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“O Metrô de São Paulo foi global antes da globalização”

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ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE<br />

I ENGENHARIA<br />

FOTOS: ARQUiVO ENGENHARiA<br />

<strong>“O</strong> <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong><br />

<strong>global</strong> <strong>antes</strong> <strong>da</strong> <strong>global</strong>ização”<br />

Para o engenheiro Plínio Oswaldo Assmann, a Companhia<br />

do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (<strong>Metrô</strong>-SP) – que<br />

ele presidiu nos seus primórdios, <strong>de</strong> 1971 a 1977,<br />

durante a implantação <strong>da</strong> primeira linha <strong>de</strong> metrô<br />

e o <strong>de</strong>lineamento <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> – constituiu-se, no<br />

final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1960 e início <strong>da</strong> <strong>de</strong> 1970, numa<br />

<strong>da</strong>s maiores competências mundiais em termos<br />

metroviários. Assmann recor<strong>da</strong> que no processo<br />

<strong>de</strong> seleção dos engenheiros era indispensável, na<br />

época, que estes apresentassem diploma e passaporte.<br />

Já que todos – além dos técnicos <strong>de</strong> nível<br />

médio – <strong>de</strong>veriam ser enviados a diversos países,<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> sempre voltavam com as mais avança<strong>da</strong>s<br />

propostas tecnológicas. “Nesse sentido, o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong> <strong>global</strong> <strong>antes</strong> <strong>da</strong> <strong>global</strong>ização”, diz ele,<br />

acrescentando que logo <strong>de</strong>pois muitos avanços<br />

tecnológicos aconteceram em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e foram<br />

seguidos pelos metrôs <strong>de</strong> outros países – uma<br />

vitória <strong>da</strong> engenharia brasileira. Em ca<strong>da</strong> item <strong>de</strong><br />

que se compõe o sistema houve a preocupação<br />

<strong>de</strong> se escolher as mais mo<strong>de</strong>rnas e avança<strong>da</strong>s tecnologias.<br />

Divisor <strong>de</strong> águas na engenharia brasileira,<br />

a implantação do <strong>Metrô</strong>-SP <strong>de</strong>flagrou não só um<br />

formidável <strong>de</strong>senvolvimento em projetos, obras<br />

e equipamentos, mas também elevou a novos<br />

patamares a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica e a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

absorção <strong>de</strong> tecnologia. Máquinas perfuradoras<br />

gig<strong>antes</strong>cas passaram sob prédios num centro urbano<br />

altamente a<strong>de</strong>nsado, como o Palácio <strong>da</strong> Justiça,<br />

por exemplo, que <strong>foi</strong> construído por Ramos <strong>de</strong><br />

Azevedo, a Caixa Econômica, a Praça <strong>da</strong> Sé – on<strong>de</strong><br />

aconteceu a histórica implosão do Edifício Men<strong>de</strong>s<br />

Cal<strong>de</strong>ira – e outros antigos edifícios. Segundo As-<br />

smann, eram edificações que não podiam ter um<br />

recalque maior do que 10 milímetros. Ele lembra<br />

que os túneis, com um diâmetro <strong>de</strong> 6 metros,<br />

passaram por <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>sses prédios sem causar<br />

qualquer abalo. As obras se iniciaram na Aveni<strong>da</strong><br />

Engenheiro Armando <strong>de</strong> Arru<strong>da</strong> Pereira, no Jabaquara,<br />

ain<strong>da</strong> na época do prefeito José Vicente Faria<br />

Lima. Mas o gran<strong>de</strong> impulsionador <strong>foi</strong> o engenheiro<br />

José Carlos <strong>de</strong> Figueiredo Ferraz, nomeado consultor<br />

especial pelo prefeito. “Não tínhamos nenhuma<br />

experiência nessa área, porém em pouco tempo<br />

o <strong>Metrô</strong> e as empresas nacionais <strong>de</strong> engenharia<br />

<strong>de</strong> projetos, construção e montagem tornaram-<br />

-se autossuficientes, enquanto altos índices <strong>de</strong><br />

nacionalização dos equipamentos eram atingidos”,<br />

orgulha-se Assmann, que, entre muitos outros<br />

cargos, ocupou a presidência <strong>da</strong> Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica<br />

Paulista (Cosipa) e <strong>foi</strong> secretário estadual <strong>de</strong><br />

Transportes, na gestão do governador Mário Covas<br />

PlínioOswaldo Assmann<br />

Consultor empresarial – presi<strong>de</strong>nte do <strong>Metrô</strong>-SP <strong>de</strong> 1971 a 1977<br />

28 engenharia 607 / 2011<br />

www.brasilengenharia.com.br<br />

www.brasilengenharia.com.br engenharia 607 / 2011 29<br />

FOTOS: LEONARDO MOREiRA / ARQUiVO


ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE LINHA DE FRENTE DA ENGENHARIA I ENGENHARIA<br />

engº Plínio Oswaldo Assmann,<br />

78 anos, nascido na pequena<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Piratuba, no oeste <strong>de</strong><br />

Santa Catarina, é o que se po<strong>de</strong>ria<br />

chamar <strong>de</strong> “homem dos sete<br />

instrumentos”. Engenheiro mecânico eletricista<br />

graduado pela Escola Politécnica <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (turma <strong>de</strong> 1956),<br />

Assmann <strong>foi</strong>, entre outras coisas, professor <strong>da</strong><br />

mesma Politécnica/USP, na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Máquinas<br />

Elétricas; engenheiro <strong>da</strong> Companhia<br />

Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional (CSN) e <strong>da</strong> Companhia<br />

Si<strong>de</strong>rúrgica Paulista (Cosipa); gerente <strong>da</strong><br />

companhia Aços Villares; presi<strong>de</strong>nte do <strong>Metrô</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> por sete anos; presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

Cosipa; presi<strong>de</strong>nte dos conselhos <strong>de</strong> administração<br />

<strong>da</strong> privatização <strong>da</strong> Caraíba Metais<br />

(BA) e <strong>da</strong> Companhia Nacional do Cobre (RS)<br />

– empresas <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> do Banco Nacional<br />

<strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico e Social<br />

(BNDES); presi<strong>de</strong>nte do conselho <strong>de</strong> administração<br />

do <strong>Metrô</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro; membro<br />

<strong>da</strong> primeira diretoria <strong>da</strong> Companhia Paulista<br />

<strong>de</strong> Trens Metropolitanos (CPTM); secretário<br />

<strong>de</strong> Transportes do Estado <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, na<br />

gestão do governador Mário Covas, quando<br />

implementou o Programa <strong>de</strong> Concessões Rodoviárias<br />

do Estado; diretor superinten<strong>de</strong>nte<br />

do Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Tecnológicas (IPT);<br />

presi<strong>de</strong>nte do Instituto <strong>de</strong> Engenharia (IE) na<br />

gestão 1983-1984.<br />

“Eu sou um dócil<br />

indócil”, <strong>de</strong>fine-se Assmann.<br />

Sempre trajado<br />

com sóbria elegância,<br />

empertigado, cosmopolita<br />

sem afetação, <strong>de</strong> comunicação<br />

fácil e clara,<br />

ele costuma guarnecer<br />

algumas frases com um<br />

olhar <strong>de</strong>morado em direção<br />

ao repórter e um riso<br />

que se interrompe tão rapi<strong>da</strong>mente<br />

quanto aflora<br />

aos lábios: é a senha para<br />

que o interlocutor perce-<br />

A implantação do<br />

<strong>Metrô</strong>-SP incorporou,<br />

à época, o que <strong>de</strong><br />

mais mo<strong>de</strong>rno<br />

havia em termos<br />

<strong>de</strong> tecnologia e<br />

induziu as empresas<br />

nacionais a <strong>da</strong>r um<br />

gran<strong>de</strong> salto <strong>de</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

ba que aquela fala merece tratamento VIP na<br />

estruturação <strong>da</strong> reportagem. Consi<strong>de</strong>rado um<br />

dos profissionais do setor <strong>de</strong> transporte público<br />

mais bem sucedidos e reconhecidos no<br />

Brasil em todos os tempos, Plínio Assmann é<br />

o focalizado <strong>de</strong>sta edição na série <strong>de</strong> reportagens<br />

“Linha <strong>de</strong> Frente <strong>da</strong> Engenharia” sobre<br />

engenheiros que alcançaram gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

em suas trajetórias profissionais.<br />

A par <strong>de</strong> suas múltiplas realizações em<br />

outras áreas, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sligar a figura <strong>de</strong><br />

Plínio Assmann <strong>da</strong> história do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>. Divisor <strong>de</strong> águas na engenharia brasileira,<br />

a implantação do <strong>Metrô</strong>-SP <strong>de</strong>flagrou<br />

não só um formidável <strong>de</strong>senvolvimento em<br />

projetos, obras e equipamentos, mas também<br />

elevou a novos patamares o aumento <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

técnica e capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção <strong>de</strong><br />

tecnologia. “Não tínhamos nenhuma experiência<br />

nessa área, porém em pouco tempo<br />

o <strong>Metrô</strong> e as empresas nacionais <strong>de</strong> engenharia<br />

<strong>de</strong> projetos, construção e montagem<br />

tornaram-se autossuficientes, enquanto altos<br />

índices <strong>de</strong> nacionalização dos equipamentos<br />

eram atingidos”, orgulha-se ele, que presidiu<br />

a companhia durante a implantação <strong>da</strong><br />

primeira linha e o <strong>de</strong>lineamento <strong>da</strong> segun<strong>da</strong>,<br />

<strong>de</strong> 1971 a 1977. De fato, a implantação do<br />

<strong>Metrô</strong>-SP incorporou, à época, o que <strong>de</strong> mais<br />

mo<strong>de</strong>rno havia em termos <strong>de</strong> tecnologia e induziu<br />

as empresas nacionais a promoverem<br />

um gran<strong>de</strong> salto <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pelo rigor <strong>de</strong><br />

suas especificações. O metrô paulistano <strong>foi</strong> o<br />

primeiro no mundo a operar em Automatic<br />

Train Operation (ATO) e a ter um Centro <strong>de</strong><br />

Controle Operacional (CCO) centralizado para<br />

to<strong>da</strong>s as linhas. Muitos especialistas e estudiosos,<br />

brasileiros e do exterior, asseguram<br />

que o <strong>Metrô</strong>-SP <strong>foi</strong> uma “universi<strong>da</strong><strong>de</strong>”, com<br />

contribuições altamente positivas para a engenharia<br />

brasileira.<br />

Em sua entrevista exclusiva à REVIS-<br />

TA ENGENHARIA, Plínio Assmann proferiu,<br />

à queima-roupa, uma frase <strong>de</strong> impacto. <strong>“O</strong><br />

<strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong> <strong>global</strong> muito <strong>antes</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>global</strong>ização. Ou seja,<br />

apesar do metrô que <strong>foi</strong><br />

construído na capital<br />

paulista ter sido executado<br />

por engenheiros<br />

formados nas escolas<br />

brasileiras, ele <strong>foi</strong> extremamente<br />

mo<strong>de</strong>rno porque<br />

esses profissionais<br />

foram verificar o que<br />

havia <strong>de</strong> mais avançado<br />

em termos <strong>de</strong> tecnologia<br />

no mundo. Tudo isso<br />

<strong>foi</strong> feito sem outra coisa<br />

que não gosto <strong>de</strong> viajar<br />

e vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r.<br />

Para trabalhar no <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, o jovem<br />

engenheiro tinha que ter diploma e passaporte.<br />

Ele saía, ia apren<strong>de</strong>r alguma coisa lá<br />

fora e trazia para cá. Ou seja, a companhia<br />

<strong>foi</strong> mesmo <strong>global</strong> <strong>antes</strong> <strong>da</strong> <strong>global</strong>ização. Isso<br />

tudo <strong>foi</strong> feito com simplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, sem custos<br />

exagerados, só as <strong>de</strong>spesas normais <strong>da</strong>s viagens.<br />

