Comunhão - Convenção Batista do Estado de São Paulo
Comunhão - Convenção Batista do Estado de São Paulo
Comunhão - Convenção Batista do Estado de São Paulo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Jornal CoMUnHÃo<br />
segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s da Secretaria Especial<br />
<strong>de</strong> Direitos Humanos da Presidência da<br />
República. E mesmo com indica<strong>do</strong>res tão<br />
expressivos, a carência <strong>de</strong> informações<br />
com vistas à capacitação e à prevenção<br />
ainda é um nó a ser <strong>de</strong>sata<strong>do</strong>. Sei <strong>de</strong><br />
crianças vítimas <strong>de</strong> abuso que sequer<br />
sabiam que estavam sofren<strong>do</strong> violência<br />
e, quan<strong>do</strong> adultas, ao inteirar-se a<br />
respeito, perceberam o que na verda<strong>de</strong><br />
acontecera. Porém, o maior entrave é o<br />
silêncio que o abusa<strong>do</strong>r ou abusa<strong>do</strong>ra<br />
impõem às suas vítimas. Como falei,<br />
compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> como quem<br />
comete esse crime age, na maioria das<br />
vezes, é possível se antecipar e evitar<br />
essa violência. Além disso, quem lida<br />
com criança tem <strong>de</strong> saber que o abuso<br />
po<strong>de</strong> se dar por meio <strong>de</strong> um toque<br />
ou, em alguns casos, sequer envolve<br />
contato físico, como nos casos <strong>de</strong><br />
pornografia infantil, por exemplo. Como<br />
disse, esse crime nem sempre <strong>de</strong>ixa<br />
marcas pelo corpo. Como preten<strong>de</strong>mos<br />
combater uma violência tão subjetiva<br />
sem o mínimo <strong>de</strong> informações, <strong>de</strong><br />
conhecimento a respeito? Não separo<br />
minha fé <strong>de</strong> minha vida pública,<br />
então, acredito que tenhamos, sim, <strong>de</strong><br />
enfrentar esse mal, como Igreja, em<br />
oração. Porém, se soubermos pouco<br />
ou nada a respeito, estamos <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong><br />
uma “arma” importante <strong>de</strong> la<strong>do</strong>.<br />
<strong>Comunhão</strong>: Por que é tão importante<br />
equipar educa<strong>do</strong>res e profissionais<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para essa batalha contra a<br />
violência sexual infanto-juvenil?<br />
Carlos Alberto Bezerra Júnior: O<br />
lugar em que uma criança passa mais<br />
tempo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua casa, é na escola.<br />
Aliás, algumas passam até mais tempo<br />
no colégio <strong>do</strong> que em seus lares, não é<br />
mesmo? É lá que se dão suas primeiras<br />
relações sociais. E os responsáveis<br />
por ela, nesses espaços, precisam ter<br />
condições <strong>de</strong> educá-la e <strong>de</strong> protegêla,<br />
também. Se tornarmos a escola, seja<br />
pública ou privada, um espaço livre<br />
<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> violência, seguramente<br />
teremos da<strong>do</strong> um passo importante<br />
no combate ao abuso. Em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />
avançamos nessa área. Uma lei <strong>de</strong> minha<br />
autoria está treinan<strong>do</strong> educa<strong>do</strong>res,<br />
coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res pedagógicos etc. para<br />
i<strong>de</strong>ntificar situações <strong>de</strong> risco e perceber<br />
precocemente indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> abuso<br />
infanto-juvenil. Ao to<strong>do</strong>, cerca <strong>de</strong> 150<br />
mil crianças estão sen<strong>do</strong> protegidas<br />
<strong>de</strong>ssa violência a partir <strong>de</strong>ssa iniciativa.<br />
