O papel do contrato de comunicação no gênero textual ... - Faccat
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RESUMO:<br />
O <strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
<strong>no</strong> <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> - Carta ao leitor<br />
Michele Nadalon Cipolato 1 | Vera Helena Dentee <strong>de</strong> Mello 2<br />
Este artigo tem como foco central a análise da influência <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
nas escolhas discursivas, lexicais e gramaticais <strong>do</strong> locutor <strong>no</strong> <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> carta<br />
ao leitor. À luz da teoria semiolingüística <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> Patrick Charau<strong>de</strong>au, será<br />
contemplada a tríplice competência <strong>do</strong>s sujeitos da linguagem nesse <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong>:<br />
as competências situacional, discursiva e semiolingüística. Os postula<strong>do</strong>s da Teoria da<br />
Enunciação <strong>de</strong> Émile Benveniste também servirão <strong>de</strong> referencial teórico, observan<strong>do</strong>se,<br />
<strong>no</strong>s textos a serem analisa<strong>do</strong>s, a intersubjetivida<strong>de</strong> presente na linguagem. Uma das<br />
idéias que embasam a análise, é a <strong>de</strong> que to<strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> humana é resulta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> uma encenação, com estratégias discursivas criadas pelos sujeitos envolvi<strong>do</strong>s, inseri<strong>do</strong>s<br />
num espaço <strong>de</strong> restrições e liberda<strong>de</strong>s.<br />
Palavras-chave: Enunciação. Contrato <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Competência situacional.<br />
Competência discursiva. Competência semiolingüística. Intersubjetivida<strong>de</strong>.<br />
ABSTRACT:<br />
This article aims at analyzing the influence of the communication contract in the<br />
speaker discursive, lexical and grammar choices in the text genre letter to the rea<strong>de</strong>r.<br />
Based on the semiolinguistic theory by Patrick Charau<strong>de</strong>au, the triple language subjects’<br />
competence will be taken into consi<strong>de</strong>ration the situational, discursive and semiolinguistic<br />
competences. The statements from Émile Benveniste’s Theory of Enunciation will<br />
also be consi<strong>de</strong>red as a theoretical referential in or<strong>de</strong>r to observe the intersubjectivity<br />
present in the language in the analyzed texts. The analysis is based on the i<strong>de</strong>a that every<br />
human communication act results of an acting up, with discursive strategies created by<br />
the involved subjects, insi<strong>de</strong> restrictions and free<strong>do</strong>ms space.<br />
Keywords: Enunciation. Communication contract. Situational competence. Discursive<br />
competence. Semiolinguistic competence. Intersubjectivity.<br />
1 Autora - Licenciatura em Letras - FACCAT - michelenadalon@yahoo.com.br<br />
2 Orienta<strong>do</strong>ra - Mestre em Letras - Professora da FACCAT<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 105
1 Introdução<br />
O presente artigo tem como objetivo analisar o <strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
<strong>no</strong> <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> carta ao leitor. Serão analisa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> fala, o<br />
status <strong>do</strong>s parceiros da <strong>comunicação</strong>, o projeto <strong>de</strong> fala <strong>do</strong> sujeito locutor, a tematização<br />
e as circunstâncias materiais em que ocorre o ato comunicativo.<br />
Assim, para <strong>de</strong>senvolver a análise <strong>de</strong>ste trabalho, utilizam-se como fundamento<br />
duas teorias <strong>de</strong> base enunciativa: a teoria semiolingüística <strong>de</strong> Patrick Charau<strong>de</strong>au<br />
e os postula<strong>do</strong>s da Teoria da Enunciação <strong>de</strong> Émile Benveniste. Charau<strong>de</strong>au afirma que<br />
to<strong>do</strong> ato <strong>de</strong> linguagem é <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, em parte, pelo <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> que se<br />
estabelece entre os parceiros da troca linguageira, isto é, pelos elementos <strong>do</strong> marco<br />
situacional em que se insere esse ato. O ato <strong>de</strong> linguagem, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au, também<br />
não está previamente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> porque o enuncia<strong>do</strong>r, em <strong>de</strong>terminada situação<br />
comunicativa, vai utilizar-se <strong>de</strong> certas estratégias a fim <strong>de</strong> realizar seu projeto <strong>de</strong> fala. Enfim,<br />
o ato <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, para esse lingüista, é um fenôme<strong>no</strong> que combina o dizer e o<br />
fazer, indissociáveis um <strong>do</strong> outro. Charau<strong>de</strong>au sublinha que as escolhas composicionais,<br />
lexicais e gramaticais <strong>do</strong> locutor não são completamente livres, pois a imagem que este<br />
projeta <strong>de</strong> seu interlocutor e as características da situação <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong>terminam,<br />
em gran<strong>de</strong> parte, os recursos lingüísticos <strong>de</strong> que ele se valerá para promover <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s<br />
efeitos <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>.<br />
Benveniste sublinha que a subjetivida<strong>de</strong> é a capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> locutor <strong>de</strong> se colocar<br />
como sujeito, remeten<strong>do</strong> a ele mesmo como “eu” <strong>no</strong> seu discurso. Revela ser o subjetivo<br />
o or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r da organização da linguagem, pois to<strong>do</strong> discurso emana <strong>de</strong> um locutor,<br />
que, explícita ou implicitamente, <strong>de</strong>ixa suas marcas <strong>no</strong>s enuncia<strong>do</strong>s que produz. Cabe<br />
<strong>de</strong>stacar que, à luz <strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Benveniste, nenhum enuncia<strong>do</strong> é neutro, isto é,<br />
<strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>, pois até mesmo asserções que se referem ao mun<strong>do</strong>, falam,<br />
na verda<strong>de</strong>, da relação <strong>do</strong> sujeito locutor com o mun<strong>do</strong>, isto é, das suas impressões sobre<br />
o mun<strong>do</strong>. O autor assevera que, <strong>no</strong> momento em que se enuncia, o sujeito locutor<br />
instaura diante <strong>de</strong> si um interlocutor, alvo <strong>do</strong> discurso. Essa afirmação dá relevo à <strong>no</strong>ção<br />
<strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong>, pois um discurso parte <strong>de</strong> um emissor, que se dirige a um <strong>de</strong>stinatário,<br />
<strong>de</strong>sejan<strong>do</strong> atuar sobre ele <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra.<br />
Po<strong>de</strong>-se dizer, então, que as teorias <strong>de</strong> Charau<strong>de</strong>au e <strong>de</strong> Benveniste dialogam,<br />
pois, para ambos, é importante que se consi<strong>de</strong>re o ato enunciativo, o qual inclui os protagonistas<br />
<strong>do</strong> discurso (eu-tu), o lugar e o tempo da enunciação, além <strong>do</strong> objetivo a que<br />
visa o enuncia<strong>do</strong>r e o tema <strong>de</strong> que trata.<br />
2 Análise <strong>do</strong> discurso numa perspectiva enunciativa<br />
2.1 A teoria <strong>de</strong> enunciação benvenistiana<br />
O lingüista francês Émile Benveniste <strong>de</strong>fine enunciação como a colocação da língua<br />
em funcionamento por um ato individual <strong>de</strong> utilização, uma instância conceitual,<br />
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que se caracteriza pelo conjunto <strong>de</strong> fatores e atos que <strong>de</strong>terminam a produção <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>.<br />
Benveniste (2005) explica que, <strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong>, produto da enunciação, verificamse<br />
marcas <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><strong>no</strong>minadas indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>, tais como pro<strong>no</strong>mes,<br />
advérbios dêiticos, adjetivos, verbos. Em seu artigo Da subjetivida<strong>de</strong> na linguagem,<br />
cuja primeira publicação foi em 1958, o autor afirma que os pro<strong>no</strong>mes pessoais<br />
são o “primeiro ponto <strong>de</strong> apoio para essa revelação da subjetivida<strong>de</strong> na linguagem.” (p.<br />
288) e que, relaciona<strong>do</strong>s a esses pro<strong>no</strong>mes, estão outros pro<strong>no</strong>mes, advérbios, adjetivos<br />
e tempos verbais, to<strong>do</strong>s concernentes à categoria <strong>de</strong> pessoa. Ao instaurar a categoria<br />
<strong>de</strong> pessoa, Benveniste (2005) <strong>de</strong>fine as pessoas <strong>do</strong> discurso. Consi<strong>de</strong>ra eu/tu como as<br />
autênticas pessoas em oposição a ele.<br />
Em O aparelho formal da enunciação (1989), cuja primeira edição foi em 1970,<br />
afirma que a categoria <strong>de</strong> pessoa é essencial para que a linguagem se torne discurso.<br />
Como a pessoa enuncia num da<strong>do</strong> espaço e num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tempo, to<strong>do</strong> tempo e<br />
to<strong>do</strong> espaço organizam-se em tor<strong>no</strong> <strong>do</strong> “sujeito”, toma<strong>do</strong> como ponto <strong>de</strong> referência.<br />
Assim, espaço e tempo estão na <strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> eu, que neles se enuncia. O aqui é o<br />
espaço <strong>do</strong> eu, e o presente é o tempo em que coinci<strong>de</strong>m o momento <strong>do</strong> evento <strong>de</strong>scrito<br />
e o ato <strong>de</strong> enunciação que o <strong>de</strong>screve. Como o discurso é da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> acontecimento e<br />
não há acontecimento fora <strong>do</strong>s quadros <strong>do</strong> tempo, <strong>do</strong> espaço e da pessoa/sujeito, to<strong>do</strong><br />
ato <strong>de</strong> linguagem implica eu-tu-aqui-agora.<br />
Portanto, segun<strong>do</strong> Benveniste (1989, p. 87), “o que caracteriza a enunciação é a<br />
acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginário, individual<br />
ou coletivo.” Isso <strong>de</strong>termina a estrutura <strong>do</strong> quadro figurativo da enunciação, o <strong>do</strong> diálogo,<br />
que tem obrigatoriamente um eu e um tu. Os <strong>do</strong>is participantes alternam as funções,<br />
caracterizan<strong>do</strong>-se como parceiros e protagonistas na situação <strong>de</strong> enunciação. Isso,<br />
conseqüentemente, vai criar uma relação intersubjetiva entre as pessoas <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>.<br />
To<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>, pois, emana <strong>de</strong> um locutor que, ao tomar a palavra, instaura diante <strong>de</strong><br />
si um interlocutor, amoldan<strong>do</strong> seu discurso à imagem que projeta <strong>de</strong>sse interlocutor. O<br />
ato enunciativo, que é sempre inédito, situa-se, segun<strong>do</strong> Benveniste, num aqui e agora,<br />
respectivamente, lugar e tempo da enunciação.<br />
Cabe sublinhar, ainda, que, para esse lingüista francês, não há objetivida<strong>de</strong> <strong>no</strong><br />
uso da linguagem, uma vez que o enuncia<strong>do</strong>r sempre imprime sua marca – <strong>de</strong> forma<br />
mais ou me<strong>no</strong>s explícita – em seu discurso.<br />
2.2 A teoria semiolingüística <strong>de</strong> Patrick Charau<strong>de</strong>au<br />
2.2.1 Contrato <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
A teoria <strong>de</strong>senvolvida por Patrick Charau<strong>de</strong>au visa a construir uma estratégia<br />
operacional <strong>de</strong> análise <strong>do</strong> discurso capaz <strong>de</strong> contemplar, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> integra<strong>do</strong>, as múltiplas<br />
dimensões envolvidas num ato <strong>de</strong> linguagem. Assim, para compreen<strong>de</strong>r melhor<br />
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o que é o <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> postula<strong>do</strong> por Charau<strong>de</strong>au, é necessário saber que<br />
to<strong>do</strong> discurso é resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma articulação íntima, bidirecional, não <strong>de</strong>terminista, entre<br />
os pla<strong>no</strong>s situacional e lingüístico.<br />
Para Charau<strong>de</strong>au, to<strong>do</strong> ato <strong>de</strong> linguagem realiza-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um tipo específico<br />
<strong>de</strong> relação contratual, implicitamente reconheci<strong>do</strong> pelos sujeitos, e que <strong>de</strong>fine, por um<br />
la<strong>do</strong>, aspectos liga<strong>do</strong>s ao pla<strong>no</strong> situacional - i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s parceiros, seus objetivos, a<br />
tematização e as circunstâncias materiais - e, por outro, aspectos relativos ao pla<strong>no</strong> comunicacional<br />
e discursivo - maneiras <strong>de</strong> dizer ou estratégias discursivas pertinentes.<br />
Segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au (1983), o <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> é um quadro <strong>de</strong> reconhecimento<br />
<strong>no</strong> qual se inscrevem os parceiros para que se estabeleça a troca e a intercompreensão,<br />
sen<strong>do</strong>, portanto, da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> imaginário social. A idéia é que os sujeitos<br />
que compartilham um mesmo universo cultural, possuiriam um entendimento mais ou<br />
me<strong>no</strong>s próximo sobre os vários tipos possíveis <strong>de</strong> encontro linguageiro (tipos <strong>de</strong> <strong>contrato</strong>)<br />
e expectativas sobre as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s típicas <strong>do</strong>s sujeitos envolvi<strong>do</strong>s, seus prováveis<br />
objetivos, os assuntos que eles <strong>de</strong>vem abordar e as maneiras <strong>de</strong> falar mais prováveis em<br />
cada caso. Os sujeitos esperam, em princípio, que to<strong>do</strong>s esses elementos variem conforme<br />
o encontro linguageiro em questão possa ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como uma entrevista, um<br />
discurso político, uma propaganda <strong>de</strong> algum produto, um <strong>de</strong>bate informal entre amigos,<br />
etc.<br />
Charau<strong>de</strong>au apresenta uma complexa estrutura comunicativa que se estabelece<br />
entre os sujeitos da <strong>comunicação</strong>, em que consi<strong>de</strong>ra a ambivalência <strong>de</strong> sujeitos que se<br />
movem ciclicamente durante o ato enunciativo, ora como seres pertencentes ao mun<strong>do</strong><br />
real (Sujeito/EU–comunicante e Sujeito/TU–interpretante), ora como entida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> discurso<br />
(Sujeito/EU–enuncia<strong>do</strong>r e Sujeito/TU–<strong>de</strong>stinatário). Eis o motivo pelo qual Charau<strong>de</strong>au<br />
(1983) afirma que enunciar é pôr em cena um projeto <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Para ele, to<strong>do</strong><br />
ato <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> humana é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma mise-en-scéne (encenação), com<br />
estratégias discursivas criadas por esses sujeitos. Veja-se a figura abaixo, que representa<br />
parte <strong>de</strong>sta teoria <strong>de</strong> Charau<strong>de</strong>au, baseada na obra Langage et discours (1983, p. 46):<br />
Sujeito comunicante<br />
Eu-comunicante<br />
(Ser real, quem escreve)<br />
CIRCUITO INTERNO (CIRCUITO DO DIZER)<br />
Sujeito enuncia<strong>do</strong>r<br />
Eu-enuncia<strong>do</strong>r<br />
(Ser da palavra)<br />
CIRCUITO EXTERNO (CIRCUITO DO FAZER)<br />
Figura 1: Esquema <strong>de</strong> mise em scéne (encenação) da linguagem<br />
Fonte: Charau<strong>de</strong>au (1983, p. 46)<br />
