentos de lazer estão<br />

deteriora<strong>do</strong>s.” (A TARDE, 2011)<br />

A reportagem além de comentar sobre a ameaça ao lugar decorrente das<br />

transformações <strong>do</strong>s últimos a<strong>no</strong>s aponta questões como o crescimento da violência<br />

principalmente pelo tráfico de drogas, um aban<strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong> lugar pelas políticas publicas<br />

que apesar de ter lança<strong>do</strong> em 2007 o Pla<strong>no</strong> de Recuperação <strong>do</strong> Centro Antigo, até<br />

então não realizou nenhuma ação na área. Ainda fala sobre a investida <strong>do</strong> poder<br />

priva<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s possíveis problemas que o pla<strong>no</strong> <strong>do</strong> Iguatemi pode trazer ao lugar,<br />

como a desertificação social e um desinteresse pelas pessoas.<br />

Muitas são as histórias que poderiam ser contadas demonstran<strong>do</strong> as<br />

modificações, que ocorreram nesses bairros, para começar pelo fechamento de<br />

alguns clubes que promoviam uma maior interação social, como o Clube <strong>do</strong>s<br />

Corujas. Também com a diminuição da população a Igreja foi afetada diretamente,<br />

ten<strong>do</strong> inúmeros movimentos enfraqueci<strong>do</strong>s, como a Legião de Maria, um movimento


da Igreja que chegou a reunir mais de dez grupos de jovens totalizan<strong>do</strong> mais de 100<br />

jovens que davam movimento e vida à Praça <strong>do</strong> Santo Antônio após as reuniões e a<br />

missa <strong>do</strong>s jovens que ocorria to<strong>do</strong> Domingo às 17h. Ou até mesmo o Ter<strong>no</strong> de Reis<br />

que era um festejo tão importante quanto o Carnaval em tempos mais antigos.<br />

A administração paroquial também contribuiu para o desmantelamento de<br />

ordens, como a Ordem Terceira de Nossa Senhora <strong>do</strong> Boqueirão <strong>do</strong>s Par<strong>do</strong>s, que<br />

se reunia na Igreja <strong>do</strong> Boqueirão, localizada na Ladeira <strong>do</strong> Boqueirão.<br />

Uma característica desses bairros consistia <strong>no</strong> conhecimento entre os<br />

vizinhos, inúmeros jornais relatam que os mesmos lembram uma cidadezinha de<br />

interior, isso não só por sua forma, mas, também pela peculiar maneira com que a<br />

população se relacionava. Era difícil percorrer as ruas <strong>do</strong> Carmo e Santo Antônio<br />

Além <strong>do</strong> Carmo, sem cumprimentar pelo me<strong>no</strong>s <strong>do</strong>is conheci<strong>do</strong>s.<br />

Diante de tantas transformações, selecio<strong>no</strong>u-se um exemplo para ilustrar<br />

como a preocupação meramente estética, pode afetar toda uma rotina com a<br />

“simples” alteração de um único elemento. Trata-se de uma antiga habitante <strong>do</strong><br />

Largo <strong>do</strong> Santo Antônio a Dona Julia e sua barraca, que foram removidas <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de<br />

2005 <strong>do</strong> lugar, com uma alegação paisagística.<br />

6.8.1 A Barraca de Dona Julia – a Morte <strong>do</strong> Lugar<br />

203<br />

“Não só a relação entre lugar e espaço como também o relacionamento<br />

entre o lugar e o homem que nele se demora residem na essência dessas<br />

coisas assumidas como lugares.” (Heidegger, 2009, p.134)<br />

O a<strong>no</strong> é 2003, Largo <strong>do</strong> Santo Antônio, localiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Santo Antônio<br />

Além <strong>do</strong> Carmo, Salva<strong>do</strong>r. Se finda à tarde com um belo pôr <strong>do</strong> sol de onde se<br />

avista a Baía de to<strong>do</strong>s os Santos através de um belvedere. Na paisagem, ainda<br />

pode ser visto um forte militar, a igreja <strong>do</strong> Santo Antônio e um casarão conheci<strong>do</strong><br />

como casa <strong>do</strong> Oitão. Em meio ao largo um “coreto típico <strong>do</strong> século XIX” (Silva, 2005,<br />

p. 49), contorna<strong>do</strong> por árvores fron<strong>do</strong>sas que oferecem sombra para aqueles que<br />

passeiam desfrutan<strong>do</strong> o clima acolhe<strong>do</strong>r desse lugar. Em meio a esse cotidia<strong>no</strong> se<br />

encontra a barraca de Dona Julia, habitante <strong>do</strong> lugar a mais de dez a<strong>no</strong>s, oferece<br />

como produtos, balas, refrigerantes, cigarros e outras coisas <strong>do</strong> gênero.<br />

Heidegger, ao tratar sobre o habitar, diz em tom de critica que “Trabalhamos<br />

aqui e habitamos ali. Não habitamos simplesmente. Isso soaria até mesmo como


uma preguiça e ócio” (HEIDEGGER, 2008, p.127) . Os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairro, bem<br />

como seus frequenta<strong>do</strong>res, inevitavelmente passam pela barraca da simpática <strong>do</strong>na<br />

Júlia que abre seu empreendimento religiosamente de <strong>do</strong>mingo a <strong>do</strong>mingo não<br />

somente porque trabalha nele, mas, sim porque habita aquele lugar. Habitan<strong>do</strong> ali,<br />

constrói com os mora<strong>do</strong>res daquele espaço uma relação de amizade. “Construir<br />

significa originariamente habitar.” (HEIDEGGER, 2008, p.127).<br />

Simplesmente por ser autêntica, a coisa que é aquela barraca, torna-se um<br />

lugar, mais <strong>do</strong> que isso, um ponto de referência, um lugar de encontro, de identidade<br />

para os mora<strong>do</strong>res daquele bairro. Um <strong>do</strong>s primeiros clientes para e começa a<br />

conversar com a <strong>do</strong>na da barraca. Algum tempo se passa, e outro cliente também<br />

para naquele lugar, se aqueles não se conhecem, podem encontrar naquele<br />

momento uma boa oportunidade para ampliarem seu circulo de amizades. Não é<br />

muito difícil, passar às 20:00h e encontrar, mais de 20 pessoas, ao re<strong>do</strong>r da barraca<br />

de <strong>do</strong>na Júlia, em grupos separa<strong>do</strong>s, conversan<strong>do</strong>, tocan<strong>do</strong> violão e cantan<strong>do</strong>.<br />

Algumas vezes to<strong>do</strong>s, inclusive ela, jogan<strong>do</strong> cinco cortes ou interagin<strong>do</strong> de qualquer<br />

forma. Quanto mais pessoas estão <strong>no</strong> lugar, parece que atraem ainda mais pessoas.<br />

Aquele largo possui sua dinâmica particular. E tu<strong>do</strong> indica que a barraca<br />

i<strong>no</strong>centemente, simplesmente por estar ali, comanda parte dessa dinâmica.<br />

“Construímos e chegamos a construir à medida que habitamos, ou seja, à medida<br />

que somos como aqueles que habitam.” (HEIDEGGER, 2008, p.128)<br />

Não somente a barraca de Dona Júlia, mas, to<strong>do</strong> o bairro <strong>do</strong> Santo Antônio<br />

Além <strong>do</strong> Carmo, chama a atenção, por parecer com uma “cidade de interior”<br />

(CORREIO DA <strong>BA</strong>HIA, 1996, 2000) – (<strong>BA</strong>HIA HOJE, 1997). Esse comentário é<br />

presencia<strong>do</strong>, em muitas das matérias de jornais pesquisadas desde 1991 até 2000.<br />

Não é preciso muita observação para compreender que esse clima acolhe<strong>do</strong>r, que<br />

tanto chama atenção, não se dá simplesmente pela existência <strong>do</strong>s belos sobra<strong>do</strong>s<br />

históricos <strong>do</strong> lugar, mas, principalmente pela relação da população que habita o<br />

mesmo.<br />

204<br />

Os mortais habitam à medida que salvam a terra, toman<strong>do</strong>-se a palavra<br />

salvar em seu antigo senti<strong>do</strong>, ainda usa<strong>do</strong> por Lessing. Salvar não diz<br />

apenas erradicar um perigo. Significa, na verdade: deixar alguma coisa livre<br />

em seu próprio vigor. Salvar a terra é mais <strong>do</strong> que explorá-la ou esgotá-la.<br />

Salvar a terra não é assenhorar-se da terra e nem tampouco submeter-se à<br />

terra, o que constitui um passo quase imediato para a exploração ilimitada.<br />

(HEIDEGGER, 2008, p. 130)


As ações de “revitalização” <strong>do</strong>s planeja<strong>do</strong>res urba<strong>no</strong>s, e produtores <strong>do</strong><br />

espaço de Salva<strong>do</strong>r, vêm negligencian<strong>do</strong> a importância disso que Heidegger chama<br />

ser salvar a terra, salvar <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de resguardar, proteger, mas, que é ainda<br />

aprofunda<strong>do</strong> <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de liberdade. Essa libertação é compreendida a partir da<br />

permanência, mas uma permanência em paz. Para que isso aconteça, é necessário<br />

o habitar, pois segun<strong>do</strong> o mesmo: “O resguar<strong>do</strong> perpassa o habitar em toda a sua<br />

amplitude.” (HEIDEGGER, 2008, p.129)<br />

205<br />

Uma antiga acepção pode <strong>no</strong>s dizer o que designa essa palavra “espaço”.<br />

Espaço (Raum, Rum) diz o lugar arruma<strong>do</strong>, libera<strong>do</strong> para um povoa<strong>do</strong>, para<br />

um depósito. Espaço é algo espaça<strong>do</strong>, arruma<strong>do</strong>, libera<strong>do</strong>, num limite, em<br />

grego . O limite não é onde uma coisa termina, mas, como os gregos<br />

reconheceram de onde alguma coisa dá início à sua essência. Isso explica<br />

porque a palavra grega para dizer conceito é limite. Espaço é,<br />

essencialmente, o fruto de uma arrumação, de um espaçamento, o que foi<br />

deixa<strong>do</strong> em seu limite. O espaça<strong>do</strong> é o que, a cada vez, se propicia e, com<br />

isso, se articula, ou seja, o que se reúne de forma integra<strong>do</strong>ra através de<br />

um lugar, ou seja, através de uma coisa <strong>do</strong> tipo da ponte. Por isso os<br />

espaços recebem sua essência <strong>do</strong>s lugares e não “<strong>do</strong>” espaço.<br />

(HEIDEGGER, 2008, p. 134)<br />

Pode-se entender a partir disso que alteran<strong>do</strong> a essência de um lugar, altera-<br />

se então a arrumação <strong>do</strong> mesmo <strong>no</strong> espaço e com isso a essência <strong>do</strong> próprio<br />

espaço. Não se trata aqui de uma defesa à estagnação <strong>do</strong>s lugares, mas muito pelo<br />

contrário, é preciso ampliar a reflexão para compreender justamente essa dinâmica<br />

de transformação pela liberdade, mencionada mais acima. Por sua vez falar dessa<br />

liberdade, sem os devi<strong>do</strong>s realces, é correr o risco de ser confundi<strong>do</strong> como defensor<br />

<strong>do</strong> modelo econômico vigente, que trata o espaço e a vida como algo a ser<br />

consumi<strong>do</strong>. Também não se trata disso. O que está em cheque é justamente a<br />

importância de se dar liberdade à dinâmica <strong>do</strong> habitar, como caminho para construí-<br />

lo.<br />

Como então perceber essa dinâmica sem antes entendê-la? Uma vez<br />

compreenden<strong>do</strong> que a essência <strong>do</strong> espaço vem de seus lugares, faz-se necessário<br />

a compreensão <strong>do</strong> que Heidegger (2009) chama d e “quadratura”, composta pelo<br />

céu, a terra, o divi<strong>no</strong> e os mortais. Ao falar da liberdade, é importante relembrar<br />

justamente a sua direta relação com o salvar a terra, que está liga<strong>do</strong> ao resguardar.<br />

