15.04.2013 Views

“O Metrô de São Paulo foi global antes da globalização”

“O Metrô de São Paulo foi global antes da globalização”

“O Metrô de São Paulo foi global antes da globalização”

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE<br />

I ENGENHARIA<br />

contratações públicas. Claro que o pessoal especializado<br />

enten<strong>de</strong> muito bem <strong>da</strong> matéria, e<br />

contorna to<strong>da</strong>s as proibições com instrumentos<br />

que nem sempre são muito recomendáveis.<br />

Quer dizer, esse processo <strong>de</strong> legislação que nós<br />

temos, não valoriza a engenharia. Ao contrário,<br />

pune a engenharia. Pela 8.666, o contratante,<br />

que é o governo, é obrigado a fazer uma licitação<br />

<strong>de</strong> projeto – que a esmagadora maioria<br />

<strong>da</strong>s vezes é feita pelo<br />

menor preço. E a coisa<br />

melhor para que se tenha<br />

uma boa obra, é que seja<br />

feito um bom projeto.<br />

Esse problema todo que<br />

a mídia bateu forte, com<br />

a que<strong>da</strong> do ministro dos<br />

Transportes, do pessoal<br />

do DNIT, e assim por<br />

diante, tem um pano <strong>de</strong><br />

fundo comum: a falta <strong>de</strong><br />

projeto. A razão <strong>de</strong> tudo<br />

isso, com to<strong>da</strong> a corrupção<br />

envolvi<strong>da</strong>, é não ter<br />

havido projeto nas obras. No Brasil, logo após<br />

a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, tempos <strong>de</strong> Juscelino<br />

Kubitschek, <strong>foi</strong> construí<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s maiores<br />

re<strong>de</strong>s rodoviárias do mundo: em todos os<br />

casos, o DNER fazia a obra com projeto. Sem<br />

projeto, a obra não saía. As obras que são taxa<strong>da</strong>s<br />

hoje como promotoras <strong>de</strong> corrupção, são<br />

obras feitas sem projeto. E o novo ministro dos<br />

Transportes simplesmente afirma em público<br />

que o projeto <strong>da</strong> obra <strong>da</strong> BR-116 em Pernambuco,<br />

passava no meio <strong>de</strong> um lago. Quer dizer,<br />

o projeto simplesmente não <strong>foi</strong> feito. Por quê?<br />

Porque é licitação pelo menor preço. E ninguém<br />

<strong>de</strong>veria economizar no projeto. Porque<br />

com um bom projeto o custo <strong>da</strong> obra cai pela<br />

meta<strong>de</strong>. Hoje o Brasil não dispõe <strong>de</strong> consultoria<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Infelizmente.”<br />

— Como se explica essa falta <strong>de</strong> consultoria<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte no mercado? — pedimos<br />

que abor<strong>da</strong>sse.<br />

“Veja bem: a consultoria in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é<br />

uma engenharia que emite uma opinião que<br />

nem sempre é a opinião do governo. Afinal,<br />

é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Nos Estados Unidos é obrigatório<br />

– por lei do Congresso Nacional <strong>de</strong>les<br />

– que qualquer proposta <strong>de</strong> obra pública seja<br />

acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> parecer <strong>de</strong> uma consultoria<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Este po<strong>de</strong>ria ser um caminho<br />

para o Brasil, mas aqui não é feito assim. Nosso<br />

mo<strong>de</strong>lo é o seguinte: o político brasileiro, o<br />

que ele quer é iniciar coisas novas – e <strong>de</strong>pois<br />

seu sucessor que termine a obra. E essas coisas<br />

novas são ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras aventuras, porque não<br />

são estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s a fundo. Mas o administrador<br />

público quer realizá-las <strong>de</strong> qualquer maneira,<br />

compreen<strong>de</strong>? Isto é muito importante falar.<br />

Ou seja, nós <strong>de</strong>struímos nossa engenharia com<br />

Pela lei 8.666, <strong>de</strong><br />

licitações, o<br />

contratante, que é o<br />

governo, é obrigado<br />

a fazer uma licitação<br />

<strong>de</strong> projeto – que a<br />

esmagadora maioria<br />

<strong>da</strong>s vezes é feita pelo<br />

menor preço<br />

esses mo<strong>de</strong>los <strong>da</strong> lei <strong>de</strong> licitação 8.666 & cia.<br />

