15.04.2013 Views

a lei dos crimes hediondos ea constitucionalidade da - Lade Som

a lei dos crimes hediondos ea constitucionalidade da - Lade Som

a lei dos crimes hediondos ea constitucionalidade da - Lade Som

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

I<br />

A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS E A CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO<br />

DO CUMPRIMENTO DA PENA ATENDENDO A FORMA PROGRESSIVA<br />

Ms. Marilise Ana Deon 1<br />

RESUMO: Este artigo abor<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> Lei 8.072/90 no que tange<br />

a ve<strong>da</strong>ção do cumprimento <strong>da</strong> pena, pelo apenado pela prática de crime hediondo, de forma<br />

progressiva. Partindo do conceito de crime hediondo, bem como <strong>da</strong> sua previsão<br />

constitucional, chegamos às correntes doutrinárias que se alongam na abor<strong>da</strong>gem do tema,<br />

apresentando argumentos favoráveis e contrários à <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> norma em foco. Por<br />

fim, apresentamos uma conclusão acerca <strong>da</strong> temática e a bibliografia utiliza<strong>da</strong>.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Crimes. Hediondo. Progressão de regime. Constitucionali<strong>da</strong>de.<br />

In<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong>.<br />

ABSTRACT: This article approaches the subject of the constitutionality of the Law 8.072/90<br />

in what it plays the prohibition of the execution of the f<strong>ea</strong>ther, for the condemned for the<br />

practice of vile infraction, in a progressive way. L<strong>ea</strong>ving of the concept of vile infraction, as<br />

well as of your constitutional forecast, we arrived to the currents doctrinaires that you/they are<br />

prolongateed in the approach of the theme, presenting favorable arguments and contrary to the<br />

constitutionality of the norm in focus. Finally, we presented a conclusion concerning the<br />

thematic and the used bibliography.<br />

KEY-WORDS: Infraction. hideous. Regimen Progression. Constitutionality.<br />

Unconstitutionality.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

O direito penal constitui um sistema de controle social de caráter enérgico, que é<br />

exercido através de um conjunto de normas que definem as infrações penais e trazem a<br />

previsão <strong>da</strong>s sanções correspondentes.<br />

A Lei 8.072/90, Lei <strong>dos</strong> Crimes Hedion<strong>dos</strong> faz parte <strong>da</strong> legislação penal<br />

extravagante, e traz em seu bojo a previsão <strong>dos</strong> <strong>crimes</strong> considera<strong>dos</strong> de maior gravi<strong>da</strong>de social<br />

que passaram a ser trata<strong>da</strong>s com uma forma punitiva mais agressiva por parte do Estado.<br />

1 Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS. Professora de Direito Penal do Univag – Centro Universitário e<br />

Legislação Penal Extravagante. Assessora Jurídica de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Mato<br />

Grosso.


II<br />

A referi<strong>da</strong> <strong>lei</strong> atendeu ao clamor social por uma legislação mais severa, contudo,<br />

constata-se colidir com alguns princípios penais e, sob determina<strong>dos</strong> aspectos com a<br />

Constituição Federal, o que revela um contra-senso <strong>da</strong> Lei 8.072/90 com algumas normas<br />

vigentes no ordenamento jurídico brasi<strong>lei</strong>ro.<br />

Nesse contexto, buscaremos fazer uma abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> <strong>lei</strong> <strong>dos</strong> <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>,<br />

adentrando em dois pontos especiais e discutíveis nela previstos: a impossibili<strong>da</strong>de do<br />

cumprimento progressivo <strong>da</strong> pena pelo condenado pela prática de crime hediondo ou<br />

assemelhado, como regra, e a possibili<strong>da</strong>de de concessão do livramento condicional.<br />

2. A PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA TERMINOLOGIA ‘CRIME HEDIONDO’.<br />

A expressão “crime hediondo” foi aplica<strong>da</strong> pela primeira vez na Constituição<br />