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Sujeito <strong>de</strong>stinatário<br />
Tu-<strong>de</strong>stinatário<br />
(Ser da palavra)<br />
Sujeito interpretante<br />
Tu-interpretante<br />
(Ser real, quem interpreta)<br />
Nesse esquema <strong>de</strong> encenação da linguagem, po<strong>de</strong>-se perceber que to<strong>do</strong>s os sujeitos<br />
da <strong>comunicação</strong> estão interliga<strong>do</strong>s e têm uma função a <strong>de</strong>sempenhar num <strong>contrato</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. O esquema propõe, em primeiro lugar, a distinção entre um circuito
exter<strong>no</strong> (lugar <strong>do</strong> fazer) e um inter<strong>no</strong> (lugar <strong>do</strong> dizer).<br />
No circuito exter<strong>no</strong>, interagem um Sujeito/Eu-comunicante caracteriza<strong>do</strong> por<br />
uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> psicossocial específica e por um projeto <strong>de</strong> fala <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> (que é necessariamente<br />
um projeto <strong>de</strong> influência sobre o interlocutor) e um Sujeito/Tu-interpretante,<br />
possui<strong>do</strong>r, igualmente, <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> psicossocial e <strong>de</strong> uma intencionalida<strong>de</strong> própria.<br />
Por conseguinte, os sujeitos <strong>do</strong> circuito exter<strong>no</strong> não participam <strong>do</strong> discurso e <strong>do</strong><br />
ato <strong>de</strong> linguagem, porém é a partir da imagem que eles criam um <strong>do</strong> outro que nasce o<br />
discurso, representa<strong>do</strong> pelos sujeitos <strong>do</strong> circuito inter<strong>no</strong>.<br />
O ato <strong>de</strong> linguagem tem início efetivamente com os sujeitos <strong>do</strong> circuito inter<strong>no</strong>,<br />
os protagonistas da enunciação, inter<strong>no</strong>s ao ato <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. São eles os sujeitos<br />
<strong>do</strong> discurso: Sujeito/EU–enuncia<strong>do</strong>r e Sujeito/Tu–<strong>de</strong>stinatário. O sujeito comunicante,<br />
motiva<strong>do</strong> por seu projeto <strong>de</strong> fala e servin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> seu conhecimento das condições presentes<br />
<strong>de</strong> produção <strong>do</strong> seu discurso (incluin<strong>do</strong> aí as expectativas que ele tem sobre a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e intencionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito interpretante), seleciona e implementa suas<br />
estratégias <strong>de</strong> fala. O sujeito comunicante, sujeito empírico, converte-se, nesse momento,<br />
em sujeito enuncia<strong>do</strong>r, ser da fala, e institui o outro como sujeito <strong>de</strong>stinatário, ser<br />
existente, apenas, <strong>no</strong> discurso <strong>do</strong> sujeito enuncia<strong>do</strong>r. Passa-se, então, ao circuito inter<strong>no</strong><br />
<strong>do</strong> ato <strong>de</strong> linguagem, ao pla<strong>no</strong> propriamente dito <strong>do</strong> discurso. A interação entre os interlocutores<br />
torna-se, aqui, mediada pela palavra. Para que o sujeito interpretante aceite e<br />
dê continuida<strong>de</strong> ao <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> inicia<strong>do</strong> pelo sujeito comunicante e, mais<br />
ainda, para que o sujeito comunicante consiga realizar seu projeto <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, é<br />
necessário que consiga, converti<strong>do</strong> em sujeito enuncia<strong>do</strong>r, ser reconheci<strong>do</strong> <strong>no</strong> seu saber,<br />
<strong>no</strong> seu po<strong>de</strong>r e <strong>no</strong> seu saber-fazer. Portanto, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au (2006, p. 71),<br />
“<strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> e projeto <strong>de</strong> fala se completam, trazen<strong>do</strong> um seu quadro <strong>de</strong><br />
restrições situacionais e discursivas, outro <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bran<strong>do</strong>-se num espaço <strong>de</strong> estratégias,<br />
o que faz com que to<strong>do</strong> ato <strong>de</strong> linguagem seja um ato <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser<br />
uma liberda<strong>de</strong> vigiada.” Enfim, os <strong>contrato</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> variam <strong>no</strong> tempo e <strong>no</strong> espaço,<br />
isto é, cada conjunto <strong>de</strong> <strong>contrato</strong>s é próprio <strong>de</strong> uma dada cultura em <strong>de</strong>terminada<br />
época.<br />
2.2.2 Tríplice competência da linguagem<br />
Patrick Charau<strong>de</strong>au e Dominique Maingueneau, <strong>no</strong> Dicionário <strong>de</strong> análise <strong>do</strong> discurso<br />
(2004, p. 453), afirmam que “to<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve construir o objeto, para análise,<br />
como uma tripla interrogação: Quais são as condições situacionais <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> linguagem?<br />
Qual(is) procedimento(s) discursivo(s) ele aciona? Em que consiste sua configuração<br />
<strong>textual</strong>?” Nessa tripla interrogação, observa-se a tríplice competência <strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong><br />
circuito exter<strong>no</strong> (o Eu–comunicante e o Tu–interpretante), postulada por Charau<strong>de</strong>au <strong>no</strong><br />
artigo De la competencia social <strong>de</strong> comunicación a las competencias discursivas (2001).<br />
Segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au, o ato <strong>de</strong> linguagem não se restringe a uma competência única<br />
<strong>de</strong>sses sujeitos, pois eles exercem funções que levam a <strong>de</strong>senvolver três habilida<strong>de</strong>s<br />
para a construção e compreensão <strong>do</strong> ato comunicativo: a competência situacional, a<br />
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competência discursiva e a competência semiolingüística.<br />
a) Competência situacional<br />
A competência situacional exige que to<strong>do</strong> sujeito comunicante e interpretante <strong>de</strong><br />
um ato <strong>de</strong> linguagem seja capaz <strong>de</strong> construir seu discurso em função da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
parceiros da troca linguageira, da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta, <strong>do</strong> tema que tal troca coloca em jogo<br />
e das circunstâncias materiais que a envolvem. Assim, preten<strong>de</strong> dar conta <strong>do</strong> espaço<br />
exter<strong>no</strong> aos atos <strong>de</strong> linguagem e <strong>do</strong> lugar on<strong>de</strong> eles são <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s: sua finalida<strong>de</strong><br />
(por quê?), as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s implica<strong>do</strong>s (quem fala a quem?) e o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> saber (em<br />
razão <strong>de</strong> que sujeito?). Portanto, a competência situacional exige que to<strong>do</strong> sujeito que<br />
se comunica, esteja apto a construir seu discurso em função da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s protagonistas<br />
<strong>do</strong> intercâmbio, da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste, <strong>de</strong> seu tema e das circunstâncias materiais.<br />
b) Competência discursiva<br />
A competência discursiva exige <strong>de</strong> to<strong>do</strong> sujeito comunicante ou interpretante <strong>de</strong><br />
um ato <strong>de</strong> linguagem que esteja apto a manipular ou a reconhecer os procedimentos<br />
discursivos da encenação linguageira. Essa competência apóia-se na situacional e <strong>de</strong>la<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, é – <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> Eu–comunicante – a capacida<strong>de</strong> que este precisa ter<br />
para elaborar as estratégias <strong>de</strong> encenação <strong>de</strong> seu projeto comunicativo. Requer conhecimento<br />
da situação comunicativa e <strong>do</strong>s <strong>contrato</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> nela envolvi<strong>do</strong>s, como<br />
também <strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong> estratégias disponíveis para a execução <strong>do</strong>s projetos <strong>de</strong> fala. Já<br />
<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> Tu–interpretante, ela representa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste para reconhecer<br />
as estratégias <strong>do</strong> Eu–comunicante. A competência discursiva está dividida em três<br />
or<strong>de</strong>ns - enunciativa, enunciatória e semântica -, apresentadas a seguir:<br />
b1) A or<strong>de</strong>m enunciativa<br />
Caracteriza-se por <strong>de</strong>limitar a situação <strong>de</strong> enunciação: remete às atitu<strong>de</strong>s enunciativas<br />
que o sujeito constrói em função da situação <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Apresenta três<br />
papéis enunciativos em relação à construção <strong>do</strong> discurso, que são: alocutivo, elocutivo<br />
e <strong>de</strong>locutivo.<br />
O ato alocutivo, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au (1992, p. 574), implica o interlocutor <strong>no</strong> ato<br />
enunciativo e precisa a maneira como o locutor impõe uma proposição ao interlocutor.<br />
O ato elocutivo, que não implica o interlocutor <strong>no</strong> ato enunciativo, indica a maneira<br />
como o locutor revela sua posição frente à proposição que enuncia.<br />
O ato <strong>de</strong>locutivo é caracteriza<strong>do</strong> pela impessoalida<strong>de</strong>, conservan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os sinais<br />
exteriores <strong>de</strong> distanciamento, <strong>no</strong> momento em que o enuncia<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser explicitamente<br />
o sujeito empírico para se tornar o narra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma história ou a figura<br />
anônima <strong>do</strong> sujeito que apresenta os fatos, simula<strong>do</strong>res da or<strong>de</strong>m <strong>no</strong>rmal <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
b2) A or<strong>de</strong>m enunciatória<br />
Designa os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> organização <strong>do</strong> discurso: narrativo, enunciativo, <strong>de</strong>scritivo<br />
110 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
e argumentativo. São as maneiras <strong>de</strong> estruturar o texto, visan<strong>do</strong> a uma função típica <strong>de</strong><br />
cada um.<br />
O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização narrativo é construí<strong>do</strong> pela sucessão <strong>de</strong> ações que formam<br />
o arcabouço <strong>de</strong> uma história (<strong>no</strong> senti<strong>do</strong> estrito). Os atores <strong>de</strong>sempenham e assumem<br />
papéis que interferem na narrativa, sen<strong>do</strong> liga<strong>do</strong>s pelos processos que dão uma<br />
orientação funcional à ação. A sucessão coerente <strong>do</strong>s acontecimentos se insere num<br />
quadro espaço-temporal, fornecen<strong>do</strong> marcas <strong>de</strong> sua localização <strong>no</strong> espaço, situação<br />
temporal e caracterização <strong>do</strong>s protagonistas, converten<strong>do</strong>-se numa verda<strong>de</strong>ira história<br />
singular narrada sob responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sujeito narrante que se encontra liga<strong>do</strong> a<br />
um <strong>de</strong>stinatário por um <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Enfim, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização narrativo<br />
caracteriza-se por narrar, relatar ou contar uma história ou fatos que se enca<strong>de</strong>iam,<br />
forman<strong>do</strong> uma trama.<br />
O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização enunciativo é entendi<strong>do</strong> como a categoria <strong>do</strong> discurso<br />
que testemunha a forma como o enuncia<strong>do</strong>r trata a encenação comunicativa, estabelecen<strong>do</strong><br />
uma relação <strong>de</strong> influência entre os interlocutores, enfatizan<strong>do</strong> o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong><br />
locutor em relação ao interlocutor, a ele mesmo e aos outros. Por dar conta da posição<br />
<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r em relação ao <strong>de</strong>stinatário e da sua posição em relação ao mun<strong>do</strong>, o<br />
discurso enunciativo intervém na encenação <strong>do</strong> <strong>de</strong>scritivo, narrativo e argumentativo. O<br />
mo<strong>do</strong> enunciativo, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au, “comanda” os outros mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> organização.<br />
O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização <strong>de</strong>scritivo consiste em <strong>no</strong>mear, localizar e qualificar<br />
os seres <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Nomear significa “dar existência a um ser”, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au<br />
(1992, p. 659), localizar-situar significa “<strong>de</strong>terminar o lugar que ocupa um ser <strong>no</strong> espaço<br />
e <strong>no</strong> tempo” (1992, p. 661). E qualificar significa “dar um senti<strong>do</strong> particular aos seres<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (1992, p. 663), caracterizan<strong>do</strong>-os como únicos. Charau<strong>de</strong>au (1992) salienta<br />
que o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização <strong>de</strong>scritivo não apenas complementa o narrativo, como geralmente<br />
se diz, mas dá senti<strong>do</strong> ao narrativo. Além disso, está estreitamente liga<strong>do</strong> ao<br />
mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização argumentativo, pois a <strong>de</strong>scrição é usada como um recurso discursivo<br />
para atingir uma finalida<strong>de</strong> persuasiva.<br />
O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização argumentativo contribui para construir a argumentação,<br />
“resulta<strong>do</strong> <strong>textual</strong> <strong>de</strong> uma combinação entre diferentes componentes, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong> uma situação com fim persuasivo.” (CHARAUDEAU, 1992, p. 785). Esse mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização<br />
parece estar intimamente relaciona<strong>do</strong> ao ambiente organizacional, pois argumentar<br />
é discutir, altercar e sustentar controvérsias. O ambiente organizacional é ple<strong>no</strong><br />
<strong>de</strong> controvérsias (consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetivos), necessitan<strong>do</strong>, assim, <strong>de</strong><br />
um espaço <strong>de</strong> negociação, embasa<strong>do</strong> na argumentação, como forma <strong>de</strong> minimização <strong>de</strong><br />
conflitos.<br />
Por conseguinte, para que o ato <strong>de</strong> fala realmente se estabeleça, é preciso que os<br />
<strong>do</strong>is parceiros <strong>do</strong> intercâmbio linguageiro se reconheçam em seus papéis <strong>de</strong> interlocutores<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Muitas vezes, porém, um <strong>do</strong>s interlocutores<br />
nega esse <strong>papel</strong>, ou seja, nega a existência <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r e, conseqüentemente, a existência<br />
<strong>do</strong> <strong>de</strong>stinatário, anulan<strong>do</strong> assim o <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 111
3) A or<strong>de</strong>m semântica<br />
A or<strong>de</strong>m semântica se refere ao “entor<strong>no</strong> cognitivo partilha<strong>do</strong>” entre os sujeitos<br />
<strong>do</strong> ato <strong>de</strong> linguagem. Na verda<strong>de</strong>, nas trocas comunicativas, para que uns possam<br />
compreen<strong>de</strong>r os outros, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer a certos saberes comuns que se<br />
acredita/espera serem partilha<strong>do</strong>s pelos parceiros da troca linguageira. Portanto, para<br />
a compreensão e sucesso <strong>de</strong> um <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, é essencial que os sujeitos<br />