lt<strong>da</strong>. Voltando à pergunta anterior: sem uma<br />

boa engenharia, a PPP não tem salvação e a<br />

concessão também não tem salvação. Então, a<br />

sua pergunta sobre a PPP – que eu acho muito<br />

boa – só tem uma resposta: é preciso haver<br />

bom projeto, é preciso que se tenha uma boa<br />

engenharia. Porque, com projeto ruim, tudo<br />

redun<strong>da</strong> numa solução ruim, numa <strong>de</strong>mora<br />

<strong>da</strong> execução do empre-<br />

endimento, e assim por<br />

diante. Então na<strong>da</strong> se faz<br />

– seja em concessão, seja<br />

em PPP, seja em lei 8.666<br />

– sem um bom projeto. O<br />

setor privado brasileiro é<br />

‘vivo’ o suficiente para<br />

se a<strong>da</strong>ptar às circunstâncias,<br />

mas os empresários<br />

reconhecem que se o setor<br />

pu<strong>de</strong>sse contar com<br />

bons projetos ele po<strong>de</strong>ria<br />

produzir obras muito<br />

melhores do que as que<br />

está produzindo. Eles sabem disso.”<br />

— Po<strong>de</strong> falar um pouco <strong>de</strong> sua pessoa e<br />

carreira? — solicitamos.<br />

“Eu sou um dócil indócil (rindo). O primeiro<br />

aspecto que vou ressaltar – o mais importante<br />

– tem a ver com a minha geração.<br />

Eu me formei na Escola Politécnica <strong>da</strong> USP na<br />

especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia mais abrangente<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a engenharia. Eu me formei engenheiro<br />

mecânico eletricista. Digo isso porque<br />

a engenharia mais popular é a civil. Mas ela<br />

não é a mais abrangente <strong>da</strong>s engenharias. Pelo<br />

menos até recentemente. O <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e tecnológico do Brasil já aponta<br />

para que a engenharia mais popular não seja<br />

mais a civil. A engenharia <strong>de</strong> maior populari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

hoje é a engenharia mecânica. Bem, é<br />

uma questão marca<strong>da</strong>mente mercadológica. À<br />

época em que eu me formei, a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> tecnológica<br />

brasileira era muito mais uma competência<br />

construtiva do que uma competência<br />

propriamente tecnológica. Da mesma forma,<br />

no futuro é possível até que as engenharias<br />

mais procura<strong>da</strong>s sejam as engenharias <strong>da</strong> tecnologia<br />

<strong>da</strong> informação.<br />

Então eu tive o privilégio <strong>de</strong> me formar<br />

numa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia que cobria<br />

to<strong>da</strong>s as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> engenharias. Dessa<br />

maneira, eu aprendi bem as engenharias fun<strong>da</strong>mentais.<br />

Que são basea<strong>da</strong>s nas leis naturais.<br />

Eu me formei em 1956. Os professores <strong>da</strong> Poli/<br />

USP, na época, tinham salários correspon<strong>de</strong>ntes<br />

a <strong>de</strong>sembargador. Infelizmente não é mais<br />

assim. A Politécnica não era no campus <strong>da</strong><br />

universi<strong>da</strong><strong>de</strong> como é hoje. A escola funcionava<br />

no Bom Retiro, na Praça Coronel Fernando<br />

Prestes, on<strong>de</strong> atualmente está a Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Tecnologia, a Fatec-SP. Além <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

extrema do professorado, os estud<strong>antes</strong> eram<br />

jovens ciosos em aju<strong>da</strong>r no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

brasileiro, <strong>de</strong> participar ativamente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

nação. Ou seja, participar <strong>da</strong> política brasileira.<br />

Era realmente uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> raríssima,<br />

um cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> informações que<br />

se <strong>de</strong>senvolvia no âmbito <strong>da</strong>quele grupo <strong>de</strong><br />

estud<strong>antes</strong>. Na época, comigo se formaram<br />

outros 230 engenheiros. Minha turma. Então<br />

eu, como muitos outros, participei <strong>da</strong> militância<br />

<strong>da</strong> política estu<strong>da</strong>ntil. Ativamente. Eu<br />

participei <strong>da</strong> campanha do ‘Petróleo é Nosso’,<br />

que produziu mais tar<strong>de</strong> a Petrobras. E participei<br />

<strong>de</strong> um movimento político nacional <strong>da</strong><br />

época, que se chamava Movimento Nacionalista.<br />

E representei o Grêmio Politécnico, que<br />

era o Centro Acadêmico <strong>da</strong> Poli – e é até hoje,<br />

há mais <strong>de</strong> 100 anos. Representei o Grêmio<br />

nos congressos <strong>da</strong> UNE [União Nacional dos<br />

Estud<strong>antes</strong>].”<br />

— Que figuras se <strong>de</strong>stacavam? Quais<br />

os expoentes do Movimento Nacionalista,<br />

na época? — pedimos que enumerasse.<br />

“Um era o Gabriel Passos, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>da</strong> UDN [União Democrática Nacional]<br />