Federal de 1988, em seu art. 5º, inc. XLIII 2 , não correspondendo a uma expressão usual do<br />

direito penal brasi<strong>lei</strong>ro.<br />

A terminologia utiliza<strong>da</strong> pela Carta Política de 1988 com o intuito de representar<br />

condutas merecedoras de maior restrição por parte do Estado, que em seu rigor limita direitos<br />

e garantias do apenado. A Carta Magna de 1988 ao invés de fornecer uma noção clara do que<br />

se entenderia por crime hediondo, trato apenas de rotular, com a expressão “hediondo” alguns<br />

tipos de <strong>crimes</strong> descritos no Código Penal e de <strong>lei</strong>s esparsas 3 .<br />

No Brasil, Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, ressaltam que<br />

“crime hediondo não é o que no caso concreto se mostra repugnante, asqueroso (...) por sua<br />

gravi<strong>da</strong>de objetiva, ou por seu modo ou meio de execução, ou pela finali<strong>da</strong>de do agente, mas<br />

sim aquele definido de forma taxativa pelo legislador ordinário. 4 ”<br />

Com relação ao conteúdo <strong>da</strong> <strong>lei</strong> <strong>dos</strong> <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>, o ponto central <strong>da</strong>s<br />

restrições impostas refere-se a delitos por ela elenca<strong>dos</strong> que não são passíveis de fiança,<br />

anistia, indulto e graça, estendendo-se além do texto constitucional para o efeito de negar a<br />

2<br />

Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil de 1988, artigo 5º, inciso XLIII: "A <strong>lei</strong> considerará <strong>crimes</strong> inafiançáveis<br />

e insuscetíveis de graça ou anistia a prática <strong>da</strong> tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o<br />

terrorismo e os defini<strong>dos</strong> como <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>, por eles respondendo os man<strong>da</strong>ntes, os executores e os que,<br />

podendo evitá-los, se omitirem".<br />

3<br />

FRANCO, Alberto Silva; SILVA JUNIOR, José et. al. Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. São<br />

Paulo, Revista <strong>dos</strong> Tribunais, 1995. p. 398-399.<br />

4<br />

MORAES, Alexandre de; Smanio, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 8ª ed. São Paulo: Atlas,<br />

2005, p. 58.


III<br />

liber<strong>da</strong>de provisória e a possibili<strong>da</strong>de de aplicarmos o sistema progressivo de cumprimento<br />

<strong>da</strong> pena, conforme disposto no art. 33, § 2° 5 do Código Penal Brasi<strong>lei</strong>ro.<br />

É exatamente a ve<strong>da</strong>ção trazi<strong>da</strong> pela Lei 8.072/90, com relação a possibili<strong>da</strong>de de<br />

transferência do apenado com o regime de cumprimento <strong>da</strong> pena fechado para um regime<br />

mais brando que passamos a observar sob a égide <strong>da</strong> Constitucionali<strong>da</strong>de.<br />

3. VEDAÇÃO DA APLICABILIDADE DA PROGRESSÃO DE REGIME PELA LEI<br />

8.072/90 E SUA CONSTITUCIONALIDADE<br />

O Código Penal, conforme retro mencionado, consagrou o sistema progressivo de<br />

cumprimento <strong>da</strong> pena. Essa possibili<strong>da</strong>de traz ao apenado a esperança de tornar menos<br />

traumática a execução <strong>da</strong> pena imposta, diante <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de ser transferido para regime<br />

menos gravoso.<br />

Esta perspectiva jurídica de progressão, possível para a maioria <strong>dos</strong> condena<strong>dos</strong>,<br />

tem contribuído para manter o controle prisional. No entanto, cumpre-nos destacar a<br />

impossibili<strong>da</strong>de de aplicarmos a progressão do regime na execução <strong>da</strong> pena privativa de<br />

liber<strong>da</strong>de imposta aos condena<strong>dos</strong> pela prática de <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong> e assemelha<strong>dos</strong> em razão<br />

do disposto no art. 2º, § 1º, <strong>da</strong> Lei 8.072/90, que estabelece: "A pena por crime previsto neste<br />

artigo será cumpri<strong>da</strong> integralmente em regime fechado" 6 .<br />

Nesse contexto, salientamos a exceção <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong>de do sistema progressivo<br />

ao condenado pela prática de crime de tortura por força do disposto no art. 1°, § 7° <strong>da</strong> Lei<br />