Salvan<strong>do</strong> a terra, acolhen<strong>do</strong> o céu, aguardan<strong>do</strong> os deuses, conduzin<strong>do</strong> os<br />

mortais, é assim que acontece propriamente um habitar. Acontece enquanto<br />

um resguar<strong>do</strong> de quatro faces da quadratura. Resguardar diz: abrigar a<br />

quadratura em seu vigor de essência. O que se toma para abrigar deve ser<br />

vela<strong>do</strong>. (Heidegger, 2008, p.130)


O a<strong>no</strong> agora é 2005, algo aconteceu <strong>no</strong> largo <strong>do</strong> Santo Antônio. Em ple<strong>no</strong> dia<br />

de sába<strong>do</strong>, às 20:00h, o único movimento que se ver é o <strong>do</strong> vento através <strong>do</strong>s sacos<br />

plásticos e lixo voan<strong>do</strong> em circulo na escadaria da Igreja <strong>do</strong> Santo Antônio. Alguma<br />

coisa mu<strong>do</strong>u. O forte está reforma<strong>do</strong>, pinta<strong>do</strong>. O largo está fisicamente embeleza<strong>do</strong>,<br />

mas, e onde está a vida?<br />

A antiga barraca de Dona Júlia foi removida <strong>do</strong> lugar, e com ela parte da vida<br />

<strong>do</strong> mesmo. Os grupos de jovens da igreja também não existem mais. Ainda <strong>no</strong> a<strong>no</strong><br />

de 2003, em dias de sába<strong>do</strong> e <strong>do</strong>mingo, os grupos de jovens se reuniam e ao final<br />

de suas reuniões os membros povoavam o largo <strong>do</strong> Santo Antônio, dan<strong>do</strong> vida e<br />

movimento. O largo <strong>do</strong> Santo Antônio agora, apesar de “embeleza<strong>do</strong>”, se tor<strong>no</strong>u um<br />

lugar sombrio, houve aumento da violência e o tráfico de drogas se tor<strong>no</strong>u uma<br />

realidade <strong>no</strong> lugar. O que aconteceu? Será que o lugar morreu?<br />

6.8.2 As festas e tradições – A resistência<br />

Os próximos três exemplos demonstrarão a diferença de uma recuperação de<br />

uma tradição por meios estatais, da transferência de um festejo popular de uma área<br />

da cidade para outra, ten<strong>do</strong> se adapta<strong>do</strong> bem e por fim a conservação de uma<br />

tradição que mesmo ten<strong>do</strong> sofri<strong>do</strong> inúmeras alterações <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s, continua a<br />

existir. Trata-se <strong>do</strong> Carnaval e <strong>do</strong> São João (Figuras 53 e 54) e da Trezena <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio.<br />

Figura 53: Carnaval <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong> (2011)<br />

Figura 54: São João <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong> (2011)<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 05 Mar 2011 e 23 Jun 2011<br />

206


No primeiro caso, <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> Carnaval, com a reativação de um carnaval “a<br />

moda antiga” <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong>, houve um retor<strong>no</strong> da população à área nesse perío<strong>do</strong>.<br />

Principalmente aqueles que preferem aproveitar de forma mais sossegada, longe <strong>do</strong><br />

tumulto <strong>do</strong>s grandes blocos carnavalescos. Há um elogio por parte <strong>do</strong>s<br />

frequenta<strong>do</strong>res por conta <strong>do</strong> caráter familiar que a festa <strong>no</strong> bairro <strong>do</strong> Maciel ganha<br />

<strong>no</strong>s dias <strong>do</strong> Momo. Já o caso <strong>do</strong> São João, a festa antes era realizada em outra área<br />

da cidade, chamada de <strong>Parque</strong> de Exposições. Com a transferência da mesma para<br />

o Centro <strong>Histórico</strong> houve um aban<strong>do</strong><strong>no</strong> da frequência pela população mais rica ao<br />

mesmo tempo em que ela se torna mais popular. A programação <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s<br />

tem si<strong>do</strong> bem contemplada por artistas re<strong>no</strong>ma<strong>do</strong>s que tocam e cantam o genuí<strong>no</strong><br />

forró, como Gilberto Gil, Alceu Valença, Fagner, Ademário Coelho, Elba Ramalho,<br />

Geral<strong>do</strong> Azeve<strong>do</strong> e bandas <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Forró Pé de Serra.<br />

A possibilidade de estabelecer um calendário Juni<strong>no</strong> não só para o Maciel,<br />

mas, como para toda a Periferia Histórica Soteropolitana, deveria ser pensada pelo<br />

poder público <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de promoção não só de lazer, mas, como de um evento<br />

que pesasse para o turismo em um perío<strong>do</strong> após o Carnaval. A começar pelos<br />

festejos da Trezena de Santo Antônio que ocorre <strong>no</strong>s treze primeiros dias <strong>do</strong> mês de<br />

Junho, culminan<strong>do</strong> com a festa <strong>do</strong> Padroeiro <strong>do</strong> bairro. (Figura 55)<br />

Figura 55: Trezena de Santo Antônio<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 02 Jul 2010<br />

207


A festa <strong>do</strong> Santo Antônio reúne pessoas que vem não somente <strong>do</strong>s bairros<br />

mais próximos, mas, de toda a cidade. A devoção para com o Santo conheci<strong>do</strong> pela<br />

cultura popular como casamenteiro é forte e a tradição da festa de largo após o culto<br />

religioso é mantida sen<strong>do</strong> organizada pela Igreja. Ainda é possível ouvir as trezenas<br />

sen<strong>do</strong> rezadas nas casas de muitos devotos.<br />

As pessoas andan<strong>do</strong> pelas ruas desfrutan<strong>do</strong> de iguarias juninas e dan<strong>do</strong> a<br />

tradicional volta <strong>no</strong> Largo, compõem e movimentam o lugar nesse perío<strong>do</strong> e<br />

fomentam a eco<strong>no</strong>mia local. A festa poderia, <strong>no</strong> entanto ser mais bem organizada<br />

inclusive com o poder público apoian<strong>do</strong> e financian<strong>do</strong> atrações e equipamentos de<br />

som de melhor qualidade.<br />

6.8.3 O espaço se reorganiza<br />

Junto com todas as consequências da gentrification vem a reconfiguração <strong>do</strong><br />

espaço afeta<strong>do</strong> e com ela uma <strong>no</strong>va dinâmica que se inicia. Essa dinâmica é<br />

configurada por aqueles que continuam <strong>no</strong> lugar, seja pelos que resistiram ao<br />

processo, ou pelos <strong>no</strong>vos mora<strong>do</strong>res e até mesmo por aqueles que mesmo não<br />

residin<strong>do</strong> ainda habitam os bairros em questão. Quatro exemplos serão analisa<strong>do</strong>s,<br />

dentro desse contexto. São eles; a permanência, o declínio, a reocupação e a<br />

recuperação.<br />

No caso da permanência, um bom exemplo é <strong>do</strong> cantor e compositor baia<strong>no</strong><br />

Jerônimo. Autor de músicas conhecidas <strong>no</strong> esta<strong>do</strong> e de especificamente – É<br />

D’Oxum – com alcance mundial que retrata um pouco da cultura da cidade. O artista<br />

mora na Rua <strong>do</strong> Passo e há aproximadamente dez a<strong>no</strong>s faz um show gratuito, toda<br />

terça feira na escadaria <strong>do</strong> Passo. (Figura 56)<br />

Figura 56: Show de Jerônimo na Escadaria <strong>do</strong> Passo<br />

Fonte: http://www.atarde.com.br/fotos/index.jsf?id=812011 acessa<strong>do</strong> em 12/07/2011<br />

208


O Largo <strong>do</strong> Santo Antônio passou por um perío<strong>do</strong> de declínio, e durante um<br />

tempo a paisagem da praça que já foi bastante frequentada pela população se<br />

tor<strong>no</strong>u uma área deserta. A depender <strong>do</strong> horário a única coisa que se via <strong>no</strong> lugar<br />

era a poeira que faz curva nas escadarias da igreja <strong>do</strong> Santo Antônio e a matilha de<br />

cachorros que a <strong>no</strong>ite toma conta das ruas <strong>do</strong> bairro.<br />

Acompanhan<strong>do</strong> esse pa<strong>no</strong>rama veio o aumento <strong>do</strong> tráfico de drogas <strong>no</strong> lugar<br />

e a sensação de insegurança. O aumento <strong>do</strong> numero de mortes violentas e assaltos<br />

foram registra<strong>do</strong>s e a circulação das <strong>no</strong>ticias termi<strong>no</strong>u por afastar ainda mais a<br />

população das ruas. No entanto o bairro continuou sen<strong>do</strong> habita<strong>do</strong> por três grupos<br />

distintos de forma também distinta.<br />

O grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s começou a frequentar a praça, principalmente as<br />

crianças jogan<strong>do</strong> bola e brincan<strong>do</strong> em poucos equipamentos de diversão infantil. A<br />

população mais antiga que manteve as tradições com tempo voltou a se reunir<br />

principalmente aos dias de sába<strong>do</strong> e <strong>do</strong>mingo à tarde, para beber e conversar, e os<br />

<strong>no</strong>vos habitantes, a gentry, ou se integraram à comunidade, ou se isolaram em seus<br />

grupos ou contribuíram para as estatísticas de desertificação <strong>do</strong> espaço.<br />

Através da iniciativa de um comerciante de contratar um grupo de samba para<br />

tocar em seu estabelecimento, o evento ficou conheci<strong>do</strong> como Samba <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio. (F igura 51) Com isso uma população vinda de vários lugares da cidade<br />

começou a frequentar a festa. Interessante é realçar a semelhança entre essas<br />

pessoas, <strong>no</strong> que diz respeito aos gostos, forma de se vestir e ao grau de estu<strong>do</strong> -<br />

geralmente sen<strong>do</strong> de nível universitário. Para distinguir e renda, basta também<br />

observar a quantidade de carros – bem como os tipos de veículos – que ficam<br />

estaciona<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> o lugar <strong>no</strong>s dias que ocorre a festa. Essa população de classe<br />

média e média alta está bem próxima <strong>do</strong> que seriam os yuppies.<br />

Os yuppies brasileiros estão consumin<strong>do</strong> a “cultura” pseu<strong>do</strong> tradicional que<br />

ocorre naquele lugar. Apesar de ser uma música de qualidade, em um espaço<br />

bucólico, com um público peculiar, algo naquele acontecimento transmite<br />

artificialidade. Provavelmente porque é um grupo que não compõe a realidade <strong>do</strong><br />

lugar, mas, passa a ocupá-lo. Contu<strong>do</strong> na medida em que vão o habitan<strong>do</strong><br />

trabalham e são trabalha<strong>do</strong>s pelo espaço. Esse grupo não está adapta<strong>do</strong> ao lugar,<br />

simplesmente o frequenta isso pode ser entendi<strong>do</strong> com uma breve entrevista<br />

209


perguntan<strong>do</strong> questões básicas sobre o mesmo e constatan<strong>do</strong> o desconhecimento<br />

<strong>do</strong>s frequenta<strong>do</strong>res com relação ao local. Ainda há uma parcela <strong>do</strong>s que possuem<br />

uma maior consciência sobre o lugar, parte desses são <strong>no</strong>vos mora<strong>do</strong>res.<br />