Os jovens pioneiros do <strong>Metrô</strong> passaram<br />

a conhecer os engenheiros dos outros metrôs<br />

do mundo que entendiam bastante <strong>da</strong>quele<br />

assunto, e que eles precisavam dominar para<br />

colocar em prática em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. O <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong> construído assim. Além disso,<br />

naquela época, os técnicos <strong>da</strong> companhia se<br />

correspondiam com os técnicos <strong>da</strong> mesma<br />

especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos metrôs <strong>de</strong> Londres, Paris,<br />

Toronto. Quer dizer, o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

teve acesso à melhor tecnologia disponível<br />

naquele momento.”<br />

Para Assmann, o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico<br />

não constitui, como po<strong>de</strong>ria parecer<br />

à primeira vista, um processo <strong>de</strong><br />

evolução gradual e contínuo tipicamente representável<br />

por uma curva ascen<strong>de</strong>nte. Essa<br />

seria somente a imagem simplifica<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mais complexa, que se apresenta<br />

na forma <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros saltos qualitativos,<br />

ou “momentos tecnológicos”, seguidos<br />

<strong>de</strong> períodos relativamente prolongados <strong>de</strong><br />

assimilação, maturação e aplicação. Desses<br />

“momentos” resultaram ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras “on<strong>da</strong>s”<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, que extravasaram<br />

os limites <strong>de</strong> seus setores originais,<br />

induzindo processos abrangentes. “<strong>São</strong> bem<br />

conhecidos os exemplos <strong>da</strong> introdução no<br />

país <strong>da</strong> indústria si<strong>de</strong>rúrgica, através <strong>da</strong> implantação<br />

<strong>da</strong> Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional<br />

[CSN], e <strong>da</strong> Chesf [Companhia Hidro Elétrica<br />

do <strong>São</strong> Francisco], que abriu um longo<br />

caminho <strong>de</strong> construções <strong>de</strong> hidrelétricas com<br />

tecnologia e empresas nacionais; assim como<br />

outro ‘momento tecnológico’, o <strong>da</strong> instalação<br />

do parque automobilístico, todos com<br />

forte incentivo promocional do Estado, que<br />

criou o conceito <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

produto, ain<strong>da</strong> <strong>antes</strong> não atingido em nossa<br />

indústria”, enumera Assmann. Depois veio o<br />

caso do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, que se perfila<br />

junto com esses exemplos, e estabeleceu as<br />

bases <strong>da</strong> transição para uma nova fase no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento urbano, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> no<br />

transporte rápido <strong>de</strong> massa <strong>de</strong> avança<strong>da</strong> tecnologia.<br />

Era a <strong>de</strong>mocratização do transporte<br />

coletivo <strong>de</strong> massas com digni<strong>da</strong><strong>de</strong>, apesar<br />

<strong>de</strong>, ironicamente, o início <strong>da</strong>s obras ter-se<br />

<strong>da</strong>do exatamente no dia 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1968, quando as manchetes <strong>de</strong> todos os jornais<br />

brasileiros estampavam a assinatura, na<br />

véspera, do Ato Institucional nº 5.<br />

A exemplo <strong>da</strong> si<strong>de</strong>rurgia, <strong>da</strong>s barragens<br />

e <strong>da</strong> indústria automobilística, as linhas <strong>de</strong><br />

metrô constituíam também, no imaginário<br />

<strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>alizadores, um gran<strong>de</strong> universo<br />

tecnológico aparentemente impenetrável,<br />

<strong>de</strong> segredos quase míticos. Teríamos engenheiros<br />

e arquitetos em condições <strong>de</strong> projetar<br />

e implantar obras subterrâneas e túneis<br />

em plena área urbana <strong>de</strong>nsamente ocupa<strong>da</strong><br />

e utiliza<strong>da</strong>? Teríamos engenharia elétrica e<br />

eletrônica? Teríamos recursos humanos à altura<br />

<strong>da</strong> tarefa <strong>de</strong> operar e manter o sistema?<br />

E até mesmo nossa população, estaria ela<br />

prepara<strong>da</strong> para utilizar um metrô mo<strong>de</strong>rno e<br />

automatizado? Como já <strong>de</strong>u a enten<strong>de</strong>r Assmann,<br />

para enfrentar o <strong>de</strong>safio – e em <strong>de</strong>cidido<br />

gesto <strong>de</strong> autoestima –, optou-se por<br />

adotar os recursos mais mo<strong>de</strong>rnos e <strong>de</strong> mais<br />

avança<strong>da</strong> tecnologia disponíveis na época, o<br />

que significou em muitos casos o pioneirismo<br />

absoluto em nível mundial.<br />

— O senhor <strong>foi</strong> o primeiro presi<strong>de</strong>nte<br />

do <strong>Metrô</strong>? — in<strong>da</strong>gamos.<br />

“Não. Muita gente pensa que fui eu, mas<br />

o primeiro presi<strong>de</strong>nte do <strong>Metrô</strong> <strong>foi</strong> o Francisco<br />

Quintanilha Ribeiro, que <strong>foi</strong> ministro-<br />

-chefe <strong>da</strong> Casa Civil do então presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

República, Jânio Quadros. Eu fui o que ficou<br />

mais tempo na presidência <strong>da</strong> companhia:<br />

sete anos. O <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong> uma <strong>da</strong>s<br />

obras fun<strong>da</strong>mentais realiza<strong>da</strong>s pela mo<strong>de</strong>rna<br />

engenharia nacional. Mas como o resto do<br />

Brasil não acompanhava esta dinâmica <strong>de</strong><br />

avanço tecnológico instaura<strong>da</strong> pela Companhia<br />

do <strong>Metrô</strong>, criamos uma associação,<br />

com o objetivo <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r a difundir essas<br />

inovações para as outras ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras:<br />

a Associação Nacional <strong>de</strong> Transportes Públicos<br />

– ANTP. Para que as outras partes do<br />

Brasil tivessem uma referência melhor sobre<br />

o que <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno acontecia no mundo.<br />

A ANTP englobava metrô, ônibus, re<strong>de</strong> ferroviária,<br />

veio CBTU [Companhia Brasileira <strong>de</strong><br />

Trens Urbanos], veio todo mundo que tratava<br />

<strong>de</strong> transportes públicos. Então o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> uniu to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional<br />

<strong>de</strong> transportes públicos. A ANTP está para<br />

fazer 35 anos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. De <strong>de</strong>z em <strong>de</strong>z anos há<br />

um congresso que une o Brasil inteiro. Agora<br />

mesmo, na segun<strong>da</strong> quinzena <strong>de</strong> outubro,<br />

houve um, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. E aí as pessoas<br />

que estão envolvi<strong>da</strong>s com transportes públicos<br />

se informam umas com as outras sobre<br />

aquilo que o <strong>Metrô</strong> e <strong>de</strong>mais companhias<br />

estão realizando. Por iniciativa do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> também se trouxe para o Brasil a<br />

reunião <strong>da</strong> União Internacional do Transporte<br />

Público, que é um congresso mundial na<br />

especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos transportes públicos. De<br />

modo que <strong>foi</strong> criado um canal <strong>de</strong> comunicação<br />

permanente, sem custos, com o mundo.<br />

Ao fazer isso, o passo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong>u <strong>foi</strong> enorme. Quer<br />

dizer, o <strong>Metrô</strong> trouxe a melhor tecnologia<br />

do mundo para ser feita no Brasil, mas com<br />

a participação ativa <strong>da</strong> indústria brasileira.<br />

Dessa forma, entramos no estado <strong>da</strong> arte, ou<br />

seja, atingimos o nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

tecnológico mundial <strong>da</strong>quela época. Só para<br />

você ter i<strong>de</strong>ia, o metrô <strong>da</strong> capital americana<br />

Washington, que <strong>foi</strong> inaugurado <strong>de</strong>pois<br />

do metrô paulistano usou tecnologia mais<br />

atrasa<strong>da</strong> que a nossa. Então o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong> pioneiro numa série <strong>de</strong> inovações.<br />

Na época, nós tínhamos consciência <strong>de</strong> que,<br />

se estávamos fazendo o primeiro metrô do<br />

Brasil, tínhamos que ter um nível <strong>de</strong> excelência,<br />

porque aquele <strong>de</strong>veria passar a ser o<br />

padrão <strong>da</strong>li por diante. E esse padrão ain<strong>da</strong><br />

hoje persiste, 40 anos <strong>de</strong>pois.”<br />

— O senhor costuma dizer que há 40<br />

anos o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> inovou em tecnologia<br />

<strong>da</strong> informação. Como é isso? — pedimos<br />

que explicasse.<br />

“Bom, naquela época nem se usava esse<br />

nome. Mas nós fomos pioneiros ‘na base’.<br />

Ou seja, o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, mesmo nos<br />

primórdios, <strong>foi</strong> profun<strong>da</strong>mente automático.<br />

Uma automação ousa<strong>da</strong>, adota<strong>da</strong> com êxito.<br />

Tanto que nunca houve ‘tromba<strong>da</strong>’ entre<br />

trens no <strong>Metrô</strong>. Os trens sempre foram<br />

coman<strong>da</strong>dos pelo CCO [Centro <strong>de</strong> Controle<br />

Operacional] do Bairro do Paraíso, automaticamente.<br />

Eram três computadores. Naquela<br />

época os equipamentos eram enormes e hoje<br />

são menores, claro. Um que opera a linha, outro<br />

que faz tudo igual – para o caso <strong>de</strong> acontecer<br />

algum problema –, e o terceiro para ver<br />

qual dos dois primeiros é que está certo. Para<br />

não ter erro mesmo. Então o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> são<br />

<strong>Paulo</strong> <strong>foi</strong> praticamente do primeiro metrô do<br />

mundo a usar circuitos eletrônicos vitais com<br />

êxito. Teve o <strong>de</strong> <strong>São</strong> Francisco, na Califórnia,<br />

também. Mas num sistema cheio <strong>de</strong> passageiros,<br />

com o usuário aceitando a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> para<br />

valer, o primeiro a ter circuitos eletrônicos<br />

vitais que coman<strong>da</strong>vam o trem, <strong>foi</strong> o <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>. Na época só se tinha isso na agência<br />

espacial americana, a Nasa. Para lançamento<br />

<strong>de</strong> foguetes. A confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sses circuitos<br />

eletrônicos que coman<strong>da</strong>m frenagem, aceleração<br />

do trem, to<strong>da</strong>s essas coisas, <strong>foi</strong> plenamente<br />

confirma<strong>da</strong> pelo povo. Então <strong>foi</strong> um<br />

sucesso tecnológico monumental. E também<br />

<strong>foi</strong> espetacular a forma como o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> internalizou essa tecnologia no Brasil.<br />

Havia o fornecedor estrangeiro – no caso,<br />

americano – que entregava os sistemas <strong>de</strong> segurança<br />

encomen<strong>da</strong>dos. Aí o <strong>Metrô</strong> contratou<br />

a Unicamp e a USP para conferir tudo que<br />

os americanos faziam. Os americanos tinham<br />

que fazer os projetos, preparar os <strong>de</strong>senhos.<br />

Tudo era checado. A título <strong>de</strong> curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />

como subproduto <strong>de</strong>sse processo, a USP acabou<br />

criando uma fun<strong>da</strong>ção, a Fun<strong>da</strong>ção para<br />

o Desenvolvimento Tecnológico <strong>da</strong> Engenharia<br />

[FDTE]. A fun<strong>da</strong>ção <strong>foi</strong> instituí<strong>da</strong> em<br />

1972 por um grupo <strong>de</strong> professores <strong>da</strong> Escola<br />

Politécnica. Concebi<strong>da</strong> e estrutura<strong>da</strong> como<br />

uma interface entre o ambiente acadêmico e<br />

o setor produtivo, a FDTE estabeleceu, como<br />

seu objetivo básico, contornar as diferenças<br />

naturais entre esses dois ambientes, possibilitando<br />

uma parceria eficiente e eficaz para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico do Brasil. Além<br />

disso, contratamos outro laboratório – in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