Esses mesmos avanços precisam<br />
ser estendi<strong>do</strong>s ao setor da saú<strong>de</strong>.<br />
<strong>Comunhão</strong>: Tentar “arrancar” uma<br />
confissão da criança po<strong>de</strong> ser tão<br />
traumático quanto o abuso? Por<br />
quê?<br />
Carlos Alberto Bezerra Júnior:<br />
“Arrancar uma confissão” é a pior saída.<br />
Primeiro, por não se tratar <strong>de</strong> confessar<br />
algo, mas <strong>de</strong> simplesmente contar.<br />
Depois, como falamos, forçar é um<br />
erro. Em boa parte <strong>do</strong>s casos, a criança<br />
conta sobre o abuso sem usar palavras.<br />
É preciso estar atento a mudanças<br />
bruscas <strong>de</strong> comportamento, a uma<br />
resistência inexplicável em ficar com<br />
um adulto específico, a brinca<strong>de</strong>iras<br />
que sugiram um conhecimento sexual<br />
incompatível com sua ida<strong>de</strong> etc.<br />
Agora, se a criança estiver contan<strong>do</strong><br />
sobre uma situação <strong>de</strong> abuso, o i<strong>de</strong>al<br />
é <strong>de</strong>ixar que ela fale, sem interrompêla.<br />
Como adultos, ten<strong>de</strong>mos a ser muito<br />
específicos. Perguntas como “a que<br />
horas exatamente isso aconteceu?”,<br />
“com que roupa ele estava?”, “como ela<br />
fez isso”, por exemplo, são muito difíceis<br />
<strong>de</strong> serem respondidas pela criança.<br />
Quan<strong>do</strong> tratamos assim, a vítima sente<br />
receio por não se lembrar <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes<br />
e acaba inventan<strong>do</strong>, o que prejudica a<br />
compreensão <strong>do</strong> que <strong>de</strong> fato ocorreu.<br />
As perguntas <strong>de</strong>vem ser abertas,<br />
<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> a criança dar prosseguimento<br />
ao seu relato. “E <strong>de</strong>pois?”; “E aí, o que<br />
aconteceu”, questões assim permitem<br />
que a criança conte uma história.<br />
<strong>Comunhão</strong>: A violência sexual<br />
contra crianças e a<strong>do</strong>lescentes,<br />
infelizmente, tem si<strong>do</strong> uma realida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro da Igreja. De que maneira<br />
pastores e lí<strong>de</strong>res po<strong>de</strong>riam atuar<br />
para coibir esse tipo <strong>de</strong> violência e<br />
para tratar as vítimas?<br />
Carlos Alberto Bezerra Júnior: Para<br />
mim, quan<strong>do</strong> falamos <strong>de</strong> abuso, quem<br />
se omite tem tanta culpa quanto<br />
quem pratica esse crime. Eu creio<br />
profundamente num Evangelho cujas<br />
verda<strong>de</strong>s trazem restauração para o<br />
espírito, sim, mas também para a alma<br />
e para a mente – “Foi para a liberda<strong>de</strong><br />
que Cristo vos libertou”, ensinou <strong>Paulo</strong><br />
aos Gálatas. E eu estou convenci<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> que o pastor que ouve um relato<br />
sobre abuso sexual <strong>de</strong>ve fazer mais <strong>do</strong><br />
que orar. Jesus nos ensina no livro <strong>de</strong><br />
Mateus que qualquer um que receber<br />
em Seu nome uma criança tal como<br />
estiver, a Ele estará receben<strong>do</strong>. Para<br />
acolhermos uma criança vítima <strong>de</strong><br />
violência, precisamos estar sensíveis à<br />
sua <strong>do</strong>r. Se as igrejas não têm escuta<strong>do</strong><br />
o choro <strong>de</strong> meninos e meninas alvos <strong>de</strong><br />
abuso, <strong>de</strong>vem se perguntar a que estão<br />
dan<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>s. Sou consciente das<br />
responsabilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público<br />
na garantia <strong>do</strong>s direitos infanto-juvenis<br />