Figura 57: Samba <strong>do</strong> Santo Antônio<br />

Foto: Daniel de Albuquerque Ribeiro. Em 03 Fev 2010<br />

O último caso é o <strong>do</strong> Sr. Jorge, <strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong> Restaurante Ulisses. Em entrevista, o<br />

empresário conta que o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> estabelecimento veio de um antigo bar que o pai<br />

dele tinha na casa <strong>do</strong> Oitão – um edifício localiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> Largo <strong>do</strong> Santo Antônio que<br />

leva esse <strong>no</strong>me devi<strong>do</strong> ao estilo arquitetônico com oitão. Segun<strong>do</strong> explicou, o pai de<br />

<strong>no</strong>me Jorge era sapateiro e resolveu vender bebida para ampliar a renda. Tempo<br />

depois a esposa <strong>do</strong> sapateiro passou a fazer alguns pratos bastante elogia<strong>do</strong>s. O<br />

lugar conquistou sua clientela, porém com as ações de remoção populacional <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> o antigo possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> ponto teve que sair <strong>do</strong> casarão. Algum tempo depois o<br />

mesmo foi compra<strong>do</strong> pelo Iguatemi fazen<strong>do</strong> parte das 35 edificações adquiridas pelo<br />

grupo.<br />

Além da sapataria a família também teve que sair da casa onde morava na<br />

Ladeira <strong>do</strong> Baluarte, que pertencia a uma ordem religiosa que a vendeu. A história<br />

<strong>do</strong> Sr. Jorge tendia a acompanhar a da maioria das pessoas que sofrem com o<br />

processo de gentrification. No entanto <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2010, o empresário muda o rumo<br />

de sua história. Em acor<strong>do</strong> com Associação de Geólogos da Bahia ele reforma o<br />

prédio da associação - espaço que se encontrava em esta<strong>do</strong> precário de<br />

210


conservação - e põe seu estabelecimento para funcionar. A associação continua se<br />

reunin<strong>do</strong> na parte de cima <strong>do</strong> prédio.<br />

O restaurante por sua vez agra<strong>do</strong>u a clientela e hoje é um <strong>do</strong>s poucos<br />

espaços <strong>do</strong> bairro que é bastante frequenta<strong>do</strong> tanto pela população local como por<br />

turistas. A participação da família também foi fundamental para o sucesso <strong>do</strong><br />

empreendimento, desde o empréstimo que os irmãos deram ao empresário até a<br />

colaboração da esposa e das filhas que assumem o trabalho com o pai.<br />

Ele também conta que além <strong>do</strong> conhecimento <strong>no</strong> ramo, o que tem si<strong>do</strong><br />

fundamental para que seu negócio prospere, é o conhecimento que o mesmo<br />

adquiriu em suas experiências profissionais, em fábricas e cursos, que lhe ajudaram<br />

a ter visão de gerenciamento.<br />

O caso <strong>do</strong> Sr. Jorge, filho <strong>do</strong> fina<strong>do</strong> sapateiro Sr. Ulisses, é um excelente<br />

exemplo de como um investimento certo, feito por alguém <strong>do</strong> lugar pode gerar<br />

melhorias que beneficiam não somente o bairro e a cidade como também<br />

conservam tradições manten<strong>do</strong> a população e conservan<strong>do</strong> as estruturas<br />

urbanísticas. Esse é também um exemplo que pode ser correlaciona<strong>do</strong> com o caso<br />

das upgradings comenta<strong>do</strong> <strong>no</strong> capítulo 4. Além disso, também pode se falar em<br />

geração de renda e emprego, dinamismo econômico e fortalecimento de laços que<br />

permitem a realização de um turismo de qualidade por parte <strong>do</strong>s visitantes.<br />

Mais exemplos como esse podem ser encontra<strong>do</strong>s, mesmo que sejam<br />

pontuais eles não devem ser ofusca<strong>do</strong>s, pois, apontam a possibilidade de se<br />

trabalhar um <strong>no</strong>vo modelo para a cidade de Salva<strong>do</strong>r como to<strong>do</strong>, mas em especifico<br />

o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>. Tu<strong>do</strong> indica que o principal fator presente <strong>no</strong><br />

sucesso <strong>do</strong> Sr. Jorge, resume-se a palavra: educação <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de capacitação,<br />

mas, também <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de conhecimento e instrução.<br />

6.9 SWOT<br />

Dos méto<strong>do</strong>s de analise diag<strong>no</strong>stico espacial que subsidiam o planejamento<br />

estratégico o SWOT é um <strong>do</strong>s mais simples e conheci<strong>do</strong>s. Trata-se de uma sigla das<br />

palavras inglesas: Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats, traduzidas como<br />

Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças, respectivamente. Para alguns<br />

analistas o conhecimento estratégico <strong>do</strong> SWOT já era utiliza<strong>do</strong> e ensina<strong>do</strong> a 500<br />

211


a<strong>no</strong>s antes de Cristo por Sun TZU "Concentre-se <strong>no</strong>s pontos fortes, reconheça as<br />

fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças" (TZU, 2002, p.)<br />

O general chinês também chamava a atenção para a importância de um bom<br />

estrategista conhecer a geografia <strong>do</strong> lugar se quiser vencer as batalhas travadas. É<br />

basea<strong>do</strong> nas premissas básicas <strong>do</strong> conhecimento estratégico, <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s levanta<strong>do</strong>s<br />

e expostos durante o trabalho que se chegou ao modelo apresenta<strong>do</strong> <strong>no</strong> quadro 5.<br />

Quadro 05: Análise <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> pelo méto<strong>do</strong> SWOT<br />

Ambiente Inter<strong>no</strong> Ambiente Exter<strong>no</strong><br />

FORÇAS FRAQUEZAS OPORTUNIDADES AMEAÇAS<br />

Conservação das<br />

Programas de<br />

População Local edificações Programas de Recuperação Recuperação<br />

Condições sociais da Visita de Expoentes<br />

História<br />

população<br />

Baixa capacitação <strong>do</strong><br />

mundiais Holding LGR<br />

Geografia empresário Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> Especulação Imobiliária<br />

Baixa escolaridade da Congresso Mundial de Difusão da cultura de<br />

Cultura<br />

população<br />

Capoeira<br />

massa<br />

Paisagem Renda Baixa Carnaval Tráfico de Drogas<br />

Artistas Violência Estrangeirismo<br />

Conjunto<br />

Urbanístico Tráfico de Drogas<br />

Relevo Morfologia <strong>do</strong> Relevo<br />

Carnaval<br />

Capoeira<br />

Culinária<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Somente com um pa<strong>no</strong>rama inter<strong>no</strong> bem equilibra<strong>do</strong> é possível aproveitar as<br />

oportunidades e se defender das ameaças. A grande questão <strong>no</strong> planejamento<br />

muitas vezes perpassa por esse problema. Não adianta semear em terre<strong>no</strong> que não<br />

esteja prepara<strong>do</strong> para receber as sementes. Dessa forma as oportunidades, quan<strong>do</strong><br />

ocorrem em ambientes desprepara<strong>do</strong>s, podem ser desperdiçadas e em alguns<br />

casos até mesmo se tornar ameaças. De maneira contraria, um ambiente bem<br />

prepara<strong>do</strong> à situações hostis pode anular ameaças e até mesmo convertê-las em<br />

oportunidades.<br />

As forças e fraquezas estão relacionadas ao ambiente inter<strong>no</strong> da área<br />

estudada e dizem respeito aos aspectos que podem contribuir ou atrapalhar <strong>no</strong><br />

desenvolvimento <strong>do</strong> lugar. Naturalmente que as forças muitas vezes são<br />

potencialidades que precisam ser trabalhadas para que se tornem mais efetivas. As<br />

fraquezas por outro la<strong>do</strong> devem ser reorientadas a fim de minimizar os pontos de<br />

vulnerabilidade.<br />

212


Com essa breve explicação e observan<strong>do</strong> as experiências vivenciadas <strong>no</strong><br />

parque <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> nas últimas décadas, não fica difícil compreender os<br />

principais motivos da crise vivenciada na área mesmo com tantas forças que a<br />

mesma possui.<br />

Inicialmente é importante realçar o fator da capacitação e da educação como<br />

fundamentais para o sucesso de qualquer programa de recuperação. Alguns <strong>do</strong>s<br />

casos conta<strong>do</strong>s demonstraram que empresários bem instruí<strong>do</strong>s e capacita<strong>do</strong>s,<br />

conseguiram diante da situação desfavorável vivida <strong>no</strong>s bairros estuda<strong>do</strong>s se<br />

aproveitar das oportunidades e utilizan<strong>do</strong> suas potencialidades converter a situação<br />

a seu favor. Até mesmo levantan<strong>do</strong> capital para subsidiar seus projetos.<br />

O grande fracasso <strong>do</strong>s primeiros projetos de recuperação <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> pode ser atribuí<strong>do</strong> principalmente ao caráter meramente estrutural,<br />

mesmo que tenha ocorri<strong>do</strong> a preocupação em manter a diversidade populacional da<br />

área, não foi oferecida aquela população meios de preservar e até mesmo ampliar<br />

os benefícios adquiri<strong>do</strong>s. Esse ponto foi inclusive reconheci<strong>do</strong> na entrevista com o<br />

Sr. Clarin<strong>do</strong> Silva.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o projeto considera<strong>do</strong> como sucesso que envolveu as seis<br />

primeiras etapas já abordadas, não somente manteve as duas falhas anteriores,<br />

como agravou os problemas <strong>no</strong>s lugares afeta<strong>do</strong>s pelo fato de ter tira<strong>do</strong> a<br />

organicidade que um bairro possui. Ao transformar o espaço de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> de<br />

<strong>Pelourinho</strong> em um shopping center a céu aberto, o lugar perdeu sua essência. Não<br />

se pode negar a importância das ações estatais <strong>no</strong> contexto de preservar a estrutura<br />

física. Ao mesmo tempo é preciso reconhecer que além <strong>do</strong> grave problema da<br />

desertificação e artificialização, o grande entrave não só da área estudada, mas<br />

como de to<strong>do</strong> o país diz respeito a uma má capacitação <strong>do</strong> empresaria<strong>do</strong> e a um<br />

contexto cultural e educacional <strong>do</strong> povo soteropolita<strong>no</strong> que compromete os<br />

investimentos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />

Nesse ponto o projeto pensa<strong>do</strong> pela Luciana Rique, parece mais interessante<br />

<strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de mesclar as áreas residenciais com espaços culturais e de lazer,<br />

juntamente com as lojas de grife não encontradas em shoppings. De fato isso pode<br />

atrair uma parcela da população da cidade para ir consumir o espaço, mas, <strong>do</strong>is<br />

pontos não podem ser negligencia<strong>do</strong>s. O primeiro é que existem outros lugares na<br />

cidade competin<strong>do</strong> com o espaço em questão e o segun<strong>do</strong> é que a essência <strong>do</strong><br />

213


lugar que já está afetada pode ser ainda mais comprometida devi<strong>do</strong> ao aumento da<br />

especulação imobiliária.<br />

As forças <strong>do</strong> lugar estão atreladas a tu<strong>do</strong> o que já foi produzi<strong>do</strong> até hoje na<br />

história da cidade que se confunde com a <strong>do</strong> espaço estuda<strong>do</strong>. Foram realça<strong>do</strong>s<br />

alguns aspectos de muitos que poderiam ser lista<strong>do</strong>s com o intuito de ressaltar que<br />

a grande riqueza da cidade de Salva<strong>do</strong>r é seu patrimônio cultural e quem conserva<br />

esse patrimônio de forma genuína é a sua população. Todavia uma parte<br />

considerável dessa população que é a força também consiste na grande fraqueza,<br />

devi<strong>do</strong> a fatores relaciona<strong>do</strong>s à baixa qualificação profissional, despreparo diante<br />

das pressões <strong>do</strong> capitalismo e de uma cultura muitas vezes <strong>no</strong>civa à própria cidade.<br />