envolvi<strong>do</strong>s saibam utilizar e manipular a competência discursiva.<br />
c) Competência semiolingüística<br />
A competência semiolingüística, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au apud Oliveira (2003), postula<br />
que to<strong>do</strong> sujeito que se comunica e interpreta, possa manipular e reconhecer a<br />
forma <strong>do</strong>s sig<strong>no</strong>s, suas regras combinatórias e seu senti<strong>do</strong>, fican<strong>do</strong> claro que tais elementos<br />
visam a expressar uma intenção comunicativa <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os componentes<br />
da situação comunicativa e com as exigências da organização <strong>do</strong> discurso. É nesse nível<br />
que se constrói o texto, entendi<strong>do</strong> como o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> linguagem produzi<strong>do</strong><br />
por um sujeito <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> intercâmbio social dada e possuin<strong>do</strong> uma<br />
forma peculiar.<br />
Para exercer essa competência, precisa-se possuir um “saber-fazer” liga<strong>do</strong> à competência<br />
<strong>textual</strong>, como também liga<strong>do</strong> à construção gramatical, às marcas <strong>de</strong> coerência<br />
<strong>do</strong> texto (tais como os conectores, modaliza<strong>do</strong>res, etc), enfim, um “saber-fazer” liga<strong>do</strong> a<br />
tu<strong>do</strong> que diz respeito ao aparelho formal <strong>de</strong> enunciação. Além disso, esse “saber-fazer”<br />
está relaciona<strong>do</strong> ao emprego a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> das palavras <strong>do</strong> léxico, levan<strong>do</strong> em conta o valor<br />
social que elas veiculam.<br />
Seguin<strong>do</strong> essa lógica, não só <strong>de</strong>vem ser acessa<strong>do</strong>s os níveis gramatical, lexical e<br />
<strong>textual</strong>, como também outras competências necessárias à i<strong>de</strong>ntificação da situação comunicativa,<br />
tanto por parte <strong>do</strong> eu-comunicante, durante a elaboração <strong>do</strong> texto, quanto<br />
por parte <strong>do</strong> tu-interpretante, ao interpretá-lo.<br />
Portanto, a tríplice competência da linguagem (situacional, discursiva e semiolingüística)<br />
é o alicerce necessário para se analisarem as condições da <strong>comunicação</strong><br />
linguageira. Essas três competências estão profundamente interligadas <strong>no</strong> processo <strong>de</strong><br />
construção e interpretação da <strong>comunicação</strong>, exigin<strong>do</strong> que os sujeitos envolvi<strong>do</strong>s sejam<br />
capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver três aptidões: reconhecer as condições sociais da <strong>comunicação</strong>,<br />
reconhecer-manipular as estratégias <strong>do</strong> discurso e reconhecer-manipular os sistemas<br />
semiolingüísticos.<br />
2.2.3 O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização argumentativo<br />
Como o objeto <strong>de</strong> análise – cartas ao leitor – são <strong>gênero</strong>s textuais cujo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
organização discursiva pre<strong>do</strong>minante é o argumentativo, julga-se relevante apresentar<br />
alguns pressupostos teóricos sobre a argumentação. Para tanto, recorreu-se aos lingüis-<br />
112 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
tas franceses Dominique Maingueneau e Patrick Charau<strong>de</strong>au, cujos estu<strong>do</strong>s se situam<br />
numa perspectiva enunciativa. Dentro <strong>de</strong>ssa perspectiva, o texto é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um<br />
ato enunciativo inseri<strong>do</strong> numa <strong>de</strong>terminada situação <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, na qual são elementos<br />
fundamentais o locutor, o interlocutor, o propósito <strong>do</strong> sujeito comunicante, a<br />
tematização e as circunstâncias materiais. Esses elementos <strong>de</strong>terminam, em parte, as<br />
escolhas que o enuncia<strong>do</strong>r faz <strong>no</strong>s níveis discursivo e semiolingüístico.<br />
Consoante Charau<strong>de</strong>au e Maingueneau (2004), a argumentação constitui um <strong>do</strong>s<br />
fatores privilegia<strong>do</strong>s da coerência discursiva. Ela pressupõe uma ação finalizada, um enca<strong>de</strong>amento<br />
estrutura<strong>do</strong> <strong>de</strong> argumentos liga<strong>do</strong>s por uma estratégia global que tem por<br />
objetivo conseguir a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> um público à tese <strong>de</strong>fendida pelo sujeito comunicante<br />
(enuncia<strong>do</strong>r). Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> interação verbal que se <strong>de</strong>stina a modificar<br />
as convicções <strong>de</strong> um indivíduo e que trabalha diretamente não sobre os outros<br />
indivíduos, mas sobre a própria organização <strong>do</strong> discurso, que <strong>de</strong>ve possuir um efeito<br />
persuasivo. Assim, o enuncia<strong>do</strong>r que argumenta, cria uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> argumentos da qual<br />
o seu interlocutor não possa escapar.<br />
O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização argumentativo é visto por Patrick Charau<strong>de</strong>au (1992)<br />
como um <strong>do</strong>s mais complexos, pois se relaciona com o saber que tenta dar conta da<br />
experiência humana através <strong>de</strong> certas operações <strong>de</strong> pensamento. Segun<strong>do</strong> ele, a argumentação<br />
não se ocupa das categorias da língua (as conjunções <strong>de</strong> subordinação, por<br />
exemplo), mas da organização <strong>do</strong> discurso.<br />
Charau<strong>de</strong>au (1992, p. 780, grifo <strong>no</strong>sso) afirma que, para haver argumentação, é<br />
necessário:<br />
• um propósito sobre o mun<strong>do</strong> que seja questiona<strong>do</strong> por alguém<br />
quanto a sua legitimida<strong>de</strong>;<br />
• um sujeito que se engaja relativamente a esse questionamento<br />
(convicção) e <strong>de</strong>senvolve um raciocínio para tentar estabelecer<br />
uma verda<strong>de</strong> (seja própria ou universal, trate ela <strong>de</strong> uma simples<br />
aceitabilida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> uma legitimida<strong>de</strong>) sobre esse propósito;<br />
• um outro sujeito que, respeita<strong>do</strong> pelo mesmo propósito, questionamento<br />
e verda<strong>de</strong>, constitui o alvo da argumentação. Trata-se<br />
<strong>de</strong> uma pessoa à qual se dirige o sujeito que argumenta, <strong>no</strong> <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> levar ao partilhamento da mesma verda<strong>de</strong> (persuasão), saben<strong>do</strong><br />
que ele po<strong>de</strong> aceitar (pró) ou refutar (contra) a argumentação.<br />
Assim, a argumentação se <strong>de</strong>fine numa relação triangular entre um sujeito que<br />
argumenta, uma tese sobre o mun<strong>do</strong> e um sujeito-alvo. Sob essa perspectiva, argumentar<br />
é uma ativida<strong>de</strong> discursiva em que o agente da argumentação participa <strong>de</strong> uma dupla<br />
busca: <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> influência, segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au (1992, p. 784). A busca<br />
<strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> ten<strong>de</strong> a um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, mas se torna, na prática, uma busca<br />
por verossimilhança - uma verossimilhança que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das representações sociocul-<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 113
turais partilhadas pelos membros <strong>de</strong> um grupo. A busca da influência ten<strong>de</strong> a um i<strong>de</strong>al<br />
<strong>de</strong> persuasão, que consiste em fazer com que o outro compartilhe o mesmo propósito<br />
sobre o mun<strong>do</strong>. Essas duas buscas <strong>de</strong>vem andar juntas para que se tenha uma conduta<br />
argumentativa. Por isso, não há argumentação quan<strong>do</strong>, por exemplo, alguém se vale<br />
tão-somente da sedução ou da força para levar o outro a compartilhar sua convicção<br />
sem apelo à racionalida<strong>de</strong>.<br />
De acor<strong>do</strong> com Charau<strong>de</strong>au (1992), o dispositivo argumentativo está dividi<strong>do</strong> em<br />
três quadros: propósito, proposição e persuasão.<br />
a) O propósito se compõe <strong>de</strong> uma ou mais asserções que digam algo sobre os<br />
fenôme<strong>no</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ou seja, servem para construir parte <strong>do</strong> processo comunicativo.<br />
O propósito, também, po<strong>de</strong> ser chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> “tese”.<br />
b) A proposição é a posição que a<strong>do</strong>ta o sujeito frente à veracida<strong>de</strong> <strong>do</strong> propósito,<br />
levan<strong>do</strong>-o a <strong>de</strong>senvolver a argumentação nesta ou naquela direção. As posições <strong>do</strong> sujeito<br />
são as seguintes:<br />
• Tomada <strong>de</strong> posição<br />
O sujeito po<strong>de</strong> mostrar-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> ou em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com o propósito. Se estiver<br />
<strong>de</strong> acor<strong>do</strong>, terá <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um ato <strong>de</strong> persuasão <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a provar a veracida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> propósito, isto é, a justificá-lo. Esse processo po<strong>de</strong> ser total ou parcial. É total<br />
quan<strong>do</strong> ele se apóia sobre o conjunto <strong>do</strong> propósito e parcial quan<strong>do</strong> se apóia sobre um<br />
<strong>do</strong>s elementos <strong>do</strong> propósito. Se estiver em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>, terá <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um ato <strong>de</strong><br />
persuasão <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a provar a falsida<strong>de</strong> <strong>do</strong> propósito, isto é, a refutá-lo. Esse processo<br />
<strong>de</strong> refutação po<strong>de</strong> ser total ou parcial.<br />
• Não-tomada <strong>de</strong> posição<br />
Neste caso, o sujeito permanece neutro frente ao propósito. Não se manifesta<br />
nem contra nem a favor. Na atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> não-tomada <strong>de</strong> posição, o sujeito que argumenta,<br />
é leva<strong>do</strong> a <strong>de</strong>senvolver um ato <strong>de</strong> persuasão que mostra as provas <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro e <strong>do</strong><br />
falso em relação ao propósito. Ele apenas pon<strong>de</strong>ra as informações.<br />
c) A persuasão consiste em comunicar, explicar, legitimar e fazer compartilhar o<br />
ponto <strong>de</strong> vista que ali se exprime e as palavras que o dizem, ou então, ao contrário, em<br />
eliminar os discursos concorrentes para reinar sobera<strong>no</strong> em seu <strong>do</strong>mínio. A persuasão<br />
resulta totalmente ou em parte da realização <strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong>ssas intenções. Assim, a<br />
persuasão torna-se um componente importantíssimo <strong>do</strong> ato argumentativo e estabelece<br />
um quadro <strong>de</strong> raciocínio que supõe que o sujeito <strong>de</strong>senvolva uma ou outra opção <strong>do</strong><br />
quadro <strong>de</strong> questionamentos da proposição: refutação, justificativa ou pon<strong>de</strong>ração.<br />
114 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
PROPÓSITO “Tese”<br />
A1 A2<br />
(Se) (então)<br />
(porque)<br />
PROPOSIÇÃO “Quadro <strong>de</strong> Questionamento”<br />
Tomada <strong>de</strong> posição Não-tomada <strong>de</strong> posição<br />
Refutação / Justificativa Pon<strong>de</strong>ração<br />
PERSUASÃO “Quadro <strong>de</strong> raciocínio persuasivo”<br />
Prova <strong>de</strong>:<br />
Refutação / Justificativa / Pon<strong>de</strong>ração<br />
Figura 2: Resumo <strong>do</strong> dispositivo argumentativo<br />
Fonte: Charau<strong>de</strong>au (1992, p. 807).<br />
2.2.4 A tripla ativida<strong>de</strong> cognitiva<br />
Charau<strong>de</strong>au (1998) assevera que, na argumentação, é preciso que o locutor conduza<br />
o sujeito-alvo num mesmo quadro <strong>de</strong> questionamento que ele lhe proponha um<br />
mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> tratar esse questionamento e que ele lhe traga, ao mesmo tempo, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
julgar a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse tratamento. Isso <strong>de</strong>termina as condições enunciativas <strong>de</strong> base<br />
que fazem com que um discurso seja i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> como argumentativo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o<br />
sujeito argumenta<strong>do</strong>r se entregue a uma tripla ativida<strong>de</strong>: problematizar, elucidar e provar.<br />
a) Problematizar<br />
Problematizar é uma ativida<strong>de</strong> cognitiva que “correspon<strong>de</strong> a ‘fazer saber’, não<br />
somente aquilo <strong>de</strong> que se trata (qual é a questão), mas também o que se <strong>de</strong>ve pensar<br />
sobre isso” (CHARAUDEAU, 2004, p. 38) 1 . É através da problematização que o sujeito<br />
argumenta<strong>do</strong>r dá a seu interlocutor o meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o quadro <strong>de</strong> questionamento<br />
ao qual é preciso ligar o ato <strong>de</strong> asserção. As asserções opostas geram a problematização,<br />
fazen<strong>do</strong> o interlocutor interrogar, questionar as causas e conseqüências <strong>de</strong>ssas<br />
asserções. Portanto, problematizar é propor-impor um quadro <strong>de</strong> questionamento que<br />
coloca em oposição duas asserções a respeito <strong>de</strong> cuja valida<strong>de</strong> o sujeito-alvo é leva<strong>do</strong> a<br />
se interrogar.<br />
b) Elucidar<br />
É uma ativida<strong>de</strong> cognitiva que “correspon<strong>de</strong> a um ‘fazer compreen<strong>de</strong>r’ as razões<br />
que são admitidas por hipótese para explicar o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> fato assevera<strong>do</strong> ou as conseqüências<br />
possíveis <strong>de</strong>ste sobre a seqüência <strong>do</strong>s acontecimentos” (CHARAUDEAU, 2004,<br />
p. 39). Elucidar é entrar <strong>no</strong> universo discursivo da causalida<strong>de</strong> e não <strong>no</strong> universo da<br />
existencialida<strong>de</strong> fe<strong>no</strong>menal. O universo da causalida<strong>de</strong> se inscreve necessariamente <strong>no</strong><br />
tempo e tem, portanto, algo a ver com a experiência que o homem po<strong>de</strong> ter da sucessão<br />
<strong>de</strong> acontecimentos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> relação que estes mantêm entre si.<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 115
c) Provar<br />
Provar é uma ativida<strong>de</strong> cognitiva que “correspon<strong>de</strong> a um ‘fazer crer’, o qual serve<br />
para fundamentar o valor <strong>de</strong> uma elucidação” (CHARAUDEAU, 2004, p. 40). É preciso<br />
que o sujeito argumenta<strong>do</strong>r se posicione em relação à valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s argumentos e que,<br />
<strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>, dê a seu interlocutor a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong><br />
elucidação. Assim, <strong>no</strong> momento em que prova sua tese, torna seu discurso persuasivo,<br />
e somente ocorrerá a validação <strong>do</strong> propósito na razão argumentativa se os argumentos<br />
utiliza<strong>do</strong>s forem compartilha<strong>do</strong>s e aceitos pelos interlocutores.<br />
Assim, a tripla ativida<strong>de</strong> cognitiva (problematizar, elucidar e provar) está inserida<br />
<strong>no</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, que obriga o sujeito sempre a validar, provar seu raciocínio,<br />
fazen<strong>do</strong> com que revele seu posicionamento em face <strong>de</strong> valores da socieda<strong>de</strong> a<br />