– que fazia testes nos Estados Unidos.<br />

De modo que tudo <strong>foi</strong> conferido. Tudo<br />

<strong>foi</strong> analisado pelos brasileiros, para que o<br />

fornecedor não cometesse erros. Até porque<br />

errar é humano. Interessante que hoje a Linha<br />

4-Amarela do <strong>Metrô</strong> funciona sem operador.<br />

Mas há 40 anos o operador do trem só ficava<br />

lá na cabine – e continuou ficando ano<br />

após ano – porque ninguém tinha coragem<br />

<strong>de</strong> dizer que o trem podia funcionar sozinho.<br />

Havia o medo <strong>de</strong> que as pessoas apeli<strong>da</strong>ssem<br />

os trens do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> ‘trem fantasma’. Mas<br />

não quero, <strong>de</strong> forma alguma, tirar o valor do<br />

operador. Ele faz algumas coisas. Fala com o<br />

CCO e outros <strong>de</strong>talhes. Mas o fato é que hoje<br />

a Linha 4-Amarela está sem operador e funciona<br />

normalmente.”<br />

— Quais as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s iniciais para<br />

perfurar túneis e li<strong>da</strong>r com os diferentes tipos<br />

<strong>de</strong> solo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>? — perguntamos<br />

a seguir.<br />

“As operações envolvendo o subsolo foram<br />

outra aventura. Na região <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong><br />

Paulista é um tipo <strong>de</strong> solo, no Anhangabaú<br />

é outro solo. Então – muitos perguntavam<br />

– como é que o equipamento shield [Earth<br />

Pressure Balanced (EPB)], o popular tatuzão,<br />

vai passar por baixo <strong>de</strong> regiões tão diferentes<br />

umas <strong>da</strong>s outras, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

geológico? Passando, ué! Na Rua Boa Vista,<br />

no centro bancário <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, não havia só<br />

o problema dos prédios aparentes, mas tam-<br />

30 engenharia 607 / 2011<br />

www.brasilengenharia.com.br<br />

www.brasilengenharia.com.br engenharia 607 / 2011 31<br />

FOTOS: ARQUiVO ENGENHARiA


ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE<br />

I ENGENHARIA<br />

bém as construções subterrâneas escondi<strong>da</strong>s<br />

que existiam e não estavam no mapeamento.<br />

O tatuzão ia evoluindo pela Boa Vista e <strong>de</strong><br />

repente trombava com ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras caixas-<br />

-fortes no subterrâneo dos prédios, sem conhecimento<br />

<strong>de</strong> ninguém.”<br />

Segundo técnicos atualmente em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

no <strong>Metrô</strong>-SP, quando o primeiro shield<br />

furou túneis na primeira linha, a então Jabaquara-Santana,<br />

os operários trabalhavam na<br />

frente do equipamento escavando manualmente<br />

e sob pressão. Era um sacrifício muito<br />

gran<strong>de</strong>. A pessoa entrava num compartimento<br />

que ficava <strong>de</strong>ntro do túnel e que chamávamos<br />

‘eclusa’. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, era uma câmara hiperbárica,<br />

um local em que a pressão <strong>de</strong> oxigênio<br />

po<strong>de</strong> ser eleva<strong>da</strong> acima <strong>da</strong> pressão atmosférica<br />

normal. O operário permanecia sentado<br />

durante três horas, submetendo-se à pressão<br />

que havia <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> câmara, com temperatura<br />

muito alta e ambiente muito úmido. Quando<br />

ele estivesse pronto, isto é, ficasse com a mesma<br />

pressão existente na frente do equipamento<br />

shield, ele saía do compartimento e ia trabalhar<br />

<strong>de</strong>ntro do túnel. Ou seja, abria-se uma<br />

portinha e o operário trabalhava escavando<br />

por cerca <strong>de</strong> três horas. Eram vários operários,<br />

mas não muitos. Quando terminava aquele<br />

turno <strong>de</strong> três horas mais ou menos, eles voltavam<br />

para a eclusa e ficavam lá para mu<strong>da</strong>r<br />

a pressão. Eram aproxima<strong>da</strong>mente mais três<br />

horas na câmara hiperbárica reduzindo aos<br />

poucos a pressão para que esta se igualasse<br />

à pressão atmosférica e o<br />

trabalhador pu<strong>de</strong>sse sair<br />

para o mundo exterior.<br />

Hoje, conversando<br />

com técnicos do <strong>Metrô</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, apura-se<br />

que as pessoas que trabalhavam<br />

nisso, sofriam<br />

bastante naquela época.<br />

As velhas shields que fizeram<br />

a Norte-Sul (hoje<br />

Linha 1-Azul), foram<br />

utiliza<strong>da</strong>s também no<br />

trecho entre a Praça <strong>da</strong><br />

Sé e o Largo do Arouche<br />

<strong>da</strong> Linha 3-Vermelha (Leste Oeste, na época).<br />

Depois elas viraram sucata. Não tinham<br />

mais utili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Segundo os especialistas, a<br />

shield tem uma vi<strong>da</strong> útil bem <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>,<br />

passando <strong>da</strong>quilo não adianta insistir, porque<br />

não dá para aproveitar.<br />

— E o capítulo <strong>da</strong>s implosões <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

edifícios, como <strong>foi</strong>? — pedimos que Assmann<br />

recor<strong>da</strong>sse.<br />

“A implosão do Edifício Men<strong>de</strong>s Cal<strong>de</strong>ira,<br />

que <strong>de</strong>u lugar à Estação Sé do <strong>Metrô</strong>,<br />

vai completar 36 anos em 16 <strong>de</strong> novembro.<br />

Bom, pelo projeto, o <strong>Metrô</strong> tinha que <strong>de</strong>-<br />

Criou-se uma<br />

associação, com o<br />

objetivo <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r a<br />

difundir para as outras<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras<br />

as inovações trazi<strong>da</strong>s<br />

pelo <strong>Metrô</strong>-SP: a<br />

Associação Nacional <strong>de</strong><br />

Transportes Públicos<br />

molir o prédio. E todo dia tinha gente que<br />

estava passando em baixo e levava tijola<strong>da</strong><br />

na cabeça. Porque, apesar do tapume e <strong>de</strong>mais<br />

cui<strong>da</strong>dos, o trabalhador está lá em cima<br />

com a marreta... Broom! Pá! Pum! E atingia a<br />

pessoa. Não <strong>da</strong>va para continuar assim. Para<br />

<strong>de</strong>molir o Men<strong>de</strong>s Cal<strong>de</strong>ira na base <strong>da</strong> marreta<br />

e picareta seria preciso isolar to<strong>da</strong> a Praça<br />

<strong>da</strong> Sé... Como seria possível? Um absurdo! Aí<br />

<strong>de</strong>cidimos que iríamos fazer implosão. Mas<br />

<strong>antes</strong> teríamos que apren<strong>de</strong>r a fazer implosão.<br />

O problema era que só existia uma firma<br />

americana que fazia isso. Ela teria que se associar<br />

a uma firma brasileira, para transferir<br />

conhecimento. Antes <strong>de</strong> o americano fazer a<br />

coisa, tinha que explicar tudo para a gente.<br />

Tínhamos que contratar um escritório <strong>de</strong> engenharia<br />

para saber o que o americano estava<br />

fazendo. Era americano falando, brasileiro<br />

junto, japonês junto, IPT [Instituto <strong>de</strong> Pesquisas<br />

Tecnológicas] junto... E uma companhia<br />

<strong>de</strong> engenharia brasileira acompanhando<br />

tudo. E assim o Men<strong>de</strong>s Cal<strong>de</strong>ira acabou vindo<br />

abaixo. A implosão do prédio comercial <strong>de</strong><br />

30 an<strong>da</strong>res com 364 escritórios durou apenas<br />

8 segundos, num domingo, e reuniu centenas<br />

<strong>de</strong> espectadores que queriam ver <strong>de</strong> perto o<br />

espetáculo. A técnica ain<strong>da</strong> era novi<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />

Brasil. Nunca um prédio tão alto havia sido<br />

<strong>de</strong>molido <strong>de</strong>sta forma. O edifício virou 20 tonela<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> entulho com o novo método que<br />

pela primeira vez no país substituiu a <strong>de</strong>molição<br />

por picaretas. Durante semanas, 360<br />

quilos do explosivo tritonita<br />

foram colocados<br />

em 972 furos, nos pilares<br />

do prédio <strong>de</strong> 30 an<strong>da</strong>res.<br />

O <strong>Metrô</strong> convidou 1 000<br />

pessoas e cre<strong>de</strong>nciou<br />

300 jornalistas para o<br />

espetáculo que mudou<br />

a paisagem do centro,<br />

unindo as praças Clóvis<br />

Beviláqua e a Sé.”<br />

— Mas a i<strong>de</strong>ia original<br />

não era fazer a implosão<br />

sem avisar ninguém,<br />

num sigilo total<br />

até a hora <strong>da</strong> <strong>de</strong>tonação? — solicitamos<br />

que esclarecesse.<br />

“De fato, tinha esse problema: a gente<br />

achava que não podia contar para ninguém.<br />

Não podia fazer chegar ao conhecimento<br />

dos jornalistas, não podia anunciar. Porque<br />

se anunciasse o povo vinha em massa e ninguém<br />

segurava. Então chegou o sábado anterior<br />

ao domingo <strong>da</strong> implosão, todo mundo<br />

teve que <strong>de</strong>ixar os escritórios em volta, a<br />

praça <strong>foi</strong> fecha<strong>da</strong>. Acontece que um jornalista<br />

do extinto ‘Diário Popular’ [atual ‘Diário<br />

<strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>’] anunciou que no dia seguinte,<br />

domingo, haveria a implosão, porque o padre<br />

<strong>da</strong> Catedral <strong>da</strong> Sé comunicou aos fiéis<br />

que ‘no domingo não vai ter missa, porque o<br />

<strong>Metrô</strong> vai fazer a implosão do Men<strong>de</strong>s Cal<strong>de</strong>ira’.<br />

Aí lotou. Afinal, quem tinha falado<br />

era padre. Não <strong>da</strong>va mais tempo <strong>de</strong> voltar<br />

atrás. Cre<strong>de</strong>nciou-se a imprensa e fizemos a<br />

implosão. De aprendizado em aprendizado,<br />

fomos seguindo. O <strong>Metrô</strong> estava aberto para<br />

a mídia, fez curso <strong>de</strong> metrô para jornalistas.<br />

Os jornalistas não sabiam o que era aquilo,<br />

nem sabiam fazer as perguntas. Então tem<br />

por aí jornalista que hoje é famoso e que<br />

fez o curso <strong>de</strong> metrô. E todo engenheiro ou<br />

técnico do <strong>Metrô</strong> podia falar com jornalista.<br />

Não tinha problema, podia falar à vonta<strong>de</strong>. E<br />

os técnicos e engenheiros muitas vezes falavam<br />

besteira. Aí o jornalista vinha conferir<br />

comigo. E eu dizia se estava errado ou não.”<br />

— O senhor diria que o <strong>Metrô</strong> representou<br />

um ponto <strong>de</strong> inflexão na cobertura<br />

jornalística <strong>da</strong> editoria <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s? — pedimos<br />

que opinasse.<br />

“Eu diria que sim. Porque, com o advento<br />

<strong>da</strong>s obras do <strong>Metrô</strong>, os jornais começaram<br />

a perceber que havia mais assunto para as<br />

editorias <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que não apenas crimes<br />

e outros casos policiais. Porque, <strong>antes</strong>, as<br />

páginas <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> eram somente crime e<br />

afins. Os jornais perceberam que havia alguma<br />

coisa positiva acontecendo na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Aí<br />

começaram a surgir os ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

com jornalistas <strong>de</strong> melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. E, <strong>de</strong>ssa<br />

forma, o <strong>Metrô</strong> estava todo dia no jornal.<br />

Na época, a censura à imprensa era braba<br />

e tinha receita <strong>de</strong> bolo nas páginas do<br />

‘Jornal <strong>da</strong> Tar<strong>de</strong>’ e versos <strong>de</strong> Camões nas<br />

do ‘Estadão’. As receitas e versos entravam<br />

nos vazios <strong>de</strong>ixados pelas matérias censura<strong>da</strong>s.<br />