Um exemplo dessa cultura <strong>no</strong>civa são os homens que pelas ruas urinam nas<br />

paredes de casas e muros. Outro exemplo diz respeito ao lixo que a população joga<br />

<strong>no</strong> chão e mesmo que a ausência de lixeira justificasse é comum se observar<br />

pessoas jogan<strong>do</strong> lixo <strong>no</strong> chão ten<strong>do</strong> lixeira ao la<strong>do</strong>. Atrela<strong>do</strong> a isso a baixa<br />

capacidade financeira compromete possibilidades de investimento por parte <strong>do</strong>s que<br />

moram <strong>no</strong> lugar.<br />

As oportunidades surgem com eventos locais que possam incorporar uma<br />

cadeia mundial, como <strong>no</strong> caso da capoeira e <strong>do</strong> carnaval, mas, também a partir da<br />

estruturação de possibilidades por meio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e até mesmo <strong>do</strong> grande capital.<br />

No primeiro caso, é importante fortalecer as nuanças locais para que as mesmas<br />

não se prejudiquem diante da expansão. Para o sucesso <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> caso é<br />

necessário se pensar em uma reestruturação da estrutura de maneira mais ampla,<br />

partin<strong>do</strong> desde questões burocráticas, questões de fiscalização contra a corrupção e<br />

também a reformulação <strong>no</strong> sistema educacional que precisa ser prioriza<strong>do</strong>.<br />

Ainda há ameaças com relação ao tráfico de drogas que fortalece a violência.<br />

Pode-se somar a isso a difusão de uma cultura de massa e uma tendência de<br />

valorizar os modelos exter<strong>no</strong>s em detrimento da riqueza de possibilidades<br />

encontradas <strong>no</strong> lugar. Para tais questões é aponta<strong>do</strong> mais uma vez o fortalecimento<br />

da cultura através de medidas que valorizem a educação.<br />

214


6.10 Por Uma Sociedade da Educação, Por uma Geografia <strong>do</strong> Ubuntu<br />

215<br />

“Fala-se muito em deixar um mun<strong>do</strong> melhor para os <strong>no</strong>ssos filhos. Quero<br />

saber quan<strong>do</strong> se falará em deixar filhos melhores para o <strong>no</strong>sso mun<strong>do</strong>”<br />

(Hebert Viana)<br />

Na atualidade são correntes os debates sobre qualidade de vida e<br />

desenvolvimento sustentável. Documentos como a Carta da Terra, propõem a<br />

garantia de um mun<strong>do</strong> equilibra<strong>do</strong> onde haja a solidariedade da atual geração com<br />

as gerações futuras. Contu<strong>do</strong>, assim como afirma a epigrafe de Hebert Viana, como<br />

podemos falar sobre um planeta melhor em uma sociedade cujos valores que são<br />

transmiti<strong>do</strong>s incentivam o consumo desenfrea<strong>do</strong> ao invés da solidariedade?<br />

Podemos pensar em uma sociedade mais harmônica, quan<strong>do</strong> o que há é o incentivo<br />

à competição em todas as esferas <strong>no</strong> lugar <strong>do</strong> espirito de coletividade? E quanto aos<br />

valores que buscam a ostentação e superficialidade da imagem ao invés da<br />

valorização <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>?<br />

Pode-se dizer que esses são os sintomas que contaminaram a humanidade<br />

como um vírus <strong>do</strong> espírito. O filme MATRIX, faz uma analogia interessante, em um<br />

mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelas máquinas, onde a humanidade vive em uma realidade virtual<br />

manti<strong>do</strong>s em verdadeiras “plantações” de seres huma<strong>no</strong>s, onde os mesmos<br />

encontram-se eternamente a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s na falsidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> “real”.<br />

No momento em que o protagonista <strong>do</strong> filme descobre que existe algo de<br />

erra<strong>do</strong> nessa realidade, desencadeia-se to<strong>do</strong> o enre<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> momento em que<br />

ele tem que fazer a escolha entre a pílula vermelha (que o faria conhecer a<br />

verdadeira realidade) e a pílula azul, onde ele continuaria optan<strong>do</strong> pela ilusão <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>.<br />

Ao escolher a pílula vermelha o protagonista desperta de seu so<strong>no</strong> e enxerga<br />

o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelas máquinas que <strong>no</strong> caso poderia representar a técnica. Esse<br />

mun<strong>do</strong> diferente <strong>do</strong> pinta<strong>do</strong> em <strong>no</strong>ssas mentes é um mun<strong>do</strong> destruí<strong>do</strong> pelo próprio<br />

homem que agora é refém de sua própria criação – a tec<strong>no</strong>logia.<br />

Essa historia repleta de símbolos e filosofia parece contar a história <strong>do</strong><br />

homem, pois, muito mais <strong>do</strong> que uma ficção futurística, MATRIX poderia ser<br />

completamente transposta para a <strong>no</strong>ssa realidade. Sen<strong>do</strong> assim, dentro da chamada<br />

fábula da globalização apontada por Santos (2003) em 1999, é que se des<strong>do</strong>bra o<br />

tripé que compõe o processo.


A sociedade está impregnada pela “necessidade” de consumir, por viver a<br />

artificialidade da aparência e por uma competição voraz nas diversas esferas o que<br />

termina por influenciar to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>do</strong> ser huma<strong>no</strong>. Arte, ciência, filosofia,<br />

cultura, família, empresas, merca<strong>do</strong> e lugar são produzi<strong>do</strong>s e molda<strong>do</strong>s nesses três<br />

aspectos, o que representa uma ameaça à existência de uma sociedade solidaria e<br />

acima de tu<strong>do</strong> consciente.<br />

Alguns exemplos podem elucidar a questão apontada, como <strong>no</strong> caso da<br />

música. Fala-se muito na perda da qualidade das produções musicais e isso ocorre<br />

principalmente porque a música, assim como a arte foi <strong>do</strong>minada pela lógica<br />

empresarial capitalista que ao invés de valorizar o que é realmente artístico, busca<br />

simplesmente o lucro. Nesse senti<strong>do</strong> a música, assim como a arte é tratada como<br />

um produto que precisa ter a sua “roupagem” trabalhada para se tornar comercial,<br />

ao mesmo tempo em que devi<strong>do</strong> à competição <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> musical há uma produção<br />

massificada <strong>do</strong> que parece ser o estilo <strong>do</strong> momento. Então se uma música que<br />

tenha como refrão “aeh aeh” fizer sucesso, logo surgirão dezenas, ou quem sabe<br />

centenas de músicas iguais, tentan<strong>do</strong> reproduzir a fórmula. Perde-se a originalidade<br />

para se apostar na produção <strong>do</strong> que a “massa” vai gostar.<br />

Com isso termina-se moldan<strong>do</strong> o gosto da maioria, com a produção da cultura<br />

de massa. Não faz muito tempo que <strong>no</strong> povo brasileiro vivenciava um fervilhamento<br />

cultural, ten<strong>do</strong>, por exemplo, o movimento tropicalista. Até mesmo nas músicas<br />

desprovidas de cunho político havia uma qualidade poética e melódica. Será então<br />

que é o povo quem gosta da cultura de massa ou é a proliferação dessa “cultura”<br />

que faz o povo gostar dela. Isso para não contar o privilégio que se dá à aparência<br />

em detrimento <strong>do</strong> som, à mediocridade da cópia <strong>do</strong> já existente, ao invés da<br />

originalidade.<br />

No caso brasileiro, o gover<strong>no</strong> parece por outro la<strong>do</strong> buscar através de<br />

medidas ”populistas” corroborar a cultura da mediocridade, com ações que buscam<br />

fortalecer essas tendências. Não se trata aqui de uma critica à essencial cultura<br />

popular, mas, sim da mediocridade da produção da cultura, muitas vezes defendida<br />

na própria academia.<br />

Já que o ponto é a academia, pode-se falar também <strong>do</strong> próprio papel <strong>do</strong><br />

intelectual, como é aponta<strong>do</strong> por autores como, Schopenhauer, Nietzche,<br />

Heidegger, Santos, dentre outros, quan<strong>do</strong> criticam a produção acadêmica focada na<br />

216


quantidade ao invés da qualidade. A critica aos “intelectuais” da quantidade, é que<br />

esses parecem mais estar preocupa<strong>do</strong>s em colecionar títulos, <strong>do</strong> que em oferecer<br />

contribuições relevantes para o mun<strong>do</strong>.<br />

O próprio sistema acadêmico - copia <strong>do</strong> modelo estadunidense - termina por<br />

incentivar essa produção desenfreada, pois, para se ter financiamento, bolsas ou<br />

uma colocação maior em uma seleção é preciso ter produção em quantidade. Com<br />

isso, produz-se muito e pensa-se pouco. Escreve-se muito, mas, pouco se aproveita.<br />

É fundamental pensar em uma mudança nas estruturas de ensi<strong>no</strong> <strong>do</strong> país<br />

caso se queira obter resulta<strong>do</strong>s efetivos na melhoria de diversas áreas da sociedade<br />

e eco<strong>no</strong>mia e <strong>no</strong> meio ambiente. Sabe-se que hoje um <strong>do</strong>s maiores entrave para o<br />

desenvolvimento nacional é a carência de mão de obra qualificada. Alia<strong>do</strong> a<br />

sociedade da produção e <strong>do</strong> consumo desenfrea<strong>do</strong> aumenta o número de lixos em<br />

to<strong>do</strong>s os aspectos – a começar pelo lixo acadêmico até o orgânico.<br />

217<br />

Só por meio da mudança de <strong>no</strong>sso mun<strong>do</strong> institucional podemos ao mesmo<br />

tempo modificar a nós mesmos, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> como apenas por meio <strong>do</strong><br />

desejo de mudar a nós mesmos pode a mudança institucional ocorrer.<br />

(HARVEY, 2004, p.245)<br />

Essa transformação na estrutura educacional pode começar pelo conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

ensi<strong>no</strong>, o que já seria um grande avanço. Hoje os colégios ditos de qualidade,<br />

preparam seus alu<strong>no</strong>s para o vestibular ao invés de dar uma formação para a vida.<br />

Na outra ponta <strong>do</strong> processo têm-se escolas amontoadas de alu<strong>no</strong>s com professores<br />

mal remunera<strong>do</strong>s que precisam aprovar de qualquer forma para embelezar as<br />

estatísticas <strong>do</strong> ensi<strong>no</strong> <strong>no</strong> país. Porém só o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> ensi<strong>no</strong> não é suficiente. É<br />

importante rever os valores que tem si<strong>do</strong> transmiti<strong>do</strong> para as atuais gerações.<br />

Nos últimos seis a<strong>no</strong>s, cinco escolas foram fechadas <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong>, algumas desativadas pelo Esta<strong>do</strong>, outras compradas pelo Iguatemi.<br />

Talvez se siga aqui o caminho inverso <strong>do</strong> que seria fundamental trazer para essa<br />

área. Em um lugar com o potencial <strong>do</strong> <strong>Parque</strong>, porquê não se fazer um projeto que<br />

fomente instituições de ensi<strong>no</strong>, de capacitação e culturais que possam dar<br />

movimento à região, trazer pessoas para habitarem o lugar ao mesmo tempo que<br />

esse espaço se integre com os outros da cidade em seu modelo turístico. Amplian<strong>do</strong><br />

a concepção de um centro histórico para uma Arkhêr Geógrafica.<br />

É importante integrar à região aqueles que são historicamente excluí<strong>do</strong>s. Não<br />

faz senti<strong>do</strong> continuar com o eter<strong>no</strong> jogo de empurra para com a população mais


carente, onde a mesma fica renegada ao resto <strong>do</strong>s projetos assistencialistas. Essa<br />

integração requer um pensamento a longo prazo. Com projetos de capacitação e<br />

acima de tu<strong>do</strong> geração de oportunidades para que esse grupo possa ser aproveita<strong>do</strong><br />