que pertence. Uma vez instaura<strong>do</strong> o quadro <strong>de</strong> questionamento <strong>no</strong> interior <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, o sujeito argumenta<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver estratégias <strong>de</strong><br />
argumentação em função <strong>do</strong>s alvos <strong>de</strong> influência que correspon<strong>de</strong>m a seu projeto <strong>de</strong><br />
fala e construirá suas estratégias argumentativas que se <strong>de</strong>senvolvem em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> três<br />
elementos: legitimação, credibilida<strong>de</strong> e captação.<br />
• A legitimida<strong>de</strong> visa a <strong>de</strong>terminar a posição <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />
que este possa respon<strong>de</strong>r como alguém que está autoriza<strong>do</strong> a argumentar. A legitimação<br />
está, portanto, volta<strong>do</strong> para o próprio sujeito falante (está volta<strong>do</strong> para o “eu”) e po<strong>de</strong><br />
fundamentar-se sobre <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> posição: autorida<strong>de</strong> institucional, posição que está<br />
fundada sobre o estatuto <strong>do</strong> sujeito, conferin<strong>do</strong>-lhe autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber ou <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão; e a autorida<strong>de</strong> pessoal, posição que está fundada sobre a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persuasão<br />
e <strong>de</strong> sedução <strong>do</strong> sujeito que lhe dá uma autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato. Essa posição <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> sujeito é pressuposta e percebida pelo outro, mas ela po<strong>de</strong> igualmente não ser<br />
percebida ou colocada em dúvida, ou mesmo, ser contestada pelo interlocutor.<br />
• A credibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina a posição <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que ele<br />
possa respon<strong>de</strong>r: “Como posso ser leva<strong>do</strong> a sério?” Para fazer isso, o sujeito escolhe<br />
<strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> posição: a) neutralida<strong>de</strong>, posição que o levará a apagar, <strong>no</strong> seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
argumentação, toda marca <strong>de</strong> julgamento e <strong>de</strong> avaliação pessoal, seja para explicitar as<br />
causas <strong>de</strong> um fato, seja para <strong>de</strong>monstrar uma tese; b) engajamento, o que levará o sujeito,<br />
contrariamente ao caso prece<strong>de</strong>nte, a optar (<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais ou me<strong>no</strong>s consciente)<br />
por uma tomada <strong>de</strong> posição na escolha <strong>de</strong> argumentos ou na escolha <strong>de</strong> palavras ou por<br />
uma modalização empregada em seu discurso. Isso produzirá um discurso <strong>de</strong> convicção<br />
<strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a ser partilha<strong>do</strong> pelo interlocutor.<br />
• A captação tem como objetivo fazer entrar o parceiro da troca comunicativa<br />
(mo<strong>no</strong>locutiva ou interlocutiva) <strong>no</strong> quadro argumentativo <strong>do</strong> sujeito falante. Para isso,<br />
o sujeito po<strong>de</strong> escolher <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> objetivos: a) polêmico, que leva o sujeito a questionar<br />
alguns <strong>do</strong>s valores que seu parceiro <strong>de</strong> troca <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, ou a própria legitimida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ste; b) <strong>de</strong> persuasão e <strong>de</strong> dramatização, objetivo que leva o sujeito a instaurar uma<br />
ativida<strong>de</strong> discursiva feita <strong>de</strong> analogias, <strong>de</strong> comparações, <strong>de</strong> metáforas que se apóiam<br />
mais sobre crenças que sobre conhecimentos para forçar o outro a partilhar certos va-<br />
116 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
lores <strong>de</strong> senso comum.<br />
Essas três estratégias argumentativas dão ao sujeito que comunica autorida<strong>de</strong>,<br />
confiança e aceitação, tornan<strong>do</strong> a argumentação válida. Charau<strong>de</strong>au (1983) conclui que<br />
a argumentação como um to<strong>do</strong> diz respeito ao conjunto <strong>de</strong> parceiros <strong>do</strong> ato comunicativo,<br />
o que mostra o <strong>papel</strong> que a escola po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong><br />
linguageira, principal instrumento da formação da opinião pública.<br />
Portanto, trazen<strong>do</strong> para as reflexões o conceito <strong>de</strong> argumentação <strong>de</strong> Charau<strong>de</strong>au,<br />
é indispensável situar esse conceito <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> dispositivo comunicativo em que é compreendi<strong>do</strong><br />
o discurso, <strong>no</strong> qual um texto é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> linguagem produzi<strong>do</strong><br />
por um sujeito numa situação <strong>de</strong> troca social contratual. A argumentação, pois, como<br />
o seu próprio <strong>no</strong>me sugere, correspon<strong>de</strong> a um enca<strong>de</strong>ar <strong>de</strong> argumentos intimamente<br />
solidários entre si com o fim <strong>de</strong> mostrar a plausibilida<strong>de</strong> das conclusões.<br />
3 Análise <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>no</strong> <strong>gênero</strong> carta ao leitor<br />
3.1 Definição <strong>do</strong> <strong>gênero</strong><br />
Po<strong>de</strong>-se afirmar que o estu<strong>do</strong> sobre tipologias textuais é relativamente recente.<br />
Foi aproximadamente por volta <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s 60, na Europa, que essa temática se converteu<br />
num ponto central <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong>s lingüistas. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar tipologias textuais<br />
explica-se pelo fato <strong>de</strong> que o foco <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s lingüísticos, nessa época, passou da<br />
palavra e da frase ao texto.<br />
Luiz Antônio Marcuschi, em seu artigo Gêneros textuais: <strong>de</strong>finição e funcionalida<strong>de</strong><br />
(2002), afirma que os <strong>gênero</strong>s textuais são fenôme<strong>no</strong>s históricos, profundamente<br />
vincula<strong>do</strong>s à vida cultural e social da humanida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s por sua composição, objetivos<br />
enunciativos e estilo concretamente realiza<strong>do</strong>s por forças históricas, sociais, institucionais<br />
e tec<strong>no</strong>lógicas. Têm como função organizar e firmar as ativida<strong>de</strong>s comunicativas<br />
<strong>de</strong> um trabalho coletivo, caracterizan<strong>do</strong>-se como entida<strong>de</strong>s sociodiscursivas relacionadas<br />
a uma situação comunicativa e que contribuem para or<strong>de</strong>nar e estabilizar ativida<strong>de</strong>s<br />
comunicativas <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong>.<br />
Os <strong>gênero</strong>s constituem uma listagem aberta, são entida<strong>de</strong>s empíricas em situações<br />
comunicativas e se expressam em <strong>de</strong>signações orais e escritas, tais como telefonema,<br />
sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística,<br />
aula expositiva, reunião <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínio, <strong>no</strong>tícia jornalística, horóscopo, receita culinária,<br />
bula <strong>de</strong> remédio, lista <strong>de</strong> compras, cardápio <strong>de</strong> restaurante, instruções <strong>de</strong> uso, out<strong>do</strong>or,<br />
inquérito policial, resenha, edital <strong>de</strong> concurso, piada, carta eletrônica, bate-papo por<br />
computa<strong>do</strong>r, etc. A <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, portanto, está associada a textos orais e escritos<br />
que circulam socialmente, ou seja, que se encontram <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>, que se manifestam<br />
em situações concretas <strong>de</strong> uso da língua e que, nas palavras <strong>de</strong> Marcuschi (1992, p. 23),<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 117
apresentam “características sociocomunicativas <strong>de</strong>finidas por conteú<strong>do</strong>s, proprieda<strong>de</strong>s<br />
funcionais, estilo e composição característica.”<br />
Com base nessa pequena lista <strong>de</strong> exemplos, é possível consi<strong>de</strong>rar que há uma<br />
gran<strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>s textuais, uma vez que são bastante variadas as práticas<br />
comunicativas na socieda<strong>de</strong>. É importante também se dar conta <strong>de</strong> que a varieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>gênero</strong>s em circulação na socieda<strong>de</strong> também põe em relevo o uso <strong>de</strong> várias linguagens<br />
(diferentes varieda<strong>de</strong>s lingüísticas, registros, estilos, graus <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>, estruturas<br />
sintáticas, seleção lexical, entre outras), o que, consoante Marcuschi (1992, p. 35),<br />
“permite lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos <strong>no</strong> dia-a-dia.”<br />
Além <strong>de</strong>ssas observações, Marcuschi <strong>de</strong>fine <strong>do</strong>mínio discursivo como abrangen<strong>do</strong><br />
as gran<strong>de</strong>s esferas da ativida<strong>de</strong> humana (<strong>do</strong>mínio jornalístico, publicitário, jurídico,<br />
religioso, entre outros) em que os textos circulam. Por exemplo, o <strong>do</strong>mínio jornalístico<br />
não representa um <strong>gênero</strong> em particular, mas vários <strong>gênero</strong>s que estão liga<strong>do</strong>s a esse<br />
<strong>do</strong>mínio discursivo, como o editorial, a carta ao leitor, a reportagem, a <strong>no</strong>tícia, a carta <strong>do</strong><br />
leitor, o artigo <strong>de</strong> opinião, etc. Em outras palavras, num <strong>do</strong>mínio discursivo enquadramse<br />
vários <strong>gênero</strong>s textuais. Po<strong>de</strong>-se afirmar, então, que cada <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> – que representa<br />
a forma <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> que o homem utiliza (carta, diálogo, resenha, edital, poema,<br />
piada, receita médica, etc) terá um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização discursiva pre<strong>do</strong>minante<br />
(narrativo, <strong>de</strong>scritivo ou argumentativo) e estará inseri<strong>do</strong> num <strong>do</strong>mínio discursivo.<br />
Após essas consi<strong>de</strong>rações acerca da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong>, cabe <strong>de</strong>finir o<br />
<strong>gênero</strong> que constitui o objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste trabalho: a carta ao leitor. Embora tenha<br />
si<strong>do</strong> realizada uma pesquisa exaustiva em vários livros da área <strong>do</strong> jornalismo e da<br />
lingüística que versam sobre <strong>gênero</strong>s da mídia impressa, nenhum <strong>de</strong>les se <strong>de</strong>tém na<br />
<strong>de</strong>finição <strong>do</strong> <strong>gênero</strong> carta ao leitor, mas mencionam o <strong>gênero</strong> editorial. Assim sen<strong>do</strong>,<br />
consi<strong>de</strong>ra-se a carta ao leitor uma variante <strong>do</strong> <strong>gênero</strong> editorial, uma vez que há uma<br />
gran<strong>de</strong> semelhança entre esses <strong>gênero</strong>s, levan<strong>do</strong>-se em conta seus objetivos e o fato <strong>de</strong><br />
ambos expressarem a posição <strong>do</strong> editor. Cabe, <strong>no</strong> entanto, sublinhar o fato <strong>de</strong> que a carta<br />
ao leitor, geralmente, dialoga com o público-alvo <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> chamar sua atenção<br />
para os assuntos que serão trata<strong>do</strong>s <strong>no</strong> periódico, incitan<strong>do</strong> o leitor a ler toda a revista.<br />
No editorial <strong>de</strong> jornal, isso não é comum, pois este visa a evi<strong>de</strong>nciar a posição <strong>do</strong> jornal<br />
frente a <strong>de</strong>terminada questão can<strong>de</strong>nte <strong>no</strong> momento <strong>de</strong> sua publicação.<br />
Segun<strong>do</strong> Melo (1994) apud Marques (2003, p. 45), editorial “é o <strong>gênero</strong> jornalístico<br />
que expressa a opinião oficial da empresa diante <strong>do</strong>s fatos <strong>de</strong> maior repercussão <strong>no</strong><br />
momento.” Esse <strong>gênero</strong> dirige-se à coletivida<strong>de</strong>, constituin<strong>do</strong>-se num indica<strong>do</strong>r <strong>de</strong> que o<br />
veículo preten<strong>de</strong> orientar a opinião pública, necessitan<strong>do</strong> ser breve e claro. É uma janela<br />
que permite a expressão <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista que oferece aos leitores melhor idéia <strong>do</strong>s<br />
fatos nacionais e internacionais. Ou seja, o editorial é a voz <strong>do</strong> jornal, mas também dá a<br />
dimensão <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>, que está além <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço que limitam a <strong>no</strong>tícia,<br />
revelan<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> que acaba <strong>de</strong> acontecer.<br />
Cabe ressaltar, também, que Erbolato (1981) apud Melo (1994, p. 46) propõe<br />
uma estrutura básica para o editorial: a) título para que o leitor se inteire <strong>do</strong> assunto a<br />
118 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
ser comenta<strong>do</strong>; b) exposição sintética <strong>do</strong> fato que será aborda<strong>do</strong>; c) opiniões favoráveis<br />
e contrárias conhecidas sobre o assunto; d) conclusão <strong>do</strong> jornal, ou seja, o que ele pensa<br />
a respeito da questão.<br />
O editorial é o artigo não assina<strong>do</strong> que transmite a opinião da empresa jornalística<br />
como um to<strong>do</strong> e não <strong>de</strong> algum redator ou colabora<strong>do</strong>r em particular. Nos tempos<br />
anteriores à imprensa jornalística, isto é, até os fins <strong>do</strong> século XIX, o editorial refletia o<br />
pensamento <strong>do</strong> <strong>do</strong><strong>no</strong> <strong>do</strong> jornal, que quase sempre era quem o redigia. Mas, com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da indústria da informação, não é apenas a opinião <strong>do</strong> proprietário que<br />
prevalece.<br />
Como afirma Calla<strong>do</strong>, em seu artigo O texto em veículo impresso (apud MELO<br />
1994, p. 53): “Nas socieda<strong>de</strong>s capitalistas, o editorial reflete não exatamente a opinião<br />
<strong>do</strong>s seus proprietários <strong>no</strong>minais, mas o consenso das opiniões que emanam <strong>do</strong>s diferentes<br />
núcleos que participam da proprieda<strong>de</strong> da organização.”<br />
Basicamente, o editorial tem uma estrutura retórica, isto é, argumentativa. Normalmente,<br />
seu primeiro parágrafo expõe o assunto sobre o qual vai opinar. Depois, apresenta<br />
uma opinião contrária para, em seguida, refutá-la completamente. Ao final, volta<br />
ao parágrafo inicial, mas já com uma opinião forte, ou um conselho, ou um vaticínio.<br />
Quase sempre apresenta um tom bem autoritário. O redator <strong>do</strong> editorial tem que acreditar<br />
na imprensa ainda como o quarto po<strong>de</strong>r.<br />
Ao contrário da <strong>no</strong>tícia, cujo texto <strong>de</strong>ve ser simples e direto, o editorial abusa <strong>do</strong><br />
uso <strong>de</strong> palavras pomposas, <strong>de</strong> expressões como outrossim, urge, é mister, <strong>de</strong> referências<br />
culturais eruditas e <strong>de</strong> frases em or<strong>de</strong>m indireta. Ele quer convencer, advertir, mostrar<br />
o caminho. Sua linguagem é mais <strong>de</strong> púlpito, <strong>de</strong> tribunal, <strong>de</strong> oratória. Normalmente, o<br />
editorialista é um redator <strong>de</strong> muita experiência e <strong>de</strong> confiança da direção <strong>do</strong> jornal.<br />
Os jornais têm necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> opinião explícita para dar a enten<strong>de</strong>r<br />