e, muitas vezes, <strong>de</strong>nunciei a omissão<br />
daqueles que <strong>de</strong>veriam trabalhar para<br />
proteger a infância. Farei isso até que<br />
não seja mais necessário. Porém, quan<strong>do</strong><br />
a violência atinge os pequeninos <strong>do</strong><br />
Mestre, como disse, é hora <strong>de</strong> a Igreja<br />
se levantar. É função da Igreja, como<br />
voz profética na socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nunciar a<br />
negligência <strong>do</strong>s governos na <strong>de</strong>fesa da<br />
infância, cobrar das autorida<strong>de</strong>s maiores<br />
fatias orçamentárias para políticas <strong>de</strong><br />
prevenção ao abuso e ser um lugar<br />
<strong>de</strong> abrigo para as vítimas <strong>de</strong>sse mal.<br />
<strong>Comunhão</strong>: A violência sexual<br />
durante a infância ou a<strong>do</strong>lescência<br />
po<strong>de</strong> comprometer o futuro <strong>de</strong> uma<br />
pessoa. Que tipo <strong>de</strong> tratamento e<br />
que tipo <strong>de</strong> assistência as vítimas<br />
<strong>de</strong>veriam receber. Isso já é uma<br />
realida<strong>de</strong> no Brasil?<br />
Carlos Alberto Bezerra Júnior: Uma<br />
pesquisa realizada nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<br />
estimou em US$ 94 bilhões o prejuízo<br />
anual <strong>do</strong> país associa<strong>do</strong> à violência<br />
contra criança, levan<strong>do</strong> em conta as<br />
rendas futuras perdidas e as <strong>de</strong>spesas<br />
com tratamentos psicológicos às<br />
vítimas. Sem dúvida, o abuso <strong>de</strong>ixa<br />
marcas, e quanto mais tempo dura,<br />
mais agudas suas sequelas se tornam.<br />
Contu<strong>do</strong>, esse mal não precisa ser<br />
o fim da linha. É possível restaurar<br />
plenamente as emoções <strong>de</strong> suas<br />
vítimas. E o Evangelho é fundamental<br />
nisso. Creio em um Deus cujo po<strong>de</strong>r<br />
é capaz <strong>de</strong> transformar a natureza<br />
humana e fechar feridas profundas<br />
na alma. O amor dEle é o que <strong>de</strong> mais<br />
acolhe<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> existir para uma vítima<br />
<strong>de</strong>ssa violência. E ninguém melhor<br />
<strong>do</strong> que, nós, cristãos, para expressálo.<br />
Para buscar novas soluções para a<br />
assistência às vítimas, estive nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s, recentemente, conhecen<strong>do</strong> o<br />
que há <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno na garantia<br />
<strong>de</strong> direitos infanto-juvenis. Conheci<br />
um centro especializa<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Chicago que reúne profissionais <strong>de</strong><br />
diversas áreas – médicos, educa<strong>do</strong>res,<br />
psicólogos, terapeutas, policiais etc.<br />
To<strong>do</strong>s trabalham juntos para oferecer<br />
às crianças que sofreram abuso uma<br />
assistência completa. Lá, todas as<br />
<strong>de</strong>pendências são adaptadas. A sala em<br />
que se faz o exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito,<br />
por exemplo, é cheia <strong>de</strong> brinque<strong>do</strong>s.<br />
Tu<strong>do</strong> coopera para que as crianças<br />
se sintam à vonta<strong>de</strong> e protegidas.<br />
Além disso, são profissionais treina<strong>do</strong>s<br />
que tomam seus <strong>de</strong>poimentos –<br />
processo que, por aqui, chamamos<br />
<strong>de</strong> “<strong>de</strong>poimento protegi<strong>do</strong>”. No<br />
Brasil, os principais projetos nesse<br />
tema vêm <strong>do</strong> terceiro setor, mas não<br />
há nada nesses mol<strong>de</strong>s. Por isso,<br />