Até que um dia aconteceu um fato<br />

muito interessante: o ‘Estadão’ publicou na<br />

primeira página uma fotografia do tapume<br />

do <strong>Metrô</strong> com aquela caveira sobre duas tíbias<br />

cruza<strong>da</strong>s, que é a sinalização universal<br />

<strong>de</strong> perigo por alta tensão elétrica. Embaixo<br />

<strong>da</strong> fotografia estava escrito: ‘Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> interdita<strong>da</strong>’.<br />

O <strong>Metrô</strong> interditou a Aveni<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> etc., dizia o texto. Aí eu percebi<br />

que o censor estava <strong>de</strong> nosso lado, do lado<br />

do <strong>Metrô</strong>. Esse <strong>foi</strong> o recado que o censor<br />

<strong>de</strong>u para todo mundo: certas coisas não vão<br />

mais ser censura<strong>da</strong>s. Po<strong>de</strong> censurar o que<br />

for, mas não o <strong>Metrô</strong>. Quer dizer, o <strong>Metrô</strong><br />

vinha agindo <strong>de</strong> forma correta, não escondia<br />

na<strong>da</strong> e merecia confiança. Inclusive o <strong>Metrô</strong><br />

ajudou a própria imprensa. E a imprensa<br />

ajudou o <strong>Metrô</strong> porque o editor só man<strong>da</strong>va<br />

para cá bons jornalistas. Aí, lembro-me que<br />

começou pelos jornais a polêmica do trem.<br />

Uns achavam o trem bonito, outros achavam<br />

feio. A companhia chegou a <strong>de</strong>cidir colocar<br />

uma máscara <strong>de</strong> plástico na frente do trem,<br />

para agra<strong>da</strong>r quem achava que era feio. Só<br />

que, <strong>de</strong> repente, percebemos que o maior<br />

sucesso, o ‘galã’ do <strong>Metrô</strong> não era o trem,<br />

era a esca<strong>da</strong> rolante. O povão adorou, não<br />

conhecia esca<strong>da</strong> rolante. Porque não tinha.<br />

Só tinha na Galeria Prestes Maia, subindo<br />

do Anhangabaú para a Praça do Patriarca. O<br />

<strong>Metrô</strong> comprou 130 esca<strong>da</strong>s rol<strong>antes</strong>, rápi<strong>da</strong>s<br />

e largas. Foi a sensação.”<br />

— Qual o papel reservado para a engenharia<br />

brasileira no trabalho <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r o<br />

Brasil a superar suas insuficiências na área<br />

<strong>de</strong> infraestrutura? — perguntamos.<br />

“Você aí toca no ponto nevrálgico. Então<br />

vou dizer o seguinte: a coisa que mais<br />

faz falta no Brasil <strong>de</strong> hoje – mas que o Brasil<br />

tinha 30 anos atrás – é um projeto <strong>de</strong> nação.<br />

O planejamento brasileiro hoje é reflexo<br />

do que o mercado mundial pe<strong>de</strong> e quer. O<br />

mercado quer mina <strong>de</strong> ferro? O Brasil é um<br />

gran<strong>de</strong> produtor mundial <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro.<br />

O mercado mundial quer soja. Então o<br />

Brasil aten<strong>de</strong>. Mas, déca<strong>da</strong>s atrás, o Brasil<br />

fazia coisas como, por exemplo, a maior hidrelétrica<br />

do mundo: Itaipu. Recentemente<br />

Itaipu per<strong>de</strong>u essa posição porque os chineses<br />

construíram a usina hidrelétrica <strong>de</strong> Três<br />

Gargantas, que a superou. Mas tudo bem. E<br />

veja que Itaipu <strong>foi</strong> feita pelos engenheiros<br />

brasileiros. O pessoal <strong>da</strong> área <strong>de</strong> engenharia<br />

começou a apren<strong>de</strong>r a fazer hidrelétrica<br />

no Rio Tietê, no Rio Pardo, no Rio Gran<strong>de</strong>,<br />

no Rio Paraná. Foi crescendo, crescendo...<br />

e chegou a Itaipu. No peito e na raça. Não<br />

fazemos mais hidrelétrica assim. Apesar <strong>de</strong><br />

tudo o que se fala <strong>de</strong> Belo Monte, no Estado<br />

do Pará – uma hidrelétrica <strong>de</strong> tamanho<br />

inferior do que seria <strong>de</strong>sejável para um rio<br />

monumental como o Xingu –, ela <strong>de</strong>veria ser<br />

projeta<strong>da</strong> para produzir muito mais energia<br />

do que o volume que vem sendo anunciado.<br />

Admito que temos agora a questão do meio<br />

ambiente. Tá certo. Só que o meio ambiente<br />

virou maior que o próprio Brasil. O pano <strong>de</strong><br />

fundo, no entanto, é que não temos projeto<br />

<strong>de</strong> nação. Porque o problema é o seguinte:<br />

as insatisfações dos mais diversos setores<br />

aparecem, mas como o Brasil não tem rumo,<br />

as insatisfações predominam. Então, minha<br />

resposta sintética a sua pergunta é essa: falta<br />

<strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> nação.”<br />

— Qual a repercussão disso sobre a<br />

engenharia brasileira? — pedimos que<br />

consi<strong>de</strong>rasse.<br />

“Ah! A engenharia nacional não morrerá.<br />

O Brasil tem boas escolas <strong>de</strong> engenharia.<br />

Algumas são ótimas. A escola <strong>de</strong> engenharia<br />

ensina o aluno a estu<strong>da</strong>r. Engenharia não é<br />

para vagabundo. Vagabundo não gosta <strong>de</strong><br />

engenharia. Então a escola <strong>de</strong> engenharia en-<br />

sina a estu<strong>da</strong>r e o estu<strong>da</strong>nte sai <strong>de</strong> lá com<br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> para trabalhar e produzir. Como é<br />

uma pessoa culta, ele logo vira um lí<strong>de</strong>r. Ele<br />

vai li<strong>de</strong>rar gente, chefiar equipes <strong>de</strong> operários,<br />

vai ter que produzir para o Brasil. Então<br />

a engenharia brasileira não morrerá nunca.<br />

Mesmo porque nós ain<strong>da</strong> temos muito para<br />

construir neste país. A infraestrutura não cai<br />

do céu. Outras coisas caem do céu: produção<br />

agrícola, por exemplo – e<br />

outras coisas mais –, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

do céu. Mas infraestrutura<br />

tem que ser<br />

feita por completo pela<br />

mão do homem, do começo<br />

ao fim. Nós observamos<br />

uma falha enorme<br />

na área <strong>de</strong> infraestrutura.<br />

Para os mais jovens, que<br />

não se recor<strong>da</strong>m, na déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 1970 veio o primeiro<br />

gran<strong>de</strong> choque do<br />

petróleo. Justo quando<br />

nós estávamos para <strong>da</strong>r<br />

um gran<strong>de</strong> salto para frente. Veio o choque...<br />

e o Brasil não produzia petróleo. Naquela<br />

época <strong>foi</strong> uma caceta<strong>da</strong> e tanto que o Brasil<br />

levou. A infraestrutura dos Estados Unidos<br />

<strong>foi</strong> feita com petróleo a 2 dólares por barril.<br />

E no primeiro choque do petróleo, o petróleo<br />

<strong>foi</strong> a 20 dólares o barril. Portanto, tivemos<br />

problema sério. Hoje nós temos petróleo. Hoje<br />

somos o país mais rico do mundo em recursos<br />

naturais. E temos tudo por fazer. E quem<br />

vai fazer isso? A engenharia. A engenharia é<br />

a profissão mais humana que existe. O engenheiro<br />

é mais humano que os profissionais<br />

<strong>de</strong> ciências humanas. Por quê? Porque o engenheiro<br />

faz a aplicação <strong>da</strong>s leis <strong>da</strong> natureza<br />

em benefício do homem. Então o engenheiro<br />

apren<strong>de</strong> a domar um rio. Do conhecimento<br />

<strong>de</strong>le nascem estruturas, resistências <strong>de</strong> materiais.<br />

O engenheiro é um indivíduo que<br />

trabalha junto com os li<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>le. O engenheiro<br />

é assim: formou, <strong>foi</strong> procurar um<br />

emprego, é man<strong>da</strong>do a trabalhar em algum<br />

lugar – às vezes distante <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>foi</strong> criado<br />

–, e ele tem que virar lí<strong>de</strong>r. E os engenheiros<br />

brasileiros <strong>de</strong>sempenharam bem as suas tarefas<br />

até agora. Eu diria que estamos numa<br />

fase – eu espero – <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> um período <strong>de</strong><br />

transição. O processo <strong>de</strong> recessão durou uma<br />

geração. Acho que hoje to<strong>da</strong> a instituição<br />

brasileira está estrutura<strong>da</strong> para não fazer as<br />

coisas. A legislação brasileira atual <strong>de</strong>sestimula<br />

a realização <strong>de</strong> empreendimentos. A Lei<br />

<strong>da</strong>s Licitações 8.666, os tribunais <strong>de</strong> contas<br />

brecando obras – dizendo que é em nome <strong>da</strong><br />

honesti<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas não é. No Brasil, to<strong>da</strong> essa<br />

legislação teria que ser refeita, se quisermos<br />

progredir. Então essa questão do projeto <strong>de</strong><br />

Com o advento <strong>da</strong>s<br />

obras do <strong>Metrô</strong>-SP, os<br />

jornais começaram a<br />

perceber que havia<br />

mais assunto para as<br />

editorias <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que não apenas<br />

crimes e outros casos<br />

policiais<br />

nação diz respeito diretamente à engenharia.”<br />

— No Brasil só existe projeto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r?<br />

— in<strong>da</strong>gamos.<br />

<strong>“O</strong> tio Nicolau Maquiavel já falava, há<br />

mais <strong>de</strong> cinco séculos, que po<strong>de</strong>r é algo que<br />

precisa existir e ser dominado. E não se po<strong>de</strong><br />

escapar disso. Não é disso que estou falando<br />

em relação ao Brasil. O problema aqui é<br />

a falta <strong>de</strong> uma diretriz geral. De li<strong>de</strong>ranças<br />

que enten<strong>da</strong>m o Bra-<br />

sil. Os lí<strong>de</strong>res brasileiros<br />

normalmente enten<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> uma parte, mas não<br />

enten<strong>de</strong>m a propositura<br />

geral do Brasil. Mas durante<br />

50 anos, <strong>de</strong> 1930<br />

até 1980, nós tivemos<br />

uma li<strong>de</strong>rança no Brasil.<br />

O Brasil, no fim <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 1970 tornou-se<br />

a oitava economia do<br />

mundo. Então o Brasil,<br />

sempre teve projeto nacional.<br />

A partir <strong>da</strong> recessão<br />

dos anos 1980, per<strong>de</strong>u o rumo. Ain<strong>da</strong> não<br />

encontramos o caminho novamente, eu acho.”<br />

— O PAC, por exemplo, o que o senhor<br />

acha <strong>de</strong>le? — perguntamos.<br />

“É uma lista <strong>de</strong> obras. Não é um projeto,<br />

é uma lista. Mas, tudo bem, pelo menos<br />

existe isso. É melhor que na<strong>da</strong>. Mas não é um<br />

II PND – Plano Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

– dos tempos dos ministros Simonsen e<br />

Reis Velloso [Durante a gestão <strong>de</strong> Mario Henrique<br />

Simonsen, como ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>,<br />

e João <strong>Paulo</strong> dos Reis Velloso, como ministro<br />

do Planejamento, <strong>foi</strong> implementado o II Plano<br />

Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento, que visava <strong>da</strong>r<br />

seguimento ao processo <strong>de</strong> industrialização<br />

brasileiro no período mundial conturbado dos<br />

anos 1970, por meio <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> entra<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> capitais com o fim <strong>de</strong> promover o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>da</strong> indústria <strong>de</strong> base e possibilitar<br />

uma economia mais ampla e diversifica<strong>da</strong>, estrutura<strong>da</strong><br />

para a dimensão do país]. O II PND<br />

era uma visão integra<strong>da</strong> do Brasil. O PAC é<br />

só um conjunto <strong>de</strong> obras.”<br />

— Como o senhor vê o futuro <strong>da</strong>s parcerias<br />

público-priva<strong>da</strong>s [PPPs] no país? —<br />

pedimos que analisasse.<br />

“Eu diria o seguinte: nós temos três mo<strong>de</strong>los<br />

<strong>de</strong> contratação <strong>de</strong> obras públicas: as obras<br />

públicas regi<strong>da</strong>s pela Lei 8.666 [<strong>de</strong> licitações];<br />

nós temos a PPP e nós temos as concessões.<br />

Eu acho que esse mo<strong>de</strong>lo institucional que nós<br />

temos aí não é normal. A 8.666 não é um instrumento<br />

normal para contratação <strong>de</strong> obras<br />

públicas. A PPP é um pouco melhor, mas ela<br />

tem um viés parecido. E as concessões seguem<br />

a mesma linha. Então nós estamos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma instituição <strong>de</strong> direito que não facilita as<br />