que <strong>no</strong> <strong>no</strong>ticiário não há opinião, reina a neutralida<strong>de</strong>, a imparcialida<strong>de</strong>. Essa é a<br />
razão mais forte para a sobrevivência e o prestígio <strong>do</strong> editorial.<br />
As revistas, ao contrário, não têm editoriais. Elas em geral apresentam, junto com<br />
o sumário das matérias, uma carta ao leitor, com alguns comentários sobre o que vai<br />
ser li<strong>do</strong> naquele exemplar. Há, porém, em algumas revistas, cartas ao leitor que expressam<br />
a posição da revista sobre <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> assunto ou problema <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público,<br />
aproximan<strong>do</strong>-se, portanto, <strong>do</strong>s editoriais <strong>de</strong> jornais. Assim, consi<strong>de</strong>ra-se que, embora a<br />
carta ao leitor e o editorial possuam traços divergentes, a começar pelo veículo em que<br />
são publica<strong>do</strong>s – revista e jornal respectivamente –, têm vários aspectos em comum, o<br />
que autoriza a classificar a carta ao leitor como uma variante <strong>do</strong> <strong>gênero</strong> editorial.<br />
3.2 Meto<strong>do</strong>logia<br />
A abordagem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste artigo tem como foco central uma análise qualitati-<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 119
va, observan<strong>do</strong>-se a influência <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> nas escolhas lingüístico-discursivas<br />
que o sujeito comunicante faz. Como suporte teórico <strong>de</strong> suas análises, a autora<br />
valer-se-á da teoria semiolingüística <strong>de</strong> Patrick Charau<strong>de</strong>au, mais especificamente em<br />
relação ao <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, e <strong>do</strong>s principais postula<strong>do</strong>s da Teoria da Enunciação<br />
proposta por Émile Benveniste.<br />
À luz <strong>de</strong>ssas teorias, serão analisa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is textos pertencentes ao <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong><br />
carta ao leitor, retira<strong>do</strong>s das revistas Veja e Cláudia, suportes que diferem quanto ao<br />
público-alvo e, conseqüentemente, quanto aos assuntos aborda<strong>do</strong>s e ao grau <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>.<br />
Nesses textos, analisar-se-á <strong>de</strong> que forma o <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> que se estabelece<br />
entre os parceiros da troca linguageira, influencia as escolhas lingüísticas, bem<br />
como as marcas <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> que o locutor imprime (explícita ou implicitamente)<br />
em seu discurso.<br />
3.3 Análises<br />
3.3.1 Análise <strong>do</strong> texto “Um país <strong>no</strong> buraco”<br />
1 O Brasil enfrenta uma guerra <strong>de</strong>ntro das próprias fronteiras. O<br />
2 inimigo inter<strong>no</strong> cobra seu quinhão – e que quinhão! – na for-<br />
3 ma <strong>de</strong> atraso <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, custos absur<strong>do</strong>s, exaspero<br />
4 <strong>do</strong>s cidadãos e até mesmo sacrifício <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> vidas a ca-<br />
5 da a<strong>no</strong>. O <strong>no</strong>me <strong>de</strong>sse inimigo é infra-estrutura. Quan<strong>do</strong> intacta<br />
6 e mo<strong>de</strong>rna, ela está longe <strong>de</strong> ser um monstro, pois se trata da co-<br />
7 luna vertebral <strong>do</strong> sistema produtivo. Dá-lhe sustentação e velo-<br />
8 cida<strong>de</strong>. Em frangalhos, vira um bicho-papão e é causa das dis-<br />
9 torções e e<strong>no</strong>rmida<strong>de</strong>s citadas acima. Estradas esburacadas co-<br />
10 mo se estivessem si<strong>do</strong> bombar<strong>de</strong>adas, aeroportos mal equipa<strong>do</strong>s,<br />
11 com terminais insuficientes e pistas inseguras para aviões <strong>de</strong><br />
12 gran<strong>de</strong> porte, portos reduzi<strong>do</strong>s e sem maquinário suficiente pa-<br />
13 ra escoar a produção agrícola e industrial, ferrovias que são ver-<br />
14 da<strong>de</strong>iras sucatas, setor energético à beira <strong>de</strong> um <strong>no</strong>vo apagão –<br />
15 tu<strong>do</strong> isso compõe um qua-<br />
16 dro <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre só compa<br />
17 rável ao <strong>de</strong> nações paupér-<br />
18 rimas, que não po<strong>de</strong>m se-<br />
19 quer sonhar em entrar <strong>no</strong>s<br />
20 trilhos <strong>do</strong> progresso eco-<br />
21 nômico e social.<br />
22 A reportagem especial<br />
23 que começa na página 80<br />
24 <strong>de</strong>sta edição traduz, por<br />
25 meio <strong>de</strong> quadros compa-<br />
26 rativos, o grau <strong>de</strong> esface-<br />
27 lamento a que o país che-<br />
28 gou em matéria <strong>de</strong> infra-<br />
29 estrutura. Ela também<br />
30 mostra o que po<strong>de</strong> ser fei-<br />
31 to já, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com espe-<br />
32 cialistas. As ações preco-<br />
33 nizadas têm um caráter<br />
34 emergencial, mas não <strong>de</strong><br />
35 improviso. Apontam um<br />
36 caminho <strong>de</strong> racionaliza-<br />
37 ção e abertura para a ini-<br />
38 ciativa privada. É preciso<br />
39 não só investir mais di-<br />
Carta ao leitor -<br />
Um país <strong>no</strong> buraco<br />
Figura 3: Carta ao leitor: Um país <strong>no</strong> buraco<br />
Fonte: Revista Veja (2007, p. 9)<br />
120 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong><br />
40 nheiro <strong>no</strong> setor, como<br />
41 melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> investimento. Até o início da década <strong>de</strong><br />
42 80, o Brasil <strong>de</strong>stinava anualmente à infra-estrutura o equivalen-<br />
43 te a 6% <strong>de</strong> seu produto inter<strong>no</strong> bruto (PIB). Des<strong>de</strong> então, os gas-<br />
44 tos <strong>no</strong> setor foram sen<strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong>s dramaticamente - ao que<br />
45 se acompanhou, é claro, uma queda <strong>no</strong> crescimento econômico.<br />
46 Hoje, estradas, aeroportos, portos, ferrovias e hidrelétricas rece-<br />
47 bem cerca <strong>de</strong> 3% <strong>do</strong> PIB. A diferença parece pouca, mas não é.<br />
48 Para se ter uma idéia, estudiosos calculam que, não fosse a fal-<br />
49 ta <strong>de</strong> investimentos em infra-estrutura <strong>no</strong>s últimos vinte a<strong>no</strong>s, o<br />
50 total <strong>de</strong> riquezas produzidas pelo país po<strong>de</strong>ria ser hoje entre<br />
51 10% e 12% maior. É como se uma eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> tamanho da <strong>do</strong><br />
52 Chile <strong>no</strong>s estivesse si<strong>do</strong> extirpada. Não há dúvida <strong>de</strong> que o Brasil<br />
53 precisa vencer essa guerra. O Programa <strong>de</strong> Aceleração <strong>do</strong> Crês-<br />
54 cimento (PAC), anuncia<strong>do</strong> pelo gover<strong>no</strong>, é um bom primeiro<br />
55 passo. Urge, <strong>no</strong> mínimo, implementá-lo.
O texto Um país <strong>no</strong> buraco foi retira<strong>do</strong> da revista Veja (2007), seção Carta ao<br />
leitor. Antes <strong>de</strong> iniciar a análise, é necessário falar sobre o suporte em que o texto é<br />
veicula<strong>do</strong>: trata-se <strong>de</strong> uma revista voltada para um público adulto e seleto. A revista Veja<br />
aborda temas como eco<strong>no</strong>mia, política, cultura, religião, tec<strong>no</strong>logia, educação, saú<strong>de</strong>,<br />
história, meio ambiente, lazer, arte. É um periódico semanal, portanto suas reportagens<br />
abordam temas recentes, que visam a manter o leitor informa<strong>do</strong> sobre os principais<br />
acontecimentos <strong>do</strong> país e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
O <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> estabeleci<strong>do</strong> <strong>no</strong> texto Um país <strong>no</strong> buraco insere-se<br />
<strong>no</strong> <strong>do</strong>mínio jornalístico. Nesse texto, os parceiros da troca linguageira são o editor da<br />
revista, como sujeito comunicante, e os leitores da Veja, como sujeitos interpretantes.<br />
A natureza da <strong>comunicação</strong> é mo<strong>no</strong>locutiva, isto é, o sujeito comunicante escreve<br />
seu texto sem a intervenção <strong>do</strong> sujeito interpretante, como geralmente acontece <strong>no</strong>s<br />
textos escritos. E, como rituais <strong>de</strong> abordagem, há o título, uma frase <strong>no</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> texto (Estradas <strong>no</strong> interior da Bahia: paisagem <strong>de</strong> bombar<strong>de</strong>io) e uma imagem logo<br />
acima da frase que ilustra essa idéia. Portanto, os elementos paratextuais antecipam ao<br />
interlocutor que o tema aborda<strong>do</strong> <strong>no</strong> texto serão as condições das estradas <strong>no</strong> país.<br />
Veja-se, agora, como se comporta a tríplice competência da linguagem <strong>no</strong> texto<br />
em questão.<br />
a) Competência situacional<br />
Este texto tem como tematização a <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte situação em que se encontra a<br />
infra-estrutura <strong>no</strong> país, que tem reflexos <strong>no</strong> transporte terrestre, aquático, aéreo e ferroviário,<br />
bem como <strong>no</strong> setor energético. Como protagonista que conduzirá e construirá<br />
seu discurso em função <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stinatário, há os editores da revista (sujeito comunicante).<br />
Como protagonistas <strong>do</strong> discurso que têm a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, <strong>no</strong> ato <strong>de</strong> linguagem,<br />
avaliar e questionar os argumentos sobre a precarieda<strong>de</strong> da infra-estrutura <strong>no</strong><br />
país, existem os leitores da revista (sujeito interpretante), que se caracterizam como<br />
pessoas críticas, interessadas neste tipo <strong>de</strong> assunto.<br />
Ao analisar a finalida<strong>de</strong> discursiva, evi<strong>de</strong>ncia-se a presença da argumentação. O<br />
objetivo <strong>do</strong> locutor é persuadir seu interlocutor a acreditar, a convencer-se <strong>de</strong> que o país<br />
necessita <strong>de</strong> maiores investimentos em vários setores para que possa crescer e acompanhar<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento mundial. Como não há intervenção <strong>do</strong> interlocutor na construção<br />
<strong>do</strong> discurso, a troca linguageira caracteriza-se como mo<strong>no</strong>locutiva. Assim, o locutor<br />
cria seu discurso <strong>de</strong> maneira lógica e progressiva sem ser contesta<strong>do</strong>.<br />
b) Competência discursiva<br />
A or<strong>de</strong>m enunciativa caracteriza-se pela posição que o sujeito assume em relação<br />
ao seu enuncia<strong>do</strong> e pelo <strong>papel</strong> enunciativo que escolhe para seu discurso. Neste<br />
texto, o locutor optou, também, pela modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>locutiva. Dessa forma, <strong>de</strong>ixa que o<br />
propósito se imponha como verda<strong>de</strong>. Para conseguir esse efeito e convencer seu interlocutor,<br />
expõe uma série <strong>de</strong> informações com estatísticas, comparações, argumentos <strong>de</strong><br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 121
autorida<strong>de</strong>, tornan<strong>do</strong> sua tese quase que irrefutável. Pre<strong>do</strong>mina <strong>no</strong> texto uma aparente<br />
neutralida<strong>de</strong>, pois o locutor usa estruturas oracionais com sujeito expresso por sintagmas<br />
<strong>no</strong>minais <strong>de</strong> terceira pessoa ou, quan<strong>do</strong> faz uso <strong>de</strong> elipse <strong>de</strong> sujeito, o verbo está<br />
flexiona<strong>do</strong> na terceira pessoa. Isso se evi<strong>de</strong>ncia nas linhas 01 (“O Brasil”), linhas 1-2 (“O<br />
inimigo inter<strong>no</strong>”), linha 5 (“O <strong>no</strong>me <strong>de</strong>sse inimigo”), linha 8 (“vira”, “é”), linha 15 (“tu<strong>do</strong><br />
isso”), linha 29 (“Ela”), linhas 32-33 (“As ações preconizadas”), linha 35 (“Apontam”),<br />
etc. Há, porém, uma marca <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> elocutiva e, ao mesmo tempo, alocutiva: o<br />
pro<strong>no</strong>me oblíquo “<strong>no</strong>s” (linha 52). Por meio <strong>de</strong>ssa marca lingüística, o locutor se inscreve<br />
<strong>no</strong> texto, instalan<strong>do</strong>, ao mesmo tempo, a presença <strong>do</strong> alocutário, pois esse pro<strong>no</strong>me<br />
remete ao “eu”, ao “tu” e aos brasileiros em geral:<br />
“É como se uma eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> tamanho da <strong>do</strong> Chile <strong>no</strong>s tivesse si<strong>do</strong> extirpada.”<br />
(linhas 51-52)<br />
Quanto à or<strong>de</strong>m enunciatória, o texto em análise enquadra-se pre<strong>do</strong>minantemente<br />
<strong>no</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização argumentativo, pois a tripla ativida<strong>de</strong> cognitiva (problematizar,<br />
elucidar e provar) está clara <strong>no</strong> texto, assim como a lógica argumentativa. O<br />
locutor tem a intenção <strong>de</strong>, através <strong>de</strong> provas, convencer seu interlocutor <strong>de</strong> que, para<br />
haver uma mudança, um crescimento <strong>no</strong>s setores <strong>de</strong>fasa<strong>do</strong>s, é preciso um real investimento<br />
em infra-estrutura por parte das autorida<strong>de</strong>s competentes.<br />
Verifica-se também a presença <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>scritivo, que é utiliza<strong>do</strong> para uma finalida<strong>de</strong><br />
persuasiva. O locutor, através <strong>de</strong> alguns recursos que esse mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização<br />
discursiva oferece, consegue produzir alguns efeitos <strong>no</strong> discurso, como o efeito <strong>de</strong><br />
“saber” e o efeito <strong>de</strong> “realida<strong>de</strong>”. Como o locutor é um redator <strong>de</strong> muita experiência e<br />
conhecimento, apresenta da<strong>do</strong>s que, provavelmente, o interlocutor <strong>de</strong>sconhece. Dessa<br />
forma, produz um efeito <strong>de</strong> “saber”, obrigan<strong>do</strong> o sujeito-alvo a crer nas provas apresentadas,<br />
como <strong>no</strong> segun<strong>do</strong> parágrafo: “[...] <strong>no</strong>s últimos vinte a<strong>no</strong>s, o total <strong>de</strong> riquezas<br />
produzidas pelo país po<strong>de</strong>ria ser hoje entre 10% e 12% maior. É como se uma eco<strong>no</strong>mia<br />
<strong>do</strong> tamanho da <strong>do</strong> Chile <strong>no</strong>s tivesse si<strong>do</strong> extirpada [...]” (linhas 49-52). Ou seja, para o<br />
interlocutor questionar essas informações <strong>de</strong>scritas, <strong>de</strong>ve, <strong>no</strong> mínimo, possuir o mesmo<br />
conhecimento.<br />
Veja-se um exemplo <strong>de</strong> efeito <strong>de</strong> “realida<strong>de</strong>”, em que o locutor <strong>de</strong>screve um fato,<br />
uma realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> país: “Não há dúvidas <strong>de</strong> que o Brasil precisa vencer essa guerra. O<br />
Programa <strong>de</strong> Aceleração <strong>do</strong> Crescimento (PAC), anuncia<strong>do</strong> pelo gover<strong>no</strong> [...] ” (linhas 52-<br />
55). Essa informação, diferentemente da anterior, é, provavelmente, <strong>do</strong> conhecimento<br />
<strong>do</strong> interlocutor. Serve apenas para representar uma <strong>de</strong>scrição da realida<strong>de</strong>, reforçan<strong>do</strong><br />
o objetivo <strong>do</strong> locutor, que é persuadir seu sujeito-alvo. A tripla ativida<strong>de</strong> cognitiva<br />
<strong>de</strong>senvolve-se da seguinte forma:<br />
A problematização (fazer saber) evi<strong>de</strong>ncia-se implicitamente <strong>no</strong> título e <strong>no</strong> primeiro<br />
parágrafo. O título induz o interlocutor a projetar uma imagem mental <strong>de</strong>sse “buraco”,<br />
isto é, a pensar <strong>no</strong>s problemas <strong>do</strong> país, e o primeiro parágrafo faz um mapa <strong>de</strong><br />