por Minas Gerais e agora nome <strong>de</strong> refinaria<br />

<strong>de</strong> petróleo <strong>da</strong> Petrobras. Ele <strong>foi</strong> o autor<br />

do primeiro projeto do petróleo na Câmara<br />

Fe<strong>de</strong>ral, espaço que eu frequentei muito lá<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro, que era a capital fe<strong>de</strong>ral.<br />

Quem assumiu o projeto finalmente <strong>foi</strong><br />

o Getúlio Vargas, que era presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República.<br />

Mas a iniciativa <strong>foi</strong> <strong>da</strong> UDN. Esse<br />

era um movimento on<strong>de</strong> as várias facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>da</strong> USP tinham a sua opinião política. A Poli<br />

tinha essa. Nacionalista. Havia as facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que tinham opiniões mais conservadoras.<br />

Ah! lembrei- me agora do nome <strong>de</strong> Dagoberto<br />

Salles, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral paulista do PSD<br />

[Partido Social Democrático] que integrou<br />

com outros, como Darcy Passos, também<br />

paulista, a Frente Nacionalista que lutou<br />

pela preservação <strong>da</strong>s riquezas nacionais. O<br />

‘nacionalismo’ <strong>de</strong> então na<strong>da</strong> teve com o<br />

nacionalismo europeu que <strong>de</strong>u origem às<br />

duas gran<strong>de</strong>s guerras mundiais. Dagoberto<br />

Salles <strong>foi</strong> o autor do projeto que criou o<br />

CNEN, Conselho Nacional <strong>de</strong> Energia Nuclear.<br />

Na época lutava-se pela preservação do<br />

minério <strong>de</strong> tório, mineral atômico <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s<br />

areias monazíticas leva<strong>da</strong>s à sorrata<br />

por submarinos alemães durante a Segun<strong>da</strong><br />

Guerra Mundial. Bom, eu acabei dirigindo<br />

o Departamento <strong>de</strong> Cultura do Grêmio Politécnico,<br />

que se encarregava <strong>de</strong> trazer esses<br />

lí<strong>de</strong>res nacionais para fazerem palestras para<br />

alunos e professores. Trouxe na época um<br />

intelectual brasileiro, Josué <strong>de</strong> Castro, autor<br />

<strong>de</strong> alguns livros import<strong>antes</strong>. Josué <strong>de</strong><br />

Castro é uma <strong>de</strong>stas figuras marc<strong>antes</strong> <strong>de</strong><br />

cientista que teve uma profun<strong>da</strong> influência<br />

na vi<strong>da</strong> nacional e gran<strong>de</strong> projeção internacional<br />

nos anos que <strong>de</strong>correram entre 1930<br />

e 1973. Ele <strong>de</strong>dicou o melhor <strong>de</strong> seu tempo<br />

e <strong>de</strong> seu talento para chamar a atenção para<br />

o problema <strong>da</strong> fome e <strong>da</strong> miséria que assolavam<br />

e que, infelizmente, ain<strong>da</strong> assolam<br />

o mundo. Ao escrever, em 1946, o festejado<br />

livro Geografia <strong>da</strong> Fome afirmava que a<br />

fome não era um problema natural, isto é,<br />

não <strong>de</strong>pendia nem era resultado dos fatos<br />

<strong>da</strong> natureza: ao contrário, era fruto <strong>de</strong> ações<br />

dos homens, <strong>de</strong> suas opções, <strong>da</strong> condução<br />

econômica que <strong>da</strong>vam a seus países. Nós<br />

trazíamos para o Grêmio Politécnico pessoas<br />

<strong>de</strong> todos os matizes políticos. Trouxemos<br />

até Carlos Lacer<strong>da</strong>. Enfim, havia em torno<br />

<strong>da</strong> Poli um movimento em prol do conhecimento<br />

dos problemas brasileiros. A i<strong>de</strong>ia<br />

central nasci<strong>da</strong> na escola era a <strong>de</strong> que nós<br />

