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o conceito de campo em bourdieu e sua aplicação em contextos ...

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O CONCEITO DE CAMPO EM BOURDIEU E<br />

SUA APLICAÇÃO EM CONTEXTOS PERIFÉRICOS<br />

Diogo Helal 1<br />

diogohh@yahoo.com.br<br />

Luiz Alberto da Costa Mariz 2<br />

l.a.mariz@uol.com.br<br />

Este é um ensaio teórico sobre o <strong>conceito</strong> <strong>de</strong> <strong>campo</strong> <strong>em</strong> Bourdieu e <strong>sua</strong> potencial <strong>aplicação</strong><br />

<strong>em</strong> estudos sobre organizações inseridas <strong>em</strong> contexto periférico. O artigo discute <strong>conceito</strong>s<br />

básicos da sociologia <strong>de</strong> Bourdieu, tais como, espaço social, <strong>campo</strong>, capital e habitus,<br />

<strong>de</strong>senvolvidos tendo <strong>em</strong> vista as socieda<strong>de</strong>s capitalistas avançadas. Neste <strong>de</strong>bate, o artigo<br />

busca salientar el<strong>em</strong>entos contidos na abordag<strong>em</strong> sociológica <strong>de</strong>sse autor quando da <strong>aplicação</strong><br />

ao contexto periférico, s<strong>em</strong> retirar <strong>de</strong>la <strong>sua</strong> universalida<strong>de</strong>. Na sociologia <strong>de</strong> Bourdieu são<br />

centrais a concepção <strong>de</strong> espaço social, <strong>de</strong> <strong>campo</strong>, <strong>de</strong> capital e <strong>de</strong> habitus. Um <strong>campo</strong> é um tipo<br />

específico <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> social – como o <strong>campo</strong> literário, o <strong>campo</strong> jurídico ou o <strong>campo</strong><br />

educacional, num nível <strong>de</strong> análise que engloba indivíduos, grupos ou instituições. A<br />

expressão “<strong>campo</strong>” também é usada por Bourdieu como uma metáfora dupla, o <strong>campo</strong> <strong>de</strong><br />

forças e o <strong>campo</strong> como arena. Essa segunda acepção é <strong>em</strong>pregada por Bourdieu para<br />

caracterizar a natureza das diversas entida<strong>de</strong>s sociais, como o espaço social, uma <strong>em</strong>presa<br />

com atuação <strong>em</strong> múltiplos mercados, a família, ou o próprio <strong>campo</strong> como domínio específico<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, conforme a primeira acepção indicada acima. O <strong>campo</strong> está <strong>em</strong> permanente<br />

processo <strong>de</strong> reprodução ou transformação, no influxo <strong>de</strong> incessantes lutas pelo monopólio<br />

sobre os tipos <strong>de</strong> capital mais efetivos. Criticando o uso que a teoria institucional faz do<br />

<strong>conceito</strong>, Misoczky (2003) i<strong>de</strong>ntifica um viés nessa abordag<strong>em</strong> que privilegia a<br />

homogeneida<strong>de</strong> no interior dos <strong>campo</strong>s, <strong>em</strong> contraste com a concepção <strong>de</strong> Bourdieu <strong>em</strong> que<br />

“os diversos <strong>campo</strong>s são organizados e transformados <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência do processo <strong>de</strong> lutas<br />

por tipos <strong>de</strong> capital” (p. 165, Quadro 2). Misoczky (2003) também sublinha a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

“estabelecer vínculos entre <strong>campo</strong> e espaço social, buscando compreen<strong>de</strong>r influências<br />

recíprocas” (p. 167). No entanto, <strong>em</strong>bora citando Bourdieu sobre a variação do princípio<br />

gerador que funda as diferenças no mundo social, “<strong>de</strong> acordo com os lugares e momentos”<br />

(BOURDIEU, 1996, p. 50; MISOCZKY, 2003, p. 152), ela não se <strong>de</strong>tém <strong>em</strong> aprofundar as<br />

implicações para a análise do <strong>campo</strong> <strong>em</strong> diferentes socieda<strong>de</strong>s. Consi<strong>de</strong>ra-se, no entanto, que<br />

este é um ponto importante que precisa ser mais explorado quando se investigam os <strong>campo</strong>s e<br />

<strong>sua</strong> relação com os espaços sociais periféricos. Em socieda<strong>de</strong>s mais <strong>de</strong>senvolvidas como a<br />

França, os Estados Unidos e o Japão, a construção do espaço social segue dois princípios <strong>de</strong><br />

diferenciação que, para Bourdieu, são indubitavelmente os mais importantes: o capital<br />

econômico e o capital cultural. Os ocupantes do espaço se diferenciam quanto às respectivas<br />

posses <strong>de</strong> capital segundo duas dimensões: <strong>de</strong> acordo com o volume global <strong>de</strong> capital dos dois<br />

tipos e segundo o peso relativo dos diferentes capitais. Para ele, a dimensão que é “s<strong>em</strong><br />

dúvida a mais importante” é a que distingue os participantes segundo o capital global. Assim,<br />

no espaço social francês, os <strong>em</strong>presários, m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> profissões liberais e professores<br />

universitários opõ<strong>em</strong>-se globalmente àqueles menos providos <strong>de</strong> capital econômico e cultural<br />