<strong>no</strong> merca<strong>do</strong> de trabalho.<br />

A solidariedade começa mudan<strong>do</strong> a postura e o olhar para com as camadas<br />

mais desprovidas da sociedade. Se a classe mais abastada quer paz, é preciso<br />

mobilizar muito mais <strong>do</strong> que passeatas ou manifestações a favor dela. É necessário<br />

pensar em formas mais efetivas de gerar oportunidades para os grupos excluí<strong>do</strong>s.<br />

Antes de encerrar o assunto sobre a educação e até mesmo antes de iniciar as<br />

considerações finais, é importante compartilhar mais uma ideia, trata-se <strong>do</strong> Ubuntu.<br />

O texto relaciona<strong>do</strong> foi encontra<strong>do</strong> em diversas fontes na internet.<br />

218<br />

"A jornalista e filósofa Lia Diskin, <strong>no</strong> Festival Mundial da Paz, em Floripa<br />

(2006), <strong>no</strong>s presenteou com um caso de uma tribo na África chamada<br />

Ubuntu.<br />

Ela contou que um antropólogo estava estudan<strong>do</strong> os usos e costumes da<br />

tribo e, quan<strong>do</strong> termi<strong>no</strong>u seu trabalho, teve que esperar pelo transporte que<br />

o levaria até o aeroporto de volta pra casa. Sobrava muito tempo, mas ele<br />

não queria catequizar os membros da tribo; então, propôs uma brincadeira<br />

pras crianças, que achou ser i<strong>no</strong>fensiva.<br />

Comprou uma porção de <strong>do</strong>ces e guloseimas na cidade, botou tu<strong>do</strong> num<br />

cesto bem bonito com laço de fita e tu<strong>do</strong> e colocou debaixo de uma árvore.<br />

Aí ele chamou as crianças e combi<strong>no</strong>u que quan<strong>do</strong> ele dissesse "já!", elas<br />

deveriam sair corren<strong>do</strong> até o cesto, e a que chegasse primeiro ganharia<br />

to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>ces que estavam lá dentro.<br />

As crianças se posicionaram na linha demarcatória que ele desenhou <strong>no</strong><br />

chão e esperaram pelo sinal combina<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> ele disse "Já!",<br />

instantaneamente todas as crianças se deram as mãos e saíram corren<strong>do</strong><br />

em direção à árvore com o cesto. Chegan<strong>do</strong> lá, começaram a distribuir os<br />

<strong>do</strong>ces entre si e a comerem felizes.<br />

O antropólogo foi ao encontro delas e perguntou por que elas tinham i<strong>do</strong><br />

todas juntas se uma só poderia ficar com tu<strong>do</strong> que havia <strong>no</strong> cesto e, assim,<br />

ganhar muito mais <strong>do</strong>ces.<br />

Elas simplesmente responderam: "Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia<br />

ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?"<br />

Ele ficou desconcerta<strong>do</strong>! Meses e meses trabalhan<strong>do</strong> nisso, estudan<strong>do</strong> a<br />

tribo, e ainda não havia compreendi<strong>do</strong>, de verdade, a essência daquele<br />

povo... Ou... Jamais teria proposto uma competição, certo?<br />

Ubuntu significa: "Sou quem sou, porque somos to<strong>do</strong>s nós!"<br />

Atente para o detalhe: porque SOMOS, não pelo que temos."<br />

(http://sites.google.com/site/filosofiapopular/home/ubuntu acessa<strong>do</strong> em<br />

17/07/2011)<br />

Poderia se encerrar esse capítulo com algum desfecho sobre os problemas<br />

da gentrification <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, mas, a opção em concluir com o<br />

conceito de Ubuntu parte da concepção de que, os problemas vivencia<strong>do</strong>s na área<br />

estudada são muito mais a consequência de uma conjuntura da estrutura mundial.


Seria ingênuo pensar que somente as ações locais poderão transformar o lugar, por<br />

outro la<strong>do</strong> é fundamental o fortalecimento nesse nível de escala. Só com medidas<br />

desse nível já é possível sonhar com dias melhores.<br />

Uma mudança <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> seria o grande diferencial para o alcance <strong>do</strong><br />

conceito de Ubuntu. Essa ideia pode parecer utópica, talvez a resposta esteja <strong>no</strong><br />

lugar. É o que <strong>no</strong>s afirmam autores como Santos (1999) e Harvey (1999), ambos<br />

com termos otimistas, seja por outra globalização, ou pelos espaços de esperança.<br />

Sabe-se da importância da ciência geográfica para a promoção da arte da guerra<br />

como já afirmava Lacoste.<br />

A guerra não precisa ser bélica, hoje em dia evita-se falar <strong>do</strong> amor, até<br />

mesmo na academia. Há um me<strong>do</strong> em se misturar as coisas, como se a razão não<br />

pudesse ser guiada pelos <strong>no</strong>bres sentimentos. Prefere-se aqui acreditar <strong>no</strong> contrário<br />

e defende-se que a Geografia sirva antes de tu<strong>do</strong> para promover o amor. Que esta<br />

ciência magnífica continue seu caminho para ser uma Geografia <strong>do</strong> Ubuntu.<br />

219


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O entendimento <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da palavra gentrification em sua raiz é<br />

importante para a compreensão <strong>do</strong> que ela busca definir. A utilização da mesma<br />

como chave entre a literatura mundial para especificar um tipo de processo urba<strong>no</strong><br />

que ocorre em bairros históricos - que são de uma forma mais especifica liga<strong>do</strong>s ao<br />

centro original e a periferia histórica da cidade - se dá pela comum utilização <strong>do</strong><br />

termo em outros países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>, optou-se também em não aportuguesar<br />

o termo por conta de <strong>do</strong>is fatores. O primeiro é que a palavra não tem um senti<strong>do</strong><br />

real <strong>no</strong> português. O segun<strong>do</strong> é que conservan<strong>do</strong> o termo em sua raiz original, é<br />

reforça<strong>do</strong> o alerta de que a palavra foi concebida em uma realidade estrangeira à<br />

brasileira, e que por isso mesmo não pode ser aplicada sem uma flexibilização.<br />

Ainda <strong>no</strong> caminho de reflexões sobre os termos mais relaciona<strong>do</strong>s ao tema de<br />

estu<strong>do</strong>, percebeu-se que a definição de gentrification delimita um recorte espacial,<br />

temporal e social. É espacial porque em sua definição mais comum é um tipo de<br />

processo urba<strong>no</strong> que ocorre especificamente <strong>no</strong>s centros históricos das cidades. Já<br />

nessa parte é preciso fazer uma ressalva, pois, <strong>no</strong> aprofundamento <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de<br />

casos o que se observa é que o recorte espacial <strong>do</strong> termo está mais relaciona<strong>do</strong> à<br />

parte de uma área concreta e existente <strong>do</strong> que se conceituou nesse trabalho como a<br />

Arkhêr Geográfica de uma cidade. Sen<strong>do</strong> assim, esse recorte espacial é relativo a<br />

bairros que corresponderiam ao centro original e à periferia histórica urbana.<br />

Com relação ao recorte temporal os autores atribuem a decorrência <strong>do</strong><br />

processo como posterior ao êxo<strong>do</strong> de uma população mais rica <strong>do</strong>s centros urba<strong>no</strong>s<br />

para as periferias, o que permitiu que as antigas edificações fossem ocupadas por<br />

uma população mais pobre. Esse recorte temporal tem um marco que se dá após o<br />

fordismo, que facilitou o êxo<strong>do</strong> dessa população. Contu<strong>do</strong> isso não significa que<br />

essa migração tenha ocorri<strong>do</strong> ao mesmo tempo em todas as cidades <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />

muito me<strong>no</strong>s que tenha si<strong>do</strong> só por esse motivo ou só nesse perío<strong>do</strong>. Após algum<br />

tempo com a valorização das questões culturais e patrimoniais, ocorre o interesse<br />

de outro tipo de população mais abastada por essas áreas que antes foram<br />

aban<strong>do</strong>nadas e ocupadas por uma classe mais pobre. Com isso há o retor<strong>no</strong> dessa<br />

classe com maior poder aquisitivo, substituin<strong>do</strong> gradativamente – ou não – a<br />

220


população mais pobre que ali residia. Esse fato configura o recorte social <strong>do</strong><br />

processo estuda<strong>do</strong>.<br />

Essa revalorização das áreas que geralmente encontra-se em um mal esta<strong>do</strong><br />

de conservação, implica <strong>no</strong> aumento da especulação imobiliária e com isso há uma<br />

intensificação <strong>do</strong> processo de substituição, seja por ação de agentes econômicos,<br />

seja pelos promotores imobiliários ou em muitos casos pelas ações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Por<br />

conta disso foi necessário compreender o papel <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

espaço e a combinação de suas atuações para traçar um perfil da gentrification na<br />

área de estu<strong>do</strong> desse trabalho. Duas considerações teóricas foram importantes para<br />

<strong>no</strong>rtear o pensamento durante a pesquisa. Primeiramente, que <strong>no</strong> caso das cidades<br />

como Salva<strong>do</strong>r que possuem grande peso histórico em sua formação, os agentes<br />

modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> ainda possuem alguma influência na atualidade, mesmo<br />

que secundaria em relação aos agentes <strong>do</strong> presente. A outra questão é que a<br />

combinação de interesses entre os agentes é complexa e por conta disso,<br />

gentrification é um conceito essencialmente caótico. Outro ponto a se considerar é<br />

que o caos na gentrification não se dá somente pela complexidade existente na<br />

inter-relação de fatores que envolvem o processo, mas, também por conta da<br />

imprevisibilidade <strong>do</strong> que pode acontecer nas áreas afetadas.<br />

Ao analisar as características <strong>do</strong> processo, chegou-se a constatação de que há<br />

uma grande similaridade <strong>do</strong> próprio com outro tipo de processo que se dá em escala<br />

mundial, a globalização. O entendimento de que a gentrification tenha surgi<strong>do</strong> em<br />

momento anterior ao atual estagio da mundialização não descarta a possibilidade <strong>do</strong><br />

primeiro ser um produto <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>, pelo fato de que ambos sofreram modificações<br />

em sua forma de acontecimento. Concluiu-se a partir disso que apesar da<br />

gentrification como estratégia de produção ter origem especifica em um lugar, a sua<br />

difusão como estratégia de produção <strong>do</strong> espaço tem por base a globalização <strong>do</strong><br />

processo. Dessa forma os <strong>do</strong>is processos estarão pauta<strong>do</strong>s em um tripé composto<br />

pela sociedade da imagem, <strong>do</strong> consumo e da competição. Essa tríade globalizatoria<br />

que transforma tu<strong>do</strong> em produto, também atua na cidade e por consequência, dentre<br />

tantos outros espaços urba<strong>no</strong>s, os espaços “gentrifica<strong>do</strong>s” deixam de ser espaços<br />

<strong>do</strong> cidadão, onde deveria imperar a lógica <strong>do</strong> habitar, para se tornarem produtos.<br />

Como produto a cidade e os seus lugares precisam ser consumi<strong>do</strong>s e de um publico<br />

para tal. É isso que a priori justifica a substituição populacional existente nas áreas<br />