9.455/97 7 . Nesse caso, em razão do princípio <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de, o apenado tem a possibili<strong>da</strong>de<br />

de cumprir a pena aplica<strong>da</strong> progressivamente.<br />

De primeiro, esclarecemos que a palavra “integral“ no vocábulo <strong>da</strong> língua<br />

portuguesa significa: total, inteiro, global. 8 Assim, a frase aludi<strong>da</strong>, em seu sentido jurídico,<br />

5<br />

Código Penal Brasi<strong>lei</strong>ro. Decreto-<strong>lei</strong> 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Art. 33, § 2°: “(...)As penas privativas<br />

de liber<strong>da</strong>de deverão ser executa<strong>da</strong>s em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observando os<br />

seguintes critérios e ressalva<strong>da</strong> a hipótese de transferência para regime mais rigoroso. (...)”<br />

6<br />

Lei 8.072 de 25 de Julho de 1990. Art. 2º, § 1º: “A pena por crime previsto neste artigo será cumpri<strong>da</strong><br />

integralmente em regime fechado.”<br />

7<br />

Lei nº. 9.455, de 7 de Abril de 1997. Art. 1º, § 7º: “(...) O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a<br />

hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento <strong>da</strong> pena em regime fechado.”<br />

8<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holan<strong>da</strong>. Mini Dicionário <strong>da</strong> Língua Portuguesa. 4º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,<br />

2002. p 394.


IV<br />

significa que a pena, em to<strong>da</strong> a sua execução, deverá ser cumpri<strong>da</strong> em único regime, qual<br />

seja, o fechado.<br />

O preceito legal sofre duras críticas por parte <strong>da</strong> doutrina, por vezes por ser<br />

observado como simples forma de retribuição <strong>da</strong> pena 9 . Considerando que a progressão de<br />

regime faz parte <strong>da</strong> individualização <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de em sua fase executória, e<br />

que a individualização <strong>da</strong> pena é uma garantia Constitucional 10 , em princípio, a <strong>lei</strong> de <strong>crimes</strong><br />

hedion<strong>dos</strong>, ao ve<strong>da</strong>r a progressão de regime poderia ser considera<strong>da</strong> materialmente<br />

inconstitucional.<br />

Nesse diapasão, duas correntes se amol<strong>da</strong>m, ca<strong>da</strong> qual com seus fun<strong>da</strong>mentos,<br />

uma defendendo a <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção de cumprimento <strong>da</strong> pena em caráter<br />

progressivo, outra asseverando sua in<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong>. Destaca-se que ambas se formam<br />

em nível jurisprudencial 11 e doutrinário.<br />

A corrente que se arma na defesa <strong>da</strong> <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> do referido dispositivo o<br />

faz aduzindo que a ve<strong>da</strong>ção em questão não afronta o texto constitucional, em razão <strong>da</strong><br />

Constituição Federal de 1988 ter conferido ao legislador ordinário a competência para dispor<br />

sobre a individualização <strong>da</strong> pena 12 , situando-se aquele diploma legal na linha filosófica do<br />

estatuto maior, que estabeleceu princípios rigorosos no trato <strong>dos</strong> <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong> 13 ,<br />

entendimento este corroborado por Márcio Veiga. 14<br />

9<br />

SILVA, José Renato <strong>da</strong>; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis Penais Especiais Anota<strong>da</strong>s. 7ª ed..<br />

Campinas, SP: Millenium Editora, 2005, p. 120.<br />

10<br />

Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º, XLVI: “a <strong>lei</strong> regulará a individualização <strong>da</strong><br />

pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de; b) per<strong>da</strong> de bens; c) multa; d)<br />

prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.”<br />

11<br />

Nesse sentido decidiu o STJ. EMENTA: - CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL.<br />

AGRAVO REGIMENTAL. CRIME HEDIONDO. REGIME FECHADO. LEI 8.072/90, ART. 2º, § 1º.<br />

CONSTITUCIONALIDADE. I. - A pena por crime previsto no art. 2º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90 (crime hediondo)<br />

deverá ser cumpri<strong>da</strong> em regime fechado. Inocorrência de in<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong>. C.F., art. 5º, XLIII. Precedentes<br />

do STF: HC 69.657/SP, Rezek, RTJ 147/598; HC 69.603/SP, Brossard, RTJ 146/611; HC 69.377/MG, Velloso,<br />