toda a situação enfrentada na socieda<strong>de</strong> brasileira, condição que afeta diretamente toda<br />
a sua população, que acaba sofren<strong>do</strong> com essas conseqüências diariamente. A imagem<br />
122 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
apresentada <strong>no</strong> meio <strong>do</strong> texto, à esquerda, leva o leitor a pensar mais especificamente<br />
nas péssimas condições das ro<strong>do</strong>vias brasileiras, que é um <strong>do</strong>s problemas evoca<strong>do</strong>s.<br />
A elucidação (fazer compreen<strong>de</strong>r) está expressa <strong>no</strong> segun<strong>do</strong> parágrafo, pois o<br />
locutor expõe a <strong>de</strong>scrição da reportagem principal da revista, como também apresenta<br />
justificativas, da<strong>do</strong>s, estatísticas, comparações e outras informações que explicam e ajudam<br />
a compreen<strong>de</strong>r o problema da falta <strong>de</strong> investimentos na infra-estrutura. As seguintes<br />
frases explicitam isso:<br />
“A reportagem especial que começa na página 80 [...]” (linhas 22-23);<br />
“Ela também mostra o que po<strong>de</strong> ser feito já <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com especialistas” (linhas<br />
29-32);<br />
“Até o início da década <strong>de</strong> 80, o Brasil <strong>de</strong>stinava anualmente à infra-estrutura o<br />
equivalente a 6% [...] ” (linhas 41-43);<br />
“É como se uma eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> tamanho da <strong>do</strong> Chile <strong>no</strong>s tivesse si<strong>do</strong> extirpada.”<br />
(linhas 51-52).<br />
O locutor comprova, através <strong>de</strong> um fato concreto, que, na realida<strong>de</strong>, o que falta<br />
são melhores investimentos para que o país se expanda e cresça.<br />
A prova (fazer crer) está nas quatro últimas linhas <strong>do</strong> texto, pois o locutor conclui<br />
seu discurso, afirman<strong>do</strong> que o país precisa vencer essa “guerra”, proposição que constitui<br />
o título da reportagem principal da revista. Confirma que o gover<strong>no</strong> precisa urgentemente<br />
dar o primeiro passo e implantar o Programa <strong>de</strong> Aceleração <strong>do</strong> Crescimento (PAC)<br />
para que se possam perceber as mudanças e o crescimento social.<br />
Patrick Charau<strong>de</strong>au (1992) afirma que as relações <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> fundamentam<br />
as relações argumentativas. Verifica-se <strong>no</strong> texto uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> que está<br />
ligada principalmente à categoria da explicação ou justificativa, pois o locutor tem o objetivo<br />
<strong>de</strong> esclarecer e explicar <strong>de</strong>talhadamente ao seu interlocutor o que acontece com a<br />
falta <strong>de</strong> investimento na infra-estrutura <strong>do</strong> país. Assim, principalmente através da causalida<strong>de</strong>,<br />
o locutor <strong>de</strong>senvolve um raciocínio argumentativo, persuadin<strong>do</strong> seu interlocutor.<br />
Há marcas lingüísticas que expressam o enca<strong>de</strong>amento por causalida<strong>de</strong>, como “é causa”<br />
(linha 8) e “ao que se acompanhou” (linhas 44-45), em que se evi<strong>de</strong>nciam relações <strong>de</strong><br />
causa-conseqüência: linhas 8-9 – “infra-estrutura em frangalhos” (causa) - “distorções<br />
e e<strong>no</strong>rmida<strong>de</strong>s citadas acima” , “atraso <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, custo absur<strong>do</strong>s, exaspero<br />
<strong>do</strong>s cidadãos e até mesmo sacrifício <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> vidas a cada a<strong>no</strong>” (conseqüência);<br />
linhas 43-45 – “os gastos <strong>no</strong> setor (infra-estrutura) foram sen<strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong>s dramaticamente”<br />
(causa) - “uma queda <strong>no</strong> crescimento econômico” (conseqüência).<br />
c) Competência semiolingüística<br />
No <strong>gênero</strong> em análise, quanto à composição <strong>do</strong> texto, cabe <strong>de</strong>stacar os aspectos<br />
paratextuais como o título, o enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto e a imagem que<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 123
vem acima da frase: uma estrada completamente esburacada, sem acostamento e sinalização.<br />
Esses três elementos reuni<strong>do</strong>s servem para <strong>de</strong>spertar a atenção <strong>do</strong> leitor e o<br />
levam a acreditar que o texto apresentará argumentos sobre a frase localizada abaixo<br />
da imagem.<br />
Quanto ao emprego <strong>do</strong> léxico, percebe-se que o sujeito argumenta<strong>do</strong>r utiliza uma<br />
linguagem formal e usa palavras que exigem um maior conhecimento <strong>de</strong> seu interlocutor,<br />
como, por exemplo: “Quan<strong>do</strong> intacta e mo<strong>de</strong>rna, ela está longe <strong>de</strong> ser um monstro,<br />
pois se trata da coluna vertebral <strong>do</strong> sistema produtivo” (linhas 5-7), “.[...] exaspero <strong>do</strong>s<br />
cidadãos[...]” (linhas 3-4), “o inimigo inter<strong>no</strong> cobra seu quinhão[...] ” (linhas 1-2), “[...] o<br />
grau <strong>de</strong> esfacelamento a que o país chegou[...]” (linhas 26-28), “As ações preconizadas<br />
têm[...]” (linhas 32-33), “[...] eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> tamanho da <strong>do</strong> Chile <strong>no</strong>s tivesse si<strong>do</strong> extirpada”<br />
(linhas 51-52).<br />
Constata-se, também, que o locutor apresenta, em seu texto, da<strong>do</strong>s estatísticos,<br />
como: “Até o início da década <strong>de</strong> 80, o Brasil <strong>de</strong>stinava anualmente à infra-estrutura o<br />
equivalente a 6% <strong>de</strong> seu produto inter<strong>no</strong> bruto” (linhas 41-43); “Hoje, estradas, aeroportos,<br />
portos, ferrovias e hidrelétricas recebem cerca <strong>de</strong> 3% <strong>do</strong> PIB” (linhas 46-47), “o<br />
total <strong>de</strong> riquezas produzidas pelo país po<strong>de</strong>ria ser hoje entre 10% e 12% maior” (linhas<br />
49-51). Essas estatísticas, além <strong>de</strong> fornecerem <strong>no</strong>vas informações ao interlocutor, que,<br />
muitas vezes, as <strong>de</strong>sconhece, servem como argumentos <strong>de</strong> prova que reforçam a tese<br />
e comprovam o grau <strong>de</strong> conhecimento <strong>do</strong> locutor frente ao que ele enuncia. Também<br />
ligada à estatística, o locutor utiliza a comparação como argumento: compara o investimento<br />
<strong>do</strong> Brasil em infra-estrutura na década <strong>de</strong> 80 (<strong>de</strong>stinava 6% <strong>do</strong> seu PIB) com<br />
o investimento que faz hoje (3%), em que se comprova que o investimento teve uma<br />
queda <strong>de</strong> 50%. E diz, ainda, que uma eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> tamanho da <strong>do</strong> Chile foi retirada <strong>do</strong><br />
país, o que ilustra a dimensão <strong>do</strong> problema gera<strong>do</strong> pela falta <strong>de</strong> investimentos em infraestrutura.<br />
O locutor utiliza-se <strong>de</strong>sse recurso para <strong>de</strong>ixar claro a seu interlocutor que o<br />
país necessita <strong>de</strong> maiores investimentos para atingir o <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
O enuncia<strong>do</strong>r evi<strong>de</strong>ncia que a reportagem especial que será apresentada na mesma<br />
edição da Veja em que é expressa a carta ao leitor, será bem fundamentada por meio<br />
<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s estatísticos e argumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, explicita<strong>do</strong>s por meio da construção<br />
conformativa “<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com especialistas [...]” (linhas 31-32) e por verbo <strong>de</strong> elocução<br />
segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> conjunção integrante “estudiosos calculam que[...]” (linha 48). Com a inserção<br />
<strong>de</strong>sses argumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, o editor visa a persuadir o leitor a ler a reportagem<br />
<strong>de</strong> que fala, mostran<strong>do</strong> que ela tem credibilida<strong>de</strong>.<br />
Embora faça uso da terceira pessoa, observa-se que, nas expressões “É preciso”<br />
(linha 38) e “urge” (linha 55), o enuncia<strong>do</strong>r marca sua presença <strong>no</strong> texto, empregan<strong>do</strong><br />
uma modalização <strong>de</strong>ôntica (<strong>de</strong>ver fazer). Por meio <strong>de</strong>sses recursos, ele impõe as soluções<br />
que apresenta, visan<strong>do</strong> a levar o alocutário a a<strong>de</strong>rir a sua posição.<br />
Além da modalização <strong>de</strong>ôntica, constata-se que o locutor recorre à modalização<br />
epistêmica asseverativa, nas linhas 45 (“é claro”) e 52 (“Não há dúvida”), o que indica<br />
que suas afirmações são categóricas, não haven<strong>do</strong> espaço para contestação. Tanto na<br />
124 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ôntica quanto na epistêmica, o locutor se engaja em seu discurso, o que<br />
dá relevo à subjetivida<strong>de</strong>.<br />
3.3.2 Análise <strong>do</strong> texto “A <strong>no</strong>va cara das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio”<br />
A <strong>no</strong>va cara das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio<br />
1 Ser mãe é a coisa mais antiga <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> certo?<br />
2 Mas não precisa ser sempre da mesma maneira. As<br />
3 mulheres fizeram uma revolução em sua vida profis-<br />
4 sional e em seu <strong>papel</strong> na socieda<strong>de</strong> <strong>no</strong> século passa<br />
5 <strong>do</strong>. Mas ainda viraram o milênio igualmente ator<strong>do</strong>a<br />
6 das e culpadas quan<strong>do</strong> o assunto era filhos. Nada <strong>de</strong> se<br />
7 colocar em primeiro lugar. Qualquer coisa que não<br />
8 fosse trabalhar – única alforria<br />
9 já que o salário da mãe é fun-<br />
10 damental para a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
11 vida da família – era encarada<br />
12 como “tempo rouba<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fi-<br />
13 lhos”, o que mereceria dana-<br />
14 ção eterna. Bastava as um-<br />
15 lheres po<strong>de</strong>rosas e vitoriosas<br />
16 se tornarem mães para vira<br />
17 rem menininhas inseguras e<br />
18 <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes emocionalmente.<br />
19 Só que algumas mulheres re-<br />
20 solveram botar a boca <strong>no</strong> mun-<br />
21 <strong>do</strong> e se reinventar. Passaram<br />
22 a falar o que muitas estavam pensan<strong>do</strong> e não tinham<br />
23 coragem <strong>de</strong> pôr para fora. Não somos heroínas. Não<br />
24 temos que ser perfeitas. Não temos que estar sempre<br />
25 renuncian<strong>do</strong> a tu<strong>do</strong> pelos filhos. Não vamos ser<br />
26 mães melhores só porque estamos em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>a-<br />
27 ção permanente. Nasceram as motherns, trocadilho<br />
28 em inglês <strong>de</strong> mother (mãe) e mo<strong>de</strong>rn (mo<strong>de</strong>rna), saca-<br />
29 da <strong>de</strong> uma dupla <strong>de</strong> publicitárias mineiras, Laura<br />
30 Guimarães e Juliana Sampaio, que catalisaram esse<br />
31 sentimento e criaram um blog. Sucesso instantâneo,<br />
32 ele gerou <strong>do</strong>is livros e inspirou a série <strong>de</strong> TV que<br />
33 já vai para a segunda temporada. “As motherns estão<br />
34 antenadas com seu tempo, não querem repetir os<br />
35 erros <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, e sim construir uma <strong>no</strong>va forma <strong>de</strong><br />
36 fazer as coisas”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Juliana em <strong>no</strong>ssa entrevista<br />
37 <strong>do</strong> mês, feita sob medida para comemorarmos o Dia<br />
38 das Mães com <strong>no</strong>vas reflexões sobre esse <strong>papel</strong>. “E<br />
39 abaixo a culpa!”, completa.<br />
40 Um <strong>do</strong>s mais importantes segre<strong>do</strong>s das motherns é<br />
41 escolher com quem procriar, um fathern, figura essen-<br />
42 cial para a mãe <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio. Acho que minha fi-<br />
43 lha, Roberta, é sortuda, tem uma mothern e um fathern.<br />
44 Nunca me senti culpada por tê-la coloca<strong>do</strong> na creche<br />
45 com poucos meses - aliás, só houve ganhos –, e o Rober-<br />
46 to sempre me aju<strong>do</strong>u em tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> fazer mama<strong>de</strong>ira a ir<br />
47 à reunião da escola, <strong>de</strong> levar para tomar vacina até com-<br />
48 versar sobre dilemas com os meni<strong>no</strong>s. Neste Dia das<br />
49 Mães, vou estourar um champanhe para brindarmos<br />
50 juntos, Roberto. Você merece.<br />
51 E você, minha amiga, já pensou como vai comemorar<br />
52 o seu dia? Um beijo.<br />
Marcia Ne<strong>de</strong>r – Diretora <strong>de</strong> Redação.<br />
Figura 4: Seção Eu e você – A <strong>no</strong>va cara das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio<br />
Fonte: Revista Cláudia (2007, p. 10)<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 125
O texto A <strong>no</strong>va cara das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio, da revista Cláudia (2007), encontra-se<br />
na seção “Eu e você”. Cláudia é uma revista direcionada, exclusivamente, para um<br />
público femini<strong>no</strong> há 47 a<strong>no</strong>s. É uma das mais antigas revistas em circulação e atualmente<br />
é a revista feminina mais lida <strong>do</strong> país. A revista aborda temas que representam o dia-adia<br />
da mulher: família, filhos, amor, sucesso, carreira, dinheiro, beleza, moda, qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida, sexo, atualida<strong>de</strong>s, saú<strong>de</strong>, entrevistas, propagandas <strong>de</strong> roupas, calça<strong>do</strong>s e acessórios.<br />
Temas relevantes da atualida<strong>de</strong> também são <strong>de</strong>staques. A revista visa a persuadir<br />
suas leitoras, indican<strong>do</strong>-lhes um caminho a seguir com suas dicas <strong>de</strong> beleza, moda, amor,<br />
sexo, etc, mostran<strong>do</strong>, muitas vezes, um universo <strong>de</strong> luxo e glamour como sen<strong>do</strong> o i<strong>de</strong>al<br />
e o perfeito para as mulheres serem felizes. Traz alguns textos com entrevistas e <strong>de</strong>poimentos<br />
<strong>de</strong> pessoas famosas ou bem-sucedidas para garantir credibilida<strong>de</strong> ao discurso.<br />
O <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> estabeleci<strong>do</strong> neste texto insere-se <strong>no</strong> <strong>do</strong>mínio<br />
jornalístico, assim como o texto “Um país <strong>no</strong> buraco”. Segun<strong>do</strong> Charau<strong>de</strong>au (1983), o<br />
<strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> propõe aos sujeitos envolvi<strong>do</strong>s papéis que eles <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>senvolver<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> linguagem, que é regi<strong>do</strong> por um conjunto <strong>de</strong> <strong>no</strong>rmas, com<br />
restrições e liberda<strong>de</strong>s dadas aos interlocutores, e são essas características particulares<br />
<strong>de</strong> cada <strong>contrato</strong> e a tríplice competência da linguagem que fornecem e garantem o<br />
sucesso da <strong>comunicação</strong> entre os sujeitos envolvi<strong>do</strong>s <strong>no</strong> discurso.<br />
a) Competência situacional<br />
Essa competência requer que o sujeito comunicante construa seu discurso, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />
a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s protagonistas <strong>do</strong> discurso, a finalida<strong>de</strong> discursiva, o tema<br />
aborda<strong>do</strong> e as circunstâncias materiais.<br />
No texto analisa<strong>do</strong>, quanto à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s protagonistas <strong>do</strong> discurso, há <strong>do</strong>is<br />
sujeitos envolvi<strong>do</strong>s. Como sujeito comunicante, aparece Márcia Ne<strong>de</strong>r, diretora <strong>de</strong> redação<br />