221


“gentrificadas”, que por conta de seu conteú<strong>do</strong> histórico e patrimonial são<br />

potencialmente qualificadas para serem produzidas na lógica turística e <strong>do</strong>s<br />

“consumi<strong>do</strong>res culturais”.<br />

Ten<strong>do</strong> o entendimento de que a maior força potencial de um lugar são os seus<br />

habitantes e de que uma população mal preparada pode se constituir como uma<br />

fraqueza é que se defende a ideia de que independente <strong>do</strong> objetivo, seja<br />

planejamento para turismo ou industrialização, com uma população bem qualificada,<br />

instruída, educada e preparada para a demanda <strong>do</strong> lugar, é possível aproveitar as<br />

oportunidades e se fortalecer contra as ameaças externas. Essa afirmação, <strong>no</strong><br />

entanto não serve para defender que deva haver a substituição da população<br />

original, mas, para explicitar o fato de que se <strong>no</strong>s modelos pensa<strong>do</strong>s há uma<br />

necessidade de substituição <strong>do</strong> publico, é porque existem problemas estruturais que<br />

vão muito além de uma análise superficial que se resume ao lugar. É necessário<br />

repensar to<strong>do</strong> o sistema a começar pelo educacional, essa revisão social parte de<br />

uma esfera que está além da local, apesar disso as respostas perante a<br />

globalização estão justamente <strong>no</strong>s lugares.<br />

Alia<strong>do</strong> à importância de fortalecer as bases sociais de um lugar vem o<br />

entendimento de que qualquer modelo de planejamento rígi<strong>do</strong> e pauta<strong>do</strong> em uma<br />

única força estará vulnerável aos eventos caóticos. Com a elaboração da Teoria <strong>do</strong><br />

Caos foi desbancada a concepção de exatidão que sempre foi ponto de apoio das<br />

ciências “exatas”. Essa <strong>no</strong>ção de precisão foi aplicada muitas vezes pelas ciências<br />

humanas, sen<strong>do</strong> que em muitos casos ocorreu à tentativa frustrada de sua aplicação<br />

o que é um erro grave. Com isso a Teoria <strong>do</strong> Caos apesar de ser uma comprovação<br />

matemática, se adequa perfeitamente às ciências humanas, principalmente porque<br />

ela <strong>no</strong>s alerta sobre a imprevisibilidade <strong>do</strong>s fenôme<strong>no</strong>s caóticos. Partin<strong>do</strong> dessa<br />

premissa, fez-se um esforço para reunir em um modelo os diversos elementos <strong>do</strong><br />

espaço geográfico de forma a representar as suas múltiplas e simultâneas<br />

possibilidades de conexão uns com os outros e assim ilustrar a complexidade <strong>do</strong><br />

objeto de estu<strong>do</strong>. A esse modelo representativo de<strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u-se Esferário.<br />

Aprofundan<strong>do</strong> o entendimento sobre a gentrification, através <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de<br />

caso realiza<strong>do</strong>s por diferentes autores em diversos lugares <strong>do</strong> planeta, é perceptível<br />

que não é adequa<strong>do</strong> falar em um único tipo de gentrification, mas em distintas<br />

formas que se aproximam conceitualmente pelo recorte espacial social e temporal.<br />

222


Essas variam pela qualidade, intensidade, intencionalidade <strong>do</strong>s agentes e maneira<br />

de espacialização pelo qual o processo ocorre. Nesse senti<strong>do</strong> o caso de Salva<strong>do</strong>r<br />

apresenta traços de similaridade com os casos apresenta<strong>do</strong>s, mas, na verdade a<br />

cidade possui sua própria dinâmica o que leva ao entendimento de forma singular <strong>do</strong><br />

processo decorrente na mesma. Ao contrapor essas características, com o debate<br />

sobre a utilização <strong>do</strong> termo o que levou a predileção pela permanência da sua raiz<br />

inglesa e ao se fazer um jogo com o conceito de rugosidade, chegou a uma<br />

conceituação <strong>do</strong> processo ocorrente <strong>no</strong> caso de Salva<strong>do</strong>r como se tratan<strong>do</strong> de uma<br />

plasticização. Isso significa que <strong>no</strong> caso da cidade, a lógica plástica justifica e se<br />

sobrepõe à essência vital <strong>do</strong>s lugares que é a sua população.<br />

Visan<strong>do</strong> resgatar uma pequena parte <strong>do</strong> que representara a essência da<br />

cidade, percorreu-se um breve caminho onde se contrapôs os elementos <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong> com os <strong>do</strong> presente para demonstrar, <strong>no</strong> caso soteropolita<strong>no</strong>, como as<br />

concepções de planejamento em muitos momentos parecem carecer de uma leitura<br />

das vocações inerentes a história da cidade e sua região. Assim elementos<br />

paisagísticos como a vista de Salva<strong>do</strong>r para Baía de To<strong>do</strong>s os Santos e da Baía de<br />

To<strong>do</strong>s os Santos para Salva<strong>do</strong>r, foi combina<strong>do</strong> com análise das estruturas físicas<br />

como <strong>no</strong> caso das linhas de bonde que conectavam a cidade. Ao mesmo tempo<br />

foram expostos traços <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> da população a exemplo da principal festa da<br />

cidade, o Carnaval. Uma análise bem elaborada sobre esse passa<strong>do</strong> requereria um<br />

maior aprofundamento, mas, o objetivo principal de traçar um comparativo entre o<br />

cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong>s bairros históricos da Salva<strong>do</strong>r <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e da Salva<strong>do</strong>r que sofre a<br />

gentrification foi alcança<strong>do</strong>. O intuito dessa comparação entre os tempos é de<br />

mostrar que apesar da importância <strong>do</strong> conjunto urbanístico <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong> se o mesmo estiver desprovi<strong>do</strong> de sua população, perderá a sua<br />

essência. Um exemplo quanto a isso é que foi essa população que construiu o<br />

Carnaval que hoje é a festa que mais atrai turistas para a cidade. Em contrapartida o<br />

espaço carnavalesco, mesmo que composto por empresários locais é cada vez mais<br />

reserva<strong>do</strong> ao grande capital e me<strong>no</strong>s apropria<strong>do</strong> para o folião que não queira gastar<br />

muito dinheiro com os espaços priva<strong>do</strong>s. Ao analisar o Carnaval soteropolita<strong>no</strong>,<br />

chegasse à constatação de que Salva<strong>do</strong>r possui uma espécie diferente de<br />

gentrification que ocorre nessa festa, seria uma gentrification carnavalesca.<br />

223


Ainda com relação a essa população, é importante lembrar que foi a<br />

combinação de inúmeros fatores que ocasio<strong>no</strong>u o surgimento <strong>do</strong> estilo musical<br />

conheci<strong>do</strong> como Samba Reggae. Essa combinação de fatores só foi possível<br />

através da diversidade cultural e populacional. Um exemplo é que <strong>no</strong> inicio o<br />

Olodum tocava com a bateria <strong>do</strong> bloco Os Corujas, ambos, blocos compostos<br />

inicialmente pelas populações <strong>do</strong>s bairros <strong>do</strong> Maciel e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo<br />

respectivamente. Com a força da cultura musical evidenciada, surgiram as<br />

oportunidades que foram aproveitadas <strong>no</strong> perío<strong>do</strong>. É com a vinda <strong>do</strong> cantor Paul<br />

Simon que grava em 1990 o clipe The Obvious Child e posteriormente com o grande<br />

astro da música mundial Michael Jackson que gravou em 1996 They Dont Care<br />

About Us, que a cidade de Salva<strong>do</strong>r e em especial o grupo Olodum bem como o<br />

Centro <strong>Histórico</strong> ficam conheci<strong>do</strong>s mundialmente.<br />

Além <strong>do</strong>s marcos musicais a área estudada teve <strong>do</strong>is importantes marcos em<br />

sua configuração espacial que foram considera<strong>do</strong>s para esse trabalho como<br />

divisores de água <strong>no</strong> processo de gentrification. O primeiro momento é o <strong>do</strong><br />

tombamento <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> em 1985, o segun<strong>do</strong> é o das ações<br />

de remoção populacional que ocorrem na área em 1993, por força estatal. Essas<br />

duas datas foram arbitradas para dividir três grupos populacionais. O grupo I,<br />

corresponden<strong>do</strong> aos que <strong>no</strong> recorte temporal se adequariam potencialmente como<br />

gentrifica<strong>do</strong>res, in<strong>do</strong> <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> que vai de 1993 até os tempos atuais. O grupo II<br />

seria uma faixa intermediaria situada entre 1985 e 1993. O grupo III seria composto<br />

por uma população que não se adequaria aos moldes <strong>do</strong> processo estuda<strong>do</strong>.<br />

Contu<strong>do</strong>, nunca é demais lembrar que cada grupo não corresponde a uma totalidade<br />

poden<strong>do</strong> haver representantes <strong>do</strong> I <strong>no</strong> III e vice versa. Somente a análise temporal<br />

seria inadequada e poderia induzir erros. Com isso foram observa<strong>do</strong>s também<br />

outros critérios como origem da população, conservação das edificações e alguns<br />

indica<strong>do</strong>res econômicos para se avaliar o perfil desses <strong>no</strong>vos e antigos mora<strong>do</strong>res e<br />

assim se compreender se a substituição populacional se adéqua <strong>no</strong>s critérios da<br />

gentrification.<br />

Após a espacialização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s foi possível a compreensão <strong>do</strong> perfil<br />

populacional e da sua espacialização na área estudada. Dessa forma foram<br />

identificadas três zonas bem delimitadas. A primeira a sul <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong> corresponde a uma área com perfil quase que totalmente comercial.<br />

224


Essa área diz respeito à que sofreu as primeiras intervenções estatais. Nela está<br />

concentrada a maior quantidade de instituições governamentais e não<br />

governamentais bem como uma mistura entre antigos e <strong>no</strong>vos proprietários.<br />

Contu<strong>do</strong> há também uma grande quantidade de unidades imobiliárias vazias. A<br />

situação <strong>do</strong> esvaziamento se amplia na área central onde fica o bairro <strong>do</strong> Carmo,<br />

nessa área a presença de mora<strong>do</strong>res antigos é mais pontual pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> principal<br />

eixo da especulação, onde fica a Rua <strong>do</strong> Carmo, e <strong>do</strong> Passo. Ao <strong>no</strong>rte o processo se<br />

expande seguin<strong>do</strong> a uma retilineidade pela Rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio, mas se<br />

irradian<strong>do</strong> pelas adjacências. No extremo <strong>no</strong>rte e <strong>no</strong>roeste <strong>do</strong> bairro se encontra a<br />

população mais antiga, população essa que muitas vezes é originaria de outras ruas<br />

da poligonal, mas, que com a saída de suas residências pela pressão da<br />

especulação imobiliária foi para essa área.<br />

O principal agente “gentrifica<strong>do</strong>r” na área não é um promotor imobiliário e sim<br />

um agente econômico. O grupo Iguatemi que na verdade é o holding LGR, tem<br />

adquiri<strong>do</strong> imóveis por decisão da empresaria Luciana Rique <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e<br />

Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo com a finalidade de montar um projeto que se<br />

assemelha ao de um shopping Center a céu aberto, apesar da negação por conta da<br />

mesma. A diferença é que ela pretende mesclar as funções comerciais com a<br />

residencial. O fato é que até o momento se forem somadas as inúmeras situações<br />

de edificações que se encontram desabitadas com as que foram adquiridas pelo<br />

grupo Iguatemi, tem-se um número considerável de áreas vazias <strong>no</strong> <strong>Parque</strong><br />