tínhamos que aju<strong>da</strong>r a industrialização do<br />

Brasil. E fizemos isso. Daí a vocação <strong>de</strong> muitos<br />

alunos <strong>da</strong> Poli que acabaram envolvidos<br />

na construção <strong>da</strong> indústria em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Eu<br />

mesmo fui ser engenheiro <strong>da</strong> CSN em Volta<br />

Redon<strong>da</strong>. E, na época, a CSN era a maior e<br />

mais mo<strong>de</strong>rna empresa do Brasil. Petrobras<br />

ain<strong>da</strong> não existia. Nessa ocasião eu me casei<br />

com uma paulista e começamos nossa vi<strong>da</strong> lá<br />

em Volta Redon<strong>da</strong>.”<br />

— A CSN <strong>foi</strong> o seu primeiro emprego?<br />

— in<strong>da</strong>gamos.<br />

“Sim. E lá eu e outros <strong>de</strong> minha turma<br />

tivemos uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> raríssima: conhecer<br />

uma gran<strong>de</strong> e mo<strong>de</strong>rna empresa nacional,<br />

construí<strong>da</strong> com assessoria americana<br />

– uma contraparti<strong>da</strong> do interesse brasileiro<br />

e americano na Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial. E<br />

realmente tive a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer a<br />

mãe <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as indústrias. Porque a indústria<br />

si<strong>de</strong>rúrgica tem to<strong>da</strong>s as indústrias <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>la. Ela tem uma indústria metalúrgica<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, uma indústria química <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>la, uma indústria mecânica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, e<br />

uma indústria eletroeletrônica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. E<br />

isso me <strong>de</strong>u uma visão <strong>de</strong> Brasil gran<strong>de</strong>. Coisa<br />

que nunca mais perdi, nem consigo per<strong>de</strong>r.<br />

Apren<strong>de</strong>mos a fazer as coisas que nunca<br />

tínhamos visto <strong>antes</strong>, a não ser nas teorias<br />

dos professores <strong>da</strong> escola. E isso me <strong>de</strong>u<br />

uma confiança, não só a mim, mas a to<strong>da</strong><br />

uma geração, <strong>de</strong> que nós éramos capazes <strong>de</strong><br />

construir um país melhor e maior. Éramos<br />

capazes <strong>de</strong> fazer as coisas bem feitas. Aliás,<br />

o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> também <strong>foi</strong> construído<br />

por uma geração <strong>de</strong> jovens engenheiros<br />

formados nas nossas escolas <strong>de</strong> engenharia.<br />

Mas não só engenheiros – também técnicos,<br />

economistas, administradores e advogados<br />

construíram o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. O <strong>Metrô</strong><br />

não é obra <strong>de</strong> um homem só, e sim <strong>de</strong><br />

uma gran<strong>de</strong> equipe: uma equipe que dialogava<br />

com a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Então a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> era fruto <strong>de</strong> um diálogo permanente.<br />

Tanto a Companhia do <strong>Metrô</strong> era capaz <strong>de</strong><br />

ter sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> suficiente para enten<strong>de</strong>r os<br />

anseios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, como a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> entendia<br />

o que estava sendo feito pela companhia. E<br />

a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> participava, torcia para que tudo<br />

<strong>de</strong>sse certo. E <strong>de</strong>u. Bem, digo isso tudo para<br />

mostrar que esse espírito coletivo presidiu o<br />

Brasil <strong>da</strong> época. E <strong>foi</strong> esse pensamento que<br />

construiu o Brasil até o outro dia mesmo.”<br />

— O senhor é paulistano? — pedimos.<br />

“Não. Eu nasci em Santa Catarina. Eu<br />

vim para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> com sete anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

com meus pais e irmãos. Sou um produto <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. A minha família veio do interior<br />

catarinense, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Piratuba, no oeste<br />

do estado. Uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima. Meus pais<br />

vieram para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> para po<strong>de</strong>r educar os<br />

filhos. Aliás, meus pais não vieram <strong>da</strong> Europa.<br />

Foi meu trisavô que veio <strong>da</strong> Alemanha.<br />

Ele chegou com a mulher e seus 11 filhos em<br />

1857. Junto com outros companheiros, meu<br />

trisavô acabou fun<strong>da</strong>ndo uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, chama<strong>da</strong> Santa Cruz. Na<br />

época, ele viajou <strong>de</strong> caravela. Pegaram uma<br />

tempesta<strong>de</strong> no caminho e a caravela praticamente<br />

voltou para as proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do litoral<br />