32 engenharia 607 / 2011<br />

www.brasilengenharia.com.br<br />

www.brasilengenharia.com.br engenharia 607 / 2011 33


ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE<br />

I ENGENHARIA<br />

contratações públicas. Claro que o pessoal especializado<br />

enten<strong>de</strong> muito bem <strong>da</strong> matéria, e<br />

contorna to<strong>da</strong>s as proibições com instrumentos<br />

que nem sempre são muito recomendáveis.<br />

Quer dizer, esse processo <strong>de</strong> legislação que nós<br />

temos, não valoriza a engenharia. Ao contrário,<br />

pune a engenharia. Pela 8.666, o contratante,<br />

que é o governo, é obrigado a fazer uma licitação<br />

<strong>de</strong> projeto – que a esmagadora maioria<br />

<strong>da</strong>s vezes é feita pelo<br />

menor preço. E a coisa<br />

melhor para que se tenha<br />

uma boa obra, é que seja<br />

feito um bom projeto.<br />

Esse problema todo que<br />

a mídia bateu forte, com<br />

a que<strong>da</strong> do ministro dos<br />

Transportes, do pessoal<br />

do DNIT, e assim por<br />

diante, tem um pano <strong>de</strong><br />

fundo comum: a falta <strong>de</strong><br />

projeto. A razão <strong>de</strong> tudo<br />

isso, com to<strong>da</strong> a corrupção<br />

envolvi<strong>da</strong>, é não ter<br />

havido projeto nas obras. No Brasil, logo após<br />

a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, tempos <strong>de</strong> Juscelino<br />

Kubitschek, <strong>foi</strong> construí<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s maiores<br />

re<strong>de</strong>s rodoviárias do mundo: em todos os<br />

casos, o DNER fazia a obra com projeto. Sem<br />

projeto, a obra não saía. As obras que são taxa<strong>da</strong>s<br />

hoje como promotoras <strong>de</strong> corrupção, são<br />

obras feitas sem projeto. E o novo ministro dos<br />

Transportes simplesmente afirma em público<br />

que o projeto <strong>da</strong> obra <strong>da</strong> BR-116 em Pernambuco,<br />

passava no meio <strong>de</strong> um lago. Quer dizer,<br />

o projeto simplesmente não <strong>foi</strong> feito. Por quê?<br />

Porque é licitação pelo menor preço. E ninguém<br />

<strong>de</strong>veria economizar no projeto. Porque<br />

com um bom projeto o custo <strong>da</strong> obra cai pela<br />

meta<strong>de</strong>. Hoje o Brasil não dispõe <strong>de</strong> consultoria<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Infelizmente.”<br />

— Como se explica essa falta <strong>de</strong> consultoria<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte no mercado? — pedimos<br />

que abor<strong>da</strong>sse.<br />

“Veja bem: a consultoria in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é<br />

uma engenharia que emite uma opinião que<br />

nem sempre é a opinião do governo. Afinal,<br />

é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Nos Estados Unidos é obrigatório<br />

– por lei do Congresso Nacional <strong>de</strong>les<br />

– que qualquer proposta <strong>de</strong> obra pública seja<br />

acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> parecer <strong>de</strong> uma consultoria<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Este po<strong>de</strong>ria ser um caminho<br />

para o Brasil, mas aqui não é feito assim. Nosso<br />

mo<strong>de</strong>lo é o seguinte: o político brasileiro, o<br />

que ele quer é iniciar coisas novas – e <strong>de</strong>pois<br />

seu sucessor que termine a obra. E essas coisas<br />

novas são ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras aventuras, porque não<br />

são estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s a fundo. Mas o administrador<br />

público quer realizá-las <strong>de</strong> qualquer maneira,<br />

compreen<strong>de</strong>? Isto é muito importante falar.<br />

Ou seja, nós <strong>de</strong>struímos nossa engenharia com<br />

Pela lei 8.666, <strong>de</strong><br />

licitações, o<br />

contratante, que é o<br />

governo, é obrigado<br />

a fazer uma licitação<br />

<strong>de</strong> projeto – que a<br />

esmagadora maioria<br />

<strong>da</strong>s vezes é feita pelo<br />

menor preço<br />

esses mo<strong>de</strong>los <strong>da</strong> lei <strong>de</strong> licitação 8.666 & cia.<br />

lt<strong>da</strong>. Voltando à pergunta anterior: sem uma<br />

boa engenharia, a PPP não tem salvação e a<br />

concessão também não tem salvação. Então, a<br />

sua pergunta sobre a PPP – que eu acho muito<br />

boa – só tem uma resposta: é preciso haver<br />

bom projeto, é preciso que se tenha uma boa<br />

engenharia. Porque, com projeto ruim, tudo<br />

redun<strong>da</strong> numa solução ruim, numa <strong>de</strong>mora<br />

<strong>da</strong> execução do empre-<br />

endimento, e assim por<br />

diante. Então na<strong>da</strong> se faz<br />

– seja em concessão, seja<br />

em PPP, seja em lei 8.666<br />

– sem um bom projeto. O<br />

setor privado brasileiro é<br />

‘vivo’ o suficiente para<br />

se a<strong>da</strong>ptar às circunstâncias,<br />

mas os empresários<br />

reconhecem que se o setor<br />

pu<strong>de</strong>sse contar com<br />

bons projetos ele po<strong>de</strong>ria<br />

produzir obras muito<br />

melhores do que as que<br />

está produzindo. Eles sabem disso.”<br />

— Po<strong>de</strong> falar um pouco <strong>de</strong> sua pessoa e<br />

carreira? — solicitamos.<br />

“Eu sou um dócil indócil (rindo). O primeiro<br />

aspecto que vou ressaltar – o mais importante<br />

– tem a ver com a minha geração.<br />

Eu me formei na Escola Politécnica <strong>da</strong> USP na<br />

especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia mais abrangente<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a engenharia. Eu me formei engenheiro<br />

mecânico eletricista. Digo isso porque<br />

a engenharia mais popular é a civil. Mas ela<br />

não é a mais abrangente <strong>da</strong>s engenharias. Pelo<br />

menos até recentemente. O <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e tecnológico do Brasil já aponta<br />

para que a engenharia mais popular não seja<br />

mais a civil. A engenharia <strong>de</strong> maior populari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

hoje é a engenharia mecânica. Bem, é<br />

uma questão marca<strong>da</strong>mente mercadológica. À<br />

época em que eu me formei, a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> tecnológica<br />

brasileira era muito mais uma competência<br />

construtiva do que uma competência<br />

propriamente tecnológica. Da mesma forma,<br />

no futuro é possível até que as engenharias<br />

mais procura<strong>da</strong>s sejam as engenharias <strong>da</strong> tecnologia<br />

<strong>da</strong> informação.<br />

Então eu tive o privilégio <strong>de</strong> me formar<br />

numa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia que cobria<br />

to<strong>da</strong>s as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> engenharias. Dessa<br />

maneira, eu aprendi bem as engenharias fun<strong>da</strong>mentais.<br />

Que são basea<strong>da</strong>s nas leis naturais.<br />

Eu me formei em 1956. Os professores <strong>da</strong> Poli/<br />

USP, na época, tinham salários correspon<strong>de</strong>ntes<br />

a <strong>de</strong>sembargador. Infelizmente não é mais<br />

assim. A Politécnica não era no campus <strong>da</strong><br />

universi<strong>da</strong><strong>de</strong> como é hoje. A escola funcionava<br />

no Bom Retiro, na Praça Coronel Fernando<br />

Prestes, on<strong>de</strong> atualmente está a Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Tecnologia, a Fatec-SP. Além <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

extrema do professorado, os estud<strong>antes</strong> eram<br />

jovens ciosos em aju<strong>da</strong>r no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

brasileiro, <strong>de</strong> participar ativamente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

nação. Ou seja, participar <strong>da</strong> política brasileira.<br />

Era realmente uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> raríssima,<br />

um cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> informações que<br />

se <strong>de</strong>senvolvia no âmbito <strong>da</strong>quele grupo <strong>de</strong><br />

estud<strong>antes</strong>. Na época, comigo se formaram<br />

outros 230 engenheiros. Minha turma. Então<br />

eu, como muitos outros, participei <strong>da</strong> militância<br />

<strong>da</strong> política estu<strong>da</strong>ntil. Ativamente. Eu<br />

participei <strong>da</strong> campanha do ‘Petróleo é Nosso’,<br />

que produziu mais tar<strong>de</strong> a Petrobras. E participei<br />

<strong>de</strong> um movimento político nacional <strong>da</strong><br />

época, que se chamava Movimento Nacionalista.<br />

E representei o Grêmio Politécnico, que<br />

era o Centro Acadêmico <strong>da</strong> Poli – e é até hoje,<br />

há mais <strong>de</strong> 100 anos. Representei o Grêmio<br />

nos congressos <strong>da</strong> UNE [União Nacional dos<br />

Estud<strong>antes</strong>].”<br />

— Que figuras se <strong>de</strong>stacavam? Quais<br />

os expoentes do Movimento Nacionalista,<br />

na época? — pedimos que enumerasse.<br />

“Um era o Gabriel Passos, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>da</strong> UDN [União Democrática Nacional]<br />

por Minas Gerais e agora nome <strong>de</strong> refinaria<br />

<strong>de</strong> petróleo <strong>da</strong> Petrobras. Ele <strong>foi</strong> o autor<br />

do primeiro projeto do petróleo na Câmara<br />

Fe<strong>de</strong>ral, espaço que eu frequentei muito lá<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro, que era a capital fe<strong>de</strong>ral.<br />

Quem assumiu o projeto finalmente <strong>foi</strong><br />

o Getúlio Vargas, que era presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República.<br />

Mas a iniciativa <strong>foi</strong> <strong>da</strong> UDN. Esse<br />

era um movimento on<strong>de</strong> as várias facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>da</strong> USP tinham a sua opinião política. A Poli<br />

tinha essa. Nacionalista. Havia as facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que tinham opiniões mais conservadoras.<br />

Ah! lembrei- me agora do nome <strong>de</strong> Dagoberto<br />

Salles, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral paulista do PSD<br />

[Partido Social Democrático] que integrou<br />

com outros, como Darcy Passos, também<br />

paulista, a Frente Nacionalista que lutou<br />

pela preservação <strong>da</strong>s riquezas nacionais. O<br />

‘nacionalismo’ <strong>de</strong> então na<strong>da</strong> teve com o<br />

nacionalismo europeu que <strong>de</strong>u origem às<br />

duas gran<strong>de</strong>s guerras mundiais. Dagoberto<br />

Salles <strong>foi</strong> o autor do projeto que criou o<br />

CNEN, Conselho Nacional <strong>de</strong> Energia Nuclear.<br />

Na época lutava-se pela preservação do<br />

minério <strong>de</strong> tório, mineral atômico <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s<br />

areias monazíticas leva<strong>da</strong>s à sorrata<br />

por submarinos alemães durante a Segun<strong>da</strong><br />

Guerra Mundial. Bom, eu acabei dirigindo<br />

o Departamento <strong>de</strong> Cultura do Grêmio Politécnico,<br />

que se encarregava <strong>de</strong> trazer esses<br />

lí<strong>de</strong>res nacionais para fazerem palestras para<br />

alunos e professores. Trouxe na época um<br />

intelectual brasileiro, Josué <strong>de</strong> Castro, autor<br />

<strong>de</strong> alguns livros import<strong>antes</strong>. Josué <strong>de</strong><br />