<strong>Histórico</strong>. Esse indicativo leva a conclusão de que a área passa por um processo de<br />

desfuncionalização consequente de uma desertificação social. Os da<strong>do</strong>s<br />

pesquisa<strong>do</strong>s em outro trabalho deste autor compara<strong>do</strong>s com os atuais também<br />

apontaram que pelo me<strong>no</strong>s a Rua Direita <strong>do</strong> Santo Antônio, já passa por um<br />

segun<strong>do</strong> processo de substituição. Isso é constata<strong>do</strong> uma vez que, antes <strong>do</strong> atual<br />

momento ocorreu outra leva de substituição onde o numero de estrangeiros <strong>no</strong><br />

logra<strong>do</strong>uro era maior.<br />

O grupo <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s por sua vez é excluí<strong>do</strong> socialmente, porém só é possível<br />

se falar de uma exclusão espacial parcial devi<strong>do</strong> a <strong>do</strong>is fatores. O primeiro é que<br />

esse grupo sain<strong>do</strong> <strong>do</strong>s espaços onde o processo ocorre com maior intensidade, se<br />

realoca nas proximidades se reinserin<strong>do</strong> até <strong>no</strong>s mesmos espaços em alguns casos.<br />

Outro fator é que as próprias políticas estatais atualmente não visam mais um<br />

225


ealocamento populacional para áreas distantes e sim a remoção dessa população<br />

das áreas de risco para que possam habitar logra<strong>do</strong>uros próximos à poligonal como<br />

<strong>no</strong> caso da Avenida Jequitaia por exemplo. Isso é mais um caso que demonstra a<br />

complexidade <strong>do</strong> objeto de estu<strong>do</strong>.<br />

7.1 As forças, fraquezas, oportunidades e ameaças <strong>do</strong> lugar.<br />

As forças de um objeto podem ser o primeiro ponto a se pensar quan<strong>do</strong> se<br />

objetiva planejar algo. No caso da área estudada, toda trajetória dessa pesquisa<br />

apontou a população local como sen<strong>do</strong> a maior riqueza da mesma. Esse elemento<br />

vem acompanha<strong>do</strong> da historicidade e geografia que se combina com o conjunto<br />

urbanístico forman<strong>do</strong> um espaço peculiar. É esse elemento quem traz vida para o<br />

lugar e a ele estão atrela<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os elementos da geografia, história, cultura e das<br />

tradições que permanecem até hoje. A palavra tradição em alguns momentos parece<br />

soar como vocação. Essa está presente <strong>no</strong>s traços <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> porque é carregada<br />

pelos habitantes <strong>do</strong> lugar e transmitida de geração em geração. Isso significa que<br />

não é preciso muito esforço para mobilizar os elementos de força de uma área<br />

planejada e sim uma boa estratégia para saber aproveitá-los.<br />

O grande perigo da substituição populacional que vem ocorren<strong>do</strong> na área diz<br />

respeito à perda <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e conhecimento que cada habitante carrega consigo<br />

para se estabelecer um ambiente superficial, pauta<strong>do</strong> somente na estética<br />

urbanística. Esse perigo se dá em todas as instâncias. No lugar por sua<br />

descaracterização, na cidade porque as ações locais possuem repercussões em<br />

toda a extensão municipal que tem seus problemas sociais amplia<strong>do</strong>s e também <strong>no</strong><br />

turismo. Um exemplo para ilustrar a situação é a de imaginar um turista que visite<br />

uma aldeia indígena. Ao chegar ao lugar ele encontra belas ocas e uma vegetação<br />

esplen<strong>do</strong>rosa, mas, ao invés de índios se depara com ricos europeus que se<br />

identifican<strong>do</strong> com o estilo de vida, adquiriram uma oca para morar. No mínimo<br />

haverá uma frustração por parte <strong>do</strong> visitante porque não poderá exercer um contato<br />

legitimo com a outra cultura que visita. Também se deve tomar cuida<strong>do</strong> para que o<br />

contrário não ocorra, ou seja, que não se espetacularize a população e o seu<br />

cotidia<strong>no</strong>. Um equilíbrio deve ser manti<strong>do</strong> para que os habitantes <strong>do</strong> lugar<br />

226


conservem seus hábitos e possam se beneficiar das oportunidades que o turismo<br />

traz, caso contrário essa atividade pode se tornar uma ameaça ao lugar.<br />

A população é o elemento de força, contu<strong>do</strong> o seu despreparo diante das<br />

oportunidades e ameaças torna a mesma um elemento de fraqueza. Os <strong>do</strong>is<br />

principais eixos que estão relaciona<strong>do</strong>s a esse despreparo dizem respeito à baixa<br />

capacitação e ou qualificação profissional que são atreladas de uma forma geral à<br />

má educação e o segun<strong>do</strong> a baixa remuneração de parte desses habitantes. É<br />

importante destacar que uma pessoa bem qualificada e educada amplia suas<br />

possibilidades de aumentar sua renda. Então ao final da questão pode-se delimitar a<br />

maior fraqueza <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> como sen<strong>do</strong> atrela<strong>do</strong> a um<br />

sistema educacional de má qualidade. Contu<strong>do</strong> uma reforma nas instâncias de<br />

ensi<strong>no</strong> implica medidas que precisam ser pensadas em longo prazo, dessa forma o<br />

caso brasileiro e por consequência a soteropolitana passa por outra dificuldade que<br />

diz respeito ao imediatismo das políticas pública.<br />

7.2 Proposições para o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong><br />

As proposições para o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> precisam ser pensadas<br />

em três instâncias. A estrutural que implica em uma reformulação nas questões<br />

estatais que vão desde as prioridades de investimento <strong>do</strong> gover<strong>no</strong> até os órgãos<br />

executores de projetos que muitas vezes são desprovi<strong>do</strong>s de corpo técnico<br />

qualifica<strong>do</strong>. A segunda é a local que diz respeito às medidas a serem realizadas <strong>no</strong><br />

lugar. A ela estão ligadas as reformas das edificações e os projetos realiza<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s<br />

bairros da poligonal de estu<strong>do</strong> e até mesmo <strong>do</strong> seu entor<strong>no</strong>. A terceira diz respeito a<br />

uma concepção da área como compon<strong>do</strong> um sistema geográfico e histórico muito<br />

maior <strong>do</strong> que o da poligonal de estu<strong>do</strong>. Isso implica em um planejamento que<br />

ultrapasse a visão local e tenha foco <strong>no</strong> regional, <strong>no</strong> nacional e <strong>no</strong> mundial. Para<br />

esse caso, uma boa opção consiste em voltar às vistas para a Baía de To<strong>do</strong>s os<br />

Santos e toda possibilidade que oferece o Recôncavo.<br />

227


7.2.1 Proposições estruturais<br />

Observa-se que em alguns casos, <strong>no</strong> Esta<strong>do</strong> e órgãos públicos, há um<br />

problema estrutural que impede com que as coisas caminhem com celeridade e<br />

muitas vezes com qualidade. Isso ocorre independente da boa vontade de alguns<br />

em fazer acontecer os projetos. Esses projetos podem até possuir uma excelente<br />

qualidade em sua concepção, mas, são prejudica<strong>do</strong>s <strong>no</strong> decorrer da execução. Ao<br />

mesmo tempo a pressão política para que os mesmos aconteçam é grande. Esses<br />

fatores terminam agravan<strong>do</strong> o fato de que em determinadas ocasiões os trabalhos<br />

sejam desenvolvi<strong>do</strong>s sem a qualidade necessária que demandaria maior tempo,<br />

planejamento e estruturação. Ainda podem ser ressalta<strong>do</strong>s em certos aspectos<br />

problemas relaciona<strong>do</strong>s com a burocracia estatal que acarretam em morosidade <strong>no</strong><br />

desenvolvimento das ações por parte <strong>do</strong> mesmo.<br />

No caso <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, o primeiro problema já começa na<br />

análise fundiária. Após um a<strong>no</strong> de experiência <strong>no</strong> setor de regularização fundiária da<br />

CONDER, observou-se que além de um corpo técnico limita<strong>do</strong> para dar conta de<br />

to<strong>do</strong>s os projetos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, o setor ainda contava com erros técnicos graves<br />

cometi<strong>do</strong>s em outras situações, como <strong>no</strong> caso de algumas edificações que foram<br />

selecionadas para uma intervenção <strong>do</strong> REMEMORAR, mas, que em seu memorial<br />

descritivo encontrava-se com as coordenadas erradas. Para tentar resolver o<br />

problema o setor contrata empresas que terceirizam o trabalho, o problema é que<br />

elas também não possuem o conhecimento adequa<strong>do</strong> para a execução <strong>do</strong>s<br />

cadastros técnicos o que termina por aumentar o trabalho <strong>do</strong>s examina<strong>do</strong>res que se<br />

encontram <strong>no</strong> setor. Além disso, na própria CONDER existem vários setores fazen<strong>do</strong><br />

coisas parecidas e essa situação fica ainda mais complicada quan<strong>do</strong> se estende<br />

essa realidade para outros órgãos da prefeitura e até <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, como <strong>no</strong> caso da<br />

SEDUR.<br />

Ainda existem as instâncias federais que exigem, com rigidez, o cumprimento<br />

<strong>do</strong>s critérios estabeleci<strong>do</strong>s para fornecimento de recursos, como os órgãos<br />

estaduais e municipais não estão prepara<strong>do</strong>s para as oportunidades, terminam as<br />

perden<strong>do</strong> ou travan<strong>do</strong> o andamento. Um exemplo é o <strong>do</strong> Programa de Aceleração<br />

ao Crescimento lança<strong>do</strong> pelo Gover<strong>no</strong> Federal, que não teve em 2010 nenhum<br />

projeto de expressão envia<strong>do</strong> pelo esta<strong>do</strong> da Bahia por conta <strong>do</strong> acumulo de to<strong>do</strong>s<br />

228


os fatores já menciona<strong>do</strong>s. Ainda pode-se destacar o desconhecimento da<br />

contribuição de muitos tipos de profissionais para os trabalhos que são muitas vezes<br />

mo<strong>no</strong>poliza<strong>do</strong>s por uma categoria profissional que não está qualificada a realizar<br />

todas as atribuições que determinada atividade exige.<br />

Uma reformulação na máquina estatal é necessária visan<strong>do</strong> o melhoramento<br />

de suas ações. O primeiro passo, a se dar é a realização de uma reforma nas<br />

estruturas <strong>do</strong>s órgãos públicos, diminuin<strong>do</strong> a quantidade de setores que fazem as<br />

mesmas coisas e ao mesmo tempo amplian<strong>do</strong> os corpos técnicos com profissionais<br />

qualifica<strong>do</strong>s. A revisão também das atribuições profissionais é necessária ten<strong>do</strong> por<br />

finalidade colocar pessoas com a formação adequada <strong>no</strong>s cargos públicos, pois,<br />

infelizmente esses cargos têm si<strong>do</strong> ocupa<strong>do</strong>s por indicação política ou com o intuito<br />

de conservar o mo<strong>no</strong>pólio profissional de uma ou duas categorias.<br />

Como já aponta<strong>do</strong> anteriormente a estrutura educacional também é um ponto<br />

que precisa ser revisto e nesse caso é importante um grande empenho das esferas<br />

federal, estadual e municipal. A proliferação de cursos, particulares, de nível superior<br />

e o enfraquecimento <strong>do</strong> ensi<strong>no</strong> público em to<strong>do</strong>s os graus é um ponto preocupante.<br />

Primeiramente porque não é com a formação de universitários mal qualifica<strong>do</strong>s que<br />

se resolverão as questões de emprego <strong>no</strong> país. Além disso, continuam haven<strong>do</strong><br />