estou trabalhan<strong>do</strong> junto à Secretaria<br />
Estadual <strong>de</strong> Justiça para viabilizar<br />
um centro como esse em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />
<strong>Comunhão</strong>: O que mais o<br />
impressionou nesse seu contato<br />
com o assunto pe<strong>do</strong>filia?<br />
Carlos Alberto Bezerra Júnior: A<br />
Junho <strong>de</strong> 2012<br />
19<br />
manipulação com que alguns setores<br />
sensacionalistas da mídia tratam<br />
esse tema, lucran<strong>do</strong> às custas da<br />
exploração <strong>de</strong> tragédias humanas.<br />
Essa mesma lógica também é usada<br />
por certos políticos, que usam <strong>de</strong>sse<br />
expediente para obter benefícios<br />
eleitoreiros sem jamais terem proposto<br />
algo que produzisse uma mudança<br />
significativa em benefício da infância<br />
e da a<strong>do</strong>lescência. E junto com isso, o<br />
<strong>de</strong>scaso <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e seu aparato<br />
ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para proteger a criança.<br />
Tu<strong>do</strong> isso me impressiona muito.<br />
<strong>Comunhão</strong>: Vítimas <strong>de</strong> abuso sexual<br />
na infância são futuros abusa<strong>do</strong>res<br />
em potencial? Por quê?<br />
Carlos Alberto Bezerra Júnior: Não<br />
é uma regra, mas po<strong>de</strong> acontecer.<br />
Há estu<strong>do</strong>s que apontam que até 1/3<br />
<strong>do</strong>s que foram abusa<strong>do</strong>s na infância<br />
po<strong>de</strong>m cometer abuso quan<strong>do</strong> adultos.<br />
Por isso é tão importante fortalecer a<br />
família e seus vínculos. A igreja tem um<br />
papel fundamental nesse contexto, seja<br />
na mobilização em oração, no cuida<strong>do</strong><br />
com a família ou no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> parcerias com o po<strong>de</strong>r público.<br />
Imagine se todas as igrejas <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> se abrissem para a criação <strong>de</strong><br />
programas pós-escola, no contraturno<br />
<strong>do</strong> horário <strong>do</strong> colégio? Talvez não<br />
houvesse mais crianças em situação<br />
<strong>de</strong> rua em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Quan<strong>do</strong> falamos<br />
<strong>de</strong> abuso sexual e suas consequências,<br />
é preciso também reconhecer o po<strong>de</strong>r<br />
transforma<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Jesus. Conheço<br />
inúmeros projetos, alguns <strong>do</strong>s quais<br />
excelentes. Mas não conheço nada que<br />
ofereça a mesma chance <strong>de</strong> restauração<br />
integral como oferecem as verda<strong>de</strong>s<br />
da Palavra <strong>de</strong> Deus. Não po<strong>de</strong>mos<br />
guardar essas verda<strong>de</strong>s apenas para<br />
nós mesmos. Não se acen<strong>de</strong> a can<strong>de</strong>ia<br />
para colocá-la <strong>de</strong>baixo da cama. É<br />
preciso fazer brilhar a luz <strong>de</strong> Cristo no<br />
meio <strong>de</strong>sse mun<strong>do</strong> repleto <strong>de</strong> pessoas<br />
carentes <strong>de</strong> algo que realmente mu<strong>de</strong><br />
suas vidas. É preciso respon<strong>de</strong>r ao<br />
choro das crianças abusadas, ao grito<br />
por socorro <strong>de</strong> meninos e meninas<br />
violenta<strong>do</strong>s, apresentan<strong>do</strong>-lhes Aquele<br />
que não rejeita os pequeninos, mas<br />
que os recebe, os põe em seu colo e<br />
lhes chama “filhos”. A Igreja representa<br />
esse Cristo em nossa socieda<strong>de</strong> e ela<br />
não po<strong>de</strong> se furtar a esse papel.