Castro é uma <strong>de</strong>stas figuras marc<strong>antes</strong> <strong>de</strong><br />

cientista que teve uma profun<strong>da</strong> influência<br />

na vi<strong>da</strong> nacional e gran<strong>de</strong> projeção internacional<br />

nos anos que <strong>de</strong>correram entre 1930<br />

e 1973. Ele <strong>de</strong>dicou o melhor <strong>de</strong> seu tempo<br />

e <strong>de</strong> seu talento para chamar a atenção para<br />

o problema <strong>da</strong> fome e <strong>da</strong> miséria que assolavam<br />

e que, infelizmente, ain<strong>da</strong> assolam<br />

o mundo. Ao escrever, em 1946, o festejado<br />

livro Geografia <strong>da</strong> Fome afirmava que a<br />

fome não era um problema natural, isto é,<br />

não <strong>de</strong>pendia nem era resultado dos fatos<br />

<strong>da</strong> natureza: ao contrário, era fruto <strong>de</strong> ações<br />

dos homens, <strong>de</strong> suas opções, <strong>da</strong> condução<br />

econômica que <strong>da</strong>vam a seus países. Nós<br />

trazíamos para o Grêmio Politécnico pessoas<br />

<strong>de</strong> todos os matizes políticos. Trouxemos<br />

até Carlos Lacer<strong>da</strong>. Enfim, havia em torno<br />

<strong>da</strong> Poli um movimento em prol do conhecimento<br />

dos problemas brasileiros. A i<strong>de</strong>ia<br />

central nasci<strong>da</strong> na escola era a <strong>de</strong> que nós<br />

tínhamos que aju<strong>da</strong>r a industrialização do<br />

Brasil. E fizemos isso. Daí a vocação <strong>de</strong> muitos<br />

alunos <strong>da</strong> Poli que acabaram envolvidos<br />

na construção <strong>da</strong> indústria em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Eu<br />

mesmo fui ser engenheiro <strong>da</strong> CSN em Volta<br />

Redon<strong>da</strong>. E, na época, a CSN era a maior e<br />

mais mo<strong>de</strong>rna empresa do Brasil. Petrobras<br />

ain<strong>da</strong> não existia. Nessa ocasião eu me casei<br />

com uma paulista e começamos nossa vi<strong>da</strong> lá<br />

em Volta Redon<strong>da</strong>.”<br />

— A CSN <strong>foi</strong> o seu primeiro emprego?<br />

— in<strong>da</strong>gamos.<br />

“Sim. E lá eu e outros <strong>de</strong> minha turma<br />

tivemos uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> raríssima: conhecer<br />

uma gran<strong>de</strong> e mo<strong>de</strong>rna empresa nacional,<br />

construí<strong>da</strong> com assessoria americana<br />

– uma contraparti<strong>da</strong> do interesse brasileiro<br />

e americano na Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial. E<br />

realmente tive a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer a<br />

mãe <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as indústrias. Porque a indústria<br />

si<strong>de</strong>rúrgica tem to<strong>da</strong>s as indústrias <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>la. Ela tem uma indústria metalúrgica<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, uma indústria química <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>la, uma indústria mecânica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, e<br />

uma indústria eletroeletrônica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. E<br />

isso me <strong>de</strong>u uma visão <strong>de</strong> Brasil gran<strong>de</strong>. Coisa<br />

que nunca mais perdi, nem consigo per<strong>de</strong>r.<br />

Apren<strong>de</strong>mos a fazer as coisas que nunca<br />

tínhamos visto <strong>antes</strong>, a não ser nas teorias<br />

dos professores <strong>da</strong> escola. E isso me <strong>de</strong>u<br />

uma confiança, não só a mim, mas a to<strong>da</strong><br />

uma geração, <strong>de</strong> que nós éramos capazes <strong>de</strong><br />

construir um país melhor e maior. Éramos<br />

capazes <strong>de</strong> fazer as coisas bem feitas. Aliás,<br />

o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> também <strong>foi</strong> construído<br />

por uma geração <strong>de</strong> jovens engenheiros<br />

formados nas nossas escolas <strong>de</strong> engenharia.<br />

Mas não só engenheiros – também técnicos,<br />

economistas, administradores e advogados<br />

construíram o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. O <strong>Metrô</strong><br />

não é obra <strong>de</strong> um homem só, e sim <strong>de</strong><br />

uma gran<strong>de</strong> equipe: uma equipe que dialogava<br />

com a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Então a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> era fruto <strong>de</strong> um diálogo permanente.<br />

Tanto a Companhia do <strong>Metrô</strong> era capaz <strong>de</strong><br />

ter sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> suficiente para enten<strong>de</strong>r os<br />

anseios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, como a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> entendia<br />

o que estava sendo feito pela companhia. E<br />

a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> participava, torcia para que tudo<br />

<strong>de</strong>sse certo. E <strong>de</strong>u. Bem, digo isso tudo para<br />

mostrar que esse espírito coletivo presidiu o<br />

Brasil <strong>da</strong> época. E <strong>foi</strong> esse pensamento que<br />

construiu o Brasil até o outro dia mesmo.”<br />

— O senhor é paulistano? — pedimos.<br />

“Não. Eu nasci em Santa Catarina. Eu<br />

vim para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> com sete anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

com meus pais e irmãos. Sou um produto <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. A minha família veio do interior<br />

catarinense, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Piratuba, no oeste<br />

do estado. Uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima. Meus pais<br />

vieram para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> para po<strong>de</strong>r educar os<br />

filhos. Aliás, meus pais não vieram <strong>da</strong> Europa.<br />

Foi meu trisavô que veio <strong>da</strong> Alemanha.<br />

Ele chegou com a mulher e seus 11 filhos em<br />

1857. Junto com outros companheiros, meu<br />

trisavô acabou fun<strong>da</strong>ndo uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, chama<strong>da</strong> Santa Cruz. Na<br />

época, ele viajou <strong>de</strong> caravela. Pegaram uma<br />

tempesta<strong>de</strong> no caminho e a caravela praticamente<br />

voltou para as proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do litoral<br />

<strong>da</strong> Inglaterra. A viagem prosseguiu e meu<br />

trisavô fez uma promessa: se conseguisse<br />

chegar ao Brasil com a família, todos vivos,<br />

ele fun<strong>da</strong>ria uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> chama<strong>da</strong> Santa<br />

Cruz. Então meus ascen<strong>de</strong>ntes são <strong>de</strong>ssa<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gaúcha. E, como costuma acontecer<br />

com os gaúchos, aconteceu a diáspora. Mas<br />

os meus pais, não foram longe, entraram<br />

beirando Santa Catarina, numa ci<strong>da</strong><strong>de</strong>zinha<br />

que fica a 30 quilômetros <strong>da</strong> fronteira do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul: Piratuba.”<br />

— Como <strong>foi</strong> sua chega<strong>da</strong> a <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

com sete anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>? — solicitamos a<br />

seguir.<br />

“Meus pais vieram porque estavam preocupados<br />

com a educação dos três filhos.<br />

A família chegou numa época em que as<br />

matrículas <strong>da</strong>s escolas primárias tinham sido<br />

encerra<strong>da</strong>s. A escola em que eu iria estu<strong>da</strong>r<br />

chamava-se Escola Primária Manoel <strong>da</strong> Nóbrega,<br />

geri<strong>da</strong> pela Associação Paulista <strong>de</strong> Professores.<br />

E eu não me conformava em per<strong>de</strong>r o<br />

primeiro ano. Meus pais tentaram <strong>de</strong> tudo para<br />

que eu me matriculasse, mesmo tardiamente.<br />

Eles não conseguiram. Aí eu, com sete anos,<br />

resolvi ir sozinho até a escola, numa ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

eu não conhecia e era gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais para meus<br />

olhos. Aí falei com a diretora. E consegui o que<br />

eu queria: a diretora concordou que eu podia<br />

cursar o primeiro ano primário. Eu passei para<br />

o segundo ano primário com nota 50, que era<br />

a mínima. Mas quem me ‘<strong>de</strong>sasnou’ (risos) <strong>foi</strong><br />

uma professora, dona Rita <strong>da</strong> Silva Fleury <strong>de</strong><br />

Freitas. Trinta anos <strong>de</strong>pois eu vim a ser colega<br />

do filho <strong>de</strong>la. Enquanto eu presidia o <strong>Metrô</strong>, o<br />

filho <strong>de</strong>la <strong>foi</strong> secretário dos Transportes <strong>da</strong> prefeitura<br />

paulistana, man<strong>da</strong>to do prefeito Figueiredo<br />

Ferraz: Íon <strong>de</strong> Freitas. E assim conheci Íon,<br />

filho <strong>de</strong> dona Rita. Foi uma surpresa. Bem, <strong>da</strong>í<br />

eu fui fazer o secundário. Meu pai achava que<br />

o ginásio era fraco. Era Escola Primária Manoel<br />

<strong>da</strong> Nóbrega e Ginásio José <strong>de</strong> Anchieta, acoplados,<br />

no mesmo local. Foi então que ingressei<br />

no Instituto Mackenzie. Fiz o ginásio e o colégio<br />

na escola presbiteriana. Uma recor<strong>da</strong>ção<br />

agra<strong>da</strong>bilíssima. Lá aprendi português. Ou seja,<br />

aprendi a escrever e aprendi ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente a<br />

língua portuguesa. Fun<strong>da</strong>mental. Até hoje eu<br />

me lembro do hino do Mackenzie. E aí chegou<br />

a época <strong>de</strong> escolher o curso <strong>de</strong> engenharia. Resolvi<br />

tentar na Escola Politécnica, cujo vestibular<br />

era mais difícil do que o do Mackenzie. Eu<br />

tive que fazer cursinho. Entrei na Poli e lá fui<br />

escolher a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia mais difícil:<br />

engenheiro mecânico eletricista. E até hoje<br />

eu frequento a escola, por meio <strong>da</strong> associação<br />

dos ex-alunos.”<br />

— Da CSN o senhor passou logo para a<br />

Cosipa? — pedimos que contasse.<br />

“Na CSN fiquei três anos. Fui engenheiro<br />

lá quando a Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Paulista<br />

34 engenharia 607 / 2011<br />

www.brasilengenharia.com.br<br />

www.brasilengenharia.com.br engenharia 607 / 2011 35<br />

FOTOS: ARQUiVO ENGENHARiA


ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE<br />

I ENGENHARIA<br />

estava iniciando a sua implantação. Eu participei<br />

<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção, mas muito mo<strong>de</strong>stamente.<br />

Lá o crédito vai para o gran<strong>de</strong> engenheiro<br />

Plínio <strong>de</strong> Queiroz. Ele e sua gente é que fun<strong>da</strong>ram<br />

a Cosipa. Bom, então eu voltei para<br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Também porque minha mulher<br />

era <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Tive três filhos com ela,<br />

dois homens e uma mulher. É muito melhor<br />

ter filha (rindo). Fui ser engenheiro <strong>da</strong> Cosipa.<br />

Na Cosipa éramos pouquíssimos entendidos<br />

do assunto. Não havia meia dúzia <strong>de</strong> engenheiros<br />

que tivessem vivido e conhecido<br />

uma si<strong>de</strong>rúrgica. E Plínio <strong>de</strong> Queiroz e seus<br />

companheiros – inclusive do Instituto <strong>de</strong><br />

Engenharia, presidido por Plínio – estavam<br />

tentando construir uma gran<strong>de</strong> si<strong>de</strong>rúrgica.<br />