1 Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)<br />

2 Professor da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco (UFPE)


como os operários não-qualificados e os assalariados rurais. Na outra dimensão, no entanto,<br />

como <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> relativamente maior capital cultural e menor capital econômico, os<br />

professores opõ<strong>em</strong>-se claramente aos <strong>em</strong>presários. Embora boa parte das pesquisas e<br />

observações feitas por Bourdieu tome por objeto espaços sociais <strong>de</strong> países capitalistas<br />

avançados, as variações históricas dos princípios <strong>de</strong> diferenciação são t<strong>em</strong>a recorrente na <strong>sua</strong><br />

obra. Sua sensibilida<strong>de</strong> para perceber as diferenças entre socieda<strong>de</strong>s parece ligada, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong><br />

parte, à <strong>sua</strong> própria trajetória <strong>de</strong> pesquisador, cujos primeiros trabalhos <strong>de</strong> etnologia sobre os<br />

povos montanheses afastados e isolados da Cabília forneceram instrumentos que, mais tar<strong>de</strong>,<br />

pu<strong>de</strong>ram ser <strong>em</strong>pregados para estudos que comparam essa socieda<strong>de</strong> pré-capitalista com<br />

“socieda<strong>de</strong>s como as nossas” (BOURDIEU, 1996, p. 157). Mesmo frisando <strong>de</strong>sconfiar das<br />

gran<strong>de</strong>s oposições dualistas, Bourdieu se permite sugerir que “à medida que as socieda<strong>de</strong>s se<br />

tornam mais diferenciadas e se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> nelas esses “mundos” relativamente autônomos<br />

que chamo <strong>de</strong> <strong>campo</strong>, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que surjam verda<strong>de</strong>iros acontecimentos, isto é,<br />

encontros <strong>de</strong> séries causais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, ligados a esferas <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> diferentes, não<br />

param <strong>de</strong> crescer. [...] Talvez nas socieda<strong>de</strong>s menos diferenciadas, <strong>em</strong> or<strong>de</strong>ns autônomas, as<br />

necessida<strong>de</strong>s do parentesco, não tendo que contar com nenhum outro princípio <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

concorrente, possam se impor s<strong>em</strong> reservas” (2004, p. 93). Citando autores como Durkheim e<br />

Polanyi, Bourdieu (1996) observa que enquanto na socieda<strong>de</strong> capitalista <strong>de</strong>senvolvida os<br />

universos sociais, como a economia, a religião ou a arte são distintos, nas socieda<strong>de</strong>s antigas<br />

ou pré-capitalistas eles são ainda indiferenciados. Nessas últimas socieda<strong>de</strong>s, as condutas<br />

humanas po<strong>de</strong>m ser interpretadas simultaneamente como religiosas, econômicas, estéticas etc.<br />

O surgimento dos <strong>campo</strong>s, com leis próprias, só v<strong>em</strong> ocorrer propriamente com a evolução<br />

das socieda<strong>de</strong>s (BOURDIEU, 1996, p. 147). Conforme escreve Bourdieu (1996), “nada<br />

permite supor que [o] princípio <strong>de</strong> diferenciação seja o mesmo <strong>em</strong> todas as épocas e <strong>em</strong> todos<br />

os lugares, na China Ming e na China cont<strong>em</strong>porânea, ou na Al<strong>em</strong>anha, na Rússia e na<br />

Argélia cont<strong>em</strong>porâneas” (p. 49-50). Numa comparação entre a França e a extinta República<br />

D<strong>em</strong>ocrática da Al<strong>em</strong>anha (RDA), Bourdieu (1996) mostra que não é viável transferir pura e<br />

simplesmente os princípios <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas como a França -<br />

baseados essencialmente no capital econômico e no capital cultural. Se esses princípios eram<br />

suficientes para estabelecer uma correspondência entre as posições ocupadas no espaço social<br />

e os espaços <strong>de</strong> disposições (habitus) e <strong>de</strong> tomadas <strong>de</strong> posição no caso da França ou do Japão,<br />

isso não ocorria com a RDA. Neste caso, além do capital cultural e do capital econômico,<br />

também parecia ter um peso <strong>de</strong>cisivo um outro princípio <strong>de</strong> diferenciação, o do capital<br />

político, que assegurava aos seus <strong>de</strong>tentores uma forma <strong>de</strong> apropriação privada <strong>de</strong> bens e<br />

serviços públicos. Levando <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração essas próprias formulações <strong>de</strong> Bourdieu e a<br />

<strong>de</strong>scrição da redução sociológica <strong>de</strong> Guerreiro Ramos (1965) que inclui o “procedimento<br />

crítico-assimilativo da experiência estrangeira”, consi<strong>de</strong>ramos que existe gran<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento teórico-<strong>em</strong>pírico no <strong>conceito</strong> <strong>de</strong> <strong>campo</strong> e <strong>sua</strong> <strong>aplicação</strong> a <strong>contextos</strong><br />

periféricos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: <strong>campo</strong>s organizacionais, periferia, Bourdieu.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996.<br />

BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.


MISOCZKY, M. C. Po<strong>de</strong>r e institucionalismo: uma reflexão crítica sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

interação paradigmática. In: VIEIRA, M. M. F., CARVALHO, C. A. (org.). Organizações,<br />

Instituições e Po<strong>de</strong>r no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV, 2003.<br />

RAMOS, A. G. A Redução Sociológica. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: T<strong>em</strong>po Brasileiro, 1965.

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