<strong>da</strong> Inglaterra. A viagem prosseguiu e meu<br />

trisavô fez uma promessa: se conseguisse<br />

chegar ao Brasil com a família, todos vivos,<br />

ele fun<strong>da</strong>ria uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> chama<strong>da</strong> Santa<br />

Cruz. Então meus ascen<strong>de</strong>ntes são <strong>de</strong>ssa<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gaúcha. E, como costuma acontecer<br />

com os gaúchos, aconteceu a diáspora. Mas<br />

os meus pais, não foram longe, entraram<br />

beirando Santa Catarina, numa ci<strong>da</strong><strong>de</strong>zinha<br />

que fica a 30 quilômetros <strong>da</strong> fronteira do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul: Piratuba.”<br />

— Como <strong>foi</strong> sua chega<strong>da</strong> a <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

com sete anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>? — solicitamos a<br />

seguir.<br />

“Meus pais vieram porque estavam preocupados<br />

com a educação dos três filhos.<br />

A família chegou numa época em que as<br />

matrículas <strong>da</strong>s escolas primárias tinham sido<br />

encerra<strong>da</strong>s. A escola em que eu iria estu<strong>da</strong>r<br />

chamava-se Escola Primária Manoel <strong>da</strong> Nóbrega,<br />

geri<strong>da</strong> pela Associação Paulista <strong>de</strong> Professores.<br />

E eu não me conformava em per<strong>de</strong>r o<br />

primeiro ano. Meus pais tentaram <strong>de</strong> tudo para<br />

que eu me matriculasse, mesmo tardiamente.<br />

Eles não conseguiram. Aí eu, com sete anos,<br />

resolvi ir sozinho até a escola, numa ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

eu não conhecia e era gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais para meus<br />

olhos. Aí falei com a diretora. E consegui o que<br />

eu queria: a diretora concordou que eu podia<br />

cursar o primeiro ano primário. Eu passei para<br />

o segundo ano primário com nota 50, que era<br />

a mínima. Mas quem me ‘<strong>de</strong>sasnou’ (risos) <strong>foi</strong><br />

uma professora, dona Rita <strong>da</strong> Silva Fleury <strong>de</strong><br />

Freitas. Trinta anos <strong>de</strong>pois eu vim a ser colega<br />

do filho <strong>de</strong>la. Enquanto eu presidia o <strong>Metrô</strong>, o<br />

filho <strong>de</strong>la <strong>foi</strong> secretário dos Transportes <strong>da</strong> prefeitura<br />

paulistana, man<strong>da</strong>to do prefeito Figueiredo<br />

Ferraz: Íon <strong>de</strong> Freitas. E assim conheci Íon,<br />

filho <strong>de</strong> dona Rita. Foi uma surpresa. Bem, <strong>da</strong>í<br />

eu fui fazer o secundário. Meu pai achava que<br />

o ginásio era fraco. Era Escola Primária Manoel<br />

<strong>da</strong> Nóbrega e Ginásio José <strong>de</strong> Anchieta, acoplados,<br />

no mesmo local. Foi então que ingressei<br />

no Instituto Mackenzie. Fiz o ginásio e o colégio<br />

na escola presbiteriana. Uma recor<strong>da</strong>ção<br />

agra<strong>da</strong>bilíssima. Lá aprendi português. Ou seja,<br />

aprendi a escrever e aprendi ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente a<br />

língua portuguesa. Fun<strong>da</strong>mental. Até hoje eu<br />

me lembro do hino do Mackenzie. E aí chegou<br />

a época <strong>de</strong> escolher o curso <strong>de</strong> engenharia. Resolvi<br />

tentar na Escola Politécnica, cujo vestibular<br />

era mais difícil do que o do Mackenzie. Eu<br />

tive que fazer cursinho. Entrei na Poli e lá fui<br />

escolher a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia mais difícil:<br />

engenheiro mecânico eletricista. E até hoje<br />

eu frequento a escola, por meio <strong>da</strong> associação<br />

dos ex-alunos.”<br />

— Da CSN o senhor passou logo para a<br />

Cosipa? — pedimos que contasse.<br />

“Na CSN fiquei três anos. Fui engenheiro<br />

lá quando a Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Paulista<br />

34 engenharia 607 / 2011<br />

www.brasilengenharia.com.br<br />

www.brasilengenharia.com.br engenharia 607 / 2011 35<br />

FOTOS: ARQUiVO ENGENHARiA

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!