Quando eu cheguei aqui eu comecei a perceber,<br />

no entanto, que não havia o dinheiro<br />

necessário para construir a si<strong>de</strong>rúrgica.<br />

Percebi que o pessoal não sabia o tamanho<br />

<strong>de</strong>sse negócio. Os empresários paulistas que<br />

estavam no comando <strong>da</strong> Cosipa não tinham<br />

essa noção. Eu conhecia forno, aciaria, eu<br />

tinha i<strong>de</strong>ia dos números, do custo. Eu disse:<br />

‘Não dá, gente!’... Aí fui bater no Banco<br />

Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico, o<br />

BNDE – naquele tempo não tinha o ‘S’ <strong>de</strong><br />

BNDES. O economista Roberto Campos era<br />

o superinten<strong>de</strong>nte. O presi<strong>de</strong>nte era o engenheiro<br />

Lucas Lopes. Gente patriota, gente<br />

<strong>de</strong> um valor extraordinário. O BNDE era no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, na Rua 7 <strong>de</strong> setembro. Fui<br />

lá. Eu e diretores <strong>da</strong> Cosipa, naturalmente,<br />

pois eu era apenas um engenheiro. O que<br />

existia então naquele bairro <strong>de</strong> Piaçaguera,<br />

um distrito <strong>de</strong> Cubatão,<br />

era um bananal. Não tinha<br />

sido lança<strong>da</strong> nem a<br />

primeira estaca. E logo<br />

houve uma campanha<br />

política contra a Cosipa,<br />

aqui em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> mesmo.<br />

Os que protestavam<br />

diziam que a Cosipa ia<br />

afun<strong>da</strong>r no pântano do<br />

mangue. Com aqueles<br />

equipamentos pesados,<br />

afun<strong>da</strong>ria tudo. Concomitantemente,<br />

o pessoal<br />

<strong>de</strong> Minas Gerais, mais vivo que nós paulistas,<br />

já tinham conseguido passar a Usiminas para<br />

o BNDE. E aí começou o governo JK, que<br />

era <strong>de</strong> Minas Gerais. Os mineiros já tinham<br />

se acomo<strong>da</strong>do com o BNDE e nós estávamos<br />

aqui com os empresários paulistas. Mas, <strong>de</strong><br />

qualquer forma, o BNDE achou que tinha<br />

que nos aju<strong>da</strong>r. Só que o dinheiro não saía.<br />

Eu me lembro bem <strong>da</strong> época porque fazia<br />

minhas viagens ao Rio a bordo dos bimotores<br />

DC-3 <strong>da</strong> Cruzeiro do Sul, principalmente, e<br />

também <strong>da</strong> Vasp. A Panair era <strong>de</strong> um nível<br />

Tanto a Companhia do<br />

<strong>Metrô</strong> era capaz <strong>de</strong> ter<br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> suficiente<br />

para enten<strong>de</strong>r os<br />

anseios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

como a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> entendia<br />

o que estava sendo<br />

feito pela companhia<br />

melhor e a Varig estava apenas começando.<br />

E eu pegava to<strong>da</strong> hora o avião. Aí aconteceu<br />

que o Jânio Quadros <strong>foi</strong> eleito presi<strong>de</strong>nte. Já<br />

estamos em 1961. E nós batalhando pela Cosipa.<br />

Bom, aí acontece o seguinte: Carvalho<br />

Pinto <strong>foi</strong> nomeado ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> pelo<br />

Jânio. E ele era paulista! Ah, agora vai... E<br />

batemos lá, na porta do ministério. Porque<br />

eu conhecia todo mundo do Plano <strong>de</strong> Ação<br />

do Carvalho Pinto aqui em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. E o<br />

Carvalho Pinto tinha um assessor, do grupo<br />

<strong>de</strong> planejamento, que era um craque: Jorge<br />

Hori. Até que saiu um cheque <strong>de</strong> 8 milhões<br />

<strong>de</strong> cruzeiros do BNDE para a Cosipa. Fui eu<br />

que trouxe o cheque, no avião. Porque era<br />

preciso ir buscar o cheque lá no Rio. Não tinha<br />

transferência, internet, na<strong>da</strong> disso. Eles<br />

<strong>de</strong>ram o dinheiro e disseram: ‘Não enche<br />

mais!’. Tudo bem, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar (risos). E aí<br />

começou a Cosipa.”<br />

— A coisa <strong>de</strong>slanchou mesmo? Lembra<br />

<strong>de</strong> muitos fatos marc<strong>antes</strong> <strong>da</strong> época — pedimos<br />

que relatasse.<br />

“Bom, o fato <strong>de</strong> ser mangue não era um<br />

problema maior, a engenharia resolve tudo.<br />

Lá na Inglaterra eles fizeram uma usina <strong>de</strong>sse<br />

tipo na charneca, no pântano! E nós tínhamos<br />

consultores, professores <strong>da</strong> Politécnica,<br />

o gran<strong>de</strong> engenheiro Milton Vargas e<br />

tudo mais. Eles diziam: não tem problemas,<br />

po<strong>de</strong>m estaquear e vamos em frente. Bom,<br />

aconteceram algumas coisas interessantíssimas<br />

na época. Por exemplo: o presi<strong>de</strong>nte<br />

francês Charles <strong>de</strong> Gaulle veio visitar a Cosipa.<br />

Tinham tido início as inaugurações dos<br />

setores <strong>da</strong> usina si<strong>de</strong>rúr-<br />

gica. Principiou em <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1963, com a<br />

entrega <strong>da</strong> Laminação a<br />

Quente pelo então presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>da</strong> República, João<br />

Goulart, e completou-se<br />

com a Laminação a Frio,<br />

em outubro <strong>de</strong> 1964,<br />

por ocasião <strong>da</strong> visita <strong>de</strong><br />

Charles <strong>de</strong> Gaulle. O presi<strong>de</strong>nte<br />

francês veio com<br />

aquele encouraçado <strong>de</strong>le<br />

– ele não se hospedou<br />

em hotel do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ele ficou no<br />

encouraçado. Ele dizia que o Brasil não era<br />

um país sério, aquelas coisas. Acredito até<br />

que ele não tenha usado essa frase, mas enfim...<br />

Eu me lembro que ele resolveu visitar<br />

a Cosipa e o pessoal <strong>da</strong> embaixa<strong>da</strong> francesa<br />

começou a enumerar problemas. O De Gaulle<br />

era muito alto e <strong>foi</strong> preciso arrumar um jipe<br />

especial para que as pernas <strong>de</strong>le coubessem<br />

no veículo. Bom, havia problemas mais ‘salgados’:<br />

o movimento sindical naquele tempo<br />

era fortíssimo. De tempos em tempos a tur-<br />

ma lá fazia greve porque não havia dinheiro<br />

em caixa para pagar o salário. Aí aparecia um<br />

cheque, e eram assim que a coisa an<strong>da</strong>va.”<br />

— O senhor ficou quanto tempo na Cosipa?<br />

— perguntamos.<br />

“Eu fiquei sete anos na Cosipa. Só para<br />

situar, saí um pouco <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> morte do<br />

presi<strong>de</strong>nte americano John Kennedy, que<br />

aconteceu em novembro <strong>de</strong> 1963. A Cosipa<br />

estava produzindo bem. Fazia muito aço<br />

e vendia muito. Antes disso, eu acabei virando<br />

um engenheiro <strong>da</strong> área financeira <strong>da</strong><br />

Cosipa. Eu era então um homem que li<strong>da</strong>va<br />

com dinheiro, tinha que ir ao BNDE. E nós<br />

ficávamos <strong>de</strong> olho também no dinheiro do<br />

mundo. Nessa ocasião os Estados Unidos<br />

criaram a USAID [United States Agency for<br />

International Development]. E nós fomos<br />

atrás do dinheiro <strong>da</strong> USAID. Porque o BNDE<br />

não <strong>da</strong>va mais. Minha área era muito próxima<br />

<strong>da</strong> área <strong>de</strong> planejamento <strong>da</strong> Cosipa. E o<br />

diretor <strong>de</strong> planejamento <strong>da</strong> Cosipa era o meu<br />

professor: José Carlos <strong>de</strong> Figueiredo Ferraz.<br />

Então essa vi<strong>da</strong> que estou contando para<br />

você, o Figueiredo Ferraz viveu na Cosipa.<br />

Um belo dia, o professor Figueiredo Ferraz<br />

virou prefeito. E me chamou lá, convi<strong>da</strong>ndo<br />

para presidir o <strong>Metrô</strong>. Eu não entendia<br />

na<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>Metrô</strong>. Eu disse: não. Ele disse: vai.<br />

Eu: não vou. Saí <strong>da</strong> sala <strong>de</strong>le e meus amigos<br />

todos: ‘Você aceitou?’. Eu: ‘Não’. Eles: ‘Mas<br />

você é um idiota mesmo, tinha que aceitar<br />

– volta lá para <strong>de</strong>ntro’. Bom, com pressão<br />

<strong>de</strong> tudo quanto é lado, eu cedi. Ok, vamos<br />

fazer esse negócio juntos. E 15 dias <strong>de</strong>pois<br />

fui chamado para a Câmara dos Vereadores<br />

para ‘ven<strong>de</strong>r’ o metrô, que eu não sabia o<br />

que era. E fui. Mas não é muito difícil, os<br />

vereadores também não entendiam na<strong>da</strong> (risos).<br />

Era moleza. Bom, aí o negócio era o<br />

seguinte: todo sábado vamos visitar as obras<br />

do metrô. E vamos percorrer tudo a pé, para<br />

conhecer todos os problemas bem <strong>de</strong> perto.”<br />

— Já tinha passado aquela fase do<br />

Grupo Executivo do Metropolitano <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, o GEM? — pedimos que historiasse.<br />

“Ah, sim, tinha passado. O GEM aconteceu<br />

no tempo do prefeito Faria Lima. O<br />

Figueiredo Ferraz fez parte do GEM, o Delfim<br />

Neto também, o geógrafo Aziz Ab’Saber<br />

também. Então a Companhia do <strong>Metrô</strong> já estava<br />

constituí<strong>da</strong>. Aí veio o <strong>Paulo</strong> Maluf prefeito<br />

e parou tudo. E o Figueiredo Ferraz <strong>foi</strong><br />

o sucessor do Maluf.<br />

Então todo sábado a gente ia na obra.<br />

No percurso <strong>da</strong> obra se resolvia tudo quanto<br />

era problema com os empreiteiros. Porque o<br />

prefeito ia, a diretoria do <strong>Metrô</strong> ia, e a diretoria<br />

dos empreiteiros ia também. E aí e que<br />

se resolviam as pendências. Não tinha esse<br />

negócio <strong>de</strong> ficar man<strong>da</strong>ndo recado. A coisa<br />

Tudo em aço para construir a<br />

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Como se constrói um novo país? O país <strong>da</strong> próxima Copa e <strong>da</strong>s Olimpía<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 2016.<br />

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Brasil se constrói com a realização dos projetos <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> e com aço produzido no<br />

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ENGENHARIA I LINHA DE FRENTE<br />

I ENGENHARIA<br />

to<strong>da</strong> acontecia no sábado. E aí que começou<br />

a <strong>de</strong>slanchar o <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.”<br />

— O senhor presidiu o <strong>Metrô</strong> por sete<br />

anos. E <strong>de</strong>pois disso? — in<strong>da</strong>gamos.<br />

“Um belo dia, estou em Montreal, no Canadá,<br />

participando <strong>de</strong> uma reunião internacional<br />

<strong>de</strong> metrôs. E recebo um telefonema do<br />

ministro Ângelo Calmon <strong>de</strong> Sá, <strong>da</strong> Indústria e<br />

Comércio do governo Ernesto Geisel. Eu nunca<br />

tinha visto <strong>antes</strong> o ministro. Eu estava no<br />

quarto do hotel, eu e minha mulher, e o ministro<br />

Calmon diz: ‘Nós aqui <strong>de</strong>cidimos convocá-<br />

-lo para que o senhor presi<strong>da</strong> a Cosipa, que o<br />

senhor conhece muito bem’. Eu fiquei na dúvi<strong>da</strong>,<br />

mas o ministro insistiu e eu aceitei voltar<br />

para a Cosipa, agora como presi<strong>de</strong>nte. Antes,<br />

tive conversas com o prefeito Olavo Setubal.<br />

Eu comecei no <strong>Metrô</strong> com o prefeito Figueiredo<br />

Ferraz. Depois veio o prefeito Miguel<br />

Colasuonno. E <strong>de</strong>pois veio o Setubal. Eu comentava<br />

com o Olavo que as notícias que eu<br />

tinha <strong>da</strong> Cosipa <strong>da</strong> época eram horrorosas. A<br />

companhia não estava bem. Mas ele me liberou<br />

e fui para a Cosipa. Exigi escolher minha<br />

diretoria. Sempre costuma haver influência<br />

<strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro, indicando apaniguados.<br />