da revista Cláudia, e, como sujeito interpretante, há os leitores da revista. Esses<br />
protagonistas interpretantes têm a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar o discurso produzi<strong>do</strong> por<br />
Márcia Ne<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aceitá-lo ou não. Os protagonistas <strong>de</strong>sse <strong>contrato</strong> focalizam o<br />
seguinte tema: as mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio são aquelas mulheres mo<strong>de</strong>rnas, com uma vida<br />
profissional ativa e bem-resolvida e que ocupam um lugar na socieda<strong>de</strong>.<br />
Quanto à finalida<strong>de</strong> discursiva, o texto tem um caráter argumentativo, pois a locutora<br />
faz uma análise das mulheres (seus comportamentos) <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> e as<br />
compara com as mulheres <strong>de</strong>ste milênio, revelan<strong>do</strong>, assim, esta <strong>no</strong>va face da mulher<br />
mo<strong>de</strong>rna. Como rituais <strong>de</strong> abordagem, o texto apresenta o título, <strong>no</strong> qual aparecem, em<br />
letras bem maiores, as palavras “mãe” e “milênio” com a intenção <strong>de</strong> chamar a atenção<br />
<strong>do</strong> leitor para a força <strong>de</strong>ssas palavras, como também mostra três imagens. A primeira é a<br />
foto <strong>de</strong> uma mulher <strong>de</strong> aparência feliz, bem-arrumada, sugerin<strong>do</strong> estar em seu ambiente<br />
<strong>de</strong> trabalho, pois, ao fun<strong>do</strong> da foto, aparecem vários computa<strong>do</strong>res, dan<strong>do</strong> a idéia<br />
<strong>de</strong> um escritório ou redação <strong>de</strong> jornal ou revista. A segunda imagem, que se encontra<br />
ao la<strong>do</strong> da primeira, é uma foto um pouco me<strong>no</strong>r, extraída da página 36 da revista, em<br />
que se encontra a reportagem principal <strong>de</strong>sta edição. A terceira imagem é a capa da<br />
revista Cláudia bebê e abaixo um peque<strong>no</strong> texto anuncian<strong>do</strong> que já está nas bancas essa<br />
126 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
evista à disposição das leitoras. Percebe-se que to<strong>do</strong>s esses elementos servem para<br />
complementar, <strong>de</strong> certa forma, o texto: a imagem da mulher <strong>de</strong> boa aparência e feliz<br />
argumenta em favor da mulher que não se satisfaz em ficar em casa cuidan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s filhos,<br />
mas procura conciliar a maternida<strong>de</strong> com a profissão; a imagem da página da reportagem<br />
incita o interlocutor a ler a reportagem; e a imagem da capa da Revista Cláudia Bebê<br />
parece instigar a leitora a adquirir também essa revista da mesma editora, que trata <strong>do</strong>s<br />
cuida<strong>do</strong>s que os pais <strong>de</strong>vem ter com as crianças, questões indiretamente relacionadas<br />
ao tema aborda<strong>do</strong> na reportagem anunciada nesta carta ao leitor.<br />
No que se refere à troca linguageira, o texto caracteriza-se como mo<strong>no</strong>locutivo,<br />
pois não há interrupções <strong>do</strong> interlocutor na construção <strong>do</strong> discurso: o locutor cria seu<br />
discurso <strong>de</strong> maneira lógica e progressiva.<br />
b) Competência discursiva<br />
Quanto à or<strong>de</strong>m enunciativa, o texto em análise apresenta, até a linha 23, a modalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>locutiva, por meio da qual o locutor conserva sinais exteriores <strong>de</strong> distanciamento,<br />
mostran<strong>do</strong>-se aparentemente neutro em relação ao tema. Percebe-se que,<br />
para marcar a impessoalida<strong>de</strong>, o enuncia<strong>do</strong>r utiliza verbos na terceira pessoa <strong>do</strong> plural.<br />
Po<strong>de</strong>m-se observar essas afirmações <strong>no</strong>s seguintes trechos:<br />
“As mulheres fizeram uma revolução em sua vida [...]” (linhas 2-3);<br />
“Mas ainda viraram o milênio igualmente ator<strong>do</strong>adas [...]” (linhas 5-6);<br />
“Bastava as mulheres po<strong>de</strong>rosas e vitoriosas se tornarem mães [...]” (linhas 14-16);<br />
“Só que algumas mulheres resolveram botar a boca <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> [...]” (linhas 19-21).<br />
A modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>locutiva manifesta-se pre<strong>do</strong>minantemente até a linha 23, pois,<br />
nessa parte <strong>do</strong> texto, a autora faz uso da <strong>de</strong>scrição narrativa, postulada por Charau<strong>de</strong>au<br />
como um <strong>do</strong>s procedimentos discursivos usa<strong>do</strong>s na argumentação. Em outras palavras,<br />
ela faz uma retrospectiva da postura da mulher, em perío<strong>do</strong>s históricos diferentes, quanto<br />
à maternida<strong>de</strong> e à profissão.<br />
Nas linhas 40 a 49, o sujeito enuncia<strong>do</strong>r passa a usar principalmente a modalida<strong>de</strong><br />
elocutiva, revelan<strong>do</strong> seu posicionamento em relação à questão que aborda. Usa o<br />
relato <strong>de</strong> sua experiência pessoal para se incluir <strong>no</strong> discurso, como <strong>no</strong>s exemplos: “Acho<br />
que minha filha [...]” (linhas 42-43); “Nunca me senti culpada [...]” (linha 44); “[...] sempre<br />
me aju<strong>do</strong>u [...]” (linha 46); “Neste Dia das Mães vou estourar [...]” (linha 49).<br />
Percebe-se, também, que a autora usa, em alguns momentos <strong>do</strong> seu discurso, as<br />
modalida<strong>de</strong>s alocutiva e elocutiva (“EU” + “TU”), implican<strong>do</strong> a si própria e seu sujeitoalvo<br />
(as mulheres) na enunciação ao mesmo tempo. Essas duas modalida<strong>de</strong>s discursivas,<br />
que estão representadas lingüisticamente por pro<strong>no</strong>mes e verbos na primeira pessoa <strong>do</strong><br />
plural, dão relevo à intersubjetivida<strong>de</strong> <strong>no</strong> discurso, em que a voz <strong>do</strong> sujeito enuncia<strong>do</strong>r<br />
é revelada explicitamente ao mesmo tempo em que age sobre o interlocutor, inscreven-<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 127
<strong>do</strong>-o <strong>no</strong> texto. Vejam-se trechos que comprovam essa afirmação:<br />
“Não somos heroínas.” (linha 23);<br />
“Não temos que ser perfeitas.” (linhas 23-24);<br />
“Não temos que estar sempre renuncian<strong>do</strong> [...]” (linhas 24-25);<br />
“Não vamos ser mães melhores só porque estamos em esta<strong>do</strong> [...]” (linhas 25-26);<br />
“[...] <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Juliana em <strong>no</strong>ssa entrevista [...]” (linha 36).<br />
O ato alocutivo, que implica o interlocutor <strong>no</strong> discurso, é emprega<strong>do</strong> <strong>no</strong> texto somente<br />
nas linhas 51 e 52. O sujeito locutor, ao utilizá-lo, tem como objetivo aproximar-se<br />
<strong>do</strong> público-alvo <strong>de</strong> seu texto. Comprova sua intenção <strong>no</strong> momento em que usa o aposto<br />
qualificativo “minha amiga” (linha 51) após o pro<strong>no</strong>me “você”. Po<strong>de</strong>m-se observar essas<br />
afirmações <strong>no</strong> trecho a seguir:<br />
“E você, minha amiga, já pensou como vai comemorar o seu dia? Um beijo”. (linhas<br />
51-52).<br />
O adjetivo “certo”, usa<strong>do</strong> na linha 1, é outro exemplo da modalida<strong>de</strong> alocutiva,<br />
pois, quan<strong>do</strong> a autora faz uso <strong>de</strong>sse adjetivo, instaura automaticamente o interlocutor<br />
em seu discurso. A intersubjetivida<strong>de</strong>, prevista por Benveniste, é explicitada por meio<br />
<strong>de</strong>ssas marcas lingüísticas.<br />
Cabe salientar que o pro<strong>no</strong>me “você” (linha 50), embora também seja marca da<br />
modalida<strong>de</strong> alocutiva, não tem como referente as leitoras <strong>do</strong> texto porque a locutora o<br />
utilizou para se referir a seu mari<strong>do</strong>, também contempla<strong>do</strong> como provável leitor.<br />
Quanto à or<strong>de</strong>m enunciatória, constata-se que o texto se encontra organiza<strong>do</strong><br />
pre<strong>do</strong>minantemente <strong>no</strong> mo<strong>do</strong> argumentativo, pois visa, através da racionalida<strong>de</strong>, a buscar<br />
a persuasão, manifestan<strong>do</strong> uma tripla ativida<strong>de</strong> cognitiva. O sujeito argumenta<strong>do</strong>r<br />
expõe a pergunta na primeira linha <strong>do</strong> texto (Ser mãe é a coisa mais antiga <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />
certo?) a seu interlocutor com dupla intenção argumentativa: para apresentá-la como<br />
prova <strong>de</strong> um fato real e para <strong>de</strong>screver, expor a situação. A tripla ativida<strong>de</strong> cognitiva<br />
<strong>de</strong>senvolve-se <strong>no</strong> texto da seguinte maneira:<br />
A problematização (fazer saber) encontra-se <strong>no</strong> título e na pergunta apresentada<br />
na primeira linha <strong>do</strong> texto. Ocorre <strong>no</strong> título porque o interlocutor é leva<strong>do</strong> a se interrogar:<br />
“Qual é a <strong>no</strong>va cara das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio?” e na pergunta <strong>do</strong> locutor porque a<br />
resposta a ser dada gera uma expectativa <strong>no</strong> interlocutor. Ou seja, a partir <strong>de</strong>ssas duas<br />
situações instauradas <strong>no</strong> quadro <strong>de</strong> questionamentos, o interlocutor é leva<strong>do</strong> a interrogar<br />
a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que é questiona<strong>do</strong> e sugeri<strong>do</strong> como verda<strong>de</strong> pelo eu-enuncia<strong>do</strong>r.<br />
A elucidação (fazer compreen<strong>de</strong>r) inicia na linha 01 e encerra na linha 39. Nessas<br />
linhas, o sujeito <strong>do</strong> discurso faz um mapeamento da situação da mulher <strong>do</strong> século<br />
passa<strong>do</strong> até os dias <strong>de</strong> hoje, <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong> que seu interlocutor compreenda essa retros-<br />
128 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
pectiva histórica da evolução e conquistas da mulher com o passar <strong>do</strong>s tempos. Além<br />
disso, apresenta essa <strong>no</strong>va mulher cheia <strong>de</strong> objetivos, expectativas, sonhos e <strong>de</strong>sejos,<br />
que <strong>de</strong>seja, além <strong>de</strong> ser mãe, ser também mulher. O locutor apresenta, ainda, uma breve<br />
<strong>de</strong>scrição da reportagem principal <strong>de</strong>sta edição da revista que complementa a idéia<br />
apresentada por ele em seu discurso.<br />
A prova (fazer crer) é observada entre as linhas 40 e 50 <strong>do</strong> texto, pois o sujeito<br />
locutor visa a conscientizar e persuadir seu interlocutor <strong>de</strong> que a mãe mo<strong>de</strong>rna é aquela<br />
que sabe escolher um bom pai para seus filhos: um companheiro com quem possa dividir<br />
todas as tarefas para que ambos (mãe e pai) possam crescer como pessoas e profissionais<br />
sem se culparem por suas escolhas. O enuncia<strong>do</strong>r usa o relato <strong>de</strong> sua própria<br />
experiência pessoal para mostrar às leitoras que é possível ser mãe e ser mulher sem<br />
sofrimento ou culpa. No momento em que faz uso <strong>de</strong>sse recurso, ela garante credibilida<strong>de</strong><br />
a seu texto. Po<strong>de</strong>m-se constatar essas afirmações <strong>no</strong>s seguintes trechos:<br />
“Acho que minha filha, Roberta, é sortuda [...]” (linhas 42-43);<br />
“Nunca me senti culpada por tê-la coloca<strong>do</strong> na creche [...]” (linha 44);<br />
“[...] o Roberto sempre me aju<strong>do</strong>u em tu<strong>do</strong>[...]” (linhas 45-46);<br />
“Neste Dia das Mães, vou estourar [...]” (linhas 48-49).<br />
c) Competência semiolingüística<br />
Quanto ao nível semiolingüístico, os sujeitos envolvi<strong>do</strong>s na <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong>vem<br />
<strong>do</strong>minar e saber articular os sig<strong>no</strong>s verbais, regras <strong>de</strong> combinação e senti<strong>do</strong>, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />
que são utiliza<strong>do</strong>s para exprimir uma intenção comunicativa <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a<br />
situação <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>do</strong> discurso.<br />
O texto em questão mobiliza elementos paratextuais como o título “A <strong>no</strong>va cara<br />
das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio” e as três imagens: a foto da mulher bem-vestida e feliz em<br />
seu ambiente <strong>de</strong> trabalho, a imagem da página da reportagem principal da revista e a<br />
foto da capa da revista Cláudia bebê. Esse recurso, entre outros, atribui um caráter argumentativo<br />
ao texto, pois induz o interlocutor a acreditar que o locutor visa a mostrar um<br />
fato real com a intenção <strong>de</strong> levá-lo a uma reflexão <strong>do</strong> <strong>papel</strong> da mulher na atualida<strong>de</strong>.<br />
Quanto às escolhas lexicais, verifica-se que o locutor emprega palavras <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />
com o <strong>contrato</strong> estabeleci<strong>do</strong>. Utiliza muitas frases curtas com linguagem me<strong>no</strong>s formal<br />
com o objetivo <strong>de</strong> atingir o público-alvo da revista, uma vez que trata <strong>de</strong> um tema <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong><br />
das mulheres: “[...] o que mereceria danação eterna [...]” (linhas 13-14), “[...] botar a<br />
boca <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> [...]” (linhas 20-21), “[...] sacada <strong>de</strong> uma dupla <strong>de</strong> publicitárias...” (linhas<br />
28-29), “As motherns estão antenadas com o seu tempo [...]” (linhas 33-34).<br />
Cabe sublinhar também o emprego <strong>de</strong> duas frases interrogativas <strong>no</strong> primeiro e<br />
segun<strong>do</strong> parágrafos <strong>do</strong> texto. Essas duas frases são marcas da alocução, visan<strong>do</strong> a levar<br />
o interlocutor a refletir sobre a questão <strong>do</strong> <strong>papel</strong> da mulher mo<strong>de</strong>rna <strong>no</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 129
trabalho e da mulher-mãe. São perguntas retóricas, pois não <strong>de</strong>mandam uma resposta<br />
<strong>do</strong> interlocutor, mas surtem o efeito <strong>de</strong> atingi-lo mais diretamente.<br />
Predica<strong>do</strong>s <strong>no</strong>minais também são freqüentes <strong>no</strong> texto: “[...] ..é a coisa mais antiga<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.[...]” (linha 01), “[...] era encarada como ‘tempo rouba<strong>do</strong> <strong>do</strong>s filhos’ [...]”<br />
(linhas 11-13), “[...] estão antenadas com seu tempo [...]” (linhas 33-34), “[...] é escolher<br />
com quem procriar [...]” (linhas 40-41). Esses predica<strong>do</strong>s, qualifican<strong>do</strong> o que é <strong>de</strong>scrito,<br />
contribuem para indicar uma apreciação crítica <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r frente ao fato que comunica,<br />
revelan<strong>do</strong> a subjetivida<strong>de</strong> <strong>no</strong> discurso.<br />
O locutor utiliza os travessões como um recurso gramatical para dar maior relevo<br />
a sua idéia. Com o uso <strong>de</strong>sse recurso, revela, também, a subjetivida<strong>de</strong> em seu texto,<br />
como se po<strong>de</strong> perceber <strong>no</strong>s seguintes exemplos: “Qualquer coisa que não fosse trabalhar<br />
– única alforria já que o salário da mãe é fundamental para a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da<br />
família – era encarada como ‘tempo rouba<strong>do</strong> <strong>do</strong>s filhos’, o que merecia danação eterna.”<br />
(linhas 7-14), “Nunca me senti culpada por tê-la coloca<strong>do</strong> na creche com poucos meses<br />
– aliás, só houve ganhos -, e o Roberto sempre me aju<strong>do</strong>u em tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> fazer mama<strong>de</strong>ira<br />
a ir à reunião da escola, <strong>de</strong> levar para tomar vacina até conversar sobre dilemas com os<br />
meni<strong>no</strong>s.” (linhas 44-48). Por meio <strong>de</strong>sses comentários, <strong>no</strong>s quais ressalta a sua opinião<br />
