18 cândi<strong>do</strong> | jornal da biblioteca pública <strong>do</strong> paraná ensaio | Wilson bueno Matheus Dias
Joca reiners Terron Encontran<strong>do</strong>-me diante da incumbência de escrever um artigo sobre Wilson bueno (1949-2010), percorri as empoeiradas prateleiras de minha estante em busca de seus livros, sem encontrá-los. deveriam estar lá, mas tinham desapareci<strong>do</strong>, assim como o próprio bueno. como lembrança um tanto tímida, restava apenas a <strong>edição</strong> tipográfica de Manual de zoofilia, realizada pela editora noa noa em 1991. em seu frontispício me deparei com a seguinte inscrição: “rapto poético opera<strong>do</strong> na livraria Ghignone, setembro de 1993, curitiba.” a letra torta, sem dúvida, é minha; igualmente, a mania avessa de roubar livros. com isso, cogitei a possibilidade de que os outros títulos de bueno, quem sabe um troco devolvi<strong>do</strong> a este bibliófilo gatuno pelo destino, tivessem si<strong>do</strong> rouba<strong>do</strong>s por um vicia<strong>do</strong> torpe qualquer. a chance de ter aconteci<strong>do</strong> não é remota, pois mantenho convivência intensa com os de minha laia. e boa parte <strong>do</strong>s livros <strong>do</strong> autor paranaense terminam por inspirar tal comportamento tão repreensível (de repente lembro que escrevo para o veículo impresso de uma biblioteca), pois são raros. contu<strong>do</strong> sua rareza não é resumida à dificuldade de encontrá-los, estenden<strong>do</strong>-se ao conteú<strong>do</strong> estranho e à fatura incomum. numa paráfrase <strong>do</strong> excerto de Shakespeare que abre o Manual, é possível afirmar que os livros de Wilson bueno são afins com o reino animal porque gritam quan<strong>do</strong> são li<strong>do</strong>s e esse grito pode enlouquecer quem os lê. São, portanto, o puro grito de uma subjetividade, como afirmou leminski. por muito tempo, porém, Wilson atendeu por nome diferente entre os poetas de minha quadrilha, uns tara<strong>do</strong>s por literatura que se reuniam em volta de um trailer de cachorro-quente chama<strong>do</strong> baleia azul, no campus da ilha <strong>do</strong> Fundão em frente à faculdade de letras no final <strong>do</strong>s anos 1980, e depois, na jornal da biblioteca pública <strong>do</strong> paraná | cândi<strong>do</strong> 19 rouban<strong>do</strong> Wilson bueno Profeta barroco, Wilson Bueno anteviu seu próprio final entre as linhas tortuosas de Mano, a noite está velha, seu belo testamento literário. Assassina<strong>do</strong> brutalmente no ano passa<strong>do</strong>, sua perda ainda não foi de to<strong>do</strong> assimilada pelo meio cultural brasileiro. E não é de to<strong>do</strong> irrepreensível pensar que, enquanto roubávamos seus livros, alguém o roubava de nós Unesp de bauru <strong>do</strong>s anos 1990. nessa época, to<strong>do</strong>s esses delinquentes chamavam Wilson bueno de Nicolau, suplemento literário que fez a cabeça de uma geração inteira e cuja identificação com seu editor só não era maior <strong>do</strong> que aquela existente conosco, seus leitores. Éramos então o próprio Nicolau, e através de sua absorção periódica nos tornávamos um pouco representantes da geração de escritores publicada em suas páginas. Havia um iceberg emergin<strong>do</strong> ali que representava a ponta da literatura a ser produzida na década seguinte. em suma, ao sermos to<strong>do</strong>s nicolaus, nos tornávamos — matogrossenses, paulistas, cariocas — um tanto paranaenses. ou ao menos assim desejávamos sê-lo: um pouco Valêncio Xavier e Manoel carlos Karam; um mix nipoguarani de alice ruiz com josely Vianna baptista; mezzo leminski mezzo jamil Snege: totalmente Wilson “nicolau” bueno. através das páginas <strong>do</strong> jornal também aprendemos a nos