"DJ" de 16.4.93; HC 76.991/MG, Velloso, "DJ" de 14.8.98; HC 81.421/SP, Néri, "DJ" de 15.3.02; HC<br />

84.422/RS, Joaquim Barbosa, Relator para acórdão, julgado em 14.12.2004. II. - Agravo não provido. RE<br />

405814 AgR / MG - MINAS GERAIS; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min.<br />

CARLOS VELLOSO Julgamento: 02/08/2005; Órgão Julgador: Segun<strong>da</strong> Turma; Publicação: DJ 26-08-2005<br />

PP-00059; EMENTA VOL-02202-04 PP-00775.<br />

12<br />

Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil de 1988. op. Cit..<br />

13<br />

Ibidem. Art. 5º, XLIII –“ a <strong>lei</strong> considerará <strong>crimes</strong> inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática<br />

<strong>da</strong> tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os defini<strong>dos</strong> como <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>,<br />

por eles respondendo os man<strong>da</strong>ntes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.”<br />

14<br />

VEIGA, Marcio Gai. Lei de <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>: uma abor<strong>da</strong>gem crítica. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n.<br />

61, jan. 2003. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina. Acesso em: 01 out. 2004.


V<br />

Na mesma linha de pensamento, Julio Fabrini Mirabete defende a<br />

<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> do dispositivo argumentando que: "Conforme pacífica a jurisprudência,<br />

não há qualquer in<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> deriva<strong>da</strong> de infringência ao princípio de<br />

individualização <strong>da</strong> pena previsto no art. 5 o , XLVI, <strong>da</strong> Carta Magna, uma vez que cabe à <strong>lei</strong><br />

determinar as regras para a cita<strong>da</strong> individualização”. 15<br />

Esse entendimento 16 é reforçado por Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio<br />

Smanio, que ao discorrerem sobre o tema esclarecem: “A obrigatorie<strong>da</strong>de legal do<br />

cumprimento integral <strong>da</strong> pena, em caso de condenação por <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong> ou<br />

assemelha<strong>dos</strong>, em regime fechado não ofende o princípio <strong>da</strong> individualização <strong>da</strong> pena, uma<br />

vez que se trata de matéria infraconstitucional a ser disciplina<strong>da</strong> por Lei Ordinária 17 .” E<br />

seguem dizendo que “<strong>da</strong> mesma forma que o legislador ordinário tem a discricionarie<strong>da</strong>de<br />

para a criação de regimes de cumprimento de pena, bem como de hipóteses de progressão e<br />

regressão entre os diversos regimes previstos, poderá instituir algumas hipóteses em que a<br />

progressão estará absolutamente ve<strong>da</strong><strong>da</strong> 18 .”<br />

Já os defensores <strong>da</strong> in<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção em comento, o fazem sob o<br />

argumento de que a inaplicabili<strong>da</strong>de do sistema progressivo de regime inviabiliza a<br />

individualização <strong>da</strong> pena na execução penal e contraria o preceito constitucional que garante<br />

esse direito.<br />

É neste contexto que João José L<strong>ea</strong>l 19 salienta: “A execução de longas penas<br />

privativas de liber<strong>da</strong>de em regime fechado representa um castigo insustentável, e que, por<br />

isso, desmotiva o preso para quem desaparece qualquer perspectiva a liber<strong>da</strong>de.”<br />

Da mesma forma, Ney Moura Teles, assevera que, "a privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de não<br />

intimi<strong>da</strong> e, o que é mais grave, não só não recupera o condenado, como também o<br />

15<br />

MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, Comentários à Lei 7.210 de 1984, 9º ed. São Paulo: Atlas,<br />

2000, p 297.<br />

16<br />

STF, Pleno. HC n. 69.603-1/SP, Relator. Min. Paulo Brossard. Diário <strong>da</strong> Justiça, Seção I, 23 de Abril de 1993,<br />

p.6.922.<br />

17<br />

MORAES, Alexandre de; Smanio, Gianpaolo Poggio. Op. cit., p. 74.<br />

18<br />

Ibiden.<br />

19<br />

LEAL, João José. Crimes Hedion<strong>dos</strong>: Aspectos Político-jurídico <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996.