em relação ao que está afirman<strong>do</strong> em seu discurso, o locutor visa a levar o interlocutor<br />
a a<strong>de</strong>rir a sua tese.<br />
A análise <strong>de</strong>sta carta ao leitor também autoriza a concluir que (1) as três competências<br />
da linguagem propostas por Charau<strong>de</strong>au estão intimamente ligadas e que a<br />
situação comunicativa é <strong>de</strong>terminada <strong>no</strong>s níveis discursivo e semiolingüístico e (2) que a<br />
intersubjetivida<strong>de</strong> é manifestada, <strong>de</strong> forma explícita ou velada, <strong>no</strong> ato <strong>de</strong> linguagem.<br />
4 Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
A pesquisa <strong>de</strong>senvolvida permitiu, com respal<strong>do</strong> na Teoria Semiolingüística <strong>de</strong><br />
Patrick Charau<strong>de</strong>au e na Teoria da Enunciação <strong>de</strong> Émile Benveniste, compreen<strong>de</strong>r e<br />
comprovar que a linguagem é um ritual sociodiscursivo que apresenta uma complexa<br />
estrutura comunicativa dinâmica, representan<strong>do</strong> um ato inseri<strong>do</strong> numa situação comunicativa<br />
singular. Nesse ato, segun<strong>do</strong> Benveniste, há sempre a presença <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong><br />
subjetivida<strong>de</strong> que o locutor imprime, <strong>de</strong> forma mais ou me<strong>no</strong>s explícita, em seu discurso.<br />
A teoria <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> e da tríplice competência da linguagem,<br />
proposta por Charau<strong>de</strong>au, esclarece como se relaciona e se <strong>de</strong>senvolve essa complexa<br />
estrutura comunicativa. Dessa forma, foi possível provar que textos que pertencem ao<br />
mesmo <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> (carta ao leitor), apresentam particularida<strong>de</strong>s, visto que o <strong>contrato</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, que contempla a tríplice competência da linguagem, e a intersubjetivida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminam, em gran<strong>de</strong> parte, as escolhas discursivas e lingüísticas quan<strong>do</strong><br />
ocorre a formalização <strong>do</strong> texto.<br />
Nas duas cartas ao leitor analisadas, foi possível compreen<strong>de</strong>r que é o contra-<br />
130 | Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong>
to <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> que produz as semelhanças e diferenças entre os textos. Embora se<br />
enquadrem <strong>no</strong> mesmo <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> e se insiram <strong>no</strong> mesmo <strong>do</strong>mínio (jornalístico), os<br />
textos seleciona<strong>do</strong>s são singulares quanto às características <strong>de</strong> seu <strong>contrato</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>,<br />
pois são únicos quanto à situação comunicativa, aos papéis que os sujeitos <strong>do</strong> circuito<br />
exter<strong>no</strong> <strong>de</strong>sempenham na <strong>comunicação</strong>, à troca linguageira e aos rituais <strong>de</strong> abordagem.<br />
A partir da análise <strong>do</strong> corpus, observa-se que o texto Um país <strong>no</strong> buraco, publica<strong>do</strong><br />
na revista Veja, que tem como público-alvo pessoas bem-informadas e críticas, tem como<br />
finalida<strong>de</strong> discursiva persuadir seu interlocutor a acreditar, a convencer-se <strong>de</strong> que o país<br />
necessita <strong>de</strong> maiores investimentos em vários setores para que possa crescer e acompanhar<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento mundial. Nesse texto, o locutor, optan<strong>do</strong> pela modalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>locutiva, <strong>de</strong>ixa que a tese se imponha como verda<strong>de</strong>, valen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma linguagem<br />
pre<strong>do</strong>minantemente formal. Apresenta da<strong>do</strong>s estatísticos, comparações, argumentos <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong> para convencer seu interlocutor da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu discurso, tornan<strong>do</strong> sua tese<br />
quase que irrefutável. Faz uso das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ôntica e epistêmica, engajan<strong>do</strong>-se em<br />
seu discurso, o que dá relevo à subjetivida<strong>de</strong>. Como a sua intenção é persuadir e conscientizar<br />
seu interlocutor, utiliza esses recursos para atingir sua finalida<strong>de</strong> discursiva.<br />
O texto A <strong>no</strong>va cara das mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio foi extraí<strong>do</strong> da revista Cláudia, que<br />
tem como público-alvo, quase que exclusivamente, mulheres adultas. Essa carta ao leitor<br />
também se insere <strong>no</strong> <strong>do</strong>mínio jornalístico, ten<strong>do</strong> como mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização discursiva<br />
pre<strong>do</strong>minante o mo<strong>do</strong> argumentativo. O texto tem como propósito mostrar que as<br />
mães <strong>do</strong> <strong>no</strong>vo milênio são aquelas mulheres mo<strong>de</strong>rnas, com uma vida profissional ativa<br />
e bem-resolvida e que ocupam um lugar na socieda<strong>de</strong>, concilian<strong>do</strong>, se necessário, os<br />
papéis <strong>de</strong> mãe e <strong>de</strong> profissional. Tem um caráter argumentativo, pois o locutor faz uma<br />
análise das mulheres (seus comportamentos) <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> e as compara com as<br />
mulheres <strong>de</strong>ste milênio e, assim, revela essa <strong>no</strong>va face da mulher mo<strong>de</strong>rna. Para atingir<br />
seu público-alvo, faz uso <strong>do</strong>s três atos enunciativos: <strong>de</strong>locução, elocução e alocução. A<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>locutiva manifesta-se pre<strong>do</strong>minantemente <strong>no</strong> início <strong>do</strong> texto por meio<br />
<strong>de</strong> verbos na terceira pessoa <strong>do</strong> plural e singular. Nessa parte, a enuncia<strong>do</strong>ra faz uso<br />
da <strong>de</strong>scrição narrativa, procedimento discursivo relevante na construção da argumentação.<br />
Em outras palavras, ela faz uma retrospectiva da postura da mulher, em perío<strong>do</strong>s<br />
históricos diferentes, quanto à maternida<strong>de</strong> e à profissão. Depois, ela mescla, em seu<br />
texto, a elocução (quan<strong>do</strong> fala <strong>de</strong> si própria) e a alocução (quan<strong>do</strong> quer aproximar <strong>de</strong><br />
seu discurso seu público-alvo). O emprego <strong>do</strong> léxico e as estruturas sintáticas também<br />
estão <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o <strong>contrato</strong> estabeleci<strong>do</strong>: utiliza muitas frases curtas com linguagem<br />
me<strong>no</strong>s formal com o objetivo <strong>de</strong> atingir o público-alvo da revista, uma vez que trata <strong>de</strong><br />
um tema <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> das mulheres. Como o locutor tem o objetivo <strong>de</strong> persuadir seu<br />
interlocutor, mostra um fato real com a intenção <strong>de</strong> levá-lo a uma reflexão <strong>do</strong> <strong>papel</strong> da<br />
mulher na atualida<strong>de</strong>.<br />
Verifica-se que, <strong>no</strong>s <strong>do</strong>is textos analisa<strong>do</strong>s, a competência situacional configurou,<br />
em parte, a competência discursiva, e esta, por conseqüência, mol<strong>do</strong>u a competência semiolingüística.<br />
Percebe-se que há semelhanças entre os textos estuda<strong>do</strong>s, como o mo<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> organização pre<strong>do</strong>minantemente argumentativo (problematizar, elucidar e provar),<br />
Faculda<strong>de</strong>s Integradas <strong>de</strong> Taquara/<strong>Faccat</strong> | 131
a <strong>de</strong>scrição e/ou narração como estratégia persuasiva (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da forma como é<br />
utilizada), a subjetivida<strong>de</strong> implícita ou explícita, os elementos paratextuais. Po<strong>de</strong>-se afirmar<br />
que essas semelhanças existem entre os <strong>do</strong>is textos porque eles pertencem ao mesmo<br />
<strong>gênero</strong>: carta ao leitor. A opção <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r pelo uso <strong>de</strong> atos enunciativos difere<br />
<strong>no</strong>s textos analisa<strong>do</strong>s: <strong>no</strong> texto da Veja, pre<strong>do</strong>mina o ato <strong>de</strong>locutivo, o que provoca um<br />
efeito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e um distanciamento maior entre os interlocutores, já que o foco é o<br />
referente; <strong>no</strong> texto da revista Cláudia, ao contrário, pre<strong>do</strong>minam os atos elocutivo e alocutivo,<br />
o que engaja o locutor em seu discurso e o aproxima <strong>do</strong> <strong>de</strong>stinatário, revelan<strong>do</strong><br />
uma cumplicida<strong>de</strong> entre os sujeitos interlocutores. Além disso, evi<strong>de</strong>ncia-se o emprego<br />
<strong>de</strong> estruturas sintáticas e itens lexicais mais elabora<strong>do</strong>s e formais <strong>no</strong> texto da Veja em<br />
comparação com o da Cláudia, valen<strong>do</strong>-se esta <strong>de</strong> uma linguagem informal, espontânea,<br />
familiar ao público a quem se <strong>de</strong>stina o texto.<br />
Constata-se, pois, que as diferenças entre os <strong>do</strong>is textos são <strong>de</strong>terminadas, em<br />
parte, a partir da competência situacional, pois a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> tema, o objetivo traça<strong>do</strong> e<br />
o público visa<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminam, em gran<strong>de</strong> parte, a escolha <strong>do</strong> ato enunciativo e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> organização <strong>do</strong> texto e influenciam as escolhas <strong>no</strong> nível semiolingüístico.<br />
A partir da análise <strong>do</strong>s textos, foi possível observar as três competências comunicativas,<br />
propostas por Patrick Charau<strong>de</strong>au, e analisar como os recursos lingüísticos<br />
são manipula<strong>do</strong>s pelo sujeito argumenta<strong>do</strong>r, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> a forma como ele mobiliza<br />
suas estratégicas discursivas para atingir seu interlocutor. Também se pô<strong>de</strong> comprovar<br />
os postula<strong>do</strong>s da Teoria da Enunciação <strong>de</strong> Émile Benveniste em relação à intersubjetivida<strong>de</strong>,<br />
pois to<strong>do</strong> sujeito enuncia<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ixa marcas (mais ou me<strong>no</strong>s explícitas) em seu discurso,<br />
não haven<strong>do</strong>, portanto, discurso neutro ou objetivo. Cabe lembrar que, nas cartas<br />
ao leitor, a subjetivida<strong>de</strong> revela não só a opinião <strong>do</strong> sujeito enuncia<strong>do</strong>r, mas também<br />
expressa, principalmente, a i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong> veículo midiático. Fica evi<strong>de</strong>nte que a competência<br />
situacional <strong>do</strong>mina e or<strong>de</strong>na, em gran<strong>de</strong> parte, as outras duas competências, pois<br />
ela contém os elementos essenciais e <strong>de</strong>cisivos para construir a <strong>comunicação</strong>: protagonistas<br />
<strong>do</strong> discurso, finalida<strong>de</strong> discursiva, tematização e circunstâncias materiais da troca<br />
linguageira. Através <strong>de</strong>sses da<strong>do</strong>s, o sujeito comunicante elabora seu projeto <strong>de</strong> fala em<br />
função da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s protagonistas da <strong>comunicação</strong> e da sua finalida<strong>de</strong> discursiva.<br />
De posse <strong>de</strong>ssas informações, o comunicante as utiliza para <strong>de</strong>senvolver a competência<br />
discursiva, organizan<strong>do</strong> seu texto quanto à or<strong>de</strong>m enunciativa, enunciatória e semântica,<br />
sen<strong>do</strong> capaz, através da intersubjetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> manipular (EU) e reconhecer (TU) as<br />
estratégias da encenação discursiva.<br />
Observa-se que a or<strong>de</strong>m enunciativa, ou seja, a or<strong>de</strong>m que representa a forma<br />
como o locutor modaliza seu discurso, é usada <strong>de</strong> diferentes mo<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s textos analisa<strong>do</strong>s<br />
como uma estratégia com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> chamar a atenção <strong>do</strong> interlocutor, seja<br />
focan<strong>do</strong>-se na tese (<strong>de</strong>locução), explicitan<strong>do</strong> posições e partilhan<strong>do</strong> experiências (elocução)<br />
ou inserin<strong>do</strong> o interlocutor na enunciação (alocução). A or<strong>de</strong>m enunciatória também<br />
tem um <strong>papel</strong> importante: embora os textos pertençam ao <strong>gênero</strong> <strong>textual</strong> carta<br />
ao leitor e o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização seja pre<strong>do</strong>minantemente argumentativo, observa-se<br />
que os textos em geral são plurais, heterogêneos, uma vez que neles estão imbrica<strong>do</strong>s<br />
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diferentes mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> organização discursiva: o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização <strong>de</strong>scritivo foi usa<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> forma expressiva <strong>no</strong>s textos analisa<strong>do</strong>s com um fim persuasivo. E a or<strong>de</strong>m semântica,<br />
isto é, o “saber compartilha<strong>do</strong>” entre os sujeitos da <strong>comunicação</strong> <strong>no</strong> ato linguageiro, é<br />
constatada <strong>no</strong>s textos contempla<strong>do</strong>s, pois se evi<strong>de</strong>ncia que o locutor se preocupa com o<br />
conhecimento prévio <strong>de</strong> seu interlocutor para, a partir daí, partilhar com ele sua tese.<br />
A análise <strong>de</strong>senvolvida autoriza, por conseguinte, a reafirmar duas proposições:<br />
(1) a competência semiolingüística é, em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s elementos<br />
<strong>do</strong> quadro situacional e das exigências da organização <strong>do</strong> discurso, visto que essa<br />
competência serve para expressar e representar uma situação comunicativa, empregan<strong>do</strong><br />
o locutor a<strong>de</strong>quadamente os recursos lexicais e sintáticos na formalização <strong>do</strong> texto<br />
para promover senti<strong>do</strong>s;<br />
(2) embora alguns textos, à primeira vista, possam parecer neutros ou objetivos,<br />
sempre possuem traços <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>, pois nenhum discurso ocorre <strong>no</strong> vazio, mas<br />
proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> um enuncia<strong>do</strong>r que se dirige a um alocutário.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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lingüística geral II. Campinas: Pontes, 1989.<br />
______. Da subjetivida<strong>de</strong> na linguagem. In: ______. Problemas <strong>de</strong> lingüística geral I.<br />
5. ed. Campinas: Pontes, 2005.<br />
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Campinas: Pontes, 1989.<br />
CHARAUDEAU, Patrick. De la competencia social <strong>de</strong> comunicación a las competencias<br />
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p. 7-22, ago. 2001.<br />
______. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.<br />
______. Grammaire du sens et <strong>de</strong> l’expression. Paris: Hachette, 1992.<br />
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______. L’argumentation n’est peut-être pas ce que l’on croit. Le français aujourd’hui.<br />
Paris: n. 123, p. 6-15, sept. 1998. Artigo traduzi<strong>do</strong> por GIERING, Maria Eduarda. A<br />
argumentação talvez não seja o que parece ser. In: GIERING, Maria Eduarda; TEIXEIRA,<br />
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aplicada. São Leopol<strong>do</strong>: Unisi<strong>no</strong>s, 2004. p. 33-44.<br />
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