O Mito de Degas Carol Armstrong - Masp
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Serviço Educativo<br />
2006 Ano Nacional <strong>de</strong> Museus<br />
<strong>Degas</strong>: o universo <strong>de</strong> um artista<br />
<strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> maio a 20 <strong>de</strong> agosto<br />
<strong>de</strong> outro, a uma fetichização <strong>de</strong> sua forma e <strong>de</strong> seus contornos, <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senho.<br />
Na companhia <strong>de</strong>sses dois, credita-se novamente a <strong>Degas</strong> a “castida<strong>de</strong>”, pois<br />
suas representações intelectualizam e, assim, colocam uma distância entre a<br />
carne e a forma do corpo feminino.<br />
No lugar da volupté* <strong>de</strong> Ticiano ou do voyeurismo manipulador <strong>de</strong> Ingres, a<br />
posição <strong>de</strong> <strong>Degas</strong> é <strong>de</strong> sublimação, na qual o <strong>de</strong>sejo corporal é substituído por<br />
uma vonta<strong>de</strong> sem corpo, a vue voulue* (<strong>Degas</strong> danse <strong>de</strong>ssin, p. 58). O impulso<br />
libidinal é transformado em observação formulária e o sensual passa a ser<br />
intelectual e resistência contra si mesmo. O próprio <strong>Degas</strong> o sugere, ao enfatizar<br />
o confl ito entre Eros e a visão, no lugar da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos: “Fazer fogo<br />
sem ver, eis aí o próprio amor”(Lettres <strong>de</strong> <strong>Degas</strong>, nº. 42, 9 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1882, a<br />
Bartholomé, p. 69)18. Dado que este trecho sobre o nu se refere tanto ao <strong>de</strong>senho<br />
quanto se confi gura como uma passagem sobre o informe, o <strong>de</strong>sejo também é<br />
sublimado no <strong>de</strong>senho, uma maestria do <strong>de</strong>senho obstinada, mas <strong>de</strong>sprovida<br />
<strong>de</strong> possessivida<strong>de</strong>, que nada é além <strong>de</strong> si mesma. Ela não se propõe a acariciar<br />
ou manipular o corpo feminino, mas apenas a dominar seu próprio sistema.<br />
No fi nal do escrito <strong>de</strong> Valéry sobre <strong>Degas</strong> como um tipo leonar<strong>de</strong>sco,<br />
encontramos a seguinte colocação, na qual o <strong>de</strong>ssin sublimado do artista começa<br />
a soar suspeito, como uma espécie <strong>de</strong> impotência da maestria do <strong>de</strong>senho:<br />
Para <strong>Degas</strong>, uma obra era o resultado <strong>de</strong> uma quantida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>fi nida <strong>de</strong> estudos<br />
e, em seguida, <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> operações. Estou convicto <strong>de</strong> que ele pensava<br />
que não se po<strong>de</strong> jamais dizer <strong>de</strong> uma obra que ela é acabada (...) alguns artistas<br />
(...) empenham-se a fundo, enfrentam, corrigem e se aprisionam, não po<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>sistir do <strong>de</strong>safi o, se retirar do círculo <strong>de</strong> seus ganhos e perdas (<strong>Degas</strong> danse<br />
<strong>de</strong>ssin, pp. 80-81).<br />
Essa passagem sugere que o “método” <strong>de</strong> <strong>Degas</strong> é caracterizado pela repetição e<br />
por uma inabilida<strong>de</strong>, uma impotência <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> seu próprio sistema. Em outro<br />
trecho, Valéry também <strong>de</strong>nomina <strong>Degas</strong> um artista “abstrato” e, assim, liga seu<br />
“método” à abstração:<br />
CONTINUA