VI<br />

transforma negativamente. Não podia ser diferente, pois não se ensina a viver em<br />

liber<strong>da</strong>de, respeitando os valores sociais, suprimindo a liber<strong>da</strong>de do educando.” 20<br />

Como já referido alhures, a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei 9.455/96, reguladora <strong>dos</strong><br />

<strong>crimes</strong> de tortura permitiu que o condenado por prática de tortura deverá iniciar o<br />

cumprimento <strong>da</strong> pena em regime fechado. Quando <strong>da</strong> ocorrência desse fato, polêmica ain<strong>da</strong><br />

maior surgiu. Observa-se que, apesar de assemelhado a crime hediondo, previsto<br />

expressamente na <strong>lei</strong> <strong>dos</strong> <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>, aos <strong>crimes</strong> de tortura o legislador permitiu a<br />

progressão de regime.<br />

Essa dispari<strong>da</strong>de entre os textos legais propiciou que juristas postulassem aos<br />

Tribunais a aplicação do benefício trazido pela Lei 9.455/96 aos demais <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>,<br />

argumentando a possibili<strong>da</strong>de de aplicação <strong>da</strong> analogia in bonan partem. No entanto, mesmo<br />

diante <strong>dos</strong> argumentos mais apaixona<strong>dos</strong>, o STF, na Súmula 698, manifestou-se contrario a<br />

esta almeja<strong>da</strong> aplicação via analogia, dizendo que a progressão de regime não é extensiva aos<br />

demais <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong> 21 .<br />

Destacamos que com relação aos <strong>crimes</strong> pratica<strong>dos</strong> antes <strong>da</strong> <strong>lei</strong> <strong>dos</strong> <strong>crimes</strong><br />

hedion<strong>dos</strong>, e que passaram a fazer parte do seu texto, a progressão de regime é viável desde<br />

que preenchi<strong>dos</strong> os seus requisitos legais.<br />

Com relação ao conteúdo rigoroso <strong>da</strong> Lei 8.072/90, Luis Flávio Gomes defende<br />

sua interpretação pelo poder judiciário, nos limites <strong>da</strong> sua competência, de forma a adequá-la<br />

aos ditames <strong>da</strong> Constituição Federal de 1988 “reconhecendo-se, por exemplo, que a proibição<br />

<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de provisória não é absoluta, que o chefe do Poder Executivo pode conceder<br />

indulto nos <strong>crimes</strong> só aparentemente hedion<strong>dos</strong>, que cabe penas substitutivas nesses <strong>crimes</strong>,<br />

que a cultura autoritária não faz bem para a nação etc.” 22<br />

Em que pese as argumentações contraditórias e a manifestação incisiva do<br />

Supremo Tribunal Federal no sentido de firmar posicionamento quanto a <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção em tela, comungo do entendimento acima esposado e defendido pelo grande<br />

20 TELES, Ney Moura: in Direito penal, vol. I, 2ª ed., Atlas: São Paulo, 1997, p. 39<br />

21 Súmula 698 STF: “não se estende aos demais <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong> a admissibili<strong>da</strong>de de progressão no<br />

regime de execução <strong>da</strong> pena aplica<strong>da</strong> ao crime de tortura.”<br />

22 GOMES, Luiz Flávio. Urgente Revisão <strong>da</strong> Lei <strong>dos</strong> Crimes Hedion<strong>dos</strong>. Disponível em: www.jus.com.br/doutrina. Acesso<br />

em: 25 set. 2004.