áreas com carência profissional, <strong>no</strong> caso de Salva<strong>do</strong>r, por exemplo, muitas vezes<br />

quan<strong>do</strong> uma atividade se instala é necessário trazer profissionais de outros esta<strong>do</strong>s<br />

e até países para realizar as funções necessárias. Mais importante <strong>do</strong> que ter<br />

milhares de advoga<strong>do</strong>s e administra<strong>do</strong>res forma<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os a<strong>no</strong>s é ter um merca<strong>do</strong><br />

sorti<strong>do</strong> de profissionais. Cursos técnicos constituem uma boa opção.<br />

Uma revisão <strong>no</strong> conteú<strong>do</strong> que tem se transmiti<strong>do</strong> aos jovens também é<br />

importante. Atualmente as escolas preparam pessoas para fazer o vestibular e por<br />

conta disso são sacrifica<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s importantes para a formação <strong>do</strong> individuo<br />

enquanto cidadão. Noções de cidadania, cultura e também de administração,<br />

empreende<strong>do</strong>rismo, artes e esportes, são negligencia<strong>do</strong>s. No caso de Salva<strong>do</strong>r,<br />

quan<strong>do</strong> se fala de esportes há um foco <strong>no</strong> futebol e <strong>no</strong> caso das artes, quan<strong>do</strong><br />

existem projetos volta<strong>do</strong>s para essa área em muitos casos se ensina os garotos a<br />

tocar tambor. O problema não está <strong>no</strong> futebol nem na percussão e sim na pouca<br />

diversificação. Reformular o ensi<strong>no</strong> é fundamental para fortalecer a população e<br />

prepará-la para enfrentar o mun<strong>do</strong> contemporâneo.<br />

229


7.2.2 Proposições para os lugares<br />

O primeiro ponto a se pensar sobre o processo de gentrification é que não é<br />

possível revertê-lo. No estagio em que ele se encontra já se alterou muito <strong>do</strong> que se<br />

defende nessa pesquisa como sen<strong>do</strong> fundamental para o lugar. Observa-se que o<br />

avanço <strong>do</strong> processo que se deu em três etapas, termi<strong>no</strong>u por setorizar as áreas <strong>no</strong>s<br />

bairros. Para a população mais antiga ficaram as ruas a leste que são as situadas<br />

atrás <strong>do</strong>s logra<strong>do</strong>uros principais. Esses eixos também correspondem aos que não<br />

possuem vista para o mar. O maior problema <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>no</strong> passa<strong>do</strong> foi o da má<br />

conservação das estruturas físicas. Hoje a área enfrenta uma desertificação social e<br />

uma crise <strong>no</strong> setor comercial com o fechamento de várias casas. Por outro la<strong>do</strong><br />

existem casos pontuais de <strong>no</strong>vos empreendimentos que estão surgin<strong>do</strong>, parecen<strong>do</strong><br />

desencadear um <strong>no</strong>vo momento. Quan<strong>do</strong> o grupo Iguatemi iniciar o seu projeto a<br />

especulação imobiliária tenderá a aumentar e se expandir para o seu entor<strong>no</strong>. Nesse<br />

caso com a valorização <strong>do</strong>s bairros <strong>do</strong> Carmo e Santo Antônio Além <strong>do</strong> Carmo<br />

poderá haver um efeito de reverberação <strong>no</strong> Maciel e ao mesmo tempo uma<br />

ampliação da substituição populacional <strong>no</strong>s bairros <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Pelourinho</strong>.<br />

Algumas medidas podem ser tomadas para mitigar os impactos da substituição<br />

populacional e até mesmo fixar a população na área. A primeira opção a se trabalhar<br />

consiste em instalar instituições de ensi<strong>no</strong> em prédios de grande porte. Um exemplo<br />

é a antiga Faculdade de Medicina, situada <strong>no</strong> <strong>Pelourinho</strong>, outro exemplo são os<br />

colégios que havia <strong>no</strong>s bairros e que foram to<strong>do</strong>s desativa<strong>do</strong>s. Poderão ser<br />

forneci<strong>do</strong>s cursos, técnicos ou universitários, com essa medida será possível<br />

dinamizar <strong>do</strong>is aspectos, o primeiro é o de uma maior movimentação nesses<br />

espaços melhoran<strong>do</strong> a eco<strong>no</strong>mia local, o segun<strong>do</strong> é o de oferecer possibilidades de<br />

qualificação profissional que é um <strong>do</strong>s pontos críticos na cidade. Parte desses<br />

cursos pode inclusive ser voltada para a população <strong>do</strong> entor<strong>no</strong> com o objetivo de<br />

qualificá-la para atividades empresariais ou em áreas administrativas ou preparan<strong>do</strong>-<br />

a para receber atividades turísticas.<br />

O esta<strong>do</strong> também precisa retomar a promoção de shows e eventos que foi uma<br />

marca forte <strong>do</strong> gover<strong>no</strong> anterior, porém, deixada de la<strong>do</strong> na gestão atual. Contu<strong>do</strong><br />

230


somente a promoção de eventos não é suficiente. É importante criar mecanismos de<br />

valorização <strong>do</strong>s artistas locais. Os bairros <strong>do</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> abrigam um grande<br />

número de bandas de diversos gêneros, como forró, rock, samba e de artistas<br />

individuais que cantam da bossa <strong>no</strong>va e MPB à música sacra. A fomentação de<br />

projetos como a <strong>do</strong> cantor Jerônimo na escadaria <strong>do</strong> Pilar ou o Samba <strong>do</strong> Santo<br />

Antônio <strong>no</strong> Largo <strong>do</strong> Santo Antônio, é um elemento diferencial para a área que ainda<br />

conserva as praças como espaço de convívio.<br />

Centros culturais e museus podem servir de elo para em parte resgatar na<br />

memória da população o passa<strong>do</strong> dessas áreas históricas e por outro desenvolver<br />

projetos de manutenção das práticas culturais ali existentes. A existência de escolas<br />

que pudessem ter projetos conecta<strong>do</strong>s com todas essas atividades seria também<br />

uma forma de ampliar o dinamismo <strong>do</strong> lugar.<br />

O dialogo com a população deve ser manti<strong>do</strong>, inclusive com a aplicação de<br />

técnicas de análise diagnóstico, através de práticas coletivas para se sondar quais<br />

as necessidades que a mesma tem. Além <strong>do</strong> SWOT, outros méto<strong>do</strong>s de análise<br />

podem ser aplica<strong>do</strong>s, possibilitan<strong>do</strong> não somente a identificação de problemas como<br />

de metas e prioridades a serem trabalhadas. Um ponto importante que envolve a<br />

utilização dessas técnicas é o da necessidade de uma população articulada. Sabe-<br />

se da existência de algumas associações de mora<strong>do</strong>res, porém nenhuma com<br />

grande atuação. As entidades religiosas por sua vez constituem um grande trunfo<br />

como agente de articulação para reuniões com parte dessa população.<br />

Até certo ponto, as propostas apresentadas não são <strong>no</strong>vidades. Muitos são os<br />

projetos existentes para o <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong>, inclusive alguns já foram<br />

implementa<strong>do</strong>s e que não deram certo, mas, que podem ser retoma<strong>do</strong>s como <strong>no</strong><br />

caso de uma administração especifica para a área, que está estabeleci<strong>do</strong> <strong>no</strong> decreto<br />

estadual 7.894 de 1987. Outro projeto <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Kertész – 1986/1989 – tentou<br />

angariar patrocina<strong>do</strong>res para cada quadra <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> e dessa forma<br />

conseguir recursos para a manutenção das estruturas. Ambas as ideias devem ser<br />

fortalecidas, não necessariamente da mesma forma, mas, observan<strong>do</strong> a importância<br />

de que a área possa ter uma administração local que disponha de meios a levantar<br />

recursos, além <strong>do</strong>s que são injeta<strong>do</strong>s pelo gover<strong>no</strong>.<br />

231


7.2.3 Proposição para conjuntura regional<br />

Pensar <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> em seu contexto regional é observar<br />

a história contida em sua Arkhêr Geográfica. Isso implica em uma articulação da<br />

área com o mar, que pode ocorrer <strong>no</strong> caso da área especificamente com programas<br />

turísticos e de lazer que a conectem com a região <strong>do</strong> recôncavo. Também há a<br />

possibilidade de se pensar eco<strong>no</strong>micamente as atividades comerciais existentes <strong>no</strong>s<br />

bairros <strong>do</strong> <strong>Parque</strong>, se forem cria<strong>do</strong>s mecanismos que facilitem a importação <strong>do</strong>s<br />

produtos vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Recôncavo com o objetivo de comercializá-los.<br />

Partin<strong>do</strong> dessa premissa podem-se estender as propostas apresentadas<br />

anteriormente para to<strong>do</strong> Recôncavo com o objetivo de fortalecer as estruturas locais.<br />

Um <strong>do</strong>s pontos importantes nas medidas de integração e de desenvolvimento <strong>do</strong>s<br />

municípios da região consiste também na redução <strong>do</strong> êxo<strong>do</strong> populacional das áreas<br />

me<strong>no</strong>s favorecidas que implica <strong>no</strong>s problemas sociais enfrenta<strong>do</strong>s pela metrópole.<br />

7.3 Assim<br />

O processo de gentrification <strong>no</strong> <strong>Parque</strong> <strong>Histórico</strong> <strong>do</strong> <strong>Pelourinho</strong> encontra-se em<br />

um estagio defini<strong>do</strong> nesse trabalho como desertificação social. Isso significa que<br />

atualmente ocorre um esvaziamento da área diretamente influenciada pela forte<br />

especulação imobiliária. Contu<strong>do</strong>, as ações <strong>do</strong>s agentes modela<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espaço<br />

indicam que a qualquer momento poderá ocorrer um <strong>no</strong>vo boom imobiliário com a<br />

possibilidade da vinda de <strong>no</strong>vos mora<strong>do</strong>res para o lugar. Bairros que antes eram<br />

essencialmente residenciais têm a sua função redirecionada com um crescimento<br />

das atividades comerciais nas áreas de maior valorização.<br />

No entanto, não será surpresa se em pouco tempo – mais ce<strong>do</strong> <strong>do</strong> que se<br />

possa imaginar – o processo entre em um <strong>no</strong>vo declínio. Afirma-se que não há<br />

surpresa nisso, pois, basta observar a evolução das ações <strong>do</strong>s agentes que<br />

modelam o espaço estuda<strong>do</strong>, para compreender que a repetição <strong>do</strong>s mesmos erros<br />

de outros momentos – agora de forma mais sofisticada, podem proporcionar um<br />

<strong>no</strong>vo fracasso nas intervenções que estão ocorren<strong>do</strong>.<br />

232


Não se pretende ter uma visão maniqueísta sobre o processo. Sabe-se que<br />

com ele vieram benefícios e problemas para o lugar. Os benefícios estão na<br />

conservação das estruturas físicas, contu<strong>do</strong> o grande perigo <strong>do</strong> processo está na<br />

rápida substituição de sua população que termina por afetar o cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> lugar e<br />

da população. Por fim, é preciso compreender que tão importante como preservar o<br />

patrimônio urbanístico da cidade é preservar, o outro principal patrimônio <strong>do</strong> lugar,<br />

que é a população e sua histórica relação com a localidade. Qualquer ação que<br />

desprivilegie tanto uma característica quanto a outra será deficiente e prejudicial,<br />

logo vulnerável às criticas.<br />

233


8. REFEÊNCIAS<br />

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Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

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APÊNDICE A2 – Carmo<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

241


APÊNDICE A3 – Maciel / <strong>Pelourinho</strong><br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

242


APÊNDICE B – Tabela de atributos <strong>do</strong> ARCGIS<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

242


APÊNDICE C – Tabela de atributos para pesquisa de campo<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pelo autor<br />

243


236

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