Eu prefiro escolher a minha diretoria e que os<br />

erros sejam meus. A se<strong>de</strong> <strong>da</strong> Cosipa era aqui<br />

em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, no edifício <strong>da</strong> Galeria Olido, no<br />

Largo do Paissandu, no centro <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

Para a primeira visita que fiz à usina eu chamei<br />

to<strong>da</strong> a imprensa. Os jornalistas, quando<br />

se <strong>de</strong>spediram <strong>de</strong> mim, disseram: ‘temos pena<br />

do senhor’ (rindo). ‘O <strong>Metrô</strong> é uma joia rara,<br />

um diamante lapi<strong>da</strong>do, como o senhor troca<br />

por este negócio aqui?’. Mas aí começamos.<br />

O fato é que a Cosipa era muito maior que<br />

o <strong>Metrô</strong>. Quatro vezes maior. O <strong>Metrô</strong> hoje é<br />

gran<strong>de</strong>, mas naquela época, a primeira linha<br />

tinha sido concluí<strong>da</strong> – menos a Estação Sé.<br />

Aliás, se eu for falar <strong>da</strong> Estação Sé, isso dá outra<br />

entrevista. Bom, a usina estava to<strong>da</strong> suja<br />

– e eu tinha um gran<strong>de</strong> rigor com a limpeza,<br />

basta ver o <strong>Metrô</strong> até hoje. Empreiteiro tem<br />

que ser limpo. Não po<strong>de</strong> ter obra suja. O povão<br />

tinha direito <strong>de</strong> olhar para <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> obra do<br />

<strong>Metrô</strong>, através do tapume. Era tudo aberto.<br />

Os engenheiros do <strong>Metrô</strong> podiam falar com os<br />

jornalistas. Lá na Cosipa, tudo era fechado. Aí<br />

eu levei o meu jornalista do <strong>Metrô</strong> para fazer<br />

minha assessoria. Era o Mario Chuquini, ele<br />

tinha i<strong>de</strong>ias abertas. Tudo aberto e jogo limpo.<br />

Na época, havia um jornalzinho interno<br />

na Cosipa: O Chapa. A quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> papel era<br />

excelente. Mas era aquele tipo <strong>de</strong> publicação<br />

que se preocupava mais em ver quem estava<br />

ao lado do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Cosipa na foto. Aí resolvemos<br />

que o jornal O Chapa seria impresso<br />

na gráfica do Estadão. Não seria mais o jornal<br />

do presi<strong>de</strong>nte. Seria um jornal aberto. O presi<strong>de</strong>nte<br />

não teria que aparecer no jornal. E havia<br />

também o jornal do sindicato: O Metalúrgico.<br />

Começou a briga entre o jornal O Chapa e o<br />

jornal O Metalúrgico. Briga aberta, limpa. Falava<br />

besteira lá, levava cacete do lado <strong>de</strong> cá.<br />

Se nós faziamos burra<strong>da</strong>, levávamos cacete do<br />

lado <strong>de</strong> lá. E o pessoal começou a respeitar. Aí<br />

aconteceu, logo <strong>de</strong> cara, que um operário se<br />

aci<strong>de</strong>ntou na usina. Caiu <strong>de</strong> um lugar alto e<br />

morreu. Eu fui no enterro, a família do operário<br />

falecido estava raivosa. O que o senhor<br />

veio fazer aqui?! Eu vim dizer a vocês que eu<br />

sou o culpado. Eu disse aos familiares que reconhecia<br />

o erro e que a<br />

falha seria corrigi<strong>da</strong> na<br />

usina. E corrigi.”<br />

— Isso gerou muito<br />

impacto? — in<strong>da</strong>gamos<br />

a seguir.<br />

“Aí o pessoal começou<br />

a perguntar: quem<br />

é esse presi<strong>de</strong>nte, qual<br />

será o estilo <strong>de</strong>le? Havia<br />

insultos por trás e fofocas.<br />

Resolvi iniciar, então,<br />

um programa <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte<br />

zero. Esses programas <strong>de</strong><br />

hoje em dia <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte zero que existem pelo<br />

Brasil afora, começaram lá na usina <strong>da</strong> Cosipa.<br />

Pusemos uma placa <strong>de</strong> tamanho gigante<br />

na portaria: “Número <strong>de</strong> dias sem aci<strong>de</strong>nte:<br />

xis”. E começou a diminuir o número <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes.<br />

Até que não havia mais aci<strong>de</strong>nte, só<br />

<strong>de</strong> vez em quando. O operariado começou a<br />

sentir que a coisa tinha mu<strong>da</strong>do. Man<strong>de</strong>i colocar<br />

a ban<strong>de</strong>ira do Brasil no alto do Morro<br />

<strong>da</strong> Tapera, também conhecido como Morro do<br />

Eusébio, bem no alto. Inclusive <strong>de</strong>scobri como<br />

é que se confecciona ban<strong>de</strong>ira no Brasil. Só<br />

havia um lugar que tinha gran<strong>de</strong> experiência<br />

com ban<strong>de</strong>ira. Era lá na Praça dos Três Po<strong>de</strong>res,<br />

em Brasília. Porque a ban<strong>de</strong>ira rasga<br />

com o vento. E tinha um japonês aqui em <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> que fazia as ban<strong>de</strong>iras lá <strong>de</strong> Brasília. É<br />

um trançado que aguenta o vento e, mesmo<br />

assim, <strong>de</strong> vez em quando rasga. Bom, então,<br />

em primeiro lugar: usina limpa. Não adianta<br />

chiar. O banheiro <strong>da</strong> usina tem que estar mais<br />

limpo do que o banheiro <strong>de</strong> casa. Porque em<br />

casa tem criança pequena e suja o banheiro.<br />

Na usina não. Outra coisa: uniforme. Os operários<br />

an<strong>da</strong>vam <strong>antes</strong> com um molambo qualquer.<br />

Porque si<strong>de</strong>rurgia é dureza. Tem que ter<br />

calça forte, não po<strong>de</strong> rasgar. E o pessoal <strong>da</strong>í<br />

começou a passear <strong>de</strong> uniforme, nos dias <strong>de</strong><br />

folga. Interessante: veio o orgulho <strong>de</strong> pertencer<br />

à Cosipa. A coisa começou a mexer com o<br />

povão. Virou símbolo. Caro repórter: a produção<br />

cresceu quatro vezes.”<br />

— Na fase <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Cosipa o senhor<br />

ficou quanto tempo? — solicitamos.<br />

“Eu sou como os sete anos bíblicos. Fiquei<br />

“Eu comentava com o<br />

prefeito Olavo Setubal<br />

que as notícias que eu<br />

tinha <strong>da</strong> Cosipa <strong>da</strong><br />

época eram horrorosas.<br />

Mas ele me liberou<br />

do <strong>Metrô</strong> e assumi a<br />

presidência <strong>da</strong> Cosipa”<br />

sete anos. Em segui<strong>da</strong>, an<strong>de</strong>i zanzando pelo<br />

mundo. Bom, aí o então governador paulista<br />

Mário Covas me convocou para ser secretário<br />

estadual dos Transportes. Covas assumiu<br />

e <strong>de</strong>u <strong>de</strong> cara com um gran<strong>de</strong> problema: o<br />

Estado estava quebrado. Não havia dinheiro<br />

nem para comprar gasolina para a polícia. Aí<br />

eu combinei com o então secretário <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Yoshiaki Nakano, o seguinte:<br />

eu não quero dinheiro <strong>de</strong> sua secretaria, eu<br />

vou viver <strong>de</strong> pedágio. Mas eu quero dinheiro<br />

para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>mitir o pessoal <strong>da</strong> Dersa [DesenvolvimentoRodoviá-<br />

rio S.A.]. A Dersa tinha<br />

dois prédios. Eu conhecia<br />

bem a Dersa porque<br />

quando o <strong>Paulo</strong> Egydio<br />

Martins <strong>foi</strong> governador,<br />

o então diretor <strong>de</strong> obras<br />

do <strong>Metrô</strong>, Luiz Marri<br />

do Amaral, <strong>foi</strong> ser presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>da</strong> Dersa. E levou<br />

a turma do <strong>Metrô</strong> para<br />

fazer a Rodovia dos Ban<strong>de</strong>ir<strong>antes</strong>.<br />

Eu conhecia<br />

bem. Era gente <strong>de</strong>mais<br />

e dois prédios. Então resolvi acabar com um<br />

prédio. E era uma coisa muito chata porque<br />

eu ia aos sábados jantar com minha mulher<br />

num restaurante – faço isso há 55 anos – e<br />

encontrava um indivíduo que vinha e dizia:<br />

‘O senhor me <strong>de</strong>mitiu’. Mas o fato é que saneamos<br />

a Dersa e a companhia passou a viver só<br />

do pedágio. Concluimos a Rodovia Carvalho<br />

Pinto, que estava quase no fim, e passamos<br />

a fazer as primeiras concessões rodoviárias<br />

do Estado. Sucesso absoluto. No começo<br />

ninguém acreditou, nem o Covas. Ele me respeitava<br />

muito e não me pressionou. Mas ele<br />

achava que não ia <strong>da</strong>r certo. E <strong>de</strong>u certo. No<br />

<strong>de</strong>correr do período sofri um AVC (aci<strong>de</strong>nte<br />

vascular cerebral). Afastei-me do governo e,<br />

para sobreviver, me <strong>de</strong>diquei à consultoria. Eu<br />

fui o cara que mais investiu em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> até<br />

agora. Mas tenho que trabalhar para sobreviver.<br />

Então eu não tenho rabo preso <strong>de</strong> jeito<br />

nenhum. Hoje, além <strong>de</strong> trabalhar, faço o seguinte<br />

na minha vi<strong>da</strong>: cuido do espírito. Mas<br />

não sou religioso. Como? Cui<strong>da</strong>ndo do corpo.<br />

Tem relação uma coisa com outra. Faço yoga,<br />

faço acupuntura... essas coisas to<strong>da</strong>s. Passou<br />

a ser minha rotina. Acabei <strong>de</strong>scobrindo outro<br />

mundo que eu nem sabia que existia. E<br />

olha, só ando <strong>de</strong> metrô, não ando <strong>de</strong> carro.<br />

Vou lendo meu livro no metrô. Quando entro<br />

no vagão logo tem um jovem que me oferece<br />

lugar. Eu aceito para não <strong>de</strong>ixar o jovem constrangido,<br />

para não parecer orgulhoso. Eu me<br />

viro <strong>de</strong> metrô, me viro <strong>de</strong> ônibus e vivo num<br />

estado <strong>de</strong> gratidão. Tenho seis netos que me<br />

dão muita alegria.”<br />

Mais mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> para o Brasil<br />

Siemens reforma trens <strong>da</strong> Linha 1 do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

www.siemens.com/mobility<br />

No centro <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e montagem <strong>de</strong> trens para a<br />

América Latina, em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, a Siemens vem trabalhando<br />

na reforma dos trens <strong>da</strong> Linha 1 do <strong>Metrô</strong> <strong>de</strong> SP, utilizando<br />

para isso to<strong>da</strong> a sua reconheci<strong>da</strong> competência em soluções<br />

metro-ferroviárias.<br />

Neste momento em que o Brasil prepara-se para sediar dois<br />

gran<strong>de</strong>s eventos internacionais, a Siemens faz a sua contribuição<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma infraestrutura que<br />

aten<strong>da</strong> às crescentes <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s <strong>de</strong> transporte público nas<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras.<br />

38 engenharia 607 / 2011<br />

www.brasilengenharia.com.br<br />

www.brasilengenharia.com.br engenharia 607 / 2011 39

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