VII<br />

jurista Luis Flávio Gomes, no sentido de que o poder judiciário deve repensar seu<br />

posicionamento diante <strong>dos</strong> fatos individualmente, deixando que o rigor do formalismo não<br />

exce<strong>da</strong> e se transforme em injusto na aplicação <strong>da</strong> <strong>lei</strong>, bem como observando os direitos e<br />

garantias do condenado.<br />

4. CONCLUSÃO<br />

Ao abor<strong>da</strong>rmos a questão <strong>da</strong> <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção de cumprimento <strong>da</strong><br />

pena de forma progressiva pelos condena<strong>dos</strong> pela prática de crime hediondo ou assemelhado,<br />

verificamos que o legislador, movido pelo sentimento de maior retaliação a esses <strong>crimes</strong>,<br />

cometeu algumas falhas técnicas ao redigir a Lei 8.072/90, resultando em interpretações<br />

diversas e contraditórias acerca <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de jurídica do seu conteúdo.<br />

Em análise ao texto legal é possível concluirmos que se trata de uma <strong>lei</strong> que não<br />

atingiu o objetivo pretendido, uma por contradizer dispositivos em vigor, outra por causar um<br />

descompasso no sistema jurídico-penal brasi<strong>lei</strong>ro e ir de encontro a princípios fun<strong>da</strong>mentais<br />

constitucionais relaciona<strong>dos</strong> à pena, como sua individualização, proporcionali<strong>da</strong>de e<br />

humani<strong>da</strong>de.<br />

Observamos que a Lei 8.072/90 precisa se adequar às regras e doutrinas penais de<br />

forma a resolver questões sobre sua <strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong>, em razão <strong>da</strong> sua controverti<strong>da</strong><br />

aceitação.<br />

Por fim, concluímos este breve estudo com a certeza de que o regime<br />

integralmente fechado para os condena<strong>dos</strong> por <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong> afronta os princípios<br />

constitucionais, e que o fato <strong>dos</strong> Tribunais Superiores terem se manifestado no sentido <strong>da</strong> sua<br />

<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong>, não significa que os estudiosos e aplicadores do direito devam desistir <strong>da</strong><br />

luta pela defesa <strong>da</strong> in<strong>constitucionali<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção do cumprimento <strong>da</strong> pena de forma<br />

progressiva.<br />

5. BIBLIOGRAFIA<br />

Código Penal Brasi<strong>lei</strong>ro. Decreto-<strong>lei</strong> nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. 19ª<br />

ed. – São Paulo: Saraiva, 2004.


VIII<br />

Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.Promulga<strong>da</strong> em 05 de Outubro<br />

de 1988.<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holan<strong>da</strong>. Minidicionário <strong>da</strong> língua portuguesa.<br />

4º ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.<br />

FRANCO, Alberto Silva, et.al. Leis penais especiais e sua interpretação<br />

jurisprudencial. São Paulo: Revista <strong>dos</strong> Tribunais, 1995.<br />

GOMES, Luiz Flávio. Urgente Revisão <strong>da</strong> Lei <strong>dos</strong> Crimes Hedion<strong>dos</strong>.<br />

Disponível em: www.jus.com.br/doutrina. Acesso em: 25 set. 2004.<br />

Jurisprudência do STJ. www.stj.gov.br. Acesso: 14 de Setembro de 2005.<br />

LEAL, João José. Crimes hedion<strong>dos</strong>: aspectos político-jurídicos <strong>da</strong> Lei nº<br />

8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996.<br />

Legislação Penal Extravagante. www.planalto.gov.br. Lei nº. 8.072, de 25 de Julho<br />

de 1990. 14 de Setembro de 2005. Lei nº. 9.455, de 7 de Abril de 1997. Acesso em<br />

14 de Setembro de 2005.<br />

MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução penal, comentários à Lei 7.210 de 1984, 9º<br />

ed. São Paulo: Atlas, 2000.<br />

MORAES, Alexandre de; Smanio, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial.<br />

8ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 58<br />

SILVA, José Renato <strong>da</strong>; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis Penais<br />

Especiais Anota<strong>da</strong>s. 7ª ed.. Campinas, SP: Millenium Editora, 2005, p. 120.<br />

TELES, Ney Moura. Direito Penal. Vol. 1, 2ª ed., Atlas: São Paulo, 1997.<br />

VEIGA, Marcio Gai. Lei de <strong>crimes</strong> hedion<strong>dos</strong>: uma abor<strong>da</strong>gem crítica.<br />

Jusnavegandi, Teresina, a. 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em<br />

www1.jus.com.br/doutrina. Acesso em 01 de Outubro de 2004.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!